SESSÃO N.° 36 DE 22 DE MARÇO DE 1900 5
guerra e fazenda, é seguramente, pela sua natureza, um dos que mais se impõe á vossa elevada consideração. Relaciona-se elle immediatamente com a defesa do paiz e tanto basta para que a todos deva merecer a mais desvelada attenção.
A necessidade inadiavel da acquisição de armamento e respectivas munições, tanto de infanteria como de artilheria, acha-se perfeitamente demonstrada no lucido relatorio de que é precedida a proposta ministerial.
A historia de todos os tempos e de todos os povos demonstra á saciedade que estes não podem deixar de contar com o estado de guerra, e posto que esta, nos tempos mais modernos, constitua accidente intercallado em largos periodos de paz, não deixam por isso todos os paizes de se prevenir para ella, organisando solidamente os seus exercitos, e dotando-os com o melhor armamento e todos os recursos indispensaveis para que possa cumprir honrosamente a sua missão. D'esta prevenção tem resultado indubitavelmente serem na actualidade mais dilatados os periodos de paz, e estarem mais salvaguardados os direitos, a honra e os interesses dos paizes. Mas não sendo a guerra, como diz Clausewitz, senão a politica continuada por outros meios, a força, não é de esperar que venha a ser para sempre abolida.
A reorganisação do exercito decretada no anno findo elevou o effectivo, em pé de guerra, de combatentes de infanteria armados de espinguarda, a 118:080, sendo 64:944 do exercito activo e 53:136 das tropas de reserva.
A primeira e mais impreterivel necessidade de um exercito é possuir o armamento e municiamento indispensavel, sem o qual não poderá desempenhar-se da sua principal missão, que é combater. Inutil será dizer que a quantidade minima de espingardas não poderá nunca ser inferior ao numero de combatentes. Prover pois á acquisição de material de guerra pelo menos na quantidade indispensavel para armar as tropas que em pé de guerra se podem mobilisar é, por sem duvida, uma necessidade inadiavel. Bem o comprehendeu o governo; bem o fez sentir no relatorio que precede a sua proposta de lei.
Sem duvida maiores quantidades de armamento precisaria ainda o paiz possuir, a fim de se precaver contra todas as eventualidades da guerra, contra todas as perdas inevitaveis de armamento que se produzem em campanha. Estas são tão importantes, que as auctoridades em assumptos militares não julgam um paiz completamente aprovisionado em armamento de infanteria senão quando conta, pelo menos, duas armas por homem. Na batalha de Austerliz o exercito francez perdeu 12:000 espingardas; na campanha de 1806-1807 contra a Frnssia e a Russia, 60:000; na primeira metade da campanha de 1813 na Allemanha, 40:000; na guerra da Criméa, 100:000; perdas resultantes de armas damnificadas pelos projecteis do inimigo, deterioradas pelo fogo, abandonadas pelas tropas no campo de batalha, e pelos feridos e doentes, nos campos, nas ambulancias e nos hospitaes.
Alem d'isso, convem aos paizes terem sempre superabundancia de armamentos, para o caso do ser necessario levantar mais tropas que as que a organisação em pé de guerra comporta, sem fallar nos levantamentos em massa a que os paizes se vêem forçados a recorrer em casos extremos para manter a sua independencia o a integridade do solo patrio.
Para estas tropas possue o nosso paiz algum armamento ainda não para desprezar, mas melhor seria possuil-o para essas mesmas tropas, de modelo mais moderno.
No projecto submettido á vossa illustrada apreciação tem o governo em vista a acquisição de 70:000 espingardas para infanteria devidamente municiadas, e de 8 baterias de artilheria de campanha com as respectivas munições.
Com as 70:000 espingardas que o governo propõe comprar, póde armar-se toda a infanteria do exercito activo; o armamento de repetição m/1886 que actualmente possue o paiz chega para armar as tropas de reserva.
Assim, levada a effeito a acquisição proposta, evitar-se-ha o grave risco do ter o paiz soldados e de não possuir armas para lhes distribuir.
Parece comtudo as vossas commissões reunidas de guerra e fazenda que, podendo provavelmente, dentro da verba de 3:000 contos de réis, comprehender-se a compra de maior quantidade de material do que a indicada na proposta do governo, se não deverá limitar a acquisição a esta quantidade, e antes se deverá adquirir todo o que a verba de 3.000 contos de réis comportar. N'esta conformidade julgámos que alem de 70:000 armas e respectivo municiamento para infanteria, deverá adquirir-se o numero de baterias de artilheria de campanha que a verba de 3:000 contos de réis permittir, depois de deduzido o custo do armamento designado para as tropas de infanteria.
D'esta forma é talvez possivel a acquisição de 12 baterias de artilheria de campanha em pé de guerra, de peças cada uma, municiadas com 300 tiros por peça. Eate numero de baterias não é por certo ainda suficiente para collocar a artilheria no mesmo pé de igualdade que a infanteria do exercito activo, mas representa sem duvida um notavel melhoramento para a arma de artilheria.
O nosso paiz, que foi o primeiro a adoptar, em 1886, o pequeno calibre (8mm) no seu armamento portátil, depois de haver vencido, durante o estudo da arma adoptada (a Kropatschek), differentes dificuldades dimanastes da reducção do calibre, teve a satisfação de ver mais tarde que não errara, e antes tinha acertado na escolha que então fez do modelo para o seu armamento. Paizes poderosos e com elementos de estudo de que o nosso não dispõe, hesitaram por então na adopção do pequeno calibre, decidindo-se pelo calibre medio anteriormente em uso, a que applicaram o systema de repetição, e de que construiram muitas centenas da mil armas que dentro de um e dois annos tiveram de substituir pelo pequeno calibre, para fugirem á inferioridade manifesta do seu armamento. Tal aconteceu com a Allemanha e a Austria.
O momento actual parece, pelo estado da technica do armamento portátil, o mais asado para a acquisição de uma nova arma para infanteria. Os limites entre que deve comprehender-se o calibre estão seguramente determinados, e novos aperfeiçoamentos nas armas de repetição não se antevêem já muito sensiveis, dado o grau de aperfeiçoamento a que têem sido levados os ultimos modelos. É certo que os inventores e fabricantes não descuram o estudo
a espingardas automaticas; mas, sem fallar nos graves inconvenientes que porventura o automatismo possa apresentar, não nos parece duvidoso que os modernos modelos de repetição terão tempo de envelhecer, antes que as espingardas automaticas as possam substituir
Por igual nos parece asado o momento para a compra de artilheria de campanha. A que possuimos data de 1874 (6 baterias de 8cm); de 1875 (6 baterias de 9cm); de 1878 (8 baterias de 9cm); e de 1886 (10 baterias de 9cm).
Têem sido grandes os melhoramentos introduzidos na artilheria desde a ultima data até hoje; e bem carece de ser maior a substituição da artilheria do exercito activo, que se contem na proposta ministerial, a qual não é mais radical em obediencia ás circumstancias.
Proporcionalmente é Portugal o paiz que mais parcimonioso tem sido na acquisição de modernos armamentos para as suas tropas. Á Hollanda, a Suissa, a Roumania, a Belgica, paizes que podem pôr em pé de guerra effectivos muito próximos do nosso, têem adquirido espingardas modernas para os seus exercitos em quantidades que vão de 150:000 a 250:000, sem esquecerem os municiamentos respectivos, nem a artilheria correspondente á sua infanteria e cavallaria.
Para fazer face á despeza com a acquisição em curto proso do material que pretende adquirir, propõe o go-