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Se a minha voz não tem o prestigio sufficiente para fazer ressaltar como axioma esta verdade profunda, calar-me-hei eu, e vae fallar a lei em meu logar.

O artigo 90.° da lei de 1852 diz o seguinte:

«Serão considerados como eleitos deputados, aquelles cidadãos que obtiverem maioria relativa, comtanto que reunam pelo menos um quarto dos votos do numero real dos votantes de todo o circulo eleitoral.»

N'esta parte não esta revogada a lei de 1852, e não ha lei que deixe de dizer «que é deputado eleito aquelle que reunir a maioria legal do numero real dos votantes».

Ora, agora deveremos nós considerar deputado eleito aquelle que se apresentar com maioria real e legal de votos, ou aquelle que se apresenta com o diploma simplesmente?

Eu respondo.

Nunca esperei ver-me na dura necessidade de defender perante esta assembléa illustrada uma verdade intuitiva. Pois onde queremos levar nós a dignidade d'esta assembléa?,

Supponhamos uma hypothese muito facil de acontecer e de realisar. Supponhamos que uma commissão de apuramento ao apurar os votos de um circulo eleitoral para entregar o diploma ao deputado eleito, entrega facciosa ou criminosamente a um homem que não tem um só voto, deixando de o conferir a quem pelas descargas dos cadernos e actas da eleição nós vemos que unica e legalmente pertencia. Pergunto eu, em taes circumstancias deverá esta camara reparar a injustiça palpitante, visivel e clara, ou curvar a cabeça e subscrever ás trapassas, injustiças e illegalidades das commissões de apuramento? Creio que não tem questão. Isto não se póde sustentar, não se póde imaginar mesmo sem indignação profunda.

Vamos aos arestos.

Quando em 1858 se discutiram n'esta camara as eleições de Lamego, a segunda commissão de verificação de poderes diz o seguinte na conclusão final do seu parecer:

«A commissão é de parecer que deve ser proclamado deputado o sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel, não o sendo o sr. Antonio Julio Pinto Ferreira, posto que apresentasse o seu diploma, porque pelo restabelecimento da verdadeira votação este senhor ficou excluido.»

É o que fez esta commissão de poderes.

Seguiu porventura este caminho e o expediente já adoptado a nossa commissão, cujos membros eu muito respeito? Não. Fez exactamente o contrario, seguiu o caminho opposto.

Como tivesse todos os elementos para examinar a votação, e como soube por uma operação arithmetica sommar o numero de votos de' cada um dos eleitos o diminuir ou comparar este com o numero real de votantes, concluiu que o sr. Antonio Julio Pinto Ferreira, que apresentou o seu diploma, não tinha tido a maioria real e legal, e que o sr. Antonio Pereira de Vasconcellos Pimentel, tendo tido essa maioria era quem devia tomar assento n'esta casa, apesar de ser o primeiro que apresentou o diploma.

Deputado eleito é aquelle que mereceu a confiança do paiz, e que obtendo a maioria de votos se póde apresentar aqui legal e validamente.

N'essa occasião, quem primeiro fallou foi um distincto ornamento d'esta casa, que sinto não ver presente, o sr. Lobo d’Avila, que respondeu assim ao sr. Affonso de Castro:

«A commissão não se fundou para dar o seu parecer sobre a idéa de preferir o immediato em votos, mas sobre a rasão de que restabelecida a verdade da votação o sr. Antonio Telles ficára eleito.»

Foi exactamente a applicação da theoria justa, da theoria verdadeira e santa que acabei de expor. Foi o cumprimento do artigo da lei, que deputado eleito será aquelle que tiver maior numero de votos e não aquelle que apresentar o seu diploma.

Na sessão seguinte moveu-se tambem esta duvida, e houve tambem espiritos timidos ou receiosos das attribuições que a lei fundamental do estado nos confere, porque eu creio que ha sempre n'estas assembléas homens timidos que tremem até do poder que lhe metteram na mão, que escrupulisavam que a camara podesse dar diplomas.

Respondeu o sr. Sant'Anna e Vasconcellos em phrase mais forte, mas que exprimia melhor o sentimento da verdade:

«Quando porém, como n'este caso, se não trata senão de restabelecer uma votação, e quando o supposto immediato em votos é realmente o deputado que os eleitores quizeram eleger, entendo que pede a justiça e a boa rasão que uma trapaça eleitoral não prevaleça contra a verdade.»

Isto põe a questão clara, e nós não temos de ver na apreciação d'esta eleição senão qual dos dois candidatos obteve a maioria real e legal dos votos de todo o circulo.

Este caso da eleição de Lamego em 1858 não é o unico n'estas circumstancias. Em Lamego, na eleição antecedente a esta, tinha-se dado um caso analogo, e a decisão havia sido reconhecer como deputado aquelle que tinha obtido a maioria legal e real dos votos n'aquelle circulo.

As duvidas continuaram. E note v. ex.ª e note a camara que esta eleição de Lamego, se por um lado se apresenta identica a esta, por outro lado esta em condições muito mais desfavoraveis do que a eleição de que actualmente nos occupâmos.

Para restabelecer a verdade da votação da eleição de Lamego foi necessario annullar os votos de uma assembléa, porque, alem de falsificação das actas, tinha havido erros e infracções de lei no apuramento de uma das assembléas primarias. Este motivo é que, na eleição de Lamego, levou espiritos muito esclarecidos e muito rectos a duvidarem por um momento da decisão que haviam de dar em relação áquella eleição, porque, diziam elles, «nós não temos duvida nenhuma em restabelecer a verdade da eleição de Lamego, e restabelecida ella conhece-se que effectivamente o deputado que traz o diploma não é o que teve a maioria dos votos do seu circulo; não temos duvida nenhuma em dar logar n'esta camara ao deputado, que devia ter a maioria de votos, e deixar portanto fóra da camara aquelle que a não teve, ainda que trouxesse o diploma; a unica duvida é se, considerando nullos os votos de uma das assembléas primarias, nós temos de admittir que essa assembléa, quando fossem validos os seus votos, poderia influir no resultado da eleição ».

Portanto a duvida que se offerecia áquelles espiritos esclarecidos não era a mesma these que eu aqui defendo; não era a circumstancia de reconhecer como deputado eleito aquelle que teve a maioria de votos no seu circulo, era apenas a circumstancia de ser preciso annullar uma das assembléas primarias para reconhecer depois a maioria.

Ora as attribuições da camara, que de certo estão no animo de todos e que todos reconhecem, estão bem explicadas tambem nos longos discursos que aqui se proferiram por essa occasião.

Lerei apenas o seguinte:

«Diz-se que esta camara não faz deputados, e não faz; mas esta camara proclama os deputados a quem as operações eleitoraes conferiram os direitos, e esta camara não póde tirar os direitos a quem as operações eleitoraes os deram.

«Mas esta camara não. póde passar diplomas. Nem é preciso que os passe; logo que se estabeleça a verdade da votação, o diploma esta passado, porque não se faz senão dizer-se —o diploma que se deu a este individuo foi achado illegal—; e esta resolução da camara vale mais que qualquer outro diploma que elle tenha trazido. O diploma é a resolução da camara. A camara resolve em ultima instancia todas as questões eleitoraes, e a resolução da camara é o diploma com que o eleito entra n'esta casa.»

Ora aqui tem V. ex.ª e a camara definitivamente estabelecido, não só pelos discursos pronunciados n'esta casa, mas tambem pela resolução final sobre este assumpto, que o diploma não é considerado elemento essencial para a entrada de um deputado n'esta casa; quem lhe dá o diploma é a camara.

Que nos importa que um homem traga trinta diplomas, se elles forem todos illegaes e nullos? Porventura nós aceitâmos aqui a lei das commissões de apuramento? Porventura podemos nós admittir o absurdo de que o diploma é o Unico elemento essencial para a entrada de um deputado n'esta casa, sem nos revoltarmos contra esta doutrina tão cerebrina? O que nós devemos fazer é examinar rigorosamente se as commissões do apuramento conferiram os diplomas a quem os deviam conferir, ou se os conferiram illegalmente. Esta é a verdadeira e unica questão.

Para deixar de uma vez este assumpto dos arestos, basta mostrar que este objecto foi segunda vez á commissão de verificação de poderes, e ella, considerando-o de novo, deu o mesmo parecer que foi a final approvado na sessão de 13 de julho de 1858.

Ora agora, sr. presidente, demonstrado, como me parece que esta demonstrado até á evidencia, que o deputado eleito, e que nós temos de reconhecer é aquelle que reuniu a maioria real e legal dos votos dos eleitores do seu circulo, a segunda parte das minhas reflexões limita-se a demonstrar que effectivamente a maioria d'esses votos recaíu no cidadão Guilherme Augusto Pereira de Carvalho e Abreu, e não no cidadão Paulino Teixeira Botelho de Sousa, que aqui se apresenta com o diploma.

Para isto, pedindo para este ponto a attenção da camara, não preciso mais do que fazer desde já notar a v. ex.ª o Diario de 15 de abril passado, em que, a respeito do circulo de Cabeceiras de Basto, apparecem 2:246 eleitores, havendo em todo o circulo apenas 1:625 pessoas recenseadas!

Já V. ex.ª vê que isto é impossivel; 1:625 eleitores produzirem 2:246 votos, só se póde explicar quando o eleitor deite na urna mais de uma lista, e por consequencia dê mais do que um voto.

Qual foi a rasão d'isto? A rasão d'isto esta explicada nos considerandos da commissão, que eu acho não só justos mas muito habilmente fundamentados, e alem d'isto redigidos com perfeito conhecimento de causa.

A rasão foi que os eleitores de Cabeceiras de Basto entenderam que, apesar da portaria do ministerio do reino de 15 de março d'este anno, do artigo 2.°, n.° 2.°, do decreto de 17 de fevereiro ultimo e do artigo 18.°, § unico, da lei de 23 de novembro de 1859, deviam fazer a eleição pelo recenseamento de 1868, quando todas estas leis mandavam que ella fosse feita pelo recenseamento de 1867.

N'esta parte não tenho que impugnar a doutrina da commissão, porque a doutrina que ella estabelece é a mesma que eu apresento; mas desde que a commissão estabelece, e é esta a conclusão' que desejo tirar, que o unico recenseamento válido e legal para se proceder ás eleições em virtude das quaes todos nós estamos aqui, era o recenseamento de 1867, a commissão tem de reconhecer tambem que tendo-se feito a eleição pelo recenseamento de 1868, essa eleição não podia contar se e tinha de attender-se aos principios sanccionados pela praxe constante d'esta casa, que ora examinar se essas illegalidades que se tinham commettido em Cabeceiras de Basto podiam influir no resultado válido da eleição do circulo de modo que conduzissem a annullar a eleição. Se não influissem devia declarar que essas illegalidades não influiam no resultado da eleição, e que por consequencia ella devia ser approvada, porque o defeito não influia no resultado real e arithmetico da mesma eleição.

A commissão reconheceu, e eu estou tambem de accordo com ella, que o cidadão Guilherme de Carvalho e Abreu obteve em Vieira uma maioria de 928 votos, onde se procedeu á eleição pelo recenseamento legal de 1867. A commissão reconheceu tambem que os eleitores de Cabeceiras de Basto, pelo recenseamento de 1867, era apenas 804; por consequencia a operação arithmetica a fazer é muito facil. Deduzindo 804 votos de 928 temos mais de 100 votos de maioria, d'onde resulta que o cidadão Guilherme de Abreu tinha obtido maioria absoluta sobre o resultado (legal da eleição de Cabeceiras de Basto, fosse elle qual fosse.

Pergunto á commissão: Que escrupulo é o seu em relação á eleição de Cabeceiras de Basto? Reconhece ou não a commissão que em Cabeceiras do Basto não podia haver validamente mais de 804 votos, porque não havia mais eleitores? Reconhece, e ella mesma o affirma.

Supponhamos que em Cabeceiras de Basto não tinha morrido um unico eleitor depois de feito o recenseamento de 1867, e que todos estavam vivos; quantos eram? 804. Supponhamos que nenhum tinha ficado em casa, que todos tinham ido á eleição; quantos eram? 804. Supponhamos que todos votaram no sr. Paulino; quantos votos podia reunir este candidato? 804. Deduzindo estes 804 de 928 não se encontra uma maioria muito maior do que aquella por que muitos de nós estamos n'esta casa? Qual é pois a rasão por que havemos de concordar com a conclusão da commissão, e irmos privar um cidadão legalmente eleito de um direito igual áquelle por que nós aqui estamos? Pois havemos de annullar a eleição de um deputado que obteve uma maioria de votos tão espantosa no seu circulo, apesar da guerra atroz que soffreu em consequencia das circumstancias especiaes em que se achavam os dois concelhos de que se compõe o seu circulo? Essas circumstancias permitta v. ex.ª que eu as exponha á consideração da camara, porque estou persuadido que lhe hão de fazer muita impressão.

O circulo n.° 18 compõe-se de dois concelhos: de Cabeceiras de Basto e Vieira. O sr. Guilherme de Carvalho e Abreu era o representante do circulo, n'esta casa, muito a contento dos eleitores de Vieira e Cabeceiras de Basto; esteve no parlamento passado e aqui teve de votar e tomar parte na discussão das medidas que foram revogadas dictatorialmente, e cuja revogação nós confirmámos aqui outro dia. Em resultado da lei administrativa que mandava proceder a nova circumscripção, o representante d'este circulo desejando, porque era a sua idéa, que, eu sei e posso affirmar a v. ex.ª, poder crear uma comarca no concelho de Cabeceiras e outra no de Vieira, empregou todos os esforços para que esta sua pretensão podesse ser admittida e podesse achar confirmação na nova lei; apesar porém de todo% os esforços que elle fez, e de estar constantemente em Lisboa trabalhando para esse fim, não póde conseguir o resultado que desejava, e que eu estou convencidissimo que elle folgaria muito de obter, para evitar no seu circulo estes desgostos e complicações que apparecem agora.

Sendo pois essa pretensão incompativel com a divisão territorial, o deputado que representava o circulo teve naquella occasião, ou de consentir, se lhe pediram o seu consentimento, ou de receber, se por acaso o não consultaram, a creação da comarca de Vieira, e de receber igualmente a suppressão do concelho de Cabeceiras.

D'aqui resultou uma cousa muito natural, e foi que o deputado que representava o circulo, o sr. Guilherme de Abreu, ficou elevado ás nuvens no concelho de Vieira, para onde tinha conseguido a comarca, e foi mettido cem braças debaixo da terra no concelho de Cabeceiras, cuja suppressão elle tinha aceitado porque não podia deixar de a aceitar.

Seguiu-se o movimento do paiz, a revogação d'aquella medida, a dissolução do parlamento e as novas eleições; e o resultado foi que se podia dizer que o sr. Guilherme de Abreu não tinha um voto contra no concelho de Vieira, e não tinha um voto a favor no concelho de Cabeceiras; mas isto com uma differença essencialissima para que peço á attenção da camara, e é que o sr. Guilherme de Abreu no concelho de Vieira, onde tinha as sympathias, a adhesão e o enthusiasmo dos povos, tinha contra si a auctoridade local, que lhe difficultava não só as operações do recenseamento, mas todas as operações eleitoraes, e que não consentiria em qualquer excesso se por acaso lá fossem capazes de o fazer, o que eu não creio; e no concelho de Cabeceiras acontecia o contrario, acontecia que juntamente com a indignação popular, indignação adredemente excitada, mas que já existia nos animos (pois eu concordo em que existia, e existia naturalmente pela suppressão do concelho) juntamente com essa indignação, natural em todos os eleitores do concelho de Cabeceiras, acontecia que a auctoridade tinha o mesmo zêlo, o mesmo interesse, a mesma conveniencia que tinham os eleitores em prejudicar a eleição do sr. Guilherme de Abreu, e em favorecer todo e qualquer outro candidato que contra elle por ali fosse proposto.

O resultado foi que o recenseamento do concelho de Cabeceiras, que sempre teve e apparece no anno de 1867 com 804 votos, foi de repente elevado a mil e quinhentos e tantos, e foi elevado a este numero sem reclamação, sem uma unica duvida em todo o concelho.

Mas a falta de reclamação significará que o recenseamento representa fiel e exactamente a verdade dos que estavam recenseados no circulo, e dos mais que tambem o deviam ser? Não; isso é uma cousa que eu nego, e que nego absolutamente pelo conhecimento que tenho daquellas localidades; porque, como eu disse a v. ex.ª e á camara, o meu circulo é limitrophe com ambos os concelhos d'este circulo. Não ha eleitor nenhum no meu circulo que ignore a maneira como as cousas se fizeram.

Podem argumentar-me com os dados estatisticos da po-