O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 489

489

SESSÃO DE 3 DE MAIO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Apresentação de representações, requerimentos e nota de interpellação. — Ordem do dia: 1.ª parte, discussão do parecer n.º 13 da commissão de legislação, denegando a licença para continuar um processo intentado contra o sr. deputado Pinto Bessa, no juizo de direito do 1.º districto criminal do Porto - 2.ª parte, continuação da discussão, na especialidade, do projecto de lei n.º 9.

Chamada — 48 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Macbado, Agostinho de Ornellas, Osorio de Vasconcellos, Pereira de Miranda, Soares de Moraes, Villaça, Sá Nogueira, A. J. Teixeira, Freire Falcão, Pequito, Sousa de Menezes, Rodrigues Sampaio, Santos Viegas, Telles de Vasconcellos, Antonio de Vasconcellos, Cau da Costa, Augusto de Faria, Saraiva de Carvalho, Ferreira de Andrade, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco Beirão, Coelho do Amaral, Barros Gomes, Zuzarte, Candido de Moraes, Ulrich, Mendonça Cortez, Alves Matheus, Nogueira Soares, Faria Guimarães, Bandeira Coelho, Mello e Faro, José Luciano, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Julio do Carvalhal, Luiz de Campos, Affonseca, Marques Pires, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Pedro Roberto, Pereira Bastos, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey.

Entraram durante a sessão — os srs.: Alberto Carlos, Braamcamp, Teixeira de Vasconcellos, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Eça e Costa, Barão do Rio Zezere, Bernardino Pinheiro, Conde de Villa Real, Francisco de Albuquerque, Costa e Silva, Caldas Aulete, Bicudo Correia, F. M. da Cunha, Van-Zeller, Guilherme Quintino, Santos e Silva, Barros e Cunha, J. J. de Alcantara, Lobo d'Avila, Gusmão, J. A. Maia, Dias Ferreira, Elias Garcia, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, Almeida Queiroz, Mello Gouveia, Nogueira, Paes Villas Boas, Lisboa, Sebastião Calheiros, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs: Arrobas, Pedroso dos Santos, Barão do Salgueiro, Francisco Mendes, Pereira do Lago, Pinto Bessa, Silveira da Mota, Palma, Jayme Moniz, Mártens Ferrão, Augusto da Silva, Pinto de Magalhães, Latino Coelho, Moraes Rego, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mendes Leal, Julio Rainha, Lopo de Mello, Luiz Pimentel, Camara Leme, Pedro Franco, Visconde dos Olivaes.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio da fazenda, remettendo o mappa dos rendimentos publicos em divida em 30 de junho de 1870, requerido pelo sr. deputado Pedroso dos Santos.

Para a secretaria.

2.° Do ministerio da guerra, remettendo a correspondencia havida na repartição competente d'aquella secretaria d'estado, em satisfação ao requerimento do sr. deputado João José de Alcantara, ácerca do numero de doentes em tratamento no hospital militar da Estrella no dia 17 de abril proximo passado e dos que ali podem ser tratados.

Para a secretaria.

3.º Do ministerio da marinha, devolvendo o requerimento e documentos apresentados a esta camara por Francisco Pedro Ferreira, e dando informações ácerca da sua pretensão de ser readmittido na armada na qualidade de piloto.

Á commissão respectiva.

Communicação

Por motivos justificados não compareci ás sessões de hontem, e de 24 e 28 de abril.

Sala das sessões, 2 de maio de 1871. = O deputado, José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz.

Inteirada.

Requerimentos

1.º Requeiro que o ministerio das obras publicas informe: 1.°, se estão construidas, no todo ou em parte as estradas de 1.ª classe directas e transversaes indicadas na tabella n.º 3 annexa á lei de 15 de julho de 1862; 2.°, se tem sido ordenada pelo governo, e em que data, a construcção de quaesquer estradas mencionadas nas tabellas n.º 1 e 2 annexas á mesma lei, e no caso affirmativo se as despezas da construcção têem sido preenchidas com meios da receita geral do estado ou parcial pela fórma indicada no artigo 32.°, § unico, da lei citada.

Requeiro que seja solicitado, pelos ministerios do reino e das obras publicas, a apresentação dos relatorios ordenados nas leis da viação publica de 15 de julho de 1862 e 6 de junho de 1864 nos artigos 34.° e 23.° das respectivas leis.

Sala das sessões, 2 de maio de 1871. = Francisco Van-Zeller.

2.° Requeiro pelo ministerio das obras publicas commercio e industria os esclarecimentos seguintes:

I Em que anno foi decretada a estrada real de Barcellos a Ponte de Lima;

II Qual a extensão kilometrica da mesma estrada;

III Extractos dos seguintes pareceres da junta consultiva das obras publicas a saber:

Sobre o ante-projecto da mencionada estrada; Sobre os estudos definitivos do lanço da mesma estrada, de Ponte de Lima ao logar da Vergonha;

Sobre o ante-projecto da estrada dos Arcos a Ponte de Lima;

Sobre os estudos definitivos do primeiro lanço já construido da estrada predita, comprehendido entre os arcos e o logar da Carregadoura;

Sobre o ante-projecto da estrada da Barca a Ponte de Lima.

IV Se se acha já em construcção o primeiro lanço da estrada ultimamente dita;

V Se foram já approvados os estudos definitivos dos segundos lanços das duas mencionadas estradas da Ponte de Lima aos Arcos e á Barca.

Sala das sessões, 2 de maio de 1871. = O deputado, Manuel Redondo Paes Villas Boas.

Foram remettidos ao governo.

Notas de interpellação

1.ª Desejo interpellar o sr. ministro das obras publicas, commercio e industria sobre o estado de atrazo em que se acham os trabalhos da estrada real de Barcellos a Ponte de Lima.

Sala das sessões, 2 de maio de 1811. = Manuel Redondo Paes Villas Boas.

2.ª Desejo tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. deputado Pedro Franco ácerca do procedimento da auctoridade administrativa do concelho de Belem.

Sala das sessões, 2 de maio de 1871. = Francisco de Albuquerque.

Mandaram-se fazer as devidas communicações.

37

Página 490

490

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

A escola medico-cirurgica de Lisboa, pelas circmstancias especiaes do seu local e da importancia dos meios experimentaes de que dispõe, da primeira escola de medicina de Portugal, pelo numero de cadeiras de que é composta, e pela grande copia de preparatorios exigidos para a admissão dos seus alumnos não é menos avantajada do que as melhores da Europa, para cujo ingresso, são requisito essencial mui largas habilitações.

Em toda a parte as escolas de medicina das capitães são as mais consideradas, não só por ser ali que residem em geral os primeiros e os mais distinctes homens da sciencia, e ali toma as mais altas proporções a clinica particular, mas tambem porque n'ellas se facilitam as relações intellectuaes com o mundo scientifico.

É nas grandes cidades que os hospitaes são mais vascos que a elles afflue o maior numero, de enfermos e a maior abundancia de especies e variedades nosologicas.

Conhecendo e applicando estas verdades todas as nações cultas, onde em cidades secundarias estava ainda ha pouco localisado o ensino medico em universidades ilustradas pela mais honrosa tradição, trataram de fundar nas suas capitães faculdades de medicina, devidas umas, como o Keng's College da universidade, de Londres, á iniciativa de particulares, decretadas outras, copio a faculdade medica em a universidade de Berlim, por acto espontaneo dos governos. E se a Gran Bretanha, apesar do ensino medico professado em Cambridge, em Cambridge, em Edimburgo e em Dublin, não julgam superflua a creação de uma faculdade na metropole; se a Prussia, não contente com as suas celebradas universidades de Jena, de Heidelberg e tantas outras, teve por incompleto o systema na sua educação pacional, emquanto não fundou na capital uma faculdade medica; se a Hespanha com o estabelecimento de universidade central dotou Madrid com uma escola completa de medicina; não ha rasão plausivel para que a escola

medico-cirurgica de Lisboa não seja elevada a categoria de faculdade, conferindo aos seus alumnos as mesmas distincções e os mesmos graus que em todas as faculdades se concedem.

Com estes fundamentos temos a honra de propor á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei.

Artigo 1.º A escola medico cirurgica de Lisboa é elevada á categoria de faculdade.

Art. 2.° São instituidos na faculdade de medicina e cirurgia de Lisboa os graus de bacharel, de licenciado e de doutor, os quaes serão concedidos aos alumnos da faculdade de medicina e cirurgia de Lisboa pela fórma que será de terminada n'um regulamento especial.

Art. 3.° Os lentes proprietarios e os substitutos actuaes e os que de futuro o forem ficarão por este facto sendo doutores da faculdade de medicina e cirurgia de Lisboa.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Lisboa, 1 de maio de 1871. = Francisco Julio Caldas Aulete = José Maria Latino Coelho, deputado por Lisboa = Manuel Thomás Lisboa.

Foi admittido e enviado á commissão competente.

O sr. José Tiberio: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Villa Nova de Foscôa, que pede que seja revogado o decreto de 30 de outubro de 1868, que creou a engenheria districtal.

Declarando que faço meu o pedido e minhas as judiciosas considerações d'aquella illustre corporação, como representante do povo, a que me prendem os mais intimos e sagrados laços de reconhecimento e amisade, creio que teria dito o suffiçiente; entretanto permitta me v. ex.ª e a camara que eu insista em que não póde deixar de ser revogado aquelle decreto, por isso que a engenheria districtal, não presta serviços alguns, principalmente na provincia do norte de que tenho mais particular conhecimento. E não é porque os cavalheiros que fazem parte da engenheria districtal

não sejam capazes de os prestar; é porque não podem presta-los uma vez que os municipios e concelhos não têem os recursos sufficientes para os sustentar e dar desenvolvimento á viação municipal é districtal.

Posso dizer que no meu districto ainda nem uma só estrada districtal ou municipal foi estudada.

A camara do meu concelho propoz se a estudar uma estrada, mas eram taes as despezas a fazer com os estudos, que largou mão d'este serviço e não quiz continuar com elle. Reconheceu que era absolutamente impossivel realisar a construcção d'aquella estrada.

De mais, aquella corporação está a receber avultadas quantias. Só o meu concelho que rende dois contos e tanto para estradas municipaes, teve de pagar a terça parte d'esta quantia, ou 707$000 réis para aquella repartição.

Portanto, não é rasoavel nem conveniente que os municipios continuem a pagar a uma corporação que lhes pão presta serviço algum, quando podia prestar-lh'os, se se encorporassem na engenheria do governo, a qual, segundo me consta, precisava de augmento de pessoal, por isso que não tem o sufficiente para desempenhar os serviços a seu cargo.

Concluo pedindo á camara e ao governo que tomem este assumpto debaixo do seu mais serio cuidado.

O sr. Pinheiro Borges: — Mando para a mesa trinta e quatro requerimentos de officiaes do exercito, que pedem melhoria de vencimentos.

Não faço agora considerações algumas, pomo não as fiz quando aprestei outros dos officiaes de cavallaria n.º 5, sobre o conteudo d'estes requerimentos, porque entendo que o pedido dos signatarios está ligado com a questão financeira, e que a camara não póde deixar de resolver senão attendendo a todos os interesses e de modo que todos façam sacrificios.

O sr. Julio do Carvalhal: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Villa Pouca de Aguiar, acompanhada de mais 266 assignaturas, pedindo que não se approve a proposta do imposto predial emquanto uma base mais justa não servir de ponto de partida para este imposto.

Esta representação é concebida nos termos mais convenientes, e eu creio que v. ex.ª e a camara não encontrarão motivo de objecção para a sua publicação. Se porém o encontrarem, o que eu não espero, então peço que me seja devolvida, para eu a mandar publicar.

O sr. Luciano de Castro: — Mando para a mesa uma representação dos officiaes de diligencias da comarca de Anadia, pedindo a promulgação de uma lei, que lhes torpe extensivos os beneficios que á carta de lei de 11 de setembro de 1861 confere aos escrivães, contadores e destribuidores que se acham incapacitados para continuarem no exercicio dos seus empregos.

Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de a mandar á commissão competente.

O sr. D. Miguel Coutinho: — Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da camara municipal do concelho do Crato, contra o decreto de 30 de outubro de 1868.

Este assumpto é realmente digno de ser attendido pela illustre commissão de obras publicas, a quem v. ex.ª provavelmente enviará esta representação.

Não sendo agora a occasião propria de tratar d'este negocio, limito-me a pedir á illustre commissão de obras publicas que considere esta representação conjunctamente com as que têem sido enviadas á camara, n'este sentido e com outras que hajam ainda de ser apresentadas, como me consta.

O sr. Eduardo Tavares: — Apoiado.

O sr. Augusto de Faria: — Mando para a mesa um requerimento em que o tenente do exercito, João Evangelista Franco de Ascensão e Sá, actuai administrador do concelho da Vidigueira, pede que no orçamento do minis-

Página 491

491

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

terio do reino seja incluida a verba necessaria para lhe ser pago o seu soldo, que desde agasto de 1870 deixou do lhe ser pago pelo ministerio da guerra, com fundamento no disposto no artigo 65.° da carta de lei de 23 de junho de 1864; e para poder continuar a abonar-se-lhe, emquanto elle continuar na referida commissão do administrador de concelho, para que foi nomeado por conveniencia do serviço.

E parecendo-me de toda a justiça esta pretensão, rogo a v. ex.ª queira mandar dar o conveniente destino a este requerimento.

Tambem mando para a mesa uma representação em que a camara municipal do concelho de Moura pede ser auctorisada a despender com a construcção no edificio dos paços do concelho, de uma fala destinada para tribunal judiciario a quantia de 400$000 réis, extrahida do cofre dos fundos existentes para serem applicados á viação municipal do mesmo concelho. E parecendo-me urgente a resolução d'esta representação, peço a v. ex.ª queira manda la remetter á commissão competente.

O sr. Santos Viegas: — O sr. deputado Lopes Vaz de Sampaio e Mello,

encarregou-me de participar a v. ex.ª e á camara, que não póde comparecer á sessão de hoje por incommodo de saude.

O sr. Mexia Salema: — No Diario da camara, que me foi distribuido hoje, na parte da sessão de antes de hontem, vem entre os nomes dos srs. deputados que faltaram á sessão, o meu nome.

Eu prézo-me de ser exacto no cumprimento dos meus deveres, comparecendo sempre n'aquelles sidos onde os devo cumprir; e sinto dizer que houve um equivoco. Eu compareci n'essa sessão. Aqui estive até se entrar na ordem do dia, e depois tive de me recolher á commissão de legislação para tratar de um negocio que hoje tem de occupar a attenção da camara.

Faço esta declaração, para que se fique entendendo que houve um equivoco, posto que involuntario.

O sr. Mariano de Carvalho: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo, pelo ministerio do reino, alguns esclarecimentos que me são necessarios para a discussão do orçamento.

Desejo que a respeito d'este requerimento não continue a infelicidade que tenho tido ácerca de quasi todos os requerimentos que tenho feito, pedindo esclarecimentos ao governo.

Pelo ministerio da marinha e pelo dos negocios estrangeiros pedi varios esclarecimentos a respeito de uma embaixada, ou não sei que, que alguns empregados de Moçambique improvisaram á republica do Transwal, e ainda não vieram.

Ha mais de um mez pedi, pela direcção dos proprios nacionaes, uma copia de um requerimento resumidissimo de uma camara municipal, e ainda não veiu.

Ha tambem mais de um mez pedi, pelo ministerio do reino, copia de uma consulta do procurador geral da corôa, que não era muito extensa, e ainda não veiu. Agora peço outra consulta do procurador geral da corôa, e desconfio de que tambem não virá.

Mas eu declaro a v. ex.ª que, se não vierem estes documentos, de que sei pouco mais ou menos os termos, hei de ver me obrigado a dizer á camara qual é o motivo por que elles não vem.

O sr. Mendonça Cortez: — Mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro da justiça ácerca dos trabalhos da commissão nomeada para a reforma parochial.

O sr. Barros e Cunha: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Loulé contra o decreto de 30 de outubro de 1868.

Peço a v. ex.ª que a mande juntar ás representações identicas que têem sido enviadas por outras camaras, para que só tome uma deliberação ácerca d'esta queixa, que não pede deixar de ser rasoavel e muito fundamentada, porquanto é uniforme em todo o paiz.

O sr. Pedro Franco: — Declaro a v. ex.ª que faltei ás tres ultimas sessões por incommodo de saude.

Por esta occasião mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo (leu).

E desejava que v. ex.ª me informasse sobre se os requerimentos que fiz ha tempo, pedindo esclarecimentos ao governo, pelo ministerio do reino e pelo da justiça, já foram satisfeitos.

Como estive estes tres ultimos dias incommodado de saude, ignoro se alguma cousa se passou ultimamente a este respeito.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — Os esclarecimentos que o illustre deputado pediu ainda não vieram.

O sr. Pedro Franco: — N'esse caso rogo a v. ex.ª que novamente officie aquelles ministerios, a fim de que venham os esclarecimentos que pedi, porque me são precisos para verificar a minha interpellação.

O sr. Villaça: — Declaro a v. ex.ª que não me foi possivel comparecer á sessão de hontem por motivo justificado.

O sr. Presidente: — Vae passar-se á primeira parte da ordem do dia.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Discussão do parecer n.º 13

É o seguinte:

Senhores. — Á vossa commissão de legislação foram remettidos um officio do juizo de direito do primeiro districto criminal do Porto, acompanhando uns auctos de querela, em que é querelante o ministerio publico e querelado Francisco Pinto Bessa, e uma certidão extrahida de uns autos de corpo de delicto a que se procedeu o requerimento do mencionado Bessa, processados pelo mesmo juizo.

No processo referido, Francisco Pinto Bessa e accusado de haver offendido corporalmente o então governador civil do Porto, Jacinto Antonio Perdigão, no exercicio de suas funcções, ou por occasião d'estas. Por despacho ultimamente proferido Bessa foi pronunciado, ficando obrigado a prisão e livramento sem admissão de fiança, por se achar incurso no artigo 183.º, § 2.°, do codigo penal, e na lei de 1 de julho de 1867. Como porém o pronunciado é deputado da nação, o juiz respectivo remetteu o processo a esta camara, a fim de que esta, em observancia do disposto no artigo 27.º da carta constitucional, conceda ou negue licença para a continuação do procedimento criminal intentado contra um dos seus membros.

A vossa commissão examinou com minucioso escrupulo todos os termos do processo e o documento apresentado, e á vista d'elles:

Considerando que o facto incriminado não foi premeditadamente concebido, preparado de antemão executado com firme e unico proposito criminoso, mas antes devido a excessos momentaneos e inesperados, muito para lamentar, provocados de certo pelo zêlo com que o queixoso e o querelado pretendiam sustentar os seus direitos como auctoridades;

Considerando que, passando-se o facto alludido só entre o queixoso e o querelado, as narrações d'elles divergem em pontos importantes, e a que os respectivos exames provam terem sido encontrados em ambos varios signaes de contusões;

Considerando que tal facto não pede classificar-se entre os crimes que pelo proposito deliberado, e pelo modo cruel ou infame com que são executados, despertam em todos um sentimento profundo de horror ou de desprezo contra o auctor d'elles, sentimento que exige immediata e completa reparação;

Considerando que o interesse publico exige a presença de todos os deputados na camara quando se controvertem projectos de leis tributarias, e quando dentro em pouco deve começar a discussão do orçamento, não convindo por isso, sem motivos ponderosos, suscitar embaraços que possam

Página 492

492

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

interromper, ainda por pouco tempo, a assidua frequencia dos representantes da nação no parlamento:

É de opinião que não deve conceder licença para a continuação do processo referido.

Sala da commissão, 2 de maio de 1871. = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, vencido = José de Sande Magalhães Mexia Salema = Augusto Cesar Barjona Freitas, vencido = Bernardino Pereira Pinheiro = Antonio Pequito Seixas de Andrade, com declaração = Joaquim Nogueira Soares Vieira, com declaração = José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz = Antonio de Vasconcellos Pereira Coutinho de Macedo = José Luciano de Castro, vencido = Francisco Antonio da Veiga Beirão, relator.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Começarei por notar a v. ex.ª e á camara que fui o primeiro a tomar a palavra, depois de me ter demorado o tempo preciso para que alguns dos illustres membros da commissão, que tinham assignado este parecer vencidos ou com declarações, podessem apresentar-nos, como é costume e como parece conveniente, a exposição dos motivos que os levaram a divergir da opinião dos seus collegas a respeito do parecer que se discute.

Não é minha tenção irrogar censura a este silencio dos membros da commissão, porque estão no seu plenissimo direito de proceder, como entenderem, ou de escolherem o momento mais opportuno para as suas explicações. Julgo, todavia, conveniente para mim dar a explicação dos motivos que me obrigam a fallar em primeiro logar.

Eu devo principiar por dar os parabens ao governo e á maioria da camara, ou porque a questão de fazenda, como elles a entendem, se acha já plenamente resolvida, ou porque essa questão de fazenda vae ficar plenissimamente resolvida com a approvação do parecer que se discute agora, em virtude da notavel urgencia, que hontem se votou e se venceu contra o meu voto.

Estou e declaro-me cansado de ouvir n'esta casa, tanto ao governo como aos membros mais importantes da maioria da camara, que é necessario pôr de parte todas as questões e tratar unicamente da questão de fazenda. Parece haver prohibição absoluta de tratar aqui outras questões. A opinião do governo, a sua unica declaração politica, a actual omnipotencia da commissão de fazenda, o accordo expresso ou o consentimento tacito dos chefes de partido, o procedimento d'esta camara, tudo se tem reunido para inculcar ao paiz a perfeita harmonia no pensamento unico de preferir a todas a questão de fazenda, e de preterir todos os assumptos até á plena resolução d'este, que é o mais difficil, o mais importante e o mais urgente. D'aqui, ao ver entrar por urgencia em discussão este parecer sobre a continuação de um processo crime, concluo eu, que a questão de fazenda está resolvida, ou que é isto que a resolve! Em qualquer dos casos, parabens ao governo e á maioria d'esta camara.

Mas, sr. presidente, infelizmente para todos a realidade é exactamente o contrario do que estas apparencias inculcam. E se eu estou e me declarei cansado de ouvir proclamar a preferencia da questão de fazenda, estou e venho declarar-me cansadissimo de ver e de presencear, que n'esta camara, os actos não correspondem ás palavras, porque a camara está reunida e funccina ha mais de dois mezes, e eu tenho visto aqui tratar todas as questões, menos as politicas que cautelosamente se evitam aqui para serem tratadas em outros logares, mas não vi ainda que se principiasse aqui a tratar nem um só ponto importante da questão de fazenda.

O que se passa agora é mais um argumento que prova o que affirme

Estavamos discutindo uma pequena medida tributaria, a que não chamarei de fazenda, porque para mim não é com estas propostas que pede obter-se a solução da questão de fazenda, medida pequena, pequenissima mesmo depois das exiguas proporções a que a reduziu a illustre commissão, mas em verdade quasi a unica que tem vindo da commissão de fazenda para esta camara, e quando parecemos estar todos compromettidos e empenhados em resolver a questão de fazenda, que aqui está limitada até hoje ás medidas tributarias, levantou-se um deputado, pedindo a palavra em nome da commissão de legislação, v. ex.ª interrompeu ou suspendeu a questão de fazenda, preteriu todos os oradores inscriptos sobre a proposta que estava em discussão, e deu a palavra ao deputado que a tinha pedido por parte da commissão de legislação.

O sr. Presidente: — Não preteri ninguem; fiz o que é costume e o que manda o regimento; porque quando um sr. deputado pede a palavra por parte de qualquer commissão, logo que o orador que está fallando acaba o seu discurso, dá-se-lhe a palavra (apoiados).

O Orador: — V. ex.ª faz o que quer e o que entende, e mesmo a posição de v. ex.ª como presidente da camara leva-o a ter voto muito mais importante e auctorisado que o meu sobre a interpretação do regimento, porque só a v. ex.ª compete dirigir os trabalhos da camara.

V. ex.ª é tambem parlamentar antigo, mas eu, desde que tive a honra de entrar n'esta casa pela primeira vez, tenho visto constantemente que o regimento tem sido interpretado pela fórma seguinte.

Dá-se de preferencia a palavra por parte da commissão ao relator do projecto que está em discussão, e que foi dado para ordem do dia; ora, o projecto que estava hontem em discussão, e para isto chamo a attenção da camara, era a proposta da contribuição pessoal, e o relator era o sr. Barros Gomes, e quem pediu a palavra foi o sr. Veiga Beirão, como relator da commissão de legislação, e não por parte da commissão de fazenda. Por consequencia a minha observação podia não ser bem cabida á face do regimento, como v. ex.ª o interpreta, mas é bem cabida em vista da pratica constante que tenho visto seguir desde que entrei n'esta casa pela primeira vez.

O sr. Presidente: — O illustre deputado está enganado. Isso não é exacto (apoiados).

O Orador: — Effectivamente estou enganado; a pratica não é constante, porque já foi alterada pelo facto do hontem, que acabei de mencionar. Desde que hontem se alterou a pratica, não devo já chamar lhe constante, mas affirmo que este caso é o primeiro de que tenho conhecimento, e em prazo os srs. deputados, que tanto se esforçam, e que tanto se distinguem nos seus «apoiados», e que de certo hão de pedir a palavra para combater as minhas idéas, emprazo-os todos para apontarem os precedentes contrarios que tem havido.

O facto é que v. ex.ª preferiu aos deputados inscriptos sobre a proposta em discussão o relator da commissão de legislação, quando se achava inscripto sobre a contribuição pessoal o sr. Barros e Cunha, cujo testemunho posso invocar, e quando em seguida ao sr. Barros e Cunha tambem eu me achava inscripto sobre a proposta em discussão dada para ordem do dia.

Mas não foi só isto. Logo que o sr. Beirão mandou para a mesa o parecer da commissão de legislação, o sr. Mello e Faro pediu a palavra sobre a ordem. É claro que qualquer moção de ordem só podia referir-se ao artigo da proposta da contribuição pessoal que estava em discussão, mas o que se apresentou foi uma moção de ordem sobre o parecer da commissão de legislação, que acabava de ser mandado para a mesa, e que nem ainda tinha sido lido!

A camara póde decidir como quizer, mas o que não póde, porque não tem força para tanto, é impedir que os factos sejam o que foram, nem obstar a que eu aprecie os mesmos factos como elles existiram, tirando d'elles as conclusões que d'elles dimanam, como eu julgar conveniente.

V. ex.ª, sr. presidente, concedeu a palavra ao sr. Mello e Faro, pondo, ou deixando pôr, de parte a discussão da contribuição pessoal, e começando, ou deixando começar, a

Página 493

493

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

discussão sobre este parecer, que ainda não tinha sido lido, e que apenas tinha sido mandado para a mesa. O que é certo é que com elle se consumiu o resto da sessão de hontem para se votar a dispensa do regimento e uma urgencia superior á que costuma votar-se, como logo notarei. O que é certo é que hoje começa a sessão por este parecer, sessão que não basta nem chega para a resolução definitiva, e que vae toda ser consumida com a discussão d'este importantissimo assumpto, que muito interessa ao paiz para a solução da questão de fazenda, a qual é a unica que preoccupa e absorve o governo e os membros da maioria d'esta camara.

Parece-me que a simples urgencia que se requereu, e que a camara votou, não tem a significação que se lhe deu para a discussão d'este parecer, porque a simples votação da urgencia, segundo o regimento que eu conheço, não significa senão a dispensa do intervallo ordinario entre a distribuição do parecer impresso e o começo da sua discussão, mas nunca dispensou, creio eu, que fosse dado para ordem do dia o parecer, cuja urgencia se requereu, nem significou tão pouco que se pozesse de parte uma discussão principiada para se lhe substituir immediatamente o novo parecer.

Tudo isto são factos, e estes factos relato eu unica e exclusivamente para perguntar á camara e a todos os membros d'ella, qual é a importancia especialissima d'este parecer que nos obriga a interromper e a deixar de parte a discussão das medidas de fazenda, e que tomando-nos o resto da sessão de hontem e a sessão de hoje, ha de ainda tomar-nos todas as mais que forem precisas para o discutir!

Fazendo uma referencia a estes factos, o meu principal, senão o meu unico fim, é declinar toda e qualquer responsabilidade, que como membro d'esta casa possa pertencer-me ácerca da maneira como se tem tratado os negocios publicos e da escolha dos assumptos em que se tem consumido mais de dois terços da nossa sessão ordinaria!

Se se quer tratar a questão de fazenda, é preciso entrar n'ella, e a primeira cousa é traze-la para aqui; se alguma consideração de momento ou de importancia que eu desconheço, nos obriga a adiar ainda a questão de fazenda, entremos então em questões tão uteis e importantes como a de fazenda, que o paiz reclama com igual necessidade e que estão todas postas de parte á espera da discussão da questão de fazenda que nunca se discute!

Quando n'uma camara se procede por esta fórma, é preciso que cada um tome a responsabilidade que devidamente lhe pertence, e que ao mesmo tempo se aceitem completamente as explicações que dérem aquelles que são estranhos ao systema seguido, para a todo o tempo se ver que não são responsaveis por esse procedimento.

Para mim, a responsabilidade principal do adiamento da questão de fazenda, é da commissão de fazenda d'esta casa, que tem a camara suspensa a pretexto de se entrar n'uma discussão importantissima, e que se não apressa em mandar para esta casa os pareceres sobre as questões que lhe estão affectas, obrigando-nos a prolongar indefinidamente a discussão da unica medida tributaria, que veiu a esta casa, e que, seja dito de passagem, não tem importancia nenhuma, nem pelo augmento de receita que ha de produzir, nem pela natureza das suas disposições, que são na maxima parte copiadas ou fielmente transcriptas da lei anterior que tem estado em execução. Todavia v. ex.ª e a camara sabem, e o paiz sabe tambem, as sessões que nós temos consumido com a discussão de um projecto, que, nas graves circumstancias do paiz, quem desejasse a solução da questão de fazenda, e se propozesse resolve-la, tinha obrigação de approvar ou rejeitar n'uma, ou quando muito, em duas sessões.

Com effeito, a camara que, tendo de resolver todos os problemas financeiros, e propondo-se saldar o desequilibrio do orçamento, gastasse na discussão de cada medida tanto tempo como se tem consumido com esta contribuição pessoal, sem chegar ainda a nenhum resultado util, podia eternisar as suas discussões, mas não podia, de certo, conseguir a resolução das difficuldades, que é urgente resolver, porque o tempo aproveita-se discutindo e resolvendo, mas perde-se quando se discute muito, resolvendo pouco ou quasi nada.

Entrando no parecer em discussão, declaro, que votei hontem contra a urgencia d'elle, e confesso que foi com grande sentimento meu que eu vi essa urgencia approvada.

Não dou grande desenvolvimento á discussão do parecer, porque o não posso fazer emquanto não tiver recebido explicações do illustre relator ou de alguns dos membros da commissão. O parecer como está redigido, não o entendo na parte em que é mais essencial que elle seja entendido. Ha um ponto em que o parecer deve ser claro, e nem obscuro é, porque é totalmente omisso.

A grande duvida a este respeito é saber se a resolução que a camara toma, denegando a licença para a continuação do processo, significa a extincção completa do facto criminoso, porque um dos seus membros foi accusado; ou se significa unica e simplesmente a decisão sobre a opportunidade da continuação do processo, entendendo a camara que o processo não póde continuar n'aquella occasião, mas que fica para ser continuado, ou quando o deputado processado tenha perdido a qualidade de deputado, ou antes d'isso e durante a legislatura, se porventura a camara entender que cessaram os motivos imperiosos e urgentes que tornavam indispensavel na occasião, em que se pediu esta licença, a presença n'esta casa de todos os seus membros.

Esta duvida não a resolve o parecer, e pelo contrario parece ter evitado cuidadosamente qualquer referencia a este ponto.

Portanto, limito me por emquanto a mandar para a mesa o seguinte additamento (leu).

Termino aqui, e depois de ouvir as explicações por parte da commissão, pedirei a v. ex.ª de novo a palavra.

Foi admittido á discussão o additamento apresentado pelo sr. deputado.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que, depois das palavras «processo referido», com as quaes conclue o parecer da commissão, se acrescentem as seguintes «o qual seguirá seus termos, finda a legislatura, se esta camara não resolver manda-lo continuar antes, quando cessem os motivos que exigem agora a presença do deputado a que se refere. = Visconde de Moreira de Rey.

Foi admittida á discussão.

O sr. Presidente: — Antes de continuar a discussão, peço licença aos srs. deputados que estão inscriptos, para dar uma pequena explicação.

A mesa acaba de ser accusada pelo illustre deputado que terminou agora o seu discurso, por não ter cumprido o regimento, e não ter seguido as praticas d'esta casa.

Devo rectificar as asserções do illustre deputado, não tanto para esta camara, porque ella sabe muito bem que a mesa se tem esmerado em procurar sempre fazer observar a lei e ser imparcial (apoiados), e não me parece necessario dar-lhe explicações a este respeito, mas para o publico, porque quem vê similhante asserção póde julgar que houve parcialidade da parte da mesa.

É da praxe d'esta casa, sempre que um sr. deputado pede a palavra por parte de uma commissão, dar-se-lhe a palavra logo que termina o seu discurso o sr. deputado que está fallando. Isto é pratica constante (apoiados).

Eu tenho tido tanto escrupulo em que se não abuse do pedido da palavra, que muitas vezes, tendo um sr. deputado pedido algumas explicações a um sr. ministro, tendo o sr. ministro respondido, e querendo o sr. deputado que eu lhe reserve a palavra, não lh'a tenho dado, para não preterir os outros senhores, porque não havendo cousa al-

Página 494

494

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

guma em discussão, nenhum sr. deputado tem direito de preterir os outros seus collegas.

Disse o sr. deputado que a urgencia era unicamente para se dispensar a segunda leitura.

Peço perdão ao sr. deputado. A urgencia é para aquillo para que se pede (apoiados).

O sr. Mello e Faro pediu a urgencia para differentes cousas; pediu a urgencia para ser dispensada a segunda leitura do parecer; pediu-a para ser impresso immediatamente e em seguida distribuido, e pediu-a para se discutir immediatamente. Quer dizer, pedia a dispensa do regimento na parte que determina que se não dê para ordem do dia um projecto senão passados tres dias depois de ter sido lido na mesa.

Emquanto ao facto de eu ter dado a palavra ao sr. Mello e Faro, devo advertir que não posso adivinhar quando os srs. deputados pedem a palavra sobre a ordem, qual o assumpto para que pedem a palavra.

Entendo, e n'este sentido tenho dirigido os trabalhos, que é um abuso pedir a palavra sobre a ordem, quando não é para propor uma moção de ordem relativamente ao assumpto que está em discussão, ou ao modo de dirigir os trabalhos da camara; entretanto tem-se permittido a apresentação de moções de ordem, inclusivamente para se passar a discutir assumpto diverso.

O sr. Mello e Faro pediu a urgencia do parecer que era apresentado. A camara votou-a. Não temos nada de que a censurar, ella fez o que costuma fazer muitas vezes.

Más é preciso advertir, que o sr. Mello e Faro pediu a palavra para antes de se fechar a sessão, e eu concedi-lh'a só depois de ter dado a hora. Já se vê que não se prejudicou a discussão da questão de fazenda.

Tinha necessidade de rectificar estes factos, para não recaír sobre a mesa uma censura immerecida.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Pequito: — Vejo-me collocado na obrigação de usar da palavra para satisfazer, até certo ponto, um dever de consciencia, visto que assignei com declarações o parecer da commissão.

E, usando da palavra, satisfaço não só a esse dever, mas tambem ao convite que acaba de ser feito pelo sr. visconde de Moreira de Rey aos membros da commissão que tinham assignado o parecer vencidos ou com declarações.

Concordo com o parecer da commissão, denegando a licença para a continuação do processo. Mas, sendo eu d'esta opinião, assignei da maneira por que o fiz, por entender que á carta constitucional até certo ponto me obrigava a isso.

Estou convencido, em vista da letra e do espirito da carta constitucional, de que a denegação da licença por parte d'esta camara não extingue, não acaba por uma vez a acção do poder judicial.

A carta dá direito a esta camara para suspender ou deixar continuar o processo, segundo ella julgar conveniente; porém, não lhe dá direito para se arvorar em juiz de crime, absolvendo ou condemnando.

Tratando de resumir as minhas idéás, direi simplesmente que ellas se fundam, em primeiro logar, no artigo 27.° da carta constitucional, que diz: «Se algum membro do corpo legislativo for pronunciado, o juiz dará conta á camara respectiva, para esta resolver sobre se o processo deverá ou não continuar, e se esse membro do poder legislativo deverá ou não ser suspenso no exercido das funcções legislativas. E em segundo logar no artigo 41.°, que dá poder exclusivo á camara dos dignos pares para conhecer dos delictos commettidos pelos deputados durante o periodo da legislatura.

Parece-me por isto que é da exclusiva competencia da camara dos dignos pares o conhecimento dos crimes dos deputados; e igualmente que a esta camara pertence o direito de conceder ou não licença para a continuação dos processou respectivos.

Já se vê que me fundei n'estes artigos da carta para o meu procedimento com relação a este negocio, e que desejo a licença para a continuação do processo, porque entendo que a suspensão da continuação do processo, quando deliberada pela camara, não determina a extincção completa do mesmo processo.

Abstenho-me de fazer mais considerações a este respeito. Apenas queria dar a rasão do meu voto.

O sr. Francisco Beirão: - Limito-me a dar breves explicações a respeito do parecer que assignei, e a responder a algumas observações feitas pelo illustre deputado que me precedeu, o sr. visconde de Moreira de Rey.

S. ex.ª começou occupando-se da pessoa do relator da commissão e censurou o, porque tinha hontem pedido a palavra para apresentar este parecer interrompendo a discussão importantissima de que se tratava, e censurou tambem a mesa, porque v. ex.ª lhe concedeu a palavra quando se debatia uma grave questão financeira.

Quanto á parte que diz respeito á mesa, v. ex.ª defendeu-a completamente de toda e qualquer arguição (apoiados). E era mesmo dispensavel que v. ex.ª désse essas explicações, porque a camara, fazendo completa justiça ao espirito recto e imparcial do seu presidente, sabe que v. ex.ª era incapaz de commetter qualquer attentado conta a lei ou contra o regimento (muitos apoiados). Mas o sr. visconde de Moreira de Rey pediu aos deputados presentes que lhe mostrassem outro exemplo de algum facto similhante. Eu podia apresentar muitos exemplos proprios, porque, como secretario da commissão de redacção, tenho pedido a palavra e mandado para a mesa pareceres d'essa commissão no meio de graves discussões (apoiados); mas não preciso d'esses exemplos, basta-me um só para apresentar ao sr. visconde de Moreira de Rey, é o do sr. Ferreira de Mello, que, interrompendo duas vezes uma grave discussão de que a camara se occupava, pediu a palavra e mandou para a mesa documentos, um dos quaes eram dois pareceres de uma commissão de que s. ex.ª era relator.

(Interrupção do sr. visconde de Moreira de Rey que se não percebeu.)

Eu vou apresentar a v. ex.ª as provas, estão aqui (mostrando um volume do Diario da camara).

Em 1869 discutia-se aqui uma gravissima questão politica provocada por uma representação dos empregados de pesos e medidas, discussão a que muitos de nós assistimos e que tinha sido dada para a segunda parte da ordem do dia.

Na sessão de 9 de julho d'esse anno dizia o sr. presidente o seguinte:

«Passa-se á continuação da discussão do parecer relativo á representação dos empregados de pesos e medidas.»

O sr. Abranches pediu que se lesse a inscripção. O sr. presidente manda ler a inscripção. O sr. ministro das obras publicas pede para fallar em logar do seu collega da marinha. Levanta-se n'este ponto o sr. Ferreira de Mello e manda para a mesa um requerimento, para que o Diario do governo seja distribuido a todos os membros da camara! (Riso).

Mais outro exemplo e na mesma sessão. Continuaram os debates. O illustre deputado não podia ignorar o que se discutia, pois que entrou n'esse mesmo dia na discussão. Passado algum tempo pede de novo a palavra o sr. Ferreira de Mello, e como este desgraçado Francisco Beirão fez hontem (riso) e diz o seguinte:

«Mando para a mesa dois pareceres (eram dois!) um da maioria e outro da minoria da commissão de legislação, ácerca da licença pedida para a continuação do processo do sr. deputado Santos e Silva.» (Risadas).

A mesma questão e logo dois pareceres! (Apoiados). — Vozes: — É verdade.)

Ora, o sr. visconde de Moreira de Rey, que é uma intelligencia robusta e um caracter honesto, não póde negar hoje estes factos, eu estou, pois, em bellissima companhia,

Página 495

495

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

porque estou na companhia do sr. Antonio Augusto Ferreira de Mello (apoiados —Vozes: — Muito bem.)

Outra censura!!

Pois a camara votou aqui a urgencia d'este parecer para ser discutido hoje?! Pois approva-se este escandalo inaudito?!

N'esta parte eu sou insuspeito. Votei contra a urgencia, e votei, porque, como relator da commissão, tendo assignado o parecer, e estando habilitado a entrar na discussão d'elle, não queria que se podesse dizer que me valia do meu voto de deputado para melhorar a minha posição de relator em relação aos meus collegas que não houvessem ainda estudado o processo. Foi por isso que votei contra a urgencia, mas voo levantar de sobre esta camara a censura de se singularisar por tal voto com o mesmo processo, e na mesma sessão que citei ha pouco.

Vou mostrar como as cousas se passaram.

A commissão de legislação d'aquelle tempo em que era relator o sr. Ferreira de Mello, deu parecer sobre o processo do illustre deputado o sr. Santos e Silva. Peço á camara toda a sua attenção e que ouça bom a historia, porque é instructiva.

No dia 5 de julho apresentou-se este parecer, dizendo n'elle a commissão de legislação, que a camara não tinha competencia nenhuma para ver os processos, mas só para decidir a questão de conceder ou negar licença sobre o officio do juizo respectivo, e declarava a commissão muito terminantemente no seu parecer, que não tinha examinado o processo. Discutiu-se esta questão, e o sr. Luciano de Castro levantou-se dizendo, que era necessario ver-se o processo e examinar se, que era isto da competencia da camara, e sustentava s. ex.ª uma idéa com a qual estou completamente de accôrdo. Propoz s. ex.ª o seguinte adiamento. Proponho que o parecer volte á commissão para ella dar parecer sobre o processo. Approvou-se este adiamento, e sabe v. ex.ª o que aconteceu?

Em 9 de julho apresentava o sr. Ferreira de Mello dois pareceres, um da maioria da commissão, dizendo que não tinha de modificar as suas idéas, e que continuava firme nos mesmos principios, e outro da minoria, dizendo que tinha examinado o processo, e que negava a licença. Este parecer tem a data de 9 de julho, e foi mandado para a mesa n'esse mesmo dia. Quando a sessão estava a acabar levantou se um illustre deputado e pediu, que se prorogasse a sessão para se discutirem e votarem n'aquelle dia os pareceres, e sabe v. ex.ª o que se fez? Deu-se parecer, foi para a mesa, votou-se e approvou se na mesma sessão prorogada para este fim sem ser impresso nem distribuido!

Aqui tem a camara outro escandalo igual ao de hontem.

Vozes: — Maior, maior.

(Interrupção do sr. Telles de Vasconcellos que se não percebeu.)

Estão presentes muitos cavalheiros membros d'aquella camara que não são capazes de negar a verdade dos factos.

Terminou as suas considerações brevissimas o sr. visconde de Moreira de Rey, dizendo que não entende o parecer. Tenho muito pena d'isso, porque não podendo de modo algum attribuir tal facto a fraqueza de intelligencia do illustre deputado, que reconheço como um dos talentos mais brilhantes d'esta camara, e como um dos primeiros jurisconsultos d'este paiz, vejo-me forçado a confessar que a culpa é do relator. N'esta parte, toda a defeza é inutil. Estou convencidissimo de que o parecer está pessimo, mas foi o melhor que pude fazer, a camara desculpará, attendendo á minha inhabilidade o ter feito um parecer tão mau, e só me resta proferir, infelizmente com mais verdade as palavras do grande maestro Rossini: «excuser du peu».

S. ex.ª não entendeu o parecer, mas mandou para a mesa um additamento, dizendo que era necessario que se declarasse se o processo ficava ou não ficava extincto. Isto é uma questão muito grave. Este ponto discutiu-se no seio da commissão, e esta entendeu que à camara não competia dizer quaes eram os effeitos que deviam resultar da sua denegação ou concessão de licença (apoiados). A attribuição da camara é denegar ou conceder licença, os effeitos ou consequencias que tenham de seguir d'essa denegação ou concessão da licença pertence a outros poderes (apoiados), ficando com tudo livre a cada um de nós o juizo sobre os corollarlos do parecer da commissão.

O sr. Pequito explicou os motivos por que tinha assignado o parecer com declaração. Agora eu, não como relator da commissão, porque esta absteve-se de dar parecer sobre tal ponto, mas fallando individualmente e como opinião minha pessoal, digo que entendo que assim como a denegação da licença não significa ficar extincto ou cancellado o processo, assim tambem a concessão da licença não equivale a uma ratificação de pronuncia (apoiados). A camara não funcciona como tribunal de ratificação de pronuncia, a camara exerce apenas uma attribuição politica, dando ou negando a licença (apoiados), os effeitos d'essa decisão realisam-se a outra parte (apoiados).

O parecer estará mal redigido, será inintelligivel talvez, mas tenho alguma desculpa quando para o fazer tive a meu lado o sr. José Luciano (apoiados). O sr. José Luciano sustentou n'esta casa esta mesma idéa, que a concessão ou denegação da licença não equivalia a ratificação ou não ratificação de pronuncia (apoiados). E s. ex.ª assignou o parecer respectivo a um processo igual ao que se discute em que se concluia, como conclue o que se apresenta agora, não concedendo a licença para a continuação do processo sem declararem os effeitos d'essa negação. Portanto n'estas mesmas idéas de s. ex.ª redigi o parecer.

Póde sei que o sr. visconde de Moreira de Rey não entenda o parecer, mas quem de certo o entende perfeitamente é o sr. José Luciano (apoiados — Vozes: — Muito bem.).

Limito aqui o officio de relator da commissão (apoiados).

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. visconde Moreira de Rey.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Ergo-me n'uma posição extraordinariamente desfavoravel, arguido por v. ex.ª e arguido pelo meu illustre collega e amigo, o sr. Beirão.

Eu sou o primeiro a admirar-me de não ter sossobrado immediatamente perante estas accusações fortissimas, e realmente não sei como tenho ainda animo para, lutando com as difficuldades inherentes a esta mui triste posição, tentar em ultimo esforço convencer a camara, demonstrando que as minhas idéas, pronunciadas hoje n'esta casa, nem estão em desharmonia com as idéas que sempre manifestei, nem com os meus actos no parlamento, nem podiam ter, em relação a v. ex.ª, a significação que v. ex.ª acaba de lhes dar.

É difficil a minha posição, na opinião de muitos dos meus collegas, mas eu espero vencer estas difficuldades mais apparentes do que reaes.

Eu não censurei a mesa, e sou o primeiro que reconheço na mesa, com respeito á direcção dos trabalhos d'esta casa, poder para dirigi-los, como muito bem entender, para a melhor regularidade d'esses trabalhos, e ter muito mais auctoridade para a interpretação do regimento, que o meu voto como simples deputado.

Defender-me-hei primeiro das arguições feitas por v. ex.ª

Sr. presidente, eu relatei simplesmente os factos. Vi apresentar-se o requerimento, ou a moção de ordem, hontem mandada para a mesa pelo sr. Mello e Faro, e narrei os factos que hontem se seguiram á apresentação d'essa moção; comparei naturalmente a interpretação ou applicação que muitas vezes tenho visto ser dada por v. ex.ª aquelles requerimentos, e d'ahi deduzi as consequencias que me pareceram deduzirem-se, naturalmente, de tudo que hontem se passou.

E a este respeito poderia eu ainda invocar a memoria dos meus illustres collegas.

V. ex.ª adoptou, e tem seguido invariavelmente, em re-

Página 496

496

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

lação a muitos dos meus collegas, o costume de, quando se pede a palavra para uma questão previa, para um requerimento ou sobre a ordem, dizer — antes de principiar, diga para o que é -, e como regra geral v. ex.ª manda ler moção de ordem.

Este costume, se não foi inventado, foi adoptado e posto em pratica por v. ex.ª e tem sido muitas vezes executado n'esta casa. Se hontem v. ex.ª o não applicou ao sr. Mello e Faro, foi, ou porque quiz fazer uma excepção, de que elle effectivamente é muito digno, ou porque não lhe occorreu applicar a regra geral. Se foi esquecimento, foi involuntario de certo.

Em todo o caso eu relatei os factos, mas não estava nas minhas intenções, quando os relatei e d'elles tirei as consequencias que entendi dever tirar, irrogar a menor censura a v. ex.ª ou á mesa.

Relatei os factos, deduzi as consequencias, que d'elles segundo me pareceu, naturalmente se deviam deduzir, e no uso pleno e liberrimo do meu direito declarei explicita e positivamente que da significação, que me parecia ter tudo o que se passou, declinava e não queria para mim a menor parte de responsabilidade.

Creio que isto foi sempre permittido a todos os membros d'esta casa; muitos d'elles em diversas epochas se tem aproveitado d'esta garantia; eu tambem a tenho aproveitado já algumas vezes; e protesto a v. ex.ª e á camara que hei de aproveita-la e usa-la sempre que isso me pareça conveniente.

Agora, sr. presidente, chego ás arguições do sr. Beirão.

Disse-nos s. ex.ª que apresenta precedentes, e que no Diario das sessões d'esta camara só propriamente meus apresenta dois na mesma sessão.

S. ex.ª teve a muita bondade de me emprestar estes diarios, de que eu não me lembrava, e que vejo agora aqui pela primeira vez, porque mesmo não costumo ter as sessões d'esta camara em que tenho tomado parte.

Declaro a v. ex.ª porém, que não tendo eu responsabilidade propria pelo que aqui se escreveu, podia aproveitar e seguir o exemplo dado por um dos homens mais eminentes d'este paiz, que muitas vezes costuma dizer ou que não disse o que se escreveu ou que se escreveu o contrario do que se devia escrever.

Entretanto não o digo nem preciso de recorrer a taes meios. Os casos são muito differentes.

O que eu estranhei relativamente ao sr. Beirão não foi mandar o parecer para a mesa, foi unicamente a circumstancia de preferir para isso aos oradores inscriptos sobre o projecto em discussão. Não foi s. ex.ª pedir a palavra, foi usar d'ella, preterindo os outros. É claro que não fiz nem podia fazer censura alguma pessoal ao sr. Beirão, que fez uso da palavra, quando lh'a concederam e não quando quiz.

Esta circumstancia não se deu commigo, nem consta d'estes diarios. Mandei o primeiro parecer para a mesa, não quando se estava discutindo um projecto, mas quando o projecto que tinha estado em discussão fôra approvado, e antes de ter a camara passado á discussão do projecto que se seguia. É claro que não preferi na ordem da inscripção, nem preteri nenhum orador inscripto.

Isto é em relação ao primeiro parecer que vejo aqui, como apresentado por mim.

Emquanto ao segundo, vejo que mandei para a mesa este parecer na occasião em que outros deputados estavam tambem a mandar para a mesa pareceres de commissões, e não na occasião em que para isso tivesse de interromper a discussão de um projecto de lei, porque o que vejo aqui immediatamente anterior á apresentação que eu fiz é a apresentação de outro parecer da commissão de guerra mandado para a mesa pelo sr. Bandeira de Mello.

Mas tudo isto vem pouco ou nada para o caso, e eu tenho argumento importante e decisivo para satisfazer plenamente os mais exigentes n'esta questão.

O meu argumento decisivo consiste em que esta camara é o que nunca foi camara alguma, uma excepção a todas as outras, prohibindo a sua natureza especial toda a possibilidade de comparação d'esta camara com alguma das camaras anteriores.

Eu tenho pertencido ás camaras anteriores, e não vi ainda nenhuma que se compromettesse aqui a não discutir cousa alguma, emquanto não resolvesse a questão de fazenda, nem que se lembrasse de obrigar-se solemnemente a pôr de parte todas as questões para se occupar unica e exclusivamente da questão de fazenda.

Foi esta a principal causa, não da minha censura, mas da minha simples estranheza; estranheza que fundamentei largamente, porque disse: pois esta camara que se compromette em nome da sua maioria, juntamente com o governo, a pôr de parte todas as questões para tratar unicamente da questão de fazenda, consente não só que a sua commissão de fazenda retenha em seu poder todas as propostas importantes que lhe têem sido enviadas, e que esteja em mais de dois terços d'esta sessão sem mandar para aqui proposta alguma para resolver a questão de fazenda, e alem d'isso esta camara cede ou associa-se a um requerimento, para que a unica e pequenissima proposta tributaria, que está em discussão, seja posta de parte e fique interrompida, substituindo-se-lhe, não o simples e rapido acto do relator da commissão mandar para a mesa o parecer, mas uma discussão larga e immediata que se ha de seguir nos dias seguintes até terminar preterindo a proposta tributaria que estava em discussão?!

Portanto, a minha estranheza nunca foi para o acto proprio de s. ex.ª, como relator, mandar para a mesa simplesmente o projecto, mas sim para a proposta do sr. Mello e Faro, sobre a ordem, fazendo entrar immediatamente este parecer em discussão, e é menos para os dois factos em si, do que para a contradicção flagrante que se dá entre uma camara que interrompe a discussão de uma proposta tributaria para lhe preferir com urgencia a denegação de licença para continuar um processo crime, tendo-se compromettido a preterir todas e quaesquer outras questões para só tratar de resolver, e até resolver a questão de fazenda.

Ora, outra camara n'estas circumstancias é que não houve ainda.

Os factos a que se referiu o meu illustre collega e amigo o sr. Beirão passaram-se, não n'esta camara, que tem estes compromissos, mas n'uma das legislaturas anteriores. Portanto, a minha estranheza subsiste completamente, porque se refere a circumstancias singulares que nunca existiram e que nunca appareceram n'esta casa.

Se a este respeito forem necessarias mais algumas explicações, não tenho duvida alguma em as dar.

Vamos á doutrina do parecer. Ouvi com toda a attenção tanto o meu illustre collega e amigo o sr. Pequito, como o nobre relator da commissão, de cujas idéas sobre o assumpto eu julgava ter conhecimento anterior, parecendo-me que s. ex.ª estava de pleno accordo em que a decisão d'esta camara nunca podia extinguir a accusação.

(Áparte do sr. Beirão.)

Então o conhecimento, que eu suppunha ter, tinha-o effectivamente; e como os dois membros da commissão, que já se levantaram para dar explicações, tanto o sr. Pequito como o sr. Beirão, estão em pleno accordo com as minhas idéas, de que a resolução tomada por esta camara não extingue a accusação, nem prejudica o futuro andamento do processo, eu já tenho dois votos auctorisadissimos, que apresento a esta assembléa, como dignos de lhe merecerem toda a consideração, n'um assumpto que tem uma importancia extrema.

Mas, n'este caso, por quem poderá vir a ser combatido o meu additamento, que acrescenta ao parecer a expressão exacta das idéas do sr. Pequito, e das idéas do nobre relator da commissão, e, se me é licito addicionar um humilde voto a votos tão illustres, que representa tambem as

Página 497

497

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

minhas idéas a este respeito? Por quem poderá vir a ser combatido o meu additamento, ou que motivo poderá levar a illustre commissão de legislação a deixar obscuro e duvidoso um ponto, que a dignidade d'esta camara e os primeiros deveres da commissão a obrigam a deixar firmado com a necessaria clareza?

Sr. presidente, são conhecidos da camara e são conhecidos do paiz os odios e as resistencias, que tem levantado no espirito publico e na imprensa o chamado privilegio, concedido pela carta constitucional a esta casa, de julgar ácerca da licença para a continuação dos processos nos crimes dos seus membros. Esse privilegio tem levantado odios e resistencias extremas, e a causa unica d'isso têem sido a confusão e a obscuridade, com que têem terminado as decisões d'esta casa sobre tão importante materia, e que a illustre commissão de legislação quer que continue uma vez mais, porque não nos apresenta uma unica rasão, que possa justificar ou explicar essa obscuridade do parecer.

Sr. presidente, póde-se dizer que quasi sem excepção, todas as vezes que esta camara tem conhecido de uma accusação iniciada pelo poder judicial contra algum dos seus membros, se têem levantado na imprensa as mais violentas censuras contra as decisões da mesma camara, e têem-se empregado esforços decididos para que se extinga, como inutil e odioso, um privilegio, que, seja dito de passagem, é essencial e inherente á indole do systema representativo (apoiados), encontra-se nas cartas e nas leis fundamentaes de todos os paizes cultos, e de que não póde prescindir-se sem comprometter a independencia do poder legislativo, sem se arriscarem todos os interesses, que são ordinaria ou extraordinariamente confiados á decisão de uma assembléa d'esta ordem.

Esta guerra tornou-se mais forte em 1866, e foi tal a impressão que o publico recebeu em resultado de uma de cisão similhante á que se propõe agora á approvação d'esta camara; tamanha e tão desfavoravel foi a impressão recebida no publico, que um dos homens mais esclarecidos d'este paiz, um dos homens mais distinctos não só pela sua elevada intelligencia e pelos seus valiosos trabalhos, mas seja-me licito acrescentar tambem, e principalmente pelo seu juizo pratico, que é dote menos vulgar, apresentou n'esta casa um projecto, a fim de se remetterem para as justiças ordinarias e communs todos os processos relativos aos membros d'esta casa, extinguindo assim completamente esta garantia.

N'essa epocha, em 1866, eu não só não era deputado, não só não tinha tenção de o vir a ser, mas tinha o proposito, que então reputava firme e inabalavel de não ser deputado emquanto durassem as circumstancias politicas, que pelo menos até hoje tem durado e continuam. Aconselhava-me esta resolução, não a propria experiencia, mas a experiencia de meu pae, que tinha occupado um logar n'esta casa, e que se tinha retirado d'aqui voluntariamente, deixando saudades a quasi todos os seus collegas (apoiados) com quem sempre viveu na maior intimidade e amisade (apoiados), por quem era querido e estimado (apoiados). Elle, contrariando a vontade dos eleitores, não quiz mais a eleição. Pelos mesmos motivos não a devia eu querer ainda hoje, e esses motivos são os que desviam d'esta casa muitos dos homens que mais serviços aqui podiam prestar.

Na occasião em que se apresentou o projecto a que me refiro, eu não era, como disse, deputado, nem tencionava se-lo.

O projecto foi recebido com maximo enthusiasmo publico. Não se levantaram resistencias, porque n'este paiz parece que só levantam resistencias projectos que lançam ou augmentam algum imposto, principalmente quando algum grupo distincto pelas suas ambições politicas resolve fazer arma do odioso que acompanha as leis tributarias para conquistar uma tal ou qual falsa popularidade, inculcando ao paiz que quer obstar á approvação d'esse imposto, mas com o proposito firme de lançar outro duplicado ou triplicado, se o paiz confiando nas suas promessas lhe der occasião de chegar ao poder.

N'aquella epocha, em defeza da garantia concedida pela carta aos membros d'esta casa, fui eu o unico que sustentei na imprensa uma polemica larga e extensa, que durou nada menos de cinco mezes.

Eu defendi e defendo como indispensavel o privilegio, ou antes a garantia, porque não se lhe póde chamar privilegio, estabelecida pela carta para os membros de uma camara, que é a parte mais essencial do poder legislativo, cuja independencia a mesma carta fixa e estabelece e não póde cessar nem comprometter-se sem o maximo transtorno para a sociedade.

Eu vim á imprensa defender esta garantia, que era combatida pelo abuso da sua applicação, e pela falsa interpretação que resultava unica e exclusivamente da obscuridade das resoluções tomadas n'esta casa.

É essa obscuridade que o parecer da commissão agora quer continuar, auctorisando com o seu silencio a interpretação inconveniente, que é facil de remediar, logo que na conclusão do parecer se declare a doutrina da carta com a interpretação verdadeira que lhe compete.

Para não fatigar a attenção da camara direi o seguinte. Nós temos a legislação sobre este assumpto na novissima reforma judiciaria e na carta constitucional, artigos 41.° e 27.° Esta camara não póde tomar conhecimento do processo, nem o processo póde nunca ser remettido para aqui pela auctoridade judicial.

O artigo 1:003.º da novissima reforma judiciaria diz o seguinte:

«Se porém o indiciado for algum membro da familia real, ministro d'estado, conselheiro d'estado ou membro do corpo legislativo durante o periodo da legislatura, o juiz não poderá contra elle passar mandado de custodia; porém feita a pronuncia remetterá o processo com todo o segredo de justiça ao tribunal, que por lei for competente para o julgar.»

A reforma não manda ao juiz que remette o processo para a camara dos deputados, manda-lhe unicamente que o remette para o tribunal que por lei for competente para julgar esse processo.

Qual é o tribunal competente para julgar o processo crime relativo ao deputado? Diz o artigo 41.° da carta constitucional:

«É da attribuição exclusiva da camara dos pares:

§ 1.° Conhecer dos delictos individuaes commettidos pelos membros da familia real, ministros d'estado, conselheiros d'estado e pares, e dos delictos dos deputados durante o periodo da legislatura.»

Ora, se é attribuição exclusiva da camara dos dignos pares, está claro que o conhecimento d'esse negocio não póde pertencer a mais auctoridade alguma, nem a esta camara, porque se esta camara principia a conhecer ou conhece, o conhecimento do negocio deixa de ser attribuição exclusiva da camara dos dignos pares, e sophismam-se as palavras da carta.

Portanto, o juiz deve, pelas leis do reino, mandar, não para aqui, mas para a camara dos dignos pares, o processo relativo ao crime de qualquer deputado.

Resta ver o que tem de vir para esta camara. Esse ponto decide-o a disposição do artigo 27.° da carta, que diz:

«Se algum par ou deputado for pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva camara, a qual decidirá se o processo deva continuar, e o membro ser ou não suspenso no exercido das suas funcções.»

Este artigo não manda ao juiz remetter o processo, manda-lhe dar conta, uma simples participação, declarando que um dos seus membros está envolvido n’um processo criminal; e pergunta á camara se ella julga opportuno o momento para dispensar do seu seio a presença d'aquelle mem-

Página 498

498

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

bro e continuar-se immediatamente o processo, ou se entende que as circumstancias mais graves do paiz exigem que se demore por um pouco a accusação especial d'esse individuo, e reclamam imperiosamente que n'esta casa se achem presentes todos os membros da representação nacional.

As leis mandam ao poder judicial — tanto a oferta como a reforma — dar conta a esta camara, e remetter o processo à camara dos dignos pares. Esta camara não póde conhecer do delicto, porque a carta no artigo 41.º diz que este conhecimento é da attribuição unica e exclusiva da camara dos dignos pares.

Ora, por este systema esta camara tem, com absoluta independencia de todos os poderes, o meio seguro e infallivel de garantir a integridade numerica da mesma camara, conservando aqui todos os seus membros, emquanto julgar que por alto interesse do estado, a sua presença é aqui necessaria. A camara tem ainda o meio de continuar a accusação ou durante o periodo da legislatura na camara dos dignos pares, constituida em tribunal de justiça, ou passado o periodo da legislatura perante a justiça ordinaria, se acaso julgou que durante todo esse periodo da legislatura lhe foi necessaria a presença de um dos seus membros, embora accusado.

Mas esta camara não tem nem póde ter meio de inutilisar a acção da justiça, nem de obstar á accusação, nem de absolver um dos seus membros: — esta camara não póde ter este direito, por uma rasão muito simples, alem de outras mais importantes: é porque n'esta camara e em todas as camaras electivas póde dar se o caso extraordinario de em uma dada epocha, serem eleitos todos os seus membros pessoas distinctissimas nos diversos ramos dos conhecimentos humanos, mas acontecer sem ser milagre que a eleição não mande á camara n'uma legislatura um só individuo que tenha conhecimentos juridicos e que esteja habilitado a tratar das leis do processo, ou da applicação do direito penal. Este inconveniente que póde dar se n'esta camara, nunca se dá na camara alta, porque a camara alta é composta por fórma, que quando se constitue em tribunal de justiça deve merecer a todos os cidadãos do paiz a maxima confiança que se póde ter em um tribunal.

Ha um ponto para que desejo chamar a attenção de v. ex.ª e da camara.

Disse o sr. Beirão «esta camara não póde nem deve declarar a interpretação que se deve dar ás suas decisões.»

Eu tenho tido occasião, na minha curta vida parlamentar, de protestar mais da uma vez contra este systema, introduzido no parlamento, de declinar as suas mais essenciaes attribuições, não sei por que motivo, mas que eu só posso explicar, ou pela natural indolencia, ou pelo desejo de obscurecer o que tem obrigação de ser claro.

Tenho-me conspirado contra o systema de se estar constantemente a declinar a competencia d'esta camara, nos pontos que pertencem ás suas attribuições mais essenciaes.

Diz o meu illustre collega e amigo, o sr. Beirão, cuja illustração sou o primeiro a respeitar, «isso pertence a outros poderes».

Eu pergunto a s. ex.ª se o partido reformista já revogou o § 6.° do artigo 15.° da nossa carta constitucional.

Pelo § 6.° do artigo 15.° compete a esta camara fazer leis, interpreta-las, suspende-las e revoga-las.

Ora, se ha uma lei que nós estamos a applicar frequentemente, em nome da qual estamos frequentemente a decidir; e se essa lei levanta no paiz estas duvidas de interpretação, duvidas todas em prejuizo do credito d'esta casa, e quando esta camara tem por principal dever, e primeira obrigação, não só fazer leis, mas interpreta-las, ha de levantar-se um membro d'esta casa a dizer que não é a nós que compete interpreta-la, e que deixemos isso para outros poderes?

É opinião de muitos srs. deputados que deixemos continuar o inconveniente que nos tem prejudicado, que deixemos muito de proposito e caso pensado continuar uma disposição que tem redundado muitas vezes em prejuizo e descredito das attribuições do parlamento? Não posso acredita-lo.

Quem tiver essas idéas, ou julgar que é util a continuação do estado anterior, rejeite o meu additamento, que eu apresentei sem auctoridade alguma propria; porém, que actualmente tem muita auctoridade, em consequencia dos votos insuspeitos dos srs. Pequito e Beirão.

Quem quizer continuar este estado de cousas rejeite o additamento, fuja á clareza, recuse-se a destruir a obscuridade, quando não só se lhe propõe, mas se lhe pede que faça cessar a obscuridade que a todos prejudica; mas prepare-se ao mesmo tempo para que a indignação publica, crescendo cada vez mais, nos obrigue um dia a prescindir de uma garantia que não é privilegio, mas que é indispensavel para conservar a independencia dos membros d'esta casa e do poder legislativo; prepare se para isso e para ver na imprensa do paiz continuar mais uma vez o pessimo systema, que eu sou o primeiro a condemnar, de injuriar e desauctorisar os poderes constituidos; prepare-se tambem para ouvir dizer que esta camara, toda dedicada na apparencia a resolver a questão de fazenda, que não resolve, e que não chega mesmo a tratar, escolheu para o fim da sua vida inutil este triste epitaphio de absolver duvidosamente um dos seus membros.

Tenho concluido.

O sr. Presidente: — Como a hora está adiantada, vae passar-se á segunda parte da ordem do dia.

O sr. Luciano de Castro: — Peço licença para reclamar contra a inscripção que v. ex.ª fez relativamente á discussão do parecer de que se trata na primeira parte da ordem do dia.

O sr. Presidente: — Agora não se trata d'isso e não é occasião opportuna para se fazer essa reclamação.

O sr. Luciano de Castro: — Agora estamos com a memoria mais fresca e entendo que é a occasião mais conveniente para se rectificar a inscripção (apoiados). Parece me que os srs. Antonio de Vasconcellos e Pequito, não estão inscriptos no logar que lhes compete; e eu por exemplo, que pedi a palavra antes do sr. Barjona, estou inscripto depois de s. ex.ª!

O sr. Presidente: — Uma vez que se trata de reclamações, é preciso consultar a camara.

Uma voz: — Não é preciso.

O sr. Barjona: — Eu pedi a palavra depois do sr. Luciano de Castro; v. ex.ª póde inscrever-me no logar que entender.

O sr. Presidente: — Agora vae passar-se á segunda parte da ordem do dia, e na occasião opportuna consultarei a camara para se rectificar a inscripção (apoiados).

Antes porém de se entrar na segunda parte da ordem do dia, cumpre-me fazer uma pequena observação em resposta ao que um illustre deputado disse, fazendo uma certa censura não só á camara mas á mesa pelo modo como são dirigidos os trabalhos, e querendo fazer mostrar que a camara tinha resolvido occupar-se exclusivamente dos projectos de fazenda! Tenho a declarar que ainda que alguns srs. deputados, e até os srs. ministros, se tenham pronunciado a esse respeito, não ha comtudo, relativamente á esse ponto, resolução alguma da camara (apoiados), porque se a houvesse, não teria dado um unico projecto de assumpto diverso para a discussão.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 9, na especialidade

O sr. Presidente: — Continua a discussão do artigo 7.° (Pausa.)

Como não ha nenhum sr. deputado inscripto, vae por-se á votação este artigo.

O sr. Barros e Cunha: — Eu tinha pedido a palavra

Página 499

499

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

sobre este artigo e tambem o sr. visconde de Moreira de Rey (apoiados).

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. deputado, porém como ha quasi sempre certa agitação na camara, torna-se muitas vezes impossivel o poder saber os srs. deputados que desejam inscrever-se, para fallarem relativamente a qualquer assumpto (apoiados).

O sr. Barros e Cunha: — Em primeiro logar, declaro a v. ex.ª que desejo eliminar da minha proposta a parte que se referiu «a ser lida pelo parocho á missa conventual dois domingos successivos, a copia do lançamento de cada parochia do concelho.» Como alguns dos meus illustres collegas têem escrupulos a este respeito e como os seus sentimentos religiosos se sobresaltam com esta parte da minha proposta, estou inteiramente de accordo com a sua eliminação (apoiados).

E se eu a propuz foi unicamente no sentido de que o parocho não com obrigação, mas como auxilio dos seus freguezes, era a pessoa mais competente para lhes dar conhecimento de um assumpto tão importante. Entretanto, a remessa da copia do lançamento de cada parochia do concelho ao regedor da respectiva freguezia, ficando patente na secretaria da junta de parochia, a fim de poder ser examinada pelos contribuintes, juntamente com o aviso individual, parece me ser meio sufficiente para que elles saibam não só em relação á matriz geral, mas relativamente á contribuição individual, se foram ou não justamente collectados (apoiados).

E peço a v. ex.ª desde já, visto que a camara dá signaes de assentimento a este meu pedido, que essa oração incidente seja eliminada pelo meu ex.mo amigo o sr. primeiro secretario, a fim de terminar já este incidente.

Não tenho senão a felicitar-me de que o principio de publicidade em materia de impostos, fosse tão bem aceito, tanto pelo governo como pela illustre commissão de fazenda, confiando eu completamente na sinceridade das declarações que aqui foram feitas pelo meu illustre amigo o Sr. relator da commissão.

Direi, porém, a v. ex.ª que os fundamentos com que se pretende adiar ou reservar para uma lei especial as disposições que propuz fossem adoptadas n'esta lei, não me satisfazem de maneira nenhuma, não capitulo com elles e hei de provocar uma votação da camara a este respeito.

Diz-se por um lado que esta proposta é de simples regulamentação, diz se por outro que o sr. ministro da fazenda já tinha essa idéa, diz se tambem que se nomeou relator especial para fazer uma lei.

Sr. presidente, uma cousa está provada até á saciedade, a legislação regulamentar existente não se executa, nem se pede executar. São dados dez dias a cada contribuinte para examinar a matriz na cabeça do concelho.

Supponha v. ex.ª um concelho com 10:000 ou 12:000 contribuintes, com 6:000, 5:000 ou 4:000 de contribuição predial dividida e subdividida em parcellas minimas!

Como se ha de attender ás suas reclamações ou satisfazer a sua legal e justa curiosidade se todos quizerem, como devem querer, examinar a matriz predial?

Qual é o meio pratico de executar esta garantia em que se funda a execução das disposições da lei do imposto directo da repartição?

Isto é um escarneo e a camara, reconhecendo-o, não póde consentir que continue; tem obrigação de se pronunciar para que o seu sentimento se traduza em acto legal. Devemos dar garantias completas aquelles que são tributados para conhecerem o modo por que o são, a igualdade com que o são é para fiscalisarem mutuamente os actos uns dos outros (apoiados). É esta uma grande providencia, que não se póde adiar, que não quero que se adie, que não consinto que se adie (apoiados), e se o governo não concorda com a minha opinião, declaro que é esse o ponto de partida (e não é isto uma ameaça ao sr. ministro da fazenda) para principiar a tomar mais cautela e ser menos facil n’esta docilidade com que me tenho deixado levar para um ministerialismo que se não me é attribuido como virtude, não quero que me seja attribuido como culpa. Voto o imposto e voto ao mesmo tempo as garantias necessarias para que elle se realise e para que os contribuintes o paguem.

De ha muito que eu sou uma victima da má legislação que regula as nossas contribuições. Não ha dia nenhum que não me procurem contribuintes injustamente collectados e executados, de contribuintes que são citados para pagar contribuições de dez e vinte annos atrazados e no atrazo das quaes não tiveram culpa alguma, e de contribuintes que são collectados n'um concelho, tendo-o sido em outros pela mesma propriedade; a fim de promover que sejam attendidas as suas queixas, sem comtudo poder obter justiça, mesmo porque na maior parte dos casos as verbas são pequenas e é necessario recorrer ao thesouro onde qualquer portaria para se conseguir qualquer reparação custa 3$600 réis! (Apoiados.)

Isto não póde continuar assim, o parlamento não deve consentir que continue (apoiados). Digamos ao povo que deve pagar mais, votemos os impostos que são necessarios, mas não juntemos ao imposto execuções inuteis, quando por providencias legislativas as podemos evitar (apoiados).

Eu consultei a este respeito alguns dos escrivães de fazenda mais intelligentes que conheço. Ainda hontem um d'estes empregados me disse — faça todo o possivel para que a sua proposta seja inserida nas disposições legaes da contribuição pessoal e depois se tratará do meio de a introduzir nas outras contribuições, porque eu desde já lhe asseguro e fallo contra os meus proprios interesses, que 50 por cento dos processos executivos acabam, por isso que a maior parte d'elles são filhos da ignorancia dos contribuintes, da difficuldade que têem de fazer as suas reclamações e de saberem como são collectados (apoiados).

Para tornar praticamente exequivel esta medida com relação a esta contribuição, já eu offereci ao governo e novamente lhe offereço, apresentar uma proposta com a minha responsabilidade, no caso do sr. ministro da fazenda ou do illustre relator da commissão não julgarem sufficiente esta minha indicação e não quizerem usar da sua iniciativa, para que na contribuição pessoal se lancem 2 por cento addicionaes, para se fazerem estas despezas.

Eu não procedi, sem ter sobejos fundamentos para fazer esta proposta; esses fundamentos existiam já ha muito tempo no meu espirito. Ha muito tempo que não conheço maneira, não digo de igualar, mas de tornar mais justa a contribuição de repartição, e evitar a maneira por que se furtam á fiscalisação as pessoas que julgam, que não é criminoso o facto de defraudarem o estado, senão a publicidade.

A opinião publica, tomando conta da má fé dos accionistas d'esta companhia nacional, chamada nação portugueza, quando se furtam a contribuir com a sua quota para as despezas que mandam fazer, ha de exercer uma acção efficaz, pela moralidade sobre a educação dos contribuintes.

Quem menos póde pagar, menos paga; e quem mais póde receber, mais diligencia faz para que lhe sejam augmentados os ordenados; por consequencia, não se conhece outro meio, senão a publicidade. Esta é a maior conquista que a liberdade tem feito, e a unica garantia que póde assegurar o seu esplendor e sua verdadeira utilidade.

Passando desde já a fulminar (hão de permittir-me a phrase, mas não merece outra) o escarneo de garantia de que se dá aos contribuintes, digo que o exame das matrizes nas cabeças dos concelhos é absolutamente impossivel.

É impossivel na contribuição pessoal, é impossivel na contribuição industrial e é absurda na contribuição predial.

Se os meus constituintes, se o meu concelho, se o conselho dos Olivaes, o de Belem, e mesmo de alguns bairros de Lisboa quizerem ir á repartição de fazenda examinar as suas contribuições, é impossivel, faze-lo.

Ora, supponha v. ex.ª que se apresentavam nas tres repartições de fazenda de Lisboa 12:000 contribuintes, porque

Página 500

500

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

são 37:538, os conhecimentos da contribuição pessoal dos tres bairros da cidade para examinarem as suas contribuições. Como se podia isto fazer?

Quem é que descreveria o itinerario, a marcha e os dias em que estes contribuintes haviam de ter conhecimento das collectas que lhe estavam lançadas?

Lord Wellington contava, que uma das manobras mais difficeis que em sua vida executára foi fazer saír ao mesmo tempo uma força de 30:000 homens que passára em revista dentro do Hyde Park.

Eu entendo que se o duque de Wellington quizesse fazer o detalhe d'estes 15:000 contribuintes para poderem examinar as suas collectas na repartição de fazenda, que o seu plano lhe havia de falhar completamente.

Em Lisboa a contribuição predial é repartida por 37:538 contribuintes e as repartições de fazenda são tres; quer dizer, 12:000 e tantos contribuintes para cada repartição de fazenda, termo medio.

Pergunto, qual é a garantia que está escripta nas nossas leis, pela qual os contribuintes possam saber que estão tributados com perfeita justiça, que lhe foram lançados unicamente os factos, que elles declararam; ou, se os não declaram aquelles que realmente possuem?

E se isto se dá em Lisboa, que direi dos bairros ruraes.

Os Olivaes tem 2:827 contribuintes de contribuição pessoal.

A séde do concelho é ás portas de Arroios, o concelho estende-se pela margem do Tejo até á Povoa, para o norte toca, pela freguezia de Bucellas, no Sobral do Monte Agraço e Arruda, vae do outro lado confinar em Mafra pela freguezia de Louza, com Cintra pela freguezia de Loures.

Supponha v. ex.ª que estes 2:827 contribuintes se apresentam nos pequenos paços do concelho, no largo de S. Jorge, creio eu, ás portas da cidade.

Villa Franca tem 1:346 contribuintes, Belem 1:821, Almada 1:333, Setubal 1:088 na contribuição pessoal.

Que despeza não terão elles de fazer para saberem se estão ou não estão devidamente collectados.

Que tempo não terão que perder?!

Sr. presidente, para se conhecerem estas informações que interessam a todos formei uma estatistica, e essa estatistica dá-me o seguinte:

[Ver Diário Original]

Em todo o continente do reino ha 268 escrivães de fazenda, 3:783 freguezias e 141:477 inscripções; calculando a media, pertencem a cada escrivão 14 copias de matriz, e em cada parochia ha 38 inscripções. Isto é o termo medio. Mas mudando para outros districtos, vejo que no districto de Aveiro ha 16 concelhos, 160 freguezias e 2:051 inscripções, por consequencia, cabem 11 copias a cada escrivão de fazenda, e a cada parochia competem 12 inscripções de matrizes; os concelhos em que ha mais são os de Lisboa, mas isso ainda assim é muito pouco.

Não vejo difficuldade alguma em que isto se faça. Os 2 por cento que proponho para este serviço, e calculando que na contribuição pessoal haverá pequeno augmento, subindo talvez a 400:000$000 réis, produzem 8:000$000 réis, dando portanto 30$000 réis por cada escrivão de fazenda, 2$000 réis por cada copia e 60 réis por cada inscripção correspondendo a cada aviso individual.

Já vê v. ex.ª que este additamento é de summa importancia, porque ninguem póde por menor preço fiscalisar em casa a sua contribuição, e na parochia o total d'ella. Não ha meio nenhum mais facil de proporcionar aos contribuintes o modo de verificarem se são devidamente collectados. D'este modo fica o contribuinte informado, se na sua freguezia ha contribuintes ou fastos fóra da matriz; se qualquer habitação igual á sua tem a renda avaliada com igualdade, se aquelle que occupa casa propria paga tanto como aquelle que tendo uma em iguaes condições, mas alugada, etc.

Entendo que isto é um serviço feito aos contribuintes, que elles de certo não se revoltarão de maneira alguma contra o voto que o parlamento der para que paguem o que esse serviço possa custar.

Outras reflexões apresentou o illustre relator da commissão, reflexões que respeito muito, e a que presto a homenagem que lhe é devida pelo talento com que trata de esclarecer este negocio, mas com que não estou muito de accordo.

Entendo que o melhor meio é fazer a matriz por concelhos, é descreve-la freguezia por freguezia, e que acabada uma se entre logo na descripção da outra. É isto o mais facil e mais em harmonia com a tabella que marca ordens de terras para a contribuição de lançamento e sumptuaria.

É unicamente uma questão de methodo e de ordem. Inscrevem-se os nomes de todos os individuos pertencentes a uma freguezia n'uma pagina, duas ou tres, e quando acaba a freguezia A, faz-se a mesma operação á freguezia B.

Este trabalho póde simplificar-se, sendo intelligentes os empregados que têem de o executar; a facilidade é muito grande e o despendio tambem não é enorme. Póde haver grandes difficuldades, mas é se os escrivães de fazenda são incompetentes, e n'esse caso são incapazes para todo o serviço, como infelizmente ha alguns.

Ha empregados muito distinctos, mas ha outros que não entendem nada, absolutamente nada do que fazem, nem a rasão por que o fazem.

Mas esses maior publicidade devem dar aos actos officiaes, porque reunem aos gravames naturaes que os contribuintes já soffrem, mais o gravame que resulta da falta de intelligencia e habilitações dos empregados que estão encarregados de dirigir aquelles trabalhos. Em geral ha muitos serviços que precisam ser reformados.

E a proposito direi ao sr. ministro da fazenda, que outro dia fui pagar um imposto a uma recebedoria que se chama recebedoria da receita eventual, que não sei para que serve similhante repartição (apoiados); entrei, levei os meus conhecimentos do imposto que ía pagar; estavam tres pessoas sentadas á roda de tres grandes livros (riso); depois de examinarem o que eu ía pagar e fazerem varias reflexões, fui chamado a pagar; paguei e disseram-me «se tem alguma cousa que fazer, póde saír, porque isto tem tempo» (riso). Não saí. Disse-lhes «fico, venho aprender e aproveito a occasião» (riso). Levaram meia hora contada pelo relogio para receberem o dinheiro que tinham a receber (riso), e para me darem os recibos. No tempo em que estive ali não estava mais ninguem para pagar, era eu só, e n'isto occuparam aquelles tres cidadãos todo o seu tempo, alem de mais dois que estavam fóra a olhar para quem entrava ou saia (riso). É impossivel que a receita eventual se não possa cobrar por menos dinheiro para o estado, poupando mais tempo aos cidadãos.

Página 501

501

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

E que direi eu dos telegraphos electricos? (Apoiados). Creio que é uma cousa irrisoria e impossivel (apoiados). Creio que as pessoas que estão á testa d'aquella repartição, que dirigem aquelles trabalhos, são competentissimos; mas o que é certo é que em París e em Londres usa-se outro systema. Ali não se póde estar á espera que uma pessoa sáia para outra entrar (apoiados); têem, portanto, differentes logares onde se dão os telegrammas; esses telegrammas têem já marcado em cada linha espaço para cinco palavras. Um livrinho de talões numerados, preparado como as estampilhas, recebe o numero de palavras e a importancia do despacho, no qual apenas se escreve o numero do recibo, que corresponde ao talão e que não excede o tamanho de uma mortalha de cigarro; e já me aconteceu, estando eu no Grande Hotel, vir abaixo expedir um telegramma, e quando subi ao meu quarto achei a resposta. Em París, Londres e outras cidades, não se podia fazer nas suas estações telegraphicas o que se faz entre nós; não se podia fazer ali o serviço como se faz aqui, era impossivel. Nós aqui estamos n'uma estação dos telegraphos electricos meia hora, uma hora á espera que se nos dê o recibo do telegramma (apoiados). Não sei que haja no mundo repartições de telegraphos electricos menos electricos que os nossos (riso — apoiados), e entretanto ellas estão cheias de pessoal (apoiados).

O nosso telegrapho electrico não dá receita para o estado, creio eu. O sr. ministro da fazenda está presente, e s. ex.ª nos poderá dar alguns esclarecimentos a este respeito.

(Interrupção do sr. ministro da fazenda que não se ouviu.)

O nosso telegrapho electrico custa-nos 50:000$000 réis. Creio que se poderia reduzir muito essa despeza (apoiados). O serviço seria muito facil. Eu pedia que, pelo menos, se abolisse um thesourão enorme com que se cortam os recibos.

Ha muitas reformas que se podiam introduzir no nosso serviço, mas nós, segundo uma phrase do sr. ministro da fazenda, que copiâmos tudo, copiâmos o que é inutil, e deixâmos de copiar o que é util. Espero que se faça agora uma excepção approvando se o meu additamento e de mais a mais com 2 por cento que offereço ao governo.

Tenho dito.

O sr. Presidente: — O sr. deputado Barros e Cunha retira alguma parte da sua proposta?

O sr. Barros e Cunha: — Sim, senhor, a parte que se refere á leitura feita pelos parochos.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — Eu leio a proposta, menos a parte que o sr. deputado retira, para ver se fica conforme (leu).

O sr. Barros e Cunha: — Muito bem. É exactamente assim.

O sr. Ministro da fazenda (Carlos Bento da Silva): — Levanto-me simplesmente para dizer ao illustre deputado, que as difficuldades que se apresentaram na commissão de legislação á proposta de s. ex.ª, não eram tendentes a rejeita-la, eram tendentes a contempla-la n'outra occasião.

E o illustre deputado deve ter confiança, porque somos elle e eu collaboradores n'este ponto. Eu tambem apresentei uma proposta, que foi mandada á commissão de fazenda, para que os pagamentos da contribuição se fizessem em prasos mais curtos.

Esta proposta tem de ser approvada pela camara, e a commissão de fazenda entende que, na occasião em que se tratar d'ella deve ser tomada em consideração a proposta do sr. deputado. E ha a vantagem de se tornar generica uma disposição que s. ex.ª quer que se applique a este imposto.

Eu sou tanto menos suspeito, que já declarei que, por occasião da rectificação das matrizes, havia de ter logar a publicidade que o illustre deputado exigo com relação aos mappas, distribuindo-se pelas parochias (apoiados).

Mas o illustre deputado não póde deixar de entender, que é conveniente que a disposição que propoz seja applicada não só a esta contribuição, mas a todas as outras; e não póde deixar de retirar uma parte da sua proposta, que, como regulamentar, offerece difficuldades.

Não me parece que seja comprometter o seu pensamento ou ir de encontro a elle, modificar n'um ponto a proposta que mandou para a mesa, e foi aceita pela commissão de fazenda.

Era o que tinha a dizer ao illustre deputado, a quem desejo muito ser agradavel.

O sr. Barros e Cunha: — Não aceito de maneira nenhuma o alvitre apresentado pelo sr. ministro da fazenda, combinado com a commissão de fazenda de adiar por uma lei geral ou por disposições regulamentares esta disposição, e faço questão de que ella seja inserida n'esta lei.

Eu não peço por ora que este principio se applique senão á contribuição pessoal, que é o que se discute.

Desejo que possa ser applicado a todas as contribuições. Não vou examinar quaes as difficuldades que se possam offerecer. Reconheço que o systema que existe é inefficaz, e não me parece que seja da dignidade do parlamento permittir que continue a existir como está. E não aceito transacção nenhuma a este respeito.

As provas que eu tenho dado, que o sr. ministro attribuiu a docilidade, mas que não eram senão um dever da minha parte, desde que eu reconheço a justiça da minha idéa, desapparecem agora.

N'este ponto a camara deve votar, consignando n'este imposto a garantia de não continuar a ser vexado o contribuinte por não ter meios...

O sr. Alves Matheus: — Se não se fizer agora, não se faz tão depressa.

O Orador: — Acredito sinceramente na boa vontade, na lealdade e sinceridade das declarações do governo, do sr. ministro da fazenda, da commissão de fazenda, e da camara, póde porém sobrevir um accidente qualquer que faça com que este principio não seja introduzido na legislação... Quem sabe o que nos trará o dia de ámanhã? Eu não sei. E de mais a mais dá-se uma circumstancia: eu estou para me retirar para fóra do paiz; vou no primeiro paquete; e não sei se a camara será dissolvida, como creio, antes da saída do paquete (riso).

É impossivel que isto continue!

E riem-se quando eu digo que isto ha de ser dissolvido!...

Pois isto não póde continuar assim. Isto assim é insustentavel.

É acaso possivel que nós estejamos aqui, diante d'essas gravissimas questões de que dependo o governo e o futuro do paiz, a gastar tempo esterilmente n'uma questão, sobre se ha de ou não ha de ser inserido na lei um principio que dá garantias aos contribuintes?! que o governo declara que aceita!!

Isto póde ser?!... Não póde ser. Isto é vontade de estar a manter o parlamento n'um estado de inanição, ou direi antes de perturbação em que não ha vida politica, em que não ha vida financeira, em que não ha vida economica, em que não ha emfim cousa alguma.

Isto approva-se ou rejeita-se; isto não se discute.

Pois mostra-se que os contribuintes não têem meios de verificar se a contribuição é devidamente lançada, se é devidamente lançada, se é devidamente repartida, eu proponho o modo de se acabar completamente com esse inconveniente, e diz-se: adiemos isto para as disposições geraes sobre contribuições, quando o que proponho não se refere senão á lei especial que está submettida á nossa consideração?!...

E admiram-se de que eu diga que isto está para ser dissolvido!... Eu digo ainda mais alguma cousa; eu digo que isto moralmente está já dissolvido.

Uma voz: — Não apoiado.

Página 502

502

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Isto não póde continuar assim, este estado de cousas não se póde prolongar por mais tempo. Nós não discutimos o orçamento, nós não discutimos a contribuição predial, nós não discutimos a contribuição industrial.

O sr. Ministro da Fazenda: — Peço a palavra.

O Orador: — Eu declaro a v. ex.ª, sr. presidente, que sinto muito ter-me deixado arrastar, contra o meu proposito, contra a minha vontade, a fazer uma reflexão que de certo não tem o sentido que o sr. ministro da fazenda me fez suppor que elle lhe attribuiu pela maneira por que a recebeu.

Eu já disse no outro dia á camara, que isto que nós estamos a fazer não é serio. Effectivamente vejamos se é ou não assim.

Um dia, logo no principio da sessão, o paiz por meio dos seus representantes reunidos n'esta casa, ouviu o governo dizer «adiemos todas as outras questões, e tratemos unicamente da questão de fazenda»; mas resta-nos apenas vinte dias de sessão ordinaria e ainda se não discutiu o orçamento, poz-se de parte a contribuição industrial, não temos ainda parecer sobre a contribuição predial, creio eu, não temos, emfim parecer sobre a receita e despeza publica; n'uma palavra, não temos absolutamente nada.

E não hei de eu dizer que isto isto vae ser dissolvido?!.. por força que vae.

Mas, emfim, eu não quero senão justificar o meu procedimento, eu não quero senão dizer que a rasão por que insisto tanto n'este objecto, é que dando toda a importancia á inserção d'este principio na nossa legislação, e tendo de me retirar para fóra do paiz, desejava não me ir embora sem que elle fosse consignado n'esta lei.

Isto não prejudica de fórma alguma as leis geraes que se queiram apresentar, nem tão pouco as leis especiaes que tambem se queiram adoptar.

O que eu tomo a liberdade de dizer á camara e ao governo, é que nós precisâmos tratar muito mais a serio os interesses dos contribuintes, não os deixando dependentes, quando se votam impostos, de leis que ainda hão de vir, para se lhes darem garantias.

Pois eu hei de acreditar que isto póde existir, vendo que a força publica, mesmo quando se está a pedir impostos, manda todos os dias á camara representações pedindo augmento de soldos?!...

Pois eu posso acreditar que isto ha de durar, se os homens a quem damos as armas para defenderem a constituição e as leis, para serem inteiramente obedientes conforme está marcado na mesma constituição, aproveitara um pretexto qualquer para pedirem augmento de soldos, quando sabem perfeitamente que a nação não lh'o póde dar?!...

Pois eu poss0 acreditar que tudo isto é serio?!...

Eu nunca tive medo nem da impopularidade nem das dissoluções. Estimarei até muito não voltar a esta casa.

Já tenho sido dissolvido umas poucas de vezes, e marcho sempre de frente para as dissoluções. Se for agora provocar esta, é a terceira vez, já estou habituado e não tenho medo algum; mas quando estou a fazer estas reflexões desejava que fossem tomadas a serio, e não se rissem, quando peço garantias para o povo.

O sr. Falcão da Fonseca: — Isso é uma censura.

O Orador: — Não me refiro a v. ex.ª

O sr. Falcão da Fonseca: — Não é por mim só. É uma censura feita á camara (apoiados).

O Orador: — Seja o que for, isto está no espirito, se não de todos, de muitos.

Pois v. ex.ª não acredita que isto é um sentimento de toda a camara? Não saímos dia algum d'aqui que não perguntemos uns aos outros — quantos dias dura isto, quando vem a crise. Não precisâmos mais. A maior parte dos dias vimos aqui com a idéa da crise, e as galerias enchem-se pelo mesmo motivo, e vão se embora desalentados, porque não vem a crise, porque ella não apparece. E quando se trata das principaes questões do paiz, solidão completa.

Isto repete-se aqui constantemente. Escuso de mencionar a v. ex.ª os casos que têem acontecido, porque a assembléa diante da qual estou a fallar, que está agora tão restricta, está convencida da verdade do que digo, que é inutil appellar para o testemunho especial de ninguem.

Acredito mesmo que não esteja na intenção do governo dissolver a camara. Creio n'isso. Acredito que o governo deseja obter da camara os meios para poder dirigir o melhor que poder, os negocios publicos. Acredito que as inscripções têem subido por obra e graça do sr. ministro da fazenda, pelos esforços que tem empregado para que se não lance no mercado mais titulos de divida publica.

É verdade, confesso tudo isto, e a causa que coincide com esta boa vontade do governo, mas não se póde dizer que da parte do governo estas providenciaes manifestações de uma circumstancia mais favoravel, tenham sido acompanhadas por actos que possa juntar em volta de si o enthusiasmo d'esta casa, porque a maior parte d'essas cousas perdem-se completamente na obscuridade da origem a que são attribuidas (apoiados).

O sr. Falcão da Fonseca: — Não apoiado.

O Orador: — O illustre deputado está no seu direito. V. ex.ª tem completa, illimitada e cega confiança no governo...

O sr. Falcão da Fonseca: — Tenho.

O Orador: — Está no seu direito de a ter. Eu disse no primeiro dia que não tinha, disse no segundo dia tambem que não tinha, e disse no terceiro — não tenho. Não tenho confiança, porque o governo não governa, mas sustento o nos actos que elle nos propõe para poder vir a governar.

Esta politica é aquella que eu sigo com os meus amigos, custando-me muitas vezes até com violencia dos meus sentimentos pessoaes (apoiados); até com sacrificio das minhas ligações de amisade e gratidão para com muitos d'elles. Tenho aqui dado testemunho d'isso, todas as vezes que tem sido necessario.

Tenho-me garrotado umas poucas de vezes n'esta casa para não fallar, entretanto mesmo contra minha vontade; é tal a força da electricidade, é tal a inquietação que anda pairando sobra nós que foi apenas uma pequena resistencia do sr. ministro da fazenda a um acto que considero de grande justiça, que me levou a dizer tudo quanto desejava calar. Confesso o facto. Não é porque muitas vezes não fique em duvida se o meu dever de representante me permitte ir tão longe nas minhas condescendencias e na minha abstenção, como tenho ido. Não tenho querido que nem sobre mim, nem sobre os meus collegas, por indiscripção da nossa parte, podesse ser nos attribuida uma crise, quando quasi toda a gente tinha ensarilhado as armas e tinha dado as mãos para a occultar. As crises, porém, não se assuste ninguem, são pontos de partida para melhor saude e robustez dos governos; e desejava mesmo que o nosso governo se robustecesse em harmonia a ter maior acção e força para dirigir e encaminhar bem os negocios publicos. Esta situação não póde continuar. Se continuar aniquila o paiz, não póde, não deve, e é impossivel que continue (apoiados).

Tenho dito, sr. presidente.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Presidente: — Devo advertir ao sr. deputado, que tem estado fóra da questão.

O sr. Barros e Cunha: — Peço um milhão de desculpas.

O sr. Ministro da Fazenda: — Começo por agradecer ao illustre deputado o ter-me reservado cinco minutos; porque eu não desejava que esta sessão se encerrasse sem ter occasião de responder, depois das accusações gravissimas, tão severas quanto injustas, apresentadas pelo illustre deputado, em relação ao governo, em relação á camara, em relação ao exercito, em relação ás galerias, em relação ao mundo inteiro! (Riso.)

Quando accusâmos tão profusamente como fez o illustre

Página 503

503

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

deputado, damos a demonstração de que somos injustos e precipita-los na opinião severa que formâmos a respeito de todos; porque é impossivel que só um individuo esteja livre do alcance das accusações que elle proprio dirige a todo o mundo (apoiados. — Riso).

A commissão de fazenda esteve hontem, creio, que até perto da uma hora da noite, occupando-se da discussão do orçamento, e comtudo diz o illustre deputado — não ha orçamento! Já se vê que a commissão esteve, por um entretenimento pueril, consumindo o seu tempo até uma hora avançada da noite, e tem-se applicado todos os dias a discutir o orçamento, simplesmente para não haver orçamento! (Riso.)

Na opinião do illustre deputado isto não é serio, porque se apresentaram alguns projectos, dos quaes foram modificados uns, e outros tem-se demorado a sua discussão. O illustre deputado vae abandonar este paiz, vae para uma outra nação...

O sr. Barros e Cunha: — Não vou por causa d'isto.

O Orador: — O illustre deputado vae abandonar este paiz...

O sr. Barros e Cunha: — Peço a palavra.

O Orador: — Peça-a, mas deixe-me usar da minha (riso).

O illustre deputado vae abandonar este paiz, porque não fazemos nada serio. Têem-se demorado alguns projectos na commissão de fazenda, modificaram-se outros, e por isso não é serio o que se faz aqui! (Riso).

Se o illustre deputado visse n'este paiz, como aconteceu em outro, apresentar o ministro da fazenda um projecto de impostos, a camara aceita-lo n'uma sessão, e o ministro abandonar completamente esse projecto, havia de dizer — isso não é nada serio.

O sr. Barros e Cunha: — Pelo contrario, foi muito serio.

O Orador: — Nós não estamos aqui a discutir a politica estrangeira; trago este exemplo, porque elle demonstra mais uma vez que todas as nações têem motivos para os seus homens d'estado praticarem actos que, julgados com precipitação e ligeireza, levam a considerações injustas (apoiados).

O illustre deputado, que realmente tomou tanto calor, entendeu que effectivamente se havia abandonado o proposito firme, que s. ex.ª tem como todos nós, de tratar seriamente das cousas publicas, só pela circumstancia de suppor que o não se attender n'esta lei ao principio da publicidade da maneira que o illustre deputado desejava, compromettia o seu pensamento e as suas intenções; e julgou a opcasião opportuna para uma explosão de severas censuras, que na minha opinião têem a impropriedade de não estarem de accordo com a resistencia opposta ás idéas de s. ex.ª (apoiados).

Eu não tinha nem podia ter duvida em ir na lei inserto o principio da publicidade em relação ás matrizes; no que tinha duvida era em acquiescer á parte regulamentar que o illustre deputado mandou para a mesa, e que elle mesmo rectificou hoje (apoiados).

Pois o illustre deputado póde modificar a sua proposta sem que perdesse o seu caracter de seriedade, e nós não temos a mesma liberdade, não nos assiste o mesmo direito, perdemos o caracter de homens serios se rectificarmos as opiniões do illustre deputado?! (Riso. — Apoiados.)

Pois o illustre deputado vê que o governo, sem provocação de s. exª, inseriu na lei, como condição indispensavel para a rectificação das matrizes, a publicação das mesmas matrizes; e s. ex.ª não levando em conta nenhuma esta disposição, suppõe realmente que está tudo compromettido desde que indica um meio de publicidade, e elle não é aceito logo immediatamente?! (Riso.)

O illustre deputado renuncia a um principio de e conciliação, e na minha opinião parece-me que esse principio não tinha produzido maus effeitos.

Todos reconhecem que o credito tem melhorado alguma cousa. Não attribuo isto ao merecimento dos ministros, nem com especialidade ao merecimento proprio; mas esta circumstancia, a que o sr. deputado liga uma significação secundaria, é que tem feito com que se sacrifique quaesquer tendencias egoistas á resolução de uma questão importante para nós, e que se apresente nas melhores e mais vantajosas condições (apoiados).

Se o illustre deputado reconhece que tem o direito de censurar o governo, ha de permittir que lhe diga que foi muito exagerado quando lhe pretendeu negar o caracter de seriedade.

Se se tem melhorado o credito, se o governo tem feito importantes reducções nos adiantamentos que se têem feito ao thesouro, se se têem modificado, e modificado muito, condições pessimas e cheias de ignominia para o paiz, não attribua s. ex.ª isto ao merecimento proprio dos ministros, torno a repetir, não temos essa vaidade, mas ás circumstancias em que nos temos achado se deve a abnegação dos partidos, desejosos todos de concorrer para a reilisação da questão de fazenda (muitos apoiados).

O illustre deputado diz que vae para o estrangeiro; se vae annunciar este resultado e este accordo, basta isso para que eu perdoe a s. ex.ª a injustiça que commetteu, não a respeito da minha pessoa, não a respeito do governo, mas a respeito de todos, a respeito d'esta associação a que se chama nação portugueza (apoiados. — Vozes: — Muito bem).

O sr. Presidente: — A ordem do dia para áminhâ é trabalhos em commissões, e para sexta feira a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×