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SESSÃO NOCTURNA DE 10 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretários - os exmos srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Júlio António Luna de Moura

O sr. Baptista de Sousa continua com a palavra, que lhe ficara reservada da sessão anterior, combatendo o projecto - Responde ao sr. Baptista de Sousa o sr. Pestana de Vasconcellos, defendendo o decreto que se refere â imprensa, cuja liberdade julga por elle assegurada.

Abertura da sessão - Ás nove horas e um quarto da noite.

Presentes á chamada 58 srs. deputados. São os seguintes: - Adolpho da Cunha Pimentel, Agostinho Lúcio e Silva, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alfredo César Brandão, Amandio Eduardo da Motta Veiga, António Augusto Correia da Silva Cardoso, António de Azevedo Castello Branco, António Baptista de Sousa, António Fialho Machado, António Jardim de Oliveira, António José Lopes Navarro, António Maria Cardoso, António Ribeiro dos Santos Viegas, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto César Elmano da Cunha e Costa, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto José Pereira Leite, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Eduardo Abreu, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Feliciano Gabriel de Freitas, Fidelio de Freitas Branco, Francisco António da Veiga Beirão, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jacinto Cândido da Silva, João de Barros Mimoso, João Marcellino Arroyo, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João de Paiva, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Simões Pedroso de Lima, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Simões Ferreira, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Bento Ferreira de Almeida, José Freire Lobo do Amaral, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Júlio Rodrigues, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria de Oliveira Peixoto, José Paulo Monteiro Cancella, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Júlio António Luna de Moura, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Augu&to Pimentel Pinto, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel Francisco Vargas, Manuel Vieira de Andrade, Matheus Teixeira de Azevedo, Pedro Augusto de Carvalho e Roberto Alves de Sousa Ferreira.

Entraram durante a sessão os srs.: - Abilio Guerra Junqueiro, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alfredo Mendes da Silva, Álvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, António José Ennes, António Sérgio da Silva e Castro, Augusto Ribeiro, Bernardino Pereira Pinheiro, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo de Jesus Teixeira, Eduardo José Coelho, Emygdio Júlio Navarro, Francisco Felisberto Dias Costa, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, João Cesario de Lacerda, João Pinto Moreira, Joaquim Teixeira Sampaio, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José Domingos Ruivo Godinho, José Elias Garcia, José Estevão de Moraes Sarmento, José Frederico Laranjo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Greenfield de Mello, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Maria de Sousa Horta e Costa, Júlio César Cau da Costa, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel Pinheiro Chagas, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Marcellino António da Silva Mesquita, Miguel Dantas Gonçalves Pereira e Visconde do Tondella.
Não compareceram â sessão os srs.: - Abílio Eduardo da Costa Lobo, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, António Eduardo Villaça, António José Arroyo, António Manuel da Costa Lereno, António Maria Jalles, António Maria Pereira Carrilho, António Costa, António Mendes Pedroso, António Pessoa de Barros e Sá, António Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto Maria Fuscbini, Bernardino Pacheco Alves Passos, Carlos Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde do Côvo, Conde de Villa Real, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Elvino José de Sousa e Brito, Estevão António de Oliveira Júnior, Eugênio Augusto Ribeiro de Castro, Fernando Mattozo Santos, Fernando Pereira Palha Osório Cabral, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco de Castro Mattozo da Silva Corte Real, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco Severino de Avellar, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Frederico Ressano Garcia, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Machado, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José António de Almeida, José do Azevedo Castello Branco, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Dias Ferreira, José Luia Ferreira Freire, José Maria Latino Coelho, José Maria dos Santos, José Monteiro Soares de Albergaria, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Luciano Cordeiro, Luiz António Moraes e Sousa, Manuel Afonso Espregueira, Manuel de Arriaga, Manuel d'Assumpção, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fonteb Pereira de Mello, Pedro Victor da Costa Sequeira, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão, na especialidade, do bill de indenmidade
O sr. Baptista de Sousa: - Sr. presidente, depois de encerrada a sessão diurna, fui avisado de que o governo e a sua maioria tencionavam dar ao debate pouca largueza, pois se preparava para breve o requerimento para se julgar a matéria discutida.

Se assim é, tenho de modificar o meu propósito de me occupar com o desenvolvimento, que era preciso, de cada um dos vários decretos dictatoriaes ou de muitos d'elles, e resumirei quanto possa as minhas considerações para deixar bastante tempo do pouco, que nos querem conceder, aos meus collegas da opposição.

Estão inscriptos contra o projecto do bill, alem de um

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ex-ministro d'estado, distinctos membros da magistratura, officiaes do exercito e homens de letras, e respeitando alguns decretos á organisação judiciaria, reforma da organisação das forças militares terrestres e navaes, e creação do ministerio de instrucção publica e bellas artes, não deve o parlamento deixar de ouvir oradores, que pela sua competência especial muitíssimo devem illustral-o. (Apoiados.)

Peço, por isso, a alguém do governo ou da maioria com a auctoridade política necessária, que se digne interromper-me para fazer declarações contrarias às informações que tive, se porventura imo ha o intento de em breve abafar o debate ou condemnar a discussão ao garrote da maioria.

(Pausa.)

Ha silencios, sr. presidente, mais falladores do que muitas palavras.

Estão em discussão vinte e um decretos, que correspondem a outras tantas leis, contendo ainda alguns d'elles, especialmente os que constam de varias auctorisações ao governo, matéria que methodicamente distribuída dava para muitas leis, e a discussão considerar-se-ha bastante na especialidade, se fallarem quatro ou seis oradores da opposicão!

Não podendo pelo regimento votar-se um projecto sobre o discurso de um ministro ou do relator, e sendo do estylo ou uso da camara ampliar essa boa doutrina de forma que as votações são sempre depois de um discurso de quem combata e não de quem defenda, o numero mínimo de deputados, que viriam a fallar sobre os vinte e um projectos seria de sessenta e três, sendo quarenta e dois da opposição, os que abrissem e encerrassem os debates.

Pois eu já não queria tanto.

Bastava, que me declarassem, que oito ou dez deputados da opposição, isto é, menos do que a quarta parte do mínimo, SP em vez de uma dictadura do vinte e um decretos se examinassem as differentes leis, em que ella os quer converter, seria garantido o uso da palavra. (Apoiados).

Como me responde outra vez o silencio, faço o meu protesto contra este modo de esclarecer os trabalhos legislativos, e completando o que me falta dizer, e já muito summariamente, sobre o decreto relativo ao uso da liberdade de imprensa, terminarei com a apreciação ligeira dos outros decretos dictatoriaes.

Já mostrei no meu discurso da sessão diurna qual era a confusão fundamental, em que esse decreto labora, e que lhe vicia toda a structura.

Independentemente disso, consigna o decreto uma disposição, que não deve haver em lei penal alguma.

Refiro-me ao preceito do § 1.° do artigo 8.°, em que se ordena, que em certos casos se applique o máximo da pena de prisão.

Tal principio só se explica em todas as leis penaes, em que apparece, por vaidade dos legisladores.

Vaidade da presumida infalibilidade de previdência das condições, em que podem praticar-se os actos da vida humana.

Os legisladores, quando não attendem em que o crime para elles é uma these, formulada no remanso do gabinete para um typo que opere mental e exteriormente conforme as previsões do momento, e para os tribunaes é sempre uma hypothese variável de indivíduo para indivíduo, ou fazem obra que não será observada na pratica, ou coagem os julgadores a iniquidades, contra que se revolta a sua consciência.

Não admitte o código penal circumstancias attenuantes para o crime de parrieidio, se for precedido de premeditação.

Em verdade, sr. presidente, nenhum rigor parecia mais justo, o a presumpçosa previdência dos legisladores afigurar-se-ha aqui vencedora de todas as provas, que derivem de quaesquer occorrencias.

Pois, tendo esta a these, julgada pela lei insusceptivel de ter modificações, apresenta se diante do tribunal a hypothese do filho ter morto o pae, o que é horrível crime, por este commetter adultério com a sua própria nora, mulher d'esse filho, o que tem o assombroso privilegio de converter em asco o primeiro sentimento de horror!

Citei já este facto, que não ha muito acontecera em Portugal, numa memória ou estudo crítico sobre a reforma penal de 1834, tambem do sr. Lopo Vaz, que foi objecto da conferencia, para que fora eleito, da sessão inaugural da associação dos advogados de Lisboa no anno de 1884 a 1885, e que foi publicada em numeros successivos do Commercio de Portugal e n'outros jornaes.

Houve um juiz da relação do Porto, que saltando para fora da lei ao votar sobre a pena desse crime, que segundo a lei era a maxima da escala penal, e declarando que não podia submetter-se á deshonra da sua consciência a reduziu a dois annos de prisão cellular ou três de degredo.

Este exemplo bastaria para ninguém dever de animo leve impor em caso algum aos tribunaes a obrigação de applicar o máximo de qualquer pena. (Apoiados.)

Os tribuuaes a applicarão, quando a hypothese a merecer.

E já que fallei d'aquella minha modesta memória, permitta-mo, sr. presidente, e permitta-me a camara, que eu leia umas passagens d'ella, em que mostro, que não é agora por hostilidade partidária, que eu combato, como fiz na sessão da tarde, a complicação de doutrina em matéria penal e a medida da imputação moral em vez da social para quaesquer delictos.

Lendo essas passagens até gastarei menos tempo do que defendendo por palavras differentes as mesmas idéas, pois a exposição verbal teria naturalmente mais extensão do que a que já se encontra escripta.

Acerca, do primeiro ponto dizia eu em outubro ou novembro de 1884:

«O meu propósito é mostrar, que em legislação criminal todas as complicações doutrinarias como as do código de 1852 que a reforma do corrente anno augmentou, se mostram, que os seus auctores conhecem proficientemente o assumpto como académicos, tornado um typo ideal do criminoso, que opere mental e exteriormente consoante determinadas regras em variadissimas hypotheses, na realidade, ou postas em execução de indivíduo para indivíduo, podem levar o jury a erro, se não evita por muitas vezes o jugo da presumpção da verdade definida na lei, ou o conduzem, auctorisado todavia por faculdade, que o legislador lhe concede, quando a força das cousas contradictoriamente o constrange a fazer confissão da impossibilidade de providencia segura, a pôr completamente de parte, a riscar de todo o código, quantos preceitos escriptos de determinação do seu proceder lá se encontrem, para os substituir pelos que á consciência se lhe imponham no momento, e que são inattingiveis no âmbito de uma these e insusceptíveis de ser legislados.»
A respeito do segundo exprimia-me assim:
.....................................................................................................................................................................................................................................

«Mas desde que a fé nos princípios proclamados se chega a perder, despojando-os da sua inflexibilidade severa, as formulas, que os traduzem, sobrevivem já realmente como vãs manifestações do culto de uma crença extincta, que só a liturgia perpetua nos hábitos.

Vae, em verdade, longe de mais o tempo, em que a legislação criminal, segundo a expressão de Justin., na L. 2, § 8.°, de Veter. Jus. enucl., merecia o nome de parte terrível do Direito, e em que o fim das penas era vingar os crimes ou para produzir a emenda dos culpados, ou para, martyrisando-os, conter os outros pela intimidação, ou para, pela destruição do delinquente, preservar a sociedade de novos attentados. In vindicandis injuriis haec tria lex seuta est, dizia Seneca.

Mas é de hontem e é de hoje o debate sobre se a medida da responsabilidade é moral ou social; e para não

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accumular citações, porque o meu fim é expor uma opinião ácerca do modo como a lei deve entrar na resolução do problema, bastará lembrar que H. Maudley, professor de medicina legal em Londres, no seu livro O crime e a loucura, e Hubert Boêrs n'um trabalho intitulado A criminalidade sob o ponto de vista sociologico, que deu á estampa no n.° 1 da 2.ª serie do anno de 1870 da Revue de philosophie positive, que era dirigida por E. Littrê e G. Wyrouboff, sustentam elevadissima a lucta, aquelle no primeiro e este no segundo campo.

«Do que deixo dito concluo. .. Que a lei geral substantiva não deve porque não póde com justiça, fazer mais do que estabelecer quaes sejam as acções puniveis era sacrificio á ordem social, determinar as penas no seu minimo e maximo, e qual a maior, que, sem prejuizo das menores, é applicavel a cada crime;
«Que d'ahi por diante tem só de exercer-se livremente a acção dos tribunaes organisados devidamente quanto á instrucção e quanto ao julgamento dos crimes;
«Que os problemas criminaes são simplesmente questões de medicina, de politica e de moral social;...
«E que para a unidade do criterio, a que obedeçam as decisões, evitando-se antagonismos, que prejudicam a justiça, seja o jury que tambem declare a pena a impor aos réus que condemne.»
(Pausa.)
E ponho aqui ponto na analyse do decreto relativo á imprensa, e era que muito me demorei, e mais teria que dizer, porque o assumpto é grave e complexo, se as urgencias do tempo me não obrigassem a ir reduzindo o meu discurso.
Seguindo agora a ordem, dos decretos conforme a publicação que nos foi distribuida, referir-me-hei assim, em primeiro logar, aos que respeitam á defeza do paiz.
O primeiro é destinado ao complemento das obras e armamento de segurança do porto de Lisboa, incluindo o material da defeza subaquatica.
Subaquatica digo eu, porque no decreto lê-se «defezas subaquaticas» o que eu não percebo.
(Interrupção de um sr. deputado.)
Estimava bem, que os competentes me interrompessem para me obsequiarem com explicações, de que muito necessito pela minha ignorancia do assumpto.
Uma voz: - Talvez se trate da compra do navio subaquatico Peral.
O Orador: - Talvez seja isso á falta de melhor explicação.
Eu o que vejo é que no mesmo numero do decreto, onde se falla no complemento das defezas subaquaticas do porto de Lisboa, só se faz referencia a material de torpedos e a barcos torpedeiros, e é isto o que mo parece que deve ser. Mas a auctorisação para o complemento das obras de fortificação, acquisição de bôcas de fogo e de material de torpedos é permanente, e para acquisição de barcos torpedeiros é restricta aos que desde já se julguem necessarios.
Porque será esta differença?
Eu, sr. presidente, gosto mais da restricção. Do mal o menos. (Apoiados.)
E com a maxima repugnancia, que até aos meus amigos politicos eu voto alguma auctorisação, e, todavia, nunca foi pedida, talvez em tempo algum, auctorisação tão ampla, tão indefinida, como muitas das que o governo pede. (Apoiados.)
Nem sabemos, pela mais larga das approximações, a quanto montarão as despezas das auctorisações dictatoriaes.
E a respeito da relativa á compra de torpedos não posso deixar de me recordar que, segundo informações que em tempo tive, Fontes Pereira de Mello comprara cincoenta Whitehead, que quasi todos estão em Paço de Arcos, por quinhentas libras cada um, ou por centos de libras, entrando no preço da compra o do segredo, que fôra ao mesmo tempo vendido a sete nações!
O decreto n.° 2 auctorisa o governo á reorganisação do exercito, mas sem bases, porque bases se não póde chamar ao enunciado de principios, meramente formaes, que o governo indica, pois elle até ainda ignora se será necessario ampliar os quadros existentes? (Apoiados.)
A auctorisação para cuidar da situação e futuro dos officiaes, officiaes inferiores e mais praças, por muito que seja objecto digno de ponderar, não é propriamente acto de defeza.
No parecer do projecto do bill diz o seu illustre relator, o sr. Pinheiro Chagas, para ligar a creação do ministerio das bellas artes á urgencia da defeza militar, que, sem Arando exagero, foi o mestre-escola que triumphou em Sadowa e que triumphou em Sedan.
Porque rasão, pois, não se auctorisou o governo com o Fundamento na defeza do paiz a cuidar da situação e futuro dos mestres-escolas?! (Apoiados.)
E o governo, que se auctorisou a attender convenientemente á distribuição da força publica, quando isso é, segundo a constituição, acto proprio do poder executivo, entendeu que ás côrtes não devia dizer a parte da reforma, que das côrtes seria privativa! (Apoiados.)
O decreto é tão escuro, que ainda ha poucos diai um illustre deputado da maioria e distincto cirurgião militar aqui perguntava ao governo se elle entendia comprehendidas nas auctorisações as que respeitavam aos serviços medico e de administração militar!
Emquanto á reorganisação das guardas municipaes em Lisboa e no Porto, melhoramento do suas condições e augmento do seu effectivo, o governo já usou da auctorisação, como mostra o orçamento.
Mas no relatorio declara-se que o augmento do pessoal das guardas municipaes era apenas conveniente.
Para que se fez, por isso, em dictadura?! (Apoiados.)
Na falta de urgencia, o parlamento tinha muito tempo de providenciar. (Apoiados.)
Seguem-se os decretos de auctorisação para compra e construcção de material naval e reforma de serviços dependentes da direcção geral da marinha.
São curiosisissimos.
Declara o relatorio do primeiro que é preciso dotar a nosaa marinha do guerra, não só com os elementos precisos de defeza, mas com os meios de ataque compativeis com a população do nosso paiz e com os seus recursos economicos.
Do sorte que, sr. presidente, já não foi só a urgencia de organisarmos a defeza, que justifica a dictadura.
O governo pensa tambem em aventuras e conquistas! (Apoiados.)
Depois acrescenta que pretende fazer construir quatro cruzadores de um deslocamento não inferior a 3:400 toneladas cada um, de aço, de 20 milhas de marcha em experiencia normal, armados de tubos de lançamento de torpedos, poderosa artilheria, peças de tiro rapido e metralhadoras e com o máximo aprovisionamento de carvão.
Só estas palavras aquietaram o paiz, porque devem metter medo ao inimigo.
E tanto confia nos quatro cruzadores, que, affirma que ficaremos, na proporção dos nossos recursos a pardas nações que possuem material naval da melhor qualidade.
Alem dos cruzadores ainda o governo se auctorisou a a fazer construir duas pequenas canhoneiras pelo typo da Massabi, duas outras de 600 toneladas e duas docas fluctuantes, uma para o porto de Loanda e outra para o de Moçambique, mas este material respeita ao serviço naval colonial e á policia geral maritima.
Foi, por isso, assente que, com os navios de guerra que temos e mais os quatro crusadores, ficavamos não só muito bem preparados em absoluto, ou como as nações, que têem

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material naval de melhor qualidade, mas ficavamos tanto quanto os nossos recursos economicos o permittiam.
Mas pelo decreto seguinte, base 12.ª, o governo na mesma data de 10 de fevereiro auctorisou-se a determinar o numero e qualidade dos navios, que deverão compor a armada nacional, quaes os que terão de ser immediata ou sucessivamente adquiridos, tanto sob o ponto de vista colonial, como da defeza das costas marimas e da acção militar naval no alto mar.

sto não se comprehende, sr. presidente.
Se vamos gastar quanto nos permittem nossos recursos economicos, com que havemos de adquirir mais material naval? (Apoiados.)
Alem de que, se com a acquisição dos quatro cruzadores, das canhoneiras o docas, não ficâmos a par das outras nações em proporção das nossas forças, o relatorio affirma uma falsidade.
E se ficamos, não póde o governo ficar auctorisado a determinar o numero e qualidade dos navios, que deverão compor a armada nacional, porque já está determinado. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Ha, sr. presidente, no relatorio do segundo decreto, ou do que é relativo á reforma dos serviços dependentes da direcção geral da marinha, uma expressão com que o governo enganou El-Rei, porque lhe disse que tudo se faria dentro dos recursos do thesouro, o que não póde significar os recursos geraes do paiz mas só os das receitas já creadas e descriptas no orçamento.
É verdade que o decreto falla na reorganização e não no augmento dos quadros dos officiaes da marinha militar, e só falla do augmento quando se refere ao corpo de marinheiros da armada.
Direi de passngpm que se não percebe a rasão, pela qual para uns serviços o governo se auctorisou a reorganisar, para os outros a remodelar, e ainda para alguns a organisar, como por exemplo, o de corpo de machinistas navaes, de que ainda no anno passado se occupou um projecto de lei, que foi votado, se bem me recordo, sem discussão.
Mas como póde deixar de ser augmentado o quadro dos officiaes?!
Nos ultimos cem annos esse quadro foi successivamente diminuindo, de fórma que sendo em 1796 de 422, desde 1 almirante até 140 segundos tenentes, foi em 1839 de 218 e em 1868 de 193, acrescentando-se depois em 1884 com 2 capitães, de mar e guerra e 4 capitães-tenentes, ao mesmo tempo que a corporação dos officiaes do exercito augmentára desde 1849 a 1884 em 66 por cento.
No anno passado, em que se reformaram os quadros, definiu melhor a situação dos officiaes na arma, em commissões no ultramar, etc., e se estabeleceram salutares e justas condições para a admissão e promoção, por uma lei, de cujo projecto tive a honra de ser relator, já foi augmentado o numero de officiaes, porque até para o limitado material, do que dispunhamos, faltavam no quadro 1 contra-almirante, que devia commandar o corpo de marinheiros, 6 capitães de fragata, 8 capitães-tenentes, e varios officiaes subalternos.
Alem d'isso, estando os navios no Tejo desprovidos das suas lotações completas, o conselho de guerra permanente funccionava não com officiaes proprios, como devia, mas com os destacados d'aquelles navios, e das 18 capitanias de portos eram apenas seis dirigidas por officiaes na actividade!
Depois da apresentação da proposta d'aquella lei no anno passado votára o parlamento para acquisição de navios de guerra a verba do 1.700:000$000 réis, inserta no mappa da despeza extraordinaria para o exercicio de 1889-1890, como eu referira no parecer da commissão de marinha, que converteu a proposta em projecto.
E agora que se pretende de uma vez fazer attingir á nossa armada a grandeza de que é susceptivel, não se augmetará o quadro dos officiaes?!
Para que o occulta o governo? (Apoiados.)
Pois sendo a nossa importancia colonial incontestavel e invejada, do que mais precisâmos é de marinha, e não seria a despeza para o seu augmento, que as côrtes ou a opposição regateariam ao governo, no momento em que tanto sangra a ferida da humilhação, por que passámos em 11 de janeiro! (Apoiados.)
Em seguida aos decretos chamados da defeza nacional, que importarão n'um augmento de despeza enormissimo, o que o governo nem approximadamente calcula, vem os decretos da receita respectiva, tambem ainda vaga e indeterminada.
Por um d'elles o ministerio da fazenda creará pela direcção geral da divida publica tantas obrigações de 20$000 réis quantas forem necessarias para applicar-se exclusivamente o producto ás despezas determinadas pelos decretos nos. 1 a 4 da mesma data, quer dizer ás despezas com o complemento das obras e armamento de segurança do porto de Lisboa, com a acquisição de bôcas de fogo para seu completo artilhamento, com a de torpedos e barcos torpedeiros, com a reforma do exercito e guardas municipaes, o com a compra do material naval.
Se as obrigações a crear são tantas quantas forem necessarias para essas despezas, como textualmente diz o decreto n.° 6 da serie de 10 de fevereiro, está no producto d'essas obrigações a dotação completa dos encargos respectivos.
Isto parece-me evidente. (Apoiados.)
Pois, sr. presidenta, o decreto n.° 7 cria um fundo permanente de defeza nacional, que será exclusivamente applicado ás fortificações e mais construcções militares destinadas á defeza do paiz, e bem assim á, acquisição do material de guerra tanto terrestre como naval!
Isto é phantastico! (Apoiados.)
Se as obrigações creadas não chegam, para que serão tantas quantas necessarias para as despezas?! Se chegam, para que é o fundo permanente do defeza nacional?!
Essas obrigações, continua o decreto, serão ao portador, com vencimento do juro de 4 1/2 por cento ao anno, devendo a amortisação effectuar-se, o mais tardar, até 1 de outubro de 1963.
Mas a sua collocação não se faz ou póde não se fazer d'uma só vez, porque o decreto permitte, que o bond ou obrigação geral se subdivida em fracções até ao limite da nua importancia, e que a emissão, por isso, se faça em duas ou mais series.
D'este modo que previsão economica terá o governo para em 10 de fevereiro saber que a taxa do juro de 4 1/2 por cento será realmente a do mercado na occasião futura, em que faça alguma dos emissões?! (Apoiados.)
Se a taxa for maior não haverá tomadores, e se for menor perderá o governo a differença. (Apoiados.)
Por seu lado o decreto, que creou o fundo permanente da defeza nacional, não foi melhor estudado. Confiou a sua administração a um conselho especial constituido pelos ministros da guerra e da marinha, dois officiaes superiores do exercito de terra, dois officiaes superiores da armada, o presidente da associação commercial de Lisboa, o presidente da sociedade de geographia de Lisboa e o governador do banco de Portugal.
Exceptuados os officiaes, todos os outros exercem funcções que não têem o caracter de permanencia, o que mal convém á unidade da gerencia e complica a cada passo o serviço, visto que é preceituada a responsabilidade individual e solidaria dos membros do conselho. Contra elles se concede acção a qualquer cidadão portuguez nos termos geraes da lei commum.
Mas quaes são esses termos, se a acção chamada popular, ou que pertencia a qualquer pessoa do povo está banida ?

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Isto lambem significará que o tribunal de contas nenhuma ingerencia tem na apreciação da responsabilidade do conselho?!
É assombroso de leviandade! (Apoiados.)
E que se faz ao dinheiro do fundo da defeza nacional emquanto não estiver empregado?
Deposita-se no banco de Portugal que e o que se está fazendo, mas lembre-se a camara de que o banco de Portugal, que é caixa do estado, não póde abonar juros dos depositos pela lei organica, que o constituiu em banco emissor.
Bello emprego de capital! (Apoiados.) O governo diz no decreto que é o poder legislativo, a quem compete determinar annualmente a applicação, que deve ser dada ao fundo.
Foi bom dizel-o, sr. presidente, porque no relatorio ainda o governo pensava em usurpar a tal respeito as funcções legislativas, escrevendo ahi que eram os poderes constituidos que lhe dariam destino.
Á constituição do fundo destinam-se já recursos existentes que, por isso, faltarão noutra parte, taes como, deducção nos soldos militares, remissão de recrutas, sobras dos ministerios da guerra e marinha, heranças jacentes, etc., calculadas pelas medias conforme o regulamento geral de contabilidade.
Mas entra tambem no fundo a verba annual, calculada em 100:000$000 réis, proveniente de direitos de mercês honorificas.
Comprehendo, sr. presidente, que essa verba renda muito.
O governo tem a régie do fabrico da nobreza e póde augmentar a producção.
Como diz Leroy-Beaulieu no seu conhecido tratado de finanças, é um phenomeno curioso o da elasticidade dos impostos, que nas sociedades democraticas e mercantis exploram o prodigioso desenvolvimento da vaidade humana e o desejo crescente de distincções.
Em Inglaterra a taxa sobre os brazões, que nós cá estabelecemos em 1887 pela nova lei de contribuição sumptuaria, de que tambem tive a honra de ser relator, tendo sido elevada produziu desde 1812 a 1868 um augmento de contribuintes de 20:000 a 50:000! Mas não lhe fixe-nos a importancia annual. (Apoiados.)
Distincções honorificas se concedem justamente, e póde acontecer, que pareça, que as ultimas concedidas no fim de um anno economico sejam para supprimento da verba. (Riso.)
Ahi pelo meado de junho fazendo-se a conta do que alta para os 100:000$000 réis, se creariam um ou mais barões, viscondes, condes, etc. conforme as precisões do fundo da defeza.
Não póde ser. Esta verba não deve ter media para calculo e tem de figurar como outras por um cifrão. (Apoiados.)
Segue-se na serie ainda dos decretos da defeza o n.° 8.°, que auctorisa o governo a regulamentar a organisação das associações de soccorros mutuos.
É singular a maneira do ligar este assumpto ao da defeza militar.
Foi, para isso, preciso dizer-se no relatorio, que taes associações, são, a bem dizer, inexpugnaveis reductos para x defeza do paiz social.
Só assim! (Riso.)
Não é só este relatorio, como direi?...estrambotico.
Se exceptuarmos os do sr. Lopo Vaz, mereciam todos ler supprimidos. (Apoiados.)
Uma proposta n'este sentido seria um bom serviço, que qualquer membro da maioria prestava ao governo.
E, como a redacção, é a sciencia do relatorio, pois n'elle se affirma que a intervenção do estado até ao presente n'estas associações se tem limitado a approvar-lhe os estutos, o que, felizmente e por honra nossa, é falsissimo.
Ainda no anno passado, discutindo o projecto da creação dos tribunaes de arbitros avindores, tive ocasião de lembrar, que o artigo 288.º n.° 9 do codigo administrativo de 1886, afastando-se do direito commum, que considerava aquellas associações como civis e sujeitas assim aos tribunaes ordinarios, como Rodrigues Sampaio dizia em portaria inedita em 1874, concedeu aos socios um enormissimo beneficio.
Referi-me mais ahi aos favores, que ácerca da contribuição industrial, decima de juros, etc., o poder legislativo concedia ás classes menos favorecidas da fortuna, para mostrar como já exerciamos o socialismo do estado, o que então o sr. Fuschini trouxe á discussão.
Depois o decreto cria um tribunal arbitral para regular as questões das associações de soccorros mutuos.
Mas quaes questões? De umas contra outras direcções; das direcções com terceiros, sejam questões commerciaes ou civis; dos socios com as respectivas direcções ou assembléas geraes, e para que já havia reclamação para os tribunaes administrativos com justiça prompta e gratuita? (Apoiados.)
Que decreto!
De resto, o governo, que só se concede auctorisações para regulamentar tudo, incluindo o trabalho dos menores e mulheres, termina por dizer que fará os regulamentos necessarios!
Eu estimo muito que os assumptos do decreto mereçam a attenção de todos os nossos governos e parlamentos.
O melhoramento e as successivas applicações do principio da associação irão corrigindo cada vez mais a desigualdade de condições entre os homens. (Apoiados.)
Mas cautela com as precipitações.
Gosto muito do socialismo do estado, que é a generosidade de todos para a miseria de muitos.
Mas as nações não vivem isoladas, e, ha poucos dias, a França decidiu, que a nova lei relativa ao trabalho das mulheres e menores só será applicavel desde 16 de março de 1892, data em que expiram os seus ultimos tratados de commercio.
Do decreto concernente ao pariato e eleição de pares electivos já me occupei em parte.
Agora referir-me hei só a dois pontos d'elle.
Baixou as condições de algumas categorias. Eu, em regra, não gosto de categorias, como não gosto de concursos, porque por vexes encobrem defeitos de nomeação, que não haveria, se esta se fizesse livremente, mas com toda a responsabilidade.
Não quero dizer que os pares eleitos não tenham sido e não sejam muito dignos, e só lembrar que a corôa nomeara sempre bem, escolhendo os governos os homens eminentes que antes da nomeação official tinham a investidura feita pela opinião.
Mas tendo-se alterado a categoria derivada do exercicio do mandato de deputado, poderia aproveitar-se o ensejo de evitar para muitos as faltas ás sessões.
Reduz o decreto do oito a seis o numero de sessões annuaes preciso para os deputados terem categoria para a nomeação ou eleição de par do reino, e exige que cada uma d'essas sessões seja pelo menos de tres mezes.
Mas bastará, como até aqui, que tenham exercido o mandato em cada sessão por um dia só que seja.
Ora, sr. presidente, póde não haver igualdade, porque alguns deputados eleitos apenas duas vezes conseguirão a categoria, se não houver dissoluções, emquanto outros eleitos varias vezes ou por mais que duas, tres ou quatro legislaturas, não tenham a contar as seis sessões de tres mezes cada uma. (Apoiados.)
Assim, suppondo cada sessão annual de tres mezes e cada mez de vinte sessões diarias, no fim de seis sessões annuaes haverá trezentas e sessenta sessões diarias.
Aqui está uma base igual, e que, como disse, evitará as faltas de muitos, se a categoria se fundar no fado da as-

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sistencia a trezentas e sessenta sessões diarias ou a outro numero d'ellas, porque isso não altera o meu pensamento. (Apoiados.)
N'este sentido tencionava eu apresentar uma emenda durante a situação politica passada, se o projecto, que em grande parte o governo aproveitou, tivesse sido discutido, e tinha rasões para suppor que seria acceite.
O outro ponto do decreto, a que quero referir-me, mostra bem a precipitação da obra dictatorial.

No caso da eleição conjuncta da camara dos deputados e da parte electiva da camara dos pares, a eleição dos pares só póde realisar-se quatorze dias depois da de deputados; mas o apuramento da eleição dos delegados ao collegio districtal tem de fazer-se no quinto dia posterior á eleição d'esses delegados, presidindo o presidente da commissão do recenseamento.
Findos os trabalhos tem este de enviar desde logo e pelo seguro do correio um exemplar da acta com todos os mais papeis da eleição, não a pessoa ou entidade, que então exista, mas ao presidente do collegio districtal, que só será eleito sete dias depois!
Eu sou, ha alguns annos, presidente da commissão do recenseamento do segundo bairro de Lisboa, e das assembléas de apuramento por aquelle bairro ser o principal ou da séde do municipio.
Presidi ás ultimas eleições de deputados e de delegados ao collegio districtal para a eleição de pares do reino.
Cumpri o decreto, e no proprio dia do apuramento enviei os papeis com destino ao presidente do collegio districtal.
Encontrei difficuldades, primeiramente, porque as leis postaes não permittem a expedição de correspondencia official dentro da mesma localidade, e venci a reluctancia do empregado que recebeu os papeis pagando as estampilhas precisas, e em segundo logar porque o correio não sabia a quem havia de fazer a entrega.
Antes d'isso outra difficuldade tinha apparecido, e consistia em só haver cadernos para a chamada e descargas na eleição de deputados, e esta suppriu-se com os cadernos, que estavam no governo civil e que tinham servido para a eleição de 20 de outubro, abrindo-se-lhe uma nova columna para as descargas!
Por fortuna essa eleiçiio e a de 30 de março realisaram-se de 30 de junho de 1889 a 30 de junho de 1889, e os cadernos já servidos eram iguaes aos novos.
Seguem-se decretos, de que já me occupei no principio da sessão diurna, e depois o da creação do ministerio da instrucção publica e bellas artes.
Não sou contra esta creação, mas não posso acceital-a em dictadura, porque nem havia a urgencia, que dispensasse a intervenção das côrtes convocadas já para quatorze dias depois do decreto. (Apoiados.)
O parecer da illustre commissão do bill correlaciona-o com a defeza nacional por meio da phrase que já citei, de que fôra o mestre-escola, que vencera em Sadowa e em Sedan.
Mas, sr. presidente, deixemos-nos de phrases apenas e de hyporboles nos conceitos. (Apoiados.)
Isto lembra-me a resposta de Castellar no congresso constituinte da ephemera republica hespanhola, e é que tratando se de guerra não se poderá derrubar uma fortaleza arremessando-lhe um raciocinio. (Apoiados.)
A croação d'aquelle ministerio só tem com a defeza do paiz a correlação geral, que póde descobrir-se entre todas as cousas, a que preside a ordem e unidade universal, pois não posso crer, que os estabelecimentos de instrucção militar fiquem a cargo da nova secretaria d'estado.
O relatorio do decreto diz que o novo ministerio é o principio, mais inadiavel, de melhorar a nossa instrucção.
Parece-me, porém, que em casos de defeza armada, mais inadiavel é o dinheiro, que até se costuma dizer ser o nervo da guerra, (Apoiados.) e pela logica do governo o que mais se justificaria era o augmento o cobrança de impostos em dictadura, o que não seria novo na historia do partido regenerador. (Apoiados.)
Ora francamente, sr. presidente, nós conhecemos a verdade d'este caso.
O sr. Arroyo não se dava bem com os ares do ministerio da marinha, e o sr. Julio de Vilhena já estava acostumado á casa.
Foi o sr. Julio de Vilhena para a marinha, e arranjou-se casa nova para o sr. Arroyo não ficar na rua (Riso e apoiados.)
Do decreto que regula o direito de reunião pouco basta dizer.
Ha duas funcções, uma a mais alta das sociedades politicas, e outra a, da policia geral, cujos deveres são insusceptiveis de ser legislados.
O poder moderador exerce-se nos casos, em que a sua maneira de intervir não póde regular-se.
Se podesse, as suas funcções entrariam nas do poder executivo.
Por isso é justamente irresponsavel para não ficar em condições inferiores ás de qualquer cidadão, que só póde ser julgado por virtude de lei anterior, que lhe preceituava regras previstas de proceder.
A policia que tem de exercer a sua acção rapidamente e em frente de acontecimentos, que escapam á previdencia da lei, e mais para evitar do que para reprimir delictos, deve necessariamente ter um justo arbitrio, e o tem por vezes com applauso geral: mas se abusar offendendo direitos ou impedindo o seu uso sem a justificação de uma utilidade collectiva, responde pelo que fizer. (Apoiados.)
Ora, sr. presidente, essa responsabilidade é que cessa pelo decreto, porque com elle defende todo o procedimento abusivo. (Apoiados.)
O sr. Beirão já fez notar que era melhor nesta materia continuar-se a usar da interpretação das leis existentes, do que reduzir a preceitos, que não podem ser completos senão por uma generalidade oppressora, as soluções até hoje encontradas na pratica, e o sr. Serpa, que repetiu a sua declaração de que nada innovára e só fizera a compilação do que um funccionario lhe disse já existir, esqueceu-se ou não póde rebater a argumentação do illustre ex-ministro da justiça.
Ha no decreto, com tudo, grandes o despoticas innovações.
Avulta entre todas a que obriga os promotores de reuniões em recinto fechado a assignarem termo de responsabilidade pela manutenção da ordem e por que não sejam proferidos discursos offensivos, tornando-se a responsabilidade effectiva pelo pagamento da multa de 100$000 réis.
Ficam assim uns editores responsaveis do que outrem diga ou faça, sem ao menos terem lido as minutas dos discursos!
No genero é uma invenção de primeira ordem. (Apoiados.)
Com o pensamento do decreto, que regula o exercio da liberdade das representações theatraes, concordo eu em geral.
Cria-se ahi uma commissão de recurso da prohibição da auctoridade composta de homens de letras, o acho bem; mas com maior motivo censuro agora o governo por não applicar o mesmo principio ao regimen da liberdade de imprensa.
Eu é que sou coherente, e não o governo, porque o jury que propuz para julgar os delictos de abuso de liberdade de imprensa será, por certo, eleito pelos editores entre os homens de letras. (Apoiados.)
O decreto seguinte tem um só artigo a declarar incompativeis as funcções de ministro com as de administrador ou fiscal de empreza ou sociedade commercial ou industrial. Não me referirei á desgraçada errata, ou inculcada

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errata do Diario do governo, nem á inanidade da providencia.
Vou só mostrar, que dos considerandos do decreto se devia melhor deduzir outro preceito, que eu tomo a liberdade de indicar como § unico a acrescentar.
Diz o relatorio: que é necessario manter o respeito, o prestigio indispensaveis aos membros do poder executivo e legislativo; que no proprio interesse dos nossos homens publicos convem, conforme escrevêra a minoria da commissão da camara dos pares no parecer sobre o projecto de incompatibilidades, - minoria de que faziam parte alguns dos actuaes ministros - cortar cerce as rasões de suspeição, que todos os dias se levantavam, acrescentando aquella minoria - a ninguem particularmente nos referimos. Expomos uma verdade, que a observação nos suggere, nada mais - ; que é livre a corôa na nomeação dos seus ministros e livre continua sendo; que é preciso extirpar abusos o reprimir excessos, de que mais vivamente estava sofrendo o nosso organismo politico e social; e que com respeito a pares e deputados elles regularão a sua propria situação.
Pois bem, eu, que sou deputado, regulo as situações transactas e futuras, e tambem as presentes, propondo, como consequencia directa de taes rasões, para § unico do artigo do decreto: - que as côrtes solicitam da corôa que se digne não nomear ministros os que tenham sido pares ou deputados atrabiliarios e desordeiros.
E como a minoria da commissão da camara dos pares direi: a ninguem particularmente me refiro. Exponho uma verdade, que a observação mo suggeriu; nada mais. (Apoiados.)
Restam-me os decretos chamados judiciaes.
Far-lhes-hei rapidos reparos, porque outros d'elles se occuparão detidamente e melhor do que eu faria.
Detesto a revogação do artigo 8.° da lei de 15 de abril de 1886.
Eu já o achei insufficiente por não admittir recurso do despacho a designar dia para julgamento em policia correccional, quando se funde em falta ou insuficiencia do corpo de delicto.
Quero esse recurso como garantia igual ao da injusta pronuncia no processo de querella.
Acabar com o recurso, já pouco amplo, que havia, é um attentado contra o direito de defeza. O maior innocente não póde evitar o vexame de se sentar no banco dos réus por erro ou precipitação de um juiz singular. (Apoiados.)
Acho mais do que inique e contrario a tudo até hoje admittido, que ao réu em processo correccional, quando com o ministerio publico houver parte accusadora, só seja permittido produzir prova de menor numero de testemunhas do que á accusação.
Acho inconveniente que para a substituição do aggravo de instrumento pelo de petição se falle apenas no despacho de pronuncia do novo processo correccional, porque parece que, ou não ha recurso de outros despachos interlocutorios, os que para elles subsiste o de instrumento.
Louvo o augmento de garantias para a independencia do poder judicial, contido nos artigos 9.° e 11.° do decreto n.° 3 de 29 de março, e a cessação total de emolumentos nos processos criminaes para os juizes e delegados, mas por isso mais censuro :
1.° A faculdade de o governo nomear juizes criminaes auxiliares para Lisboa e Porto, tirando-os de qualquer classe, o que importara favor e dependencia, embora venham a ser acertadas as nomeações, que me dizem estão imminentes;
2.° A desigualdade em que ficam os juizes dos tribunaes administrativos, que são juizes como outros de 3.º classe;
3.º A concessão de uma percentagem para os juizes auxiliares e delegados perante elles, sobre multas por comtravenções e transgressão de posturas, persistindo para elles a suspeição, com que se quiz acabar para os outros, de promoverem e condemnarem por interesse.
Não comprehendo como creando-se ajudantes de escrivães dos districtos criminaes em Lisboa e Porto para servirem quatro mezes no anno perante os juizes auxiliares e ficarem a servir nos cartorios dos escrivães durante os oito mezes restantes, e onde o serviço diminuo por ser muito transferido para aquelles juizes, venha a haver nos cartorios um augmento de pessoal, em parte pago pelo estado, diminuindo o serviço! (Apoiados )
Ao que ha dias disse ácerca do decreto, que creou tribunaes commerciaes em todas as comaras, pouco acrescentarei.
Em França, onde o commercio é maior que em Portugal, nem em todas as circumscripções, que nós chamariamos comarcas, ha tribunaes de commercio.
O chamamento para o jury de pessoas estranhas á profissão do commercio, ou vicia a indole da instituição, ou mostra que a comarca respectiva, por não ter dez commerciantes, não estava no caso de ter tribunal de commercio.
A exigencia de mais requisitos para ser eleitor do que elegivel para o jury commercial é tambem novidade por que não dou parabens ao governo.
Vou terminar, sr. presidente, e já grande tem sido a benevolencia da camara em mo prestar attenção por tão largo espaço de tempo, que lhe tomei.
Está liquidada por agora a questão politica pela votação da generalidade do projecto.
O governo e a commissão não tinham dado á proposta e projecto de lei respectivamente a redacção até agora usada em casos similhantes, pela qual o primeiro artigo respeitava á responsabilidade politica, do que os governos precisavam de ser relevados, e o segundo ao merecimento da materia, sobre cuja publicação haviam substituido o parlamento.
Esta distincção foi logo era principio muito bem estabelecida pelo sr. Elvino de Brito.
Mas a proposta e parecer vieram a ter pelos esforços da opposição duas discussões, apesar do projecto constar de um só artigo, uma na generalidade e outra na especialidade, equivalendo aquella á discussão do artigo 1.° dos projectos similhantes anteriores.
A camara, pois, está agora exercendo meras funcções legislativas, ou apreciando o valor das providencias dictatoriaes para lhes dar ou negar a sua sanção.
Ponhamos, por isso, de parte as preoccupações partidarias, e tratemos lealmente, desapaixonadamente, de melhorar os decretos. (Apoiados.)
Faça a illustre commissão o que fez, por exemplo, a que em 1888 deu parecer sobre o projecto do codigo commercial. (Apoiados.)
Recolha da discussão todos os elementos, todas as indicações, embora verbaes ou não reduzidas a propostas escriptas, que tendam a aperfeiçoar o trabalho legislativo. (Apoiados.)
Não se importe saber d'onde partiram, porque o seu auctor, seja qual for a sua bandeira politica, é um membro do parlamento. (Apoiados.)
E no parecer final sobre as emendas, substituições, additamentos, etc., attenda tudo que seja util e justo.(Apoiados.)
Ao governo, sr. presidente, peço que não anteponha o seu amor proprio á necessidade demonstrada da correição dos seus actos. (Apoiados.)
Onda conhecer o erro ou a inconveniencia acceite o remedio. (Apoiados.)
Não tenha agora pressa, que tão má conselheira lhe foi.
De accordo com a commissão e com o vagar preciso reveja os seus decretos e transforme-os com os melhoramentos que reclamam.
Saiba ao menos agora legislar bem, quem tão mal soube

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cumprir e respeitar as leis, que encontrou feitas. (Apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito comprimentado.)
Leram-se na mesa e foram admittidos á discussão a moção e projecto de lei seguintes:

Moção

A camara, reconhecendo que as providencias de caracter legislativo publicadas pelo governo não foram devidamente estudadas por falta de tempo, e que, a par da deficiencia de preceitos, carecem de unidade e harmonia; convida a commissão a, de accordo com o governo, rever todos os decretos dictatoriaes e substituil-os por projectos, cujo exame o parlamento possa fazer com o indispensavel conhecimento, não só de doutrina e de fim, a que tom de se subordinar a confecção das leis, mas ainda dos encargos que advenham para o thesouro e que as circumstancias financeiras obrigam a ponderar cuidadosamente.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 10 de junho de 1890. = O deputado, Antonio Baptista de Sousa.

Projecto de lei

Artigo 1.° É assegurada a liberdade de imprensa periodica nos termos da presente lei.
§ unico. Continua a entender-se por periodicos o que se acha declarado no artigo 3.° da lei de 17 de maio de 1866.
Art. 2.º Os periodicos são regulares ou clandestinos.
§ 1.° São regulares os que tenham editor habilitado por sentença do juiz de direito da comarca ou vara, cuja jurisdicção abranja a sede da respectiva officina, e proferida com intervenção do ministerio publico em processo, onde o habilitando haja provado que é cidadão portuguez, maior, com capacidade civil e politica, e que prestou caução de 4:000$000 réis por meio de hypotheca, fiança ou deposito de dinheiro ou fundos publicos, não tendo posteriormente havido alguma alteração d'estes factos. No alto da sua primeira columna será inserida em todos os numeros ou supplementos de cada periodico uma declaração, que contenha o nome do editor habilitado e indique a sede da officina.
§ 2.° São clandestinos todos os que se não encontrem nas circumstancias mencionadas no paragrapho antecedente. A sua mera publicação é considerada como desobediencia.
Art. 3.° Pelos crimes praticados pelos periodicos regulares, quer contra particulares ou associações, quer contra funccionarios, auctoridades, corpos legislativos, tribunaes e corporações publicas de qualquer natureza, quer contra a sociedade, instituições politicas, religião e seus ministros, quer contra El-Rei e a familia real, e que sejam previstos no codigo penal ou n'outras leis, são sempre e unicamente responsaveis os respectivos editores, salvo o que vae disposto nos artigos 5.° e 7.°
Art. 4.° A pena será exclusivamente a de multa na rasão de 1$000 réis a 3$000 réis por dia, reduzindo-se ou convertendo-se n'ella a pena de prisão que estiver decretada nas leis.
§ unico. A hypotheca, fiança ou deposito respondem pelo pagamento da multa e custas, bem como pela indemnisação de perdas e damnos para o offendido e queixoso.
Art. 5.° É permittido ao editor accusado exhibir o autographo de escripto alheio, cuja publicação for incriminada, e se o inculcado auctor do escripto, depois de ouvido, vier a ser reconhecido como tal na sentença, será esse facto havido como circumstancia attenuante da pena.
Art. 6.° Para o julgamento sem recurso de qualquer crime de periodico regular e das perdas e damnos d'elle resultantes haverá dois tribunaes, um em Lisboa e outro no Porto, cada um respectivamente para os periodicos com séde em cada um dos dois districtos judiciaes do continente, e constituidos pelo presidente da relação, que tambem presidirá ao tribunal, e por oito vogaes eleitos
annualmente pelos editores dos mesmos periodicos.
§ 1.° Exercerá as funcções do ministerio publico perante cada tribunal um ajudante especial do procurador regio, que poderá receber participações das auctoridades administrativas ou do particulares nos termos geraes de direito.
§ 2.° Fica o governo auctorisado a determinar em conformidade com o pensamento d'este artigo a constituição, numero e séde dos tribunaes, para julgarem os crimes dos periodicos regulares nas ilhas adjacentes e provincias ultramarinas.
§ 3.° O cargo de vogal dos tribunaes da imprensa periodica e gratuito e obrigatorio, mas isenta de qualquer outro encargo publico.
Art. 7.° O auctor do escripto, que vier a ser reconhecido na sentença condemnatoria, será n'ella considerado como tendo incorrido na censura publica, simples ou aggravada, do tribunal da imprensa, e para nenhum d'esses tribunaes será elegivel por tempo de dois a dez annos, conforme a mesma sentença declarar.
Art. 8.° Pelos crimes praticados pelos periodicos clandestinos respondem todos os seus agentes, conforme o direito penal commum, e sempre, seja qual for a pena applicavel, perante o juizo de policia correccional, não sendo remivel a pena de prisão e não sendo a multa inferior a 2$000 réis por dia.
§ unico. Na sentença será fixada a importancia de perdas e damnos para o offendido e queixoso, seja qual for o seu montante.
Art. 9.° Os crimes de periodicos regulares prescrevem no fim de tres mezes, salvo se o offendido houver tido justo impedimento de vir a juizo, caso em que o praso da prescripção começará a correr desde que o impedimento haja cessado.
Art. 10.° É crcado em cada districto administrativo um periódico ou jornal official denominado Boletim do Districto de ..., que será publicado semanalmente pelas respectivas juntas geraes, contendo numero indeterminado de folhas e em que serão inseridos:
a) Todos os regulamentos districtaes;
b) Todas as resoluções do tribunal administrativo, da junta geral, das camaras municipaes e juntas de parochia, fazendo-se de teor a publicação das posturas;
c) Todos os annuncios judiciaes das comarcas ou julgados e os mais annuncios, avisos ou editaes officiaes de qualquer corporação ou repartição publica do districto, substituindo esta publicação a que até hoje as leis ou regulamentos mandavam fazer num jornal da localidade;
d) Os recenseamentos eleitoral, de recrutamento militar e do jury de cada concelho ou bairro do districto, começando a correr os prasos das reclamações só depois de terminada a publicação, e bem assim as alterações feitas nos mesmos recenseamentos;
e) Quaesquer annuncios particulares;
f) E em geral tudo que o governo julgar conveniente.
§ unico. O preço das assignaturas e da publicação dos annuncios, avisos ou editaes, e de qualquer outra que deva ser retribuida, constitue receita da junta geral respectiva, sendo obrigatoria a assignatura para as corporações administrativas do districto.
Art. 11.° O governo e as juntas geraes, na parte que lhes respeita, farão os regulamentos necessários para a execução da presente lei.
Art. 12.° Codificar-se-ha n'um só diploma toda a legislação relativa á imprensa periodica.
Art. 15.º Fica revogada a legislação contraria a esta lei.

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Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 10 de junho de 1890. = O deputado, Antonio Baptista de Sousa.
O sr. Pestana de Vasconcellos: - Sr. presidente, a minha moção é a seguinte:
(Leu.)
Eu pedi a palavra, e desejava não usar d'ella, porque queria que esta discussão continuasse á altura, a que a têem elevado os distinctos oradores que n'ella têem tomado parte; mas o debate respeita a assumptos, perante os quaes um juiz não pôde, nem deve ficar silencioso.
Uso, pois, da palavra em cumprimento de dever de officio, e confio, nas considerações que vou fazer, mais na benevolencia da camara, do que nos recursos de que posso dispor.
E se não posso acompanhar os distinctos oradores, que me precederam, nas suas manifestações de talento e illustração, e não os acompanho muito a pezar meu, não os acompanharei também, e muito ao proposito, no enthusiasmo com que os illustres deputados da opposição defenderam e sustentaram idéas que não posso perfilhar.
Devo comtudo dizer, sr. presidente, que senti grande satisfação ao ouvir que d'aquelle lado da camara se affirmavam principios que acceito, e que estão no espirito de todos nós; gostei de ouvir dizer a esses oradores, que queriam a imprensa livre e sem restrições, e que queriam que a essa liberdade correspondesse alguma responsabilidade, e diziam outros, correspondesse a maxima responsabilidade.
Parecia-me, ao ouvir estas palavras, que aquelles distinctos oradores se acolhiam comnosco á sombra da mesma bandeira, para, reunidos todos no mesmo campo, defendermos esses immortaes principies, que são o meu ideal, e penso serem tambem o ideal de todos nós. Mas, sr. presidente, foi completa a minha illusão! Pareceu-me até que aos meus ouvidos chegaram, proferidas por um orador distinctissimo, cuja talento admirâmos, e a que está seguramente destinado um futuro brilhante, umas palavras de censura ás velhas doutrinas de Girardin, d'esse Girardin que, interrogando, no fundo do seu gabinete, a sua consciencia sobre o direito da liberdade de manifestação do pensamento, ouvira em resposta: «Todo o individuo tem o direito de pensar livremente; todo o individuo tem o direito do manifestar livremente o seu pensamento; todo o individuo tem a liberdade de fazer aquillo que pensa e que diz; mas se a ninguem é licito fazer o mal, não póde tambem pensar o mal nem dizer o mal, porque a liberdade é nua e indivisível» e não direito, e conseguintemente não ha liberdade no mal.
E quando eu pensava tambem assim, quando, pelo estudo do decreto sobre a imprensa, firmava no meu espirito a convicção de que n'elle estavam consignados os verdadeiros principios de liberdade, garantindo-se a todos a livre manifestação do pensamento, vi levantar-se contra elle uma campanha formidavel, insurgindo-se a opposição com a maior vehemencia contra disposições que são, a meu ver, uma solida garantia da liberdade, e asseguram á imprensa respeito e consideração que nem sempre tem tido.
Ao ver esta opposição, sr. presidente, chego a acreditar que todos esses esforços se dirigem mais a fazer da imprensa uma instituição deprimida e aviltada, do que a levantal a a toda a altura da sua nobilissima missão, tornando esta poderosissima força social um importante elemento do progresso o do bem. (Apoiados.)
Que diz, pois, este decreto sobre liberdade da imprensa? Diz o que estava já garantido e assegurado na constituição do estado, aquillo que está na alma de todos nós, aquillo que serve para exprimir e firmar os verdadeiros principios de liberdade. (Muitos apoiados.)
Basta ler o primeiro artigo do decreto para nos convencermos da verdade d'esta asserção. (Apoiados.)
Diz elle:
«É assegurada a liberdade de imprensa e permittida a publicação de qualquer periodico nos termos da legislação em vigor.»
É assegurada a liberdade de imprensa, é assegurada a livre manifestação do pensamento.
E que obstaculos, que restricções se apresentam ao exercicio d'este direito da liberdade? Nenhumas, porque se exije apenas, nos termos da legislação em vigor, que um individuo, que queira publicar um jornal, mostre que é de maior idade, que está no goso dos seus direitos civis e politicos e que está domiciliado na comarca onde a publicação houver de ser feita.
E quando uma lei principia affirmando e assegurando por esta fórma a livre manifestação do pensamento, póde-se dizer que esta lei é attentatoria dos bons principios o dos direitos da liberdade? (Apoiados.)
Ah! sr. presidente, quando eu ouço afirmar isto ao distincto orador a quem estou a responder, e quando tambem lhe ouço dizer que queria que o editor seja o unico responsavel pelo abuso da liberdade de imprensa e que, para garantir a sua responsabilidade, quer que elle satisfaça a umas determinadas condições e preste uma caução por meio de hypotheca, fiança ou por outra qualquer fórma admissivel em direito, atrevo-me a perguntar-lhe, onde está garantido e assegurado n'este caso o direito de liberdade? Está n'este decreto, onde se não põem restricções, nem se marcam limites ao legitimo exercicio do direito de liberdade, ou está nessas emendas, segundo as quaes não se faculta a todos, que têem a liberdade de pensar, o direito de manifestar livremente o seu pensamento! (Muitos apoiados.)
Pois pretender que se preste uma caução tutellar á imprensa, (Apoiados.) não é restringir o direito que qualquer individuo tem de manifestar o seu pensamento?! (Apoiados.)
Mas, admittindo-se que um individuo, que quizer publicar um jornal, é obrigado a prestar uma caução, o que é que se deverá n'este caso caucionar?
Um crime de abuso de liberdade de imprensa obriga, quem o pratica, á responsabilidade criminal, a qual é satisfeita pela expiação da culpa em conformidade da lei penal. Mas como o crime póde consistir em ataque ás pessoas, ás instituições, á religião ou á ordem publica, póde da pratica d'elle resultar, alem da responsabilidade criminal, tambem responsabilidade civil. E como se poderia apreciar esta responsabilidade para o fim de se determinar a importancia da caução?
Se tivessemos de considerar os enormes prejuizos que podem resultar de uma diffamação ou de qualquer outro crime de abuso de liberdade de imprensa, poderiamos ir tão longe na exigencia da caução, que chegariamos até a supprimir a liberdade.
E é por esta fórma que d'aquelle lado da camara se proclama o principio da liberdade? Que differença entre esta doutrina e aquella que está consignada no decreto!
Diz-se tambem que este decreto comprehendeu mais casos do que aquelles que estavam incriminados nas leis anteriores; que este decreto estabeleceu uma rede de malha tão estreita, que nada ha que lhe escape.
Está n'isto uma das perfeições do decreto, porque consignando-se n'elle os verdadeiros principios, e determinando se os limites, dentro dos quaes é legitimo o exercicio do direito de liberdade, pune-se comtudo o abuso d'esse direito, e com rasão porque as pessoas só têem liberdade dentro da esphera da sua legitima actividade, e quem ultrapassa os limites d'essa esphera offende a dos outros, e não merece, n'este caso, o respeito d'estes ou da sociedade, porque não está no uso de um direito.
Mas quaes são os actos que se comprehendem n'este decreto, que não são realmente criminosos?
Disse aqui um distincto juris consulto, distincto pelo seu muito talento e illustração e pelos serviços que prestou na pasta da justiça, que este decreto comprehende, alem da

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factos já incriminados, tambem a offensa, a qual é considerada no decreto cousa diversa da diffamação, injuria ou aggressão injuriosa, visto que n'elle se emprega a palavra offensa conjunctamente com as outras, e como para designar factos diversos.
Disse tambem que a offensa pode comprehender a livre critica dos actos das pessoas, ou a censura das leis ou das instituições. Parece-me estranhavel este modo de apreciar o decreto.
Pois o que é offensa? Consultem os illustres oradores da opposição a sua consciencia, e ella lhes dirá, com inteira exactidão, o que é que os póde offender. Ella lhes dirá como se póde livremente fazer a critica das pessoas ou das leis, como se póde entrar nas discussões, em que as paixões se revelam com a maior vehemencia, sem todavia se offender alguem.
Mas, se isto não é sufficiente recorramos aos diccionarios e a lei criminal, para verificarmos o que a palavra offensa significa grammatical e juridicamente.
Moraes, no seu diccionario, diz: offensa - palavra, pensamento, obra com que se falta ou se deseja faltar, ou se faz cousa contra a lei moral, que deveriamos guardar. Dito, acção, molesta a outrem.
Vieira, no seu diccionario, diz: offensa - injuria de facto ou de palavra.
Lacerda, no seu diccionario, diz: offensa - acto de offender, lesão, mal physico ou moral a alguem, affronta, resentimento de damno ou injuria recebida.
Isto é o que dizem os diccionarios.
O que se encontra na lei foi dito já n'esta casa pelo illustre ministro da justiça, com uma erudicção que a todos causou admiração, (Apoiados.) e por fórma a fazer desapparecer quaesquer duvidas que houvesse a este respeito.
Os artigos do codigo penal que s. exa. leu são claros e concludentissimos, e dizem com a maior evidencia o que significa a palavra offensa na linguagem juridica.
No artigo 132.º do codigo penal diz se: A injuria e offensa commettida contra um ministro da religião do reino, no exercicio e por occasião do exercicio das suas funcções, será punido com as penas que são decretadas para os mesmos crimes commettidos contra as auctoridades publicas.
Aqui a palavra offensa é empregada como significando um ataque contra a dignidade das pessoas e como um acto de menosprezo pelo respeito que lhes e devido, sem todavia este acto constituir injuria, visto que esta é considerada no artigo causa diversa da offensa.
Nos artigos 160.°, 169.º, 181.º e 407.° tambem a palavra offensa é empregada, umas vezes só e outras conjunctamente com as palavras injuria, diffamação ou calumnia, e é destinada a significar sempre, ou um ataque á honra, á dignidade, ao caracter, ao pundonor das pessoas, ou um acto affrontoso para as instituições, ou um acto offensivo de consideração e respeito devido ao Rei ou Rainha reinante, ao immediato sucessor, aos ministros da religião, aos ministros ou conselheiros d'estado, ás auctoridades publicas ou seus agentes. (Apoiados.)
Aqui temos na linguagem juridica o que é offensa.
Que reparos, por consequencia, se podem fazer ao emprego desta palavra na lei?
Não serve ella para exprimir perfeitamente o pensamento do legislador, e por fórma que nenhuma acção verdadeiramente criminosa escapo á sancção da lei? (Apoiados.)
É evidente, pois, que o emprego d'esta expressão no decreto, longe de ser um motivo de censura, pelo contrario torna mais perfeito, mais completo, mais exacto o pensamento d'elle.
Mas, diz-se, este decreto tambem pune a offensa, diffamação, injuria ou aggressão injuriosa, quando ella (Leu.) é dirigida por pseudonymo, ou por phrases allusivas ou equivocas, ou recorrendo a allegorias de pessoas ou de
paizes suppostos, ou a recordações historicas, ou a quaesquer ficções ou artificios tendentes a encobrir ou a evitar a responsabilidade juridica.
Está muito bem, e é muito justo.
Pois, se se empregam palavras artificiosas ou allegorias para, á sombra d'ellas, se offender alguem, e, se se prova effectivamente que n'essas palavras, allegorias, allusões e artificios ha offensa a uma pessoa, porque é que se ha de coarctar a essa pessoa o direito de se desaggravar e defender? (Apoiados.)
Não se praticou, n'estc caso, um verdadeiro facto criminoso?
E se assim é, póde se impedir que o offendido torne effectiva a responsabilidade de quem o offendeu, recorrendo para este fim aos tribuuaes?
Parece-me isto incontestavel.
Mas no decreto, assegurando-se a maxima liberdade para a manifestação do pensamento, e punindo-se os factos que segundo os rigorosos principios de direito criminal constituem verdadeiros crimes, determinou-se também, com toda a precisão, a responsabilidade d'aquelles que cooperam no acto criminoso. O decreto contém, n'esta parte, um aperfeiçoamento notavel, e ha muito reclamado na legislação sobre a imprensa. (Apoiados.)
O illustre orador e distinctissimo advogado, a que respondo, disse, e muito bem, que, quando no nosso paiz só quiz regular pela primeira vez a responsabilidade pelos abusos da liberdade de imprensa, impoz-se então esta responsabilidade ao editor, o qual ficou sendo, por assim dizer, o pára-raios da imprensa; depois, reconhecendo-se que esta fórma de tornar effectiva a responsabilidade não cohi-bia os abusos, que se commettiam, impoz-se, em 1866, a responsabilidade aos auctores dos escriptos, e só, na sua falta, aos editores.
Affirma-se, e muito bem, que qualquer d'estes systemas, tomado em separado, não póde satisfazer um espirito recto, porque, nem attende ás considerações das necessidades sociaes, nem se conforma com os bons e sãos principios do direito criminal.
Pois em que consiste a responsabilidade criminal? Consiste na obrigação que todo o individuo tem de responder pelo mal que pratica, quando este mal é um acto criminoso.
E pratica o mal, nos crimes de abuso de liberdade de imprensa, o individuo que escreve um artigo offensivo, artigo pelo qual está sujeito á responsabilidade; e pratica-o tambem aquelle que com os seus actos contribuo directamente para tornar publico esse artigo.
Um e o auctor intellectual, o outro e apenas auctor material, mas um e outro têem responsabilidade criminal, porque ambos contribuiram para a realisação do mal, praticando actos sem os quaes o crime não podia ter sido commettido.
A determinação da responsabilidade criminal n'estas condições é conforme aos mais rigorosos principios do direito criminal, e a lei que, a elles attende, a lei que junta na responsabilidade o auctor intellectual e o auctor material do facto incriminado, alem de se conformar com os bons principios, attende tambem ás conveniencias e necessidades sociaes, porque impede que um testa de ferro, um verdadeiro irresponsavel, se apresente em juizo a acceitar a responsabilidade por factos que não são seus, e nos quaes ha offensas para as pessoas, para as instituições, ou para as auctoridades.
Mas diz-se que no decreto não se observaram rigorosamente estes principios, porque, se acceitassemos estas ideas, tinhamos de ir muito mais longe, porque n'este caso todos os individuos, que contribuem para a publicação dos escriptos são criminosos!» E rigorososamente assim é. Mas encontra-se a rasão do decreto, n'esta parte, nas palavras do distincto sr. presidente do conselho de ministros; disse elle: «Eu quero ampla liberdade de imprensa e alguma

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responsabilidade.» Não disse - todas as responsabilidades.
E com rasão, sr. presidente, se não deve exigir toda a responsabilidade, porque uma lei, diz Montesquieu, deve ser o principio de justiça applicado ás conveniencias sociaes; deve ser a rasão social. Na lei, não se deve attender unica e exclusivamente aos principios absolutos, por que, se ella é feita para dirigir a sociedade, precisa de attender tambem ás conveniencias e necessidades d'ella, conformando com os mesmos os principios de justiça absoluta.
E no decreto teve-se em consideração esta ordem de idéas, porque, reconhecendo-se a criminalidade, assim do auctor do artigo, como d'aquelles que com os seus actos contribuiram para a sua publicação, e praticaram um elemento essencial do crime, não se quiz todavia tornar effectiva a responsabilidade de todos estes, mas somente d'aquelles que estiverem ao alcance da justiça e foram os primeiros a contribuir para a publicação. Não se trata de substitutos do crime, como disse o illustre orador, trata-se de se tornar effectiva a responsabilidade segunda a ordem por que foram praticados actos de que resulta responsabilidade criminal. (Apoiados.)
E assim era necessario. Pois, não sendo conhecido o editor ou o administrador, o que acontece na imprensa clandestina, quem ha de n'este caso responder pelo crime? Necessariamente os individuos que se encontrarem a vender ou a espalhar o jornal, dando publicidade á offensa, e conseguintemente praticando o crime.
E alem d'isso ha ainda conveniencia em determinar a responsabilidade das pessoas que contribuem para a publicação d'esse jornal, para deste modo se evitar que elles se prestem á publicação de artigos offensivos.
Por conseguinte a responsabilidade, como está exigida no decreto, alem de tornar effectivas as obrigações que resultam dos abusos da liberdade de imprensa, satisfaz tambem ás conveniencias sociaes.
Mas, diz-se também: «que esta lei contém durezas, que nos não podemos acceitar, durezas que repugnam ao nosso espirito, sendo uma d'ellas a que impõe aos delegados responsabilidades, que só se extinguem passados tres annos, e que se podem exigir mesmo quando o delegado é já juiz!»
Eu, sr. presidente, fiquei admirado por ver atacado o decreto n'esta parte, pois parece-me que elle, longe de aggravar a situação dos delegados, longe de lhe impor uma responsabilidade grande, pelo contrario lhe diminuiu muito a responsabilidade, que elles já tinham.
E realmente, sr. presidente, tratando-se de crimes publicos, de crimes pelos quaes o ministerio publico tem obrigação de promover o respectivo processo, o que lhe acontecia, ou o que lhes devia acontecer, se elles não intentassem o respectivo processo?
Dil-o o codigo penal no artigo 287.°:
«O empregado publico que, faltando ás obrigações do seu officio, deixou dolosamente de promover o processo ou castigo dos delinquentes... será demittido, sem prejuizo de pena mais grave, no caso de encobrimento ou cumplicidade.»
Por conseguinte, o que devia acontecer, segundo o codigo penal, a um delegado que não cumprisse as suas obrigações, intentando o respectivo processo?
Estava sujeito, nem mais nem menos, do que á pena de demissão.
O que lhe applica o decreto, em logar d'esta pena fulminada pelo codigo penal, ao delegado?
«Quando haja negligencia em relação aos crimes de que trata este paragrapho, por parte dos agentes do ministerio publico subordinados aos procuradores regios, estes imporão aos agentes negligentes a suspensão do exercicio e vencimentos por um até tres mezes, e participarão o facto para a secretaria dos negocios da justiça.»
Por conseguinte, se o decreto diminuo consideravelmente a responsabilidade aos delegados, como vem aqui dizer-se que essa responsabilidade foi aggravada consideravelmente por este decreto? (Apoiados.)
Mas ainda mais. Diz-se que essa responsabilidade é exigivel durante tres annos, até mesmo depois que elles são juizes, o que é um perigo muito grande, porque um delegado pode vir a ser perseguido por um partido que se viu injuriado quando estava na opposição, exigindo-se e tornando-se effectiva a responsabilidade só depois que este partido estiver no governo.
Parece me que não se attendeu o que o codigo penal dispõe a este respeito.
Diz o artigo 125.° do codigo penal:
«Todo o procedimento criminal acaba ... N.º 2.°, pela prescripção.
«§ 2.° O procedimento judicial criminal prescreve passados cinco annos, se lhe for applicavel pena correccional.»
Ora ao crime commettido pelo delegado pelo facto de não promover o processo criminal quando tem obrigação de o fazer, corresponde-lhe pena correccional. Essa pena só prescrevia, segundo o codigo, depois de decorrido o praso de cinco annos. Qual é o praso de prescripção que marca este decreto? É um praso muito mais pequeno (Apoiados.) Por conseguinte que fundamento teem aquellas iras que do lado da opposição se levantam por essas suppostas durezas contra os delegados, quando é certo que as disposições do decreto são para elles muito mais benevolas do que as contidas no codigo penal?
Já se vê que este decreto, longe de aggravar as condições dos delegados, pelo contrario as modificou em conformidade das circumstancias e das conveniencias sociaes.
(Dirigindo-se ao sr. Beirão.) V. exa. mesmo, dirigindo-se aos delegados, recommendando-lhes todo o cuidado no cumprimento dos sens deveres, e manifestando o proposito em que estava de ser severo para com elles, ameaçou-os evidentemente com a applicação das citadas disposições do codigo penal.
Por conseguinte v. exa. não podia julgar aggravada a posição dos delegados com as disposições dos §§ 6.° e 7.° do artigo 8.° do decreto; ficaram pelo contrario consideravelmente melhoradas as condições dos delegados.
Mas diz-se tambem que n'estes crimes, para se tornar effectiva a responsabilidade, o governo até incluiu no seu decreto a seguinte disposição:
«O titulo e propriedade do periodico, e o material typographico ou lithographico da officina ou officinas em que tiver sido feita a respectiva composição e a impressão ou estampagem, respondem pelo pagamento das multas, o pela indemnisação de perdas e damnos em que tenham sido condemnados os responsaveis d'esse periodico, quando por outra fórma não tenham sido satisfeitas, sem que a isso possam ser oppostos embargos fundados em qualquer especie de privilegio.»
Não fallo em hypothecas, porque a palavra hypotheca foi supprimida, em errata, e é evidente que não estava bem n'este logar; mas quanto ao mais parece-me que esta disposição é justa; é justa e até mais benevola do que aquillo que se poderia apresentar no decreto, tratando-se do sancção no caso de abusos de liberdade de imprensa.
Realmente, se nos fossemos levar demasiadamente longe os principios de direito criminal, principios que estão consignados no codigo com relação a alguns crimes podiamos chegar a admittir que os instrumentos do crime deviam ficar perdidos, e que por isso a officina, que era n'este caso um verdadeiro instrumento do crime de abuso da liberdade de imprensa, devia ficar perdida.
Mas este decreto não vae tão longe; só exige que essa responsabilidade se torne effectiva pelos prelos ou pelas machinas typographicas quando não houver outro meio de apurar essa responsabilidade, e não admitte n'este caso opposição por embargos fundados em privilegio.

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Diz-se que o decreto contem, n'esta apart, um erro juridico. Não contem.
O illustre sr. ministro das obras publicas respondeu já, o muito bem, a este argumento, que foi formulado com notavel perspicacia por um dos oradores da opposição.
O titulo e propriedade de um periodico e o material da officina podem ser propriedade dotal, e a mulher, a quem estes bens pertencerem, podia oppor embargos de terceiro á execução n'elles, se isto lhe não ficasse inhibido na lei.
Alem d'estes privilegios ha outros a que se poderia igualmente recorrer para fundamentar embargos, taes são aquelles que têem os executados com relação a alguns objectos, utensilios ou instrumentos do seu officio. E verdade que se póde dizer, e diz-se muito bem, que as machinas não são instrumentos de trabalho; mas em todo o caso v. exa. sabe que no foro já se têem levantado questões a este respeito, e que ellas têem chegado ate ao supremo tribunal de justiça, e uma lei para ser perfeita deve ser clara e precisa nas suas disposições, fechando-se, quanto possivel seja, as portas á chicana.
Era, pois, de grande conveniencia que no decreto se incluisse tal disposição para que, com fundamento em algum privilegio, se não impedisse a execução nos ditos bens, e se não illudisse a responsabilidade dos donos ou administradores d'elles.
Mas ou ainda vou mais longe. Este decreto, longe de fazer violencia a alguem, pelo contrario garantiu a todos os direitos legitimos que porventura tenham e lhes resultem de privilegios que a lei civil reconhece e garante, porque não impediu que os donos d'esses privilegios os tornem effectivos por meio de artigos em concurso de preferencias. O decreto quiz obstar sómente a que por qualquer modo se impedisse a execução nos bens que serviram para a realisação do crime, quando por outra fórma se não se possa tornar effectiva a responsabilidade, mas deixou aos donos, quando estes não são os responsaveis, salvo o direito ás indemnisações respectivas, e aos senhores de qualquer privilegio mobiliario salvo o meio de o tornar effectivo.
É isto justo, e é isto conveniente.
Mas diz-se ainda: o governo foi de tal fórma rigoroso para com a imprensa, que quiz até subtrahir o seu julgamento ao jury, a esta brilhante instituição, coeva da liberdade, e pela qual a opposição está manifestando uma grande admiração, mais pelos resultados colhidos na experiencia de muitos annos, do que pelos principios que ella representa.
Eu, quando ouço fallar na instituição do jury e elogial-a em attenção aos resultados d'ella na nossa administração judiciaria, fico muito admirado d'esse enthusiasmo, e quasi acredito que elle não é verdadeiro.
Em 1870 um distincto parlamentar, que hoje e chefe do partido progressista, um parlamentar com uma illustração, sensatez e perfeito conhecimento de assumptos judiciarios, que ninguem lhe pode contestar, dizia n'esta casa que vinha apresentar seis propostas de lei, e ao apresental-as precedeu-as, entre outras, das seguintes considerações:
As propostas que hoje apresento teem sido meditadas e precedidas de um estudo profundo, não tanto pela minha parte, mas por parte dos mais imminentes jurisconsultos do paiz, que me têem acompanhado durante o espaço de longos mezes a estudar estes assumptos.
Parece-me, pois, que estas propostas vem precedidas de tal reputação, de tal auctoridade, que a camara poderá aprecial-as sem grande trabalho, e fazer a devida justiça aos que collaboraram n'ellas.
Pois, sr. presidente, era o sr. couselheiro José Luciano de Castro que em 1870 dizia isto; era s. exa. que em 1870 apresentava uma reforma muito similhante, quasi igual, áquella que hoje discutimos.
Por essa reforma estabelecia-se o processo correccional, e essa reforma era então considerada tão necessaria e urgente, que, disse s. exa., se assim a não considerasse, não viria n'essa occasião perturbar a attenção da camara, desviando a das questões de fazenda, que estava estudando.
N'uma d'essas propostas estabelecia-se o processo correccional, e era então considerada tão conveniente essa reforma, que não havia no partido progressista quem duvidasse da opportunidade e conveniencia d'ella.
Agora vem o partido progressista em peso reclamar contra uma reforma identica, e enche-se de indignação porque por elle se pretende cercear as attribuições do jury, d'esta instituição que não devemos deixar de respeitar e de conservar!
Tambem eu digo, sr. presidente, que não devemos deixar de conservar a instituição do jury, mas digo tambem que a devemos conservar sómente para certos e determinados crimes.
Eu entendo que em uma instituição judiciaria, especialmente na organisação dos tribunaes, deve-se attender á indole, educação, illustração e ás outras condições dos povos, onde a justiça tem de ser administrada.
Ora todos sabem que ha crimes que impressionam tão pouco a consciencia das pessoas, que não ha juiz ou delegado, que, por mais diligente e zeloso que seja, que tenha poder bastante para os levar a proferir sobre elles uma decisão justa, como a exige um espirito recto.
Pelo menos, na minha vida judiciaria, ainda não encontrei um jury que vendo diante de si um réu accusado de praticar um crime de offensa corporal de pequeno valor, tendo lido a elle provocado por uma injuria grave, que d'esse por provado este facto.
E isto é justo? Não é.
Diz-se que para isto e que e preciso o jury, porque este attende ás provas moraes, guiando-se só pelos dictames da sua consciencia e intima convicção.
Mas quaes são estas circumstancias moraes a que o jury deve attender? Attende a que a pessoa foi provocada? Mas então digam no codigo penal que a provocação dirime a responsabilidade criminal, e não a apresente como uma simples attenuante.
Se a provocação não e mais que uma attenuante, o jury que, determinado por ella, der como não provado o crime, não e justo e abusa da sua auctoridade.
As leis fazem-se para serem cumpridas. Pois se nos vemos que ha disposições na lei pessoal que não podem ser cumpridas com esta instituição, e justo, e rasoavel, e é conveniente á boa ordem social, que essa instituição não possa ser chamada a conhecer de crimes diante dos quaes ella é evidentemente fraca.
E com isto nos não deixamos de respeitar a instituição do jury. Pelo contrario, quando nos dizemos que o jury deve ser chamado para conhecer dos crimes graves, dos crimes de morte, de roubo, e de todos aquelles, que mais alarme social produzem; nos com isto mostrâmos respeitar e considerar muito a instituição do jury, porque o chamâmos para aquelles crimes, que mais affrontam a sociedade. Isto, longe de ser uma demonstração de desrespeito e falta de consideração para com o jury, pelo contrario, revela quanto e grande a nossa consideração por elle, porque lhe confiámos interesses sociaes importantissimos.
Faremos o uso d'esta instituição nos casos e para os casos em que ella apropriada.
Mas diz-se: com esta lei tira-se o julgamento dos crimes de imprensa á acção do jury, e não convem entregal-os ao julgamento dos juizes singulares. Eu posso ser considerado talvez um pouco suspeito na apreciação d'esta opinião, porque sou juiz, e não parecerá muito bem que seja eu quem diga que um juiz singular dá segurança na applicação da justiça. Em todo o caso, se nos admittirmos o recurso era todas as decisões dos juizes, não ha d'este modo para todos os julgamentos, alem de um juiz similar, possibilidade tambem de um tribunal collectivo! O guia singular poder-se ha enganar, poderá deixar de

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fazer justiça o de attender a considerações respeitaveis; mas se alguem se julgar offendido com a decisão do juiz singular, recorre para a relação, e ahi tem um tribunal collectivo para decidir do facto. (Apoiados.)
Mas não e só isto.
Estes decretos não dizem que nos crimes de liberdade da imprensa haja em todos os casos julgamento por juizes singulares.
Pelo contrario. Tenho idea de que um d'estes decretos diz em alguma parte que, quando se tratar dos casos em que o réu de diffamação for admittido a provar a verdade dos factos imputados, n'este caso será o julgamento entregue a julgador especial, regulando-se opportunamente por um decreto a competencia do julgador e a forma do processo a seguir.
E o § 1.° do artigo 6.º do decreto n.° 2.
«Um decreto especial regulará a competencia do julgador e a fórma do processo nos casos especiaes, em que o réu de diffamação for admittido a provar a verdade dos factos imputados.»
Actualmente todos os crimes, ou quasi todos os crimes, por abuso de liberdade de imprensa, são julgados por juizes singulares e só poderão deixar de o ser n'este caso do § 1.° citado.
Fica aberto o caminho para n'este caso se estabelecer um tribunal que possa satisfazer a todas as necessidades da boa administração da justiça, e corresponder a todas as justas aspirações, manifestadas pela opposição.
(Interrupção.)
Esta auctorisação, meus senhores e de grande conveniencia, pois offerece um bom ensejo para a creação de um tribunal em condições de ficar bem assegurada a liberdade de imprensa, entregando-se os julgamentos por abuso d'ella a pessoas que pelos seus conhecimentos espepeciaes e conhecimento das praticas jornalisticas, possam dar garantias seguras de recta administração do justiça.
O projecto d'esse decreto será organisado em conformidade da disposição do artigo 7.° do decreto n.° 2, por uma commissão que para este fim deverá ser creada, e tem nesta disposição a imprensa aberto o caminho para fazer assegurar, pela creação de um tribunal em condições rasoaveis, todas as garantias do justiça e de liberdade.
Fallou-se tambem da grande violencia que se fez, revogando-se um artigo que auctorisou o recurso do despacho que marcara dia para julgamento de policia correccional.
Eu, se acaso tivesse de tratar este assumpto despreoccupado de tudo quanto conheço e tenho visto na pratica, acceitaria de braços abertos o que vi partir dos bancos da opposição a este respeito.
O espirito de todos nos está naturalmente inclinado a admittir recursos de todos os despachos, porque os recursos significam perante elle uma garantia de segurança, um meio de defeza.
Mas a preoccupação da largueza da defesa concedida aos réus não nos deve levar ao ponto de prejudicarmos aquelles que, querendo desaggravar-se de offensas recebidas, recorrem para este fim aos tribunaes.
E o que nos diz a pratica que se tem feito á sombra d'esse recurso que ficou supprimido?
Diz-nos por toda a parte que o individuo que recorre aos tribunaes para se desaggravar, para se defender das injustas aggressões dos outros, encontra sempre no emprego dos recursos que porventura se auctorisem antes do julgamento, tão grandes difficuldades e obstaculos á sua justiça que, muitas vezes, para se esquivar a elles, abandona o seu direito e fica privado do desaggravo que a justiça social não pode deixar de lhe assegurar e garantir. Taes recursos servem geralmente para fatigarem com despezas enormissimas e chicanas injustas aquelles que apparece, a uns tribunaes pedindo justiça, e para desvial-os assim dos tribunaes.
E se todo o individuo tiver meios de recorrer da decisão que se proferir no julgamento, não terá d'este modo garantidos todos os seus direitos, e não ficará assim assegurada a justiça nos tribunaes? (Apoiados.) Seguramente.
Alem d'isto não nos diz a reforma judiciaria que as testemunhas no summario podem completar o corpo de delicto? Pois se o corpo de delicto ás vezes não pode ficar perfeito, porque diversas circumstancias impedem isto, e se as testemunhas depois na accusação ainda podem completar as provas produzidas no corpo de delicto, admittindo-se o recurso do despacho que marca o dia do julgamento, e o processo defurido aos tribunaes superiores, quando ainda não ha n'elle, muitissimas vezes, todos os elementos necessarios para uma justa apreciação do facto incriminado.
Por consequencia os tribunaes, n'estas condições, não têem os elementos necessarios para fazerem rigorosa justiça. (Apoiados.)
Diz-se, porém, que este decreto não admitte recurso das sentenças que fossem proferidas pelos juizes singulares, quando a pena n'ellas applicada não exceda a alçada ido juiz, embora a exceda o maximo da pena applicavel segundo a lei.
Parece-me que não ha rasão para por esta fórma se interpretar o decreto. Este reproduz no § 1.° do artigo 1.° exactamente o mesmo que já estava estabelecido na lei criminal, promulgada por iniciativa do sr. actual ministro da justiça.
No § 1.° do artigo 1.° diz-se:
«No acto do julgamento, e cabendo recurso de appellação da sentença, o juiz, depois de lido o corpo de delicto, perguntará ás partes se renunciam ao recurso; e renunciando ellas ou não cabendo recurso de appellação, não serão escriptos os depoimentos, nem poderá ser interposto recurso algum da sentença.»
Se o juiz tem que perguntar ás partes se renunciam ao recurso, se esta pergunta e feita depois de lido o corpo de delicto, e antes do julgamento, e claro que e isto indicação segura de que a lei admitte o recurso nos casos em que elle e admissivel em attenção á pena applicavel. (Apoiados.)
E n'esta conformidade que deve ser interpretada a disposição do artigo 5.°, segundo a qual se deve entender que as palavras n'elle empregadas, pena applicada, se referem á pena applicada pela lei e não á applicada na sentença.
A portaria que explicou identica doutrina, contida na legislação anterior, tem perfeita applicação ás disposições d'este decreto, que reproduziu quasi pelas mesmas palavras, as anteriores disposições; se com esta portaria se admittiu o recurso, segue-se necessariamente que se ha de admittir tambem agora, visto que se dão precisamente as mesmas condições.
Disse-se tambem que, tratando-se da reforma de parte do processo criminal, e tendo-se por ella cerceado as funcções do jury, entregando aos juizes singulares os crimes por abuso de liberdade de imprensa e muitos outros, não era occasião opportuna para se augmentar os vencimentos dos juizes e dos delegados.
Eu tenho alguma repugnancia em fallar n'este assumpto, porque não é muito desagradavel fallar em cousas que possam parecer de interesse proprio. Ainda bem que sou juiz de 1.ª classe, e como tal não posso ser considerado como interessado pessoalmente n'este assumpto, porque me parece que muito poucos juizes de 1.ª classe obtiveram melhoria com os vencimentos estabelecidos no decreto. Eu não fiquei melhorado com elles.
No emtanto, parece-me que e precisamente porque se confiou nos juizes singulares o julgamento por crimes que antes eram julgados com intervenção do jury, porque se lhes confiou julgamentos em que se conhece dos direitos do liberdade de manifestação do pensamento e de reunião, que se tornou conveniente, é necessario até, não só assegurar á magistratura toda a independencia, mas tambem.

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tirar-lhe toda a participação nas custas, para assim os livrar de toda a suspeita de serem determinados nos seus julgamentos pela ambição de lucros que podiam ter por effeito da condemnação. É isto rasoavel.
Pois se se queria dar á magistratura toda a independencia e conservar-lhe todo o seu prestigio e auctoridado moral, era indispensavel tambem que lhe tirasse toda a participação não custas criminaes, para a subtrahir a toda a suspeita. (Apoiados.) E foi o que se fez.
E desde que assim lhe foram cerceados, por motivos imperiosos de ordem publica, os seus vencimentos, era justo e regular que ao mesmo tempo lhes designassem outros vencimentos que os indemnisassem dos prejuizos que soariam.
E era isto tanto mais necessario, quanto e certo que os vencimentos, senão de todos, pelo menos de muitos dos juizes e delegados, estavam já cerceados com a instituirão dos juizes municipaes.
E já que fallo nos juizes municipaes, permitia v. exa., sr. presidente, que eu n'este momento tambem manifeste o desgosto que sinto porque esta instituição ainda se conserve na organisação judiciaria. Este modo de pensar, francamente o digo, não e só meu. Não ha magistrado algum que não tenha igual opinião. (Dirigindo-se ao sr. Beirão) V. exa. tem o seu nome ligado a reformas de um alto valor. V. exa. tem o seu nome ligado a providencias de alto interesse social; e uma d'ellas bastava para tornar memoravel a sua passagem pela pasta da justiça.
Refiro-me ao codigo commercial. (Muitos apoiados.)
V. exa. e justo, e intelligente, e illustradissimo, mas tambem e politico. Quando em 1886 se abriu um periodo de dictadura, v. exa. quiz ser tambem dictador para acompanhar os seus collegas e concorrer com elles ao largo mercado politico, que então se abriu, levando a elle a creação da juizes municipaes á dos arbitradores judiciarios e outras reformas que pareciam ser mais destinadas á acquisição de votos do que a melhorar a administração da justiça.
Disse s. exa. no relatorio, notavelmente bem escripto, como s. exa. os sabe escrever, que era necessario attender a que havia povos a distancias enormes das sédes das comarcas, e que luctavam com tão grande falta de recursos, que lhes era impossivel recorrer aos tribunaes para defenderem os seus direitos. Disse s. exa. que não queria fechadas as portas dos tribunaes para estas pessoas. E que fez afinal para lhas abrir?
Sr. presidente, acaba de dar a hora, mas se v. exa. e a camara, me permittem, direi mais meia duzia de palavras e concluirei as minhas observações.
Vozes: - Falle, falle.
O Orador: - Agradecendo á camara a sua benevolencia, vou concluir.
Dizia s. exa. depois d'isto, que, para satisfazer a estas necessidades da administração da justiça, era necessario crear os julgados municipaes.
Eu comprehendia, sr. presidente, que nas condições referidas por s. exa. se creasse uma instituição que satisfizesse em todo o paiz ás necessidades que de todos eram conhecidas; comprehendia que se augmentasse a alçada e jurisdicção dos antigos juizes ordinarios; que se lhes alargassem as suas attribuições, considerando-os competentes para um certo numero de funcções e actos para que ate então não eram competentes; mas crear, para remediar taes necessidades, os julgados municipaes, tornando dependente a sua instituição, em primeiro logar, do facto das camaras poderem pagar aos magistrados desse tribunal seus vencimentos, e em segundo logar do outras circumstancias que deveriam ser apreciadas no ministerio da justiça, e inadmissivel!
De tudo isto resulta que um concelho, ainda que muito distante da séde da comarca, mas falto de recursos, não póde gosar de tal beneficio, emquanto que outro, proximo da séde da comarca, mas mais rico do que aquelle, aproveita o beneficio da lei.
Se a instituição era reclamada pelas necessidades da boa administração de justiça, devia ser creada para todos os povos onde essa necessidade fosse realmente sentida, e não só para aquelles que por serem mais ricos e prosperos podiam dispor de meios para pagarão juiz e sub-delegado.
Vejo, por exemplo, o concelho de Alcoutim, em que ha povos a distancia de 14 leguas, approximadamente, de Tavira, que não tem julgado municipal, e não gosam do inculcado beneficio, porque o concelho não dispõe dos recursos necessarios para satisfazer os encargos da instituição; outros concelhos, porém; a pequena distancia da séde da comarca, ligado a ella por excellentes estradas e até caminhos de ferro, gosam de tal beneficio porque dispozeram para este fim dos necessarios recursos, e, alem d'isto porque aprouve a s. exa. crear esta instituição. (Apoiados.)
Eu não quero cansar mais a camara, e por consequencia concluo, pedindo a todos os meus collegas que desculpem o tempo que lhes tomei, e agradecendo a benevolencia com que me acolheram.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Moção

A camara, considerando que o decreto sobre o direito de liberdade de imprensa, e todos os outros decretos publicados dictatorialmente, contêem principios de inteira justiça, e attendem ás conveniencias sociaes, satisfeita com as explicações do governo, passa á ordem do dia. - O deputado, Pestana de
Vasconcellos.
Foi admittida.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã á a mesma que estava dada.

stá levantada a sessão.
Era meia noite.

O redactor = Sá Nogueira.

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