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N.º 16. sessão de 25 de fevereiro. 1855.

PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES,

Chamada: — Presentes 79 Srs. Deputados.

Abertura: — Um quarto de hora depois do meio dia.

Acta: — Approvaria.

O Sr. Secretario Rebello de Carvalho deu conta de Uma Declaração: — Do, Sr. Deputado Gonçalves Lages, participando que o Sr. Antonio José Antunes Guerreiro não póde comparecer á Sessão de hoje por motivo de molestia. — Inteirada.

CORRESPONDENCIA.

Officios: — 1. Do Sr. Deputado Cunha Pessoa participando que por incommodo de saude não pôde comparecer á Sessão de hontem, não comparece á de hoje, nem talvez á de ámanhã. — Inteirada.

2. — Do Sr. Deputado Adrião Acacio participando igualmente que, por incommodo de saude, lhe não e possivel assistir á Sessão de hoje, nem talvez á de ámanhã. — Inteirada.

3. — Do Sr. Deputado eleito por Guimarães, José Fortunato Ferreira de Castro, remettendo o seu diplomado fazendo constar que um incommodo de saude o tem inhibido de vir tomar assento na Ca-, mara. — Inteirada; sendo o diploma remettido á Commissão de Poderes.

4. — Do Sr. Marquez da Bemposta de Subserra, acompanhando alguns exemplares de um requerimento, que dirigiu á Camara, pedindo melhoramento de refórma. — Mandou-se distribuir.

SECUNDAS LEITURAS.

Proposta: — Proponho que seja convidado o Sr. Deputado Antonio Vaz, da Fonseca e Mello a declarar, se em conformidade do que dispõe o art. 16º do Decreto de 30 de Setembro, opta pelo logar de Deputado, ou pelo emprego que exerce. — Pinto de Almeida.

O Sr. Pinto d'Almeida: — Peço licença á Camara para retirar essa Proposta....

O Sr. Presidente: — Como ainda não estava admittida, póde retira-la.

O Sr. Pinto d'Almeida: — Hontem fiz esta Proposta fundado no art. 16.º do Decreto eleitoral, debaixo do principio, que o Deputado a que me referi já estava proclamado, mas ainda o não está; por isso mando para a Mesa a seguinte Proposta fundada no art. 109. do Decreto eleitoral, em Substituição á outra:

Proposta: — Proponho que se applique o art., 109º do Decreto de 30 de Setembro de 1852 aos Deputados do Continente, que aindas se não apresentaram, ou não deram causa justificada. — Pinto de Almeida.

O Sr. Presidente: — Não sei se a Camara querela desde já tomar uma resolução sobre esta Proposta.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — O Sr. Deputado podia livrar-nos deste embaraço declarando que a sua Proposta era urgente; como o não declarou peço-lhe licença para fazer um Additamento á sua Proposta — peço a urgencia da Proposta mandada agora para a Meza pelo Sr. Pinto de Almeida.

Foi declarada urgente.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se o art. 109. do Decreto eleitoral para melhor se comprehender esta Proposta. — (Foi lido pelo Sr. Secretario Tavares de Macedo), reduz-se a questão a saber — Se o Presidente ha de escrever aos Deputados que ainda senão apresentaram, nem deram escusa, para que venham comparecer. (Apoiados) Nesta conformidade vou consultar a Camara, se approva a Proposta do Sr. Pinto de Almeida.

Foi approvada.

Teve igualmente segunda leitura o seguinte

Projecto de lei (N.º 6 I.) Senhores: — Ninguem ha que desconheça os inconvenientes que resultam da amortisação dos bens de raiz vinculados em morgado ou capella.

As Leis deste reino toleram as de amortisação, por ser necessaria nas monarchias, para o estabelecimento e conservação da nobreza.

Para essas proprias Leis reconhecerem, que os morgados pouco rendosos, em vez de encher os fins de suas instituições, promovem um infinito numero de amortisações, confundem a nobreza e arruinam o estado.

A successão excepcional dos bens de morgados, opposta aos principios da justiça, em que assenta a successão ordinaria, tem sido origem, e continua a ser, de innumeraveis e difficeis pleito, todas as vezes que o ultimo administrador não deixe, por successor, descendente, ou collateral em gráo proximo e conhecido.

Neste caso, devendo succeder-lhe o parente mais chegado, sendo do sangue do instituidor, quasi sempre se torna impossivevel designar com justiça o verdadeiro e legitimo successor.

Para atalhar a estes inconvenientes, tenho a honra de vos apresentar o seguinte Projecto de Lei, no qual foram conciliados quanto foi possivel, os interesses nacionaes, e a conservação da nobresa, necessaria ás monarchias, e aos direitos adquiridos á sombra das Leis actuaes.

Projecto de Lei Art. 1.º Ficam desde já abolidos todos os vinculos de morgado, ou capella, que ao tempo da publicação desta Lei não tiverem em cada um anno, o rendimento liquido de 1:200$000 réis.

§ unico. Esle rendimento pelos annos fica sendo o necessario para novas instituições na hypothese do § 21 da Lei de 23 de Agosto de 1770.

Art. 2.º Não tem logar a disposição do artigo antecedente, se no mesmo administrador se reunirem dois ou mais deste vinculos, que tenham conjunctamente o rendimento ali designado.

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Art. 3.º Devem considerar-se sem aquelle rendimento de 1:200$000 réis, os vinculos de morgado e capellas que não tiverem sido collectados, nos dez annos anteriores á publicação desta Lei, termo medio, na decima correspondente á dita quantia.

Art. 4-.º Os vinculos de morgado e capella, que, ao tempo da publicação desta Lei, tiverem o rendimento legal estabelecido no art. 1.º poderão ser no futuro abolidos se deixarem de ter um rendimento por tres annos consecutivos. Neste caso observar-se-ha, no que fôr applicavel, a actual Legislação sobre a abolição dos vinculos insignificantes.

Art. 5.º Os Administradores dos vinculos do morgado e capella, abolidos por falta deste rendimento legal, podem, até ao tempo da sua morte, livremente dispôr inter vivos e causa mortis da terça, parte dos bens, em que esses vinculos estavam constituidos.

Art. 6.º Esta terça parte não fica sujeita as dividas e obrigações do> anteriores administradores, metade porém dos seus rendimentos, responde, durante a vida do ultimo administrador, por suas dividas e obrigações.

§ unico. Se o ultimo administrador não dispozer desta terça -parle, observar-se-ha a respeito della o que o vai ordenado a respeito das outras duas nos artigos seguintes.

Art. 7.º As outras duas terças partes dos bens destes vinculos abolidos passarão por morte do seu administrador, como se fossem allodiaes, e livres para os que então forem seus herdeiros, seguindo-se as regras da successão ordinaria, sem que fiquem sujeitos ás dividas e obrigações dos fallecidos administradores, e sem que nellas tenha meação a mulher do ultimo.

Art. 8.º Até á sua morte gosará esse administrador destas duas terças partes, sem que as possa alienar, aforar, obrigar ou damnificar; mas durante a sua vida metade dos rendimentos destas duas terças partes respondem por suas proprias dividas e obrigações.

Art. 9.º Se os administradores destes vinculos abolidos por falla de rendimento legal deixarem por sua morte descendentes, pertencerá áquelle que succederia no vinculo, se este não fosse abolido, e concorrendo com outros descendentes, além do seu quinhão hereditario, 30 por cento das duas terças partes divisiveis. Se não ficarem descendentes mas só collateraes, e se o que deveria succeder no vinculo, se não fosse abolido, fosse irmão, ou filho de irmão do ultimo administrador,. Pertencer-lhe-ha além do quinhão hereditario mais 20 por cento, da» ditas duas terças partes.

Art. 10.º Os administradores dos vinculos abolidos por falla de rendimento legal deverão, dentro de dois mezes, a contar da publicação da presente Lei, requerer, no Juizo de Direito da Comarca aonde estiverem situados todos ou a maior parte dos bens vinculados, inventario, para se conhecer quaes são aquelles de que podem dispor na conformidade do art. 5.º, e os que por sua morte devem passara seus herdeiros fios termos dos art. 7.º 8.º e 9. citando-se para o inventario o presumptivo successor do vinculo, se este não fosse abolido, os herdeiros presumptivos do administrador, e o Ministerio Publico.

Art. 11.º Se os ditos administradores forem negligentes em requer inventario, ou se depois de requerido, o não promovererem por espaço de seis mezes continuos ou interpolados, ficam privados do favor concedido no artigo 5.º, e neste caso a terça parte dos bens vinculados de que podiam dispor, seguirá as regras estabelecidas nos artigos 7.º 8.º e 9.º a respeito das duas e outras terças partes.

Art. 12.º Aos herdeiros presumptivos dos dictos administradores compele tambem requerer e promover o dicto inventario.

Art. 13.º Ficam tambem abolidos no futuro todos os vinculos de morgado e capella, cujos admininistradores não tiverem ao tempo de sua morte successor legitimo, nem descendente, nem collateral, dentro dos gráos da representação, qualquer que seja o rendimento desses vinculos.

Art. 14.º Os administradores de vinculos de morgado e capella, que não tiverem successor legitimo nos termos do artigo antecedente, poderão dispor livremente, causa mortis, de metade desses bens vinculados que administrarem. A outra metade passará por sua morte para seus herdeiros, segundo as regras da successão ordinaria, livre e isenta de quaesquer dividas ou obrigações dos administradores desses vinculos, e sem que a mulher do ultimo administrador tenha meação nos bens delle.

§ unico. Emilia qualquer disposição mortis causa, acêrca desta metade, se ao tempo da morte dos administradores destes vinculos ficarem descendentes ou irmãos, ou filhos de irmãos.

Art. 15.º Com a abolição de que tracta esta Lei, acabam todos os encargos pios dos bens vinculados em morgado e capella.

Art. 16.º O Governo indemnisará, pelo producto da siza de venda e troca dos bens de raiz, os estabelecimentos de Piedade, aos quaes tenham sido applicados os encargos pios dos vinculos de morgado e capella, que em virtude desta Lei ficam abolidos, ou que no futuro se abolirem.

Ari. 17.º Os descendentes, e collateraes illegitimos dos administradores dos vinculos de morgado e capella, que por ela Lei ficam abolidos por falla de rendimento legal, de qualquer natureza que seja a illegitimidade, são inhabeis para succeder aos bens em que esses vinculos se achavam constituidos.

§ unico. O mesmo se observará a respeito dos collateraes illegitimos na successão dos bens pertencentes aos vinculos, que forem no futuro abolidos por falla de successor legitimo na linha dos descendentes, ou na collateral, dentro dos gráos da representação.

Art. 18.º Todas as causas pendentes sobre abolição, e successão de vinculos de capella, ou morgado, ou quaesquer outras sobre bens vinculados, não poderão prosegir, nem poderão começar as que de novo se intentarem, sem que ao processo se juntem, por quem tiver interesse, os conhecimentos ou certidões do pagamento da decima de que tracta o artigo 3.º

Art. 19.º As sentenças, que sobre estas causas se proferirem, se conformarão com as disposições desta Lei

Art. 20.º São admettidas denuncias, perante os Juizes de Direito, contra os actos practicados e omissões verificadas com offensa das disposições desta Lei.

Art. 21.º O denunciante que obtiver sentença final, que julgue procedente a denuncia, por se terem maliciosamente practicado, ou deixado de practicar

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quaesquer acto, contra a disposição desta Lei, gosará, durante a vida do denunciado, do usofructo dos bens, que ou na propriedade, ou usofructo sómente, pertenciam, por esta Lei áquelle que esses actos maliciosamente practicou, ou, deixou de practicar.

Art. 22.º Para os effeitos, desta Lei, considera.se administrador do vinculo de morgado, ou capella, aquelle a quem por Lei compete a sua administração, ainda que a tenha cedido, ao immediato sucessor, ou a qualquer outra pessoa.

Art. 23.º As disposições da presente Lei não alteram as da Ord. Liv. 4.º, Tit. 101.

Art. 24.º E permittido aos administradores dos-vinculos de morgado ou capella, que ficam subsistindo em virtude desta Lei trocar os bens do raiz vinculados por fóros censos, ou pensões, sem necessidade de praça, nem do consentimento do immediato, successor, sendo este apenas ouvido para impugnar, querendo, os valores dos objectos trocados.

Art. 25.º É tambem permittida subrogação de bens de raiz vinculados, por Inscripções da Junta do Credito Publico, sendo feita em praça com audiencia do immediato successor, que póde lançar, e deve preferir tanto por tanto.

Camara dos Srs. Deputados, 22 de Fevereiro de 1853. — O Deputado por-Lisboa, Manoel Joaquim. Cardozo Castello Branca.

O Sr. Alves Martins--Este Projecto é de summa gravidade e transcendencia. É preciso meditar muito e. chamar a attenção publica sobre elle. Intendo pois que o meio para isso é a sua publicação no Diario do Governo. Por tanto peço que se-publique no Diario do Governo.

Foi admittido, enviado á Commissão de Legislação, e mandado publicar no Diario do. Governo.

O Sr. Affonso'. Botelho: — Mando para a Meza um Requerimento de alguns proprietarios, do Douro, estabelecidos no Porto, pedindo alivio das contribuições que pagam para os generos de producção que consomem nas suas cazas.

O Sr. Corrêa. Caldeira: — Sr. Presidente, é doutrina corrente nesta Casa, que, quando se fazem Requerimentos, pedindo ao Governo quaesquer informações ou esclarecimentos, se sub-intende a clausula — não havendo inconveniente — intenda todavia, que esta clausula, não póde ser admittida como regra em todos os Requerimentos, porque ha alguns a respeito dos quaes a admissão della importaria a negação de um direito ao Deputado, e por ultimo, ainda quando ella se desse, intendo que deviam os Srs. Ministros da Corôa por deferencia, não digo aos Deputados Auctores desses Requerimentos, mas á Camara que os approva, declarar aqui, se ha esse inconveniente, e qual é. Fiz estas observações porque ellas são necessarias a respeito do Requerimento que vou remetter para a Meza; Requerimento que foi por mim feito na Sessão Legislativa passada, em 27 de Fevereiro, repetido, em 2 de Março, 8 de Junho e 3 de Julho, e a respeito do qual o ministerio nem deu as informações pedidas, nem se dignou aqui declarar, se havia inconveniente em. as mandar. Espero que o Sr. ministro dos Negocios Estrangeiros, depois destas minhas observações, se dignará ou mandar os esclarecimentos pedidos, ou dizer — os, inconvenientes que obstam a isso, para eu fazer as observações que me parecerem convenientes. (Leu o requerimento).

Ficou sobre a Meza para amanhã ter o competente destino.

O Sr. J. F. Maia: — Por parte da Commissão de

[Fazenda mando para a Meza os Requerimentos da Direcção do Banco de Portugal, e dos credores da divida publica fundada, em que representam contra alguns Decretos da Dictadura, por intender que devem, ser mandados á Commissão Especial eleita para dar o seu parecer sobre todos os Decretos da mesma

Dictadura

O Sr. Presidente: — Isto é um negocio de mero expediente: se ninguem tem duvidas a este respeito, remette-se á Commissão Especial. (Apoiados)

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão da Resposta ao Discurso da Corôa.

O Sr. Carlos Bento. — Sr. Presidente, hontem quando interrompi as reflexões que tive a honra de dirigir a esta Camara, foi por um motivo para mim inesperado: eu não contava que a Sessão terminasse jantes da hora regular, e por isso não pude resumir-me de maneira que não occupasse hoje a attenção Ida Camara com a continuação das reflexões que tinha a fazer ainda sobre o assumpto. Por isso mesmo que esta Camara tinha feito o obsequio de me ouvir com toda a benevolencia, eu não devia cançar mais a sua attenção. Mas na presença deste caso imprevisto, eu não posso deixar de tomar mais algum tempo á Camara, porque infelizmente não me foi possivel tractar hontem da parte mais importante I deste Projecto, e a respeito da qual era indispensavel que eu dissesse alguma cousa, por isso, que me tinha inscripto de maneira, que parece que combato -o Projecto: eu não combato o Projecto na sua generalidade; approvo-o; mas tenho de apresentar considerações que reputo indispensaveis, principalmente nesta occasião.

Tinha eu dito, Sr. Presidente, que concordava perfeitamente na manifestação dos desejos louvaveis que vi apresentar em documentos officiaes; esses desejos, não podem deixar de merecer a minha approvação. Todos dós queremos os desenvolvimentos, desde ha muito tempo adiados, dos differentes importantes ramos da nossa prosperidade. Todos nós queremos que o Paiz conheça quaes são as vantagens que tem tirado as outras nações de um estado de civilisação; mas, Sr. Presidente, por isso mesmo que nós queremos que o nosso Paiz iguale nações, que tendo apparecido mais tarde no mundo politico, e que hoje nos precedem de muito, por isso é preciso que observemos attentamente quaes foram os meios que essas nações empregaram, para chegar a este resultado, e para nos precederem na carreira da civilisação. Porque, Sr. Presidente, se na. historia contemporanea não fazemos uma das primeiras figuras, na historia passada temos um logar, que ninguem nos póde roubar; é, verdade que somos pequenos na geografia, somos porém grandes na historia, e por isso mesmo podemos outra vez chegar a um gráo de desinvolvimento e de prosperidade.

Não se diga que, porque outras nações, que vieram mais tarde, se acham mais adiantadas do que nós, é isso devido á grandeza dessas, mesmas nações: não é verdade, porque nações iguaes em população,

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e algumas de uma população inferior, estão mais adiantadas a respeito de civilisação. E examinar os meios porque essas nações chegaram mais depressa no adiantamento na civilisação e o que deve fazer o objecto da nossa attenção; porque para podermos chegar ao fim que ellas alcançaram, é preciso que empreguemos meios analogos áquelles que ellas empregaram.

Sr. Presidente, o maior effeito economico da civilisação moderna, o elemento que mais resultados tem produsido neste ponto, e sem duvida o elemeto do credito publico. Nem se diga que o credito publico é um principio de que se póde abusar, porque se por acaso nos despirmos das paixões que nos agitam em momentos, dados, havemos de reconhecer que este argumento não val a pena de ser seriamente refutado. Sr. Presidente, póde ser que se tenha a infelicidade de não conseguir estabelecer a opinião de que não ha o firme proposito de dissolver todas as obrigações, contrahidas, porque em circumstancias dadas forças superiores á nossa vontade, e aos nossos bons desejos, nos impedem de desempenhar os encargos que contrahimos; a historia está cheia de exemplos desta natureza: mas, Sr. Presidente, não se faça de um caso de necessidade uma theoria, porque isso é perigosissimo. E neste ponto eu combato uma escola e não um Jornal, e uma escola não é um Jornal; uma escola compõe-se de muitas pessoas em differentes posições. É necessario que quando as circumstancias difficeis em que nos achamos, nos obrigam a praticar actos que não tem desculpa, senão na urgencia das circumstancias, não queiramos dar a esse caso particular a extensão de uma theoria, theoria desgraçada, porque devemos reflectir, como diz um illustre Publicista francez, que a humanidade perdoa menos a theoria de uma má acção, do que a propria acção. Não se diga pois que, porque uma ou outra vez um Governo se vê na triste necessidade de não puder cumprir, na extensão em que ardentemente desejava, todos os seus encargos, que se estabeleço desde logo a theoria de fallar ás promessas, de não cumprir os encargos. Perigosissima theoria!.. Não se diga-tambem que é o credito que nos tem arruinado: é esse um principio subversivo em doutrina economica. O credito não arruina ninguem. A dissipação é uma cousa, muito differente do credito, e póde existir dissipação na presença do credito; mas não se diga que o credito é que nos tem perdido, porque se isso, fosse verdade, se o credito salvasse, mui facilmente podiamos ser salvos... (O Sr. Correa Caldeira — Estavamos salvos ha muito tempo) Eu combato doutrinas, que se tem escripto, e é necessario que neste logar ellas sejam combatidas; é necessario que alguem, protesto com toda a força da sua convicção contra doutrinas ião erroneas.

Sr. Presidente, ha meios conhecidos para chegar a fins certos e determinados. O credito é um meio indispensavel para se conseguirem os melhoramentos materiaes do Paiz; e eu intendo, para fallar uma lingoagem de mercado de fundos, que a prosperidade material de um Paiz não é operação que se possa effectuar na baixa. Quaesquer que sejam os bons desejos que se tenha, é uma verdade incontestavel que a prosperidade material de um Paiz não é operação que se-possa effectuar na baixa; é operação que não se póde effectuar senão na alta.

Agora Sr. Presidente occupando-me mais particularmente do nosso systema financeiro, e tractando de dirigir-me propriamente ao Sr. Ministro da Fazenda, porque é escusado declarar que quando estive combatendo certas theorias, de maneira nenhuma me dirigia ao Sr. Ministro da Fazenda, que era incapaz, de as sustentar, direi que por occasião de um paragrafo que appareceu no Discurso da Corôa, não posso deixar de examinar algumas das medidas em-;pregadas por S: Ex.ª, para conseguir fins, que a Commissão no seu Projecto de Resposta ao Discurso da Corôa intende que se devem ter em vista.

Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Fazenda, preocupado por um grande pensamento, o de realisar os melhoramentos de que o Paiz tanto carece, intendeu que a brevidade da sua realisação era uma condição que o tornava recommendavel perante o Paiz, e intendeu bem. Porém mais de uma vez os desejos de abbreviar o espaço, que nos separa do bem a que aspiramos, concorrem para que effectivamente appareça um mal, e ha mais alguma cousa, ha medidas profundamente elaboradas, profundamente pensadas, e que entretanto produzem, pelas circumstancias em que se acha o Paiz em que são publicadas, difficuldades, com que talvez se não contou, com que não se podia contar, mas que depois dellas apparecerem, é indispensavel toma-las na conta que merecem.! Eu não tracto de analysar miudamente o Decreto de 18 de Dezembro, o Decreto de 30 de Agosto, e ainda mais algumas outras medidas financeiras; mas é inquestionavel que o fim de todas estas medidas, ou opinião do Sr. Ministro da Fazenda, é conseguir os melhoramentos, a que se allude no Projecto de Resposta ao Discurso da Corôa; o Decreto de 30 de Agosto evidentemente tem isto em vista, e eu, sem discutir desde já esse Decreto, deixando-o no terreno em que elle deve estar, para poder chegar á conclusão que pretendo tirar, isto é, suppondo que o Decreto de 30 dê Agosto não atacou na verdade os interesses de nenhum estabelecimento, que pelos sacrificios que impunha, estabelecia compensações amplas, — sómente porque esse Decreto não se pode deixar de considerar como um acto que exorbita as attribuições ordinarias do Poder Executivo, claro está que se dava direito aos individuos interessados, para poderem reclamar contra compensações, que não julgassem sufficientes; e se o Decreto de 30 de Agosto tinha em vista, como eu intendo que tinha, conseguir um grande resultado, é claro que é necessario apreciar, se a opposição, que até póde ser muito injusta, e que depois appareceu, contraria ou não o pensamento desse Decreto. E se essa opposição contraria o pensamento do Decreto; se dessa opposição póde nascer a impossibilidade de execução das suas disposições, claro está que tendo havido os melhores desejos, o maior espirito de justiça, a melhor vontade de não offender interesses particulares, comtudo não se conseguiu o principal fim, que se tinha em vista.

O pensamento do Sr. Ministro da Fazenda, dando outra applicação ao Fundo de Amortisação, não leve em vista regular entre o Estado e o Banco a adopção dos melhores meios para se respeitarem os interesses particulares, sem offensa dos interesses do Estado, em quanto limitado á acção de pagar o que devia; não, Senhores; leve outro fim, um fim-mais elevado em relação ao Estado, um fim mais importante, leve

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nada menos do que o fim de fazer construir uma linha de caminho de ferro, que se chamou a linha do Norte. Se se puder demonstrar que o Decreto, da fórma que está, que as disposições desse Decreto, longe de favorecerem o estabelecimento desta linha, o prejudicam; se por acaso me não falhasse — como não falha a convicção — a clareza de idéas sufficiente para o demonstrar, tinha toda a certeza de que o Sr. Ministro da Fazenda seria o primeiro a declarar que o Decreto não preencheu o seu fim; e desde que uma medida não preencheu o seu fim, e acha ao mesmo tempo opposição seja de quem fôr, claro está que essa medida não é muito sustentavel.

O pensamento do illustre Ministro da Fazenda é um pensamento que se defende na presença das razões economicas abstrahindo-do direito de propriedade dos particulares. Ninguem, o póde negar; mas eu estou considerando este Decreto unicamente em attenção ao fim que elle devia ter em vista — o construir esta linha de ferro que una as duas capitaes do Reino.

Sr. Presidente, parece-me que este pensamento de levantar capitaes sobre a massa dos proprios nacionaes, falha desde o principio; porque effectivamente não se póde levantar — e eu acredito que os desejos do Sr.. ministro eram conseguir este fim — não se levanta uma somma necessaria, uma somma seria (permitta-se-me a expressão) para dar começo aos trabalhos de que se tractava; os bens nacionaes, — os proprios nacionaes, conservados como um rendimento, não como uma hypotheca, não preenchem o fim que se tinha em vista; mesmo, calculando que os 500 contos de réis que veem no Orçamento de 1053 a 1854 são um redito, que se ha de applicar para a construcção do caminho de ferro de Santarem ao Po.to, devemos reflectir que senão houvesse nenhum outro recurso, se esses 500 contos de réis fossem applicados para este fim, teriamos é verdade um caminho de ferro, no qual a distancia de Lisboa para o Porto estava reduzida a pouco mais de cinco horas, mas se não houvesse outro recurso, senão aquelle rendimento dos 500 contos, e isto era suppondo que a massa dos bens nacionaes era igual ao capital necessario para fazer o caminho de ferro, o que não é exacto, e o Sr. Ministro primeiro que ninguem, o re conhece nos seus Decretos, ainda assim ía-se ao Porto em cinco horas, mas depois de decorrerem 20 annos. Por conseguinte já se vê que esta base dos 500 contos annuaes, como rendimento, não póde servir; era necessaria a possibilidade de levantar capitaes sobre esse rendimento. O Sr. Ministro da Fazenda é uma pessoa bastante intelligente para não ler calculado, para não contar com isso; e já se vê a necessidade de recorrer ao credito publico immediatamente, para, por este meio levantar fundos; porque desenganemo-nos, Senhores, todos queremos caminhos de ferro; todos queremos facilidade de communicações, mas é preciso que eu diga afamara a minha opinião neste ponto, e é que — caminhos de ferro sem credito, ninguem os fez, ninguem os faz, ninguem até agora os soube fazer. (Apoiados)

E nem se diga n'um momento de enthusiasmo por uma instituição tão necessaria á civilisação actual que ha outro recurso; — e até ás vezes se falla no exercito; não o Sr. Ministro, mas já ouvi dizer u empreguemos brigadas na feitura do caminho de ferro. Pois é este o meio mais caro de fizer um caminho de ferro. Sr. Presidente, está escripto e com grande extensão ha uns poucos de annos que em nações adiantadissimas, que dispõem de grandes exercitos, a applicação desses exercitos ás obras publicas não produziu os resultados que se desejava; essas obras saíram muito mais caras do que se se tivesse empregado outro meio. Por conseguinte ainda assim se acaso empregassemos o exercito no caminho de ferro, tinhamos precisão de mais capitaes que nunca, e por conseguinte de mais credito.

Ora, Sr. Presidente, tanto é verdade que não póde ser um pensamento serio de um homem como o Sr. Ministro da Fazenda o recorrer ao producto dos proprios nacionaes, que pertenciam ao Fundo de amortição, como uma renda, para com essa renda fazer o caminho de ferro, tanto isto não podia ser um pensamento de homem serio como é o Sr. Ministro da Fazenda, que S. Ex. mesmo no Decreto subsequente tractou de converter o fundo de 2:400 contos pertencente ao Fundo de Amortisação em Bonds, note-se bem, para sobre elles levantar as sommas necessarias, para dar começo ao caminho de ferro de Santarem ao Porto. Não podia acontecer outra cousa.

Eu confesso que a obrigação de todos, não é só de amigo para amigo, a obrigação de um homem que entra em debates serios, é comprehender as idéas da pessoa a respeito das quaes está em divergencia, esta é a primeira necessidade de quem combate uma opinião qualquer; deve intender o seu adversario, e fazer-lhe justiça. Sr. Presidente, o illustre Ministro tanto reconheceu, nem podia deixar de reconhecer que não podia contar com esta somma, como um rendimento, como um redito annual para a feitura do caminho de ferro — redito que ainda que em si mesmo fosse sufficiente para a feitura, não o era pelo capital, porque esta somma não produz o capital necessario, mas tanto reconheceu isto que tencionou converter 2:1-00 contos de Inscripções em Bonds para sobre elles levantar uma somma para dar começo a este caminho. S. Ex. declarou ao mesmo tempo que não se podia lisonjear de levantar esta somma no Paiz — note a Camara. — E isto o que significa? Isto de levantar uma somma sobre 2:400 contos, somma que não podia ser senão a terça parte desse valor — que é propriamente a que corresponde esse redito, o valor dessas acções... E o que podia levantar nas praças estrangeiras o illustre ministro? Não podia levantar na praça de Londres mais do que a terça parte proximamente desse valor; e assim mesmo o illustre Ministro reconheceu que não podia levantar no Paiz, que era difficil nas más circumstancias economicas em que nos achamos. Mas é necessario que eu diga, e digo-o altamente, porque isto acredita o meu Paiz, e o credito do meu Paiz ha de influir para que os melhoramentos materiaes delle possam ter logar: ha capitaes sufficientes no Paiz para levantar aquelle fundo, e em maior escala. E preciso fazer saber isto, hei de dize-lo bem alto: — neste Paiz ha capitaes para muito mais do que para fornecerem a terça parte dos 2:400 contos de Inscripções. Se fosse citar exemplos, não fallam. Eu podia citar o Banco do Porto, que tem em cofre perto de 900 contos, e que não sabe que emprego lhes ha de dar; isto é um facto importante, que acredita o Paiz, que mostra que ha dinheiro, que ha recursos, que ha meios; e eu como Portuguez, que sou, hei de aproveitar todas as occasiões que puder, para mostrar que o meu Paiz não se

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acha em máo estado por falla de recursos póde haver um eclypse do credito, mas o credito lia de existir, ha de ser um astro quelha de brilhar pela força das circumstancias, e ha de dar calor a este Paiz.

Digo pois que o Sr. Ministro da Fazenda teve um pensamento serio, qual era o de realisar meios, e de realisar meios na importancia sufficiente para desde logo fazer face ás despezas, que occasionava este caminho de ferro, e intendeu que devia tractar de levantar estes meios em uma praça estrangeira; mas perguntarei ao Sr. Ministro, se elle não reconhece que este meio lhe falhou completamente; se não reconhece que neste ponto é impossivel proceder a unia nova evolução, que falhou esta operação, e que por ter falhado se comprometteram os meios de realisar este bello e grandioso pensamento? E não tractamos aqui de decidir quaes foram as causas pelas quaes é impossivel realisar este pensamento em uma praça estrangeira, como o illustre Ministro reconhece que é impossivel de realisar em o nosso Paiz — infelizmente uma declaração da Associação Commercial de Londres faz com que esta conversão não possa dar os effeitos que o illustre Ministro tinha em vista, estes novos titulos não podendo ser recebidos deixam de ter o necessario valor, e não. O tendo deixam de constituir uma hypotheca necessaria para se realisar a operação que o illustre Ministro tinha em vista Eis-aqui na minha opinião compromettido perfeitamente todo o pensamento do Decreto de 30 de Agosto. Por conseguinte não nos illudamos, vejamos as cousas como ellas são.

Eu não posso deixar de dizer por esta occasião — que não podiam deixar de se sentir os effeitos d'algumas outras medidas..

Sr. Presidente, quando a Companhia contractou com o Governo a feitura do caminho de ferro á fronteira, quiz realizar em Londres por meio da emissão de suas acções a parte do capital necessario para o começo de seus trabalhos, isto antes da publicação do Decreto de 18 de Dezembro de 1852; nessa occasião os nossos credores reclamaram e tem reclamado muitas vezes, reclamaram contra a emissão destas acções fundando.se, entre outras cousas em que havia alienação de hypotheca que já-eslava declarada, ou determinada para segurança do pagamento de seus juros; note-se bem, foi por este motivo que o Stock Exchange fez a sua declaração; mas repare-se bem. que foi antes da publicação do Decreto de 18 de Dezembro de 1852, que reclamaram dizendo, que havia uma alienação de hypotheca, uma subtracção de hypotheca. Porém eu intendo que os bonds-holders não tinham rasão para reclamar como reclamaram, e com o fundamento de que lançaram mão.

Não sei como elles podem — vêr num Decreto de 181-5, que lhe era applicavel como hypotheca para o pagamento de seus juros, uni rendimento, que foi creado em 184-8, para um fim determinado e especial (Apoiados). E como é que um rendimento creado para um fim especial pode ser considerado, ou mesmo applicado, como hypotheca para a segurança do pagamento dos juros áquelles credores?.. O que se seguia da doutrina estabelecida por estes nossos credores, era que todos os nossos rendimentos creados por uma especialidade qualquer — era logo reputado uma hypotheca para segurança do pagamento de seus juros! Se por acaso em Portugal houvesse uma calamidade qualquer, inundação, incendio, ou epediuria, e se acaso se creasse um imposto especial por causa destas calamidades, os bonds holders deviam reclamar, e, segundo elles, não havia remedio senão attender, por isso que esse imposto era creado posteriormente a 1845, e faz parte da hypotheca!! Isto e inteiramente inadmissivel. (Apoiados)

Ha ainda outra consideração. Os bonds-holders, na execução d'um caminho de ferro em Portugal, conhecem que ha para elles, mesmos uma grande vantagem — Ainda bem que o conhecem; ainda liem que conhecem que o melhoramento das nossas communicações é mais uma garantia para o pagamento de seus juros; e é por isso que eu creio firmemente que elles (nem outros) não tinham nenhuma rasão plausivel para se opporem á realisação d'um projecto tão vantajoso. Mas se eu intendo que elles não tem rasão no que fizeram, nem por isso deixo de julgar este acontecimento como um obstaculo á realisação daquillo que é melhor fazer, mas neste acontecimento deixa de haver menos força, que devia ter, porque desenganemo-nos é preciso ler rasão e justiça ao mesmo tempo. Quando se quer conseguir um fim, é preciso ver que obstaculos ha que se possam oppôr á realisação desse fim, que se tem em vista.

Na occasião em que se tractou deste objecto de caminhos de ferro, e dos meios para o levar á execução, não se attendeu a todos os obstaculos que provavelmente poderiam apparecer. — Eu intendo que á Companhia, de que se tracta, podia dar-se uma outra hypotheca, se fosse necessario, subsidiaria — Pois por acaso desde que se estabelecesse um caminho de ferro, e desde que as vantagens que elle podesse produzir fossem apreciadas praticamente, que inconveniente havia em que as localidades por onde passasse o caminho de ferro, contribuissem com uma certa somma que fosse necessaria para satisfazer á Companhia o bonus que lhe assegurou o Governo?.. Não se fez isto mesmo na nação visinha?... Alli as municipalidades responsabilisaram-se por certas quantias para pagamento das despezas dos caminhos de ferro; mas note-se que não é para pagar á empreza dos caminhos de ferro, independentemente desses caminhos passarem por essas municipalidades; e quando, passarem por diante das portas dos contribuintes. Que inconveniente haveria em proceder-se aqui de igual modo?.. Creio que nenhum.

Mas, Sr. Presidente, convem notar que os bonds-holders reclamaram em consequencia do Decreto de 3 de Dezembro de 1851, que lhe subtrahiu um semestre de juro; mas subsequentemente a esse Decreto appareceu um outro, o de 18 de Dezembro de 1852, que, na minha opinião, um dos grandes inconvenientes que teve, foi fazer lembrar Os sacrificios que anteriormente se tinham estabelecido. E aqui accrescentarei eu, o que dizia um Italiano esperto, Machiavel, — que o mal se deve fazer todo de uma vez, e que o bem se deve fazer aos poucos. —.Esta segunda parte da maxima e de um egoismo mesquinho, — o bem faz-se aos poucos — Mas a primeira parte da maxima é altamente verdadeira. — Estar a exigir successivamente sacrificios ás mesmas pessoas, e pelo mesmo motivo, é altamente inconveniente; avivar as impressões que anteriormente se tinham creado para impôr novos sacrificios, não é proceder convenientemente, é tornar muito peor as disposições anteriores; revelar um pensamento de que existe uma doença profunda, que este proposito de-repetir sacrificios eu —

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trará em todos os nossos planos futuros; as medidas explicam então o que apparentemente parecem significar.

Ora, Sr. Presidente, e nós que temos dicto tantas vezes que devemos adiar as idéas politicas adiantadas; que devemos ter juizo por causa do resto dá Europa; e neste ponto eu discordo um pouco, eu acho que nós devemos ler juizo e ser sensatos, esteja a Europa em que estado estiver; eu intendo, que tambem não é uma grande difficuldade, como se parece indicar, esta necessidade cruel de deixar as reformas politicas, porquê é indispensavel recorrer ás reformas materiaes Não intendo que isto seja uma grande abnegação. Eu intendo que nós devemos acceder ás reformas materiaes do paiz, porque precisamos dellas; mas se nós adiarmos as idéas politicas, só por que se diz — attender para a Europa — porque é que nós havemos de proclamar, e aqui desapparece um pouco o Sr. Ministro da Fazenda, porquê não é elle que tem proclamado essa doutrina; mas porque é que nós havemos de proclamar doutrinas, que tem sido altamente condemnadas na Europa, porquê póde dizer se que a Europa recuou mais diante das exaggerações economicas do que das politicas? Mas se a nossa situação politica em relação á Europa nos devia dictar que fossemos neste caso com toda a prudencia necessaria, eu intendo que a respeito das mesmas medidas economicas, a mesma prudencia se devia invocar; e neste ponto, peço licença ao Si. Ministro da Fazenda para dizer, que sobre assumpto desta importancia, um homem só é impossivel que possa deixar de assumir uma responsabilidade, com que não póde, e citarei um exemplo.

Em 1816 todos sabem que existia á testa da Administração um homem, para se conhecer a elevação do qual, basta lêr as collecções de documentos escriptos, que deixou', e pêlos quaes se apreciam não só os seus vastissimos conhecimentos, mas os sentimentos de Verdadeiro amor pelo bem do seu paiz.

Sr. Presidente, é que se fez em 1846 quando se tractou de adoptar medidas economicas? Nomeou-se. uma commissão de pessoas competentes, para tractar desso assumpo. Ora pergunto eu, transpirou no publico ode que se tractava nessa commissão? Houve no publico o mais leve rumor a esse respeito? Não, Senhor: esses homens reuniram-se; discutiram; e daí saíram as medidas economicas, sem que nenhum inconveniente resultasse da nomeação defesa commissão, porque nunca se experimentaram no publico os inconvenientes de estar commettida a diversas pessoas solução de uma grave situação economica. E se a medida adoptada em 1816 foi mais acceitavel! rio paiz do que as subsquentes, foi porque em 1816 saía-se de uma revolução, e quando se sáe de Uma revolução, há uma de-culpa, que são as circumstancial?, que essa revolução acarreta; infelizmente, ou felizmente como quizerem quando se sáe de uma revolução, ha desculpas que em outras circumstancias não tem logar, porque ninguem acredita que se faça uma revolução para tomar uma medida financeira e vantajosa aos interesses do paiz. Esta ausencia da premeditação, pelo menos, desarma Os rancores daquelles que b combatem.

Mas esta medida de 1846, adoptada por uma Administração presidida pelo Duque de Palmella, tinha seu favor o ter analogia com a tomada em 101? por Sir Rohert Peel Este Ministro em 181-2, attendendo a que havia absoluta necessidade de exigir uni grande sacrificio do paiz, porque o Orçamento nesse anno apresentava um deficit de nada menos de 4 milhões de libras estrelinas, estabeleceu o imposto de income-taxe pelo qual se estabeleceu desconto nos juros da divida, é nos funccionarios do Estado, Isto é, está medida leve um caracter de generalidade.

Ora já se vê que a medida de 1846, que cortou 20 por cento em todos os vencimentos dos servidores do Estado, tinha a seu favor tambem a consideração de ser uma medida geral, e não particular, o que é uma grande vantagem, porque lhe tira o odioso que sempre trazem comsigo medidas desta natureza-quando são applicadas a uma só classe. Mas o que aconteceu em 1846? Tractou-se sómente de impôr duas decimas aos funccionarios publicos, e á divida estrangeira? Não, Senhor; tornou-se uma medida que trouxe grandes difficuldades depois, que produziu grandes queixas, por causa do grande numero de demandas a que deu logar; fallo da Lei dos Foraes; mas foi uma medida de receita, e como tal adoptada.

Digo pois que para salvar a justiça dos credores estrangeiros havia esta desculpa a dar; não porque eu Hão intenda que esses credores não são justos na apreciação dessas circumstancias'; não porque eu não tenha visto, que a boa causa delles estava, não na rudeza com que se queixavam; não porque eu não tenha visto que nações muito maiores do que a nossa tinham por muito tempo deixado de pagar os juros das suas dividas; mas porque assim se lhes tirava de todo o pretexto de queixa.

Ora, Sr. Presidente, eu vejo que as medidas dó Sr. Ministro da Fazenda podiam ainda ler uma grande desculpa, se se reduzissem só a acabar com o deficit. Se nós dissessemos aos nossos credores estrangeiros — nós não queremos deixar de pagar, e para esse fim é que temos imposto toda esta qualidade de sacrificios, e nós tirámos 30 por cento nos vencimentos dos funccionarios publicos; era isto uma grande verdade, e ninguem dirá que os nossos ordenados são exorbitantes, e que não seja isto um grande encargo, que pésa sobre esta classe: por consequencia, digo eu, se esta medida trouxesse comsigo unicamente a organisação financeira, nós devemos muito; é verdade, mas nós temos tido muitas guerras civis, sem culpa nossa; temos tido toda a sorte de desgraça, e podemos dizer que não somos devedores de má fé; temos pago mais do que outras nações; temos feito aquillo que humanamente temos podido, para mostrar a nossa boa fé, e o desejo de satisfazermos o que devemos. Mas não é assim, a questão não é simples; a questão é complicada, nós não fizemos isto, para pagarmos segundo a possibilidade dos nossos recursos: nós queremos caminhos de ferro.

Ora, Sr. Presidente, caminhos de ferro, sem credito, ninguem os faz; e querer merecer confiança, quando tractamos de impôr encargos, é impossivel. Na occasião em que declaramos, que não podemos pagar uma leira, queremos acceitar novas letras! -Teremos razões para dizer que os nossos recursos de momento não são sufficientes, para satisfazer os encargos que contraímos, mas pedir ao mesmo tempo que nos dêem novos meios, é, pelo menos, escolher má occasião; ainda que o interesse dos nossos credores Seria emprestarem-nos esses meios, para com elles adquirirmos os melhoramentos de que carecemos, e

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que nos habilitariam a pagar.com exactidão o que lhes devemos.,.

Nestas circumstancias já vê a Camara que eu vejo as questões como ellas são. Eu conheço mesmo que talvez seja necessario fazer mais algum sacrificio; tornar ainda mais doloroso o presente para se conseguir um futuro mais lisongeiro; e em todo o caso intendo que, sem compromettimento, da parte do Governos se fosse possivel deixar de insistir em certas disposições, e vir a um accordo com os diversos credores, isso seria muito, conveniente ás proprias, vistas do Governo.

A Camara sabe que estas medidas foram tomadas extralegalmente; e eu intendo que o Governo tem precisão de não ceder diante de um estabelecimento monetario, mas intendo tambem que o Governo diante do Parlamento póde modificar os, seus planos, sem daí lhe vir dezaire algum. Digo eu pois, se fosse possivel; se se podesse adoptar algum novo plano, vindo a algum accôrdo com os nossos credores, eu via nisso um principio de organisação financeira, Por exemplo, quanto ao Banco: as acções deste estabelecimento subindo de valor, daria em resultado subirem tambem os outros papeis de credito, e este movimento de alta era favoravel ao plano do Sr. Ministro da Fazenda.. Por outro lado estou convencido de que logo que lá fóra conste que o Banco de Portugal assignou com um numero sufficiente de acções para o caminho de ferro, fôra esse o meio mãi» efficaz para a actual companhia contractante poder emittir as. suas acções.. Colloque-se o Governo era boa posição, assigne o Banco com um numero grande de acções para essa grande empreza; conste isso lá fóra, e eu estou certo de que a companhia ha de poder mais facilmente achar quem lhe acceite as suas acções, porque, sejamos francos, a actual companhia está hoje em má posição, porque acha no mercado prevenções, talvez arradas, mas que existem.

Sr. Presidente, um dos homens que existe hoje no Ministerio, o Sr. Ministro do Reino tem dito, muitas vezes — Enganei-me — Peço ao nobre Ministro da Fazenda que aprenda esse rifão do seu Collega. Porque não havemos de enganar-mos? Que direito temos nós para dizer que não nos enganamos nunca, em todas as medidas que queremos levar a execução? Pois tinha-se enganado. Sir Robert Peel, quando em 1814 declarava — eu quero a liberdade do commercio — estas doutrinas é que são as boas, até aqui estive enganado. Tette, Sir Robert Peel, a cuja intelligencia elevada ninguem deixa de prestar homenagem, o direito de enganar-se, e nenhum de nós ha de enganar-se? Pois quando o chefe de um partido -illustre, cheio de entidades importantes e que tem hoje á sua testa o Conde Derby, e que tem homens tão eminentes como Mr. Jerasli declara, affastando-se dos principios economicos em que tinha estado toda a sua vida, elle, que foi o que defendeu sempre a protecção, declarava abandonamos a protecção, não queremos mais protecção; até aqui vivia enganado. — Quando eu vejo Mr. D',Jerasli, que eu ouvi encher dos seus sarcarmos a Sr. Robert Peel, porque dizia que queria abandonar os seus principios; a Administração dos Torys esquece estes sarcasmos - (alguns delles-eram brutaes) por ler sacrificado as -suas opiniões oppostas<á liberdade.de commercio, e este homem vai á Camara e diz — Estou vencido, a liberdade do commercio e não a protecção é que tem produzido os melhores resultados para este paiz! — Quando este homem que todos consideram como uma reputação das mais brilhantes, declara que modificou as suas opiniões por ter estado enganado, não queremos nós ler o direito de enganar nos? Pois os factos não valerão alguma cousa? Pois quando se diz que houve injustiças de toda a casta por se appreciarem mal as medidas que se propuzeram, será-isto argumento bastante para dizer que nos não enganamos?

Peço a Camara que accredite que neste calor que tomo não tenho o menor sentimento de hostilidade nem contra as pessoas nem contra as cousas, mas este calor procede da força de convicção com que entro nesta materia.

Quando pois nós somos calumniados, por se vêr nas medidas que propuzemos uma intelligencia, que muitas vezes não teem, nós devemos retirar essas medidas, para que a calumnia cesse. E preciso vêr até que ponto as calumnias, quando o são, nos impossibilitam de ir por diante, com essas medidas. Eis-aqui porque eu faço estas reflexões. Quando se quer que tenhamos caminhos de ferro, e que nos falham os meios com que contavamos, para os levar a effeito, empreguemos outros meios; não sigamos até ao ultimo extremo o nosso parecer; mudemos de systema. A politica e a conveniencia devem dirigir todas estas questões em que nos achamos envolvidos. Esta é que é a verdade. Isto serve para quem intende e para quem sente as verdadeiras necessidades do paiz. Que nos imporia que os nossos adversarios clamem que calculamos mal o alcance e importancia das nossas medidas? O que havemos de fazer é em pregarmos os meios que os outros reputaram melhores para chegar ao resultado que tinhamos em vista.

Sr. Presidente, eu quero o caminho de ferro, e folgo muito de vêr manifestado neste Projecto de Resposta em certa preferencia pelos caminhos de ferro de Leste. Neste ponto assim como todos os mais são dignos de respeito os sentimentos e caracter elevado dos illustres Membros da Commissão que o redigiram.

Sr. Presidente, mas se nós não podemos principiar simultaneamente dois caminhos de ferro, principiemos, um só, e talvez seja mais uma garantia de firmeza ás, Companhias lá fóra o dizer-se — Portugal não tracta senão de um caminho de ferro; talvez seja o meio melhor para apparecerem mais subscriptores para essa empreza. E eu porque desejo a realisação deste plano, é por isso que, devo fazer justiça a todos os Srs. Ministros pelo zêlo, dedicação e actividade com que se tem consagrado á execução deste pensamento. Mas,eu peço ao nobre Ministro, que mais particularmente se em occupado deste assumpto que attenda ás consequencias da falta de credito. S. Ex.ª sabe muito bem que é necessario credito primeiro que tudo, porque sem credito mão se pode fazer cousa alguma. Já houve um tempo em que o trabalho, por ser escravo, empregava-se em obras grandiosas, mas esse tempo passou; houve um tempo em que os Monarchas enthezouravam o dinheiro para apparecer em uma circumstancia de urgencia do Estado. — Mas hoje governa-se com as circumstancias accommodadas á época em que vivemos. O credito é o encarregado de fazer face as eventualidades de uma nação. Todos os nossos disvelos, toda a nossa sollicitude, e todos os nossos esforços devem ser empregados em desinvolver a acção dos capitaes

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por meio do creaito. Os capitaes não servem, se por acaso não trabalhamos para influir nelles o credito publico.

Eu, Sr. Presidente, não analyso todo o Projecto em relação a todos os Actos da Dictadura que tractarei mais detidamente, quando nos occuparmos da sua discussão sobre cada um delles. Mas fallarei de um ponto muito importante sobre que nada diz o Projecto de Resposta. A tranquillidade publica é um dos elementos mais importantes; e todos sabem que a prosperidade das nações está na razão directa da tranquillidade publica; e por este lado eu felicito-me com o Governo, por ter sabido conservar a tranquillidade publica.

Não digo cousa alguma sobre outros Projectos da Dictadura, não só porque virá occasião mais propria para elles serem tractados; mas tambem porque alguns delles já estão modificados pelas circumstancias. Entretanto farei ainda algumas reflexões sobre uma das medidas do (inverno.

Sr. Presidente, eu tambem quero a baixa do juro natural, e isto é um ponto importante desta questão Uma das medidas adoptadas pelo Governo estabelece a baixa do juro, mas na realidade quanto ao juro o Governo não diminuiu juro. O juro de 4 por cento não foi realmente diminuido, porque pelo desconto já estava reduzido, e por consequencia, a diminuição não foi nos juros, foi no capital. Mas uma das medidas adoptadas pelo Sr. Ministro da Fazenda diz que reduziu os juros, e já ouvi dizer que ainda se deviam reduzir muito mais.

Eu, Sr. Presidente, não tenho querido discutir detalhadamente cada um dos Projectos, ou cada uma das diversas medidas financeiras do Governo: não quiz tractar a questão do Decreto de 30 de Agosto senão com relação ao caminho de ferro, e o de 18 de Dezembro com relação ás circumstancias em que se collocou o mercado estrangeiro para se levantarem fundos; e se acaso, Sr. Presidente, o Governo julga que a reducção dos juros suppre certas condições, e que é um meio efficaz para poder levantar fundos, eu digo que não é exacto. A reducção dos juros póde fazer-se pela necessidade em que se acha um Estado, e não significa nada para os capitaes se tornarem mais baratos, quando é feita violentamente, o que por fim a ninguem aproveita. Já disse em outra occasião que os capitaes Unham muito juizo, e que elles sabiam subtrair-se a essas medidas que se adoptam, porque elles zombam de todas as medidas violentas, e neste Paiz onde temos um curso legal, nas aulas publicas, se ensina o meio de se illudir a Lei no ponto commercial, de certo se ha de reconhecer que a medida do Governo reduzindo os juros da divida fundada, em nada influio para a reducção dos juros entre as transacções commerciaes e industriaes; e pelo contrario, o que acontece com estas medidas é os capitaes tornarem-se mais remissos e exigentes: a força das cousas triunfa das disposições arbitrarias que se estabelecem. A idéa da reducção dos juros da divida sem a circumstancia de ter sido acceita pelos juristas não importa a reducção do juro, importa o contrario, porque quanto mais pequeno é o Paiz, mais accôrdo póde haver, e mais solidariamente apparece nos capitaes.

E permitta-me v. Ex. que eu combata um perigoso sofisma que conheço tem grande alcance neste Paiz. Tem-se querido inculcar que as medidas do,

Governo não affectam senão a Capital e o Porto, e que o resto do Paiz á excepção destas duas Cidades, não soffre.com ellas..

Sofisma, Sr. Presidente, e grande sofisma! Todas as medidas que affectarem os capitaes nos pontos em que elles se acham reunidos, hão de affectar todo o Paiz, embora elle o não sinta logo. Pois pergunto eu: um terramoto que destruisse Lisboa, não sairiam os seus males dos limites das portas municipaes? E não traria isto uma grande desvantagem para o Paiz? Mas diz-se: criem-se Bancos ruraes! Então perguntarei eu, pois se querem estabelecer Bancos ruraes nas Provincias, por ellas não lerem dinheiro, donde é que ha de saír o dinheiro para se crearem estes Estabelecimentos? Ha de necessariamente saír de Lisboa e do Porto, mas estas duas Cidades não o podem dar, se houverem medidas que affectem os capitaes destas duas localidades. Não me envergonharia de ser contradictorio sucessivamente, mas envergonhar-me-ía se fosse contradictorio simultaneamente, porque então duvidava um pouco de mim; e note bem o Sr. Ministro da Fazenda, que não é a S. Ex.ª a quem me refiro, é a uma escola que approva alguns dos seus actos, e reprova outros. Por exemplo, a diminuição da area da Alfandega das Sete Cazas: S. Ex. não diminuiu, o direito sobre o vinho, e eu tinha combalido nesta Camara essa reducção: eu sou homem, não do Governo, mas sim, de Governo..

Querem-se melhoramentos materiaes; quer-se o fomento da nossa industria; desejam-se emprezas de toda a ordem e quer-se a creação de Bancos ruraes, e isto quando se diz que é indifferente aos capitaes a promulgação de certas medidas financeiras! Se se querem melhoramentos para o Paiz, deve-se promover a estabilidade e economia destas duas cidades, procurando induzir aos capitaes nellas existentes, e incutindo-lhes a necessaria confiança para se atreverem a saír da ociosidade em que se acham, e do receio de que se acham possuidos. Cuidais vós por exemplo, que estas Companhias, estes Estabelecimentos se levantam uns, quando morrem outro? Cuidais que destruindo hoje um Banco, levantais amanhã um outro? Não cuideis que a acção do Governo se substitue completamente pela acção de um individuo. Não cuideis que o Governo ha de ir a nossa casa ensinar nos todos os nossos misteres, e que ha de ir dar-nos lições de tudo o que diz respeito aos nossos interesses! Os melhoramentos materiaes não podem ser executados, senão por meio de grandes emprezas, e o Governo tem feito muito, quando fizer manter a Lei, a ordem, a justiça e a tranquillidade publica: quando fizer justiça prompta ao Paiz, o Governo tem feito muito. Não exijais mais do que elle póde dar.

Cuidais vós que esses grandes melhoramentos da França, essas grandes Emprezas, que ultimamente se tem formado, foram levadas a effeito por meio de Companhias que se formarem no meio da desconfiança, ou de uma dissolução social que assustou todas as associações tanto economicas como politicas? Cuidais vós que se estabelecem as docas, ás Companhias de credito, e as de ferro porque se dotou um Banco, ou por que morreu um Banco? Não, Senhor. Formaram-se estas Companhias porque as acções do Banco, cujo capital era de mil francos, valiam tres mil francos, no mercado. Não exijais dos

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capitaes a abnegação e virtude heroica! Não. lhes queirais dar credito á força? Deixai-os tomar quanto poderem a sua direcção natural Não os coejais, não lhes prendais nenhum dos seus effeitos! Ilustrai-os, que elles requererão o verdadeiro caminho, recommendai-lhes o que se faz nos outros paizes, mas não os violenteis! Convencei-os pela força da razão, e não pela força do poder! Mostrai-lhes onde estão os seus interesses, mas não os maltrateis! Sr. Presidente, se estas doutrinas são más, eu lisongeio-me de ler em minha companhia Publicistas distinctos, e Auctoridades respeitaveis. Sejamos coherentes, vejamos o fim a que nos dirigimos; pois se o Governo não póde pagar 3 por cento, como e que promette 7 por cento? Quando alguem diz que o Governo não póde pagar o juro, mesmo redusido, é este o momento proprio para se prometterem 6 por cento de juro e mais 1 para amortisação? Isto tem o inconveniente de pôr uma promessa em um sentido, junto a uma realidade no sentido opposto!

É preciso pois confessar que infelizmente ha difficuldades para se fazer o caminho de ferro: mas hão de attribuir-se todas essas difficuldades a intrigas e a interesses illegitimos? A intriga póde muito, mas de certo não se lhe póde dar tamanha importancia, que por si só torne invenciveis essas difficuldades dos melhoramentos materiaes; e o seu desejo e que se não augmentem essas difficuldades.

Sr. Presidente, quando Suas Magestades foram fazer uma digressão pelas provincias do Norte, na qual reconheceram pessoalmente o amor que lhes consagram os Portuguezes, puderam ter occasião de retribuir essa affeição obtendo Sua Magestade El Rei, do Banco do Porto, creio eu, a votação da somma necessaria para se fazer a estrada de Lisboa ao Porto, o que prova mais uma vez a sollicitude das Pessoas Reaes pelos verdadeiros interesses do paiz; e demonstra que os capitaes entre nós são verdadeiramente monarchicos, o que vincula nesta terra a este regimen toda a possibilidade de futuros melhoramentos. Prova tambem isto o que já asseverei que dentro do paiz ha meios para levar por diante obras desta natureza; e o que é necessario é tractar os capitaes com bom modo, e com affagos, e não espanta-los, incluindo-lhes medo, que os faz esconder, e pôr em estado de amuo. Cumpre-me declarar que não faço o panegyrico dos Capitalistas; que não lhes peço nem lhes devo favores; mas respeito os capitaes, pelos serviços, que só elles podem e devem prestar ao desenvolvimento da producção de um paiz; e curvo-me diante dos capitaes, por que reconheço a sua utilidade; nesta disposição eu não posso deixar de ser de opinião que tudo quanto pudermos fazer a bem do nosso paiz, o façamos.

Sr. Presidente, eu bem sei que se o Governo quizer dar cabo do Banco n'um instante, não tem grande difficuldade para isso; mas eu que conheço o caracter do Governo, digo que o não fará, mesmo porque havia de ser julgado rigorosamente. Se quizesse fechar as porias do Banco, nada e mais facil do que mandar fecha-las, e levar as chaves para casa; mas este procedimento era uma violencia, cujas fataes consequencias por muito tempo se experimentariam; e succederia o que succedeu na idade media: todos sabem as violencias que se practicaram no tempo do feudalismo contra os detentores de fundos, mas pagou.se bem caro essas, violencias.

Sr. Presidente, eu intendo que o Governo andaria mais conveniente, é sem quebra da sua dignidade, se modificasse alguma das suas medidas, no que não havia desaire algum, por que essa modificação era feita no Parlamento, e não entre duas Potencias que se podessem considerar como rivaes.

Vou concluir e peço perdão á Camara, se por acaso, no meu discurso, offendesse quem quer que fosse; e se o fiz, foi involuntariamente; porque, Sr. Presidente, eu considerar-me-hia ornais infeliz de todos os homens, se tivesse compromettido a evidencia das minhas idéas com a impropriedade da minha enunciação; se acaso me excedi, agradeço a v. Ex. o não me ter advertido como podia; e a Camara o ter-me ouvido com uma benevolencia que eu sou o primeiro a reconhecer que só como favor podia merecer.

O Sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Sr. Presidente, eu preciso e peço toda a benevolencia da Camara, porque depois do brilhante e erudito discurso do meu nobre amigo o Sr. Carlos Bento, é summamente difficil e desagradavel a minha ‘situação; estou — debaixo de imputações tremendas, e de uma responsabilidade, que eu por certo não desconheci nunca, e de que espero dar conta a esta Camara, e ao meu paiz; mas que nem por isso me torna mais suave a situação em que me acho actualmente. Eu reconheço o talento e sagacidade do nobre Deputado; ninguem lhe faz mais justiça do que eu, que sou seu antigo amigo, e que tenho combatido com elle nas mesmas posições por muitas vezes.

Sei quanto elle é habil em aproveitar os recursos que lhe dá o seu talento, para collocar-se n'um terreno apparentemente vantajoso contra os seus adversarios politicos. Foi com este-intento que o Sr. Deputado seguiu e adoptou uma grande idéa, idéa que não póde ser repudiada dos bancos dos Ministros, nem das cadeiras dos Srs. Deputados, que é a idéa do Credito publico! Entrincheirou-se na necessidade da manutenção do Credito publico, idéa que é grande, nobre, e necessaria, e foi atacar o Governo, como se elle pertendesse destruir o Credito, á custa das verdadeiras theorias economicas, que nenhum de nós desconhece!

Sr. Presidente, eu não sei qual é a escola que exerce uma certa pressão sobre o Governo; não sei quaes são os representantes dessas escólas dentro, nem fóra do paiz: para mim a escola em materia de finanças que tenho seguido, é aquella que tenho lido, que tenho visto recommendar pelos distinctos Economistas, é aquella que me tem aconselhado os meus poucos recursos intellectuaes, e os meus fracos talentos: as medidas tomadas pelo Governo parlem só delle, da sua consciencia, e da sua cabeça, não são influídas por ninguem; e o Governo seria indigno de occupar estas cadeiras, se se prestasse a influencias estranhas para adoptar medidas que fossem adversas ao seu paiz, e que não estivessem de accordo com a sua consciencia. (Apoiados) Não sei se o nobre Deputado se refere á escola antiga, esta que tem sido empregada por Homens de Estado, que tem exercido os logares de Ministros ha muitos annos neste paiz. Ninguem primeiro dogue eu faz justiça aos distinctos Caracteres, que se tem aqui sentado; mas nem todos temos obrigação de ver as cousas da mesma maneira, nem-Iodas as circumstancias

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se prestam ás mesmas operações, e ás mesmas pro violencias. Seria absurdo pertender que o mesmo Ministro com as mesmas idéas economicas obrasse da mesma maneira em circumstancias diversas. Talvez que se eu tivesse tido a honra de me sentar nestes logares, quando se sentaram alguns dos meus nobres antecessores, tivesse feito tanto Como elles, menos, ou peior não quero dizer que elles fizeram peior, mas menos bem. Porem sendo chamado a este logar em circumstancias excepcionaes, e achando difficuldades, que só se pódem apresentar nas angustias do Gabinete, o Governo intendeu que devia seguir os dictames da sua consciencia, sem offender os principios economicos que são reconhecidos em todos os paizes, e em todos os tempos, pelo menos no tempo moderno, tomando as medidas que a situação reclamava imperiosamente.

Eu tambem respeito os capitaes e não sou capitalista; tambem quero que se tirem dos capitaes todos os proveitos que se devem tirar para o desenvolvimento de todas as industrias, do paiz, e organisação definitiva das Suas finanças. Mas, Sr. Presidente, não levo o meu enthusiasmo tão longe como o illustre Deputado; não sacrifico ao idolo; quero que os capitaes reconheçam os deveres que lhes impõe o estado da sociedade, em que se acham, e que auxiliem não só os Governos destes ou daquelles homens, mas os desenvolvimentos materiaes do paiz, de todas as industrias, e o augmento da prosperidade publica. Se os capitaes desconhecem estas tendencias de ordem e de beneficio; se os capitaes se apartam das estradas que não lhes convem seguir; não ha de ser o Governo que ha de ir atraz delles, que os ha de seguir em todos os seus desvarios, e que os ha de seguir em todas as suas más tendencias. (Apoiados) Não ha de ser o Governo que ha de ir curvar a cabeça diante do imperio dos capitaes, que não é reconhecido em parte alguma, se não quando elles se empregam a bem da causa publica, e dos interesses da sociedade.

Sr. Presidente, disse-se que é erronea a idéa de que algumas medidas do Governo não influem fóra das Cidade de Lisboa e Porto. Esle principio não é absolutamente, mas é muitas vezes verdadeiro. O nobre Deputado que deseja que o Governo preste a devida consideração ao imperio dos capitaes, vê nelles, e vê bem, porque faço justiça ao seu talento, O á sua intelligencia, um grande elemento de prosperidade publica; mas esses capitaes a que o illustre Deputado alludiu, prestam o devido auxilio aos nossos melhoramentos? Por exemplo, o Banco, entre nós, tem elle prestado os serviços que lhes eram reclamados imperiosamente pelas circumstancias, em que se achava o paiz? Tem estes capitaes sido, para este paiz, fecundo ás diversas industrias; têm posto alguns meios para remediar quaesquer desarranjos ou prejuizos de que as provincias se ressentem, e de que a usura se aproveita avidamente? Onde, Sr. Presidente, em qualquer dos angulos do reino se tem manifestado a influencia benefica desses capitaes? O que apparece é a usura desgrenhada, absorvendo todos os meios, aproveitando-se do producto do suor dos cultivadores, sem prestar absolutamente nenhuns dos recursos que tinha imperiosa obrigação de prestar'. (Apoiados) E póde sentir-se pelas provincias do reino a falta dessa influencia benefica? Onde está ella? Neste caso, muitas medidas que se tomam a respeito de sertos Estabelecimentos, não passam além das portas da Capital. (Apoiados)

Tambem eu digo, Sr. Presidente, que não desconheço tanto as obrigações a meu cargo, que não saiba qual é proveito immenso que resulta da reducção de juro; mas a reducção que o Governo fez nos juros, deve ser encarada debaixo de outro ponto de vista; essa reducção teve outros motivos e outras causas. Seria absurdo persuadir-me que a reducção nos juros da divida fundada tornava mais facil o desenvolvimento das industrias do paiz; mas o que é necessario reduzir é o juro dos capitaes; e não me tenho esquecido disso. Mas pergunto eu: o que é necessario para a reducção dos juros dos capitaes? Na minha opinião a primeira cousa indispensavel para isso se conseguir é a organisação da Fazenda. Em quanto esta não existir, é impossivel essa reducção de juros, porque os capitaes são absorvidos constantemente nas operações que o Thesouro é obrigado a fazer, e que lhes dá um lucro muito superior ao que elles podem ir procurar lá fóra no desenvolvimento dessas industrias. Está presente o Sr. Avila, que foi Ministro, e a quem presto o tributo de respeito que me merecem as suas qualidades, a quem eu ouvi dizer muitas vezes, que a primeira necessidade do paiz era acabar com o deficit; que o deficit era o peor de tolos os impostos e o mal que mais temivelmente concorria para aggravar o estado das nossas circumstancias. (O Sr. Avila: — Apoiado) Pois se isto é assim, como eu reconheço que é, póde accusar-se o Governo, porque empregou os meios que póde, para acabar com esse mal? Póde sim combater-se o Governo, dizendo que não empregou meios mais fortes, mas accusa-lo de ler empregado os que empregou, para. acabar com esse cancro, com o qual não póde haver organisação de Fazenda Publica, parecia-me que seria uma cousa que pelo menos devia ser desculpada da parte do Governo. (Apoiados)

Eu, Sr. Presidente, na situação em que me acho, não posso prever qual é o ponto de ataque dos illustres Deputados, estou collocado n'uma posição desvantajosa, e não posso neste caso senão seguir, quanto possivel, o discurso do meu illustre amigo e adversario nesta questão, e procurar responder, quanto o permittirem as minhas debeis forças, aos seus aliaz seductores argumentos; porque são seductores, e eu sou ò primeiro a confessa-lo.

Disse o illustre Deputado, que o Governo, que eu particularmente, porque neste ponto dirigiu se especialmente á minha pessoa, disse que eu devia confessar que me tinha enganado; que o erro tem acompanhado muitas vezes os grandes homens, e por isso não admirava que eu, que sou pequeno, me enganasse tambem, e que devia até seguir o rifão do Sr. ministro do Reino. Ora eu não sei que o Sr. ministro do Reino tenha como rifão o enganar-se, creio mesmo que o Sr. Ministro do Reino ha de protestar contra isso. (O Sr. Carlos Bento: — Tem-se enganado mais) Não admira, porque tem vivido mais; ainda que não é isso effeito da idade; eu tenho conhecido velhos que se tem enganado muito, o moços que se tem enganado pouco, e as avessas.

Sr. Presidente, eu enganei-me! Confesso solemnemente diante de v. Ex. da Camara, e do meu paiz que me enganei; mas não no sentido que indica o illustre Deputado. Não me persuadi nunca que o Decreto de 30 de Agosto podesse deixar de produzir as

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consequencias que ou desejava; enganei-me, porque não esperava encontrar n'uma corporação respeitavel deste Paiz uma resistencia mais que tenaz..: não sei como a qualifique. (Apoiados) Não esperava por certo que o Banco de Portugal não tivesse comprehendido a sua missão, e a opportunidade das circumstancias que o Governo lhe offerecia, para se collocar decididamente ao seu lado, e pôr-se a frente dos melhoramentos materiaes, reclamados pelo Paiz. Se aquelle Estabelecimento tivesse comprehendido melhor os seus interesses se eu me não tivesse enganado em suppôr que alli devia dominar mais a cabeça do que o coração, de certo que o Decreto de 30 de Agosto havia de ler produzido os fructos naturaes que o Governo esperava: mas não aconteceu assim, O Governo chamou o Banco. É preciso applicar tudo; estamos chegados ao momento solemne; o Governo está debaixo de uma responsabilidade tremenda, e tem absoluta necessidade de se explicar o justificar diante do Paiz. lin tenho deixado pairar sobre mim incolumes calumnias de toda a sorte; tenho sido accusado, assim como os meus Collegas do Gabinete, de que somos contrarios ao Systema parlamentar; e eu ambicionava o momento da reunião do Parlamento para elle. me julgar; quero ser julgado com toda a severidade; quero e espero que o hei de ser imparcialmente por esta Camara. O Governo está forte na sua consciencia; está muito seguro della; não leme apresentar-se diante da Camara e do Paiz a dar-lhes conta dos seus actos, e do seu procedimento; está prompto para responder por todos elles; e espero, á vista da sua defeza, bem merecer do Paiz. (Muitos apoiados),

O Decreto de 30 de Agosto era concebido para um grande fim; e se os meios não são approvados pelo illustre Deputado, ao menos seja desculpado o fim que o Governo com elle tinha em vista.

O illustre Deputado contenta-se com um caminho de ferro; a mim custa-mo a contentar com dois; tenho pena de não poder cortar o meu Paiz devias de communicação desta natureza Desgraçadamente esse desenvolvimento e para nós uma utopia. O Governo comprehendeu a necessidade que havia de dar um grande desenvolvimento ás vias de communicação. O Governo intendeu que nas circumstancias em que estava a Europa, no desenvolvimento que tinham tomado estes meios de communicação em quasi todos os paizes, nos não deviamos limitar a fazer estradas ordinarias, que nos deixavam muito atraz de outros povos, onde o estado de celeridade em viação publica se tem tornado muito mais adiantado do que entre nós, e por isso, procurando reduzir as despezas publicas por todos os modos que era possivel, intendeu que devia ao mesmo passo fomentar a riqueza nacional, habilitando assim mais tarde o Thesouro com meios, que eram indispensaveis para outros grandes melhoramentos. Procurou pois seguir o exemplo de outras nações proporcionando os meios para estabelecer vias ferreas — uma que ligasse este, Paiz com o reino visinho, pondo-nos assim em contacto com o resto da Europa — a outra que estreitasse os vinculos de parentesco, por assim dizer, no Paiz — parecia ao Governo um grande beneficio financeiro para o Thesouro, e para o mesmo Paiz. Por consequencia o Decreto de 30 de Agosto tinha por fim, não habilitar o Governo para com os meios que elle fornecia immediatamente fazer aquella linha ferrea, mas habilitar o Governo a poder contractar vantajosamente. Eu penso que o illustre Deputado não me faz a injustiça de suppôr que o Governo se persuadia, que com 500 contos de reis, por exemplo, que com aquelle rendimento do Fundo de Amortisação (depois de deduzidos Os encargos que o Decreto trazia comsigo ao Thesouro) havia o Governo de ír empreender a feitura do caminho de ferro. Isso era um absurdo de uma ordem muito grande, para que o illustre Deputado, que é meu amigo, m'o attribuisse. Mas o Governo acabava de contractar havia pouco a construcção do caminho de ferro chamado de Leste; quero dizer, tinha feito a concessão provisoria, que é o que podia fazer naquella época. O caminho de ferro de Leste é reputado por todos não só um grande elemento de riqueza para este Paiz, mas tambem um dos melhores empregos de capitaes, que póde existir actualmente na Europa; não ha muito que li isto em uma obra curiosissima ingleza, que não é suspeita, e que até, no seu poetico enthusiasmo, chega a dizer que em poucos annos, feito aquelle caminho, sómente rivalisará com Lisboa a cidade de Londres Isto diz uma obra ingleza, uma obra curiosa (que o Sr. Deputado de certo conhece) sobre caminhos de ferro na Europa ultimamente.

Ainda mais, Sr. Presidente, eu não tomo esta especie de fanfarronada que nos attribue o Escriptor Inglez no ponto em que elle dizia; não supponho que Lisboa rivalisaria com Londres, mas supponho que Lisboa ganhava extraordinariamente na sua importancia desde que este caminho de ferro se estabelecesse. (Apoiados) Dizia elle tambem nessa occasião que era esta tinha o melhor emprego de capitaes que se conhecia então. Os estrangeiros, Sr. Presidente, fazem por vezes mais justiça ao Governo que os nacionaes, e é bem facil de perceber a razão: as sympathias e as antipathias praticas que entre n.is nos fazem ver de diversa maneira os mesmos objectos, não existem lá por fóra; e é natural que o estrangeiro, que é justo e que é imparcial pelas suas circumstancias, veja de uma maneira mais exacta as nossas cousas do que aquelles que estão dentro do Paiz; estes estão mais perto dellas, é verdade, comtudo são influido» pelo prisma das suas paixões, atravez do qual veem sempre deturpados os pensamentos do Governo, e as suas obras.

Um illustre Deputado, que muito lido, e não lhe faço nisto elogio, não faço senão repetir o que todos sabem, terá visto que ainda ha pouco a Revista dos Dois Mundos — e posso cita-la porque não me e nada favoravel — fazia um grande elogio ao Governo por elle ler emprehendido as obras do caminho de ferro, e dizia mais que era provavel, que era natural, (elle escrevia antes destes ultimos acontecimentos) que os credores inglezes, vendo na confecção do caminho de ferro um grande elemento de prosperidade para o Paiz, viessem auxiliar, apesar dos sacrificios que se lhes impunham, este grande pensamento, que ía habilitar de futuro necessariamente o Thesouro, para poder satisfazer melhor aos seus encargos. Enganou-se porém o Governo nas consequencias do Decreto de 30 de Agosto; enganou-se; e enganou-se, porque não contou que existisse nesta terra uma corporação de individuos — corporação, como já disse respeitavel, porque eu trado todos como devo tractar no seu logar — que visse tão apaixonadamente os interesses apparentes, note-se bem, do Estabeleci-

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mento que dirige, que sacrificasse a esses interesses os grandes melhoramentos do seu Paiz. Isto não acreditava o Governo; neste ponto enganou-se; confessa-o publicamente.

Sr. Presidente, mas se acaso o Decreto de 30 de Agosto não tivesse soffrido a resistencia a que alludi, podia elle produzir o seu natural resultado? Digo que sim, e penso que é facil demonstra-lo.

Já disse que o caminho de ferro de Leste era um bom emprego de capitaes, e o Governo por consequencia não tinha receio de que posta em praça a construcção daquelle caminho, deixassem devir concorrentes para a sua feitura, porque a natureza da obra considerada mesmo como uma especulação mercantil havia de attrahir os capitaes necessarios para a sua feitura. E foi o que aconteceu. Não foi uma, foram tres Companhias que vieram ao concurso, como já disse nesta Casa; todos nós o sabemos; o concurso foi publico, foi mesmo até bastante concorrido pelas pessoas que não iam directamente lançar na obra do caminho de ferro; por consequencia ninguem ignora que effectivamente tres Companhias concorreram aquella obra. O Governo porém não achou senão uma destas Companhias habilitada regularmente na conformidade do Programma; não houve nem um só voto, comprehendendo mesmo o voto do Procurador Piscai, que estava presente, que deixasse de ser de accôrdo que o Governo não podia escolher entre ellas, que havia de dar necessariamente, por força, quer quizesse quer não, sob pena de se inhabilitar a contractar com mais ninguem, a concessão do caminho de ferro áquella Companhia.

Mas esta consideração mercantil, deixem-me dizer assim, que existia em relação ao caminho de ferro de Leste, existia porventura em relação ao caminho de ferro do Norte? No principio, pelo menos, de certo que não. O caminho de ferro entre Lisboa e Porto ha de ser um grande elemento de riqueza nacional. Quando se fizer, ha de ir restituir, deixe-se-me assim dizer, ás classes productoras aquillo que ellas gastam extraordinariamente no transporte, e que vem sobrecarregar a mercadoria até ao foco do consumo; mas o lucro immediato do caminho de ferro no principio e em alguns annos ha de ser muito pequeno (O Sr. Carlos Beni o: — Havendo garantias de juro, não ha inconveniente.) Ora bem; mas pergunto eu: não seria mais prudente, não seria mais conveniente que o Governo, que queria dar essas garantias de juro, elle mesmo como primeira de todas as garantias se associasse nessa empreza? Não seria essa a melhor de todas as garantias para quem quizesse contractar o caminho de ferro? Pois se o Governo compromettesse uma parte dos seus capitaes, e uma parte importante nesse caminho de ferro; se se tornasse accionista delle, não convidava de certo os capitaes nacionaes, e estrangeiros a virem comprometter-se nesta grande obra nacional? Parece-me que sim; o Governo pelo menos pensou-o assim. Eu estou ainda convencido, e acredito, e é por isso que não mudo de opinião, que o Governo não errou; que se acaso não tivessem existido as difficuldades que se promoveram por parte de uma corporação especial contra o Decreto do Governo, elle havia de ter achado nas praças estrangeiras, com que levantar os fundas necessarios, não para fazer o caminho de ferro, que nunca pensou nisso, mas para se interessar nelle, para Servir com isso de garantia a outros capitaes que haviam devir associar-se com elle. Isto é obvio; este foi o pensamento do Governo.

Sr. Presidente, o illustre Deputado intende que este melhoramento não se póde fazer senão por via do credito, e eu intendo tambem o mesmo. Pois se eu sou o primeiro a declarar que o Governo não pensava fazer a obra por sua conta, e pensava levantar os fundos necessarios para ella, como não hei de concordar com o illustre Deputado que o credito é indispensavel para levar a cabo esta grande obra! Mas, Sr. Presidente, tudo está no modo de ver o credito; o nosso dissentimento de opiniões procede de que o illustre Deputado intende que o credito consiste na continuação do estado antigo, quero dizer, creio eu, haver um certo atraso de pagamentos a todas as classes de Servidores do Estado; peço perdão, mas é este o estado antigo. É preciso que nos intendamos. — Pois as medidas extraordinarias do Governo é que collocaram a situação neste terreno, em que está hoje, senão haviam de continuar no statu quo. (Muitos apoiados) Mas não faço injuria...

O Sr. Carlos Bento: — Eu disse nessa occasião, em um Jornal que inseria artigos meus, que reduzido a pagamento das classes inactivas a metade, era impossivel continuar em um semelhante estado.

O Orador: — Bem: como é possivel conciliar a opinião que o nobre Deputado tinha então com a opinião de hoje? E vem censurar o Governo, porque em virtude de medidas extraordinarias collocou o Thesouro em circumstancias de poder pagar regularmente? Ora isto é uma contradicção, que eu não sei classificar.

Sr. Presidente, disse o illustre Deputado que os tres Decretos de 30 de Agosto, 30 de Setembro e 18 de Dezembro são as tres pedras angulares do descredito publico; e eu direi, que são as tres pedras angulares da organisação do credito publico.

Eu, Sr. Presidente, não creio no credito fantástico, que nasce de um estado apparente do Thesouro, de promessas futuras, que eu reputo quasi impossiveis de realisar, em quanto que acredito no estado do credito publico, desde que se possa mostrar a todos os credores do Estado, que o Thesouro está habilitado a pagar pontualmente os seus encargos. Neste credito é, que eu acredito, é donde penso que hão de vir todos os beneficios que o Paiz precisa; mas não no outro, que nos fazia continuar n'um estado de cousas que nos deixava antecipações de dividas, para o futuro: e torno outra vez a declarar ao meu nobre amigo o Sr. Avila, em quem uma das qualidades-que o distinguem, é ser altamente economico, que apesar de todas as suas economias não conseguiria esse fim, porque a questão era o deficit, e devemos concordar necessariamente, que se aquelle era o systema do credito, e se este é o systema do descredito, eu declaro que opto por este descredito, que é o meu credito: eu quero um credito que habilite pontualmente o Governo a pagar os juros da divida fundada interna e externa, mas os juros confirme estão marcados nesse Decreto, e não aquelles que o Thesouro não podia pagar.

Ora, Sr. Presidente, punge-me realmente; peza-me na alma ver, como o illustre Deputado fez esta pungente accusação a respeito da reducção dos juros da divida interna e externa, quando elle sabe, que esta reducção, pelo menos na divida externa, estava já effectuada. O Governo não reduziu nada; tornou

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permanente, o que era transitorio; ma? que era um transitorio permanente desgraçadamente ha muitos annos; e na outra parte da divida o Governo não fez senão acabar com a escala ascendente. Pois tambem isto seria um mal? Appello para o testimunho do meu nobre amigo o Sr. Avila, que quando Ministro da Fazenda, expediu uma Portaria, que mostra, que S. Ex.ª fez o mesmo que eu fiz. (O Sr. Avila: — Leia V. Ex. a Portaria, e ha de achar o contrario) Não tenho duvida em lêr essa Portaria; mas o que digo a este respeito, não e em desabono de S. Ex.ª (O Sr. Avila: — Eu queria a conversão voluntaria da parte dos credores, mas não a conversão forçada) — S. Ex. queria a conversão voluntaria da parte de alguns credores, e depois de ter a acquiescencia delles intendia, que devia fazer a conversão. (O Sr. Avila: — Eu peço ao Sr. Presidente, que antes de se fechar a discussão me seja concedida a palavra para dar uma explicação á Camara, porque o facto é importante).

O Orador: — Eu, Sr. Presidente, creio que a Camara tem apreciado o motivo, porque eu me referi a este objecto, e não foi para comprometter o nobre Deputado, porque não havia de compromettel-o n'uma cousa, que eu mesmo já tinha feito; foi só para mostrar, que o meu pensamento não era isolado, não era só meu, mas outro illustre Deputado sendo Ministro da Fazenda começou e entabolou uma negociação para o mesmo fim. O nobre Deputado desejava, e tambem eu o desejava, que a reducção fosse feita de accôrdo com os principaes possuidores da divida fundada externa; mas isso que o nobre Deputado fez, tambem eu fiz. Não vale a pena cançar a Camara com a leitura dos documentos, que me dizem respeito; eu posso trazer á Camara uma Portaria neste mesmo sentido dirigida á Agenciai financial em Londres, e isto para mostrar que dava aos possuidores dos nossos fundos mais que o nobre Deputado dava, e á qual Portaria a mesma Agencia respondeu, que era de esperar que uma convenção neste sentido se fizesse em Londres, se acaso se desse a compensação em dinheiro, e o Governo deu a compensação como se pedia. Ainda fez mais; o Governo então dava 40 por cento, agora deu 50 por cento que é mais alguma cousa.

O nobre Deputado procurou a acquiescencia, dos credores; tambem eu a procurei; e tambem a não achei, do mesmo modo que aconteceu a S. Ex.ª Mas segundo as informações que recebi de Londres, e que o nobre Deputado, quando Ministro, recebeu tambem, procurei fazer aquillo, a que era aconselhado, isto é, o resolver os credores a aceitarem, e desta maneira conseguia o meu fim, sem prejudicar o credito publico, e para que não podessem realmente queixar-se do Governo Portuguez.

Eu não sei, se entro demasiadamente nos detalhes sobre um objecto, que ha de mais tarde ser apreciado pela Camara, mas quando se avançam proposições taes como aquellas que o nobre Deputado expendeu, era necessario, que eu dissesse algumas palavras em abono do Governo, e em resposta ao nobre Deputado, que pelos seus argumentos deixava uma responsabilidade tão grande, que as minhas forças não podiam com ella.

O illustre Deputado tambem intendeu que o Governo escolheu mal a occasião para publicar o Decreto de 30 de Agosto de 1852; intendeu que se de

Viam apresentar taes reformas na época em que houvesse alta e não baixa de fundos; por ser no primeiro caso que cumpria ao Governo occupar-se de taes medidas. Mas eu convido o illustre Deputado a declarar qual era essa baixa em que nós estavamos, ou em que nos achavamos «piando se publicou o Decreto de 30 de Agosto de 1852? — A baixa em relação ao par, não tinha logar — e em relação aos fundos não existia — Os fundos estavam mais altos do que quando esta Administração tomou conta dos negocios publicos — Quaes, eram as razões porque esses fundos subiram, e uma outra questão que não vem agora para aqui discutir; e eu já o anno passado nesta e na outra Casa do Parlamento expliquei, como se tornava impossivel que os fundos portuguezes subissem em Londres unicamente pelo facto da subida dos das outras nações. Se acaso houvesse elemento de descredito, então desciam especialmente os fundos portuguezes, mas isso e o que não acontecia; a baixa relativamente aos das outras nações não existia — Se fossemos attender á circumstancia a que o illustre Deputado queria que se attendesse, então era impossivel fazes os caminhos de ferro — Não se faziam os caminhos de ferro, porque havia baixa de fundos; o não se elevavam os fundos, porque não tinhamos meios de communicação. Estavamos collocados dentro de um circulo vicioso do qual não podiamos saír. (Apoiados) Era preciso resolver esta questão: houvesse ou não houvesse, que não havia então, baixa de fundos, e o Governo fez bem em a resolver do modo porque o fez. (Apoiados)

Mas nós não estavamos em baixa a respeito de fundos, não só em Inglaterra, mas mesmo dentro do paiz, fallo do Credito do Governo; não fallo do Credito daquelles que tem administrado tão mal, que tem levado os seus negocios a um ponto de pouco credito; e o Governo não póde ser responsavel pela má administração que tem seguido certas Corporações. O Governo, naquella occasião, a que se referiu o illustre Deputado, fazia operações a. 7 por cento, em quanto anteriormente as operações se faziam a 10 e 12 por cento — Qual era pois esse elemento de descredito, ou essa baixa de fundos, em que nó» nos achavamos?.... Eu não encontro essa baixa de fundos. O Governo pois, não estava collocado em estado de descredito; ou esse estado de descredito se o havia, não affectava o Governo, nem o podia affectar. Podia affectar alguem; podia affectar, algum estabelecimento do Paiz, mas o Governo não; o Governo tinha mais Credito do que havia anteriormente, e mesmo do que havia nessa occasião em relação a algumas corporações.

Mas, diz-se, o Decreto de 30 de Agosto de 1852 havia do produzir os seus effeitos. — O illustre Deputado negou ou duvidou que o Governo podesse por elle realizar os fundos que servissem para o Governo se associar numa grande empreza. O Governo devia procurar por todos os meios habilitar-se a levantar os fundos precisos para o fim que indiquei, e foi isso que deu origem á inversão das Inscripções que existiam em deposito na Junta do Credito Publico por Bonds, pois que era mais facil fazer essa negociação em Inglaterra.

Sr. Presidente, em Inglaterra é difficil levantar fundos sobre Inscripções da Junta do Credito Publico, e é facil levantar fundos sobre Bonds, uma vez que esses Bonds, não fossem creados de novo. O

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Governo tinha aquella divida, que estava fundada, a cargo da Junta do Credito Publico, e dotada convenientemente no Orçamento; — intendeu que com isto não creava uma divida nova; fez a inversão do que existia, e que de certo o habilitava a levantar na Praça de Londres os fundos de que carecia, não para fazer um caminho de ferro; por que o illustre Deputado bem sabe que 800 ou 1:000 contos não chegam por fazer um caminho de ferro; mas chegavam para associar-se em uma grande escalla a empreza, e habilita-la a dar começo a essa grande obra do caminho de ferro. Foi este o grande pensamento do Governo, o qual não pôde conseguir levar avante em virtude das declarações do Banco de Portugal, das suas reclamações, dos seus protestos, e mais ainda do procedimento inqualificavel que tem tido aquelle estabelecimento na presença do Governo, tanto dentro como fóra do paiz. (Apoiados)

Sr. Presidente, que nós cá dentro da nossa casa tractemos dos nossos negocios, e procuremos obter justiça do Governo, ou de todo outro qualquer Poder do Estado, é uma cousa que não deve estranhar-se; e uma cousa rasoavel e justa mesmo; mas que vamos ás Praças estrangeiras pôr o ferrete da ignominia na fronte do paiz a que pertencemos, é indigno. (Muitos e repelidos apoiadas)

Sr. Presidente, se os nobres Deputados querem, eu mostrarei documentos e testimunhos insuspeitos de homens respeitaveis daquellas Praças que dizem, que não ha exemplo de proceder similhante d'um estabelecimento monetario, que vive do Governo. (Muitos apoiados) Sinto, Sr. Presidente, que tivesse apparecido um documento tal; posso aqui senti-lo; por que sou portuguez. (Repelidos apoiados) — Podia reclamar no paiz. (Apoiados) Estavam a reunir-se as Côrtes, tinham o Governo a quem reclama', se não achava recurso no Governo, tinha recurso para a Representação nacional (Apoiados); mas pôr tudo isto de parte, e recorrer para o Stock-Exchange, e para mais Praças estrangeiras, e affixar proclamações por todos os angulos do Reino, convidando á desobediencia ao Governo, é um procedimento inaudito!.... (Apoiados repelidos) A longanimidade do Governo foi extrema. (Uma voz do centro: — Apoiados). O Sr. Cunha Sotto-Maior. — Apoiado, não. O Orador: — Apoiado sim. O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Apoiado não, repito, e o Sr. Deputado Dias e Sousa que está dizendo apoiado pela boca pequena, diga apoiado que todos ouçam.

O Sr. Dias e Sousa: — Apoiado, digo, sim Senhor. (E muitas vozes: — Apoiado, Apoiado).

O Sr. Ministro do Reino: — Sim, ou não, e o mesmo.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Não e o mesmo, e eu lhe mostrarei quando fallar.

O Sr. Ministro do Reino: — Veremos como o mostra, e se o mostra.

O Orador (continuando): — O nobre Deputado o Sr. Cunha, cujo saber e capacidade eu lhe reconheço e todos nós lhe reconhecemos, tem a palavra; ha de explicar-se, e explicar-se bem, como sempre costuma; mas quer apoie, quer não apoie, o que o illustre Deputado não póde, nem poderá destruir, é a impressão altamente desagradavel que produziu no amor proprio nacional o procedimento daquelle estabelecimento (Longos e repelidos apoiados) — Isso é que o nobre Deputado não póde destruir; nem ninguem. (Apoiados).

Sr. Presidente, se eu quizesse fazer o processo ao Banco de Portugal, traria aqui aquelle celebre documento, que mandou para as Praças estrangeiras, para ser affixado nas esquinas daquellas Praças e nas de todos os angulos do nosso paiz — Se aquella doutrina se contaminasse, dentro em pouco nas ruas, nas repartições, e nos quarteis se estabeleceria a anarchia (Apoiados repetidos) em toda a parte a auctoridade publica seria desacatada; mas felizmente aquella opinião não era a opinião do paiz (Muitos apoiados) porque se o fosse, O contagio devia manifestar-se necessariamente (Apoiados) e nó, Governo seriamos então réos de Lesa-nação, e altamente indignos destes logares, se não tivessemos sabido desviar os effeitos de um procedimento que passava todas as raias do justo e do rasoavel (Apoiados, apoiados). O Governo contou com a opinião publica, e fez bem (Apoiados). O Governo não quiz igualar o procedimento inqualificavel e inaudito da Direcção daquelle Estabelecimento, digo, Direcção, e digo o de proposito, sem querer offender os homens que a compõem, por que ninguem quero offender; eu estou discutindo um facto publico (Apoiados). não quero estender a solariedade da sociedade neste procedimento da Direcção: os Accionistas não tem culpa do procedimento inqualificavel de alguns homens, que podem ler, creio até mesmo que tem, sentimentos muito honrados e muito dignos, mas que se precipitaram deploravelmente neste negocio. (Apoiados) — Eu tambem tenho ali amigos, se a palavra amigo não é um termo venal, e estou certo que com relação áquellas pessoas a quem me refiro, o não é, tenho ali amigos; e eu não sou inimigo de ninguem; não sou inimigo de pessoa alguma. Como Ministro tenho as minhas opiniões; defendo-as a todo o trance, morrerei com ellas, se fôr preciso. Repilo, não sou inimigo de ninguem; a minha situação hei de defende-la por bem da minha honra, e por ella a cada individuo pertence defender a situação em que se colloca; e eu já que me colloquei nesta, hei de defende-la, e oxalá que possa defende-la ião bem como eu desejo.

Mas o illustre Deputado julgou que o Governo tinha commettido uma falta, e uma falta grave, quando appellava para os capitaes estrangeiros, em vez de os levantar no Paiz; e eu estou de accôrdo com o illustre Deputado neste ponto, se visse a possibilidade de levantar no Paiz os capitaes, que o Governo precisava para aquella obra. E digo mais: o Governo não declarou nunca que não queria levantar os capitaes no Paiz, e não só o não declarou, mas não tinha tenção de os ir procurar ao estrangeiro. E esses capitaes se se prestassem, o Governo não havia de repudia-los; isso não cabe na cabeça de ninguem, e menos no espirito recto do illustre Deputado, que eu acredito que quando se engana, é sempre de boa fé. O Governo quiz levantar os capitaes no Paiz, mas não sabe o illustre Deputado que o contagio, a que eu ainda agora me referi, não ficou só no Banco, passou a todos os outros Estabelecimentos monetarios, e que o Governo por esse facto não tinha esperança alguma de poder levantar esses meios? Mas por ventura deprehende-se isso do Decreto a que se allude? Não temos visto que

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sempre tem acontecido isto mesmo, quando se tracta de obras publicas? Onde estão os capitaes levantados para obras publicas, quaes tem sido essas sommas? Não fallo nos tempos dourados de 1845, em que uma alta artificial, sem fazer injuria a ninguem, deu logar a que alguma cousa se levantasse para esse fim, mas que não foi na escalla em que se disse; não porque o Governo de então não desejasse ir por diante nesses grandes melhoramentos, porque não se senta ninguem nestas cadeiras, que não leu La desejo sincero de servir bem o seu Paiz, e melhora-lo em relação ao estado em que elle se acha. Pois apezar de tudo isso, não foi nunca, possivel levantar esses emprestimos. Não era o illustre Deputado Membro da Camara, como eu, quando aqui se votou uni emprestimo de 40 contos para as obras da barra do Porto, e não sabe que foi impossivel levantar tal somma naquella Praça? Pois nessa occasião ainda não existia o Decreto de 30 de Agosto, e não foi possivel achar quem emprestasse 40 contos de réis para aquellas obras! (Apoiados) Pois o Governo não acabou de propôr um emprestimo para a construcção da estrada de Lisboa ao Porto, emprestimo que se não pôde conseguir vantajosamente para o Estado? O Banco do Porto mostrou ter desejo de servir o Governo; mas apezar das boas apparencias, o Governo não julgou acceitaveis as suas propostas, e o Banco de Portugal não se prestou a cousa alguma.

Sr. Presidente, é necessario que vejamos as cousas, como ellas são em iodas as situações similhantes. A falta de capitaes no Paiz para esta empreza procede de um certo espirito de classe em todos os Capitalistas, espirito de classe a que não podem ser superiores, intendo eu, que nasce de supporem alguns delles, que o Governo tinha offendido um grande Estabelecimento monetario, e o espirito de associação leva-os a associaram-se a esse Estabelecimento contra o Governo, liste foi o facto; e se este foi o facto, se elles se suppunham offendidos, e se associaram áquelle Estabelecimento contra o Governo, não havia o Governo procurar habilitar-se para levantar nas Praças estrangeiras, o que não podia conseguir aqui? Se o não fizesse, compromettia a sua causa Havia de ir-pedir ao Banco? O Banco dizia-lhe que não, e o Banco estava costumado a fazer supprimentos ao Governo á custa de grandes sacrificios; porque, já me tem levado muito longe, e eu impellido pela força dos acontecimento hei de apresentar á Camara o sudario vergonhoso, que nos tem conduzido a este estado, e a Camara, estou certo, ha de ajuizar convenientemente, e ha de fazer justiça ao Governo! Custa-me ser foiçado a isso; mas collocado nesta necessidade (não quero fazer bravata) mas o tempo o mostrará, se eu recuo. Então mostrarei á Camara quaes são esses Creditos do Banco, e a origem delles; qual é o preço por que o Banco se tem prestado a fazer esses emprestimos ao Estado, o tenho aqui o testimunho respeitavel do nobre Deputado, o Sr. Avila, que ainda nos ultimos dias da sua administração não quiz fazer um emprestimo com o Banco, porque elle exigia nada menos de 17 ¼ por cento! (O Sr. Avila: — Apoiado — Vozes: — Ouçam, ouçam) Ainda não ha muitos dias que eu li a Portaria, que honra o caracter do nobre Ministro, em que elle declarava que não podia contractar aquelle emprestimo com aquelle Estabelecimento, porque as suas exigencias a respeito de premio excediam as usuras dos Capitalistas da Praça, daquelles que eram usurarios. Sr. Presidente, ha de vir tudo á Camara, e então perguntarei, se o, Governo bem mereceu da Patria, ou se merece a sua reprovação. E é preciso que se saiba que o illustre ex-Ministro, desde o momento em que não quiz contractar com o Banco, achou logo quem lhe emprestasse dinheiro a 10 por cento. Era o Banco sempre que creava ao Governo as maiores difficuldades, dizendo que o Governo não tinha Credito, que não podia levantar dinheiro n'outra parte; que eram precisas garantias, que queria estas firmas, e não aquellas; em summa era sempre o Banco quem procurava enxovalhar o Credito do Governo! (Apoiados) Isto custa, Sr. Presidente! E é em nome desses interesses que guerrea o Governo! Não me refiro a Deputado algum, que estou certo que não tractam dos interesses particulares de ninguem; procedem unicamente segundo a sua convicção.

Mas neste estado de cousas, Sr. Presidente, podia o Governo levantar fundos dentro do Paiz? Poderá ainda fazer-se uma accusação seria ao Governo, porque procurou levantar esses fundos nas nações estrangeiras? Intendo que não. O Governo ou se havia de oppôr aos melhoramentos materiaes que pretendia realisar no Paiz, ou havia de procurar ir levantar fundos ás nações estrangeiras.

O illustre Deputado não ignora que ha pouco tempo, depois de publicado este Decreto a que se allude, de 30 de Agosto, o Governo precisou, para as suas despezas quotidianas, fazer uma transacção regular, não dellas que dependem do Credito, precisou realisar 70 contos de réis, para satisfazer a pagamentos annunciados, e procurou levantar esta quantia no Banco do Porto; mas não o conseguiu, ainda que não se contentou em mandar só a sua firma, mandou tambem leiras do Contracto do Tabaco, que era uma companhia que já tinha descontado os seus fundos ao Banco do Porto, por mais de uma vez, por muitas vezes: mas desde que essas leiras foram acompanhadas com p pedido do Governo, o Banco recusou-se!... Agora perguntarei eu, será isto uma guerra, sincera e leal da parte do Banco do Porto, negando ao Governo o que lhe podia fazer em proveito do proprio Banco, porque elle descontava com juro, tendo em caixa capitaes, a que não tinha que dar emprego?... Será isto uma guerra sincera e desculpavel da parte daquelle Estabelecimento para com o Governo, não querendo descontar para o Governo as leiras do Contracto do Tabaco, a quem elle costumava descontar sem a firma do Governo? Devia-lhe o Governo alguma cousa? Pouco, ou nada lho devia: porque quasi todos os emprestimos, que tinha contrahido com o Banco do Porto, estavam pagos; do emprestimo que o nobre Deputado, o Sr. Avila, tinha levantado para diminuir o agio das Notas, estava muito pouco; o Governo tinha pago sempre pontualmente; o Governo tinha pago tambem um emprestimo de 200 contos de réis, que se tinham levantado á entrada desta Administração; uma parte, sendo Ministro da Fazenda o Sr. Ferrão; e outra parte, quando eu entrei em seu logar; deste emprestimo restavam para satisfazer poucos contos de réis. Portanto o Governo tinha satisfeito pontualmente as suas obrigações; não tinha deixado protestar uma só letra; porém o Banco

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do Porto não obstante isto, talvez por espirito de corporação e de camaradagem com o Banco de Portugal, intendeu não dever descontar ao Governo as letras do Contracto do Tabaco! É verdade que o Banco do Porto não emprestou o dinheiro, mas o Governo pagou: felizmente o Governo achou n'outra parte quem lho emprestasse, ainda que com um juro maior do que levaria o Banco do Porto, porque descontou a 7 ½ por cento, e o Banco do Porto não costuma levar mais de 5 por cento; mas o Banco intendeu que era melhor que o Governo pagasse mais 2 I por cento a bem das finanças, do que emprestar elle o seu dinheiro com juro e segurança, que ficava em cofre, sem ler em que o empregar. Repito ainda uma vez: respeito muito os capitaes, mas e necessario encaminha-los de modo que se não desvairem a este ponto, que á foiça de segurar os seus interesses, prejudiquem altamente as conveniencias do listado (Apoiados).

Tambem o nobre Deputado fallou na declaração dos Stocks Exchanges: concordo que esta declaração foi um grande mal; eu sou o primeiro a reconhecer isto; e tenho pena, não pela minha pessoa, não pelas pessoas dos meus Collegas, mas pelo interesse das cousas publicas, tenho pena, repilo, que tivesse havido aquella declaração do Banco de Londres. Mas preciso fazer algumas declarações importantes, para se ver a natureza daquella declaração, e o pensamento que a dictou. Aquella declaração foi feita anteriormente á publicação do Decreto de 18 de Dezembro de 1852, Decreto em que se tractava da conversão da divida: porém ha um fenómeno que me cumpre explicar, para bem se poder apreciar este negocio. O Governo a este respeito fez o mesmo que tinha feito um dos meus antecessores; mandou consultar na Praça de Londres, debaixo de todo o segredo, algumas pessoas importantes; o Governo queria effectivamente fazer a conversão, mas de accôrdo, quanto fosse possivel, com aquelles interessados; porque não diga ninguem, que se póde fazer uma conversão a contento de todos, por quanto uma divida que está parte em Inglaterra, e outras partes em Hollanda, em Pariz e outros pontos, não é possivel fazers-e uma assembléa de todos os possuidores destes fundos, e virem todos a um accordo. Por mais voluntaria que a conversão seja, ha de ser imposta a um grande numero de possuidores de fundos, e esta porção tem tanto direito de resistir como os outros que vierem a um accordo. Por consequencia o Governo para tornar menos efficaz a resistencia que poderia mover-se na Praça de Londres, pio-curou intender.se com alguns Capitalistas fortes, mas tudo confidencialmente. Passados poucos dias apparece no Times uma caria do Secretario da Companhia dos Caminhos de Ferio em Portugal, perguntando ao Stock Exchange se seriam cotadas as suas Acções?... Mas como fazia o Secretario esta pergunta? Fazia-a já no sentido de obter uma resposta negativa, porque indicava todas as rasões que o Stock Exchange podia adduzir para lhe negarem o seu pedido! Cousa nunca vista! O Secretario de uma Companhia pedir a outra Companhia que lhe cole os seus fundos, mas indicando desde logo as rasões, porque elles não deviam, ou não podiam ser colados!... Que resposta teve o Secretario? Aquella mesma que elle necessariamente esperava: a negativa. Então o Stock Exchange respondeu e declarou, que tendo presente a carta do Secretario da Companhia Bond holders, não só não deviam ser coladas as Acções da Companhia dos Caminhos de Ferro em Portugal, mas nenhumas outras que se emittissem neste Paiz, alludindo á conversão que o Governo desejava fazer pelo Decreto de 18 de Dezembro de 1852. Não quero fazer commentarios a este respeito... Deixo isto ao juizo da Camara; mas sem querer fazer insinuações algumas, com tudo parece-me que ha neste negocio, e neste proceder, alguma cousa de secreto de difficil comprehensão e explicação, segundo a ordem natural das cousas. Ha uma Companhia que pede lhe colem as suas Acções; mas o Secretario dessa Companhia indica desde logo os motivos por que ellas não podem ser coladas!!

De tudo isto, Sr. Presidente, infiro eu — Se o Governo tinha de effectuar o caminho de ferro, foi uma grande alavanca que os possuidores da divida externa tiveram na sua mão, para obrigar o Governo a pagar lhes os 4 por cento, que não tinha podido pagar-lhes, e desta maneira aplanaram-se até certo ponto as difficuldades que encontrava a Companhia de realisar os fundos necessarios para a feitura da obra, não só pela resistencia do Stock Exchange, mas pela dissidencia no Paiz. Sei que, faziam propostas neste sentido, as quaes eram mais favoraveis aos interesses que representavam. Comtudo como já por mais de uma vez tenho dicto, o Governo está convencido que a Companhia ha de cumprir o seu convento e se acaso, por desgraça nossa, o não puder cumprir, e note-se que eu não tenho empenho nem sympathia em que seja esta ou outra Companhia que faça o caminho de ferro, o que desejo é que se faça; procurei collocar a questão no terreno, pelo qual o Governo podia depois de um praso rasoavel, que não está contra as prescripções, mas antes está nas determinações do programma do caminho de ferro de Leste, obter uma declaração terminante, e chegar a um resultado, a fim de saber definitivamente, se a Companhia se habilitava ou a fazer o caminho de ferro, ou a deixar livre o campo para o Governo poder contractar com quem quizer.

Sr. Presidente, o nobre Deputado que tractou de examinar com a sua critica severa o Decreto de 18 de Dezembro appreciou-o sobre tudo não tanto nas suas disposições, como nas circumstancias em que se achava o Credito publico, quando foi promulgado.

Eu já tive occasião de dizer ao illustre Deputado, e de indicar por mais de uma vez nesta Casa, que o Credito publico não está hoje em peiores circumstancias do que então se achava. Refiro-me á cotisação dos fundos no mercado, e ao cumprimento das obrigações a cargo do Thesouro.

Mas diz-se que o Decreto de 30 de Agosto tendo produzido uma má impressão sobre o Credito publico tinha o Governo escolhido má occasião para promulgar outro Decreto, e esse era o que respeita aos interesses daquellas classes que eram mais affectadas. Entretanto o nobre Deputado referiu-se, e bem, ao Decreto de 21 de Agosto de 1816, publicado por uma Administração, presidida por um dos Caracteres mais distinctos e respeitaveis deste Paiz. Nesta Lei tinha-se reduzido 20 por cento a nossa divida consolidada interna e externa. V. Ex.ª que era um dos Membros que então compunham a Administração, sabe como se promulgou e para que se promulgou esse Decreto, porque era então Ministro

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da Fazenda, e sabe que esta reducção de 20 por cento, que então era aconselhada pelas circumstancias, não podia agora fazer dispensar a reducção do juro que naquella occasião se impoz á divida externa. Todo o mundo sabe que a divida externa naquella época era muito superior ao seu estado actual. A Camara sabe que a divida externa montava a 10 milhões de libras sterlinas. Destes foram em 1815 convertidos 6 milhões e meio de libras sterlinas, e ficaram 3 (milhões de libras sterlinas dessa divida por converter. Estes 6 (milhões de libras sterlinas foram convertidos, e os outros que não quizeram vir á conversão, ficaram gosando da escalla ascendente. O que fez o Governo? Disse que os possuidores desses titulos ficavam na mesma condição em que teriam ficado, se acaso tivessem vindo á conversão em 1845, em, que se converteram quasi (da divida. Além disso o Governo fez mais ainda. O Governo reconheceu um direito, que ainda ninguem tinha reconhecido. Bem se vê que o Governo foi mais longe que o nobre Deputado, o Sr. Avila, quando quiz reconhecer esse direito; e com isto se prova qual o desejo do Governo de que fosse bem recebida na praça e a contento de todos a conversão que desejava se effectuasse. Fui mais longe que o nobre Deputado e intendo que fui justo, porque apesar da opposição, que se tem manifestado naquella praça, opposição, que o meu nobre amigo chega a taxar de injusta, não quero que se possa dizer que o Governo Portuguez lhes foi arrancar aquillo a que tinham direto esses possuidores sem os compensar do que lhes tirava.

O nobre Deputado não ignora que os credores Inglezes protestaram todos os semestres pela reducção do juro. Se o Governo não fosse attender esse direito, pedido por elles, o Governo calculava-se em peiores circumstancias para attender ás suas exigencias. Assim o Governo attendeu esses direitos, e não póde dizer-se que tenha havido violencia, porque o Governo deu uma compensação dos 4 semestres, que estavam em divida, pagou os pelo preço do mercado, cotou-os a 40 por cento que estavam naquella occasião, e deixou ficar os seus possuidores na mesma situação em que estavam aquelles que fizeram a conversão em 184-5. Ahi se vê que não ha injustiça da parte do Governo? ha o desejo que o Governo tinha de acabar com a escalla ascendente, e reduzir a ‘divida publica, attendendo ao mesmo tempo quanto possivel os direitos dos credores. Não foi por tanto, como disse o nobre Deputado, a reducção do juro. O Governo fez uma verdadeira reducção, nos juros da divida interna e externa. (Não sei se foi o Sr. Avila ou se foi no Ministerio do Sr. Duque de Palmella) — O Sr. Avila, quando fez a sua reducção nos juros da divida consolidada, estava-se fazendo a conversão de 1841, e como havia o nobre Deputado impôr uma decima n'uma divida em que se estava fazendo a conversão? Não podia effectua-la em consequencia disso por uma força de circumstancias que actuam sempre sobre estas cousas, e que desculpam todas as Administrações.

O Governo reduziu os juros da divida interna, mas em 1846 reduziu-se nos juros da divida consolidada interna e externa e em todos os juros que o Governo pagava. Eu fui muito mais longe, reduzi a despeza publica, acabando com a escalla ascendente e attendendo ao mesmo tempo quanto possivel aos direitos dos credores.

Mas diz o nobre Deputado — O Governo em 1846, uma Administração illustrada como era aquella (e que o era) não se contentou em conciliar a sua, própria intelligencia; intendeu, apesar de serem homens muito intelligentes, que devia ouvir o parecer de outras pessoas intelligentes e conspicuas. Eu declaro ao nobre Deputado, e peço perdão para lhe dizer, que o Governo ouviu a opinião de pessoas illustradas e intendidas sobre a materia: o nobre Deputado foi ouvido; pois se o nobre Deputado foi ouvido nesta questão, e se achou lá alguns companheiros distinctos, poucos é verdade, por que eu não intendo que seja muita gente, quem decide melhor qualquer materia, não digo isto, já se vê, com relação á Camara; isso muda de figura, porque então é o paiz todo, que é chamado a examinar os actos do Governo, são todas as parcialidades politicas, é o centro, é a direita, e a esquerda; mas quando, antes de uma medida ser publicada, o Governo-ouviu os homens conspicuos na materia, não se diga, que esta medida foi tomada á porta fechada. Não se fez com a publicidade das galerias e Tachygrafos; entretanto ainda assim o Governo ouviu a opinião de homens competentes e importantes; e o nobre Deputado sabe, e sabe por experiencia, quanto eu sou docil em modificar as minhas opiniões, quando se discute no Gabinete; (O Sr. Carlos Bento: — Apoiados) o que não tenho é a mesma docilidade, depois de ter formado a minha opinião, em vir reformal-a em publico, e não o faço por uma razão, é porque intendo que os Ministros tem obrigação de ter um pensamento definitivo; devem correr atraz delle, sustentai o, e não modifical-o, e se caírem, cairem com elle, quando o Parlamento intender que elles, que adoptaram uma certa medida, não teem razões para a sustentar. Portanto em publico não modifico a minha opinião; deixo estas cadeiras; sigo o caminho constitucional (Apoiados) e se eu fosse forçado a seguir essa estrada por causa desta questão, parece-me, que não levaria comigo a animadversão do meu paiz. (Apoiados)

Mas diz o nobre Deputado — A reducção feita pelo Ministerio Palmella em 1846 foi geral, affectou tudo, mas esta foi uma reducção parcial, unicamente relativa a certos credores. — Peço perdão para dizer ao nobre Deputado, que não é exacta a sua asserção; as reducções feitas pelo Governo não foram injustas, nem parciaes; o Governo de 1846 não achou reducções algumas, creou-as o Governo actual, achou-se em outra situação; achou reducções, e ainda lhe augmentou mais 5 por cento ás que já existiam: essas reducções que existem, Sr. Presidente, e é necessario dizel-o, como conhecem todos os homens que intendem e querem intender, o que são Governos; estas reducções são impossiveis, não podem continuar assim; isto não é modo de governar; mas a força das circumstancias levaram o actual Governo a augmentar mais 5 por cento. Mas este modo de pagar aos Servidores do Estado os seus ordedenados, já mesquinhos, com a reducção de 30 por cento é barbaro (Apoiados) é acto terrivel e insustentavel: é melhor manda-los para suas casas; cada um trabalhe pelos meios que tiver á sua disposição; mas estas reducções são impossiveis! No entanto o Governo actual intendeu, que não era justo nem opportuno fazer modificações nesta parte, e ainda aggravou às que existiam, porque se viu forçado a isso,

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porque herdou um deficit considerabilissimo.

Ora se tirou aos Funccionarios Publicos, se tirou ás classes inactivas, e aos possuidores, da divida interna e externa, por força de circumstancias, pode-se dizer, que a reducção foi parcial? De certo que não. Não houve parcialidade, o que houve foi justiça.

Sr. Presidente, o nobre Deputado convidou-me a uma modificação nas medidas do Governo, nesta modificação, d z elle e creio que o diz com sincera effusão do seu sentimento, vai o credito do Governo, e o credito publico, e não deve ser uma tenacidade da parte dos Ministros que se. deva oppôr á realisação do seu proprio pensamento, lista idéa é seductora, e eu por minha vontade, se não fossem as considerações que fiz ha pouco, e que me inhabilitam como-ministro de o fazer, e creio que aos meus Collegas tambem, porque eu fallo em nome do Governo, e por mais quero nobre Deputado me quizesse tornar nesta questão sómente responsavel como Ministro da Fazendo, eu intendo que se ha culpa, todo o Ministerio é culpado, e isto sem animo de offender o illustre Deputado; mas é força confessar que os meus Collegas se me associam completamente na responsabilidade, nem era preciso declaral-o: todos querem partilhar desta responsabilidade.... (O Sr. Carlos Bento. Fazem o seu dever). Mas isto é para responder ás observações do meu nobre amigo referindo-se sómente a mim, A este respeito direi, Sr. Presidente, que os Ministros estão convencidos de que não podem, depois das medidas que têm tomado, recuar n'um ponto tão importante; os Ministros podem retirar-se das cadeiras.do Ministerio; mas o que não podem é modificar as suas opiniões nos pontos que servem, para assim dizer, de baliza á sua politica, e aos principios de administração, que intendem dever, seguir: se o fizessem, seria isso uma loucura imperdoavel, e seria um precipicio insondavel que abriam diante de si proprios, para agora e para sempre... (t) Sr. Correa Caldeirai — Já está. aberto ha muito tempo.) (O Sr. Ministro do Reino: — Estará, mas esteja persuadido que ainda não caem tão cedo.) (O Sr. Correa Caldeira: — Eu pena que eu tenho.):

Orador: — Nós sabemos isso muito bem. Mas já eu dizendo, que a convicção do Governo é que qualquer modificação, na sua politica seria uma cousa altamente prejudicial á causa publica, e esta é a razão principal da sua resistencia. Se acaso o Governo nas circumstancias, em que se acha, fizesse uma modificação em relação, por exemplo, ao Decreto de 30 de Agosto de 1852, e se se fosse dobrar contricto diante do Banco de Portugal, para satisfazer ás suas exigencias, este Governo tornava-se impossivel, e não eram os Ministros, não era o Parlamento que governava era o Banco, e a Governo do Banco não póde ser acceito pelos Representantes da Nação. (Repeti, dos apoiados)

Não fomos nós que collocamos a questão neste terreno; foi o Banco de Portugal que a collocou elle mesmo. O Governo convidou os Directores deste estabelecimento a acceder ás suas medidas. O Governo depois dessas, medidas promulgadas, sabendo que se manifestavam certos desejos de accôrdo entre o Gabinete e um dos Directores do Banco de Portugal, leve diversas conferencias com esse mesmo Director. O Governo fez mesmo Propostas que julgava acceitaveis naquellas circumstancias, mãi ossos P©-postas tinham como principio indispensavel o reconhecimento do Banco ao Decreto de 30 de Agosto, e tinha como accessorio tambem outra operação que em lado prejudicava aquelle estabelecimento, e o Banco não quiz. O Governo já deo provas que podia e devia ter docilidade, por desejar muito que existisse aquella paz, ordem e boa armonia que deve reinar não só entre os Poderes do Estado, mas tambem entre algum desses Poderes e certas corporações menos auctorisadas do paiz.

Ouvi fallar tambem na reducção dos juros e nos Bancos ruraes, e parece-me que o nobre Deputado suppoz que não era possivel a creação destes estabelecimentos, mas eu supponho que o creação e existencia dos Bancos ruraes é possivel. (O Sr. José Estevão: E necessaria e indispensavel)

Eu tenho uma Proposta de Lei acêrca deste importantissimo assumpto, sobre a qual mandei consultar o Conselho de Commercio e Industria, e um dos seus Membros tem o Projecto em sua mão, porque, por uma circumstancia deploravel para elle, ainda lhe não foi possivel apresental-o naquelle Conselho. estou convencido que é summamente difficil crear em Portugal de uma maneira efficaz a existencia de Bancos ruraes: sei que a Legislação que prende com este objecto, toca com graves questões de Administração e de Jurisprudencia, mas não tem isto obstado tambem a que outras nações não tenham estabelecido Bancos ruraes com proveito para o seu paiz. Se acaso o Conselho do Commercio der a sua opinião definitiva sobre o estabelecimento dos Bancos ruraes, eu tenho muita satisfação em trazer a esta Camara o Projecto, com o parecer destes distinctos Cavalheiros, pura a Camara o approvar ou modificar como julgar mais conveniente. A questão das hypothecas é uma questão summamente grave a resolver; e por isso eu disse que esta questão prendia com a Jurisprudencias não obstante, ella não e invencivel, e é até provavel mesmo que não sejamos tão infelizes que a não possamos levar avante, mais ou menos perfeitamente; porque estes objectos não sáem nunca com perfeição da primeira vez.

Mas voltando outra vez ao assumpto direi ao illustre Deputado que eu não o estou combatendo como defensor das opiniões do Banco, nem estou combatendo o Banco, porque o Banco não está aqui; eu explico as minhas opiniões para justificar o Gabinete; é um ponto da Historia que eu estou referindo, porque intendo que é conveniente se saiba. O Banco não está aqui; aqui estão Deputados e Ministros; e está a Historia contemporanea, e é necessario-muitas vezes lançar mão della para se justificar o Governo.,

Sr. Presidente, ou tenho talvez cançado a attenção da Camara, mas a situação penosa e difficil em que me achava, como disse, quando comecei, por ter de responder principalmente a um dos. mais brilhantes Oradores desta Camara, o Sr. Carlos Bento, exigia que entrasse em certas explicações, visto intender que qualquer alteração ou modificação na minha politica era uma cousa impossivel; e por intender que tinha necessidade de me justificar perante o Parlamento de algumas medidas que tinham sido tomadas pelo Ministerio a meu cargo; mas coma hei de ter mais do que uma occasião, quando se tractar das Leis, da Dictadura, de pode demonstrar quaes faiam os fundamentos, que o Governo teve para ado-

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piar as providencia? contida» nesses Decreto» dictatoriaes, contento-me por agora com o que disse, e parece-me ler respondido tanto quanto o permittia a esfera a que esta dicussão deve estar contraída, ás observações muito importantes do Sr. Deputado Carlos Bento da Silva.

O Sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã, e a continuação da que vinha para hoje. Está levantada a Sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O redactor

José de Castro Freire de Macedo.

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