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SESSÃO DE 17 DE JUNHO DE 1869

Presidencia do exmo sr. Diogo Antonio Palmeiro Pinto

Secretarios - os srs.

José Gabriel Holbeche
Henrique de Barros Gomes

Chamada - 56 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão - os srs. Adriano Pequito, Agostinho de Ornellas, Costa Simões, Villaça, Falcão de Mendonça, Silva e Cunha, Veiga Barreira, A. J. Pinto de Magalhães, A. Pinto de Magalhães Aguiar, Falcão da Fonseca, Eça e Costa, Barão da Ribeira de Pena, Barão da Trovisqueira, B. F. Abranches, B. Francisco da Costa, Caetano de Seixas, Carlos Bento, Cazimiro, Ribeiro da Silva, Conde de Thomar (Antonio), Custodio Joaquim Freire, Palmeiro Pinto, Fernando de Mello, F. J. Vieira, Coelho do Amaral, Diogo de Sá, G. Quintino de Macedo, Barros Gomes, Noronha e Menezes, H. de Macedo, Vidigal, Baima de Bastos, Corvo, Assis Pereira de Mello, Aragão Mascarenhas, Matos Correia, Nogueira Soares, J. Pinto de Magalhães, Cardoso, J. A. Maia, Galvão, Correia de Barros, Bandeira de Mello, Infante Passanha, Holbeche, J. M. Lobo d'Avila, José de Moraes, Oliveira Baptista, Silveira e Sonsa, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Affonseca, Espergueira; Penha Fortuna, Paes Villas Boas, Visconde de Guedes.
Entraram durante a sessão - os srs. Braamcamp, Alves Carneiro, Ferreira de Mello, Pereira de Miranda, Guerreiro Junior, Fontes, Sousa e Menezes, Montenegro, Saraiva de Carvalho, Belchior Garez, F. F. de Mello, Francisco Costa, Bessa, Gil, Alves Matheus, Joaquim Thomás Lobo d'Avila, Sette, Dias Ferreira, Mello e Faro, Firmo Monteiro, Rodrigues de Carvalho, Mello Gouveia, Mendes Leal, L. A. Pimentel, Fernando Coelho, Valladas, Mathias de Carvalho, Oliveira Lobo, Visconde de Bruges, Visconde do Carregoso.
Não compareceram - os srs. Sá Nogueira, Sá Brandão, A. J. de Seixas, Antonio Pequito, Costa e Almeida, F. L. Gomes, Santos e Silva, Ferrão, Mendonça Cortez, Lemos e Napoles, Luciano de Castro, Teixeira Queiroz, Latino Coelho, José Maria dos Santos, Nogueira, Levy, Manuel A. de Seixas, Raymundo V. Rodrigues, Calheiros, Visconde dos Olivaes.
Abertura - Á uma hora da tarde.
Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio dos estrangeiros, remettendo copias das notas que o ministro do Brazil n'esta côrte enviou áquelle ministerio, era resposta á que lhe havia passado em 27 de janeiro ultimo, para lhe communicar as moções de felicitação approvadas pelas camaras legislativas portuguezas por motivo dos triumphos alcançados pelas armas brasileiras.
Á secretaria.
2.° Do ministerio da guerra, remettendo a conta de fundo da remissão do serviço militar de mancebos recrutados, referida ao anno de 1868.
Mandou se publicar no Diario.
3.° Do ministerio das obras publicas, declarando, era satisfação ao requerimento do sr. deputado Antonio Pinto de Magalhães Aguiar, que os documentos pedidos por este nobre deputado se achara publicados no Diario de Lisboa n.ºs 275 e 277 de e de agosto e 6 de dezembro de 1867 e n.° 26 de 3 de fevereiro de 1868.
Á secretaria.

Requerimento

Requeremos, que pelo ministerio das obras publica, sejam enviados a esta camara, com a maior brevidade possivel, os seguintes esclarecimentos sobre o estado das obras publicas no districto do Funchal:
1.° Uma nota dos projectos e orçamentos das obras publicas já approvados pelo governo, mas ainda não começados, com a data da approvação de cada um dos referidos projectos e orçamentos;
2.° Uma nota das obras publicas já começadas, mas actualmente interrompidas;
3.° Uma relação das obras publicas actualmente em construcção;
4.° Uma nota das sommas efectivamente gastas em obras publicas no districto do Funchal, desde o anno economico de 1860 a 1861 até ao presente.
Sala das sessões, 17 de junho de 1869. = Agostinho de Ornellas de Vasconcellos, deputado pela Ponta do Sol = Dr. L. V. de Affonseca, deputado pelo Funchal.
Foi remettido ao governo.

Nota da interpellação

1.º Desejámos interpellar o sr. Ministro do reino ácerca da extincção da escola medico-circugia do Funchal, e da conversão do lyceu da mesma cidade de 1.ª classe para 2.ª
Sala das sessões, 17 de junho de 1869. = Dr. Luiz Vicente de Affonseca, deputado pela Madeira = Agostinho de Ornellas de Vasconcellos.
2.º Requeiro para ser inscripto para tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. José de Moraes ao sr. Ministro das obras publicas, sobre a construcção da estação da Granja, defrente de Montemor o Velho.
Sala da sessões, 17 de junho de 1869. = José Galvão, deputado por Cantanhede.
Mandou-se fazer a devida participação.
O sr. Espergueira: - Peço a palavra para declarar que compareci á sessão de 10 do corrente.
O sr. Filippe Vieira: - Mando para a mesa um attestado, pelo qual provo que tenho estado doente desde o dia 2 do corrente mez, e por isso não tenha comparecido ás sessões.
O sr. Sette: Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Oliveira de Azemeis, pedindo a esta camara que approve o projecto de lei apresentado pelo sr. Alves Carneiro, a fim de excluir do registo as servidões de predios rusticos. São tão judiciosas as rasões adduzidas na representação, que me abstenho de acrescentar outras, limitando-me a pedir a v. exa. se digne enviar este documento á commissão a que está affecto o projecto a que me refiro.
O sr. Luiz de Campos: - Mandou para a mesa um requerimento de duas irmãs do fallecido marechal do exercito, conde de Santa Maria, em que pedem que se lhes leve em conta os serviços relevantissimos de seu irmão, para que a camara lhes arbitre uma petiço.
Não é occasião de encarecer os serviços do marechal, que o paiz bem conhece.
Parece-me que este requerimento não se oppõe antes pelo contrario, está incluindo no artigo 1.° § 2.° da lei de l de junho de 1867, que diz (leu).
A occasião não é de certo a mais propria para vir pedir pensões ao paiz (apoiados), quando tratâmos, por todos os meios, de reduzir as despezas publicas; todavia o que é de [...] justiça é o sempre, qualquer que seja a situação. Não sei se esta justiça assiste ás requerentes; a camara o decidirá; eu porém não faço senão cumprir o meu dever, mandando para a mesa o requerimento.
O sr. Fernando de Mello: - Eu acato sempre as resolu-

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ções da camara; as votações da maioria não as commento, e muito menos as censuro. Não lhes desconheço o valor, eu que tenho em muito a honra de ter logar n'esta casa. Mas permitta-me v. exa. que eu apresente alguns factos dos que se têem aqui passado em relação á questão de instrucção publica, e que, me parece, denotam um certa contradicção entre as palavras do sr. ministro do reino e os actos por elle praticados, e entre os applausos que ouvi aqui na camara, quando a este respeito fallou o sr. ministro, e a votação com que foi abafada a discussão da minha proposta. Sr. presidente, o sr. ministro do reino tinha mandado dizer á commissão de instrucção publica que desejava ter com ella algumas conferencias sobre o decreto que havia reformado a instrucção; a commissão prestou se a esta conferencia, e o sr. ministro, de certo pelos seus affazeres, não pôde comparecer no logar e hora que tinha combinado. Nunca mais tornou a convidar a commissão.
Repetiu aqui s. exa. que desejava muito esta conferencia, e, se ella não tinha tido logar, não tinha sido por culpa d'elle, mas que esperava tirar grande proveito do voto auctorisado da commissão. Eu propuz á camara que desse um certo caracter official a esta conferencia, convidando a commissão a dar o seu parecer sobre a reforma, e a camara entendeu na sua alta sabedoria que não precisava do voto auctorisado da commissão.
Postas as cousas n'este ponto, eu não lhes farei commentarios. Pedi hoje a palavra unicamente para insistir com v. exa., sr. presidente; rogando lhe o favor de mandar outra vez para o ministerio do reino a copia da minha interpellação sobre este objecto.
O sr. ministro do reino, quando fallou outro dia aqui sobre este assumpto, já eram passados muitos dias, depois da apresentação da nota da interpellação, disse que não tinha recebido participação alguma. É possivel que se extraviasse pelo caminho a copia que a mesa de certo enviou immediatamente, e por consequencia pedia a v. exa. que mandasse nova copia e nova insistencia para que a interpellação se realise.
Desejei sempre e desejo ainda hoje tratar as questões de instrucção publica da fórma que menos possa maguar o sr ministro do reino, por quem tenho sincera estima.
Apenas cheguei a Lisboa na abertura d'esta sessão, disse a s. exa. que me parecia que ainda se podia remediar grande parte do mal que provinha da sua fórma, visto que pouco estava em execução. Continuei a insistir com o sr. ministro para que ouvisse a este respeito a commissão de instrucção publica, que se prestava do melhor grado a isso. s. exa. não annuiu a este pedido.
Creio que estamos nas vesperas de se realisarem os grandes inconvenientes que hão de apparecer com a execução do decreto da reforma de instrucção publica; porque vi annunciado n'um jornal que dentro em poucos dias apparecerão os regulamentos de que ainda dependia a execução do resto do decreto.
O sr. ministro do reino disse na outra camara que o tinha obrigado a fazer aquella reforma o conhecimento de algumas corruptellas e de certas mercancias que se faziam no professorado.
Não sei d'essas corruptellas, nem d'essas mercancias, mas o que sei é que havia um lyceu que sendo de 2.ª ciasse, precisava todos os annos de ser inspeccionado na epocha dos exames. Os motivos que determinaram o governo a fazer isto devem estar archivados no ministerio do reino.
Para cohibir esta corruptella e estas mercancias a que se referiu o sr. ministro do reino, provavelmente este lyceu de 2.ª classe, com a mesma organisação e com o mesmo pessoal, foi elevado á categoria de 1.ª classe. Se a reforma foi decretada para que as corruptellas e mercancias se evitem, d'esta fórma não a comprehendo.
Desejava que o sr. ministro do reino declarasse positivamente onde existem estas corruptellas e mercancias. É este um pedido que tenho direito a fazer como professor de um estabelecimento scientifico, e que faço tambem não só em nome dos meus collegas d'aquelle estabelecimento, mas de todos os outros que não aceitam por fórma alguma esta accusação que não merecem e que offende o seu caracter, e que se não póde mesmo fazer em relação a um ou a alguns, sem documentos authenticos que a justifiquem.
Proponho-me discutir na occasião de verificar a minha interpellação a reforma da instrucção publica, sem tomar sobre mim a responsabilidade de algumas das accusações que se têem levantado contra ella. Não sei se atrás da maior parte dos artigos da reforma está um individuo que se quiz beneficiar, ou um que se quiz prejudicar. Não sei se na classificação dos lyceus se lembrou o sr. ministro só de uma certa localidade para se esquecerem todas as outras. Não tomo sobre mim a responsabilidade d'estas accusações. Hei de discutir os artigos pelo que elles dizem e não por fórma alguma pelo que alguem tem dito contra elles. (O sr. Luiz de Campos: - Peço a palavra.)
O nobre deputado e meu collega por Vizeu creio que tomou para o lyceu d'aquella localidade uma parte do que eu disse.
Não faço censura aos professores do lyceu de Vizeu, não discuto a importancia da terra, e se porventura disse que havia um lyceu n'este paiz, que sendo de 2.ª classe e precisando ser inspeccionado na epocha dos exames, foi agora elevado a lyceu de 1.ª classe com o mesmo pessoal e sem modificação nos seus estudos, e porque me parece mo uma cousa pelo menos extravagante. Não vi os documentos da secretaria, dos quaes consta a necessidade da inspecção, e não sei quaes os motivos que levaram os governos a mandarem ali os inspectores. Noto só o facto.
Não me parece que dando-se essa necessidade, sem nova organisação e sem novo pessoal, devesse o lyceu de Vizeu ser elevado de 2.ª classe á 1.ª simplesmente por um telegramma. Por um telegramma, sr. presidente.
Como os argumentos da epocha são os dos algarismos, direi a v. exa. que o lyceu de Vizeu, sendo de 2.ª classe, tem de receita, segundo uma nota que vi publicada ha pouco, em cada anno 978$278 réis pouco mais ou menos e faz despeza 3:587$390 réis.
O lyceu de 1.ª classe mais económico que temos tem despeza de 4:060$000 réis. Este argumento não é meu, é da epocha, é d'este governo pelo menos.
Por consequencia, não sei como á luz dos algarismos, d'este argumento tão frisante da actualidade, se possa defender a elevação do lyceu de Vizeu da classe em que estava para aquella que lhe dá a reforma.
Ainda ha mais. O districto de Vizeu, note v. exa., o de Vizeu, é o unico contemplado com dois lyceus, um de 1.ª classe e outro de 2.ª, quando quasi todos os outros districtos ficam sem nenhum.
Por esta reforma até a vasta provincia do Alemtejo não merece a contemplação de se lhe conservar um lyceu de 1.ª classe.
Previno estes factos, mas declaro que não é sobre elles só que quero fundamentar todas as minhas duvidas, todas as minhas desconfianças acerca da importancia da reforma da instrucção publica. Peço a v. exa. que tenha a bondade de convidar o sr. ministro do reino a vir á camara responder á minha interpellação, e n'essa occasião hei de discutir placidamente e na maior altura que poder a reforma da instrucção publica, não porque tenha a esperança de chegar a um resultado proficuo, mas porque, permitta-se-me a expressão já muito usada, quero varrer a rainha testada.
Como deputado e como professor da universidade tenho obrigação de dizer no parlamento, onde tenho a honra de me encontrar, as duvidas que se me offerecem acerca de uma reforma da instrucção que julgo importante.
A camara de certo não aceita as minhas opiniões, mas em todo o caso cumpro o meu dever.
Concluindo, peço a v. exa. que tenha a bondade de expedir nova copia da interpellação no sr. ministro do reino

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e novas instancias para que s. exa. se dê por habilitado para responder a ella o mais breve possível.

O sr. Luiz de Campos: - Não entrarei na discussão da lei promulgada pelo governo, em virtude da auctorisação de 9 de setembro, porque não é esta a occasião propria. Mesmo, como o decreto sobre a instrucção publica não fazia parte d'aquelles comprehendidos no bill de indemnidade, não tive opportunidade para estuda-lo, guardando-me para quando tenha de ser discutido.

Não tratarei este assumpto; ha comtudo um outro sobre que não posso deixar de fazer algumas considerações, visto que se pronunciou o nome da cidade que eu aqui represento, e se pretendeu mostrar a injustiça de ter ella um lyceu de 1.ª classe.

O sr. Fernando de Mello, que me precedeu, diz que não intenta fazer insinuações aos professores d'aquelle lyceu, ou porventura ás irregularidadcs que ali se dão; mas do que s. exa. tem a certeza é de que, por mais de uma vez, tem sido preciso superintender na forma por que o professorado se desempenha dos seus deveres, mandando para ali o governo, de fora d'aquelle estabelecimento, professores competentes para presidirem aos exames e syndicarem dos seus actos.

S. exa. não quis fazer insinuações, não tenho por consequencia que levanta-las. Todavia é mister derramar alguma luz sobre este incidente, porque os professores do lyceu de Vizeu não podem ficar assim (apoiados).

Eu, sr. presidente, estou convencido que elles têem cumprido o seu dever, e apenas uma má interpretação dada, talvez, por alguns a uma lei sobre ensino particular, foi por causa dos actos a que allude o illustre deputado. O sr. ministro do reino era o mais competente para esclarecer este assumpto; não está presente, explica-lo-hei eu como entendo.

Houve uma epocha em que, pareceu-me, interpretando se mal uma carta de lei, como acabo de dizer, cuja data ignoro, alguns dos professores do lyceu de Vizeu se permittiram o ensino particular, não sei se das suas cadeiras, se de outras, que se leccionavam n'aquelle estabelecimento. Trazia-se isto por toda a parte.

A imprensa do Jornal de Vizeu, com o amor á lei que o caracterisa, entendeu dever protestar contra o que lhe parecia um abuso; ás suas reclamações respondeu o sr. Mártens Ferrão, então ministro do reino, commissionando professores de fora para assistirem aos exames. Aqui está o sr. Henrique de Macedo, que foi ura dos commissionados. Não sei nem quero asseverar se houve irregularidades, ou se deixou de as haver, mas, se pelo facto da affirmativa, estava este lyceu inhibido de poder passar á 1.ª classe, significaria o ataque ás instituições pelos abusos dos homens. Isto não póde ser, porque não é, na minha opinião, um argumento (apoiados).

Muito menos o é a cifra da despesa, que o illustre deputado trouxe para o condemnar. Mas a essa cifra, que creio ser exacta, porque o illustre deputado o diz, opponho eu outra cifra, única cifra a que deve attender-se; é que a media dos alumnos, que aquelle lyceu, como de 2.ª produzia, anda por 200, e o numero de matriculas 600; e um lyceu, que era da 1.ª classe, produzia entre 60 e 70 (apoiados).

Aqui esta a cifra a que é mister attender; quanto á da despeza, se um dia houver senso sufficiente n'este paiz para a mandar para cargo de quem quer adquirir a sciencia, os lyceus que tiverem rasão de ser hão de viver, e creia o illustre deputado que o de Vizeu não ha de morrer, que ha n'aquella província muita dedicação pelo estudo (apoiados). Lamenta o illustre deputado que aquella província tenha dois lyceus, e o Alemtejo ficasse sem um de 1.ª classe? Mas s. exa. devia atacar as circumstancias, os factos, que conduzem a este resultado, e esses conhece-os o meu digno collega.

O Alemtejo, comparado com a Beira Alta, é um deserto; e a collocação dos lyceus deve depender da abundancia da população, da riqueza material não accumulada e do amor ao estudo.

Onde se conhecer que haverá concorrencia, ahi se levantem as escolas á altura a que devam ser levantadas.

Estou convencido que quando o lyceu de Vizeu tenha attingido a sua altura pelo augmento de cadeiras e de professores, ha de o lyceu de Coimbra resentir-se consideravelmente (apoiados).

Isto tambem não são insinuações; mesmo porque não creio que o meu illustre collega tenha algum interesse pessoal no desenvolvimento das vantagens materiaes de Coimbra, que uma diminuição na frequencia póde minorar-lhe (apoiados).

O sr. Fernando de Mello: - Eu tinha pedido a palavra.

O Orador: - Não intentei fazer insinuações, repito-o. Mas assevero o facto: a província da Beira Alta prospera no seu amor pela sciencia e tem as condições da população e da riqueza.

E não é isso devido de certo, di-lo-hei de passagem, áquellas causas em que ha dias assentaram as sabias reflexões do sr. Corvo, meu antigo mestre: não é devido á influencia de estradas e de melhoramentos que s. exa. sabe dirigindo se ao sr. Corvo estão longe de satisfazer as primeiras urgencias de uma viação regular. As estradas até hoje não têem trazido esse grau de adiantamento que s. exa. suppoe, ellas é que têem ido procura?~ liqueza e a população, circumstancias que s. ex.n sabe nos exigem quando traçamos uma directriz.

Mas voltando a Vizeu. Concorrem n'aquclle lyceu seiscentos matriculados, e de um sei eu onde o professor de latim esteve dois annos com tres ou quatro discípulos.

Porque os professores não cumprem o seu dever (o que só por hypothese aceito) segue-se que nunca deverá ser de 1.ª classe. Não me parece logico (apoiados).

Não devo levar mais longe as min hás observações. Levantei-me e fa-lo-hei sempre que se pronuncie aqui o nome da terra que represento. É dever meu e maior prazer tomar sempre a sua defeza. Tem ella muito contribuído pelo seu bem aproveitado estudo, pelo seu trabalho, pela sua abnegação, pelo seu amor de longa data, por as liberdades pátrias (muitos apoiados), pela illustração da sua imprensa emfim, para o progresso d'este paiz (apoiados).

Igualmente incommoda ella muito pouco os governos com pedidos pessoaes, com solicitações de empregos, de favores ou graças. Appello para o testemunho dos proprios ministros e por issso honro-me em defende-la (apoiados).

Se o sr. bispo de Vizeu considerou aquelle lyceu, foi com olhos de ministro do reino e não de director espiritual da diocese, onde não nasceu, onde não sabe se morrerá (apoiados).

S. exa. attendeu a informações competentes e á justiça da causa, e louvor lhes seja (apoiados).

O sr. Henrique de Macedo, que n'aquelle lyceu presidiu aos exames, póde com mais auctoridade dar testemunho do adiantamento e frequencia extraordinaria do lyceu.

Termino, sr. presidente, declarando que uma cidade que se levanta á altura a que Vizeu tem sabido elevar-se pelo seu estudo, energia, trabalho e dedicação por as cousas d'este paiz, tem direito a ser attendida e eu hei de sustentar lhe esse direito quanto em mim caiba (apoiados).

Vozes: - Muito bem.

O sr. Fernando de Mello: - Quando se verificar a interpellação que annunciei, apresentarei todos os argumentos em que se fundam as reclamações que tenho a fazer sobre a reforma de instrucção publica.

Agora, apenas em resposta ao meu collega e amigo, o sr. deputado por Vizeu, direi que de fórma nenhuma tomo sobre mim o valor das accusações que porventura se tenham feito contra o pessoal do lyceu de Vizeu; s. exa. faz-me a justiça de o acreditar.

O sr. Luiz de Campos: - Com certeza.

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O Orador: - Referi-me apenas a documentos que devem existir na respectiva secretaria, em virtude dos quaes tem eido necessário mandar áquelle lyceu um inspector na epocha dos exames (O sr. Luiz de Campos: - Não o nego), e faço justiça aos governos d'este paiz, acreditando que não mandariam um inspector a qualquer lyceu na occasião dos exames, se essa medida não se tornasse necessaria.

O meu reparo consiste apenas em que se eleve a lyceu de 1.ª classe o lyceu de Vizeu para evitar estas irregularidades e que esta elevação tenha logar com o mesmo pessoal, com a mesma organisação de ensino de lyceu de 2.ª classe.

Note v. exa. que em um lyceu de 2.ª classe ou de 2.ª ordem, porque a nova reforma torna synonymos os dois termos, um telegramma bastou para o elevar a 1.ª ordem.

Isto ha de discutir se, e veremos a justiça com que foi tratado o Alemtejo, comparado com Vizeu ou com a província a que pertence Vizeu. Estimo muito a província a que pertence o nobre deputado, porque também é a minha. Sei qual é a sua popularidade e a sua riqueza. Defende-la-hei sempre, porém não me parece que o Alemtejo seja um deserto de tal forma, que não mereça ser instruído.

Eu e o illustre deputado, a quem me refiro, se quizer discutiremos ambos este e outros pontos em presença do nobre ministro do reino quando se realisar a interpellação que annunciei. E tambem discutiremos Coimbra e o seu lyceu.

Agora permitta-me v. exa. que justifique um termo que apparece na minha proposta, e que poderá parecer filho de pouco conhecimento da data que tem o decreto e do valor em que deve ser tomado.

Chamei ao decreto da reforma da instrucção publica decreto dictatorial. Sei que tem a data de 31 de dezembro de 1868. Por consequencia se pode comprehender n'aquelles que foram promulgados em virtude da auctorisação de 9 de setembro do mesmo anno. (O sr. Luiz de Campos: - Apoiado.) Não parece que deva ser dictatorial, mas é. Hei de demonstrar, quando se realisar a interpellação, em como áquelle decreto não póde estar de forma alguma comprehendido na auctorisação.

É um decreto que estabelece um imposto, e por isso lhe chamei dictatorial, porque a auctorisação não permittia decretarem-se impostos. Não desconheço portanto a data, não sei se foi feita até á meia noite do dia 31 de dezembro de 1868. Posso mesmo ter duvida sobre isso. A data official porém é esta, e por isso foi acobertado com a auctoridade, mas emquanto ao mais elle saiu para fora d'essa auctortisação, porque é um decreto que estabelece imposto, o celebre minerval, e por isso não posso deixar de chamar-lhe dictatorial.

O sr. Henrique de Macedo: - Peço a v. exa. que me inscreva para tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. Fernando de Mello.

O sr. Corvo: - Não desejo tomar parte agora n'este incidente, mas como se invocou o meu nome a proposito do assumpto que faz objecto da interpellação do sr. Fernando de Mello, permitia-me o meu collega e amigo que me associe a essa interpellação, mandando para a mesa a seguinte nota (leu).

Quando se realisar a interpellação direi como entendo, bem ou mal, que se deva talvez modificar o decreto, com o qual não concordo.

O sr. Luiz de Cambos: - Não quero levar mais longe a discussão d'este incidente, porque a occasião não é opportuna, e a camará quer passar á ordem do dia.

As faltas que parece ter havido no alludido lyceu, e que provocaram a superintendencia estranha n'aquelle estabelecimento, por occasião de exames, torno a repeti-lo, não quero nem devo aprecia-las e discuti-las agora (apoiados).

Não nego o facto, conheço-o, e o illustre deputado em relação á existencia d'elle disse a verdade, Não preciso ir buscar esclarecimentos ás repartições competentes, porque os tenho na minha memoria.

A conducta de alguns dos professores, se alguma causa teve de reparavel, ha só direito a estranhar-lhes a má interpretação da lei: intencionalmente não póde ter ella sido, porque a todos conheço eu, e a todos tenho como homens de bem, e cavalheiros que prezara o seu bom nome.

Termino pedindo a v. exa. me considere desde já como inscripto na nota de interpellação feita pelo sr. Fernando de Mello ao digno ministro do reino para eu tomar parte n'ella no que respeita ao districto de Vizeu, e cujos direitos hei de sustentar. Se v. exa. quer, mando para a mesa a nota do meu requerimento (apoiados).

O sr. Presidente: - Queira manda-la.

O sr. Abranches: - Peço a v. exa. que consulte a camara se permitte que eu, sem fazer commentario algum, leia apenas um artigo que vem no Diario de noticias que me parece de summa importancia, e para o qual queria chamar a attençao do governo.

O sr. Presidente: - Antes do sr. deputado ha mais senhores inscriptos, e alem d'isso são horas de passar á ordem do dia; entretanto vou consultar a camara.

Vozes: - Ordem do dia, ordem do dia.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camará sobre se quer que o sr. Abranches faça algumas considerações antes de se passar á segunda parte da ordem do dia.

Vozes: - Ordem do dia, ordem do dia.

O sr. Abranches: - Prescindo da palavra, mas desde já declaro que tencionava pedir ao sr. ministro da justiça que trate de prover os logares que estão vagos na relação commercial de Lisboa.

Vozes: - Ordem, ordem.

(Susurro.)

O Orador: - Querem que os processos estejam parados?

Vozes: - Ordem, ordem.
O Orador: - Já disse o sufficiente para que o sr. ministro da justiça cumpra o seu dever.

O sr. Presidente: - Vai passar-se á segunda parte da ordem do dia; mas os srs. deputados que tiverem representações ou requerimentos a mandar para a mesa, podem me dá-los.

O sr. Conde de Thomar (Antonio): - Como me não chegou a palavra antes da ordem do dia, peço a v. exa. consulte a camara sobre se permitte que a palavra me seja concedida quando estiver presente o sr. ministro da justiça. Estou certo de que a camara accederá a este meu pedido, porque o discurso do sr. ministro da justiça collocou-me n'uma posição delicada, e não posso deixar de levantar as asserções proferidas por s. exa. (apoiados).

Peço a v. exa. ponha o meu requerimento á votação da camara.

Consultada a camara decidiu affirmativamente.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do artigo 2.º do projecto de lei n.° 9, na especialidade.

O sr. Falcão da Fonseca (sobre a ordem): - Cumprindo com as prescripções do nosso regimento, começo por ler a minha moção de ordem. É um additamento ao artigo 2.°

O artigo 2.° diz o seguinte:

"Para garantia do juro e amortisação d'este emprestimo poderá o governo destinar, especialmente, os direitos do tabaco que houverem de ser cobrados nas alfandegas do continente do reino."

O meu additamento é o seguinte (leu).

Uma das rasões que me movem a mandar esta proposta para a mesa é a redacção do contrato de 16 de abril acordado entre o governo e a casa bancaria de Londres de mrs. Fruling & Goschen, em virtude do qual os dividendos devem ser pagos em Londres quinze dias antes de se vencer o coupon para o que devem essas sommas dar entrada mensalmente no banco de Portugal ou em outro qualquer,

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conforme for combinado entre o governo e aquella casa bancaria.

Não acho conveniencia alguma em que esse rendimento tão importante como é o do tabaco que orça pouco mais ou menos por 200:000$000 réis por mez, dê entrada n'esses bancos; realmente n'isso não ha conveniencia nem lucro algum para o estado (apoiados).

Nós sabemos que o governo tem muitas vezes de recorrer ao credito dentro do paiz, em pequenas e grandes sommas, e parece-me portanto anti-financeiro e anti-economico que o governo prescinda de aproveitar-se d'esses rendimentos, depositando os no banco de Portugal ou em outro qualquer. Ficará sendo um capital morto.

Por consequencia não acho conveniencia alguma para o thesouro em aceitarmos esta condição, antes pelo contrario grande desvantagem e desperdício.

E entendo que o governo pode e deve dispor do rendimento do tabaco emquanto não se approximar a epocha de satisfazer aos dividendos em Londres.

O que se trata é de saber se o governo cumpre ou não o contrato que assignou e já foi approvado na generalidade por esta camara, fazendo com que os respectivos dividendos sejam pagos em Londres quinze dias antes do vencimento do coupon.

Tendo feito isto, está feito tudo; e é tão somente o que cumpre fazer. Parece-me que nem o sr. ministro da fazenda, nem a illustre commissão, nem nenhum dos meus collegas podem contestar a conveniencia de que este rendimento do tabaco entre effectivamente, como eu proponho, na junta do credito publico. Isto corresponde a habilitar o governo com um recurso importante e permanente.

Pois para que ha de o governo depositar no banco de Portugal uma somma tão avultada sem poder servir-se d'ella, quando é certo que terá de recorrer ao credito pelo anno adiante cm maior ou menor escala, isto é, á divida fluctuante interna?

Alguem persuadir-se-ba que nós, depois de approvado este contrato com a casa Goschen, não mais teremos de lançar mão d'esse recurso. Eu tenho ideas inteiramente contrarias. Parece-me que, ainda que este emprestimo seja contrahido, não só o actual governo, mas os que lhe succecederem hão de ter necessidade de recorrer, e infelizmente ao credito; e quando isto tenha logar devo suppor que não se contrahirá mais divida fluctuante estrangeira, pois que as inconveniencias e desvantagens d'ahi resultantes não sobejamente conhecidas.

Repito que, ainda que nós façamos o milagre de igualar a receita com a despeza publica, estou persuadido de que o governo se ha de sempre ver na dura necessidade de recorrer á divida fluctuante interna, e a rasão é clara. Os encargos sendo certos, e os pagamentos fataes, subido que os rendimentos do estado nem sempre se cobram com aquella pontualidade que é necessaria e devida; e portanto sempre que nos cofres publicos não entrem os rendimentos orçados na devida epocha, ha de haver uma lacuna que obrigará o ministro da fazenda a recorrer ao credito para a preencher, a fim de poder, com a pontualidade que ato hoje tem havido, pagar os diversos encargos do estado. Desejaria que o sr. ministro da fazenda ou algum dos membros da respectiva commissão tivessem a bondade de responder a estas minhas observações.

Ainda ha mais outra rasão, sr. presidente. Quando se discutiu a generalidade do projecto, alguns oradores referiam-se ao ponto em que vou tocar.

Trato da desconsideração com que é tratada uma repartição do estado, essa repartição é a junta de credito publico. Com quanto eu entenda, como já tive occasião de propor n'esta casa, que aquella repartição deva ser extincta, mas extincta em occasião opportuna, parece-me, que, emquanto ella existir e for uma repartição do estado, deve tanto o governo como o parlamento, considera-la por todos os modos, e nunca concorrermos para o seu descredito ou desconsideração. Segundo este artigo a desconsideração é manifesta, e devemos notar que se desconsiderarmos aquella repartição do estado, desconsiderâmo-nos a nós mesmos. Isto é claro e irrespondivel, na minha opinião.

Uma das cousas que eu mais lastimo que se consignasse n'este contrato, é que o rendimento do tabaco dando entrada, ficassem esses dinheiros á ordem dos portadores de obrigações.

Confesso a v. exa. que tenho a maior repugnancia em approvar esta disposição do contrato, e por minha vontade, declaro que seria eliminado todo o artigo 2.°, porque eu entendo que para garantia do emprestimo era mais que sufficiente a assignatura do ministro no contrato, e sobretudo os títulos de 5 por cento que nós vamos emittir. Entretanto vejo que havendo toda a desconfiança por parte d'aquella casa bancaria para com o nosso governo ella tratou de se assegurar por todos os modos ao seu alcance, exigindo que o rendimento do tabaco servisse de garantia e fosse depositado nos bancos á sua ordem; e torna-se de uma condição indispensavel no contrato.

Parece me que esta minha proposta está suficientemente justificada.

Emquanto ao artigo 1.°, que já está votado, senti que me não chegasse a palavra para eu defender a proposta, que hontem tive a honra de mandar para a mesa, identica á do sr. Lobo d'Avila, proposta que como já declarei eu tinha formulado antes da que foi apresentada por s. exa., sendo esta a rasão por que a offereci.

Não vou discutir aquillo que já está approvado, mas espero que a camara, usando para commigo da benevolencia que tem tido para com outros srs. deputados, me permitta dizer, cm breves palavras, quaes foram os motivos por que eu rejeitei a generalidade d'este projecto.

Prometto não abusar da paciencia da camara. Entendo que todos nós devemos ser o mais sobrios possível com relação ao tempo que consumimos n'esta casa.

Preciso comtudo justificar o meu voto na generalidade do projecto, porque entendo que todos os homens publicos devem ter a franqueza e coragem necessarias para apresentarem as suas ideas, e responsabilisarem-se por todos os actos da sua vida.

Eu, n'esta casa, pelo que respeita á política, não sou nem mais nem menos do que era antes de se proceder á ultima eleição de deputados. Tive occasião de declarar aos meus constituintes, e até pela imprensa, que eu aceitaria o mandato com que elles me queriam honrar, mas absolutamente desprendido de qualquer compromisso políticos.

Essa posição que eu tomei antes de se effectuar a eleição c a mesma que occupo hoje n'esta casa.

Por consequencia devem os meus illustres collegas ficar certos que eu nem me considero pertencer á maioria, nem tão pouco á opposição. E declaro com franqueza que hei de apoiar o governo em tudo aquillo que eu vir que é util e conveniente ao meu paiz; mesmo em certas questões políticas que se levantem n'esta casa eu hei de acompanhar o governo, porque entendo que o devemos auxiliar por todos os modos ao nosso alcance, e esforçar-nos para que se conserve por emquanto no poder. O governo não deve, por utilidade publica, abandonar aquellas cadeiras. Conte por consequencia o governo com o meu apoio, fraco mas decidido apoio, não só em questões políticas, mas em tudo que eu julgue util e acertado.

Eu nunca enfeudei, nem enfeudarei o meu voto a governo algum; trato unicamente do bem geral do meu paiz, e voto segundo a minha consciencia me dicta.

Por conseguinte não pense o governo que eu, pelo facto de rejeitar a generalidade d'este projecto, me colloquei em opposição. Não senhores, Não sou opposição, repito, nem maioria.

Diversas sito as rasões que me obrigam a apoiar o gabinete na fórma que expuz.

O nobre ministro do reino da primeira vez que fallou

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n'esta casa, declarando á camara qual era o seu programma politico, disse clara e categoricamente, todos nós o ouvimos ao governo não tem programma político; o programma do governo é o programma do paiz".

Emquanto o governo cumprir este programma ha de me ter a seu lado.

Com relação ao emprestimo de que se trata tenho a dizer que o julgo altamente pernicioso c fatal para o paiz; não posso acompanhar o governo n'esta parte.

O gabinete, sr. presidente, prometteu que, seguindo o programma do paiz, havia de reduzir o mais possível a despeza publica, e só depois recorreria ao imposto.

Vejo que, n'esta parte, o governo de alguma fórma seguiu o programma, porque tratou de fazer varias reducções, importando se pouco em ferir certos interesses adquiridos.

Mas permitta-me o governo que eu lhe diga que se afastou um pouco d'esse programma. O paiz a primeira cousa que exigia era que se fizessem reformas profundas e reduzindo se sensivelmente as despezas publicas, e só depois elle paiz, estaria prompto a fazer os maiores sacrifícios concorrendo com o que fosse necessario, a fim de se resolver de a nossa questão financeira, qual é igualar a receita com a despeza, qual era o igualar a despeza com a receita do orçamento do estado. Mas s. exa. repito, parece-me que se afastaram bastante do tal programma. S. exa. antes de fazerem essas deducções, deviam, quanto a mim, simplificar primeiro, tanto quanto possível, o serviço das repartições publicas; parece-me que s. exa. na conta aberta com o paiz lhe devem um grande saldo.

Isto pelo que diz respeito a reducção de despeza.

Agora com relação a augmentos de receita publica, tambem me parece que s. exas. se afastam fortemente d'esse programma estabelecido pelo paiz. Quer-me parecer que s. exa. n'estas medidas que apresentaram ao parlamento, vão muito alem d'aquillo que era de esperar, e mesmo que devíamos esperar. E eu desde já declaro a s. exa. que algumas medidas ha que eu não porfio approvar, pelo menos sem profundas alterações, e por incidente direi quaes ellas são.

A primeira é com relação ao imposto de exportação sobre o gado bovino.

Quando eu aqui apresentei uma proposta para que as medidas financeiras do governo que interessam mais directamente á nossa industria agrícola, antes da illustre commissão de fazenda dar o seu parecer, fossem remettidas á commissão de agricultura; tive occasião de dizer que achava que a medida a que me refiro, imposto de 4$800 réis, sobre cada cabeça de gado vaccum, não podia ser aceita pelo paiz. É uma industria nascente, todos nós reconhecemos que vae prosperando muito, e que enriquecendo a nossa agricultura deve dar uma grande receita ao estado; mas tenho minhas apprehensões de que, se esta medida for approvada, essa receita era logar de augmentar ha de diminuir, talvez mesmo a ponto de estancar.

(Interrupção.)

Eu já disse que nós devíamos ser tão sobrios quanto possível nas nossas discussões e v. exa. sabe que eu occupo muito poucas vezes a attenção da camara, não só porque reconheço a humildade da minha pessoa e a minha pouca intelligencia, mas porque entendo que devemos poupar o tempo. Creia portanto v. exa. que me hei de restringir o mais que poder. Póde ser que saia um pouco fora do assumpto que está em discussão; mas a benevolencia de v. exa. é tal, e é tal a benevolencia da camara, que tem sido nimiamente bondosa para com todos os meus collegas, não esquecendo também os illustres ministros (ainda antes de hontem nós tivemos d'isso uma nova demonstração) que me anima a pedir a v. exa e, de passagem, me permitta fazer umas brevíssimas reflexões, com relação ao artigo 4.º... Mas se v. exa. não m'o consentir, n'este caso terei de pedir novamente a palavra quando se discutir este artigo...

O sr. Presidente: - Parece-me mais acertado...

O Orador: - Muito bem.

Ia eu dizendo que não me podia conformar com uma das medidas que o governo tinha apresentado n'esta camara, qual era a de 4$000 réis por cabeça de gado bovino, por entender que d'esse modo o governo, em logar de ir animar essa industria, como cumpria, vae me só desanima-la, mas talvez mata-la.

Também não me posso conformar com a medida do governo, que diz respeito ao imposto de exportação, de 20 réis por cada decalitro de vinho.

Nós sabemos, não do agora, mas de ha muito, as difficuldades que os nossos vinhos estilo encontrando nos mercados estrangeiros, sobretudo pelo que respeita á escala alcoolica em Inglaterra, onde não podem competir com os vinhos hespanhoes e francezes, estando nós a solicitar do governo inglez que reduza os direitos; não se comprehende portanto como é que nós podemos elevar o preço dos nossos vinhos, tributando-os na exportação, de modo que vamos colloca-los em peiorcs condições nos mercados estrangeiros, especialmente o inglez e o do Brazil, os unicos, assim se pôde dizer, onde os levamos. Parece-me isto um pouco anti-economico c muito contraproducente.

Disse eu, sr. presidente, que estava de accordo com o governo pelo que respeita a economias e reformas; mas reformas entendo, justas, proficuas e bem entendidas, outras não. Mas, como já disse, parece-me que o governo não seguiu á risca as condições do programma que o paiz lhe marcou.

Com efteito entendo que, para que essas reducções na despeza publica fossem assás profícuas, deviam ser precedidas da simplificação do serviço das diversas repartições do estado, sendo esse serviço distribuído por empregados intelligentes activos, zelosos e honrados. Só assim se póde organisar bem a fazenda publica.

Mas, sr. presidente, eu não entendo que se fizessem as convenientes reducções na despeza publica só porque se exa. extinguiram certas repartições, deitando-se á margem e reduzindo á miseria e á fome muitos dos servidores do estado! (Apoiados.)

Isto não estava no programma do paiz, sr. presidente! (Muitos apoiados.) E eu não posso concordar com o governo n'esta parte (muitos apoiados).

Ainda não ha muitos dias que o illustre deputado, o sr. Corvo, apresentou n'esta casa uma representação dos empregados da repartição dos pesos e medidas contra o decreto dictatorial que extinguiu aquella repartição.

A camara sabe, e de certo o soube com sentimento, que, o governo, ou para melhor dizer o sr. ministro das obras publicas, de um rasgo de penna extinguiu aquella repartição.

Eu não entro agora na apreciação d'essa medida, mas não posso deixar de lastimar profundamente que s. exa. deitasse assim á margem quarenta e oito empregados (muitos apoiados), entregando á desgraça e á fome quarenta o oito familias (muitos apoiados).

Isto não estava no programma do paiz, sr. presidente. E eu estou persuadido de que tanto o paiz como os meus collegas têem o maior, o mais profundo sentimento ao verem que os srs. ministros interpretam d'este modo o alludido programma.

Não, senhores, a nação não quer que só reduzam á miseria quarenta o oito familias dos empregados do estado (muitos apoiados).

Como dizia, nas questões políticas que se levantarem n'esta casa, eu não tenho duvida de prestar o meu apoio ao governo, porque entendo que é conveniente, que os srs. ministros continuem á frente dos negocios publicos. S. exas. devem conservar-se no poder, porque são responsaveis por medidas de grande alcance que prometteram realizar.

Na questão de augmento de impostos, ainda que é a mais odiosa, podem s. exa. contar-me do seu lado, com tanto que se façam certas modificações nas propostas que apresentaram.

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Já sobre a reducção de despeza, com quanto sejam as medidas com que mais se lisonjeia a opinião publica, n'esta parte quando se derem factos como aquelle que acabei de referir, o governo ha de levar o meu voto contra.

E por incidente direi que fazendo a devida justiça aos dignos membros da commissão de obras publicas, a quem está affecta a representação dos empregados da repartição de pesos e medidas, devo esperar que s. exas. offereçam o seu parecer com a brevidade possível.

Uma voz: - Não dá.

O Orador: - Ouço dizer a alguém "não dá". Como deputado, como representante do paiz, declaro que não posso admittir similhante resposta.

Nós somos os primeiros que devemos respeitar o direito de petição (apoiados}.

Um tal direito não se nega a ninguém. E então como é que se diz que não se ha de dar um parecer sobre um requerimento que entrou n'esta casa, uma resposta á representação apresentada por quem se julga offendido nos seus direitos e que recorrem a esta camara?!

Se os peticionarios têem rasão, dê-se-lhes. Se não, diga-se-lhes que não a têem, com a mesma franqueza. E isto o que pede a lealdade e a dignidade do parlamento (muitos apoiados}.

O sr. Montenegro: - Creio que a interrupção não partiu de nenhum dos membros da commissão.

O Orador: - Agradeço a observação do meu illustre amigo, o sr. Montenegro.

O sr. Abranches: - Fui eu que fiz a interrupção, porque entendo que a commissão não tem rasão para demorar esse parecer.

O sr. Montenegro: - Se isto está em discussão, peço a palavra a v. exa.

O Orador: - O objecto não é para desgostar tanto o illustre deputado.

S. exa. ha de notar, e os meus collegas, que, devido ao meu temperamento, costumo, algumas vezes, elevar a voz e tornar certo calor nas discussões; mas, sr. presidente,mas usando da linguagem vulgar, cada qual é como Deus o fez.

O que eu devo certificar a s. exa. é que tenho os mais vivos e sinceros desejos de não ferir susceptibilidades de ninguem. Pelo que vejo susceptibilizei alguns dos meus collegas, mas declaro que não foi esse o meu proposito, e não podia inferir-se do que eu disse insinuação a pessoa alguma; ouvi aquella resposta, e se os srs. tachygraphos a tivessem ouvido, necessariamente a reproduziam nas suas notas, e eu não podia deixa-la passar impunemente.

O illustre deputado disse que essa interrupção não partiu de nenhum dos membros da commissão; repito, agradeço a declaração de s. exa. As questões pessoaes estão prohibidas aqui pelo nosso regimento, e eu, como amigo da boa ordem dos nossos trabalhos, sou o primeiro a pedir a v. exa., o que de certo não era necessario, que sempre que as cousas levem um certo rumo, ou se conduzam para o campo das personalidade, v. exa. seja inexoravel cumpridor das prescripções do nosso regimento; e peço a todos os meus collegas que evitem quanto possam entrar se n'esse campo que eu até reputo perigoso.

E dito isto devo uma explicação ao illustre deputado, o sr. Aragão Mascarenhas, quando estranhou que eu empregasse a palavra - lealdade.

Eu quando disse que devemos respeitar o direito de petição e que era necessário que fizéssemos justiça a quem vinha pedi-la a esta camará, e que, fossemos claros e brancos, tratando d'este negocio com toda a lealdade, esta phrase não podia oílerider nenhum dos meus collegas; queria dizer que nós devíamos ser leaes ao cumprimento dos nossos deveres, por mais espinhosos que elles fossem, porque temos deveres a cumprir, mas de modo algum eu pretendi fazer a mais leve insinuação á rectidão e honrado caracter dos illustres membros da commissão de obras publicas. Quando aqui se apresenta um requerimento ou uma petição, é necessario que se estude e defira ou indefira, mas não se adie indefinidamente.

O sr. Aragão Mascarenhas: - Visto que a minha humilde pessoa está sendo discutida, peço também a palavra em seguida ao sr. deputado.

O Orador: - Eu não discuto a pessoa de v. exa., que para mim não é humilde, mas respeitabilissima.

O sr. Aragão Mascarenhas: - Muito obrigado, mas não posso deixar de discutir tambem.
O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado que se restrinja ao artigo em discussão.

O Orador: - V. exa. sabe perfeitamente quanto o respeito, e ha muito tempo, por muitas rasões, e especialmente porque occupa esse logar, e para mim basta a mais pequena reflexão de v. exa. para eu obedecer-lhe immediatamente.

Eu ia dizendo que não estava, em parte, de accordo com o governo, com relação á forma por que vejo fazer certas economias, e aproveito tambem a occasião para dizer com franqueza que não estou de accordo com o governo a respeito de umas certas idéas que toem sido manifestadas por alguns membros da maioria, e mesmo por parte do proprio governo.

Refiro-me á descentralisação, cujo principio me parece ver condemnado. Se o governo está efectivamente n'estas idéas eu desde já declaro que não posso acompanha-lo n'esta sua doutrina.

V. exa. e a camara sabem que se tem discutido mais a política retrospectiva das administrações passadas, do que propriamente o emprestimo.

Cheguei mesmo a estar em duvida se o que estava cm discussão seria o empréstimo ou a pessoa do sr. Fontes Pereira de Mello; e v. exa., que tem sido tão benevolente, e a camara que o tem acompanhado n'estes sentimentos, de certo não levarão a mal que ou agora explique o meu voto na generalidade.

Qnando rejeitei o projecto em discussão, não rejeitei propriamente o projecto, sr. presidente, rejeitei mas foi...

(interrupção do sr. presidente.)

Appellei ainda agora para a benevolência do v. exa. e da camara. Mas, sr. presidente, parece me que, tendo-se aqui difeutido as administrações passadas;, ato por parte dos srs. ministros, como ainda hontem se discutiram, e não só de 1851 para cá, mas ainda as anteriores, devo convencer-me de que v. exa. não póde deixar de consentir que eu prosiga nas considerações que ia fazendo...

Vozes: - Falle, falle.

N'este ponto sou um pouco orgulhoso, e não posso prescindir dos direitos que me assistem, como membro d'esta casa, c que tenho visto respeitar a todos os meus collegas (apoiados).

O sr. Presidente: - A camara comprehende que é impossível a mesa cumprir rigorosamente as disposições do regimento, porque está sempre alterando essas disposições, por diversas manifestações. Entretanto devo declarar que a camara me encontrará sempre prompto a acatar as suas deliberações.

O Orador: - Agradeço a v. exa. e á camara a generosidade que teve para commigo?

Dizia eu que rejeitando a generalidade do projecto, não rejeitava verdadeiramente o projecto, mas sim o contrato de 16 de abril que o governo celebrou com a casa Fruhling & Goschen de Londres, e rejeitei-o pelos motivos que exporei á camara em poucas palavras. N'esta parte estou de pleno accordo com o que sobre o mesmo ponto declarou o sr. Fontes Pereira de Mello.

Uma das cousas que me indispoz muito contra este emprestimo foi, sr. presidente, ouvir a varias pessoas, e mesmo a alguns dos meus collegas assim a viva voz e mesmo a alguns dos membros da commissão de fazenda, que não tinhamos remedio senão approvar o contrato, porque de outra fórma, teriamos infallivelmente a bancarota; e avançou-se

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ainda, que o sr. ministro da fazenda tinha dentro da sua gaveta um decreto para fazer ponto nos pagamentos, se este emprestimo se não verificasse... (Uma voz : - Isto é novo.)! Não sei se é novo; esta é a verdade, e quando avanço uma proposição d'estas, estou prompto a demonstra-la.

O sr. Ferreira de Mello: - Eu peço ao illustre deputado que a demonstre.

O Orador: - Ainda estou com a palavra.

O sr. Ferreira de Mello: - Por isso mesmo.

O Orador: - Ia eu dizendo que uma das cousas que me indispoz com esta proposta. do governo foi ter-se fallado em bancarota, collocando o parlamento, por assim dizer, entre a espada e a parede, e segredar só que o ministro tinha na gaveta um decreto pelo qual faria ponto nos pagamentos, se não fosse approvado o emprestimo.

Confesso que a minha dignidade, posto que de pouca importancia e quasi zero, mais ainda que zero, se é possivel imaginar-se, ficou profundamente ferido e escandalisado, julguei ser uma affronta ao parlamento. Quiz me parecer que se queria exercer pressão no parlamento; e confesso, repito, feriu me e incommodou-me muito, sendo esta, como disse, uma das rasões que me obrigou a rejeitar a proposta de emprestimo; não foi a rasão principal, mas foi uma d'ellas.

O sr. Ministro da Fazenda: - Se o illustre deputado me permitte que o interrompa, precisava dizer alguma cousa em resposta ao que acaba de dizer.

O Orador: - Com todo o gosto e estimo isso muito.

O sr. Ministro da Fazenda: - Não posso deixar de interromper o illustre deputado, com annuencia d'elle mesmo, de v. exa. e da camara, para protelar energicamente contra a asserção que acabou de apresentar. Eu nunca disse a ninguem, nem nunca entrou na minha mente a mais remota idéa de fazer ponto nos pagamentos; acrescento mais, não ha ninguem que possa dizer, com verdade, que eu tivesse tal cousa em mente, ou que me ouvisse dizer que eu tinha na minha gaveta tal decreto (apoiados). Uma tal medida importava a declaração de bancarota, e não havia ninguem, nem governo nem ministro, que fizesse tal (apoiados). Protesto portanto contra tal asserção.

O governo pediu auctorisação para contrahir este emprestimo, por entender que com o producto d'elle podemos saír de todos os embaraços em que hoje, nos encontrâmos; mas não por fórma alguma que eu entenda que se este emprestimo se não podér votar, se não possa fazer outro, e que nós tenhamos de caír no que diz o illustre deputado.Portanto protesto contra isso, e declaro a v. exa. que quando isso se fizer, não hei de eu ser ministro. (O sr. Falcão da Fonsewca: - Muito bem. - Vozes: - Muito bem, muito bem.)

O Orador: - Eu applaudo-me, sr. presidente, de ter suscitado este desejo ao illustre ministro da fazenda, para fazer esta declaração categorica á camara e ao paiz, e não podia esperar outra resposta de s. exa.

É certo porém que isto se dizia, e eu vejo com maior prazer que não havia fundamento para se propalarem taes boatos.

Acredito na palavra do nobre ministro, e congratulo-me com os meus collegas e
Com o paiz por tão formal e auctorisado desmentido.

Entendo que esta observação que fiz senão deve julgar impertinente nem mesmo indiscreta, quero ser juiz na minha propria causa; o que disse foi resultado do que ouvi, repeti o que dizia, mas á vista da declaração categorica de s. exa., ficam dissipadas todas as duvidas. Mas tambem não era, sr. presidente, dos que acreditava porque....

(Aparte do sr. Henrique de Macedo, que não ouviu.)

Eu fujo sempre do campo das peersonalidades mas ha certos ápartes a que não é possível deixar de responder. Um illustre deputado, que eu muito respeito, pelos seus talentos, e por quem tenho muita affeição, pergunta-me se eu não demonstrava. Ora, a isto respondo eu que ainda estou fallando, e acredite v. exa. que hei de ser até ao fim tão conveniente nas minhas phrases quanto se deve se lo n'esta casa...

O sr. Henrique de Macedo: - Se essas palavras contêem uma insinuação pessoal, intimo-o a uma explicação.

O Orador: - Pois eu declaro ao illustre deputado que não me dou por intimado (apoiados). E de mais, sr. presidente, eu não quero azedar o debate, estou argumentando como sei e posso, e não é minha intenção escandalisar ninguem.

Eu disse ha pouco que tinha rejeitado a generalidade do projecto, e não o parecer da commissão; entendo que o parecer da commissão, a proposta do governo e o contrato de l6 de abril é tudo uma e a mesma cousa, e portanto rejeitando in limine o contrato de 16 de abril, segue-se que devia rejeitar a proposta do governo e o parecer da commissão.

E com isto é preciso que se note, não quero significar que desconheço a necessidade de um emprestimo. Toda a camara e unanime em reconhecer essa necessidade, porém a minha opinião que não precisávamos contrahir um emprestimo tão avultado como a somma que o governo pede.

Foi por isso que apresentei a minha proposta, reduzindo o emprestimo a 12.000:000$000 réis, porque não queria tirar ao governo os recursos necessarios para lhe gerir desafrontadamente os negocios publicos; mas entendo que não devemos ir gravar e orçamento no estado com uma verba de perto de 2.000:000$000 réis, que a tanto sobe a importancia do juro e amortização d'este emprestimo.

A camara rejeitou essa proposta, e só me resta agora acatar respeitosamente, como costumo, a sua resolução.

Entretanto sinto que a proposta do sr. Lobo d'Avila e a minha que era identica não fossem approvadas.

Talvez me engane, mas é possivel que o governo não se aproveite de toda a auctorisação limitando se tanto levantar, se tanto, esses 12.000:000$000 réis.
Se assim succeder, entendo que o governo fará um relevantissimo serviço ao paiz, porque deixamremos de pagar só de juros e amortisação cada anno a elevada quantia de 633:000$000 réis. Isto parece-me que é objectivo.

Um orçamento que apresenta um deficit de 5.278:000$000 réis, ir-mos aggrava-lo, elevando o a 7.200:000$000 réis proximamente, parece me cousa de muita consideração.

O nobre ministro da fazenda, com aquelle zêlo pela fazenda publica que todos lhe reconhecem, e eu sou o primeiro a reconhecer em s. exa. muito zêlo, muita honradez e muita illustração, no que não lisonjeio s. exa., porque digo o que sinto, porque digo a verdade; digo, o sr. ministro da fasenda agoniou se e recebeu mal a idéa de bancarota que assoalhava lá fóra, caso não se realisasse o emprestimo.

Isto é muito louvavel em s. exa., e eu tambem entendo que a bancarota não se póde dar assim tão facilmente, como a alguem parece á primeira vista.

O governo não era obrigado a pagar já a quantia arbitrada para indemnisação á companhia do caminho de ferro de sueste e não era obrigado tambem a pagar de uma só vez a divida fluctuante interna, nem mesmo talvez parte da externa; e o governo devia contar com os meios precisos que o habilitassem de modo que não tivesse de dar um passo tão desgraçado para este paiz, como seria o de bancarota.

Ainda direi a v. exa. qual foi um dos motivos tambem porque rejeitei o projecto. O governo, condennando todas as administrações passadas por terem recorrido em larga escala ao credito, foi n'esta parte mais alem do que todas essas administrações.

Vejo que no relatorio do parecer da commissão só diz o seguinte:

"A vossa commissão presume saber os graves perigos que esperam os estados, quando estes tomam pela ladeira perigosa do credito, e as calamidades financeiras inevitaveis

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que chamem sobre si, quando d'aquelle remedio heroico fazem expediente financeiro regular, ou quando menos frequente".

É a propria commissão de fazenda, composta aliás dos membros mais illustrados d'esta camara, que diz que nos arriscâmos a grandes perigos, quando recorremos ao credito, e condemna o procedimento d'aquellas administrações, não se lembrando que o governo vae contrahir o maior empréstimo que se tem contrahido, quando não tem precisão absoluta de o fazer, sobretudo em condições tão desvantajosas para o paiz!

A divida fluctuante interna, a que ha pouco me referi, importa em 4.500:000$000 réis proximamente, e para pagarmos esta divida, que vence o juro de 7 1/2 por conto, o maximo, vamos contrahir divida no estrangeiro, ficando com um encargo annual de 200:000$000 réis, por isso que os juros que pagamos d'aquella divida andam por 340:000$000 réis, e aquelles que teremos de pagar a 12 por cento, em trinta annos, importarão n'uns 540:000$000 réis.

Vejo que incommodei os meus collegas, e principalmente os meus collegas ministeriaes, mas já disse a v. exa. e á camara que não desejo ferir as susceptibilidades de ninguem. Não o permitte a minha educação nem é esse o meu fim, parece-me porém que pelo que vou dizer, terei de chamar sobre mim ainda maior indisposição; por que desejo declarar á camara que reprovei a generalidade do projecto, porque considero o contrato, permitta-me o sr. ministro di-ze-lo, porque não é offensa ao governo, como leonino, lesivo e opprobrioso para o paiz.

Considero-o leonino, porque me parece um contrato feito entre uma parte forte e outra fraca: a forte gosa de todas as compensares, e tem todas as garantias e a outra nenhumas. Tudo a favor da casa bancaria de Londres, e tudo contra o meu paiz: o contrato pois não se pôde considerar senão como leonino; e ainda por outra CircumstanCia importante que já foi repetida n'esta casa, da celebre multa a que o contrato de 16 de abril nos obriga. Pois podemos nós ser obrigados a pagar a multa de 258:000$000 réis áquella casa bancaria, só pelo unico crime do parlamento o não achar bom o contrato e querer reprova-lo?! Não sei, sr. presidente, confesso, como o sr. ministro da fazenda se sujeitou a uma condição d'esta ordem! (Apoiados.)

Parece-me que houve até uma certa temeridade da parte do sr. ministro em aceitar tão humilhante condição (apoiados).

Eu quereria perguntar ao nobre ministro qual era a posição em que s. exa. ficava, não sendo este contrato approvado pelo parlamento, e quem auctorisava esta despeza de 258:000$000 réis? Estou certo que era o paiz por honra sua e dignidade propria; e porque o governo representa o paiz e este não teria remedio senão pagar esses 258:000$000 réis; mas quaes seriam as consequencias?

É por isso que digo que houve certa temeridade da parte de s. exa. As consequencias não podiam deixar de ser pedir o parlamento a responsabilidade ao governo, porque não se podia julgar auctorisado por lei alguma a fazer uma tal despeza.

E ainda mais, sr. presidente, em que responsabilidade não incorreria o governo pelo que respeita aos 130:000$000 réis, importancia da meia multa, caso o parlamento approvasse, mas a casa bancaria não quizesse ou não pudesse cumprir o contrato, por circunstancias imprevistas? (Apoiados.)

Eu chego a admirar-me do passo que deu o sr. ministro da fazenda a este respeito; porque repito, se se der a hypothese do parlamento não approvar este contrato, que tendo sido já approvado por esta camara, póde não o ser pela camara dos dignos pares, em que posição fica o governo? Quem paga estes 258:000,6000 réis? E o paiz. Mas o parlamento não deve exigir estrictas contas ao governo pelo acto que commetteu? (Apoiados.)

Não quero accusar o governo; o que pretendo, o que faço é lastimar o facto; o que desejo é lamentar que elle se desse, por que é um caso novo nos nossos annaes parlamentares (apoiados), e não desejo, sr. presidente, que elle fique estabelecido como precedente. Quero que haja toda a harmonia entre os poderes do estado. Quero que o poder executivo respeite o poder legislativo e vice versa, mas não quero que sobre este se exerça a mais leve pressão e que se lhe diga crê ou morres; approva ou paga a multa.

Sobre este ponto não digo mais nada: está dito o necessario para justificar o meu voto n'esta parte.

Pois então o governo sujeita-se a todas estas condições onerosas e humilhantes. Obriga-se a casa bancaria de Londres a pagar só 1.000:000 libras, quando o pagamento dos outros 3.000:000 libras é uma causa facultativa? E se a casa bancaria não quizer satisfazer esse pagamento dos 3.000:000 libras restantes, ou não podér? Qual é a multa que ella tambem paga? Eu tenho ouvido dizer geralmente que a casa de mr. Fruhling & Goschen é uma casa respeitabilissima de Londres, não vou fora d'isso; mas quiz-me parecer á primeira vista, não digo que parece depois de lido o contrato, depois de lida a proposta do governo e depois de lido o parecer da commissão, que havia da parte da outra parte contratante latet anguis. Quiz-me parecer que o que áquella casa bancaria cem quem os interessados da companhia do caminho de sueste foram ler e por mediação dos quaes o governo negociou com os capitalistas de Londres, o que teve em vista foi o salvar a companhia do caminho de ferro pelos cabellos; e por isso tinha vindo acudir ás nossas urgências com aquelle supprimento, fazendo as duas contas de forma que se podessem entregar os réis 2.376:000$000 á companhia, os adiantamentos que tinha feito ao governo, e tambem a competente multa.

Considero o contrato lesivo, e para isso basta considerar que temos de pagar 57.000:000$000 réis no fim de trinta annos, quando recebemos tão sómente 13.608:000$000 réis! Isto é que não falha, e é mathematico. E lesivo, porque o governo sujeita se á condição de pagar desde logo o primeiro coupon ou juÍB8ance, na importância de 945:000$000 réis! Isto realmente é uma cousa bastante árdua. He se pagasse este juro de dinheiros que o governo tivesse já recebido, bem; mas não, o governo ainda ha de recebe-los; isto importa a necessidade de pedir emprestados mais esses réis 945:000$000 que podiamos deixar de pedir, e corresponde a mais um encargo de 113:000$000 réis annuaes, e no fim de trinta annos, só a esta parte, teremos de pagar réis 3.400:000$000, que escusaríamos de pagar. E já não quero fallar sobre o penhor de 10.378:000$000 róis de inscripções que o governo entregou áquelles Capitalistas a 25 por cento, títulos que os banqueiros podem ir vender onde quizerem e pelo preço que se lhes offerecer, caso se não effectue o contrato; limito-me só a manifestar o meu sentimento por ver que o governo não teve repugnância em lançar mão d'este expediente; pois que em logar de restabelecer o credito dos nossos fundos, foi prejudica-lo fortemente, collocando-se em circumstancias tão difficeis, isto quando reconhecia a necessidade de recorrer a uma operação de credito em tão larga escala como esta.

Tambem chamei ao contrato opprobrioso, e desejo dar explicação do meu dito. Parece-me que é fóra de duvida que as condições do contrato são immensamente vexatorias e humilhantes para paiz. O governo como fiel mantenedor da dignidade nacional, entendo que não podia de maneira nenhuma sujeitar-se a condições d'esta ordem.

Sr. presidente, eu vejo n'este projecto a concessão, ou para melhor dizer, a auctorisação ao governo para pagar os 2.376:000$000 réis á companhia do caminho de ferro de sueste.

Basta esta circumstancia para eu considerar ligadas entre si a casa bancaria de mrs. Fruhling & Goschen e a companhia do caminho de ferro de sueste. Foi o nobre ministro que nos disse aqui, com áquella dignidade propria do seu caracter, que desejando contrahir o emprestimo, foi o proprio agente da companhia do caminho de ferro que indicou a s. exa. áquella casa.

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Ora, é natural que essa casa bancaria de Londres esteja n'estas negociações associada com a companhia do caminho de ferro, e quem sabe até que ponto. São por consequencia duas emprezas associaveis.

Eu peço ao nobre ministro, que está presente, que não considere esta minha argumentação e este meu metal de voz como hostilidade a s. exa., isto é devido ao meu temperamento, e já declarei que tenho pelo nobre ministro toda a consideração; mas dizia eu, sendo a casa bancaria de Londres associada á companhia do caminho de ferro, como é que o governo se foi sujeitar a estas condições opprobriosas, quando no seu relatório que precede a proposta de lei diz o seguinte (leu).

Pois era improprio da dignidade do paiz ceder perante a pressão de companhias que pelos meios mais pertinazes procuravam arruinar as nossas finanças, e o sr. ministro tem a facilidade de entrar em taes negociações? O que acabei de ler di-lo o nobre ministro no seu relatorio que acompanha a proposta de lei para o empréstimo. E s. exa. quem reconhece que a companhia não era sincera nas offertas que fazia ao governo, e o nobre ministro da fazenda vae aceitar as suas indicações para contratar o emprestimo com a casa Goschen, de Londres? Isto é para provar que tinha algumas rasões para suspeitar da sinceridade de certos compromissos, sem que, como já disse, eu deixe de ter no mais subido respeito a casa a que me refiro, e parece-me portanto que o governo devia ser muito cauteloso quando fez este contrato, e lembrar-se da hypothese a que alludiu, isto é, da possibilidade de se realisar tão sómente o pagamento do primeiro 1.000:000 de libras, quantia sufficiente para os mutuantes se embolsarem do adiantamento feito ao governo, da entrega dos 2.376:000$000 réis á companhia do caminho de ferro, e do pagamento da multa pelo menos dos 130:000$000 réis.

Para provar que este contrato é altamente opprobrioso para o paiz, basta ler linha por linha, letra por letra, do tal contrato de 16 de abril, onde se manifesta claríssimamente uma grande desconfiança da parte dos banqueiros contra o nosso governo, desconfiança que offende sensivelmente a nossa dignidade e o nosso pundonor, como nação, pois tendo exigido o penhor das inscripções a 25 por cento para segurança do emprestimo que fez, exigiu tambem a garantia do rendimento do tabaco, e que os dividendos fossem depositados no banco de Portugal, ou n'outro qualquer, de previa combinação com elles.

Isto não póde significar senão uma manifesta desconsideração da parte da casa bancaria para com a junta do credito publico; repartição do estado que o governo devia ser o primeiro a considerar.

Estes pagamentos sabe v. exa. que costumam realisar se por intermedio da nossa agencia financial em Londres, repartição esta que nos custa cada anno apenas a verba de 7:000$000 réis.

O sr. ministro da fazenda também rejeita estas condições, e nós, desconsiderando também a nossa agencia, vamos gastar só com o pagamento dos dividendos d'este empréstimo 2:100 libras ou 9:450$000 réis, que teremos de satisfazer annualmente á mesma casa bancam; isto é: encarrega-se de fazer o pagamento dos dividendos, mas por 2:100 libras, quando a nossa agencia o podia fazer sem onus algum para o estado (apoiados).

Em summa, sr. presidenta, vou terminar. Vejo que tenho abusado demasiadamente da benevolencia da camara, e cansado mesmo a sua attenção.

Finaliso, declarando a v. exa. que rejeitei a generalidade do projecto que se discute, porque assim m'o dicta a minha consciencia e porque julgo ter interpretado, usando da expressão do governo = a opinião do paiz.

Tenho dito.

Leu-se na mesa o seguinte

Additamento ao artigo 2.º

Devendo esse rendimento entrar no cofre da junta do credito publico, um mez antes do vencimento dos coupons.- Augusto Cesar Falcão da Fonseca, deputado por Extremoz.

Foi admittido.

O sr. Ferreira de Mello (sobre a ordem): - O sr. deputado que acabou de fallar, referindo-se ao governo e á commissão de fazenda, disse que podia comprovar n'esta casa que o governo tinha um decreto para suspender os pagamentos.

O sr. Falcão da Fonseca: - Não disse isso.

O Orador: - Eu interrompi o illustre deputado, e s. exa. respondeu-me: "que não avançava uma proposição que não podesse comprovar!" Convidei o illustre deputado a comprovar a sua asserção, e s. exa. disse-me: "que aluda estava com a palavra". Segui attentamente o discurso do illustre deputado e não notei que s. exa. apresentasse uma unica idéa, um unico argumento que comprovasse o que avançara. Conseguintemente peço licença a v. exa. para mandar para a mesa a seguinte proposta (leu).

Leu-se na mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que v. exa. consulte a camara sobre se quer que o sr. deputado Falcão da Fonseca seja convidado a comprovar a asserção que proferiu, referindo se ao governo e á commissão de fazenda, de que estava prompto um decreto para suspender os pagamentos.

Sala das sessões, 17 de junho de 18lí8. = Ferreira de Mello.

O sr. Falcão da Fonseca: - Começo por pedir ao illustre deputado e meu amigo o sr. Ferreira de Mello, que tenha a bondade de retirar o seu requerimento, porque prezando, como prezo, a dignidade que devo a esta camara, estou prompto a satisfazer do modo que for possível á pergunta que fez o illustre deputado.

O que eu disse, sr. presidente, repito e repitirei tantas vezes quantas for necessario (apoiados).

Asseverei que se dizia que - o sr. ministro da fazenda tinha dentro da sua gaveta um decreto, não sei se assignado ou não, para se suspender os pagamentos dos ordenados aos empregados do estado, se porventura fosse rejeitado o projecto para se contrahir o empréstimo dos 18.000:000$000 réis, E direi mais, me pareça (e julgo que foi isto que mais escandalisou o illustre deputado), que isto me fora communicado também por um dos membros da commissão de fazenda.

Não sei se o illustre deputado se dará por satisfeito, mas por dignidade minha e d'esta camara, tenho a declarar que não enunciarei o nome do illustre membro da cominiasão de fazenda a quem me refiro.

O sr. Ferreira de Mello: - Acabo de ouvir fallar o illustre deputado o sr. Falcão da Fonseca, c custa-me a crer o que ouvi (apoiados).

A explicação que o nobre deputado deu convidando-me a retirar o meu requerimento, torna-o de certo mais necessario. Eu creio que todos os membros da commissão protestam contra a asserção do illustre deputado (apoiados). Eu pela minha parte, protesto solemnemente (apoiados). Estas cousas nunca se dizem no parlamento (apoiados). Quem tanto preza a dignidade da cadeira que occupa n'esta casa, deve prexar tambem a dignidade dos seus collegas (apoiados), e não levantar contra todos os membros da commissão, e levantar vagamente, uma asserção de tal ordem (apoiados).

Eu não sei que farão os outros membros da commissão de fazenda; eu, pela minha parte, repito o que disse: tenho toda a consideração pelo meu collega, mas desminto completamente, pela minha parte, a asserção que s. exa. proferiu (apoiados).

O sr. Pinto Bessa: - E eu igualmente.

O Orador: - Os outros membros da commissão farão o que entenderem.

O sr. José de Moraes (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara se quer dar este

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incidente por acabado (Apoiados). Estas discussões pessoaes são sempre más (apoiados). Portanto peço que se consulte a camara sobre se quer que se continue na discussão do projecto (apoiados).

Consultada a camara decidiu que se continuasse na discussão do projecto, dando se por findo o incidente.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda: - Pouco direi, porque effectjvamente apesar do longo discurso do illustre deputado, a parte principal d'elle refere- se á generalidade do projecto que não se discutiu somente um ou dois dias, mas discutiu-se quinze ou mais, e a respeito do qual já a camara se pronunciou.

O incidente desagradável que teve logar terminou; comtudo, apesar do respeito e consideração que tenho pelo illustre deputado, e por todos, não posso deixar de dizer que s. exa. foi sufficientemente inconveniente em vir trazer para a camara um boato que chegou aos seus ouvidos, e que não tinha o mais leve fundamento (apoiados). Uma asserção de tal ordem, s. exa. sabe perfeitamente que não se apresenta n'um parlamento sem que seja provada muito categoricamente (apoiados), e se possa mostrar de uma maneira completa (apoiados).

O sr. Ministro do Reino (Bispo de Vizeu): - E deve mostra-lo por honra propria, sem provas na mão não se fazem asserções de tal ordem (apoiados).

O Orador: - Acredito que o illustre deputado não disse isto senão com a intenção de provocar aqui algumas explicações. (O sr. Falcão da Fonseca: - Apoiado.)

Comtudo é certo que bastava o illustre deputado apresentar uma tal asserção no parlamento para ser desde esse momento altamente inconveniente (apoiados).

Sinto muito que o illustre deputado n'um negocio tão serio, como este era, que affecta tão gravemente o credito do paiz...

O sr. Falcão da Fonseca: - Não affecta, e muito principalmente depois da declaração que s. exa. fez.

O Orador: - Em todo o caso disse que corria o boato, e invocou-se a commissão de fazenda, como para justificar que alguma cousa se tinha dito que podia induzir a acre ditar que a asserção não era de todo inexacta, quando ella cm verdade não tem o mínimo fundamento (apoiados). Eu entendo que o illustre deputado que tem toda a liberdade de apreciar, conforme lhe parecer, o projecto, o contrato, e todos os actos do governo, liberdade completa que não lhe nego nem posso negar, em assumpto tão grave, teria andado com prudência se acaso particularmente me tivesse perguntado - se haveria algum inconveniente em faltar n'um negocio d'esta ordem. (O sr. Falcão da Fonseca: - Peço a palavra) porque isto é muito mais serio que discutir o contrato, mostrando ou tentando mostrar os inconvenientes d'elle (apoiados). E diga-se o que se disser, visto que tal, negocio se apresentou no parlamento era preciso responder-lhe desde logo de uma maneira categorica (apoiados). Digo mais, se o illustre deputado tinha tenção de tratar de tal assumpto, se reputava que era conveniente trata-lo, então para isso, attenta a sua gravidade e alcance, devia pedir urna sessão secreta.

Pela minha parte protesto solemnemente contra o que se disse (apoiados). Nunca houve tal decreto, e para que o havia de haver? Pois isso são cousas que se decretem? (Muitos apoiados.) Não precisávamos de decreto; bastava o facto (apoiados). Nunca nenhum governo decretou similhante cousa, nem era preciso decreta-la.

O nobre deputado, em todo o seu discurso, procurou demonstrar as rasões que tem para rejeitar a generalidade do projecto. Está no seu direito de o fazer agora, ainda que inopportunamente; mas eu declaro que não posso estar a repetir a todas as horas, e a todos os instantes, sempre as mesmas cousas (apoiaios). Aliás não saímos d'aqui. Nós estamos discutindo este projecto ha perto de um mez; esta
matéria está completamente exgotada, e é necessario acabarmos com esta discussão (apoiados).
Temos muito mais que fazer; a camar* sabe-o perfeitamente. As nossas circumstancias são graves, ainda que não desesperadas (apoiados). Tenho dito muita vez, e repito, que tenho só em que havemos de vencer esta crise (apoiados), mas é preciso trabalhar.

Se continuarmos a discutir a especialidade d'este projecto com a mesma latitude com que o temos feito ato aqui, consumimos toda a sessão legislativa, e então mais valia ter rejeitado logo a generalidade, porque o governo sabia assim o que tinha a fazer.

Não me parece que seja preciso fatigar muito a camara, demonstrando-lhe a urgentíssima necessidade que temos de discutir as medidas de fazenda e o orçamento (muitos apoiados). Todos estão d'isso convencidos. Não havemos de resolver a questão de fazenda só com este empréstimo (apoiados). O governo propoz este empréstimo como ura dos meios para conseguir esse resultado, mas é preciso ser acompanhado de outros (apoiados) e o que mais urge agora é não protellar demasiadamente este debate, para podermos começar com a discussão dos importantíssimos assumptos que estão sujeitos á decisão da camara.

Portanto eu não me faço cargo de responder ás diversas observações que o illustre deputado fez sobre a generalidade do projecto. Todas ellas foram já respondidas porém ou pelos illustres membros da commissão de fazenda, e principalmente pelo inteligentíssimo relator que tão proficientemente entrou n'este debate (apoiados). Limitar-me-hei á especialidade d'este artigo que se discute, e protesto já que todas as vezes que tomar a palavra na continuação d'este debate, hei de tratar unicamente da especialidade do artigo que se discutir (apoiados). Podem os illustres deputados fazer as reflexões que quizerem, roas eu hei de responder exclusivamente á especialidade do artigo respectivo.

O nobre deputado fez uma proposta para que o rendimento que serve de garantia a este emprestimo, seja arrecadado um mez antes do pagamento do coupon e competente amortisação, entregue na junta do credito publico, e podendo o governo aproveita-lo no intervallo d'este tempo e fazer d'elle o uso que mais convier. Isto que o illustre deputado quer é conveniente e accommodado aos negócios do thesouro, mas se isto se deve fazer, então torna-se necessário também mudar toda a legislação, e cm vez de haver dotação especial que entre na junta do credito publico para o pagamento de toda a divida tanto interna como externa, dotação em que o governo não toca nem podo tocar; se n'ella tocou agora foi por uma rasão extraordinarissima, mas restituiu logo o que havia tirado; digo, a fazer-se o que o illustre deputado propõe ou indica, então é escusado haver consignação especial para a divida e póde se até acabar com a junta, ficando o thesouro encarregado do pagamento da divida.

Repito, desde o momento em que se adopte o principio indicado pelo illustre deputado, a consignação especial deve acabar, e deve acabar não só em relação ao pagamento d'esta divida, mas também cm relação á divida interna e externa.
Isto é um systema de fazenda que se pode applicar geralmente a todos os encargos da divida interna e externa e aos da especie de que estamos tratando; mas para isto se fazer é necessario proceder a uma reforma completa na legislação. O que porém duvido é que se podesse obter um emprestimo sem esta consignação especial.

Desde que a questão toma este caracter, a proposta do sr. deputado póde ser a melhor possível, mas caduca pela base, porque o que até agora nunca podemos, foi contrahir um emprestimo interno ou externo sem consignação especial.

Tambem o illustre deputado censura que se dê penhor aos prestamistas que facultam o seu dinheiro ao governo. O illustre deputado também n'isto tem rasão, mas o que é certo é que nós desde muitos annos estamos acostumados a

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dar penhores aos prestamistas que os garantam contra a eventualidade que possa succeder da falta de pagamento.

O systema do penhor está não só estabelecido para com estado, mas em geral: não se fazem emprestimos sem penhor. As nossas hypothecas são os titulos de divida fundada, e desde o momento em que os pagamentos se fazem, os titulos revertem para o estado.

O illustre deputado disse que o dinheiro pertence ao estado antes do vencimento do coupon. O dinheiro da receita especial effectivamente pertence ao estado até ao vencimento do mesmo coupon, mas engana-se quando diz que ha de ser pago quinze dias antes do seu vencimento. O coupon paga-se depois de vencido. Não seria cousa de admirar que se pagasse primeiro, porque estamos vendo nos juros da junta do credito publico pagar o semestre corrente, antes de quatro mezes do seu vencimento; mas, repito, n'este caso paga-se depois.

O illustre deputado desejava que o governo podesse aproveitar-se do dinheiro durante o tempo que medeia desde que elle começa a cobrar se até que elle se tem de entregar aos prestamistas, mas que assim fosse desapparecia completamente toda a garantia, e o emprestimo caducava.

O illustre deputado ainda fallou na desconsideração com a junta do credito publico, por ella não ser aqui incumbida de fazer ente pagamento. Mas se s. exa. tivesse attendido á discussão que houve na generalidade, conheceria que este emprestimo sae completamente fóra da regra commum a todos os outros empréstimos.

Nós até agora não temos feito senão emprestimos de divida fundada, em geral é assim. Ha também alguns emprestimos com amortisação, e houve já muito mais; mas elles estão na maior parte amortisados e consolidados, e hoje existem muito poucos.

E se este emprestimo tem uma amortisação e tem um tempo limitado, e não é como os outros que nós temos que são illimitados e constituídos em dívida fundada, não admira que haja uma disposição especial com relação a este, e que em vez do pagamento ser feito por meio da junta do credito, seja feito por em do banco.

Não me faço calar e responder ás objecções que o illustre deputado acrescentou, com referencia a algumas das propostas que tive a honra de trazer a esta camara, e que hão de ter tempo de se discutir. Muitas das reflexões que o illustre deputado fez, são de certo de grande peso, e eu na occasião que se tratar da questão do augmento dos impostos do gado e da exportação dos vinhos, mostrarei quaes foram os motivos que me levaram a apresentar essas proposta; e qual é a opinião que tenho sobre a influencia que ellas poderão produzir na agricultura do paiz. N'essa occasião mostrarei tambem que o imposto de exportação lançado sobre o vinho não póde por forma alguma influir n'essas negociações a que o illustre deputado se referiu, e que eu desejo tenha bom exito para maior consumo de similhante genero, mas em todo o caso esta occasião é completamente deslocada para tratar d'esses assumptos.

O illustre deputadado sobre o assumpto especial não disse mais nada a que eu tenha que responder: o mais que disse foram tudo generalidades, que me levariam muito longe se eu quizesse envolver-me n'ellas, o que não farei.

Mas aproveito a occasião para rectificar o que hontem disse aqui o illustre deputado, o sr. Lobo d'Avila, quando começou o seu discurso, que não chegou a concluir, sobre a apresentação da lei de meios.

Disse o illustre deputado, que o governo apresentava essa proposta unicamente com o fim de se habilitar com os recursos para poder continuar a gerir os negocios do estado, não só por meio d'este emprestimo, que s. exa. disse que se votava em proporções avultadas, mas alem d'isso com os impostos geraes do estado, para cuja cobrança o governo pediu auctorisação, e que em seguida a isto adiava a camara.

Ora, contra isto protesto da maneira mais solemne; e declaro de um modo categorico e terminante, que o governo não tem idéa nem tenção nenhuma de adiar esta camara senão depois d'ella ter votado o orçamento geral do estado, e todas as outras medidas que foram apresentadas pelo governo, e que considera indispensaveis para continuar a gerir os negocios. Emquanto o orçamento geral do estado não for votado por esta camara; emquanto esta camara não fizer n'elle todas as modificações, alterações e reformas que julgar convenientes a bem do paiz; e emquanto também se não votarem todas ou a maior parte das medidas que o governo apresentou, e que julga que são necessarias e indispensaveis para a organisação da fazenda, eu declaro solemnemente que o governo não apresentará a Sua Magestade nenhuma proposta para adiamento d'esta camara (apoiados).

Por consequencia fique isto bem categorico e assentado: o governo não apresentou similhante medida com a intenção que se lhe attribue, e admira-me muito que se quizesse devassar as suas intenções sobre este assumpto. (Vozes: - Muito bem.)
O governo não podia deixar de apresentar essa medida.

Estávamos hontem a 16 e hoje a 17, e no dia 30 acaba a auctorisação que o governo tem para cobrar os impostos. N'estas circunstancias, não podendo esperar-se, nela delonga com que correm as discussões, que o orçamento esteja approvado no dia 30 d'este mez, era indispensável a apresentação d'essa proposta (apoiados).

Concluir d'aqui que o governo ia adiar a camara, depois da discussão d'ella, é apresentar uma asserção gratuita, que não tem fundamento nenhum, e contra a qual eu protesto pela minha parte e em nome do governo.

(Vozes: - Muito bem, muito bem.)

O sr. Presidente: - O sr. ministro da fazenda, no discurso que acaba de proferir, mais de uma vez recommendou á mesa que cumprisse rigorosamente o regimento, não deixando desviar a discussão da matéria sobre que deve recair, porque d'ahi resultava grave prejuízo para a causa publica.

A maneira por que a mesa tem procedido constantemente, appellando para a camara sempre que se tem dado a circunstancia de se seguirem menos á risca as indicações do regimento, manifesta o desejo de que elle seja mantido rigorosamente (apoiados).

Mas, se se repetir o caso, eu não torno a consultar a camara sobre se quer continuar a estar fora do regimento; o meu propósito firme, constante e invariável é d'aqui em diante executar e fazer executar rigorosamente o regimento (muitos apoiados).

O sr. Lobo d'Avila tinha ficado na sessão de hontem com a palavra reservada para hoje. O *r. deputado não estava presente quando entrámos na ordem do dia. Se a camara julgar regular que s. exa. continue o seu discurso, dou-lhe a palavra.

Vozes: - Não póde ser.

Outras vozes: - Falle, falle.

O sr. J. T. Lobo d'Avila: - Não tenho empenho em continuar as observações que fiz, porque estou um pouco incommodado.

O sr. Presidente: - Então dou a palavra a outro sr. deputado.

O sr. J. T. Lobo d'Avila: - Se v. exa. me permitte, direi algumas palavras apenas.

O sr. Presidente: - Tem a palavra.

O sr. J. T. Lobo d'Avila: - Não pude vir mais cedo, porque tenho estado incommodado, e por esto mesmo motivo não me é possível continuar o meu discurso.
Permitta-me comtudo v. exa. que diga que, pela minha parte, não procurei devassar as intenções do governo na apresentação da proposta da lei de meios; não tratei de tal. O que disse foi que, pelo modo por que estava redigido um dos artigos d'essa proposta, se prestava á interpretação de que a camara podia ser adiada.

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Folgo muito com a declaração do nobre ministro, de que a camara não será adiada nem fechada sem se discutir e votar o orçamento, e sem se discutirem e votarem as leis de fazenda, que suo indispensáveis para a organisaçào das finanças.

A consequencia necessaria de uma tal declaração não póde deixar de ser o redigir se aquelle artigo de modo que não se preste a outra interpretação.

Era unicamente o que eu queria dizer.

E de novo peço ás com missões respectivas que tenham a bondade de trazer á camara os seus pareceres sobre as propostas do sr. Ferreira de Mello, apresentadas a proposito da discussão do contrato, c sobre os assumptos que dizem respeito ás leis de fazenda e ao orçamento.

É da maior urgencia que se apresentem esses pareceres, a fim de que se possam estudar, para serem discutidos com a maior brevidade possível (apoiados).

O sr. Caetano de Seixas: - Peço a v. exa. que proponha á camara se a materia está suficientemente discutida.

Julgou se discutida.

O sr. Presidente: - Estão na mesa mais propostas, que a mesa classificou como additamentos; mas desejo dar d'ellas novamente conhecimento á camara, para que decida se é esta ou não a classificação que realmente devem ter.

Leram se na mesa.

O sr. Cortez: - A commissão de fazenda, em vista das propostas que alguns srs. deputados mandaram para a mesa, entendeu dever redigir o artigo de outro modo.
Mando o para a mesa.

Leu-se na mesa, e é o seguinte:

"Para garantia do juro e amortização d'ente emprestimo, poderá o governo destinar especialmente os direitos do tabaco que houverem de ser cobrados, segundo a pauta que estiver em vigor nas alfandegas do continente do reino.- João José de Mendonça Cortez."

Foi admittido.

O sr. Pereira de Miranda: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha proposta.

Foi approvado o requerimento.

O sr. Falcão da Fonseca: - Faço a respeito da minha proposta um requerimento igual ao do sr. Miranda.

Foi approvado.

Posto á votação o artigo 2.º, novamente redigido pela commissão, foi approvado.

Por esta votação julgaram se prejudicadas as propostas dos srs. Corvo e Santos e Silva ao artigo 2.º

O sr. Cortez: - Mando para a mesa uma declaração da commissão de fazenda, concebida nos seguintes termos (leu).

Escus de dizer que eu, mais particularmente como membro da commissão, e seu relator, faço declaração analoga á que se acha aqui escripta. Peço a v. exa. que a mande lançar na acta.

É a seguinte

Declaração

A commissão de fazenda declara que por nenhum dos seus membros foi feita a declaração a que o sr. deputado Falcão da Fonseca alludiu.

Sala das sessões, 10 de junho de 1869. = Aragão Mascarenhas = A. J. Braamcamp = A. Saraiva de Carvalho = Mello Gouveia = Francisco Pinto Bessa = Mendonça Cortez = Henrique de Macedo Pereira Coutinho.

O sr. Falcão da Fonseca: - Peço a palavra.

Vozes: - Vamos ao artigo 3.°

O sr. Falcão da Fonseca: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se me dá a palavra, para fallar sobre este assumpto.

Foi lhe concedida a palavra.

O sr. Falcão da Fonseca: - Começo por agradecer á camara a generosidade e a benevolencia com que annuiu ao meu pedido. Não esperava outra cousa dos meus nobres collegas.

Quando o illustre ministro da fazenda alludiu a certas asserções que apresentei no humilde discurso que proferi há pouco, pedi a v. exa. a palavra, e estava na firme resolução de insistir por ella; e quando s. exa. m'a negasse, do que eu não me podia convencer, tencionava recorrer á generosidade da camara, porque me julgava na rigorosa obrigação de responder ao nobre ministro; porém eu, que desejo sinceramente que haja toda a gravidade e toda a placidez nas nossas discussões, entendi que devia desistir da palavra, ou antes não insistir por ella, para não irritar os animos, e por julgar que a camara quereria pôr termo a este desagradável incidente. Tendo porém o sr. Cortez mandado para a mesa, por parte da commissão de fazenda uma declaração d'esta ordem, vejo-me na dura necessidade, e com o maior sentimento, de responder também em termos enérgicos e claros, a essa manifestação.

Uma vez que tenho a palavra, permitta-me a camara que lhe diga que me honro de ter suscitado por parte do illustre ministro da fazenda a declaração que ha pouco fez n'esta casa; assim ficámos sabendo, e o paiz, que eram completamente falsos esses boatos. Agora o que é facto, sr. presidente, e que esse boato que correu lá por fora, ouvi o aqui nos corredores da camara; e, como disse, ouvi o tambem da boca de um dos illustres membros da commissão de fazenda. Eu vou declarar já o que se passou a este respeito, mas antes d'isso permitta-me v. exa., e permitta-me a camara, que eu levante uma insinuação ou censura (não lhe dou outro nome) feita pelo sr. ministro da fazenda a esta camara, accusando a pelo protelamento que tem havido no debate do projecto em discussão. S. exa. póde ser, talvez. competente para fazer esta censura á camara, mas ao menos lembre-se v. exa. de que é solidario n'essas cadeiras; lembre-se v. exa. que o nobre ministro da justiça, por quem tenho subido respeito, foi o primeiro que antes de hontem e hontem n'esta casa saiu fóra do objecto que estava em discussão, e pelo contrario se enredou em apreciações sobre as administrações diversas, que tem estado á frente dos negocios publicos, fazendo algumas gravíssimas accusações a homens distinctos do paiz (apoiados). Tenha v. exa. isto presente, e não se lembre de fazer censuras a esta camara, porque quando fosse bem cabida, não era s. exa. que devia censurar-nos, e particularmente n'esta occasião, no dia seguinte áquelle em que um seu collega tratou de se afastar completamente do assumpto de que a camara se occupava. Mas... em summa, se os exemplos não são bons, não quero segui-los.

Vamos ao objecto do incidente.

Eu tenho, sr. presidente, a coragem precisa aqui, e em toda a parte, de sustentar o que uma vez digo, e seja aonde for.

Estou persuadido que o illustre deputado não me deve levar a mal que no calor da discussão avançanse essa asserção, a que se allude, menos convenientemente. Sou o primeiro a reconhece-lo, e peço desculpa á camara de lhe ter causado involuntariamente ente dissabor.

Tenho elevado respeito por todos os meus illustres collegas membros da commissão de fazenda, de alguns dos quaes me prezo de ser amigo.

Eu desejaria, sr. presidente, que o objecto d'esta declaração ficasse em silencio, mas a illustre commissão de fazenda provocou me por tal modo, e com tanta surpreza minha, que não posso deixar de ser claro e positivo.

Querem que diga o nome? Pois bem, vou dize-lo, mas com bastante custo, e muita magua.

É possível, sr. presidente, que eu não interpretasse bem as palavras do illustre deputado, a quem vou referir me, por quem tenho não só veneração, mas particular estima.

O nome d'esse nosso collega é o sr. Saraiva de Carvalho. (O sr. Saraiva de Carvalho: - Peço a palavra.)

Fui o primeiro que confessei ter andado menos convenientemente na revelação que fiz levado pelo calor da discussão a que deram logar alguns ápartes.

Desejava, como disse, não declarar o nome d'este meu

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amigo e collega, mas faça-me a camara a justiça ás minhas intenções e aos meus sentimentos; provocaram-me de um modo tal que, ainda que muito violentado, não pude deixar de fazer essa declaração que me exigiam.

Agora o illustre deputado dirá o que lhe parecer, e peço a v. exa. que depois de fallar o meu amigo e collega, que naturalmente limita a muito pouco o que tem a dizer, me permitta, usando da mesma benevolencia com que a camara me tratou, que eu diga em seguida algumas palavras, ainda que muito breves.

O sr. Saraiva de Carvalho: - Serei sobrio em palavras, porque carecemos de poupar tempo, e não de nos alargar na discussão. Mas preciso repellir, e repellir o mais aberta, positiva e categoricamente possível, a declaração que se acaba de fazer.

É certo que conversei com o meu amigo, o sr. Falcão da Fonseca, muito particularmente sobre negocios passados na commissão de fazenda. É certo ainda que lhe fallei em alguma cousa que ahi se dissera, e que é ocioso relatar agora; mas que é muito diversa, muito outra d'aquella a que s. exa. ha pouco alludiu na sua declaração.

Não fallei em ponto nos pagamentos; cousa que envolve por forma tal um absurdo, que não comprehendo que se possa attribuir a ninguem, porque a fallencia não se impõe, não se decreta; é um facto que se manifesta, que falla por si, e que assim se torna evidente.

É certo que em conversa intima com o sr. Falcão da Fonseca, com quem tenho tido trato e frequencia particular, lhe narrei alguns factos passados na commissão de fazenda; mas em conversa que tive, não ha muito ainda, com o illustre deputado, ratifiquei as palavras que disse então, e s. exa. póde agora, se quizer alludir a essas palavras, dizer se era ou não uma cousa muito alheia áquella a que se refere.

Declaro que não demitto de mim a responsabilidade das palavras que acabo de pronunciar, como tambem não declino dentro d'esta casa, ou fora d'ella, a responsabilidade que de outras quaesquer palavras ou actos me possa porvir

Vozes: - Muito bem.

O sr. Falcão da Forseca: - O facto foi passado particularmente, e eu já disse, e repito, que foi com a maior violencia que fiz esta declaração. Sc ha cousa que eu aprecie n'este mundo é a verdade, e sobretudo a dignidade do meu caracter; mas não sou eu, sr. presidente, que posso ser juiz da intenção das minhas palavras e das minhas acções; esse juiz só o póde ser os meus amigos, e aquelles que me tratam e conhecem o meu caracter; é para o testemunho d'estes que eu appello, porque só elles podem saber se eu sou homem de faltar á verdade.

Nós fomos levados por involuntariedade minha a um campo bastante arido, em que me custa bastante ter entrado. Resta-me dizer tão sómente que ratifico o que disse. Entenda-se, não é rectificar, é ratificar. Póde ser que eu entendesse mal, póde ser que o illustre deputado se quizesse referir a outro objecto; eu porém repeti, ainda que involuntariamente, o que ouvi a s. exa.

Franqueza com franqueza, e coragem com coragem. S. exa. nega que me disse o que expuz á camara, e eu declaro a s. exa. que confirmo o que disse.
Tenho dito.

O sr. Dias Ferreira: - Não fui eu que levantei esta questão, foi levantada por um membro d'esta casa e pela commissão de fazenda, mas por um dever de consciencia devo significar a v. exa. e á camara o meu sincero desejo de que esta questão termine aqui (apoiados). Desejo que as questões levantadas no parlamento e as phrases pronunciadas no calor da discussão sejam aqui mesmo explicadas e retiradas, se não são convenientes e parlamentares. O illustre deputado já confessou o seu arrependimento por ter proferido umas palavras que não eram rigorosamente parlamentares; não lhe cabe deshonra, antes muita honra por ter reconhecido que tinha andado menos convenientemente.

Creio que depois d'esta explicação categorica de s. exa., toda a questão devia terminar aqui por decoro e dignidade de todos nós e dos cavalheiros que tomaram parte n'ella.

Requeiro pois a v. exa. que convide o illustre deputado, no que, estou certo, elle não terá duvida alguma, a dar as explicações convenientes por ter levantado esta questão; a com missão de fazenda, em vista d'estas explicações não terá duvida em retirar também a sua declaração, e d'este modo terminará este incidente, porque eu creio que ninguem tem interesse em que elle continue, depois das explicações entre os dois cavalheiros.

Creio que todos reconhecem que da parte do illustre deputado que levantou este incidente, não bouve intenção alguma de com elle affectar o credito do paiz (apoiados), portanto entendo que devemos d'esta forma terminar um incidente em cuja continuação de certo não interessa a causa publica (apoiados).

O sr. Falcão da Fonseca: - Ouvi com toda a attenção o illustre deputado o sr. Dias Ferreira, e concordo plenamente com s. exa. em que devemos terminar este incidente que se tornou desagradavel á camara, e particularmente para mim.

Eu já pedi desculpa á camara de ter, no calor da discussão, avançado uma asserção que devera não referir.

Mas, disse o illustre deputado que lhe parecia conveniente que para terminar esta questão, se desse algumas explicações á commissão de fazenda.

Ora eu não sei que explicações deva dar mais? Já disse que tenho o mais elevado respeito por todos os membros d'aquella illustre commissão. Em tudo que disse, não tive intenção de, por fórma alguma, dirigir a mais pequena insinuação a qualquer dos membros da mesma commissão, porque isso seria faltar á dignidade do meu caracter e ao muito respeito que devo a todos os membros d'esta camara.

É certo que avancei uma proposição menos conveniente, mas declarei tambem que foi isso devido ao calor com que estava fallando.

Talvez que eu interpretasse mal, repito, as palavras do sr. Saraiva de Carvalho (apoiados).

Se a camara fica satisfeita com esta declaração, estimarei muito, mas confesso que não sei que mais deva acrescentar (apoiados. Vozes:- Muito bem.)

Vejo que fica satisfeita e eu julgo-me honrado com a sua annuencia.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O sr. Saraiva de Carvalho: - Insisto em usar novamente da palavra, não para discutir a questão pessoal, mas sim a de interesse publico.

A conversa que tive com o sr. Falcão da Fonseca versou sobre um objecto, aliás grave, e de que já têem conhecimentos os outros membros da commissão de fazenda e alguns dos srs. ministros, e que não cumpre discutir agora, mas objecto muito outro, muito differente d'aquelle que diz respeito ao ponto no pagamento. Como o illustre deputado diz que é possível que desse ás minhas palavras uma interpretação errada, está a questão cortada (apoiados).

As palavras que nós aqui pronunciámos têem uma certa influencia lá fora, e é por isso que tomei pela segunda vez a palavra n'este incidente.

Torno a repetir. O negocio de que eu tratei é muito diverso d'aquillo que se suppõe. Sabem-o todos os membros da commissão de fazenda, que estão presentes, que podem confirmar se o negocio é ou não muito outro.

Ora, se o negocio é muito alheio áquelle a que s. exa. alludiu, se s. exa. concorda em que deu uma interpretação errada ás minhas palavras (não trato agora da questão pessoal, o que seria ocioso), creio que em relação ao publico deve ficar completamente desvanecida qualquer impressão que podesse resultar das palavras soltas, menos pensadamente, e certamente inconvenientes, do sr. Falcão da Fonseca.

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O sr. Falcão de Fonseca: - V. exa. dá-me a palavra?

O sr. Presidente: - Creio que o incidente terminou.

O sr. Falcão da Fonseca: - É apenas para declarar que me dou por satisfeito, em vista das explicações dadas pelo sr. Saraiva de Carvalho.

O sr. Presidente: - Bem. Continuâmos na discussão do artigo 3.°, porque o sr. Cortez, relator da commissão, e em nome d'ella, á vista das explicações que acabam de ser dadas, não tiver de certo duvida em retirar a declaração que está na mesa.

O sr. Cortez: - Não consultei nenhum dos meus collegas, mas creio que a com missão de fazenda será unanime em concordar com o que vou dizer.

A commissão não tem duvida em retirar a declaração que manda para a mesa, se s. exa. se comprometter a retirar. ..

(Varias interrupções. - Susurro.)

Perdão. S. exas. ainda não sabem o que eu quero dizer.

A commissão não tem duvida, segundo creio, em retirar a declaração que está na mesa, se s. exa. se comprometter a retirar do seu discurso a parte que diz respeito a esta declaração.

Vozes: - Não póde ser.

(Susurro.)

O sr. Ferreira de Mello: - Como estou assignado na declaração, pedi a palavra; mas se é necessario, appello para a camara.

O sr. Presidente: - Tem a palavra.

O sr. Ferreira de Mello: - Declaro a camara que retiro a minha assignatura da declaração da commissão de fazenda (apoiados).

O sr. J. de Mello Gouveia: - Retiro tambem a minha assignaturas

O sr. Presidente: - Creio que os outros membros da commissão de fazenda seguem este exemplo.

O sr. Cortes: - Vejo que a commissão de fazenda deseja retirar a declaração, e eu n'esse cano refiro-a em nome da commissão. (Vozes: - Muito bem.)

O sr. Presidente: - Continua a discussão do artigo 3.°

(Pausa.)

O sr. Presidente: - Como não ha quem peça a palavra, vou pôr o artigo á votação.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Passa-se á discussão do artigo 4.º

O sr. Bandeira de Mello (para uma questão previa): - Fazia tenção de ser muito breve nas observações de que desejo acompanhar a questão previa que tenho a apresentar; mas, por muito breve que seja, não posso de certo fazer essas observações no pouco tempo que me resta, e eu não desejo levar a palavra para casa.

O sr. Presidente: - Como ainda não deu a hora, póde v. ex. fallar.

O Orador: - Cumprindo as disposições do regimento, vou ler e mandar para a mesa a minha quentão previa (leu).

Não estranhe v. exa. nem estranhe a camara que eu faça esta questão previa ...

Vozes: - Deu a hora.

O Orador: - Como deu a hora limito-me a mandar para a mesa a minha moção de ordem, e espero que v. exa. me permitta que continue ámanhã com a palavra para a justificar.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a camara declare se da approvação do bill de indemnidade resulta implicitamente a approvação do cumprimento da concessão á companhia do caminho de ferro de sueste, promettido no decreto de 10 de março. = Bandeira de Mello.

Foi admittida.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a mesma de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

RECTIFICAÇÃO

No discurso do br. deputado Luiz Vicente de Affonseca, publicado na sessão de 14 do corrente, a pag. 332, onde se lê = camara municipal do Faial = deve ler-se = camara municipal do Funchal =.

Discurso do sr. deputado Santos e Silva, proferido na sessão de 11 de junho, e que devia ler-se a pag. 319, col. 2.ª

O sr. Santos e Silva: - Creio que a moção, approvada n'este momento pela camara, não tem o caracter permanente, e é unicamente para a presente discussão, ficando por consequencia de pé a doutrina do nosso regimento. Parece me que em um assumpto tão melindroso, como é o de que se trata na proposta que foi votada, devia ser ouvida a commissão de regimento, se porventura se tratasse de regular permanentemente a materia que foi votada... (Vozes: - Esta resolução é com respeito só a discussão que está pendente.)

Passando á discussão de que se trata, e seguindo as disposições do regimento, que deseja ver sempre mantido, e que v. exa. tanto se esforça por manter, começo por ler a minha moção de ordem (leu).

Esta proposta substitue o artigo 1.° do projecto, e pouco differe de uma outra que já foi apresentada por um illustre orador e meu amigo. Differença-se porém a minha em não especificar ou restringir a somma que o governo deve ficar auctorisado a levantar.

Todos sabem que as moções partidas da opposição, quasi nunca, ou nunca, são approvadas; e é por isso que a substituição ao artigo 1.°, mandada por mim para a mesa, a considero antes um pretexto para fallar, porque lenho necessidade de me explicar, do que um assumpto que possa merecer a attenção do governo e da maioria da camara.

Ao formular esta minha proposta, hesitei se devia ou não preferi-la a outra que estivesse de accordo com as idéas que apresentei aqui no anno pastado relativamente a um empréstimo assente sobre a desamortisação dos bens das corporações religiosas e de todos os mais estabelecimentos, bens não só desamortisados pela legislação vigente, e ainda não remidos ou vendidos, mas todos os que estão por desamortizar, como são os passaes dos parochos e todos os que fazem parte da dotação do clero, e quaesquer direitos prediaes n'estas circumstancias.

Por essa occasião disse eu que tinha grande confiança em uma operação que houvesse de assentar em taes bases. Hoje porém não insisto n'essas idéas, porque estou convencido de que a denamortisação será por muito tempo letra morta, pelo menos emquanto estiver no poder o sr. bispo de Vizeu.

O governo, apesar das promessas feitas pelo sr. ministro da fazenda, em um dos seus relatorios, parece não estar resolvido a apresentar a questão da desamortisação, nem como assumpto economico e financeiro, nem como pretexto para a dotação do clero e maior esplendor do culto catholico.

É esta a rasão por que formulei n'outro sentido a minha proposta, que não terá por isso melhor acolhimento, desistindo de intercalar na auctorisação que o governo pede para levantar o maior emprestimo de que ha memoria nos nossos fastos financeiros, o alto e importante assumpto da desamortisação, segundo a ordem de idéas que na passada legislatura sustentei.

A desarmortisação, que ha um anno era a ordem do dia da camara dissolvida, ordem do dia para todos, não só para aquelles que a aceitavam, mas para aquelles que a rejeitavam, questão importante, que agitou o parlamento, que o dividiu em duas fracções, porque havia uma parte da ca-

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mara que queria desde logo a desamortição, no sentido em que a propunha o governo de então, e havia uma outra que não prescindia da idéa, mas que a adiava para janeiro, tendo em vista as declarações feitas pelo sr. ministro do reino, respectivas á dotação do clero: a desamortisação, digo, que já foi questão economica, financeira e até política do maior alcance, vejo que ó hoje completamente indifferente para esta assembléa, que se contenta apenas com uma promessa fria feita pelo sr. ministro da fazenda n'um dos seus relatorios, em que nos declara que havia de tratar opportunamente da questão de desamortisação, mas que não dava a esse assumpto a importancia de uma medida financeira, por a suppor meramente ecclesiastica, e attinente á dotação do clero e ao maior esplendor do culto!!!

Não admirará pois, se a modificação nas opiniões do sr. ministro da fazenda for ainda mais longe, a ponto de não dar á questão da desamortisação classificação de espécie alguma, porque ha um anno ainda esta matéria era considerada por s. exa. como economica e como financeira; e actualmente apenas a considera como uma questão ecclesiastica! D'aqui a alguns mezes não sei como s. exa. a considerará!

E eu digo que o nobre ministro considerava este assumpto como economico e financeiro, porque no programma de s. exa., programma que já hontem foi analysado n'esta casa, mas não completamente, o nobre ministro dizia, que uma das principaes bases do seu programam governativo era a desamortização, no intuito de libertar ou desonerar a terra. Por consequencia tinha elevado a desamortização ás alturas de questão economica, e portanto de questão financeira, porque não podem desprender uma da outra. Se as questões economicas servem para desenvolver a prosperidade de um paiz, se servem para dar alento a todos os mananciaes de riqueza publica, está claro que as questões financeiras estão essencialmente ligadas com ellas. Pela resolução dada aos assumptos economicos, no sentido do desenvolvimento da riqueza publica e da prosperidade de uma nação, tambem se resolvem as questões de fazenda, resolvem se mais facilmente todas as difficuldades de administração, que importam encargos no orçamento. A materia collectavel augmenta, a receita publica cresce, e o thesouro e o governo collocam se em circunstancias mais favoraveis para poderem fazer face aos encargos da nação.

Não dei portanto preferencia na minha moção, como já disse, á idéa da desamortisação, porque, para mim, é ponto de fé, que tal assumpto para o governo é uma questão morta, e que não a apresentará ao parlamento, nem para regular a dotação do clero, nem para regular cousa nenhuma. E se assim não é, eu convido o governo, que mostre ao paiz, que mostre a esta camara, que não sou exacto nas minhas apreciações, e que me engano nas prophecias, que avento, a respeito de tão importante assumpto, a que o ministerio é indifferente. E póde faze-lo, se dentro de oito ou quinze dias apresentar n'esta casa uma proposta qualquer sobre desamortisação.

Se proceder assim, eu serei o primeiro a dizer: enganei-me nas minhas prophecias; e louvo o governo, que tem o bom senso de cumprir a sua palavra, circunstancia a que nem sempre os ministros attendem, porque o mais vulgar é prometter e faltar.

Creio, que estou clamando em vão, porque nos bancos dos srs. ministros não me luz sequer a menor esperança de termos breve um projecto liberal de desamortisação.

Sr. presidente, agora que vão serenadas as tempestades, que felizmente no nosso parlamento não passam ordinariamente de algum graniso, mais ou menos grosso, e de um ou dois trovões, sem grandes estragos, e após os quaes apparece logo o arco íris, permitta me v. exa., que eu de á camara algumas explicações.

Quando hontem me pronunciei contra um requerimento, feito para se julgar a materia discutida, e insisti para que continuasse a discussão, não foi porque tivesse a louca pretensão ou vaidade de vir lançar luz sobre o debate, ou de apresentar argumentos, que porventura tivessem escapado aos talentos e habeis campeadores, que tomaram parte n'estas justas parlamentares, que felizmente acabaram sem aggravos e sem offensas, e ainda bem que assim acabaram.
Sr. presidente, não serei eu que chamarei comicos a esses torneios, que servem para provar a mestria da palavra, e a pujança das faculdades, e que se não conseguem convencer os adversarios, pelo menos arrastam o espirito de todos a prestar preito e homenagem ao talento, que é uma das mais valiosas prendas, que Deus podia conceder no homem (apoiados).

Sr. presidente, não precisava um illustre deputado e meu amigo, que sinto não ver presente, e sobre o qual se encerrou hontem o debate, fazer allusões menos favoráveis a essas pugnas gloriosas da palavra, porque se elle, como confessou na sua modéstia, não brilha pela eloquencia do verbo inspirado, se não é um José Estevão, se não é um Garrett, é pelo menos um habil argumentador, e trata sempre de se esclarecer nos assumptos, para votar com a consciencia, com que todo o homem de bem tem obrigação de votar.

Sr. presidente, honremos a palavra, porque nos honrâmos a nós; honremos a palavra, porque honramos o systema constitucional (apoiados).

Não sejamos tão mesquinhos, tão avaros nas discussões, que estejamos a censurar as digressões.

As discussões da generalidade são em regra questões políticas, quando os objectos são da magnitude e do alcance d'aquelle, cuja generalidade a camara hontem votou.

Não censuremos as digressões, sr. presidente, quando ellas servem para levantar os espíritos, para esclarecer a opinião, para dar tonicidade á fibra parlamentar, e para mostrar ao paiz que esta camara não é indifferente ás questões constitucionaes, e que esta opposição não é rebelde ao seu dever de combater.

Permiitam-me tambem de vez em quando as divagações, porque, pelo menos, servem para avivar a historia do passado, para tornar faceis as confrontações, e para dispor o espirito a julgar de certos actos sem paixões, que o tempo vae diluindo.

Eu não tenho testadas a varrer, ou se tenho alguma é muito pequena; levantará pouco pó, e incommodará por consequência pouco os meus collegas.

Entretanto peço á camara toda a sua benevolencia em relação a algumas reflexões que possam ser tomadas por divagações.

Magoou me hontem que o illustre deputado, e meu amigo, a quem me estou referindo, dissesse em pleno parlamento = este paiz, esta camara, estão fóra das condições do systema constitucional e parlamentar, e o que vejo aqui praticar não é a doutrina que se ensina nos livros da sciencia =.

Suppunhamos que esta asserção é verdadeira, e eu não quero n'este momento discuti-la; pergunto, póde porventura a allusão caber a quem ella era dirigida? Póde ella caber á opposição? Eu não a aceito nem para a opposição nem para a maioria. Mas a insinuação veiu dirigida á opposição.

Em que tem a opposição contribuído para o menos brilho, ou para a execução menos leal e levantada das condições do systema constitucional? Eu lamento que se façam insinuações d'esta ordem a um grupo de homens que pelo menos, empregam todos os seus esforços para não deixar rebaixar o systema parlamentar, e sim conserva lo sempre n'aquelle nível, em que nós todos temos obrigação de o sustentar.

E se effectivamente o systema constitucional entre nós não tem estado na altura que devia estar, a culpa não é da parte da camara. Se existe culpa, não a lancem sobre nós. Não a queiram lançar designadamente a um grupo, ou a uma fracção da camara (apoiados). A culpa, se

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culpa ha, seja de nós todos, vem do passado, cuja reproducção é mister evitar (apoiados).

Permitta-me v. exa. que eu faça algumas considerações n'este sentido, porque o ultimo orador que fallou hontem na generalidade deixou pendente na assembléa uma certa ordem de idéas, umas certas asserções de caracter completamente político, que sendo eu o primeiro que se lhe segue na tribuna, corre me o dever de as levantar, ou de as rectificar.

Se o systema constitucional e parlamentar não está na altura em que deve estar, segundo a asserção do illustre deputado, o mal deriva das causas, na minha humilde opinião, que vou expor.

Ha muito tempo que a roda da governação como que está travada, como que está emperrada no nosso paiz (apoiados).

Levantam-se os governos saídos da prerogativa real, que nenhum de nós quer de certo censurar ou desacatar, e os homens que são chamados ás altas funcções políticas, esforçam se por desentranhar do seu trabalho, da sua intelligencia e do seu amor ao paiz, todas as medidas, todas as reformas que se lhes afiguram consentaneas á boa administração e á prosperidade dos povos.

Façamos justiça a todos, e sobretudo ás suas intenções (apoiados) porque se os seus actos nem sempre correspondem á espectativa e á anciedade publica, é porque muitas vezes circumstancias de força maior, estranhas por certo á vontade d'aquelles que são chamados á governação publica, cooperam para a deficiencia ou para a reprovação, sabe Deus quantas vezes injusta, das suas obras.

Legislam os parlamentos; accumulam se as reformas; dobra de actividade a faina ministerial; e quando parecem accommodados todos os descontentamentos, sanadas todas as dificuldades, desfeitos todos os attritos, salvos todos os perigos, é então que rebentam as tempestades, ás vezes posthumas da opinião, e a arvore que tinha já fundas as suas raízes no solo desbravado da administração, quebra-se, ou torce-se como um fragil arbusto aos primeiros annuncios do furacão.

Surgem depois as dictaduras, filhas primogenitas do movimento pacifico ou tumultuado que lhes deu o ser, e bafejadas pelo sopro da popularidade, que as proteje, caminham altivas, desassombradas, descerimoniosas, e até com certos ares de irresponsabilidade, porque se envolvem n'um manto, a que lhes não é dado acolherem-se, e caminham na via larga dos commettimentos ousados, que, segundo a opinião dos dictadores, a consciencia publica lhes impõe, ou pelo menos lhes ansigna-la.

É isto o que estamos vendo. É isto o que se desejava tivesse sido notado por aquelles que dizem não estar o systema parlamentar na sua verdadeira elevação, pelo facto de se terem feito discursos longos no importante assumpto que se discute.

É necessario que vamos á origem dos acontecimentos, e os estudemos, como é nossa obrigação.

Os governos constitucionaes sáem fóra dos seus eixos, não se levantam á sua verdadeira altura, quando o poder executivo, quando os homens que estão á frente dos negocios do paiz assumem a dictadura sem motivo plausível, justificavel, que a possa absolver.

Então é que o systema parlamentar cáe no chão, se rebaixa, porque a dictadura caprichosa, violenta, facciosa é a maior falta de respeito, é o mais tremendo desacato feito aos princípios constitucionaes.

É exactamente o que ha um anno a esta parte tem acontecido entre nós (apoiados).

É ás causas do mal que é necessario descer ou subir. É preciso dizer com franqueza que o brilho do systema constitucional está empanado, entre nós, desde que sem o menor escrúpulo se protejam e approvam dictaduras que nenhum grande motivo de salvação publica póde justificar.

Pois a dictadura será um facto que possa passar despercebido a um espirito esclarecido, como é o do illustre orador a que me tenho referido? Não é. Então porque é que quando tratou de apreciar as circumstancias que têem contribuído para que o systema constitucional tenha baixado do nivel onde deveria ter-se mantido, deixou no escuro circumstancias que estão presentes ao espirito de todos? (Apoiados.)

Sr. presidente, actos de dictadura como aquelles que este governo praticou, e refiro-me principalmente á chamada reforma eleitoral, não podem passar despercebidos aos olhos dos homens verdadeiramente liberaes. Reprovam-se e condemnam-se sempre, porque atacam as liberdades publicas, e não têem por si para os attenuar motivo nenhum de salvação publica, a que fosse necessaria, primeiro que tudo, attender (apoiados).

Não obstante, o sr. ministro da fazenda, todas as vezes que se lhe tem offerccido occasião, sustenta com o maior desassombro esse acto inqualificavel e atrevido, e faz até alarde de uma obra tão meritoria!

Isto magoa-me, desconsola-me, ou antes indigna-me, porque eu não quero fazer ao sr. ministro a injustiça de o suppor um homem menos liberal. Mas não queria que viesse aqui fazer alarde e gala do sambenito. Nem mesmo tem como desculpa a necessidade da defeza, porque o bill de indemnidade não foi discutido, e o ukase eleitoral apenas muito perfunctoriamente tem sido tratado n'esta casa.

S. exa. não contente por se ter no seu relatorio financeiro occupado d'este objecto, o qual nada tinha com a questão das finanças, entendeu que na discussão do emprestimo devia jactar-se d'aquelle acto inaudito da sua dictadura.

Pois os actos de dictadura não são, em regra innocentes, nem para a liberdade dos povos, nem para os princípios constitucionaes (apoiados), e quando elles atacam princípios, como este atacou, é mais honroso para os governos e para os homens que querem passar por liberaes, vir aqui entoar o parnitet, e confessar que um império de circumstancias que suppozeram extraordinárias e anormaes, mas que reconheceram a final serem fictícias, ou uma certa pressão a que não poderam eximir-se, os levou a fazer uma reforma que hoje entendem não deviam fazer, porque não salvou a causa publica, nem a fazenda nacional.

E tanto isto é verdade, que no seu relatorio o sr. ministro o confessa, quando ingenuamente nos diz que consentiu que as difficuldades financeiras se aggravassem, comtanto que se fizesse a reforma eleitoral, que era um ponto essencial do seu programma. S. exa. diz n'esse relatorio que - foi o longo interregno parlamentar produzido pela dissolução da camara e pela indispensabilidade de reduzir o numero dos deputados e o numero dos círculos, quem aggravou ou cercou de maiores dificuldades a crise financeiro que temos atravessado.

Portanto o governo exercendo este acto de dictadura, consentiu que as dificuldades financeiras se aggravassem! Isto entá escripto no relatorio do nobre ministro da fazenda. Faz pasmar uma tal ingenuidade, porque lhe não quero dar outro nome. Nunca vi tanta falta de respeito pelos principios, alliada a tanta contradicção! (Apoiados.)

Sr. presidente, eu não desconheço que póde haver occasiões, mas são raras, em que as dictaduras se julguem necessarias, fataes, impreteriveis, mas os arestos, os precedentes são sempre portas que ficam abertas para os políticos, sem escrupulos, ignorantes e audazes.

É portanto necessario que as dictaduras sejam excepcionalissimas, e se fundem em circumstancias realmente imperiosas, de modo que o parlamento possa julgar, o paiz convencer se, e o governo demonstrar que as circumstancias foram effectivamente extraordinarias e anormaes, a ponto de não poderem os seus adversarios provar o contrario.

Em favor de um tal acto dictatorial apenas se produziu um argumento banal, e que se traduz n'uma grave desconsideração para com a representação nacional. Argumenta-se com uns certos ares de convicção, que se fez em dicta-

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dura a reforma eleitoral, porque á camara havia de repugnar o seu suicídio, cerceando o numero de deputados, e o numero dos círculos. Aqui tem v. exa. o argumento serio e f01 te, que até hoje se tem exhibido. Argumento deploravel, que se não arroja ás faces de um parlamento, porque é uma desconsideração para com a representação nacional, porque é suppo-la sem abnegação, é suppo-la sem consciencia da sua missão, é suppo-la capaz de escravisar um principio a um sentimento de egoísmo, se fosse um principio amesquinhar exageradamente o numero dos representantes da nação (apoiados).

Eu comprehendo dictaduras, como as dos ministros de D. Pedro IV, como a de Joaquim Antonio de Aguiar, que extinguiu as ordens religiosas e secularisou os frades (apoiados).

Comprehendo dictaduras como a de Mousinho da Silveira, que extinguiu as alcavallas e privilegios, que pesavam sobre a terra, dando-lhe liberdade (apoiados).

Comprehendo dictaduras, como a de Passos Manuel e visconde de Sá, que alargou os foros populares, e lançou o gérmen de fecundas e utilíssimas instituições (apoiados).

Comprehendo taes dictaduras, porque são no sentido liberal, trazem nos seus pergaminhos o sello da soberania nacional, são urgentemente reclamadas pelo império real das circumstancias e por uma causa poderosa de salvação publica.

Mas dictadura, que teve unicamente por fim destruir um principio, que era um direito parlamentar e popular, que o genio da liberdade tinha levantado para oppor ás demasias do poder como gladio exterminador nas mãos do archanjo ás portas do Eden, dictadura para amesquinhar exageradamente a representação nacional, sacrificada grosseiramente ao pensamento material de alguns contos de réis, dictadura, que teve por fim desnortear os partidos, surprehender ou opposições, obstar aos trabalhos eleitoraes, tornar impossivel quasi todo o accordo político, e falsear d'esta arte a representação nacional, dictadura depois de uma dissolução, depois de uma recondução mysteriosa do ministerio, depois de uma mystificação política, verdadeira mystificação política, em que se attribuiram recusas a um distincto general e homem d'estado, que elle não deu, mysterio que naturalmente dentro em poucos dias nós havemos de ver explicado e esclarecido n'uma das casas do parlamento, dictaduras taes são dictaduras forçadas, violentas, tyrannicas, arbitrarias, facciosas.

São facciosas nos seus intuitos, e tyrannicas nos seus princípios. São tumultuarias nos seus resultados praticos, e mesquinhas nas suas consequencias financeiras (apoiados). Contra essas dictaduras é que eu hei de protestar sempre, e estimo ter este ensejo para lavrar mas uma vez aqui o meu protesto.

Sr. presidente, é tempo de já entrar no artigo 1.° O que é e o que vale o empréstimo, na sua significação moral e política, e no seu alcance financeiro, já foi dito c explicado pelos illustres oradores que me precederam no debate. Eu apenas teria de reproduzir as suas idéas, cujo enunciado poderá ser differente, mas cuja essência será a mesma.

Respigar no restolho um ou outro grão desprezado e sumido, que a mão generosa do cegador deixou cair com desdem, será a ingrata tarefa a que terei de me cingir.

Não me espraiarei por consequencia em largas considerações relativamente ao empréstimo, cuja matéria está todavia consubstanciada no artigo 1.°, porque a generalidade e o artigo 1.° são uma e a mesma cousa. Tudo o mais são accessorios da questão principal, menos o assumpto do caminho de ferro, que é uma questão especial.

Quem discutir o artigo 1.°, póde pois, se quizer, fazer todas as considerações que se poderiam fazer por occasião da discussão da generalidade.

Não necessito tambem fazer grandes esforços para mostrar que o emprestimo é pessimo, porque o nobre ministro da fazenda já nos declarou na sua ingenua franqueza que elle era mau. Creio não ter sido a declaração um feliz argumento para conquistar votos de approvação.

Não entrarei pois na minuciosa analyse da questão, porque tinha naturalmente de reproduzir os calculos e as apreciações dos oradores que me precederam, calculos e apreciações que poderiam, como já disse, ser differentes nos termos, mas que seriam os mesmos na essencia.

Apenas pois muito perfunctoriamente exporei quaes foram as rasões por que votei contra a generalidade do emprestimo..

E por esta occasião permitta v. exa. que eu declare á camara, que é esta a primeira vez na minha vida, que nego a um governo o meu voto n'uma questão de meios. Tenho sido n'esta casa por muitas vezes opposição; estive na opposição durante todo o tempo da fusão; e quando o nobre ministro da fazenda de então trouxe aqui duas propostas de lei, pedindo auctorisação para contrahir emprestimos, approvei-as ambas, declarando categoricamente que jamais faria questão política de uma questão de meios.

Quando um governo qualquer se apresenta ao parlamento, e lhe pede auctorisação para levantar fundos, com que resolva a crise financeira, ou faça face aos encargos do orçamento, era regra dar-lhe hei o meu voto, excepto se fizer d'elle um juízo tão desgraçado, que o não supponha capaz de gerir com probidade a fazenda publica. Ora, é preciso que eu declare, sem reserva, que não faço tal juízo do actual ministerio, o que por consequencia se votei contra o emprestimo, foi por outros motivos. Para fazer opposição, para atacar um governo, não preciso ser injusto (apoiados).

Votei contra o emprestimo, porque o considero ruinosissimo, altamente offensivo da dignidade e do credito do paiz, humilhante para nós todos, e por estar convencido que ha outros meios, de que o governo póde lançar mão para resolver a crise financeira, para fazer face aos encargos do orçamento, e para extinguir a divida fluctuante; mal, cancro roedor, que todos nós, opposição e maioria, governo o paiz, temos a peito extirpar (apoiados).

A camara sabe que o emprestimo é nominalmente de réis 18.000:000$000, porque efectivamente o que o governo recebe é uma quantia muito inferior a esta.

Sabe tambem que ha uma annuidade de 1.890:000$000 réis, annuidade que é maior do que esta somma, em vista de algumas considerações, que eu hei de apresentar á camara. A annuidade, que é o juro e a amortisação, que durante trinta annos temos de pagar aos banqueiros ou credores, importará em 56.700:000$000 réis, ou antes em 56.983:5000$000 réis, no fim de trinta annos, se mettermos em linha de conta, como não podemos deixar de metter, o 1/2 por cento de commissão, que temos de dar aos banqueiros em todos os pagamentos, por semestre, que se fizerem; commissão que sobe em cada anno a 9:450$000 réis, e no fim de trinta annos a 283:000$000 réis! Por consequencia a annuidade não é de 1.890:000$000 réis, mas de 1.899:450$000 réis.

No fim pois de trinta annos temos dado aos nossos bemfeitores a somma proximamente de 57.000:000$000 réis, para recebermos agora, como logo provarei, 13.000:000$000 réis, pouco mais ou menos.

A commissão de fazenda deduziu dos 18.000:000$000 réis 1.080:000$000 réis para coMmissão e outros despEzas. Estes 1.080:000$000 réis, segundo os documentos que foram distribuídos á camara, e que eu designarei = documentos Goschen = significam a commissão de 4 por cento sobre o nominal, certas despezas, como sêllo, feitura e emissão de títulos ou obrigações, escripturas, etc., e uma corretagem de 4:000 libras ou 18:000$000 réis, dados não sei a quem.

Era conveniente, que se explicasse aqui qual é a rasão por que, dando nos 4 por cento de commissão sobre o nominal, ou 5.700:000 libras, havemos de dar mais 4:000 libras de corretagem, sem se nos dizer a rasão por que se

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dão. Que corretagem é esta? Quem é a pessoa que a recebe? Qual foi o serviço que prestou? Não supponho haver n'isto mysterio, mas é bom que se esclareça tudo, para não dar lugar a qualquer interpretação menos benevola, a que aliás eu não me associarei.

E eu dirijo ao governo estas perguntas, porque tenho r presentes as insinuações que se fizeram por parte de alguem, que pertence hoje á situação, na occasião de um outro emprestimo, não obstante o illustre ministro de então, e que foi injustamente aggredido, apresentar ao parlamento todos os documentos que esclareciam a materia.

Se não houvesse mais despeza alguma a deduzir alem d'estes 1.080:000$000 réis em que importam a commissão, a corretagem, e outros encargos que enumerei, o effectivo do emprestimo ficaria reduzido a 16.920:000$000 réis, e os seus encargos seriam, não de 10 1/2 por cento, como diz a illustre commissão, mas de 11 por cento, e uma fracção, como se pode verificar, confrontando a annuidade de réis 1.899:000$000 com os 16.920:000$000 réis, líquidos das despezas, que já enunciei. Mas é necessario fazer outras deducções. Temos a deducção da jouissance, ou 945:000$000 réis, outra liberalidade feita aos banqueiros, e que não é pequena, porque na occasião em que recebemos uma parte qualquer do emprestimo, ser-nos-há logo descontada a somma de perto de 1.000:000$000 réis, por juros e amortisação de seis mezes, em relação a um capital de que ainda não tínhamos visto um real. Quer dizer, os juros e amortisação começam a vencer-se desde 1 de janeiro passado, para títulos e obrigações que só poderão ser emittidos, se este projecto for approvado, em julho ou agosto proximo, e para um capital que não receberemos senão seis ou oito mezes depois, em relação a 1 de janeiro de 1869. Esta jouissance, ou este bonus, não apparece mencionado na proposta de lei do nobre ministro, mas a illustre commissão teve a generosidade de o lembrar, inserindo no projecto a declaração, de que as obrigações começariam a vencer juros desde l de janeiro do anno corrente. Temos pois a descontar dos 16.920:000$000 réis um coupon, ou réis, como já disse, 945:000$000.

Deduzida esta quantia, fica o effectivo reduzido a réis 15.975:000$000, e é isto
O que eleva a oercentagem a 12 por cento, pouco mais ou menos.

Aqui temos pois como o tal emprestimo a 10 1/2 por cento nos fica já a 12, sem a mínima contestação. Aqui temos como as taes verbas, ou despezas variaveis, que n'estas operações escapam ao rigor do calculo, no dizer da illustre commissão, se traduzem palpavelmente em quasi 1 por cento mais, ou 945:000000 réis. Não ha nada menos variavel.

A illustre commissão não teve talvez forças para fallar de jouissances, não quiz dar ás cousas o seu verdadeiro nome, aborreceu-se de tantos bonus, e de tantas deducçScs, por lhe parecer naturalmente, que já não era pouco a tal commissão, corretagem e mais encargos de 6 por cento sobre o effectivo. Estes encargos de 6 por cento sobre o effectivo, ou 1.080:000$000 réis, de que já faltei, provam que nós, apesar do estado desgraçado em que temos as nossas finanças, apesar de sermos economicos e poupados até ao mais severo escrupulo, não podemos comtudo ser taxados de falta de generosidade com os nossos banqueiros. Eu creio que a commissão dada aos contratadores do emprestimo, póde trazer ao governo todos os epithetos imagináveis, mas nunca o de mesquinho. A esse respeito pôde o governo estar descansado. Podem chamar-lhe mesquinho e avaro em relação ao seu systema de administrar, de reformar, de dotar os serviços publicos, e de promover os melhoramentos materiaes do paiz; mas para com os estrangeiros, para com os banqueiros d'esta operação, ninguém lhe pôde chamar falto de grandeza e de generosidade, á custa da nação, já se vê.

(Interrupção que se não ouviu.)

Eu bem sei que a commissão calculada no contrato Goschen é de 4 por cento sobre o nominal, ou 1.035:000$000 réis, mas o illustre relator da commissão sabe que é necessario acrescentar a corretagem das taes 4:000 libras, e todas as outras despezas, que se fazem com o sêllo, confecção e emissão dos títulos e escripturas, etc. Isto tudo junto com os 13.035:000$000 réis, ou 4 por cento sobre o nominal, é que dá 1.080:000$000 réis, ou 6 por cento sobre o effectivo (apoiados). Mas em todo o caso, o que é facto, é que os 4 por cento sobre o nominal, ou 1.035:000$000 réis, não me parece que seja uma quantia tão insignificante, que o governo possa correr o perigo de ser taxado de miseravel. Podem o illustre relator e o sr. ministro da fazenda estar tranquillos, porque esta commissão honra-os, e dá-lhes nome.

Mas são só os 1.080:000$000 réis e es 945:000$000 réis, que temos a subtrahir dos 18.000:000$000 réis? E o presente á companhia do caminho de ferro de sueste?

Desde que o governo, por um decreto dictatorial, que tem hoje força de lei, declarou, que o caminho de ferro de sueste era incontestavelmente nosso, e que dava uma esmola á companhia, porque interpretava assim os sentimentos generosos do paiz; desde o momento em que se faz tal declaração, os 2.377:000$000 réis offerecidos á companhia, é como se o governo os não recebesse dos banqueiros, por qualquer do emprestimo, que os dá a quem os não deve dar, e a quem não tem direito de os receber, na sua opinião.

Para a questão da operação, para a questão do emprestimo, é como se o banqueiro ficasse com esta quantia na mão, e como se o governo a não recebesse. Dando-a o governo a quem não tem obrigação de a dar, e a quem não tem o direito de a receber, é o mesmo que deitá-la á rua.

Subtrahindo pois, dos 15.975:000$000 réis, effectivo liquido de commissão e jouissance, o presente que se dá á companhia de sueste, na importancia de 2.377:000$000 réis, ficam-nos 13.598:000$000 réis. Esta é que é a final a somma total e liquida, que o governo receberá do emprestimo.

Vem aqui a proposito perguntar ao governo que é feito d'essa opinião publica, transformada á ultima hora em sentimento generoso, e em acto de rasgada liberalidade? Que é feito d'esses odios contra os concessionarios, contra os bancaroteiros, contra as companhias fallidas, e de todos esses epithetos affrontosos, de que estão prenhes as representações populares feitas a favor do sr. bispo de Vizeu, alma do ministerio? Que é feito de tanto patriotismo para tirar do sepulchro e resuscitar um ministerio, unico capaz de não transigir com as companhias e de sustentar os direitos do paiz contra as suas illegaes e espoliadoras pertensões? Tudo acabou. O odio do paiz transformou-se em benevolencia e generosidade. O patriotismo emmudeceu, e as representações elevadas á categoria de peças officiaes ahi ficam archivadas para eterna vergonha ou remorso de quem as assignou, ou de quem as encommendou.

Tivemos representações fervorosas contra bancaroteiros, com os quaes só eram complacentes os nefastos governos que precederam o actual; tivemos em vida a apotheose do sr. bispo de Vizeu elevado á categoria de alma do ministerio, em documentos a que elle deu o caracter official; tivemos a sua miraculosa resurreição em nome da salvação publica, e em odio á companhia do caminho de ferro de sueste, que só a mão de ferro do sr. bispo era capaz de esmagar; e por fim, sem que o paiz desse indícios se ter modificado as suas convicções, afiançadas em documentos solemnes, temos o actual ministerio, com o sr. bispo de Vizeu á frente, a escarnecer, a burlar o paiz e a attribuir-lhe sentimentos generosos, que ellc não deu direito a ninguém de interpretar!! Triste lição dada aos homens de boa fé, que se deixaram illudir com os programmas hypocritas de um governo que zomba de todos e de tudo!!

Voltando porém ao assumpto do artigo 1.°, vou demonstrar á camara, como o capital liquido do emprestimo em réis 13:598:000$000, e que representa já um encargo annual de 13,95 ou 14 por cento, ainda é susceptível de deducções, alem do presente dado á companhia de sueste, e das outras,

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que já fiz, como commissão, coupon de um semestre, etc. Mas antes de tocar este ponto, é necessario conhecer quaes são os verdadeiros encargos para o paiz, a que fatalmente nos arrasta a offerta que o governo confessa não ter obrigação de dar a ninguem.

O governo para obter esses 2.377:000$000 réis tem de pagar por elles aos banqueiros 12 por cento ao anno, o que significa um encargo annual de 285:000$000 réis.

Ora, 285:000$000 réis annuaes são no fim de trinta annos 8.550:000$000 réis. Portanto nós damos, por generosidade e interpretando os magnanimos sentimentos da nação, á companhia do caminho de ferro 2.377:000$000 réis, e pagamos todos os annos aos nossos credores a amortisacão e o juro d'esta quantia, o que representa no fim dos trinta annos 8.550:000$000 réis. Na totalidade dos juros e amortisação que pagámos d'este emprestimo, quer dizer nas annuidades totaes de 57.000:000$000 réis, entram réis 8.550:000$000, que representam os encargos durante trinta annos dos 2.377 :000$000 réis, com que beneficiamos uma companhia que o governo alcunhou ou deixou alcunhar de fraudulenta, concussionaria, bancaroteira, etc., etc.

Este é o verdadeiro alcance da offerta que damos á companhia; é por quanto nos fica este presente; é n'este terreno que devemos collocar a questão da concessão que lhe fazemos!! (Apoiados.) Os homens economicos e exemplares, que vieram ao mundo para emendar os erros do passado, fazem esbanjamentos e desperdícios que trazem encargos de 8.550:000$000 réis!!

Mas dizia eu que as deducções do emprestimo podiam ser maiores do que as que a camara já conhece. Efectivamente assim é. Os banqueiros podem, se quizerem, tomar por sua conta e risco os tres quartos do emprestimo, caso não sejam cobertos pela subscripção, alem da obrigação de tomar uma quarta parte ou 4.500:000r$000 réis, e de a entregar ao governo um mez depois de approvado o contrato pelas camaras.

É o que dizem os documentos Goschen. Quer dizer, suppondo que o contrato nas duas casas do parlamento é approvado por todo o mez de junho, os banqueiros são obrigados em 1 de agosto a entregar uma quarta parte do emprestimo ou réis 4.500:000$000 ao governo; e se a subscripção não for coberta, se os tres quartos do emprestimo não forem subscriptos, podem de tres em tres mezes, a contar da data da approvação ou ratificação do celebre contrato, tomar um quarto do mesmo empréstimo, por sua conta e risco, ato ficarem com a totalidade ou réis 18:000:000$000 sujeitos ás taes conhecidas e exageradas deducções. Se porém não quizerem fazer a entrega parcial de tres em tres mezes, e o entregarem todo n'uma só epocha adiantado, o governo pagar-lhes-há, por este adiantamento,
um juro de 6 por cento.

Ora, como o praso de tres mezes para cada quarto do emprestimo começa a contar-se desde a approvação da auctorisação ou do contrato, em ambas as casas do parlamento, supponhamos nós que os contratadores resolvem tomar todo o emprestimo e pôem á disposição do governo todas as sommas no primeiro de agosto proximo futuro, epocha em que só são obrigados a pagar 4.500:000$000 réis.

Não acho de todo impossível esta hypothese. Taes serão os interesses para os banqueiros, tão fabulosos podem ser, como parecem ser, os seus lucros, que sejam elles os próprios a levantar dificuldades e a crear embaraços, para que a subscripção publica não seja coberta, e elles poderem absorver todo o emprestimo.

N'este caso, que pôde dar-se, o juro que o governo tem a pagar importará em 337:500$000 réis, que significam uma nova deducção a fazer no capital já reduzido a réis 13.598:000$000. O que nos pôde pois ficar quando muito liquido de todas as deducções como são jouissances commissões corretagens, juros por adiantamentos, etc, etc, etc. são 13.260:000$000 réis, números redondos.

Ora, similhante somma liquida, confrontada com a annuidade de 1.899:000$000 réis, representa para o paiz um encargo annual de 14 1/2 por cento!!!

O emprestimo póde pois sair-nos a 14 1/2 por cento ao anno !!!

Quer dizer, quasi 1 por cento acima dos encargos que nos custam a divida fluctuante no estrangeiro. Contava o governo, segundo diz a illustre commissão, ganhar proxima mente 2 por cento na extincção da divida fluctuante externa, porque o seu juro é perto de 14 por cento e o emprestimo fora por elle calculado, quando muito, a 12 por cento; a final de contas os encargos do empréstimo se não excederem, serão pelo menos iguaes aos da divida fluctuante no estrangeiro.

E excede-los-hao, se houver deducção dos juros correspondentes aos adiantamentos dos tres quartos do emprestimo, de que ultimamente me occupei.

Vejamos agora, qual é o destino que o governo quer dar ao producto liquido do emprestimo, quanto lhe poderá faltar, quanto lhe poderá crescer.

Não é facil precisar exactamente qual é a verba que o governo poderá necessitar ainda n'este anno, para fazer face ao resto do deficit; qual é o verdadeiro deficit do anno economico futuro, e qual será a divida fluctuante. A divida fluctuante estrangeira até ao fim de abril, conhecemo-la nós por um mappa, que ultimamente nos foi presente. Mas o que ella será hoje ou d'aqui a um mez, talvez nem o proprio ministro no-lo poderia dizer.

Os documentos pois, que nos foram fornecidos, aquelles de que posso lançar mão, não me habilitara precisamente para dizer quaes as sommas effectivas a que o governo tem de acudir com o producto liquido do emprestimo.

A primeira necessidade, a mais peremptoria, a mais impreterivel, a mais fatal, é a extincção da divida fluctuante externa (apoiados).

N'este pensamento estamos todos de accordo. Não ha opposição nem maioria. Todos estamos unidos na idéa, e na necessidade de extinguir, o mais depressa possível, a divida fluctuante externa. Creio que sobre isso não ha duas opiniões (apoiados).

Não quero avivar as vergonhas, as humilhações, os transes dolorosos por que tem passado o governo, em virtude d'essa desgraçada divida fluctuante externa, que tem posto de rastos o nosso credito e em duvida a honra d'esta briosa nação. É uma triste gloria para este governo, que nem os seus antecessores nem os seus successores lhe invejarão. É uma corôa de cyprestes, que ninguem lhe quererá disputar.

Foi injuriada, insultada, calumniada esta nação lá fora na imprensa estrangeira, e diz nos o nobre ministro da fazenda, na sua ingenua franqueza, que as calumnias passaram sem correctivo. É uma triste e desgraçada confissão! Lamento que se escrevessem taes simplicidades n'um documento official!

O ministro não podia de certo evitar que taes calumnias se propalassem; mas o que o ministro devia evitar, porque tinha obrigação de o fazer, era que essas injurias e essas calunias tivessem passado sem correctivo (apoiados).

Não tínhamos porventura meios de as rebater? Não tínhamos agentes, empregados e altos funccionarios lá fora? Porque não recorreu o governo, porque não recorreram esses funccionarios á imprensa para esmagar a calumnia onde ella se levantou? Porque não empregou o governo todos os meios para que na imprensa onde fora injuriado o paiz, onde se desacatara a honra nacional, e onde foi posto em duvida o nosso credito, apparecesse a rectificação d'esses aggravos, levantando a nossa dignidade á altura a que tinha obrigação de a levantar?

Podiam ter sido infructuosos os meios; embora o fossem; viesse o governo confessa-lo aqui. Era uma satisfação dada á camara, e que o honrava, porque provava que effectivamente tinha cumprido o seu dever (apoiados).

Eu lamento que o nosso credito tenha descido, como tem descido, nas praças estrangeiras. Lamento que as calumnias

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e as injurias tenham contribuído, como têem contribuído, para que elle se não tenha mantido no nível que é para desejar. Lamento que a honra do paiz e o seu bom nome tenham andado aos baldões. Deploro, como hontem deplorou um illustre deputado, que n'esta casa se soltem phrases, que não abonam a nossa prudencia, porque podem concorrer para aggravar difficuldades, que temos a peito remediar.

Detesto tambem a palavra - bancarota, ameaça aterradora, que ainda assim não partiu d'este lado da camara. Mas deploro igualmente que, a proposito do emprestimo, nos viessem aqui faltar de independencia nacional. A independencia nacional está muito alta, para que se possa confundir cora a questão de um emprestimo. A independencia nacional nem vacila, nem se perde pelo facto de se rejeitar o empréstimo, e também não se avigora pelo facto de se approvar (apoiados).

Deixemo-nos de questões ad terrorem (apoiados).

A independencia nacional não se compromette se esta camara rejeitar o emprestimo. São os maus governos que a podem comprometter, são os governos inhabeis, são os governos imprevidentes, são os governos descuidosos ou sem escrupulos, que deixam julgar á reveli ao nosso credito nos paizes estrangeiros, são aquelles que, pelos seus actos, mostram a sua impotencia para resolver a crise financeira, que podem comprometter a independencia do paiz, ou, pelo menos, o credito e a honra nacional (apoiados).

Sr. presidente, um dos elementos que seria tambem necessario conhecer para avaliarmos o que faltará ou o que crescerá do emprestimo - é o deficit do futuro anno economico.

O sr. ministro da fazenda, no seu orçamento rectificado, apresenta-nos um deficit, que não é o deficit rectificado, segundo as proprias apreciações de s. exa. O seu primeiro deficit é de 5.700:000$000 réis, numeros redondos; depois, rectificando o que já devia apparecer rectificado n'um orçamento que tem esta designição, dá-nos o nobre ministro segundo deficit de 5.277:000$000 réis proximamente. Este é o chamado deficit rectificado do anno economico de 1869-1870. Infelizmente a rectificação ainda precisa rectificada, e são as proprias observações do relatorio do orçamento que nos conduzem a esses resultados.

O terceiro deficit que o sr. ministro nos fornece, sem talvez saber ou querer, é maior do que qualquer dos dois já conhecidos. Nos calculos do deficit rectificado de 5.277:000$000 réis incluiu s. exa. 300:000$000 réis, deducções durante o futuro anno economico nos vencimentos dos empregados publicos. Na receita geral do estado figuram também réis 259:000$000 provenientes do caminho de ferro de sul e sueste, dos emolumentos consulares, do thesouro publico, de saude, e das capitanias dos portos. Estas duas verbas, na importancia de 619:000$000 réis, numeros redondos, poderiam elevar as economias do governo de 1.500:000$000 réis a mais de 2.000:000$000 réis, se, segundo a previsões do nobre ministro, ellas não tiverem de contrabalançar as despezas, que hão de acrescer aos encargos da divida, segundo s. exa. confessa.

Ora, estando os encargos da divida publica calculados no orçamento rectificado em 6.854:000$000 réis, é necessario acrescentar lhe os 619:000$000 réis, o que eleva o deficit rectificado de 5.277:000$0000 a 5.896:000$000 réis. Ainda aqui não fica o deficit rectificado. No orçamento rectificado, a pagina 6, diz nos o sr. engenheiro Canto, na qualidade de director dos caminhos de ferro de sul e sueste, que a despeza ordinaria e extraordinaria dos mesmos caminhos no proximo futuro anno economico, deverá ser de 100:000$000 réis, e o seu producto liquido 25:000$000 réis, visto que o producto bruto é calculado em 191:000:000 reis. Mas o sr. Calheiros, ou o sr. conde de Samodães, ou ambos juntos, incluíram para despezas no orçamento apenas 40:000$000 réis, para que o producto liquido possa falsamente figurar de 51:000$000 réis. É preciso pois acrescentar ao deficit mais 26:000$000 réis, o que o eleva definitivamente a 5.922:000$000 réis. O deficit no futuro anno economico montará pois a perto de 6.000:000$000 réis.

Feitas estas rectificações ao deficit do nosso orçamento, vejamos agora qual é a divida fluctuante externa, até ao ultimo de abril passado, visto que, desde então para cá, não nos é dado, á falta de esclarecimentos, conhecer as suas alterações. Pelo mappa fornecido pelo illustre ministro, e a que já me referi, elevava-se ella n'aquelle dia a 7.042:000$000 réis, numeros reduzidos.

O coupon, que ha a pagar em 1 de julho proximo, ou o semestre dos juros da divida consolidada externa, não deverá ser inferior a 1.000:000$000 réis. No orçamento de 1868-1869 está este coupon calculado em mais de réis 1.700:000$000, mas no actual orçamento rectificado, apresentado a esta camara, e ainda não discutido, vem elle calculado em pouco mais de 1.500:000$000 réis. Parece-me que é a primeira verba, que deveríamos aceitar, se o coupon a pagar pertence, como é de crer, a despezas proprias do corrente anno economico, e não do futuro. Entretanto eu tomei a media entre as duas, e calculei 1.600:000$000 réis.

Temos pois já tres verbas impreteriveis, a que o emprestimo tem de fazer face:

[Ver tabela na imagem]

Falta-nos calcular o resto do déficit, no corrente anno economico, que ignoro a quanto monta, por carência de esclarecimentos, que o governo nos devia ministrar, e nos não tem ministrado. Mas como o nobre ministro da fazenda nos disse aqui ha um mez, que o deficit de maio e junho orçaria por 720:000$000 réis, occultando nos qual era o de abril, eu calculo, que o deficit dos tres ultimos mezes do corrente anno economico não subirá a menos de 1.000:000$000 réis, o que eleva a 16.242:000$000 réis todas as despezas impreteriveis e fataes, que o producto do emprestimo tem de custear até 30 de junho de 1870. Ora, como o producto liquido da operação, para que se pede auctorisação, apenas montará a 13.598:000$000 réis, ficam nos a descoberto 2.644:000$000 réis.

Darão os novos impostos, no futuro anno economico, esta verba, que fica a descoberto? Serão elles todos approvados pelo parlamento? Aceita-los-ha o paiz? Produzirão as nossas alfandegas 600:000$000 ou 800:000$000 réis a mais, em que o governo naturalmente calcula o augmento, suppondo, que não diminue o consumo? Aqui está uma ordem nova de reflexões, em que o nosso espirito se póde espraiar.

Infelizmente eu estou convencido, que os impostos directos e indirectos, ainda que fossem approvados, taes e quaes o governo os apresentou á camara, não produzirão, no futuro anno economico 3.000:000$000 réis proximamente, e que por tanto dinheiro nenhum sobrará do empréstimo para applicar á divida fluctuante interna, que eu sou de opinião não dever ser amortisada com capitães, que vamos levantar a mais de 14 por cento, quando os encargos d'esta divida interna orçam por 7 1/2 por cento ao anno.

Oxalá que o sr. ministro da fazenda possa colher do imposto 3.000:000$000 réis, já não digo 4.000:000$000 réis como elle calcula e deseja, para fazer face á verba, que lhe rica a descoberto.

Divirjo pois, n'este ponto, da opinião de alguns dos illustres deputados, de certo mais competentes no assumpto do que eu, os quaes acreditam que do emprestimo hão de crescer muitas centenas, ou alguns milhares de contos de réis, para applicar indiscreta e inconvenientemente á extincção da divida fluctuante interna. É n'esta ordem de idéas que

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assenta a substituição apresentada por mim ao artigo 1.° que está em discussão. Não limito o quantitativo do emprestimo, dou auctorisação ao governo para levantar os fundos necessarios que extingam a divida fluctuante externa, e faça face ao deficit até 30 de junho de 1870; mas quero que a operação se leve a effeito, negociada sobre titulos de divida fundada de 3 por cento, nos termos da minha proposta, porque não aceito o emprestimo nas bases onerosissimas e humilhantes para a camara, para o paiz e para o governo, que quasi nos são á força impostas (apoiados). Eu já passei pelos olhos os projectos de impostos do sr. ministro da fazenda, e especialmente o que é relativo á reforma das pautas, cujo producto calcula em 600:000$000 ou 700:000$000 réis a mais, partindo do principio que se conservará o mesmo consumo.
Por occasião da discussão das suas propostas de imposto, eu espero demonstrar ao nobre ministro que se illudiu nas suas apreciações.
As nossas alfandegas, cujo rendimento infelizmente vae escasseando, não poderão dar a mais as sommas que o illustre ministro previu. O consumo ha de diminuir n'um grande numero de artigos com o augmento do imposto, come já tem diminuido com o imposto actual. Só na alfandega de Lisboa, talvez no corrente anno economico, tenhamos uma quebra de 300:000$000 réis no rendimento, comparado com o do anno anterior.
O consumo diminue sempre que augmenta o imposto, não só com relação aos objectos, cujo consumo os individuos têem na sua mão restringir, como tambem até certo grau aos objectos de primeira necessidade.
N'este ultimo caso os individuos, que podem cercear alguma cousa, cerceiam; verdade é que, em objectos de primeira necessidade, o cerceamento não póde ir muito longe, porque não póde ir até á fome e até á nudez; mas vae até onde póde ir com o augmento exagerado do imposto. Nos objectos de consumo facultativo o cerceamento é largo quando o imposto cresce. Com respeito a estes, cada um faz o seu orçamento, vê que não póde consumir quanto consumia até á epocha dá elevação do imposto, e restringe as suas despezas quanto póde restringir. Não é só a economia politica que ensina isto, é principalmente a economia domestica e o senso commum que o demonstram a cada passo.
Ainda que espero ter occasião de desenvolver estas considerações, quando se discutirem as medidas de imposto que fazem parte do systema financeiro e salvador do nobre ministro da fazenda, eu não podia deixar de dizer agora algumas palavras sobre o assumpto, porque gosto de ser logico e coherente. Eu não havia de dizer que estava convencido, que o governo cobraria uma grande verba de impostos, quando tenho exactamente a convicção opposta, se avançasse agora tal proposição, teria de me contradizer, quando se discutissem as propostas do imposto.
A camara tem visto pela apreciação que tenho feito do projecto n.° 9, que eu não podia deixar de rejeitar o emprestimo, porque elle se baseia n'uma ordem de idéas completamente differentes das minhas.
Este emprestimo, cujos encargos de juro e amortisação, segundo já calculei, podem chegar a 14 1/2 por cento, e alem d'isto uma operação, cuja commissão póde chegar a 23 por cento.
Se assim não é, não posso saber o que significa aquelle celebre artigo 10.° do contrato Goschen, que o sr. ministro da fazenda e o sr. relator dizem, que está completamente desprendido do projecto em discussão, mas que eu supponho tão ligados como a sombra ao corpo.
É tal a convicção em que eu e uma parte da camara estamos, de que a auctorisação concedida ao governo o colloca na indeclinavel obrigaçâo de contratar com a casa Gosehen, ratificando e aceitando as condições horrorosas que estão exaradas nos documentos, que, depois de grandes instancias, foram impressos e distribuidos á camara, que, apesar das mil declarações em contrario do nobre ministro e do
illustre relator do projecto, o meu espirito fica inabalavel, e a opinião subsiste firme, como estava.
O contrato com a casa Goschen está feito; apenas o governo obtenha do parlamento auctorisação para contrahir o emprestimo, o contrato provisorio será ratificado, e tornar-se-ha definitivo. Aliás não haverá emprestimo com aquella casa, e teremos por isto de pagar uma multa de perto de 259:000$000 réis (apoiados).
Esta é que é a questão. Podem querer desvia-la do seu verdadeiro terreno, mas não o conseguirão. Projecto n.° 9, e contrato Goschen, são uma e a mesma cousa (apoiados). Ou o parlamento approva a auctorisação pedida ou não. Se approva, o governo não pode obter dinheiro da casa Goschen senão com as condições humilhantes e affrontosas que a camara conhece; se não approva, ou se o governo não quizer ratificar o contrato provisorio, teremos de pagar uma multa de 259:000$000 réis, ou 1 por cento sobre o nominal do emprestimo, na importancia de 5.700:000 libras. É assim que toda a gente despreoccupada vê a questão (apoiados).
As declarações em contrario do nobre ministro não as posso aceitar. Tenho grande estima pelo seu caracter, e não é mero comprimento que lhe faço. Conheço-o desde os nossos tempos da universidade, e sempre fiz de s. exa. a idéa mais lisonjeira que se póde fazer.
Mas n'estas cousas politicas não devemos levar a boa fé a ponto de acreditarmos todas as declarações feitas por parte dos governos, ou d'aquelles que os defendem, principalmente quando se trata de questões d'esta ordem, porque \ todos sabemos os argumentos que é necessario empregar para se vencerem certas difficuldades, e não se afastarem certos votos ou sympathias. Alem disto todos nós temos o nosso criterio, que não podemos subordinar ás meras declarações de ninguem.
Já um illustre deputado, o sr. Mathias de Carvalho, apresentou as suas duvidas a respeito da condição do artigo 10.º do contrato, que póde fazer subir a commissão do emprestimo a 23 por cento.
Eu não estava n'esta casa quando s. exa. pronunciou o seu discurso, mas li-o no Diario da camara.
Não me consta que o governo ou a illustre comissão de fazenda tivessem respondido, n'este ponto, ás suas judiciosas observações.
Se em todo o estado de causa, como diz o contrato Goschen, artigo 10.°, a commissão é de 4 por cento sobre o nominal, pergunta-se se os banqueiros recebem a commissão em relação a 5.750:000 ou 1.000:000 libras esterlinas, caso se não se realise mais do que 1/2 do emprestimo?
Pela letra do artigo parece fóra de duvida que elles têem direito a uma commissão de 4 por cento sobre 5.750:000 libras esterlinas, ainda que o emprestimo não seja coberto ou subscripto na sua totalidade, e elles só tomem a quarta parte! N'este caso, por 4.500:000$000 réis que os banqueiros emprestam ao governo, recebem elles de commissão 1 035:000$000 réis, o que representa, um bonus de 23 por cento, que será ainda maior se o governo não receber, liquidos de outros encargos, os 4.500:000$000 réis, ou o quarto do emprestimo.
(Interrupção do sr. Cortez, que não se percebeu.)
V. exa. diz que não. E eu digo que sim. Eu não fallei sobre a generalidade, e por isso apresento estas considerações na especialidade. Não exijo que a camara me preste a attenção com que sempre me honra, porque sei que estas questões prendem pouco. Não me escandalisará portanto qualquer rumor. Eu costumo, em regra, sempre prestar attenção a todos os oradores, quer sejam a favor do governo, quer contra.
Todos têem direito a ser escutados, e o governo tem obrigação de ouvir a todos. O orador póde valer pouco, mas assumptos como este valem sempre bastante (apoiados).
Mas voltando ao artigo 10.°, vejamos o que elle diz (leu).

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Ora, isto está bem claro, clarissimo.
Eu não leria este artigo á camara, se não visse por parte do illustre deputado, o sr. Cortez, signaes de quem duvida, ou nega o que eu disse.
(Áparte que não se percebeu.)
Contesta? Então é preciso que este ponto seja esclarecido, porque não sou só eu que estou n'esta persuasão, ha muitos membros d'esta casa que estão na convicção de que os banqueiros têem direito a receber 4 por cento sobre todo o nominal, ainda que não se realise senão a quarta parte do emprestimo que se realisar.
O sr. Cortez: - O sr. ministro da fazenda já hontem disse, creio eu, que a commissão de 4 por cento é somente sobre a parte do emprestimo que se realisar.
O Orador: - Bem; este contrato é e não é. Quando é preciso destruir qualquer observação, o contrato não existe ou nega-se a clara disposição que n'elle se contém, mas, na minha opinião, e na de uma parte da camara, se esta auctorisação passar, o governo não póde contratar com a casa Goschen senão segundo estas bases.
Portanto, como esta é a nossa convicção, por mais protestos ou declarações que faça o illustre relator da commissão, os banqueiros não darão dinheiro senão segundo as condições do contrato desgraçado que estou analysando.
Contratos de tal jaez não se podem approvar.
Bastava a condição do artigo 10.º para eu negar ao governo uma tal auctorisação. Não approvo contratos de emprestimos, cujas commissões podem chegar a 23 por cento.
Eu tinha necessidade de explicar o voto que dei contra a generalidade, porque a minha consciencia impõe-me o dever de não negar meios a qualquer governo senão por motivos muito fortes. Posso guerrear um governo por todas as fórmas, posso votar-lhe moções de censura, mas quando se tratar de questões d'esta ordem, não votarei contra sem que para isso tenha gravissimos motivos.
Rejeitei pois a generalidade, e rejeito o artigo 1.°, não só pelas rasões já expostas, mas tambem porque o emprestimo assenta sobre um principio que eu, na actualidade, não aceito, Refiro-me á amortisação em trinta annos, por annuidades de 1.899:000$000 réis.
Nas actuaes circunstancias do nosso orçamento não posso aceitar o principio da amortisação como base para contrahir qualquer emprestimo, especialmente quando elle é enorme, como este, e avoluma consideravelmente os encargos do orçamento.
Sei perfeitamente que a amortisação não é um systema completamente rejeitavel. Em these e como principio, ninguem o póde desprezar. Eu mesmo sou partidario da amortisação dadas certas e determinadas circumstancias.
Eu bem sei que as theorias de Price, a que alludiram alguns nobres deputados, que as phantasmagorias de Law, e que o systema financeiro de Pitt, perderam já ha muito do seu terreno e dos seus creditos, depois dos escriptos de Ricardo, principalmente, e de Hamilton.
As boas doutrinas e as buas praticas financeiras ensinam que a amortisação só deve ser applicada á diminuição da divida de um paiz, quando ha receitas excedentes ou sobras no orçamento. E mesmo n'este caso, alguns financeiros economistas optam pela diminuição dos impostos. É o que se pratica n'alguns paizes.
Outros ha que são sempre contra a desamortização, como meio de diminuir a divida publica de um paiz, por mais elevado que seja o seu credito, e por mais florescentes que sejam as suas finanças. Era o systema de Laffite.
Este distincto financeiro em caso nenhum queria a diminuição do capital pela amortisação, como meio de diminuir os juros ou os encargos da divida. Preferia, quando a elevação do credito publico e a diminuição da taxa do juro que d'elle deriva, o aconselhassem, que se fizessem as conversões voluntarias dos fundos publicos. Os resultados beneficos para o thesouro, dizia elle, são os mesmos. Ha diminuição de encargos pela conversão, porque se fica pagando menor juro pelos capitaes da divida consolidada, que se conserva a mesma, e evita-se o perigo de fazer do governo um temivel concorrente á compra de titulos com os fundos da amortisação, para os inutilisar ou queimar. O governo nunca deve ser um concorrente á compra dos titulos para os cancellar, porque d'esta arte contribue para que muitos capitaes fiquem sem applicação, os quaes tendo tendencia para este genero de industria ou de commercio, vão no estrangeiro procurar o emprego que não encontram no seu paiz. Aqui tem v. exa. como pensava Laffite.
Qualquer dos systemas expostos comprehende-se, e póde aceitar-se; mas amortisar por um lado, como o governo pretende fazer, e contraiu r dividas por outro lado, para cobrir o deficit ordinario, à falta de receitas ordinarias e permanentes, é um systema detestavel (apoiados).
Aggravar os encargos do orçamento com tão exagerada annuidade, augmentar por esta fórma o deficit, que chama por novos emprestimos, e não querer por outro lado augmentar a divida consolidada, é desfazer com a mão esquerda o que se pretende construir com a direita.
Eu tenho algum conhecimento de quaes são, em geral, as idéas que vogam, ou tem vogado no mundo financeiro, a respeito da amortisação. A amortisação, como idéa fixa, e permanente, como systema invariavel e fatal até não é completamente abraçada pelos seus partidarios.
Os proprios financeiros, affeiçoados ao pensamento de diminuir a divida e encargos publicos pela amortisação dos capitaes, dizem, que é necessario deixar ao governo a faculdade de solver os seus encargos, pela maneira que julgar melhor.
As circunstancias do thesouro e do paiz variam de annos para annos, e portanto o governo não deve ficar completamente obrigado a satisfazer os seus encargos por uma maneira uniforme. Variando as circumstancias, seria tristissima a situação de um governo, que não podesse, senâo por um systema, solver as suas dividas.
Seria um governo inhabil, imprevidente, ignorante, pessimo, aquelle que, em questões d'esta ordem, se ligasse por contratos ou operações, que no futuro não podessem ser modificados a beneficio do thesouro.
Sr. presidente, amortisar, nas circumstancias em que estamos, quer dizer, augmentar os encargos annuaes do orçamento, por causa da amortisação, que eleva a annuidade, quando não temos ainda receita ordinaria para fazer face ás despezas ordinarias, quando saldamos ainda o nosso deficit ordinario com recursos extraordinarios, com o dinheiro que vamos buscar aos emprestimos, e que o credito nos fornece: é um contrasenso financeiro. Quem absorve todos os annos nas despezas correntes, e portanto nas despezas ordinarias, uma parte d'aquellas sommas que vamos buscar ao credito, não póde contrahir emprestimos sobre uma base que augmenta a verba dos encargos por causa da amortisação. Quando o orçamento não está equilibrado, quando os deficits em vez de diminuirem, crescem de anno para anno, negoceiam-se emprestimos sobre titulos de divida publica fundada, que trazem menores encargos, porque não vem acrescidos da amortisação annual do capital, que se mutua.
Sr. presidente, eu sou partidario dos emprestimos com amortização, noss termos em que vou expor á camara.
Não teria receio de recorrer á amortização como meio de diminuir, ou não augmentar a divida consolidada, se o nosso orçamento estivesse nas circunstancias, que todos desejamos.
Em primeiro logar é necessario assentar os orçamentos na simplicidade, na clareza, e na verdade (apoiados). Chamemos despezas ordinarias áquellas, que realmente o são. Classifiquemos nas extraordinarias áquellas, que têem sem contestação esta natureza. Não falsifiquemos a nomenclatura.
N'estas condições claras e simples, depois de termos receita ordinaria e permanente para fazer face aos respectivos encargos, todas as vezes que fosse necessario em pre-

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hender um grande melhoramento publico, como abrir uma via ferrea, canalisar um rio, ou fazer obras importantes de qualquer natureza, não teria duvida em aconselhar ou Approvar emprestimos para tal fim, com amortisação e com a condição de se pedir ao paiz immediatamente os impostos que fossem necessarios para amortisar o capital e pagar os juros do capital, que o governo tivesse necessidade de levantar. N'essas condições, como tinha as receitas ordinarias seguras e o custeamento das despezas bem garantido, não teria duvida em recorrer ao credito, empregando o systema da amortisação. Mas nas precarias circumstancias em que actualmente nos achâmos, não tendo as nossas finanças organisadas, não sabendo ainda ao certo d'onde ha de vir, ou quanto ha de render o imposto, ou quanto teremos de applicar do emprestimo para as despezas ordinarias, n'este cahos, onde se não fez ainda a luz: não posso aceitar tal emprestimo com amortisação, que vem impertinentemente aggravar as finanças do estado.
Não farei aqui a historia minuciosa da amortisação nos differentes paizes; mas ouvi a um illustre deputado, que costuma lançar em todos os debates muita luz, e principalmente espirito, como que censurar, que se tivesse aqui discutido a questão da amortisação. Ora, quando um orador pede a palavra sobre um assumpto, e está de mau humor, a regra é censurar, ou achar mau tudo quanto os outros di zem. Cada um está no direito de avaliar as questões, pelo lado por que as entende; e parece-me que não é deslocado fallar de amortisação, a proposito de um emprestimo que se baseia sobre ella(apoiados).
Eu já disse e repito: rejeito o emprestimo sobre a base da amortisação, alem de outras rasões, porque traz maiores encargos para o orçamento, e em occasião em que as finanças não podem com elles. Será isto uma rasão fraca aos olhos do illustre deputado, mas no meu espirito é muito forte. E tanto a considero assim, que voto um emprestimo ao governo, sobre outras bases e n'outras condições.
Aceite o sr. ministro a minha substituição ao artigo 1.°, e verá como eu lhe e needo toda a quantia de que precisar. Levante o governo dinheiro sobre titulos de divida fandada de 3 por cento, comtanto que o encargo não exceda 1 por cento acima d´aquelle que corresponder aos titulos, na occasião da emissão.
Todos os paizes têem amortisado, disse o illustre deputado a quem me estou referindo. A França, apesar do estado das suas finanças, em amortisado.
É verdade; mas a nossa principal desgraça consiste em aproveitar do estrangeiro aquillo que nos não deve servir,fechando os olhos, e desprezando os exemplos e a lição, que deviam prender a nossa attenção.
Pois na França tambem se revoltam contra a amortisaçao muitos financeiros e economistas.
A Hollanda amortisou durante certo periodo, até 1861, se me não engano, perto de 200.000:000 florins; mas as condições em que o fez todos o sabem. Amortisou, porque tinha o seu orçamento perfeitamente equiponderado em presença de uma excellente administração, e em plena e florescente prosperidade geral. Foi n'estas circumstancias que amortisou grande parte da sua divida publica.
Se o systema da amortisação fosse em todos os casos excellente, a Inglaterra não continuaria a amortisar?
Pois na Inglaterra actnalmente não se amortisa, senão com os excedentes chamados casues e applicando uma escassa verba de 26:000 libras, producto de um capital de 800:000 libras, que são uns dons ou legados, que a tal fim são destinados.
Todos sabem a lição que levou a Inglaterra, desde 1793 até 1813, com o systema de amortisação. A pertinacia de Pitt em amortisar divida, por um lado, com certas receitas, e em contrahir, por outro lado, emprestimos caros para saldar o deficit, e acudir ao pagamento de necessidades urgentissimas, custou á Inglaterra uma perda, em taes operações de mais de 60.000:000$000 réis.
Aqui tem a camara o que foi, e o que é, ou o que era, até ha pouco tempo, a amortisação em Inglaterra. Hoje ainda lá existe como uma especie de rotina, mas não se lhe applíca nenhuma receita permanente e importante.
E na França? Pois quem conhece a historia financeira da França nào sabe que a divida publica consolidada tem augmentado descommnalmente, comparada com as sommas que o thesouro tem amortizado? A divida publica franceza tem augmentado em muitos milhões de francos, apesar da amortisação.
Não ha paiz nenhum que se não tenha dado mal com o systema da amortisação, e não o tenha abandonado desde que, tendo de recorrer a emprestimos, vê em logar de diminuição, o augmento da divida consolidada.
A Russia, por exemplo, tambem começou a amortisar desde 1817. Fundou a sua caixa de amortisaçao n'essa epocha, mas teve de abandonar tal systema. Era tão grande e tão assustadora a sua divida fluctuante, que applicou todos os seus esforços em a consolidar, destinando para estes encargos permanentes e acrescidos os fundos da caixa, que se tornou um instrumento inutil. Realmente, amortisar por um lado divida fundada, e deixar exagerar por outro lado a divida fluctuante, que as receitas publicas, destinadas á caixa, e desviadas do seu destino, deveriam ter attenuado, é um supremo paradoxo em finanças.
A Prussia tambem começou a amortisar era 1816 ou 1817, mas desde que se viu na necessidade de contrahir emprestimos, teve de abandonar a amortisação.

utro tanto succedeu á Austria.
Não nos argumentem pois com o que se faz lá fóra, porque não citam com exatidão e com verdade. Quando as circunstancias financeiras de um paiz não são lisonjeiras, quando as suas finanças não estão florescentes, ninguem hoje recorre a tal expediente para diminuir a divida consolidada.
O governo entendeu que nào devia augmentar a nossa divida consolidada, porque ella é já bastante grande. Imaginou pois mais conveniente uma divida fluctuante a longo praso, como aqui já se chamou a este emprestimo, com amortisação, classificação que em finanças se não póde aceitar, e lançou se no caminho errado de um emprestimo amortisavel, para, no fim de trinta annos, o paiz se ver livre d'esta nova divida, sem se lembrar que os seus encargos, augmentando o desequilibrio do orçamento, hão de arrastar-nos a novos emprestimos (apoiados),
O governo anda mal, e não devia ter receio de acrescentar mais uma verba ao grande livro da nossa divida consolidada. Antes isso do que augmentar agora os encargos do orçamento.
De mais a mais os governos têem sempre na sua mão amortizar a divida consolidada quando quizerem. O credor não póde exigir que o governo lhe pague o valor dos titulos, mas o governo póde, sempre que queira, diminuir a divida consolidada. N não tem mais a fazer do que comprar titulos de divida publica, e queima los. No anno seguinte já tem menos juros que pagar. A questão principal é equilibrar o orçamento, augmentar as receitas, fazer economias, administrar bem, e zelar e fiscalisar os dinheiros publicos (apoiados).
Sr. presidente, se me restassem algumas duvidas a respeito d'este emprestimo, ou escrupulos que me fizessem vacillar entre a sua approvação ou a sua rejeição, tinham completamente desapparecido do meu espirito taes vacillações, á vista d'aquelles documentos ou appenso que rios foi distribuido.
O projecto de lei n.°9 é a auctorisação que o governo pede para levantar, em certas e determinadas condições, um emprestimo de 18.000:000$000 réis.
O appenso a que me retiro é a parte integrante d'este projecto, porque contém os contratos provisorios que o governo já fez com a casa Goschen, e tem obrigação de ratificar, se a auctorisação for concedida. Não é possivel,

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pois, nas considerações que qualquer deputado haja de fazer em relação ao assumpto, desprender-se de taes documentos.

Ora, dizia eu-se me restassem algumas duvidas a respeito da rejeição do empréstimo, tinham ellas desapparecido completamente á vista d'estes documentos, que estrio inteiramente presos ao assumpto.

Um d'elles por exemplo diz respeito a um supprimento de 2.327:000$000 réis a 10 por cento, ou adiantamento por conta do emprestimo, cujas condições, como a camara sabe perfeitamente, são as seguintes: inscripções empenhadas a 25 por cento; penhor que póde descer a quasi 18 por cento, se os nossos fundos desgraçadamente descerem a baixo de 30 por cento, e se for portanto necessario reforçar o penhor com mais 15 por cento.

Aqui tem v. exa. algumas das condições d'este supprimento, que está intimamente ligado com o assumpto que estamos discutindo.

Creio que a camara está já perfeitamente elucidada a respeito da vergonhosa c humilhante multa que somos obrigados a pagar, se não approvarmos o emprestimo. Foi com grande pezar que ouvi dizer hontem a um illustre deputado que a multa apenas significava um pequeno augmento no juro do supprimento, como se o augmento fosse de 1/8 por cento por exemplo!!

Realmente, este pequeno augmento não póde prender as attenções de quem não faz caso de bagatellas! Um augmento que póde elevar os encargos do supprimento de 10 a 76 por cento não vale a pena mencionar-se!! Já se admiraram aqui, por se dizer que os encargos do supprimento se podiam elevar a 43 por cento; pois podem se elevar a 76 por cento.

Não é difficil prova-lo.

Lamento que, quando aqui se proferiu tão peregrina asserção, houvesse um homem illustrado, que lhe desse um apoiado. Incommodou-me mais o apoiado, do que a lembrança de quem chamou um pequeno encargo, um pequeno augmento no supprimento, ou adiantamento, a um juro que é representado por uma percentagem, que é inaceitavel em quaesquer circumstancias, ou em qualquer operação.

Diz o ultimo § do artigo 4.º do documento, que se refere ao supprimento, que se as côrtes não approvarem a auctorisação do emprestimo, os banqueiros poderão lançar em qualquer mercado, e vender por qualquer preço as inscripções empenhadas, e indemnizarem-se e pagarem-se do adiantamento dos 2.327:000$000 réis, ainda que não tenha expirado o praso dos quatro mezes, porque adiantaram esta quantia, praso, que termina a 10 de agosto; e diz o artigo 7.° do mesmo documento, que se por um motivo qualquer contrato não for auctoritado, ou posto em execução dentro de um certo praso, o governo pagará 1 por cento sobre o nominal do emprestimo, que são 259:000$000 réis, numeros redondos. E a tal decantada multa.

Supponhamos, que o contrato era hoje rejeitado; e rejeitado ficará se não for approvado o artigo 1.º, que encerra a materia principal; succederá que ámanhã poderão ser lançados no mercado de Paris, de Londres, ou em outro qualquer, e serem vendidos, a preço ínfimo, 9.000:000$000 ou 10.000:000$000 réis de inscripções, que arruinariam completamente o nosso credito, e em premio de tão alto beneficio teremos de pagar aos nossos bemfeitores o bonus de 259:000$000 réis. Parece um sonho similhante condição.

Ouvi dizer aqui a alguns nobres deputados que aprovando se a generalidade do projecto apenas se approvava o pensamento do emprestimo, e que essa approvação não inhibia a rejeição d'este ou d'aquelle artigo da especialidade.

Pergunto: supponhamos que a camara rejeita o artigo 1.º: O que resta do projecto, depois d'esta rejeição? Fica offerta á companhia, se a camara approvar o artigo 4.°; mas fica inutilmente, porque, tendo nós morto o emprestimo com a rejeição do artigo 1.°, não teremos dinheiro para pagar essa generosa offerta (apoiados).

Vamos porém aos encargos do supprimento.

Rejeitado hoje o emprestimo, e vendidas as inscripções, para indemnisação de capital e juros do adiantamento, o praso ficaria reduzido apenas a dois mezes incompletos, porque o supprimento foi recebido pelo nosso governo a 16 de abril, e nós ainda não estamos a 16 de junho. É pois aos dois mezes, que nós vamos referir os encargos.

Dez por cento, em dois mezes, dos 2.327:000$000 réis, desprezada uma fracção, são numeros redondos, 39:000$000 réis, que sommados com a multa, ou 259:000$000 réis, dão a verba de 298:000$000 réis. Esta multa tambem está, garantida por inscripções em penhor, que seriam naturalmente lançadas logo no mercado, e vendidas a infimo preço. A somma de 298:000$000 réis representa em dois mezes, em relação ao supprimento, um juro de 12,78 por cento, salvo o erro.

Multiplicando 12,78 por 6, para dar os doze mezes, ou o anno, teremos 76,68, ou, se desprezarmos a fracção, teremos 76, que é o juro, referido a um anno, porque nos póde ficar o supprimento, com as humilhantes e esmagadoras condições, que já expuz á camara. Isto não se aceita, nem se tolera. Rejeita-se em nome da dignidade do paiz, era nome d'esta camara, e em nome da entidade governo, com cujo aviltamento nunca póde lucrar um paiz (apoiados).

Sr. presidente, ahi deixo lavrado o meu protesto, e expostas as rasões por que rejeitei este projecto na generalidade, e por que o não posso approvar na especialidade.

Mas basta de emprestimo, porque já tenho dito o sufficiente para justificar o meu voto. Permitia-me agora v. exa. e, a camara, que eu faça ainda algumas considerações políticas, que certas alhures vindas dos bancos dos srs. ministros justificam.

Alguns membros da opposição já responderam na parte que lhes dizia respeito; toca-me agora a minha vez.

Sr. presidente, eu pertenço áquelle partido, a que sempre pertenci, desde que comecei a pensar e a tomar parte nas cousas publicas. Sou do partido das maximas liberdades, com a maxima responsabilidade. Sou do partido da democracia illustrado, da democracia sem invejas e sem odios, que a ignorancia, as ruins paixões e a má educação inventam e criam. Pertenço áquella democracia, que não admitte distincção de classes, e que considera iguaes e cidadãos todos os homens desde o que sáe das chamadas baixas classes, classes sociaes até ao que se eleva ás primeiras categorias. Sou d'aquelle partido, que quer governos economicos e baratos, e sem ostentações vaidosas; governos simplificados, governos moraes, governos respeitadores dos direitos de todos, e dos direitos de cada um.

Tinha passado já de moda perguntar a cada qual d'onde vem, e para onde vae as do banco dos srs. ministros, e creio que da maioria, partiram algumas allusões que é necessario levantar.

Suppoz um dos conselheiros da corôa, no discurso que ha dias lhe ouvimos, que tirava grande partido político das suas ironias, quando se referiu a antigos adversários, que estão agora ligados na opposição parlamentar ao actual governo. Illudiu-se. Os pomos de discordia que s. exa. atirou ao seio da opposição, desfizeram-se no trajecto como bolhas do ar.

Não perguntem os ministros á opposição d'onde vem, para onde váe, ou onde está, porque viram contra si o fio do instrumento com que pretendem ferir-nos. Não perguntarei ao srs. ministros d'onde vem, e para onde vão, porque teria muito que perguntar.

A pergunta seria do mais a mais impertinente, incommoda, desoladora, porque a dissolução dos partidos, a anarchia das crenças, a contradicção, pelo menos apparente, dos homens, a abjuração de certos princípios, o atheismo das convicções, a organização inconstitucional e tumultuaria dos governos, lançaram-nos a todos nós n'uma especie de pan-

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demonio politico, em que o delirio dos corrilhos pessoaes, ou a vertigem do egoismo demasiado sensual, substituíram as normas levantadas da moral politica e do dever (Vozes: - Muito bem).
Eu não accuso ninguem, nem pretendo lançar a pedra a meus irmãos. Mas diz-me a consciencia que a energia das minhas crenças democraticas, a rainha fé no futuro, o meu amor á patria, á liberdade e ao progresso, são circumstancias fortemente attenuantes, que influirão para a minha absolvição no espirito dos meus juizes, ainda que elles fossem tirados do rol dos meus mais implacáveis inimigos.
Sr. presidente, se me fosse licito interrogar os srs. ministros, perguntaria ao sr. marquez de Sá, se estivesse presente, que era feito do seu passado glorioso? Se s. exa. tinha quebrado a sua espada, a espada que trouxe desembainhada ao lado do Imperador, na defensão das publicas liberdades, ou se a tinha pendurado no cabide das suas reliquias venerandas, quando assignou o ukase eleitoral de 18 de março do corrente anno? E se por essa occasião se apagou na sua nobre alma o culto sincero que sempre tem prestado aos manes do grande Passos Manuel, seu companheiro na gloriosa e democratica revolução de 1836???
Perguntaria tambem ao sr. Pequito, se o visse presente...
O sr. Ministro da Justiça: - Estou presente, e sou todo ouvidos.
O Orador: - Agradeço a s. exa. a sua attenção. A minha pergunta será simples. Esqueccm-se s. ex.", quando assignou o decreto eleitoral, de José Estevão, d'essa gloria da tribuna portuguesa, d'essa saudade immorredoura no coração de todos os liberaes?? (Apoiados).
O sr. Ministro da Justiça: - Não, senhor.
O Orador: - Os factos infelizmente dizem o contrario do que o nobre ministro assevera. Os factos dizem que s. exa., quando assignou esse decreto de 18 de março de 1869, renegou a sua assignatura no projecto de lei de 1859, cujos considerandos tão elevados, cuja índole, cuja letra, e cujo espirito tinham por fim obstar ao grande attentado que s. exa. commettêra. Esqueceu-se de si proprio, esqueceu os seus principios, esqueceu-se do artigo 28.º da lei, posto lá, como barreiro, para impedir m desvarios das usurpações dictatoriaes (apoiados).
Não continuo com as minhas perguntas no nobre ministro, porque o não quero perturbar nas beatificas contemplações da sua propria negação.
Sr. presidente, veja v. exa. aonde eu poderia ser levado, se perguntasse aos srs. ministros d'onde vem e para onde vão. Acho prudente para elles, que não encaminhem a esse campo os debates, e deixem viver cm paz e bom accordo todos os elementos da opposição liberal, que está congregada para os fins exclusivamente parlamentares. Não é outro o seu intuito (apoiados). Se nos lançaremos no campo das investigares, tínhamos muitas escavações a fazer nos bancos dos srs. ministros (apoiados).
Ao sr. Latino teria que perguntar pelas suas severas e grandiloquas philippicas contra os dictadores e contra as dictaduras. Estou que s. exa. havia de responder por si e categoricamente, dispensando por esta occasião os auxílios do seu collega da fazenda, que já uma vez correu a salva-lo na outra casa do parlamento, com aquella formidável cota de armas - das verduras da mocidade.
Ao sr. Calheiros pouco teria que perguntar, porque o passado de s. exa. confunde-se com o seu presente, e o seu presente deixa-nos adivinhar qual será o seu futuro.
Sr. presidente, dizia eu ha pouco a v. exa. e á camara, que era do partido dos governos baratos, sem ostentações vaidosas, dos governos simplificados, dos governes moraes, dos governos respeitadores dos direitos de todos e dos direitos de cada um. Sou pois do partido da descentralisação, e da iniciativa individual e collectiva.
Estou persuadido, e espero em Deus, que este pensamento não será uma irrealisavel utopia, e que a descentralisação, como formula democratica ha de ir, pouco a pouco, á proporção que os povos se forem illustrando, substituindo estes governos de curadores geraes de orphãos, e de tutores de menores, que e o typo eterno e immutavel de quasi todos os paizes, na Europa continental.
N'este ponto creio, que ainda estará de accordo commigo o illustre ministro da marinha, que eu já conheci por um decidido democrata e descentralisador; ó de esperar, que s. exa. não se esqueça dos seus antigos princípios, não olvide os seus democráticos programmas, como é costume fazer, quando se salta das associações políticas áquellas cadeiras, e aproveite o tempo, que estiver no governo, para realisar as suas aspirações, satisfazendo d'esta arte ás esperanças dos descentralisadores, dos radicaes e dos democratas, porque eu creio, que o illustre ministro continua ainda a ser democrata. S. exa. é incapaz de renegar as suas velhas crenças.
Bem sei, que os programmas radicaes não podem realisar-se de um jacto, mas porque não se podem realisar de uma só vez, não se segue, que deixemos de os pôr cm pratica, pouco e pouco, e por partes (apoiados).
Mas será descentralisação, será democracia, sr. presidente, o decreto de 22 de outubro, que já aqui foi classificado chistosamente, como protecção concedida á exhibição das ratas sabias'.* Não lhe chamarei reforma das ratas sabias, mas foi de certo uma reforma feita para proteger as philarmonicas, porque dá aos governadores civis a faculdade de approvar estatutos de certas associações de recreio. Já se vê que o governo não podia esquecer-se das philarmonicas, porque a predilecção que o ministerio tem por ellas ha de passar á historia (riso). É uma tendencia a que senão póde esquivar.
São de todos nós conhecidos os affectos que o nobre ministro do reino, e venerando prelado, tem pelas philarmonicas, quando ellas afinam na sua corda coral, e tocam peças, não direi encommendadas por s. exa., mas gratas aos seus ouvidos delicados (riso). A estas ensina-lhes o caminho e marca-lhes o itinerario que têem a percorrer (riso). As philarmonicas souberam corresponder aos altos beneficios do decreto de 22 do outubro que facilitou a sua instituição. Pozeram se ás ordens do nobre ministro do reino; serviram-lhe e acudiram-lho para a sua resurreição (riso).
Ora, como o beneficio da resurreição do nobre prelado e sem collegas, não fosse divida, que a sua alta generosidade pudesse deixar em aberto, s. exa. pouco tempo depois tratou de solver esse grato dever, dando bisarramente a paga aos agentes e directores da sua mystica resurreição (riso). Não sei se s. exa. já recebeu os devidos agradecimentos (riso). É natural que os receba, se ainda os não recebeu.
O nobre ministro do reino deve dar desenvolvimento ao seu famoso decreto de 22 de outubro do anno passado, sobre, descentralização.
É necessario, para PC não destruir a cordial harmonia, que existe entre os membros do gabinete, aceitar francamente o programma descentralisador do nobre ministro da fazenda, o sr. conde de Samodães, que tem a data de 10 de fevereiro, e que s. exa. assignou como chefe da associação patriotica do Porto.
O programma de 10 de fevereiro não é só de s. exa., pertence á historia, é de nós todos, porque é um documento publico. Eu não gosto da data. 10 de fevereiro recorda para o partido progressista e liberal a proclamação official de um outro programma que assentou os seus triumphos sobre as ruínas d'uma constituição democrática, a constituição de 1838, que a soberania nacional tinha promulgado. 26 de janeiro e 10 de fevereiro sito datas fataes para o velho e valoroso partido progressista.
Entretanto a data nada depõe contra o programma; estão lá princípios que eu aceito e que é necessario revalidar. E vem a proposito recordar o direito de petição individual e collectivo. Aceita ainda o nobre ministro da fazenda o direito de petição individual e collectivo? naturalmente aceita,

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porque em tão poucos mezes não se renegam tão importantes princípios.
Eu sinto muito que s. exa., pela sua qualidade de par do reino, não possa ter voto n'esta casa, porque se o tivesse, já o convidava a votar commigo n'uma questão que brevemente terá de discutir-se.
É uma interpellação annunciada ao sr. ministro do reino sobre o direito de petição. O sr. conde de Samodães deve sustentar os seus principios, e pôr-se de accordo commigo contra o sr. bispo de Vizeu. Deve querer o direito de petição individual ou collectivo, e não póde de modo algum aceitar a portaria que foi dirigida ao secretario geral do governo civil de Bragança. Essa interpellação pendente póde dar logar a uma moção de censura. Espero que n'essa occasião o sr. ministro da fazenda lembrará aos seus amigos politicos a obrigação que lhes corre de votarem contra o ministro do reino, para não rasgarem o seu programma. Devo ter por essa occasião muita gente do governo e da maioria commigo. Até hei de gosar da honra de ver votar ao meu lado o sr. ministro da marinha. S. exa. ha e votar contra o seu collega do reino n'esta questão; porque o illustre ministro, o sr. Latino Coelho, liberal, e democrata como foi, e como é, sustentou sempre na imprensa o amplíssimo direito de petição, individual e collectivo, garantido ás camaras municipaes, e a todos os corpos collectivos. Não é homem s. exa., que renegue doutrinas, sustentadas pertinazmente na imprensa, por muitos annos, em polemica com illustres jornalistas e publicistas, que seguiam opiniões contrarias.
Sr. presidente, partidario das maximas liberdades, e da mais alta descentralisação, o meu verdadeiro partido é o partido do futuro, porque as minhas aspirações não serão idéas praticas, fructificantes, estaveis, emquanto a educação moral e intellectual do povo não chegar a um certo grau de saturação, de que ainda infelizmente está arredado.
Quem é pois do partido do futuro, pelas aspirações democratas e radicaes, não póde estar ligado por vivas saudades ao passado, que estima e respeito, nem póde exorar aqui pela resurreição dos mortos (apoiados).
Mas quem é do partido do futuro, no campo das mais sublimadas aspirações, e no campo da propaganda, não deixa de pertencer ao presente, que é a realidade da vida, se quizer ser homem pratico, e propagandista útil.
Venham pois os partidos politicos, com idéas e systemas de governo, porque são rodas necessarias no mecanismo constitucional e instrumentos poderosos de progresso politico na vida dos povos. No que for mais adiante, lá irei occupar o meu logar de operario convicto e indefesso.
Venham todos os homens, porque as individualidades não se excluem, e cada um ha de occupar o logar que lhe convier; mas se quizerem ser os primeiros, tomem a fórma das novas idéas, porque as sociedades já se não governam com mythos, e porque a palavra, o pensamento, a iniciativa, a acção, são hoje os verdadeiros chefes de partido nos povos que principiam a pensar, e entrever os destinos que são chamados a realisar.
Sr. presidente, eu abri os olhos no seio do partido setembrista, servi depois, como soldado, a junta do Porto, e achei-me por ultimo naturalmente collocado no partido historico. É esta a minha genealogia politica, nunca tive outra.
Mas uma das cousas que muito me contrariava n'este ultimo partido era ver alguns homens distinctos d'elle não abraçarem completamente todas as grandes liberdades económicas. Não podia comprehender estas aberrações. E dizia commigo = como é possivel que este partido historico queira ser o partido mais avançado e radical, quando um grande numero dos seus membros mais distinctos, ou pelo menos mais influentes, não abraçam as maximas liberdades nas suas mais altas manifestações, e em todas as espheras do trabalho e da actividade humana?
Eu bem sei que nem todos os caudilhos do partido pensavam assim em assumptos economicos. A prova está no decreto, que ainda hoje não tem força de lei, e que é necessario homologar, de abril de 1865, sobre a livre importação de cereaes.
Sr. presidente, se o partido historico está destinado ao milagre da resurreição, tem de levantar-se, escudado nas mais espirituaes aspirações e nas mais amplas liberdades. Se quer ser o mais radical, tem de caminhar e de acompanhar sociedade nas suas progressivas evoluções. Se não caminhar, desapparecerá de novo, será ephemera a sua vida, e passará como reflexo amortecido do que já foi, quando os seus programmas de outr'ora satisfaziam ás necessidades políticas das epochas que já lá vão.
Não comprehendo hoje partidos avançados, rasgadamente progressistas, radicaes, cujos programmas não assentem na democracia, que é a igualdade de todos, a pratica de todas as liberdades, a acção livre do cidadão, a descentralisação administrativa, a vida local e municipal, a justiça e o direito sem privilégios e sem excepções, e a solidariedade social, assente na reciprocidade do auxilio fraternal.
É este o meu credo, será este o meu verdadeiro partido, são estas as minhas aspirações.
Á hora já deu, ou está a dar.
Só duas palavras mais. Por mais obscuro que seja um cidadão, por mais humilde que seja a sua historia, circumstancias que são perfeitamente applicaveis á minha pessoa, que não aspira a uma biographia, ninguém deve renegar o seu passado, porque a honra e a dignidade proprias a isso se oppõem.
Declaro pois que mantenho n'esta casa, e fora d'ella, todas as minhas passadas responsabilidades. Sou hoje na opposição o que seria, senão estivesse n'ella filiado. Não declino o meu passado, nem a parte que porventura tenha tomado em quaesquer acontecimentos.
A primeira condição do homem publico é ser homem de bem. Ninguem póde hoje defender actos, e ámanhã combate-los, sem dar a rasão por que modificou as suas opiniões. Se alguma vez houver de arrepender-me ou tiver que modificar a minha opinião em relação a quaesquer pontos do doutrina, de administração, ou mesmo quanto á apreciação politica dos homens publicos do meu paiz, tenham v. exa. a camara a certeza de que hei de dar as rasões das minhas modificações ou conversões, a que felizmente não sou muito atreito. Tenho dito. Vozes: - Muito bem. (O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

1:205 - IMPRENSA NACIONAL - 1869

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