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1.° No documento n.° 3 a pag. 7, que é o despacho já lido pelo sr. Pinto de Magalhães. O chefe militar mandar sempre requerer á commissão de recenseamento.
2° No edital (documento n.° 4) a pag. 8, afixado á porta da casa do chefe militar e assignado pelo presidente da commissão de recenseamento.
3.° No proprio requerimento dos protestantes a pag. 8, onde elles dizem: «Dizem os abaixo assignados, cidadãos eleitores d'este concelho, constando-lhes que se acha assignado na porta da residencia d'este commando um edital em nome da commissão de recenseamento, assignado pelo presidente da mesma Manuel Mendes da Conceição Machado, etc...»
Elles proprios dizem que estava na porta da casa da administração o edital da commissão do recenseamento assignado pelo seu presidente. Como negar pois que existia commissão de recenseamento? Accresce tambem o despacho a pag. 9 do folheto dado pelo chefe a este requerimento que é d'este teor:
«O chefe não tem auctoridade de ordenar á commissão do recenseamento que a eleição seja feita n'este ou n'aquelle logar podem requerer á mesma commissão.»
Mas diz-se (fez-se muita força n'este argumento que é o 3.°) «todos os actos da commissão (se a houve) foram nullos, porque segundo o decreto de 11 de janeiro de 1853, que modificou n'esta parte a lei commum, a commissão, por ser na provincia de Angola, devia ser presidida pelo chefe do districto.
Este argumento, que á primeira vista póde illudir, para nada presta.
Confesso que não foi a auctoridade militar (apesar d'esse decreto), quem presidiu á commissão de recenseamento. Querem saber por que? Por varias rasões que vou adduzir; e talvez ainda haja mais, mas devo ser conciso.
A primeira rasão é porque desde que se publicou esse decreto de 11 de janeiro de 1863, que manda que a commissão de recenseamento fosse presidida nos presidios de Angola pelos chefes militares, entendeu-se, e muito bem, que tal disposição não podia ter applicação nas localidades que não fossem verdadeiros presidios militares, e onde houvesse camaras municipaes que podiam proceder á instituição das commissões do recenseamento (apoiados).
Nas localidades pois onde, como em Ambaca, houvesse camaras municipaes em que se podia dar execução ao decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852, que era a lei commum, não se considerou este decreto em vigor. E porque? Por um motivo, que não póde ser desconhecido a todos os homens que são liberaes; porque é muito mais liberal que as commissões de recenseamento sejam presididas segundo o direito commum, que é o decreto de 30 de setembro de 1852, do que pela auctoridade militar(apoiados). Ninguem quereria, penso eu, adoptar para o continente o principio das commissões de recenseamento serem presididas pelo administrador do concelho, ou pela auctoridade militar (apoiados).
A intelligencia, que se deu em Angola ao decreto de 11 de janeiro de 1853, foi confirmada subsequentemente por esta camara, porque approvou sempre desde 1853 até hoje todas as eleições, não sendo as commissões de recenseamento presididas pelo chefe militar.
Esta jurisprudencia constantemente seguida pela camara, e que é a mais notavel, constitue uma interpretação authentica; o salvo o respeito a que nunca sei faltar aos meus collegas, seria um contrasenso, ou antes absurdo, o annullar a eleição por esse fundamento (apoiados).
Mas não é só isto; ha mais ainda. O decreto de 11 de janeiro do 1853, que dava a presidencia das commissões de recenseamento em Angola aos chefes militares dos presidios, foi publicado pelo governo em virtude da auctorisação concedida nó artigo 118.° do decreto eleitoral do 30 de setembro de 1852, o qual permittia ao governo fazer no decreto de 30 de setembro as alterações exigidas pelas circumstancias especiaes das provincias ultramarinas; mas sujeitou ao mesmo tempo o governo a vir dar conta ás côrtes d'essas alterações. Ora o decreto de 11 de janeiro de 1853 nunca foi sujeito á approvação das côrtes, nunca teve sancção legislativa.
Mas ainda quando esse decreto a tivesse tido havia, quanto a mim, caducado em 1859, porque a lei de 23 de novembro d'esse anno é uma lei que regula as eleições, tanto no continente como no ultramar (apoiados), e que revogou todas as disposições geraes ou especiaes anteriores em opposição a ella (apoiados); e essa lei, em materia de recenseamento, considera em vigor, com algumas alterações, o que estava disposto anteriormente no decreto de 30 de setembro de 1852, sem excepção alguma, e com referencia ao decreto de 11 de janeiro de 1853. Portanto, ainda quando tal decreto tivesse tido sancção legislativa, ficou revogado pela lei de 23 de novembro de 1859 (apoiados).
A lei de 23 de novembro de 1859 fez mais, retirou ao governo a faculdade que lhe tinha dado o artigo 118.° do decreto com força de lei de 30 de setembro de 1852, e apenas no seu artigo 27.° lhe permitte fazer a divisão dos circulos eleitoraes nas provincias ultramarinas. Nada mais. E isso mesmo com a condição de a submetter ao corpo legislativo.
Foi por isso que, mandando o governo por decreto de 28 de novembro de 1859 proceder á eleição de deputados em Angola, disse n'esse decreto que se observassem o decreto de 30 de setembro de 1852 e a lei de 13 de novembro de 1859, com referencia ao decreto de 13 de janeiro de 1853.
Mas o sr. Garcez não admitte para Ambaca o direito commum, porque affirmou que lá não havia camara municipal, nem julgado. Não é exacto. O concelho de Ambaca estava fazendo parte da circumscripção municipal do Golungo Alto.
Foi d’ahi desannexado, e ficou constituindo municipio independente, pela portaria do governador geral de 26 de novembro de 1857 (Boletim, n.° 635), approvada pelo governo da metropole em portaria do ministerio da marinha e ultramar de 30 de janeiro de 1858 (Boletim, n.° 663).
Camaras ou commissões municipaes têem sido successivamente nomeadas em Ambaca desde então até hoje. Para não cansar a camara, limitar-me-hei a indicar as portarias dos governadores de 26 de novembro de 1857 (Boletim, n.° 635), de 13 de janeiro de 1860 (Boletim, n.° 745), de 28 de dezembro de 1861 (Boletim, n.° 848), etc...
Além d'isto foi tambem creado em Ambaca um julgado por decreto de 30 de agosto de 1862, que vem na collecção de legislação.
— Mas não houve recenseamento — (quarto argumento dos adversarios). O recenseamento ali esta (apontando para o processo eleitoral), e tanto existiu que para infirmarem o seu valor dizem ser defeituoso.
Esse recenseamento (dizem) esta mal feito, porque comprehende maior numero de eleitores do que devia comprehender, e é este o quinto argumento.
Não admitto nem se póde admittir esse modo de argumentar (apoiados). Nos termos do artigo 104.° § unico do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852, a camara não é tribunal de recurso para conhecer do recenseamento.
Os impugnadores, tão habeis em arranjar protestos, tinham a porta aberta para todos os recursos, recorressem em tempo d'esse recenseamento (apoiados). E nem se diga que o recenseamento foi arranjado á ultima hora, por isso que o certificado do chefe do districto, a pag. 7 do folheto, mostra ter sido remettida copia do recenseamento ao governador geral da provincia, em maio, isto é, tres mezes antes da eleição!
Mas eu não fujo da questão mesmo n'esse terreno, e lá vou ataca-la.
Porque tem o recenseamento gente de mais? Porque ha uma certidão do escrivão deputado da junta de fazenda de Loanda, a pag. 13 do folheto, a qual mostra que em Ambaca apenas 1:362 individuos pagam 1$000 réis de dizimo, d'onde deduzem ser por isso impossivel haver 3:981 eleitores.
O sr. Pinto de Magalhães já respondeu triumphantemente a este argumento com o resto da informação do escrivão da junta de fazenda, que o sr. Garcez não leu; mas eu acrescentarei ainda mais alguma cousa.
1 Não se póde argumentar contra o recenseamento com o lançamento da contribuição do dizimo:
1.° Porque no decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852, artigo 27.° n.° 1, admitte-se clara e positivamente a hypothese do individuos não figurarem no lançamento, e deverem, apesar d'isso, ser incluidos no recenseamento.
2.° Porque no ultramar em vista, finalmente, do artigo 112.° d'aquelle decreto, são os eleitores apurados não só com respeito ao lançamento da decima, mas tambem em attenção ao dizimo, e a outra qualquer contribuição, ou sómente com respeito á renda presumivel, não havendo contribuição que a demonstre.
É assim devia ser, dando-se no ultramar o abuso (que aliás deve ser fulminado) de haver muita gente que paga contribuições sem figurar no lançamento, com grave prejuizo da fazenda publica.
3.° Porque, alem da contribuição do dizimo, ha as contribuições municipaes, ha as congruas do parocho, ha as passagens do Lucalla, etc.. que não são de tão pouca importancia.
Quer a camara fazer uma idéa do que valem no sertão as contribuições municipaes? A camara do Golungo Alto, limitrophe de Ambaca, foi, ainda não ha muito, mandada metter em processo pelo facto de ter distrahido da receita municipal mais de 3:000$000 réis; e note-se que não era a totalidade da receita municipal, era apenas uma parte d'ella.
Querem tambem saber o que vale o dizimo em Ambaca? Eu vou dize-lo com referencia a epochas em que andava arrematado:
No triennio de 1847-1848 produziu 17:200$000 réis
No de 1851-1853................... 22:040$000 »
No de 1856-1858................... 22:040$000 »
4.° Finalmente, porque não é licito concluir da não inclusão no lançamento para a exclusão do recenseamento.
Se eu tivesse sido excluido do recenseamento pela commissão, e, pagando 30$000 réis de decima, me apresentasse com o meu recibo na occasião da votação na assembléa eleitoral, admittiam-me o voto? Não.
Ora assim como estando incluido no lançamento me não admittem a votar se não estiver recenseado, tambem estando incluido no recenseamento me hão de admittir a votar, embora não esteja incluido no lançamento.
«Congruas de parochos!» O sr. Garcez, e ía-me esquecendo isto, insurrecionou-se contra esta idéa, dizendo que não havia lá nem igrejas nem parochos. A asserção é inexacta. Póde não existir de pé a igreja, porque os governos têem descurado esse negocio; mas se não ha bellos templos, ha duas barracas onde se celebram os officios divinos, e ha duas freguezias, a de Nossa Senhora da Assumpção, e a de S. Joaquim de Maluca.
E impossivel, instam ainda os contrarios, que em Ambaca haja tres mil e tantos eleitores, quando não ha circulo eleitoral no reino com tal numero de eleitores! A rasão, por que não ha circulo no reino que tenha esse numero de eleitores, é porque não ha circulo eleitoral no reino que tenha a população de Ambaca, e que tenha a extensão daquelle concelho, que abrange um territorio superior a metaãe do continente de Portugal!
Acha-se extraordinaria a população de 60:000 almas, e não o é Se a estatistica official fosse feita depois da eleição do sr. Antonio Julio, poderia haver suspeita; mas é anterior, e confeccionada pelas anteriores.
Concorda com a de Lopes de Lima no Ensaio estatistico sobre Angola, publicado em 1846; concorda com a de Sousa Monteiro, no Diccionario geographica do ultramar, publicado em 1849; concorda finalmente com os calculos dos escriptores e viajantes estrangeiros.
O sr. Arrobas leu hontem o que a este respeito diz o celebre dr. Livingstone; o celebre viajante inglez, que não é muito affecto a Portugal, procura sempre apoucar-nos por todos os modos, e cujo testemunho é por isso insuspeito n'este ponto. Livingstone, fazendo a viagem de Moçambique para Angola, esteve em Ambaca; diz = que é o districto mais povoado da provincia de Angola, que tem 70:000 habitantes, e que os pretos ali são os mais instruidos de toda a provincia, sendo excepção haver um que não saiba ler e escrever. Explica este facto, attribuindo-o aos serviços dos capuchinhos, que em tempo estiveram estabelecidos na missão de Caenda, onde fizeram muitos serviços á religião e a Portugal. Depois da extincção das ordens religiosas, diz Livingstone, e diz a verdade, porque o affirmam todos os que têem transitado por aquellas regiões, os negros, que sabem, ensinam os que o não sabem a ler e escrever; individuos que ali têem andado dizem que os carregadores até os momentos de descanso para isso aproveitam.
Mas alem de Livingstone temos mais. Vogel, escrevendo ha poucos annos sobre Portugal e suas colonias, diz a pag. 547:
«Un de leurs établissementsprincipaux (dos capuchinhos), étaitceluide Cáhenda, aunord de Ambaca. Livingstone parte de la reconaissance vive et áurable que ce district a gardée pour les bienfaits des peres, grâce aux quels (note-se bem) tout le monde y sait lire et écrire, les habitants continuant de se l’apprendre mutuellement.»
Não citarei outros testemunhos, como o de Hoefer, que em 1819 calculava perto de 40:000 almas a Ambaca, e invocarei os de casa.
Manuel Alves de Castro Francina, no Itinerario de uma jornada de Loanda ao districto de Ambaca, em 1846, publicado nos Annaes do conselho ultramarino (parte não official, serie 1.ª, de fevereiro de 1854), escreveu o seguinte:
«O povo de Ambaca é talvez o mais civilisado dos nossos districtos e presidios, pois (note-se bem) e raro o preto ambaquista que não saiba ler e escrever, ainda que mal, ou pelo menos assignar o seu nome.»
Temos mais o decreto de 20 de agosto de 1862 que creou o julgado de Ambaca, em cujos considerandos se diz:
«Achando-se determinado pelo artigo 8.° § unico do decreto com força de lei de 30 de junho de 1862, que seja immediatamente constituido em julgado todo o presidio ou districto da provincia de Angola dos administrados pela auctoridade local militar, apenas se mostre reunir as condições necessarias;
«Considerando que o districto de Ambaca é um dos maiores d'aquella provincia, e que, como consta pela informação dada pelo conselheiro presidente da relação de Loanda em 7 de janeiro d'este anno, tem numero mais que sufficiente de pessoas aptas para o exercicio dos cargos municipaes e de julgado e que (note-se bem) quasi todos os seus habitantes sabem ler e escrever:
«Hei por bem determinar que o mencionado districto seja constituido em julgado.»
Temos pois a opinião de auctoridades nacionaes e estrangeiras, a de particulares insuspeitos, e documentos officiaes.
Não era eu obrigado a tratar a questão n'este terreno, porque não póde a camara decidir sobre se os recenseamentos estão bem ou mal feitos; mas como a questão fugiu para esse campo, não quiz deixar do combater o que se disse, porque é inexacto.
Houve ainda um outro argumento que é insignificante, e reduz-se a ter sido a eleição feita em casa de um particular e não na do chefe. A rasão é porque a casa do chefe é um albergue que nada vale, e sem capacidade; escolheu-se por isso a casa do cidadão Mendes Machado, em que sempre se tem feito a eleição, como consta dos respectivos processos eleitoraes.
O sr. Carlos Pacheco Bettencourt, digno juiz de uma das varas da comarca de Loanda, no Relatorio da correcção judicial aos julgados, feita este anno, e agora impresso em Loanda, fallando da casa do chefe de Ambaca, explicou-se por este modo (pag. 20):
«A residencia é uma cubata com mui poucos commodos, já bastante velha, mas reparada bastante pelo actual chefe.»
Queriam que a eleição se fizesse n'uma cubata? Seria ridiculo.
Não devo cansar mais a attenção da camara. Tenho respondido a todos os argumentos, mas peço ainda licença para acrescentar algumas considerações que em minha consciencia entendo serem verdadeiras. Não quero justifica-las com documentos officiaes; podia produzi-los, mas não quero.
Nas outras assembléas eleitoraes do 2.° circulo fizeram-se todos os esforços para que saísse eleito o cavalheiro a quem o resultado da eleição não foi favoravel.
Empregaram-se ainda mais esforços em Ambaca, mas foram inuteis, porque ha ali individuos que arrastam os eleitores, como succede no continente, onde o prestigio moral e a influencia de certos individuos faz decidir da eleição, e esses individuos eram menos affectos ao candidato vencido.
Fez-se a eleição em Ambaca. O portador das actas a custo chegou com ellas a Loanda, porque a sua vida consta-me que perigou, e deve te-la salvo ao haver sido avisado e prevenido, tomando caminho desviado no mato!
Se houve nullidades, foi nas assembléas em que foi votado o candidato Calheiros; mas não influiram no resultado da eleição, porque Ambaca, onde tudo correu regularmente, constitue grande maioria.