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SESSÃO DE 27 DE MAIO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Dá-se conta de um officio da camara dos dignos pares do reino acompanhando uma proposta apresentada pelo sr. conde de Castro para serem adquiridos 200 exemplares da obra do conselheiro Clemente José dos Santos, Estatisticas e biographias parlamentares, a fim de ser remettida á commissão de fazenda da camara do senhores deputados para ser incluída no orçamento rectificado d'aquella camara a verba de 300$000 réis para cumprimento da alludida proposta. - Um officio do ministerio da justiça, pedindo licença para que o sr. deputado José de Azevedo Castello Branco possa comparecer no dia 30 do corrente, pelas onze horas da manhã, no primeiro conselho de guerra da primeira divisão militar, para ser inquerido. - Justificam as suas faltas ás sessões os srs. Ravasco, Ferreira Freire, Gomes Neto, Gabriel Ramires e Alves Matheus.
Na ordem do dia entra em discussão o parecer da commissão de legislação criminal, ácerca do processo instaurado contra o sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida. - Tomam parte na discussão os srs. Marçal Pacheco e Lopo Vaz, que apresentam, o primeiro uma proposta de substituição, e segundo uma moção de ordem; os srs. Albano de Mello (relator), ministro da justiça, Antonio Candido, Serpa Finto e Oliveira Matos. A questão fica pendente. - Antes de fechar a sessão houve explicações entre os srs. Teixeira de Vasconcellos, ministro da guerra, ministro das obras publicas e José de Azevedo Castello Branco, ácerca de uma phrase pronunciada pelo sr. Teixeira de Vasconcellos na sessão nocturna de 20 do corrente, com referencia ao exercito. - É approvada uma proposta apresentada pelo sr. presidente do conselho, para que os srs. deputados Julio Marques de Vilhena e Wenceslau de Sousa Pereira Lima possam, querendo, accumular as funcções legislativas com as dos empregos que exercem.

Abertura da sessão - ÁS duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 69 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Serpa Pinto, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Antonio Castello Branco, Campos Valdez, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio da Fonseca, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Victor dos Santos, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Julio Navarro, Feliciano Teixeira, Francisco de Barros, Francisco Matoso, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Severino de Avellar, Guilherme de Abreu, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Franco de Castello Branco, Santiago Gouveia, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, Correia Leal, Oliveira Valle, Amorim Novaes, Ferreira Galvão, José Castello Branco, Pereira e Matos, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Laranjo, José de Nápoles, Alpoim, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Santos Moreira, Santos Reis, Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Miguel Dantas, Dantas Baracho, Estrella Braga e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Alfredo Brandão, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Urbano de Castro, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Bernardo Machado, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Elizeu Serpa, Madeira Pinto, Matoso Santos, Fernando Coutiuho (D.), Firmino Lopes, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Fernandes Vaz, Soares de Moura, Frederico Arouca, Guilhermino do Barros, Baima de Bastos, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Alves do Moura, Avellar Machado, Barbosa Collen, Dias Ferreira, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Guilherme Pacheco, Barbosa de Magalhães, Abreu e Sousa, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Pedro Victor, Tito de Carvalho, Vicente Monteiro, Visconde do Mousaraz, Visconde da Torre e Visconde de Silves.

Não compareceram á sessão os srs.: - Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Freitas Branco, Lucena e Faro, Gabriel Ramires, Sá Nogueira, Pires Villar, João Pina, Cardoso Valente, Scarnichia, Dias Gallas, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Ferreira de Almeida, Vasconcellos Gusmão, Ferreira, Freire, José Maria dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Mancellos Ferraz, Pedro Diniz e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Da camara dos dignos pares do reino, acompanhando uma proposta apresentada pelo sr. conde de Castro, para serem adquiridos 200 exemplares da obra do conselheiro Clemente José dos Santos, intitulada Estatísticas e biographias parlamentaras, a fim de ser remettida á commissão de fazenda da camara dos senhores deputados para ser incluída no orçamento rectificado d'aquella camara a verba de 300$000 réis para cumprimento da alludida proposta.
Foi enviado á commissão de fazenda.

Do ministerio da justiça, pedindo licença para que o sr. deputado José de Azevedo Castello Branco possa comparecer no dia 30 do corrente, pelas onze horas da manhã, no primeiro conselho de guerra da primeira divisão militar, para ser inquerido.
Á secretaria.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Declaro ter faltado a algumas sessões da camara no corrente mez, por motivo justificado. = Gabriel José Ramires, deputado pelo circulo 70.

Declaro ter faltado a algumas sessões da camara, no corrente mez, por motivo justificado. = A. J. Gomes Neto, deputado pelo circulo n.° 78.

Declaro que, por motivo justificado, não pude comparecer ás ultimas sessões. = O deputado, J. Alves Matheus.

Declaro que não tenho comparecido a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado pelo circulo 85, Francisco Limpo da Lacerda Ravasco.

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Tenho á honra de participar a v. exa. e á camara que o sr. deputado José Luiz Ferreira Freire tem faltado a algumas sessões e faltará porventura a mais, por motivo justificado. = Francisco J. de Medeiros.
Para a secretaria.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o parecer n.° 102 da commissão de legislação criminal, ácerca do processo instaurado contra o sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida.
Leu-se.
É o seguinte:

PARECER N.° 102

Senhores. - A commissão de legislação criminal examinou o processo instaurado por ordem do sr. commandante geral da armada, contra o sr. deputado, e primeiro tenente da armada, José Bento Ferreira de Almeida, que foi enviado a esta camara para os effeitos do artigo 4.° do acto addicional de 24 de julho de 1885;
Considerando que pelo referido processo se prova que o mencionado deputado é accusado do crime de offensa corporal, commettido contra o então ministro da marinha, conselheiro Henrique de Macedo Pereira Coutinho, no dia 7 do corrente mez, na sala das sessões d'esta camara, depois de encerrada a sessão; e que, no despacho lançado sobre o auto de investigação respectivo, o facto é incriminado no primeiro dos artigos de guerra da armada de 15 de outubro de 1799;
Considerando que a suspensão das funcções parlamentares do sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida, resulta virtualmente da prisão do mesmo sr. deputado, já confirmada por esta camara por fundamentos que subsistem;
Considerando que a camara dos senhores deputados, nos termos do artigo 4.° do acto addicional de 24 de julho de 1885, só tem que deliberar cobre a suspensão do accusado do exercício de suas funcções, e sobre se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de lindas as funcções parlamentares do accusado, não podendo, por isso, resolver que o processo continue immediatamente:
É de parecer:
1.° Que seja ratificada a suspensão das funcções parlamentares do sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida;
2.° Que o processo siga no intervallo da actual sessão legislativa á sessão annual seguinte.
Sala das sessões da commissão, 24 de maio de 1887. = José Maria de Andrade = Antonio Candido Ribeiro da Costa = Eduardo José Coelho = A. Fonseca = Antonio Carvalho de Oliveira Pacheco = V. Santos = F. de Medeiros = Marçal Pacheco (vencido) = Albano de Mello, relator.

Ordem. - Um conselho de investigação formado dos officiaes abaixo designados, se reunirá ámanhã, 11 de maio, a bordo da corveta couraçada Vasco da Gama, pelas dez horas da manhã, a fim de tomar conhecimento da parte dada contra o primeiro tenente José Bento Ferreira de Almeida, accusado de haver aggredido corporalmente s. exa. o sr. ministro da marinha, o conselheiro Henrique de Macedo Pereira Coutinho, no dia 7 do corrente, na sala das sessões da camara dos senhores deputados da nação, e já depois de encerrada a sessão.
O conselho de investigação, ouvindo os depoimentos do aggredido e do aggressor, as testemunhas por ambos designadas e todas as que tiver por convenientes, dará o seu parecer sobre a dita occorrencia.
Secretaria do cominando geral da armada, 10 de maio de 1887.
Joaquim José de Andrada Pinto, vice almirante, commandante geral da armada.
Presidente - Capitão tenente, Francisco de Paula Teves.
Vogal interrogante - Primeiro tenente, Carlos Maria Pereira Vianna.
Vogal secretario - Primeiro tenente, Carlos Augusto de Magalhães e Silva.

Illmo. sr. - N.° 241. - Para conhecimento do conselho de investigação a que v. sa. tem de presidir, communico que me foi participado officialmente que no dia 7 do corrente, na sala das sessões da camara dos senhores deputados da nação, mas já depois de encerrada a sessão, o sr. primeiro tenente da armada José Bento Ferreira de Almeida aggrediu corporalmente s. exa. o sr. ministro da marinha, o conselheiro Henrique de Macedo Pereira Coutinho.
Deus guarde a v. sa. Cominando geral da armada, 10 de maio de 1887. = Andrada Pinto. - Illmo. sr. Francisco de Paula Teves, capitão tenente e commandante da canhoneira Liberal.

Illmo. sr. - N.º 271. - Remetto a v. sa. as copias dos officios que me dirigiu o commandante do corpo de marinheiros, por me parecer que tenham de fazer parte do conselho de investigação de que v. sa. é presidente.
Deus guardo a v. sa. Commando geral da armada, 11 de maio de 1887. = O vice-almirante, commandante geral da armada, Andrada Pinto. = Illmo. sr. Francisco do Paula Teves, capitão tenente, presidente do conselho de investigação.

Copia. - Corpo de marinheiros da armada. - N.° 318. - Illmo. e exmo. sr. - Em aditamento ao meu officio de 8 do corrente mez, em que participava a v. exa. que se tinha effectuado a prisão do primeiro tenente da armada, José Bento Ferreira de Almeida, como foi determinado por v. exa.; cumpre-me passar ás mãos de v. exa. a copia da ordem que entreguei ao primeiro tenente da armada, Jeronymo Emiliano Lopes Banhos para prender o referido primeiro tenente Ferreira de Almeida, bem como a parte que o primeiro tenente Lopes Banhos me deu depois de ter effectuado a prisão e de ter entregue o preso a bordo do couraçado Vasco da Gama.
Deus guarde a v. exa. Quartel em Alcantara, 10 de maio de 1887. - Illmo. exmo. se. conselheiro vice almirante commandante geral da armada, Celestino Claudio da Fonseca Ferreira, commandante.
Está conforme. Secretaria do commando geral da armada, 11 de maio de 1887. = Antonio Hygino Magalhães Mendonça, primeiro tenente.

Copia. - Corpo de marinheiros da armada. - Ordem. - Em conformidade com as ordens de s. exa. o sr. commandante geral da armada, vae encarregado o sr. primeiro tenente, Emiliano Lopes Banhos, de prender á ordem do governo o sr. primeiro tenente da armada, José Bento Ferreira de Almeida, conduzindo-o depois a bordo do couraçado Vasco da Gama, onde o entregará sob prisão, para o que se dirigirá ao arsenal da marinha para lhe ser fornecida embarcação para o levar a bordo. Todas as despezas que sejam precisas fazer para conseguir a prisão do sr. tenente Ferreira de Almeira ser-lhe-hão abonadas. Quartel em Alcantara, 7 de maio (ás dez horas e trinta minutos, p. m.) de 1887. - O commandante, Celestino Ferreira.
Está conforme. Quartel em Alcantara, 10 de maio de 1887. - João Augusto Botto, primeiro ajudante.
Está conforme. Secretaria do commando geral da armada, 11 de maio de 1887. = Antonio Hygino Magalhães Mendonça, primeiro tenente.

Copia. - Illmo. exmo. sr. - Em virtude das ordens recebidas para levar a effeito a prisão do primeiro tenente da armada, José Bento Ferreira de Almeida, cumpre-me dizer

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a v. exa. que tendo saído d'este quartel no dia 7 do corrente pelas onze horas da noite, dirigi-me primeiro ao domicilio do referido official no largo de S. Paulo n.° 3 (hotel Americano), onde o não encontrei, e depois á redacção do Correio da noite, onde me foi dito por alguns cavalheiros que ali se achavam, entre elles o sr. Madeira Pinto, a quem especialmente me dirigi, perguntando pelo sr. Ferreira de Almeida, que este senhor não se achava n'aquella redacção, mas que sabia que constando ao referido official ter sido dada ordem de prisão contra elle, desejava entregar-se voluntariamente á prisão e ser acompanhado por um seu camarada. Igual communicação da parte do sr. Ferreira de Almeida me foi feita por um parente d9este, o sr. José Ribeiro da Cunha, o qual com as suas indicações e as do commissario geral de policia, que tambem se achava na referida redacção e me acompanhou até á rua Larga de S. Roque, me mostraram a casa onde se achava o sr. Ferreira de Almeida. Ahi me dirigi, communicando a este official a missão de que me achava encarregado, dizendo-lhe que devia considerar-se preso á ordem do governo, logo que saísse d'aquelle recinto, o que fez em seguida á minha communicacão.
Dirigi-me depois com o sr. Ferreira de Almeida e o sr. José Ribeiro da Cunha, que previamente me pedira licença para acompanhar seu parente n'um trem ao arsenal da marinha, tocando de passagem no domicilio do sr. Ferreira de Almeida, onde este mandara buscar uma pequena mala. Chegado ao arsenal, dirigi-me em seguida num escaler com o sr. Ferreira de Almeida a bordo do couraçado Vasco da Gama, entregando este official sob prisão á guarda e responsabilidade do official de serviço d'aquelle navio, cobrando o respectivo recibo. Para accentuar melhor nalgumas circumstancias em que tenha talvez sido deficiente, cumpre-me por ultimo dizer a v. exa., que o entregar-se á prisão o sr. José Bento Ferreira de Almeida, foi espontanea e voluntariamente; que a prisão tornou-se effectiva seriam doze horas da noite, e que aquelle official dera entrada a bordo do couraçado Vasco da Gama pela uma hora e trinta minutos da manhã do dia 8.
Deus guarde a v. exa. Quartel do corpo de marinheiros em Alcantara, 8 de maio de 1887. - Illmo. exmo. sr. commandante do corpo de marinheiros da armada. - Jeronymo Emiliano Lopes Banhos, primeiro tenente.
Está conforme. Secretaria do cominando geral da armada, 11 de maio de 1887. = Antonio Hygino Magalhães Mendonça, primeiro tenente.

Rol de testemunhas

Deputados:
João Pinto Rodrigues dos Santos.
Pedro Victor da Costa Sequeira.
Luiz José Dias.
Antonio de Azevedo Castello Branco.
Par do reino:
Conde de Paraty.

Casa da minha residencia em Lisboa, 12 de maio de 1887. = Henrique de Macedo Pereira Coutinho.

Processo verbal e summario feito em conselho de investigação ao primeiro tenente da armada José Bento Ferreira de Almeida.

Crime - Aggressão corporal

Auto

Aos 11 dias do mez de maio do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1887, a bordo do couraçado Vasco da Gama, surto no Tejo, e na camara do commandante do mesmo navio, por ordem de s. exa. o vice-almirante commandante geral da armada, foi mandado congregar este conselho de investigação, composto dos officiaes constantes da ordem junta, a fim de tomar conhecimento do officio n.° 241 de 10 de maio corrente, do vice-almirante commandante geral da armada ao presidente deste conselho, o qual serve de parte accusatoria contra o primeiro tenente da armada José Bento Ferreira de Almeida, accusado de ter aggredido corporalmente s. exa. o sr. ministro da marinha, o conselheiro Henrique de Macedo Pereira Coutinho, occorrencia que teve logar no dia 7 do corrente, na sala das sessões da camara dos senhores deputados da nação. Pelo que se fez este auto, que eu, secretario, escrevi e assigno. = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, vogal secretario.

E logo em seguida, reunido o conselho, se decidiu por uniformidade de votos que fosse ouvido o offendido, para ser perguntado sobre as circumstancias da accusação; e como este se não ache presente, propoz o presidente que se officiasse a s. exa. o vice-almirante commandante geral da armada, a fim de que s. exa. se digne informar o conselho do dia e hora em que deverá transportar-se á residencia do offendido, vista a sua qualidade de ministro e secretario d'estado honorario, proposta que foi approvada pelos restantes membros do conselho, pelo que o presidente declarou encerrada a sessão. = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario

Segunda sessão

Aos 12 dias do mez de maio do anno de 1887, na travessa da Agua de Flor, n.° 10, em casa do exmo. sr. conselheiro Henrique de Macedo Pereira Coutinho, estando reunido o conselho de investigação, se passou a ouvir o mesmo exmo. sr., como parte offendida n'este processo. = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario.

Estando presente a parte offendida, Henrique de Macedo Pereira Coutinho, natural de Verride, districto de Coimbra, de quarenta e tres annos de idade, casado, lente da escola polytechnica, morador na travessa da Agua de Flor, n.° 10, freguezia da Encarnação, por ella foi dito que no dia 7 do corrente, pelas seis horas e um quarto da tarde, na sala das sessões da camara dos senhores deputados, depois de encerrada a sessão, se levantara do banco dos ministros, tomando a direcção do logar onde estava já de pé o sr. Ferreira de Almeida; que chegado á proximidade d'este logar e entrando na coxia da bancada inferior áquella onde se sentava aquelle senhor, parara exactamente por baixo do logar onde elle se encontrava e lhe dirigira a palavra, dizendo, para lhe chamar a attenção distrahida pela conversação em que estava com outros cavalheiros, dizendo, repete, por duas vezes: «Oh! Ferreira de Almeida, oh! Ferreira de Almeida», e que voltando-se este cavalheiro, elle, declarante, continuara: «Não me poupe, porque eu estou sempre prompto a responder ás suas perguntas, aqui ou lá fóra»; ao que o sr. Ferreira de Almeida retorquiu, interrogando: «Isso é uma provocação?»; ao que elle, declarante, respondeu: «Não é uma provocação, é uma explicação»; e insistindo o sr. Ferreira de Almeida: «Se é uma provocação, mande-me os seus padrinhos»; ao que elle, declarante, replicou: «Não é caso para isso». N'isto o sr. Ferreira de Almeida, repetindo a phrase: «É uma provocação», atirou ao declarante um murro, que o declarante não póde dizer se, ou onde o attingiu, por não ter sentido dor, nem conservado d'elle vestígio. Elle, declarante, correspondeu in continenti ao acto do sr. Ferreira de Almeida, atirando-lhe por sua parte um murro, que suppõe ter-lhe apenas roçado pelo hombro; e quando pretendia insistir na sua desaffronta immediata, interpozeram-se varias pessoas presentes, que agarraram um e outro, tolhendo a ambos os movimentos.
Mais declara que as pessoas que, segundo a sua memória lhe indica n'este momento, mais proximas estavam do

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logar do conflicto, e portanto dá como testemunhas da verdade das suas declarações, eram os srs. deputados João Pinto Rodrigues dos Santos, Pedro Victor da Costa Sequeira, Luiz José Dias, Antonio de Azevedo Castello Branco e o par do reino conde de Paraty. Affirma mais o declarante que as intenções com que se dirigira ao sr. Ferreira de Almeida eram as de lhe dar uma explicação amigavel e conciliadora, precedida de palavras que, significando bem claramente que não tinha receio de que qualquer dos seus actos como ministro fosse criticado no parlamento ou fóra d'elle, collocassem o seu modo de proceder ao abrigo de quaesquer interpretações menos favoraveis á dignidade do seu caracter.
Acrescentou o declarante que não quer ser parte n'este processo.
Disse mais, com relação á hora indicada no começo da sua declaração, que a dava apenas como approximada e não como facto de que tivesse conhecimento bem preciso.
E sendo-lhe lido o que havia dito, acrescentou que a phrase : «Não me poupe, porque eu estou sempre prompto a responder às suas perguntas aqui ou lá fóra», não era uma phrase completa, porque o sr. Ferreira de Almeida, quando a ella retorquira, o fizera interrompendo.
E ratificando esta declaração pela achar conforme, assigna commigo e o official interrogante. = Carlos Maria Pereira Vianna, primeiro tenente, interrogante = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario = Henrique de Macedo Pereira Coutinho.

Terceira sessão

Aos 14 dias do mez de maio de 1887, na sala das sessões dos conselhos de guerra do quartel do corpo de marinheiros em Alcantara, passando a funccionar o conselho n'este logar por ordem de s. exa. o commandante geral da armada, e achando-se reunido, se passou ao inquerito das testemunhas pela fórma seguinte. = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario.

1.ª testemunha

João Pinto Rodrigues dos Santos, natural do Fundão, de idade trinta e um annos, solteiro, conservador do registo predial e actualmente deputado, morador na rua do piro n.° 124, 1.° andar, testemunha jurada aos Santos Evangelhos; do costume disse nada. E sendo-lhe lido o officio que serve de parte accusatoria n'este processo disse:
Que no dia 13 de maio corrente recebêra um officio assignado pelo secretario da camara dos senhores deputados, em que se lhe communicava que a camara, em sessão a esse mesmo dia, lhe concedêra licença para poder ser citado para depor como testemunha perante este conselho de investigação; que, apesar de só não ter feito a citação, comparecêra hoje a depor, declarando que o fazia pelo desejo de ver concluído em breve o processo.
Emquanto ao facto referido no officio que lhe foi lido, disse: que no dia 7 do corrente, assistindo á sessão da camara dos senhores deputados, ouvira que o sr. deputado Ferreira de Almeida fallára sobre assumptos da marinha, respondendo-lhe o sr. ministro da marinha; que, terminada a sessão, o sr. ministro da marinha se dirigira para a cadeira onde costuma sentar-se o sr. Ferreira de Almeida, não ouvindo a testemunha as palavras que o sr. Henrique de Macedo dissera ao sr. Ferreira de Almeida; ouviu porém que o sr. Ferreira de Almeida, depois do que lhe dissera o sr. ministro da marinha, fallára em padrinhos ou testemunhas.
Em seguida respondeu-lhe o sr. Henrique do Macedo, cujas palavras a testemunha não ouviu.
O sr. Ferreira de Almeida respondeu a essas palavras: «Ah! não me tem medo?» e em seguida, tirando os oculos, deu-lhe uma bofetada ou um murro na cabeça, intervindo logo varios deputados, que seguraram o sr. Ferreira de Almeida, e outros, que se agarraram ao sr. Henrique de Macedo, sendo a testemunha um d'estes ultimos. Depois o sr. Ferreira de Almeida ainda se conservou na sala alguns minutos, arrecadando os papeis na sua carteira.
E mais não disse; e sendo-lhe lido o seu depoimento o achou conforme e assigna commigo o official interrogante. = Carlos Maria Pereira Vianna, primeiro tenente, interrogante = Carlos Augusto Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario = João Pinto Rodrigues dos Santos.

2.ª testemunha

Pedro Victor da Costa Sequeira, natural de Lisboa, de idade de quarenta e um annos, casado, engenheiro de minas, chefe da repartição de minas do ministerio das obras publicas, morador na travessa de Santos, n.° 4, 2.° andar, testemunha jurada aos Santos Evangelhos, do costume disse nada.
E sendo-lhe lido o officio do commandante geral da armada que serve de parte accusatoria neste processo, disse:
Que antes de depor sobre o assumpto, para que foi avisada, pedia ao conselho que lhe fossem tomadas duas declarações previas: a primeira é que não foi citado nos termos ordinarios, que recebeu um aviso ou uma indicação, como melhor se lhe possa chamar, da mesa da camara dos senhores deputados, em que se lhe declarava que lhe tinha sido concedida licença para poder ser citado, e em que se dizia que o conselho de investigação se reuniria no dia 14, pelas dez horas da manhã.
Disse mais que, não tendo recebido a mencionada citação até aquella hora, comparecêra com o fim manifesto de não protelar o andamento da investigação sobre que tinha de depor, porque a muita consideração e respeito que tributava ao mencionado conselho o determinavam a vir apresentar-lhe estas suas observações.
A segunda declaração era que estava prompto a dizer defronte do conselho tudo o que sabia ou ouvira sobre o assumpto em questão, resalvando, comtudo, a convicção que tinha de que não era perante este conselho de investigação que devia ser tomado o seu depoimento.
Reportando-se agora especialmente aos factos sobre que foi chamado a depor, disse que durante a sessão da camara dos senhores deputados, do dia 7 do corrente, se trocaram explicações sobre assumptos de marinha, principalmente sobre disciplina da armada, entre o ex-ministro da marinha, o sr. conselheiro Henrique de Macedo, e o sr. deputado Ferreira do Almeida; que essa discussão, posto ter-se mantido dentro dos limites do regimento, foi bastante viva e mesmo um tanto acrimoniosa.
O sr. Ferreira de Almeida pediu segunda vez a palavra, quando o sr. ministro da marinha declarou que o br. deputado trazia para a camara questões pessoaes.
A palavra fôra concedida ao sr. Ferreira de Almeida no fim da sessão e que por essa occasião a discussão entre os dois senhores se travou por um curto espaço de tempo, mas sempre no mesmo tom, um pouco excitado, em que tinha começado.
Encerrou-se a sessão, e, acto continuo, o sr. ministro da marinha, pondo o chapeu na cabeça, dirigiu-se para a carteira onde estava o sr. Ferreira de Almeida arrumando os seus papeis, e, a pequena distancia, disse-lhe as seguintes palavras: «Oh! Ferreira de Almeida, você não me poupe. E preciso que saiba que eu não tenho medo de você nem aqui, nem lá fóra».
O sr. Ferreira de Almeida não replicou a esta phrase, e o sr. ministro repetiu-a por estas ou palavras similhantes.
A isto, o sr. Ferreira de Almeida, tirando serenamente os seus oculos, redarguiu: «Pois se v. exa. não tem medo de mim, nem aqui nem lá fóra, mande me as suas testemunhas».
O sr. ministro replicou com uma phrase qualquer que a testemunha não póde perceber, e fez um movimento com

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a mão, cuja intenção elle, testemunha, não póde precisar, voltando-se um pouco, como quem se queria retirar.
N'este momento, o sr. Ferreira de Almeida pronunciou tambem uma phrase que elle não sabe qual foi, porque estes factos se deram num curtíssimo espaço de tempo, mas crê que o sr. Ferreira de Almeida tomou o gesto do sr. ministro como querendo significar uma desconsideração, porque immediatamente o viu lançar-se ao sr. ministro, que correspondeu simultaneamente a esta aggressão.
Immediatamente se interpozeram varios srs. deputados que os separaram.
Disse mais que, depois d'este acontecimento, o sr. deputado Fuschini instara com o sr. Ferreira de Almeida, o qual se conservou ainda algum tempo na sala, para saírem immediatamente, ao que elle se recusou de uma maneira insistente, demorando se ainda por alguns minutos.
Perguntado sobre se ouvira alguma das pessoas presentes intimar ordem de prisão ao sr. Ferreira de Almeida, respondeu que não ouvira, nem lhe constara que tal tivesse acontecido.
Perguntado mais sobre se tinha conhecimento de que o sr. Ferreira de Almeida accumulasse as suas funcções, como deputado, com alguma commissão propria da arma a que pertence, respondeu que lhe não constava que tivesse sido feito esse pedido pelo ministro respectivo, e mesmo constando-lhe que a commissão do sr. Ferreira de Almeida era fóra de Lisboa não poderia accumular.
Perguntado mais sobre a parte do seu depoimento, que se refere á aggressão, instando-se para que elle precisasse se o sr. Ferreira de. Almeida tinha aggredido corporalmente o sr. ministro e se o tinha attingido, respondeu que a menção da aggressâo foi perfeitamente vista por elle, testemunha, que se achava por detrás e a pequena distancia do sr. Ferreira de Almeida; que viu este senhor lançar-se para diante de punhos fechados, mas que não póde precisar se elle tocou, ou não, no sr. ministro, o qual se atirou logo em seguida para o lado do seu contendor.
Explicando e rectificando a parte do seu depoimento em que se diz que lhe tinha sido concedida licença para poder ser citado, declara que era sua intenção dizer que a camara concedera licença, etc.
E mais não disse, e sendo-lhe lido o seu depoimento o achou conforme, e assigna commigo e o official interrogante. = Carlos Maria Pereira Vianna, primeiro tenente, interrogante = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario = Pedro Victor da Costa Sequeira.

3.ª testemunha

Antonio de Azevedo Castello Branco, natural de Villa Real de Traz os Montes, de idade quarenta e dois annos, viuvo, sub-director da penitenciaria de Lisboa e deputado da nação, morador no edifício da penitenciaria, testemunha jurada aos Santos Evangelhos; do costume disse nada. E sendo-lhe lido o officio do commandante geral da arma da que serve de parte accusatoria n'este processo, disse:
Que no dia 7 do corrente, estando na camara dos deputados, depois de encerrada a sessão, e logo em seguida ao seu encerramento, viu o ex-ministro da marinha, o sr. conselheiro Henrique de Macedo, levantar-se da bancada dos ministros e encaminhar-se para o lado da sala onde estava o deputado Ferreira de Almeida arrumando uns papeis na sua carteira, e dirigir-lhe as palavras seguintes: «Oh! Ferreira de Almeida! Você julga que me mette medo? Está enganado commigo; eu não lhe tenho medo, nem aqui nem lá fóra», e repetiu estas ultimas palavras. O deputado Ferreira de Almeida, continuando a arrumar os papeis, respondeu lhe: «Pois se não me tem medo, envie-me os seus emissários». A isto redarguiu-lhe o ministro com uma phrase que elle testemunha, apesar de estar ao lado do accusado e muito proximo do offendido, não ouviu distinctamente, nem vendo se ella era acompanhada de algum gesto offensivo ou provocador, porque estava curvado a fechar a gaveta da sua propria carteira. Viu porém que o sr. Ferreira de Almeida, aprumando-se subitamente, fizera um gesto aggressivo atirando um soco ou uma bofetada para o lado do ministro, não podendo precisar se uma outra cousa e se attingiu ou não aquelle senhor, presumindo comtudo que lhe tocaria pela proximidade em que se achavam um do outro. Viu tambem que o ministro, em acto de desforço, estendera os braços para o lado do sr. Ferreira de Almeida, sendo a testemunha a primeira pessoa que se interpoz entre os dois, para evitar a continuação da lucta. Depois de separados o sr. Ferreira de Almeida fechou a sua gaveta e saiu da sala acompanhado pelo sr. deputado Fuschini.
Perguntado se alguma das pessoas presentes dera a voz de prisão ao sr. Ferreira de Almeida, respondeu que não.
Declarou que o facto tivera origem na discussão que n'esse dia houvera entre o ministro da marinha e o deputado Ferreira de Almeida, no decurso da sessão, a proposito da occorrencia que se dera dias antes no arsenal da marinha com dois grumetes da armada, e de outros factos referentes ao serviço da armada. Durante essa discussão notara que o deputado Ferreira de Almeida tinha conservado o seu tom e a sua serenidade habituaes, mas notou que da parte do ministro lhe fôra respondido com mais vivacidade e menos serenidade do que do costume.
Perguntado sobre se sabia se o sr. Ferreira de Almeida accumulava as suas funcções de deputado com alguma commissão da arma, respondeu que sabia que não accumulava.
Declarou mais que compareceu perante este conselho em virtude de um officio em que o presidente da camara dos senhores deputados lhe communicára que a camara havia auctorisado a sua citação para vir como testemunha depor sobre o facto a que se refere este processo, e acrescentou mais que comparecera independentemente da citação ou outro qualquer convite ou aviso, para evitar que a sua falta d'essa causa a demora no andamento do processo; e declara ainda que o facto da sua comparencia e do seu depoimento não modifica de modo algum os votos que como deputado tinha já emittido na respectiva camara, com referencia á legalidade ou illegalidade da captura do deputado Ferreira de Almeida e dos demais actos subsequentes.
E mais não disse; e sendo-lhe lido o seu depoimento o achou conforme, e assigna commigo e o vogal interrogante. = Carlos Maria Pereira Vianna, primeiro tenente, interrogante = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario = Antonio de Azevedo Cantello Branco.

Terceira sessão

Aos 16 de maio do anno de 1887, na sala das sessões dos conselhos de guerra, no quartel dos marinheiros em Alcantara, estando reunido o conselho e não tendo comparecido nenhuma das testemunhas que falta inquirir, resolveu o mesmo conselho officiar novamente ao commandante geral da armada a comparencia das ditas testemunhas, e encerrou a sessão. = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario.

Quarta sessão

Aos 17 de maio de 1887, na sala das sessões do conselho de guerra em Alcantara, estando reunido o conselho, se proseguiu no inquerito das testemunhas. = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario.

4.ª testemunha

Luiz José Dias, natural de Monsão, de idade trinta e seis annos, prior da freguezia de Santa Catharina de Lisboa, morador na rua dos Poyaes de S. Bento, n.° 2, 2.° andar, testemunha jurada aos Santos Evangelhos, do costume disse nada. É sendo-lhe lido o officio que serve de parte accusatoria n'este processo, disse:
Que durante a sessão da camara dos senhores deputa-

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830 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

dos do dia 7 do corrente se trocaram explicações, antes da ordem do dia, entre o deputado Ferreira de Almeida e o ministro da marinha, o sr. conselheiro Henrique de Macedo; que entrando-se na ordem do dia e tendo aquelle deputado pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão, estava elle testemunha sentado junto do ministro, conversando sobre diversos assumptos.
Depois de terminada a discussão sobre a ordem do dia coube a palavra ao sr. Ferreira de Almeida, respondendo-lhe em seguida o ministro da marinha, encerrando-se logo depois a sessão.
N'este momento levantou-se o ministro e embrulhando um cigarro dirigiu-se para o lado da carteira do sr. Ferreira de Almeida, passando por diante d'elle testemunha e dizendo ao mesmo tempo: «Oh! Ferreira de Almeida, você está zangado, impertinente ou ferrenho», não podendo a testemunha precisar qual o termo realmente empregado, mas estando certo de que era este o sentido das palavras proferidas; assim se foi dirigindo o ministro para a carteira onde o sr. Ferreira de Almeida se achava curvado, provavelmente guardando e arrumando os seus papeis, e acrescentando que estava prompto a fornecer todos os documentos ou na camara ou na secretaria d'estado, onde elle deputado podia ir buscal-os, e que não tinha medo de responder pelos seus actos tanto ali como lá fóra. Repetiu estas ou outras palavras que elle testemunha não póde perceber, ouvindo apenas as expressões: «tanto aqui como lá fóra».
Foi então que o sr. Ferreira de Almeida repetiu em tom interrogativo estas ultimas palavras: «tanto aqui como lá fóra? N'esse caso mande-me as suas ou os seus...» não tendo elle testemunha percebido claramente o que, mas ficando convencido que elle se referia a padrinhos para um duello.
A isto replicou o sr. Henrique de Macedo: «Não é caso disso porque...», e foi n'este momento que elle testemunha ouviu o estalido de uma bofetada, que elle está convencido que foi descarregada pelo sr. Ferreira de Almeida no sr. Henrique de Macedo, attendendo ao conjuncto de circumstancias que se deram antes e depois do facto, posto que na occasião, ou a interposição de pessoas, ou a falta de attenção o tivesse impedido de observar attentamente o modo como se tinham passado estes acontecimentos. Esta circumstancia mencionada chamou a attenção d'elle testemunha, que viu então o sr. ministro tentar um desforço immediato e chegar ainda com as pontas dos dedos ao casaco do sr. Ferreira de Almeida.
Correu então para o local do conflicto a fim de impedir a continuação da lucta, o que já estava effectuado, porque outros deputados que estavam mais proximos o tinham precedido, interpondo-se e segurando os contendores.
Quando chegou junto do sr. Almeida já este se achava liberto das pessoas que o seguravam e dizia: «Vir-me provocar ao meu logar!»
A testemunha pediu-lhe então que se retirasse e do fundo da sala o deputado Fuschini gritava-lhe que se retirasse, e como elle não accedeu ás suas instancias, acenou a testemunha ao deputado Fuschini, que se approximou e juntou as suas instancias ás d'elle testemunha, retirando-se o sr. Ferreira de Almeida em companhia do sr. Fuschini, pedindo ao mesmo tempo que lhe dessem o seu chapéu.
Perguntado se ouvira alguma das pessoas presentes intimarem voz de prisão ao accusado, respondeu que não, e tem a certeza de que ella lhe não foi dada pelo sr. ministro da marinha.
Perguntado se se recorda das horas em que. se deu este incidente, respondeu que deviam ser pouco mais de seis horas, visto que é essa a hora marcada para o encerramento das sessões e que, como já declarou, estes factos se passaram immediatamente depois do encerramento.
Instado para que precisasse se tinha notado que as palavras proferidas pelo sr. ministro quando se dirigiu ao sr. Almeida tivessem um tom aggressivo ou de provocação, respondeu que estava convencido, pelo modo como elle começou a dirigir-se, que não tinha intenção de provocar, attendendo ao tom natural com que foram ditas as primeiras phrases, não sendo acompanhadas tambem por gestos que denotassem qualquer intenção offensiva; com relação porém ás que depois proferiu já junto da carteira do accusado, não póde fazer iguaes declarações, porque não attendeu muito particularmente ás circumstancias que acompanharam o facto, porque, não podendo prever o incremento que elle assumiu, não as julgou na occasião importantes. Disse mais que não estranhara o ter-se o ministro dirigido ao sr. Almeida, porque é praxe e uso estabelecido que no fim das sessões os polemistas troquem explicações particulares. Acrescentou que está convencido de que o sr. Almeida tomou as phrases proferidas pelo sr. ministro como uma provocação e que essa interpretação proviria talvez da circumstancia de que, achando-se o sr. Almeida debruçado junto da sua carteira quando o sr. ministro proferiu as primeiras phrases, não viu o modo sereno com que se lhe dirigiu.
E mais não disse; e sendo-lhe lido o seu depoimento o achou conforme e assigna commigo e o vogal interrogante. = Carlos Maria Pereira Vianna, primeiro tenente interrogante = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario. = Luiz José Dias.

5.ª testemunha

Conde de Paraty, D. Miguel de Noronha, natural de Lisboa, de idade trinta e seis annos, casado, proprietario e par do reino, morador na rua do Sacramento á Lapa, n.° 4, testemunha jurada aos Santos Evangelhos; do costume disse nada. E sendo-lhe lido o officio que serve de parte accusatoria neste processo, disse:
Que, achando-se na sala das sessões da camara dos senhores deputados no dia 7 do corrente, logo depois do encerramento da sessão, e estando proximo do fogão da sala, vira o sr. ministro conversando com o deputado Ferreira de Almeida, ao que lhe pareceu com o seu modo habitual, sem que pela distancia a que se achava da carteira d'aquelle deputado, junto do qual isto se passava, ouvisse o que diziam.
Disse mais que, tendo olhado casualmente para aquelle lado, vira o sr. Almeida atirar um murro na direcção do sr. ministro, que não sabe se o attingiu, porque a posição em que se achava collocado não lhe permittia vel-o, mas constando-lhe que sim, pelas pessoas presentes.
Depois dirigiu-se para o local do conflicto e viu que varios deputados procuravam tirar o sr. Henrique de Macedo das mãos de um dos seus collegas, o sr. padre Brandão, que por detrás do sr. Henrique de Macedo o segurava com violencia.
Elle testemunha uniu os seus esforços aos das pessoas que procuravam libertar o sr. Henrique de Macedo, não reparando no que succedêra ao sr. Ferreira de Almeida.
Perguntado sobre se notára alguma acrimonia na discussão travada durante a sessão entre o sr. Almeida e o sr. ministro da marinha, respondeu que a discussão fóra bastante viva.
Disse mais: que está convencido de que o ministro se não dirigira ao sr. Ferreira de Almeida com modos provocadores, porque os hábitos parlamentares e o conhecimento que tem da pessoa do sr. Henrique de Macedo, bem como a posição que elle occupava junto da carteira do deputado, o auctorisam a suppor que elle não tinha intenções aggressivas.
E mais não disse; e sendo-lhe lido o sen depoimento o achou conforme e assigna commigo e o official interrogante. = Carlos Maria Pereira Vianna, primeiro tenente, interrogante = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente; secretario, = Conde de Paraty.

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SESSÃO DE 27 DE MAIO DE 1887 831

Interrogatorio do accusado

Perguntado pelo seu nome, posto, corpo, filiação, naturalidade, idade e estado, respondeu chamar-se José Bento Ferreira de Almeida, primeiro tenente da armada, deputado na presente legislatura pelo circulo pluvinominal n.° 92, filho de Manuel Joaquim do Almeida e de D. Maria Clementina Ferreira de Almeida, natural do Paro, de quarenta a II nos de idade, solteiro.
Sendo perguntado sobre o officio do commandante geral da armada que serve de parte accusatoria n'este processo, que lhe foi lido, disse:
Que paia todos os effeitos se considerasse e consignasse na opinião do conselho que elle se apresentava sem resistencia, mas que se declarava moralmente violentado, pois que, sendo indevida e ilegalmente preso, sem auctorisação da camara dos senhores deputados, em consequencia de um conflicto de caracter pessoal, que, não provocára, e originado de uma discussão parlamentar, continuava o procedimento illegal do governo, conservando-o preso e fazendo-o processar perante um tribunal a que não reconhece competencia legal para o julgar, vista a natureza e as circumstancias do delicto que se lhe attribue.
Que, entretanto, não querendo por fórma alguma que se supponha que a recusa de apresentar as suas allegações, provém de fraqueza de animo em responder pelos seus actos, declara, com relação ao facto de que é accusado e que consta do officio que lhe foi lido, que em acto continuo ao encerramento da sessão da camara dos senhores deputados no dia 7 do corrente, na qual, no pleno uso dos seus direitos de deputado apreciára, sem offensa do regimento da camara, alguns actos da administração do sr. ministro da marinha, Henrique de Macedo, e quando fechava a sua carteira, aquelle senhor se approximára e dissera: e Olhe que não lhe tenho medo, nem aqui nem lá fóra».
Que, surprehendido por esta aggressão ou provocação, replicara: «V. exa. não está em si; isso é uma provocação».
O mesmo sr. Macedo em tom desabrido e modo aggressivo insistira em repetir: «Já lh'o disse: não o temo aqui, nem lá fora»; a que replicou: «Como insiste, queira nomear os seus padrinhos, que eu vou nomear os meus».
Então o sr. Macedo, fazendo um movimento brusco, replicou em tom sacudido e de desprezo: «Ora vá beber da merda».
Que, não podendo ser superior a esta nova aggressão, gravemente injuriosa, e já estimulado pela provocação anterior, perdera a cabeça, levantara a mão para desaffrontar-se, replicando q ministro com vias de facto às vias de facto.
Que não viu o ministro nem o superior, mas um homem que o provocara e offendêra na sua dignidade e brio.
Que se recorda de ver em volta de si, depois do incidente e não antes, porque o não esperava, os srs. deputados Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Teixeira de Vasconcellos, João Arroyo, Serpa Pinto, João Franco Castello Branco e Augusto Fuschini, não citando mais nomes por lhe não occorrerem.
Pede que se mencione mais que, convidado pelo seu collega Fuschini, logo em seguida ao incidente, para saír da camara, o não quiz fazer e pelo contrario ahi se demorou alguns instantes, fechando a carteira, procurando os oculos que no tumulto lhe caíram da mão esquerda, e o chapeu que estava, antes do incidente, sobre a carteira ao lado direito da sua.
Que o sr. Fuschini o acompanhou até ao corredor da camara, onde se deteve a, fallar com o deputado Elias Garcia e com um empregado da camara, saindo em seguida com os srs. José Ribeiro da Cunha e Antonio Lopes Navarro, a quem foi vagarosamente relatando o succedido, descendo a escada.
Que no claustro do edificio estivera parado fallando com um outro cavalheiro.
Que á saída teve demora emquanto esperava um trem descoberto em que seguiu para sua casa, no largo de S. Paulo, indo depois no mesmo trem apear-se de novo no largo das Duas Igrejas, onde esteve alguns minutos junto do adro do Loreto, seguindo depois, a pé, para o restaurant Tavares, d'onde saíu para uma casa de pessoas das suas relações, onde às nove e meia o procurou um individuo para o avisar de que se tinha expedido ordem de prisão contra elle.
Que, saíndo d'essa casa, seguíra a pé, por diversas ruas, nomeadamente pela das Gaveas e praça de Camões, encontrando no seu trajecto varios cavalheiros, como os srs. Lopo Vaz, Julio de Vilhena e Luciano Cordeiro, a quem declarou a natureza do aviso que acabava de receber, e a resolução em que estava, não só de não fugir, das de seu motu proprio se entregar á prisão, embora a reputasse illegal e attentatoria das suas immunidades de deputado.
Que recolhendo de novo, a pé, o sem incidente algum á casa d'onde, havia pouco, saíra, mandára pedir a um amigo e parente seu que procurasse algum official de terra ou mar que se quizesse encarregar de o acompanhar, porque queria apresentar-se preso, mas airosamente, a qualquer auctoridade civil ou militar, visto que era essa a vontade do governo, contra a qual continuava protestando.
Disse mais que, em vista da natureza do acto, das circumstancias que o acompanharam, da sua qualidade de deputado em funcções, de se ter originado o incidente a proposito do exercicio d'essas mesmas funcções, de ser apenas funccionario civil o sr. ministro da marinha, pois que não é official militar nem pertence aos quadros da armada real portugueza o de que elle, embora primeiro tenente da armada, não estava em exercicio de qualquer funcção ou commissão militar nem antes, nem durante, nem depois do incidente, porque nem sequer accumula quaesquer funcções de outra especie com as de deputado, protestava contra a classificação que o governo pretende attribuir ao conflicto em que se achou envolvido.
Que mal comprehende como se invoca a situação ou categoria transitoria mais elevada de ministro para uma das partes e se não invoca tambem para elle arguido a sua categoria, igualmente mais elevada e transitoria, de deputado.
Mais declarou que, qualquer que seja a classificação que se dê ao conflicto occorrido na sala das sessões da camara dos senhores deputados, não prescinde nem póde prescindir de um fôro privilegiado em toda a sua plenitude, como deputado que é, e na fórma da constituição do reino.
Pede mais que se mencione que se apresentou ao conselho vestido á paizana, de casaca e com a facha distinctiva da sua qualidade de deputado da nação, e que procedeu assim, primeiro para frizar bem o seu protesto, por se não attender ao seu fôro privilegiado de deputado; em segundo logar, porque tinha os seus uniformes no Porto, a bordo do navio onde, antes da abertura desta sessão annual, exercia funcções militares; terceiro, porque o vice-almirante commandante geral da armada, nas suas communicações assignadas pelo seu proprio punho e dirigidas a elle accusado, demonstrava com este proceder que o não reconhecia como preso militar; quarto, porque, não tendo sido solicitada á camara pelo governo a auctorisação para o accusado accumular funcções, e estabelecendo claramente a carta constitucional que diante das funcções de deputado cessam todas as outras, excepto a concessão especial que se não deu, e prescrevendo os regulamentos de marinha só a exigua do uniforme em actos de serviço, e não estando o accusado, porque não póde estar, no exercicio de funcções do serviço militar, por isso tambem se apresentara pela fórma já indicada, não devendo d'isto deprehender-se que elle tivesse ou quizesse mostrar menos consideração pela farda e insignias da corporação a que se honra de pertencer, mas tão sómente que elle quizera accentuar que

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não em na sua qualidade de official da armada que lhe cumpria responder perante este conselho.
Rectificando a parte do seu interrogatorio, em que refere que saíra do corredor da camara em companhia dos srs. Lopes Navarro e Ribeiro da Cunha, pretende accentuar que a reminiscencia mais positiva que tem é a de ter sido acompanhado pelos mencionados cavalheiros, conjunctamente, desde o atrio da camara e depois no trem em que seguira e durante todo o percurso indicado.
Perguntado se tinha mais alguma cousa que allegar, em sua defeza e testemunhas a produzir, respondeu que nada tinha a allegar, e deu como testemunhas os srs. deputados Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Teixeira de Vasconcellos, João Marcelino Arroyo, Alexandre Serpa Pinto, João Franco Castello Branco e Augusto Fuschini. E sendo-lhe lido o seu interrogatorio o ratificou e assigna commigo e o oficial interrogante. = Carlos Maria Pereira Vianna, primeiro tenente, interrogante = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario = José Bento Ferreira de Almeida, deputado pelo circulo n.° 92 e primeiro tenente da armada.

Quinta sessão

Aos 18 dias do mez de maio do 1887, na sala das sessões do conselho de guerra em Alcantara, estando reunido o conselho, e não tendo comparecido nenhuma, das testemunhas que foram apresentadas pelo accusado para sua defeza. resolveu o mesmo conselho que se levantasse a sessão. = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario.

Sexta sessão

Aos 20 de maio de 1887, na sala das sessões dos conselhos de guerra em Alcantara, estando reunido o conselho, se procedeu ao inquerito das testemunhas de defeza pela forma seguinte:

1.ª testemunha

Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, major de infanteria e deputado da nação, natural de Sinfães, do idade quarenta e dois annos, casado, morador no hotel Borges, testemunha jurada aos Santos Evangelhos, ao costume disse nada. E sendo-lhe lidos os interrogatorios do accusado, disse:
Que durante a sessão da camara dos senhores deputados, do dia 7 do corrente, o sr. deputado Ferreira de Almeida, usando da palavra, criticou alguns actos da administração do sr. ministro da marinha, o qual, replicando-lhe, disse que era uma questão pessoal do sr. Ferreira de Almeida a que o obrigara a fallar d'aquella fórma. Então o accusado pediu a palavra para replicar, e sendo-lhe concedida antes de fechar a sessão, atacou o ministro com um facto tambem pessoal e que, elle testemunha, suppõe que poderia melindrar o ministro.
Immediatamente depois d'este incidente encerrou-se a sessão e o sr. ministro encaminhou-se para o lado da carteira do sr. deputado Ferreira de Almeida, junto da qual estava elle, testemunha, pelo lado de traz.
Quando viu o ministro dirigir-se para aquelle lado, a testemunha ia a levantar-se para saír, quando ouviu que elle proferia estas palavras: «Não me poupe; não lhe tenho medo nem aqui, nem lá fóra», e então receiando que ellas podessem originar um conflicto, tornou a sentar-se.
O sr. Ferreira de Almeida respondeu a estas palavras, dizendo estas ou outras palavras similhantes que elle não pode precisar bem qual fossem, mas cujo sentido affirma: «que o não provocasse»; a que o ministro redarguiu: «Repito. não lhe tenho medo, nem aqui, nem lá fóra».
Então o sr. Ferreira de Almeida disse lhe que lhe mandasse as suas testemunhas, ao que o ministro replicou com uma phrase muito curta, que elle não pôde ouvir, porque ao proferil-a, o ministro ía-se voltando, e foi n'este momento que elle viu o accusado dirigir ao sr. Henrique de Macedo um murro que o attingiu na cara, apesar d'elle testemunha lhe ter lançado a mão ao braço para o deter. O sr. ministro levantou immediatamente a mão para tirar um desforço immediato e identico, mas interpozeram-se varios deputados, que separaram a ambos os contendores, impedindo-os de proseguir na lucta.
Disse mais que o accusado se demorou ainda alguns minutos na sala, tres ou quatro minutos, e que o víra saír com o sr. deputado Fuschini da sala das sessões.
Acrescentou ser verdade que ás nove horas da noite o accusado se achava na praça de Camões com os individuos que elle menciona, e com os quaes se achava igualmente elle testemunha, apesar de não ser particularmente designado, e que ouviu o adeusado dizer que o tinham ido prevenir de que ía ser preso, e que portanto era conveniente que fugisse immediatamente para Hespanha.
Logo depois do incidente na camara, e n'esta occasião, o accusado disse ás testemunhas que o sr. ministro proferira aquella phrase: «Ora vá beber da merda», perguntando a elle testemunha se a tinha ouvido, e respondendo este que lhe ouvíra uma phrase muito curta, mas proferida em tom mais baixo do que as anteriores, e que por isso, e por se ir voltando ao proferil-a, não podéra ouvir.
Sabe que antes d'esta questão o deputado Ferreira de Almeida e o ministro estavam em excellentes relações, e que por isso só uma offensa, grave poderia, na sua opinião, ter provocado aquelle conflicto.
E mais não disse; e sendo-lhe lido o seu depoimento o achou conforme, ratificou e assigna commigo e o official interrogante. = Carlos Maria Pereira Vianna, primeiro tenente, interrogante = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario. = Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto.

2.ª testemunha

João Marcellino Arroyo, natural do Porto, de idade vinte e cinco annos, solteiro, lente substituto da faculdade de direito da universidade de Coimbra, e actualmente deputado da nação, morador no Grand Hotel de Lisboa, testemunha jurada aos Santos Evangelhos, do costume disse nada. E sendo-lhe lido o interrogatorio do accusado, disse:
Que pedia ao conselho se exarasse como declaração previa, que o facto da sua comparencia perante este conselho de investigação de modo algum significava para elle o reconhecimento da competencia desse conselho, mas que unica e simplesmente por consideração pessoal para com os membros que o constituem, e pela necessidade de esclarecer os acontecimentos, qualquer que seja o fôro onde tenham de ser avaliados, se apressara a vir fazer o seu depoimento.
Disse mais que na tarde do dia 7 de maio, estando já encerrada a sessão da camara dos senhores deputados, e achando-se muito perto da carteira occupada pelo sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida, vira o sr. ministro da marinha de então dirigir-se ao mesmo deputado, e dizer lhe: «Que não tinha medo d'elle, e que o sr. Ferreira de Almeida se poderia entender com elle, ou dentro da camara ou fóra d'ella». A estas palavras retorquiu o sr. Ferreira de Almeida, observando-lhe que ellas continham uma provocação, e que não comprehendia como o sr. ministro se levantára do seu logar para vir intencionalmente desafial-o. Em seguida o sr. Henrique de Macedo insistiu nas expressões que proferira, repetindo: que «dentro da camara e fóra d'ella não tinha medo do sr. Ferreira de Almeida, e se declarava prompto a responder-lhe». O sr. Ferreira de Almeida replicou «que em tal caso lhe enviasse o sr. Henrique de Macedo, as suas testemunhas». Logo que o sr. Ferreira de Almeida proferiu estas expressões, o sr. Henrique de Macedo, elevando mais a voz em tom sacudido, pronunciou umas palavras que á testemunha parecem ter sido a repetição da phrase: «Não tenho medo de si, nem aqui, nem lá fóra», devendo todavia acrescentar que o seu empenho em vir dirimir uma contenda igualmente lamentavel para todos os que a presencearam, explica o facto de.

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não poder reproduzir precisamente as ultimas expressões de que se serviu o sr. Henrique de e Macedo. Foi n'esta occasião que o sr. Ferreira de Almeida, vivamente impressionado pelas palavras do sr. ministro, e pela fórma da sua pronunciação, levantou mão sobre elle, sendo immediatamente separados pelos deputados que se achavam perto de s. exas.
Disse mais haver observado que o sr. Ferreira de Almeida se conservou, depois de terminada a contenda, dentro da sala das sessões da camara, durante um espaço de tempo apreciavel. Acrescentou ainda que, depois do terminado o incidente, se approximou do sr. presidente do conselho pedindo-lhe que fizesse retirar os seus amigos, a fim de que o escandalo fosse apreciado madura e pacificamente fóra da sala das sessões, e se não produzisse mais alguma scena desagravel perante o resto dos espectadores que se achava ainda nas galerias; podendo affirmar que alguns minutos depois de terminado o incidente e pela resposta que recebeu do sr. Luciano de Castro, reconheceu que s. exa. se achava em um estado de hesitação e perplexidade naturalmente explicavel para a anormalidade do acontecimento.
Disse por ultimo, relativamente ás expressões trocadas entre o sr. ministro da marinha e o sr. deputado Ferreira de Almeida, ser possivel que não tivesse reproduzido palavra a palavra as referidas expressões, mas que, no que deixa relatado ao conselho, inscreve o que de mais seguro e certo reteve na sua memoria, correspondendo no fundo e na intenção ás palavras proferidas e ao animo que tinham, ao proferil-as, os dois cavalheiros, entre os quaes se travou a contenda.
E mais não disse; e sendo-lhe lido o seu depoimento, o achou conforme e assigna commigo e o official interrogante. = Carlos Maria Pereira Vianna, primeiro tenente interrogante. = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario = João Marcellino Arroyo.

3.ª .testemunha

Miguel Dantas Gonçalves Pereira, natural de Coura, de idade cincoenta annos, casado, proprietario e deputado na actual legislatura, morador na rua de Santo Amaro, n.° 20, testemunha jurada aos Santos Evangelhos, do costume disse nada. E sendo-lhe lido o interrogatorio do accusado, disse:
Que assistindo á discussão acalorada que se travou durante a sessão da camara dos senhores deputados, de 7 do corrente, entre o sr. ministro da marinha e o sr. deputado Ferreira de Almeida, aquelle, depois de encerrada a sessão, se levantara do seu logar e, dirigindo-se á carteira junto da qual se achava o sr. Ferreira de Almeida, lhe dissera em termos pouco conciliadores «que não lhe tinha medo ali, nem lá fóra», observando-lhe em seguida o sr. Almeida «se elle o vinha provocar». Em resposta o sr. ministro repetiu as mesmas palavras, a que o sr. Almeida retorquiu «que nomeasse elle ministro os seus padrinhos», e em seguida este replicou com uma phrase que a testemunha não póde perceber, a qual deu occasião a que o sr. Ferreira de Almeida levantasse a mão contra o sr. Henrique de Macedo, attingindo-o junto de uma orelha.
O sr. ministro tentou tirar então um desforço immediato e analogo, o que não pôde conseguir pelo estorvarem diversos deputados que se achavam junto do sr. Ferreira de Almeida.
Viu que depois d'este incidente o accusado se demorou ainda na sala das sessões durante tres ou quatro minutos, arrumando papeis na sua carteira, muito tranquillamente.
Disse mais que o viu saír da sala em companhia do sr. deputado Fuschini, e que mais tarde, seriam nove e meia ou dez da noite, o encontrára na praça de Camões, em frente á rua do Norte.
E mais não disse; e sendo-lhe lido o seu depoimento o achou conforme e assigna commigo e o official interrogante. = Carlos Maria Pereira Vianna, primeiro tenente, interrogante = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario = Miguel D. G. Pereira.

4.ª testemunha

Augusto Fuschini, natural de Lisboa, de idade quarenta annos, casado, engenheiro civil, actualmente deputado, morador na travessa de S. Mamede n.° 76, testemunha jurarada aos Santos Evangelhos, do costume disse nada, E sendo-lhes lido o interrogatorio do accusado, disse:
Que no dia 7 do corrente, no momento em que ía a saír da camara, ao passar em frente da porta que defronta com o local onde se deu o incidente, viu um grupo numeroso de deputados onde se notava uma certa agitação, e notou que se achava seguro por alguns d'elles um individuo que ao approximar-se verificou-se; o sr. Henrique de Macedo, ainda na attitude de quem tenta aggredir ou desforçar-se. Que atravessou com difficuldade este grupo compacto, e; suppondo que era apenas um incidente pouco importante, se dirigíra ao sr. Henrique de Macedo, dizendo-lhe:
«Henrique, repare você que é um ministro», ao que elle respondeu: «Vejam que estou sereno».
Voltando-se depois ao sr. Ferreira de Almeida, a testemunha convidou-o a saír immediatamente com elle, julgando evitar por esta fórma o incidente que soube mais tardo ter se dado.
O sr. Almeida respondeu: «Espera que eu já vou», e continuou a arrumar uns papeis dentro da sua carteira.
A testemunha novamente instou com elle para que saísse, invocando as suas antigas relações, ao que elle replicou outra voz: «Espera, deixa-me ír buscar o meu chapeu».
Então puxando-o com um certo esforço, a testemunha obrigou o a saír da sala e acompanhou-o até ao corredor. Em seguida tornou a entrar na sala, onde se deteve seguramente um quarto de hora, fallando com diversos dos seus collegas e nomeadamente com o sr. Francisco de Campos, que n'esse dia presidíra á sessão, com o qual esteve lamentando o incidente que a esse tempo já conhecia, tendo notado que durante todo esse tempo os ministros te conservaram na sala, com incitando acaloradamente, em diversos pontes da bancada ministerial, o facto que acabava de dar-se.
E mais não disse; e sendo-lhe lido o seu depoimento o achou conforme e assigna commigo e o official interrogante = Carlos Maria Pereira Vianna, primeiro tenente, interrogante = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario = Augusto Fuschini.

5.ª testemunha

João Pereira Teixeira de Vasconcellos, natural de Amarante, de idade quarenta annos, casado, proprietario e actualmente deputado, morador no Grand Hotel de Lisboa, testemunha jurada na fórma devida, do costume disse nada. E sendo-lhe lido o interrogatorio do accusado, disse:
Que estando collocado ao lado esquerdo do seu collega Ferreira de Almeida, observara, sobre o conflicto que se deu no fim da sessão da camara dos senhores deputados, de 7 do corrente, o seguinte: Tendo-se travado uma discussão sobre assumptos de administração de marinha, durante a sessão, entre o sr. deputado Ferreira de Almeida e o sr. ministro da marinha, discussão que terminou por uma phrase d'este ultimo, que revelára a excitação de espirito de que se achava possuido, a sessão encerrou-se, e acto continuo o sr. Henrique de Macedo dirigiu-se para o lado da carteira do sr. Ferreira de Almeida, e junto d'ella dirigiu-lhe, de um modo intimativo, a seguinte phrase; «Ferreira de Almeida, você engana-se commigo, porque não lhe tenho medo nenhum, nem aqui, nem lá fóra. A estas palavras, respondeu o sr. Almeida, com um tom sereno: «V. exa. está-me provocando», ao que o sr. ministro retorquiu, repetindo com a mesma intimativa: «Repito, não lhe tenho

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medo nenhum, nem aqui, nem lá fóra». Então o sr. Ferreira do Almeida, vendo a insistencia na provocação, respondeu: «Pois mande-me v. exa. os seus padrinhos, que eu me entenderei com elles». A estas palavras redarguiu o sr. Henrique de Macedo, com uma palavra ou phrase, que elle, testemunha, não póde ouvir, porque já a esse tempo varios dos seus collegas se dirigiam em tumulto para o local onde estas phrases se acabavam de trocar em tom mais elevado, o que attrahíra a attenção, mas que elle suppõe ter sido grave e offensiva da dignidade do aggredido, por isso que foi interrompida por um murro arremessado pelo sr. Ferreira de Almeida e que attingiu o sr. Henrique de Macedo.
Durante este incidente viu a testemunha que os collegas do sr. Henrique de Macedo se conservavam em pé, junto da bancada ministerial, meros espectadores do conflicto.
Ao murro do sr. Ferreira de Almeida tentou o sr. Macedo replicar com outro, tirando assim um desforço immediato, o que não póde conseguir, por isso que elle testemunha viu o seu collega Antonio de Azevedo Castello Branco interpor-se, separando os contendores. Depois disto viu que o sr. Almeida se demorou ainda na sala por alguns minutos, procurando a sua luneta e o seu chapeu, e saiu tranquillamente pelo braço do sr. Fuschini, sem que alguem lhe intimasse voz de prisão ou tentasse perseguil-o. A testemunha conservou-se ainda na sala, depois de findo o incidente, durante uns dez minutos approximadamente, sem que observasse que por parte de alguns dos membros do gabinete, se tivesse feito alguma diligencia para a prisão do sr. Ferreira de Almeida.
E mais não disse; e sendo-lhe lido o seu depoimento o achou conforme e assigna commigo e o official interrogante. = Carlos Maria Pereira Vianna, primeiro tenente, interrogante = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario = João Pereira Teixeira de Vasconcellos.

Setima sessão

Aos 21 de maio de 1887, na sala das sessões dos conselhos de guerra, em Alcantara, estando reunido o conselho, se continuou no inquerito das testemunhas de defeza, pela fórma seguinte. = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario.

6.ª testemunha

João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, natural de Alcaide, comarca do Fundão, de idade trinta e dois annos, casado, auditor fiscal da segunda instancia, actualmente deputado, morador na calçada do marquez de Abrantes n.° 44, testemunha jurada aos Santos Evangelhos, do costume disse nada. E sendo interrogado sobre o interrogatorio do accusado, que lhe foi lido, disse:
Que não reconhece a competencia legal do presente conselho de investigação para perante elle se instaurar este processo; mas não se recusou nem recusa a depor pelo unico motivo de não querer embaraçar ou demorar a instauração do processo, tal como ao governo pareceu que devia ser instaurado, prejudicando assim o seu collega Ferreira de Almeida, e o dia 7 estava na camara dos senhores deputados quando entre o seu collega Ferreira do Almeida e o ex-ministro da marinha, Henrique de Macedo, se travou uma discussão relativa a assumptos dependentes d'aquelle ministerio, discussão que se tornou a breve trecho bastante irritada e muito tensa, chegando o ex-ministro da marinha a interromper o sr. Ferreira de Almeida para lhe pedir que o não poupasse; que sobre esta discussão se encerrou a sessão, vendo que em acto seguido o sr. Henrique de Macedo se levantou do seu logar, dirigindo-se para o lado onde estava o sr. Ferreira de Almeida; que não ouviu as palavras trocadas entre aquelles dois senhores, porque, a esse tempo estava elle testemunha conversando com o digno par do reino visconde da Silva Carvalho, ao fundo das escadas que, pelo lado esquerdo, levam á presidencia e assim um pouco distante do logar onde se deu o conflicto; viu, porém, que depois de algumas phrases trocadas entre o ex-ministro da marinha e o deputado Ferreira de Almeida, este levantara a mão contra aquelle, correndo então elle testemunha para os dois contendores com o fim de os separar.
Pelo ouvir dizer logo n'aquella occasião, e desde então até agora, por modo constante e geral, sabe que o sr. Henrique de Macedo, ao approximar-se, como fica dito, do sr. Ferreira de Almeida dissera a este «que não lhe tinha medo e que estava prompto a dar-lhe explicações ali e em toda a partes, retorquindo o sr. Ferreira de Almeida «que em tal caso nomeasse e lho enviasse os seus padrinhos», continuando entre elles esta disputa, não podendo a testemunha relatar as outras phrases que entre si trocaram pois que, a este respeito, são diversas e muito encontradas as versões que tem ouvido. Disse mais que o deputado Ferreira de Almeida se conservou no seu logar e na camara algum tempo ainda depois do conflicto.
E mais não disse; e sendo-lhe lido o seu depoimento o achou conforme e assigna commigo e o official interrogante. = Carlos Mana Pereira Vianna, primeiro tenente, interrogante = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

Opinião do conselho

Vendo se n'esta cidade de Lisboa, e na sala dos concelhos de guerra em Alcântara, o officio do commandante geral da armada ao presidente d'este concelho, que serve de parte accusatoria, depoimento das testemunhas inquiridas, interrogatorio feito ao accusado, José Bento Ferreira de Almeida, primeiro tenente da armada, suas allegações e defeza, decidiu-se por unanimidade:
1.° Que está provado que no dia 7 do corrente, na sala das sessões da camara dos senhores deputados da nação, depois de encerrada a sessão e em acto continuo ao seu encerramento, o primeiro tenente da armada e deputado, José Bento Ferreira de Almeida, aggrediu corporalmente o sr. conselheiro Henrique de Macedo Pereira Coutinho, então ministro da marinha;
2.° Acha-se igualmente provado que essa aggressão não foi commettida em acto de serviço, nem em rasão do mesmo serviço, mas pelo contrario em seguida a uma discussão do caracter politico, occorrida durante a sessão d'esse dia e na qual o accusado tomou parte na sua qualidade de deputado da nação;
3.º Finalmente, achar-se tambem provado que as expressões dirigidas ao accusado pelo aggredido podiam ser por este tomadas, como uma provocação, não se provando com tudo que fossem injuriosas.
Sala das sessões dos conselhos de guerra em Alcantara, 21 de maio de 1887.= Francisco de Paula Teves, capitão tenente, presidente = Carlos Maria Pereira Vianna, primeiro tenente, interrogante = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario.

Verificando-se pelo precedente conselho de investigação, que o primeiro tenente da armada, José Bento Ferreira de Almeida, no dia 7 de maio, aggrediu corporalmente o exmo. ministro da marinha, Henrique de Macedo Pereira Coutinho, faltando aos deveres de subordinação, que como militar é obrigado a cumprir, infringindo assim o preceito do artigo 1.° dos de guerra da armada; resolvo que este processo seja remettido ao exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados, nos termos do artigo 1:003.° da reforma judicial, visto que ao denunciado como deputado pertence fôro especial.
Cominando geral da armada, em 23 de maio de 1887.= Joaquim José de Andrada Pinto, vice-almirante e commandante geral da armada.

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O sr. Marçal Pacheco: - (sobre a ordem) Mando para a mesa uma substituição ao parecer que se discute. A minha substituição é esta:
«Senhores. - A vossa commissão de legislação criminal estudou, com todo o cuidado e imparcialidade, o processo verbal e summario feito, em conselho de investigação, por ordem do commandante geral da armada, ao primeiro tenente da armada José Bento Ferreira de Almeida, processo que foi enviado a esta camara, nos termos do artigo 1:003.° da reforma judicial; e
«Considerando que a esta camara não compete julgar do crime attribuido ao sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida, por ser esse julgamento da competencia exclusiva da camara dos dignos pares do reino, como está estabelecido no § 1.° do artigo 41.° da carta constitucional, e, n'esta conformidade, sómente lhe pertence deliberar para os effeitos do artigo 4.° do acto addicional de 24 de julho de 1885, e não nos termos do artigo 1:003.° da reforma judicial, como erradamente se affirma no despacho ou resolução do commando geral da armada de 23 de maio do corrente;
«Considerando que, para esta camara poder decidir da suspensão ou continuação das funcções parlamentares do sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida, fôra mister que, em qualquer dos casos, se cumprisse a sua decisão, o que, nas actuaes circumstancias, não póde ter logar em presença da prisão, a que está sujeito, sem fiança, o mesmo sr. deputado, e por ser essa prisão, embora illegal e arbitraria, um facto impeditivo do exercicio d'aquellas funcções;
«Considerando que, quanto á continuação do processo em que esteja accusado ou pronunciado qualquer deputado, compete a esta camara decidir se tal continuação deve ou não ser adiada para o intervallo das sessões, ou para quando findarem as funcções do accusado ou indiciado:
«É de parecer:
«1.° Que a camara não póde deliberar sobre a suspensão das funcções parlamentares do sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida;
«2.° Que a camara resolva que não deve adiar, nem para o intervallo das sessões, nem para quando findarem as funcções do sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida, a continuação do respectivo processo e, consequentemente, que. seja o mesmo processo enviado desde já á camara dos dignos pares do reino para discussão e julgamento.
«Sala das sessões, 27 de maio de 1887.= O deputado, Marçal Pacheco.»

Antes de tudo, sr. presidente, eu quero e devo dizer a v. exa. e á camara as rasões por que tomei a palavra em primeiro logar, n'este debate.
A circumstancia, puramente fortuita, de ser membro da commissão de legislação criminal, e o facto de ter assignado vencido este parecer, são motivos obvios que explicam a minha posição.
Esta explicação é necessaria porque eu não desejo que o orador, que me succeder no uso da palavra, e tenha de responder a algum argumento que eu porventura adduza n'esta discussão, argumente com a circumstancia de eu ter fallado em primeiro logar e não o sr. Lopo Vaz.
Desde que tem sido assentado n'esta assembléa, nos ultimos tempos, o systema de responder ao que se diz d'este lado da camara, não com as rasões justificativas dos actos do governo, mas com o que se passa no regimen interno do partido regenerador, v. exa. comprehende que eu precisava de dar esta explicação.
D'este lado da camara foi, ha poucos dias, accusado o governo pelos acontecimentos do Porto, e a camara ouviu as explicações que o sr. ministro do reino deu ás arguições que aqui lhe foram feitas, dizendo que não tivessemos nós impaciencias porque o governo tinha apenas quatorze mezes de existencia, e nós ... não estavamos organisados!
Eis como se respondeu ás accusações que foram feitas ao governo! (Apoiados.)
Tratou-se depois da prisão do sr. Ferreira de Almeida e quasi todas as respostas d'esse lado da camara se basearam no facto de se dizer que nós não tinhamos chefe, e que o partido regenerador andava em dissidencia completa!
Mais tarde, o sr. Julio de Vilhena fez um brilhantissimo discurso a respeito da concordata, e como é que se lhe respondeu? Respondeu-se dizendo que o sr. Barjona de Freitas andava triste, que o sr. Hintze Ribeiro andava alegre, que eu, que em tempos passados quasi tinha perdido a voz, agora fallava frequentemente; que o meu distincto e talentoso amigo, o sr. Arouca, que era mudo, agora estava eloquente ... emfim, um sem numero de cousas que, para fallar a verdade, mais cabimento tinham n'um folhetim alegre e divertido, do que em resposta ás arguições gravissimas que se faziam ao governo. (Apoiados.)
Constituindo este systema um habito e um costume, obriga os oradores, que fallarem d'este lado da camara, a prevenirem esta argumentação esmagadora e convincente. (Apoiados.) A esta obrigação obedeço, pois, declarando que a rasão por que fallo, em primeiro logar, não é porque não tenha o maximo respeito pelo sr. Lopo Vaz; que não tenha a maxima consideração por s. exa., (Apoiados) como aliás, por s. ex.a, a têem todos os membros deste lado da camara e creio que os de toda a assembléa. (Apoiados.) A minha substituição tem a approvação de s. exa. e a dos illustres e distinctos membros da opposição regeneradora, n'esta casa. (Apoiados.)
Dito isto, para tranquiliidade e socego dos espiritos, passo rapidamente a expor os motivos da minha moção.
Serei breve, porque o meu estado de saude não permitte alongar-me em considerações, e porque, a fallar a verdade, os motivos principaes da substituição, que tenho a honra de apresentar, estão já escriptos nos considerandos da mesma substituição. Mas, se faço este programma de ser breve, igualmente não faço programma de ser, nem vehemente nem moderado, porque não quero por fórma alguma auctorisar qualquer membro d'esta casa a julgar que eu me não reputo no direito de n'este logar, fallar com toda a liberdade, como entender e souber, sem admittir outras restricções que não sejam aquellas que provém e se derivam das prescripções do regimento, alem das que naturalmente são filhas do muito respeito que tenho por v. exa., por todos os membros d'esta casa e por mim mesmo. (Apoiados.)
Sr. presidente, a questão que se discute tem tres aspectos diversos e distinctos, qual d'elles o mais importante.
São: o da competencia d'esta camara para conhecer do processo do sr. José Bento Ferreira de Almeida; o de resolver-se que seja, ou não, suspenso das suas funcções este illustre deputado; finalmente, tem de pronunciar-se o parlamento a respeito de qual a epocha, qual o momento, qual a occasião em que o respectivo processo tem de seguir.
Quanto ao primeiro ponto, creio que todos estamos de accordo. Tanto o parecer da commissão, como a substituição que mando para a mesa, reconhecem que a esta camara pertence a faculdade de tomar conta do processo do sr. Ferreira de Almeida. Mas, na affirmação d'esta doutrina, ha uma differença capital entre o modo porque eu procedo e o modo por que o faz a commissão.
A commissão, para chegar a affirmação d'esta doutrina, diz na parte narrativa, ou propriamente expositiva, do seu parecer o seguinte:
«A commissão de legislação criminal examinou o processo instaurado por ordem do sr. commandante geral da armada, contra o sr. deputado e primeiro tenente da armada, José Bento Ferreira de Almeida, que foi enviado a esta camara para os efeitos do artigo 4.° do acto addicional de 24 de julho de 1885...»
Ora isto não é exacto, porque o despacho, ou resolução do commando geral da armada, em virtude do qual foi en-

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viado a esta camara este processo, não invoca o artigo 4.° do acto addicional de 24 de julho 1885. Invoca o artigo 1:003.° da reforma judicial. (Apoiados.)
No despacho, resolução, ou como deva chamar-se, do sr. commandante geral da armada diz-se:
«... resolvo que o processo seja enviado á camara dos senhores deputados, nos termos do artigo 1:003.° da reforma judicial».
Como se vê, não se invoca o artigo 4.° do novo acto addicional, para o fim de enviar á camara o processo; invoca-se o artigo 1:003.° da reforma judicial. (Apoiados.) Portanto, a commissão commetteu um erro de facto no seu parecer. (Apoiados.) O artigo 1:003.° não é applicavel ao caso, e o sr. commandante geral da armada esqueceu-se do artigo 4.° do segundo acto addicional. (Apoiados.)
Valha a verdade que s. exa. ainda nos fez favor, porque podia tambem não se lembrar do artigo 1:003.° da reforma judicial. N'esta situação em que o governo e a maioria têem collocado o commandante geral da armada, n'este supremo cargo de juiz supremo e suprema instancia judicial em que o têem investido, nada era para admirar. (Apoiados.) O sr. commandante geral da armada podia até dispensar-se do nos dar conta do processo e, como dos seus despachos não ha recurso, a nós restava-nos acceitar, resignados, os altos decretos... (Apoiados.)
E todavia, se a invocação do artigo 1:003.° da reforma judicial devesse ser feita n'este caso, o processo não teria de ser enviado á camara dos deputados, e sim á dos dignos pares, porque é a esta a quem compete julgal-o.
E necessario pôr bem manifesta esta doutrina, para que a invocação errada d'este artigo, não possa, mais tarde, constituir materia para precedentes abusivos e para arestos, mais abusivos ainda.
O artigo 1:003.° da novissima reforma judiciaria diz:
«Artigo 1:003.° Se, porém, o indiciado for algum membro da familia real, ministro d'estado, conselheiro distado, ou membro do corpo legislativo durante o periodo da legislatura, o juiz não poderá contra elle passar mandado de custodia; porém, feita a pronuncia, remetterá o processo com todo o segredo de justiça ao tribunal, que por lei for competente para o julgar.»
Segundo este artigo, não tinha que vir este processo aqui; tinha que ir logo para a camara dos dignos pares, porque a esta camara é que está commettido o direito de julgar, como estabelece o § 1.° do artigo 41.° da carta constitucional. (Apoiados.)
Felizmente, sr. presidente, que o sr. commandante geral da armada, juiz supremo d'estes reinos, escreveu direito por linhas tortas, como se diz de Deus, com quem se parece tanto pela sua omnipotencia! (Muitos apoiados.)
Escreveu direito quando disse que o processo devia vir á camara dos deputados, mas escreveu por linhas tortas quando inventou o artigo 1:003.° da reforma judicial. (Apoiados.)
Ora, para endireitar estas linhas tortas do despacho do sr. commandante geral da armada, e para ficar bem assente que a esta camara cabe de direito conhecer...
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Não é verdade.
O Orador: - Não é verdade? Mas então faça v. exa. favor de responder ao sr. relator da commissão, que tambem affirma no parecer a mesma doutrina. Mas convém, que v. exa. note a situação em que se está collocando. Já deixou de se entender com o sr. Dias Ferreira, deixa aurora de estar bem com o partido progressista, e, aqui, no partido regenerador, não póde ficar, segundo as suas terminantes declarações. (Riso.-Apoiados.)
Isto de estar só, contra o mundo inteiro, não lhe deve ser muito agradavel... (Riso.)
Continuando, dizia eu, sr. presidente, que. para endireitar estas linhas tortas, do sr. commandante geral da armada, se torna necessario substituir a primeira parte do parecer da commissão. N'este proposito, e com este intuito, foi redigida tambem a primeira parte da minha substituição. (Apoiados.)
A segunda questão a tratar n'este assumpto, é a que diz respeito á faculdade que tem esta camara de deliberar sobre a suspensão do sr. deputado Ferreira de Almeida. Poucas palavras bastam para expor a minha opinião.
O parecer da commissão conclue que esta suspensão seja ratificada. Eu digo que esta camara não póde deliberar sobre este assumpto. A rasão por que digo que a camara não póde deliberar sobre este assumpto é muito simples. Se a camara affirmasse que tinha faculdades para deliberar, é claro que qualquer que fosse a decisão da camara, essa decisão, sendo séria, deveria ser cumprida. A camara poderia, n'estes termos, dizer que o sr. deputado, de que se trata, ficava suspenso ou não ficava suspenso. Conseguintemente, no caso de declarar que não ficava suspenso, o sr. Ferreira de Almeida deveria vir exercer o seu logar.
Mas o sr. deputado Ferreira de Almeida não póde apresentar-se aqui, porque isso lhe é impedido pela prisão, prisão que está determinada sem fiança, e que já foi approvada por esta camara. Logo, esta camara não tem liberdade para decidir, está coacta, por assim dizer, não póde, n'este sentido, deliberar, sobre pena de deliberar comicamente. (Muitos apoiados.)
A camara não póde dizer que ratifica ou acceita a suspensão derivada da prisão, não póde dizer, como diz a commissão no seu considerando, que a prisão envolve virtualmente a suspensão, porque, na minha opinião, hoje, hontem, ámanhã o sempre continuará a ser verdade para v. exa. e para a camara que essa prisão foi illegal e arbitraria, foi prepotente e tumultuosa. (Apoiados.) Continuará o ser illegal, arbitraria, prepotente e tumultuosa, porque não houve flagrante delicto, (Apoiados.) porque não houve crime, a que correspondesse pena capital, (Apoiados.) porque não houve ordem d'esta camara para prender o sr. Ferreira de Almeida, (Apoiados.) porque, finalmente, o sr. Ferreira de Almeida não commetteu um crime militar, nem era n'esta casa um militar. (Muitos apoiados.)
E, contra isto, de nada vale adduzir-se a approvação da moção do meu amigo, o sr. Francisco de Campos; porque uma moção de confiança não é sufficiente para relevar o governo da responsabilidade, em que incorreu, pela violação de uma garantia parlamentar, pela infracção de um principio constitucional. (Apoiados.) Já o demonstrei em outra occasião; e essa demonstração está de pé e intacta no seu fundamento. (Apoiados.) Por consequencia, desde que essa prisão é illegal, arbitraria, violenta e tumultuosa, v. exa. comprehende que ninguem póde reconhecel-a, e não a reconhecendo, não se lhe podem reconhecer os seus effeitos, não póde reconhecer-se que n'ella se envolva, virtualmente, a suspensão. (Apoiados.) Ao mesmo tempo, é, porém, certo, que ella existe e, por isso, é um facto impeditivo, um facto de força maior que se impõe pela sua propria existencia.
N'estas circumstancias, esta camara não tem nem póde emittir voto, sente-se coacta, não póde resolver sobre similhante assumpto.
Moção de confiança!...
Mas, sr. presidente, se a moção de confiança e bastante para relevar o governo da responsabilidade da violação de um preceito constitucional, segue-se d'ahi que no tocante a resoluções constitucionaes é completa a soberania d'esta camara; que esta camara só por si é competente e bastante para as tomar, sem a intervenção de nenhum outro poder, sem impedimento de qualquer ordem.
Se, porém, é assim, porque vem o illustre relator da commissão declarar que esta camara não póde dizer que o processo continua immediatamente?! (Apoiados.)
Se a camara é soberana para relevar o governo de ter violado um principio da constituição, por maioria de rasão o deve ser para declarar que o processo deve continuar

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immediatamente!. .. (Apoiados.) Porque o não declara então? (Apoiados.) Porque não resolve assim? (Muitos apoiados.) E porque d'isso a impede a terminante e clara letra da lei? Mas não é clara a lei quando diz que a prisão de um deputado só póde ser ordenada por esta camara, excepto no caso de flagrante delicto de pena capital? (Apoiados.) E todavia, o que se fez e o que se tem feito? (Apoiados.)
Sr. presidente, nada mais quero acrescentar sobre esto ponto. É evidente que esta camara não póde deliberar, livremente, sobre se deve suspender, ou não, o sr. Ferreira de Almeida. O facto impeditivo da prisão não lh'o permitte. (Apoiados.)
Vejamos agora o terceiro e ultimo aspecto d'esta desgraçada questão. (Apoiados.) Este é o mais importante.
Os outros são, sem duvida, importantes, mas este é o de mais palpitante interesso no actual momento.
Trata-se de saber-se a esta camara compete a faculdade de declarar se o processo deve seguir já, ou somente, no intervallo das sessões, ou lindas, que sejam, as funcções do accusado, o sr. Ferreira de Almeida.
Parece liquidada esta questão, tanto na imprensa governamental, como nos circulos dos legistas da maioria.
N'uma e noutra parte, parece cousa corrente e acceitavel, um axioma incontroverso que, de facto, a letra do artigo 4.° do segundo acto addicional e tão clara, tão manifesta, tão evidente que não ha margem para duas opiniões, e que a unica opinião possivel é: que a camara ha de restrictamente, declarar se o processo continúa no intervallo das sessões ou findas, que sejam, as funcções do accusado ou indiciado.
A propria commissão diz no seu parecer:
«Considerando que a camara dos senhores deputados, nos termos do artigo 4.° do acto addicional de 24 de julho de 1855 só tem que deliberar sobre a suspensão do accusado do exercicio das suas funcções e sobre se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções parlamentares do recusado, não podendo, por isso, resolver que o processo continue immediatamente.»
Vêem? A commissão parece tranzida de desgosto e de penar por não poder declarar que o processo deve seguir já! E tão evidente e clara a disposição do acto addicional á carta constitucional, que os illustres membros da commissão de legislação criminal, cheios de supersticioso respeito pela letra sagrada da constituição, apesar do seu desejo de que o sr. Ferreira de Almeida vá perante a justiça dar conta dos seus actos, violentaram as indicações do seu coração...
Pôde mais no espirito d'elles a sentença clara da lei do que os dictames do seu- sentimento e porventura da sua consciencia!...
Lá fóra, na imprensa, quasi succede o mesmo. Polemistas dos mais notaveis, pertencentes ao partido progressista, chegam mesmo a confessar que esta doutrina é absurda, mas que, emfim, nem por isso se deve deixar de dizer que não ha para esta camara outra faculdade que não seja a de declarar, sómente e unicamente, se o julgamento deve ser no intervallo da sessão ou no fim da legislatura. Nada mais.
Esta doutrina é absurda? Será, mas, emfim, dura lex sed lex. Tal e a opinião dominante.
Sr. presidente, eu não posso duvidar, nem um momento sequer, da sinceridade das convicções dos dignos membros da commissão de legislação criminal, nem tão pouco da dos polemistas que lá fóra, na imprensa, têem agitado este assumpto. Mas trata-se, nada mais, nada menos, que da liberdade de um homem que está preso e sujeito a uma prisão preventiva, (Apoiados.) prisão q eu muitas vezes é violenta, e, em todo o caso, mais ou menos injusta.
Por isso, não posso suppor, nem da parte dos membros da commissão de legislação criminal, nem da parte dos polemistas que lá fóra têem agitado esta questão, um pensamento pequeno e mesquinho de vingança contra o preso. Por consequencia, quando uns e outros sustentam esta opinião, é porque realmente d'ella estão convencidos.
E parece, talvez, nestas circumstancias, no meio d'estas opiniões uniformes, um pouco ousado que eu venha apresentar uma nota discordante. Mas venho, porque me anima o espirito a convicção profunda, inabalavel, de que não ha opinião nem mais erronea, nem mais falsa do que a opinião que s. exas. sustentam. (Apoiadas.)
E n'esta convicção, tão radicada-no meu espirito, que eu, sr. presidente, declaro, desde já a v. exa., e á assembléa, que se porventura eu não lograr convencer os que me ouvem, é, de certo, porque não tive sufficiente lucidez de exposição, para mostrar tudo quanto a este respeito o meu espirito comprehende e pensa.
E, por isso, permitia v. exa., sr. presidente, que eu faça I um pedido aos dignos membros da maioria. Peço a s. exas. que me interrompam, que me dirijam ápartes, que me opponham objecções; porque tudo não servirá senão para mostrar-se, claramente, se a rasão está no meu lado, se do lado de s. exas. (Apoiados.)
É de grande interesse esta questão, que não póde sor politica. (Apoiados.)
É uma questão que interessa vivamente a dignidade d'esta camara, e a dignidade e o futuro de um homem, (Apoiados.) O interesse todo, de todos e de tudo, está em estabelecer se a verdade, principalmente se, de uma reconsideração da digna commissão de legislação criminal, resultar um beneficio para esse homem, que por todos os titulos o merece, sobre tudo, por ser um accusado. (Apoiados.)
Ora vejamos o que diz o artigo 4.º do acto addicional de 1885. Chamo, em especial, a attenção do sr. ministro das obras publicas para as opiniões, que vou citar, de um illustre publicista, que tem largamente tratado d'esta questão na imprensa, e cujas obras são, na maxima parte editadas por uma casa, ao cimo da rua nova do Almada, e que se chama a redacção das Novidades. (Riso.)
É um publicista que tem, parece-me, o nome de Emygdio Navarro. O sr. ministro das obras publicas me dirá, quando eu citar a sua opinião, se, n'alguma referencia, estou enganado.
Diz o artigo 4.º:
«Se algum par ou deputado for accusado ou pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva camara, a qual decidirá se o par ou deputado deve ser suspenso e se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado ou indiciado.»
Como v. exa. o a camara vêem, este artigo, tem tres panes inteiramente distinctas. Na primeira, diz-se que o juiz a quem estiver affecto algum processo, em que esteja indiciado ou accusado algum par ou deputado, dará conta, á respectiva camara, d'esse processo. D'esta primeira parte escuso de occupar-me, porque o que tinha a dizer, sobre este ponto, já o disse. Vamos ás duas restantes. Na segunda parte, o artigo diz: que a camara decidirá se o par ou deputado deve ser suspenso na terceira, a, camara decidirá se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado ou indiciado.
Pergunto agora á camara: quando o acto addicicnal, no artigo 4.°, diz: que a camara decidirá se o deputado deve ser suspenso, fica a camara obrigada a suspender sempre o deputado? Não.
Estas palavras significam que a camara tem a faculdade de suspender ou não suspender. (Apoiados.) Portanto, é como se estivesse aqui escripto que a camara decidirá se o são par ou deputado, deve ou não, ser suspenso. Creio que sobre esto ponto não ha duvidas. (Apoiados de iodos os lados da camara.)
Da mesma sorte, quando o artigo 4.° diz: a camara decidirá se o processo deve seguir no intervallo das sessões

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ou depois de findas as funcções do accusado, é como se dissesse: a camara dicidirá se o processo deve ou não seguir no intervallo das sessões, ou depois de findas as funcções do accusado. (Apoiados da esquerda. - Reclamações da direita.)
Reclamam? Porque? acceitaram o raciocinio quanto á primeira parte e já não o querem com applicação á segunda parte do artigo, quando são iguaes as expressões e as palavras as mesmas?!
O sr. Barbosa Magalhães: - É porque ha de seguir sempre o processo.
O Orador: - De accordo. Segue sempre, verá. Mas eu peço ao illustre deputado que acompanhe a minha argumentação até ao fim, e depois me responda.
Eu torno a repetir. Quando o acto addicional diz que a camara decidirá se o deputado deve ser suspenso, conclue-se d'aqui que o deputado ha de ser suspenso sempre? Não. (Apoiados.) Logo, quando o acto addicional diz se o par ou deputado deve ser suspenso, é como se dissesse, se o par ou deputado deve ou não ser suspenso. (Muitos apoiados.) Em seguida diz o mesmo artigo que a camara decidirá se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado ou indiciado.
O sr. Antonio Candido. - Ou depois de findas.
O Orador. - Lá chegaremos ao ou. Deixem-me os illustres deputados expor a minha demonstração, e depois objectem-me.
Quando o acto addicional diz que a camara decidirá se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado ou indiciado, conclue-se daqui que o processo ha de sempre seguir n'uma ou n'outra occasião? Não. E como se lá estivesse escripto: se o processo deve ou não seguir, etc. (Apoiados da esquerda.) O que está n'este artigo é a attribuição conferida á camara de dizer ou decidir se o deputado ou par deve ou não ser suspenso e se o processo deve ou não seguir, no intervallo das sessões ou findas as funcções do accusado. Ora a camara póde responder: sim, ou póde responder: não. O que se pergunta á camara, quanto a seguir o processo, é se ella quer addiar, porque o fim do artigo, n'este ponto não é, nunca foi e não póde ser outro. (Apoiados.) Pergunta-se á camara se ella quer adiar o processo para o intervallo das sessões ou para depois de findas as funcções do accusado ou indiciado; e, portanto, a camara póde responder que não quer adiar nem para o intervallo das sessões, nem para depois de findas as funcções do accusado ou indiciado. (Apoiados.) Ora, se não quer adiar, a conclusão é que o processo deve seguir logo. (Muitos apoiados da esquerda.) O que se não adia, segue. (Apoiados da esquerda.)
E agora vou responder ao áparte com que me honrou o illustre deputado e meu amigo, o sr. Antonio Candido. Mas o ou!? O ou tem uma explicação muito simples. Quando o artigo 4.° do acto addicional conferiu a esta camara a faculdade de adiar, marcou-lhe um espaço limitado no adiamento. As palavras do artigo são estas: «a camara decidirá se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado ou indiciado».
Este ou não affecta a decisão da camara, affecta o espaço do adiamento (Apoiados.) A camara é liberrima para decidir se, sim ou não, o processo deve ser adiado. Se, porventura, decidir o adiamento, não o póde fazer senão n'estes termos: ou para o intervallo das sessões ou para quando findem as funcções do par ou deputado. Para que? Para que o não fizesse indefinidamente, e o réu deixasse, por este modo, de ser julgado. Este é o pensamento da letra da lei, nunca foi, nem póde ser, outro. (Muitos apoiados.)
Asseguro a v. exa. e á camara que estou interpretando este artigo sem a mais leve sombra de preoccupação partidaria, sem espirito de sophisma. Quem examinar attentamente a letra d'esta disposição vê que esta é a verdade. (Apoiados.)
Uma voz: - Se não é sophisma, parece.
O Orador: - Se alguem entende que não posso dizer nada n'esta casa que não seja um sophisma, então respondo com uma simples observação: é que é mais facil responder a um sophisma do que a uma verdade. (Apoiados.) Respondam pois...
O sr. Albano de Mello: - Peço a palavra.
O Orador: - Se s. exa. não quer guardar para logo e quer responder desde já a este ponto, não tenho duvida em interromper o que estou dizendo...
O sr. Albano de Mello: - Póde s. exa. continuar.
O Orador: - Quer v. exa., sr. presidente, saber como o artigo deveria estar redigido, se tivesse esse pensamento peregrino, extraordinario e absurdo, que lhe attribuem? Se o acto addicional quizesse dizer que, inevitavel, fatal e necessariamente, o julgamento devia ter logar só no intervallo das sessões ou só, findas que fossem as funcções do accusado, a redacção seria esta - «se algum par ou deputado for pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva camara, a qual decidirá se o par ou deputado deve ser suspenso, seguindo o processo, no intervallo da sessão ou no fim das funcções do indiciado ou accusado.» Era assim. Mas o artigo não diz isso. Ora, decidindo a camara que o processo não deve ser adiado, qual é a conclusão? É que deve seguir. (Muitos apoiados.)
Insisto n'este ponto porque preciso, e desejo, sobretudo, defrontar-me com os meus adversarios no terreno stricto da letra do artigo.
É ahi que mais afincadamente se entrincheiram.
Querem o artigo decomposto grammaticalmente, como quando se analysa uma oração no terceiro anno de portuguez? Vamos a isso. Leio outra vez o artigo:
«Se algum par ou deputado for accusado ou pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva camara, a qual decidirá, se o par ou deputado deve ser suspenso, e se o processo deve seguir no intervallo das sessões, ou depois de findas as funcções do accusado ou indiciado.»
A camara decidirá!... Decidirá o que? Primeiro, se o deputado deve ser suspenso; segundo se deve seguir o processo no intervallo das sessões; terceiro, se deve seguir o processo, quando findem as funcções do accusado ou indiciado. Eis aqui os tres pontos que a camara tem de decidir. São tres perguntas ás quaes a camara tem de responder. A camara póde responder sim ou não. Se póde, diz não, se assim o entender. (Apoiados.}
Se não póde, então a resposta não seria uma decisão da camara, seria uma imposição. (Muitos apoiados.) Para que viria, n'esse caso, aqui, o processo? (Apoiados.) E tal a minha vontade de responder a qualquer objecção que até estou sentindo vontade de responder a um gesto que acabo de ver fazer ao sr. relator do projecto... (Riso.) Eu já pedi ao sr. presidente que permittisse que me interrompessem, me dirigissem ápartes, produzissem argumentos e apresentassem objecções, porque eu desejo esclarecer-me e desejo igualmente que a camara fique esclarecida; (Apoiados.) desejo, sobretudo, que fique demonstrado que se a maioria tem poder para passar por cima da letra da lei, não o tem para passar por cima da logica. (Apoiados.) Póde dizer que o sr. Ferreira de Almeida só deve ser julgado no intervallo das sessões, ou no fim das suas funcções, como já pôde dizer que a prisão fôra legal e justa. (Apoiados.) Mas não é justa, não é legal, não é verdadeira a affirmação de que não delibera que siga immediatamente o processo pela rasão de se oppor a lei a essa deliberação, com o pretexto de que não póde, nem tem faculdades para o fazer. (Muitos apoiados.) Póde e deve. (Apoiados.) Logo provarei que deve. Que póde, acabo de o demonstrar á evidencia com a interpretação litteral da lei. E, como ha quem queira sustentar o errado parecer da commissão, invocando as origens historicas do artigo 4.°

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do segundo acto addicional, colloquemos a questão n'esse terreno.
O que é que legisla este artigo? Este artigo é a substituição, como v. exa. sabe, do artigo 27.° da carta. Porque é que se substituiu o artigo 27.° da carta? Porque o artigo da carta dizia que «a camara tinha a faculdade de declarar se o processo devia continuar ou não. E como, pela maior parte das vezes, declarava «que não devia continuar o processo», o accusado ou indiciado não era julgado. O que veiu fazer esta modificação do artigo 4.°? Veiu destruir a possibilidade d'essa declaração por fórma que nunca o accusado deixa de ser julgado.
Esta doutrina foi, pois, estabelecida para destruír os effeitos do artigo 27.° da carta constitucional, em virtude dos quaes, quasi sempre, deixavam de ser julgados os deputados ou pares accusados. Como a camara declarava, em regra, que o processo não podia continuar, julgava-se extincto o crime. E foi a este inconveniente que se oppoz o artigo 4.° do acto addicional. Segundo este artigo a camara já não tem faculdade para dizer que não deve continuar o processo, tem faculdade sómente para adiar essa continuação em termos restrictos, isto é, ou para o intervallo das sessões, ou para o fim das funcções do par ou deputado. Mas é claro que, como é uma faculdade, a camara póde, querendo, prescindir d'ella, quando assim o entenda. Prescindindo do adiamento, o processo segue e o par ou deputado é julgado. (Apoiados.) É evidente. (Apoiados.)
Os inconvenientes do artigo 27.° da carta, não provinham da camara deliberar que o processo continuasse ou seguisse. Provinham, e todos, da faculdade de dizer a camara que o processo não continuasse ou não seguisse. (Apoiados.)
Por isso, o artigo 4.° do acto addicional hão se oppõe, nem podia oppor-se a que esta camara decida que o processo siga immediatamente.
O seu pensamento claro, a sua obvia rasão de ser, é obstar a que o processo deixe de continuar. E para o cumprir, diz se que o adiamento sómente póde ler logar ou para o intervallo das sessões ou para quando findem as funcções do par ou deputado.
Ha cousa mais clara? (Muitos apoiados.)
E vou ler á camara o parecer da commissão que examinou este assumpto. Chamo para este ponto a attenção especial do sr. ministro das obras publicas.
A camara quer saber qual foi o pensamento do legislador, redigindo o artigo 4.° do acto addicional de 24 de julho de 1885? Vae ouvir um auctorisado publicista, o sr. Navarro. S. exa. não renega de certo a sua opinião.
Tenho aqui as Novidades.
(Interrupção.)
Quando discuto a opinião das Novidades menos me honro a mim do que o sr. ministro das obras publicas.
(Interrupção.)
Quando trago para aqui a opinião de qualquer jornalista, quando a discuto n'este logar, é pela muita consideração que me merece. Discutir uma opinião de doutrina, nunca foi affronta nem desaire para ninguem. (Apoiados.)
Não sei a que venham, pois, quaesquer reparos sobre o facto de citar as Novidades e a opinião do sr. Emygdio Navarro.
O que as commissões de reformas politicas escreviam sobre o assumpto é concebido n'estes termos:
«Se é de publica utilidade garantir os pares e os deputados contra os possiveis abusos, a que o desvairamento politico póde facilmente instigar, não deve essa garantia ir tão longe que assegure a impunidade.
«Praticamente, nem em todos os casos a disposição do artigo 27.° da carta tem dado em resultado a impunidade dos delinquentes; mas são excepcionalissimos estes exemplos. Este estado de cousas não deve continuar, porque a opinião publica pensa, e porventura com rasão, que para evitar abusos possiveis se commettem abusos incontestaveis.»
E mais tarde e n'outro logar:
«Com referencia ao disposto nos artigos 3.° e 4.° da proposta, entendeu a commissão que as alterações a fazer noa artigos 26.° e 27.° da carta constitucional deviam restringir-se a assegurar a independencia indispensavel dos representantes da nação, sem dar ensejo á impunidade d'aquelles que voluntariamente transgridam as prescripções da lei penal.
«Limitar, pois, ao flagrante delicto, a que corresponda a pena mais elevada da escala penal, o caso em que podem ser presos os representantes da nação, sem ordem da respectiva camara; e tirar ao parlamento a faculdade de subtrahir á acção dos tribunaes legaes qualquer dos seus membros, podendo apenas adiar para o intervallo da sessão ou fim da legislatura esse julgamento; pareceu que seriam as alterações precisas para harmonisar, n'este ponto, as necessidades da ordem publica com as exigencias da justiça.»
É tudo quanto ha de mais explicito. (Apoiados.) E todavia, sendo este o pensamento do legislador, tão claramente expressado n'estes trechos, possivel é ainda allegar-se que não ficou elle consignado no artigo 4.°
Eu faço todas as concessões, como vêem. Mas a esta allegação responde este commentario do sr. ministro das obras publicas, commentario por s. exa. feito no ultimo trecho que acabo de ler.
Diz o sr. Emygdio Navarro:
«E foi isto o que ficou na lei.
«Reconstruamos esta attenuação progressiva de uma necessidade reclamada pela opinião publica: em 1866, Antonio Rodrigues Sampaio pede a extincção total do privilegio de immunidades parlamentares; em 1883, o governo regenerador propõe que a immunidade subsista só para os casos de pena correccional; em 1884, o mesmo governo regenerador exceptua da immunidade os casos de qualquer pena maior; e a commissão só exceptua o caso de flagrante a que corresponda a pena maxima da escala penal. Estabeleceu, todavia, a commissão, e assim foi inserido na lei, que o processo continuaria em qualquer caso, ficando só ao arbitrio da camara decidir., se elle havia de seguir no intervallo da sessão, ou no fim da legislatura.»
E foi isto o que ficou estabelecido na lei!
Ficou, pois, estabelecido no artigo 4.° que pertencia e pertence a esta camara a faculdade de adiar o processo apenas para o intervallo das sessões ou para o fim das funcções do par ou deputado. (Apoiados.)
Ora se esta camara tem a faculdade de adiar para o intervallo das sessões ou para o fim da legislatura, é claro que a camara póde prescindir d'esta faculdade como póde prescindir de quaesquer outras.
Uma voz: - Não está lá isso.
O Orador: - Não está? Mas quando eu digo que tenho uma faculdade, implicitamente digo que tenho o direito de renunciar a ella. (Apoiados.) Uma faculdade não é uma obrigação. (Muitos apoiados.)
(Interrupção.)
Mas, porque é que a disjunctiva ou se ha de referir á decisão da camara e não ao espaço de adiamento?
O sr. Antonio Candido: - Póde ser uma cousa ou outra.
O Orador: - O que o acto constitucional não quiz foi conceder á camara a faculdade de adiar indefinidamente, (Apoiados.) isto é, não lhe concedeu a faculdade de dizer: - fique o processo para ser julgado d'aqui a trinta ou quarenta annos - porque isso corresponderia á falta de julgamento.
Mas pergunta-se: porque ha de ser esta interpretação.
Mas interrompem-me: que póde ser uma cousa ou outra.
Isto é já uma grande conquista, porque denota que tambem póde ter logar a minha interpretação.
Resta saber qual das interpretações é mais justa, se uma

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ou outra. Sob esse aspecto, parece-me que não ha logar para duas opiniões.
Para ver-se ainda qual tenha sido o pensamento do legislador, vou citar algumas passagens do relatório do governo que apresentou esta modificação ao artigo 27.° da carta.
Em 30 de janeiro de 1883 apresentava-se n'esta camara a proposta do governo para reconhecer-se a necessidade da reforma constitucional, e no relatório respectivo dizia-se o seguinte:
«Se não é justo nem conveniente para o exercicio das funcções parlamentares, que os membros das duas camaras sejam distrahidos das suas obrigações pelas auctoridades administrativas ou judiciaes, não é menos justo nem menos conveniente que a garantia estabelecida em nome da necessidade publica, não seja sophismada, convertendo-se na impunidade dos delictos praticados por aquelles que mais obrigação têem de prestar homenagem ás leis.»
Mais tarde, apresentada, em 27 de dezembro de 1884, a proposta definitiva para a reforma da carta, o governo regenerador escreveu ainda os seguintes periodos no relatorio que a precedeu:
«Na proposta que o governo teve a honra de apresentar ás côrtes em 30 de janeiro do anno corrente, indicava-se como necessitando reforma o artigo 27.° da carta, não só porque, estando abolida entre nós a pena capital, era indispensavel harmonisar o preceito do artigo com a legislação do paiz, mas porque a opinião imparcial e desapaixonada se tem rebellado, por vezes, contra a impunidade resultante da interpretação que. se tem dado áquelle artigo, embora estes casos tenham sido excepcionaes, e taes consequencias não estivessem de certo na mente do legislador.
«No intuito de aperfeiçoar a obra do governo, e tornar effectiva e realisavel a sua idéa, entenderam as commissões parlamentares que as disposições do artigo 27.° careciam tambem de ser alteradas, e assim o determinou a lei. O pensamento que dictou a inclusão do artigo 27.° entre aquelles que devem ser revistos foi o de tornar-se effectiva a responsabilidade, de quaesquer membros das cortes, que tenham commettido um delicto.»
O pensamento capital da lei é não subtrair ao julgamento os accusados.
É esta a idéa do legislador, manifestada com toda e evidencia, a cada momento. (Apoiados.)
Mas, diz-se ainda que o artigo 4.° não permitte deliberar-se que o processo siga immediatamente, que foram rejeitadas pela camara, que o legislou, duas propostas em que essa doutrina era claramente estabelecida. E citam-se as propostas, uma do sr. Almeida Pinheiro, outra do sr. Firmino João Lopes. Eu vou ler estas propostas.
«Se algum par ou deputado for accusado ou pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará d'isso conhecimento á respectiva camara, a qual decidirá se o par ou deputado deve ser. suspenso, e determinara quando o processo deve seguir.»
Pela doutrina d'esta proposta, sem duvida que a camara poderia deliberar que o processo seguisse immediatamente, mas tambem poderia deliberar que seguisse passados quarenta ou cincoenta annos! (Apoiados.)
Foi por esta ultima rasão que foi rejeitada. A sua rejeição não prova, portanto, nada contra a minha interpretação.
Vamos á proposta do sr. Firmino João Lopes. Diz assim:
«Acrescentar ao artigo 4.° depois da palavra «decidirá» em vista da copia dos autos se o processo deve seguir logo o n'este caso o par ou deputado fica suspenso, ou no intervallo das sessões, ou só depois de findar as funcções do accusado ou indiciado.»
Este additamento tambem foi rejeitado. Mas a sua rejeição ou foi devida áquellas expressões: em vista da copia dos autos que se julgou conveniente não introduzir no artigo 4.°, ou foi devida ao facto de ter-se entendido, e bem, que a sua doutrina, quanto ao seguimento do processo, já estava claramente comprehendida no artigo 4.°, tal como está redigido. (Apoiados.)
A sua rejeição, pois, ou nada prova ou é mais uma rasão em favor da interpretação que eu sustento. (Apoiados.)
Tambem já se allegou que a rasão por que não se póde interpretar o artigo desta fórma, é porque este artigo traz a sua origem de uma celebre discussão que houve em 1872, a proposito do processo do sr. conde de Peniche, sustentando o partido regenerador que a camara dos dignos pares podia funccionar, como tribunal judicial, independentemente da camara dos deputados, ao passo que o partido histórico, progenitor do actual partido progressista, sustentava que a camara dos dignos pares sómente podia funccionar, como tribunal judicial, ao mesmo tempo que funccionasse, como assembléa politica.
E acrescenta-se que, por essa occasião, o partido regenerador tinha defendido que a boa doutrina consistia em não admittir que a camara dos pares funccionasse em caso algum como tribunal judicial, a não ser no tempo em que não funccionasse como assembléa politica.
Uma voz: - Justamente, no intervallo das sessões.
O Orador: - Eu peço perdão para dizer como se passaram os factos. Na discussão a que me estou referindo, o partido regenerador foi de opinião que a camara dos pares podia funccionar como tribunal judicial, quer separadamente, quer ao mesmo tempo em que funccionasse a camara dos deputados.
E tambem se disse por parte do mesmo partido, que até no terreno dos principios, seria mais sustentavel a opinião de que a camara dos pares funccionasse, como tribunal judicial, sómente no intervallo das sessões. Quer dizer, tanto o partido regenerador, n'essa occasião, entendeu que esta doutrina não estava na carta, que, sómente a achava preferivel no terreno dos principios. (Apoiados.) Porventura, quando se tratou das reformas constitucionaes, entendeu alguém que devia modificar-se o artigo 41.° da carta, que é onde se attribue a funcção de julgar á camara dos dignos pares? Nem se fallou em similhante assumpto. Á camara dos dignos pares, não se marcou nenhuma clausula restrictiva para julgar só no intervallo das sessões parlamentares; ficou como estava, e segundo o artigo 41.° liberrima, para julgar em qualquer occasião.
Por consequencia, a discussão de 1872 só serve para demonstrar que, não se tendo feito modificação nenhuma no artigo 41.° da carta constitucional, desde então até hoje ficou subsistindo a doutrina de que, segundo a mesma carta, a camara dos dignos pares é competente para julgar, quer nó intervallo das sessões, quer no fim da legislatura, quer durante o tempo em que funcciona a camara dos deputados. (Muitos apoiados.)
Mas, sr. presidente, poder-se-ha ainda sustentar esta doutrina da commissão em face da justiça e das noções regulares do bom senso? Poder-se-ha sustentar, por um momento, em face dos principios liberaes e perante a rasão, uma similhante doutrina!
Ninguem ousará dizel-o. (Apoiados.)
Deduz-se do parecer da commissão que assim como esta camara resolve que o processo do sr. Ferreira de Almeida tenha logar no intervallo das sessões, tambem poderia resolver que tivesse logar no fim da legislatura. Supponhamos, pois, que a camara dos deputados resolvia que fosse o julgamento no fim das funcções parlamentares do accusado ou indiciado. Quer v. exa. saber a conclusão?
É que o sr. Ferreira de Almeida, tenente da armada, se não fosse deputado, não estaria sujeito a tres annos de prisão preventiva; (Apoiados.) mas, como é, deputado teria esta bella immunidade, esta soberba garantia: estaria preso tres annos! (Muitos apoiados.)
Uma voz: - E melhor acabar com os privilegios.
O Orador: - As immunidades parlamentares não são

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privilegios. Não se podem supprimir emquanto estiverem escriptas na constituição. (Apoiados.)
Mas se em nome da democracia se quer que sejamos todos iguaes, então porque não havemos de pedir às galerias que venham para aqui, para nós irmos para onde ellas estão?! (Riso.-Apoiados.)
Por esta franquia, por esta desigualdade privilegiada, muitos agradecimentos! (Apoiados.) Sr. presidente, isto é uma inaudita violência! (Apoiados.)
Eu já demonstrei, sem objecção nenhuma em contrario, que o acto addicional se póde entender, como já expuz. Mas esta camara não tem só esse poder, tem tambem o dever de decidir por forma que a sua resolução não seja um absurdo e, mais que um absurdo, uma violência cruel.
Uma immunidade não é senão uma excepção ao direito commum, estabelecida em favor de qualquer pessoa ou funcção. Immunidade, e não privilegio, porque essa excepção ao direito commum é fundada em rasões de ordem o utilidade publicas, em beneficio do exercício harmónico e independente dos diversos poderes que o regimen da constituição do estado estabeleceu e creou. (Apoiados.)
Porque é que se quer que o deputado possa sor julgado, no intervallo das sessões, ou no fim das suas funcções? E porque se entendo que o deputado, quando julgado em seguida, seria privado de exercer aqui o seu mandato. (Apoiados.) Mas quando o deputado está na cadeia, quando está preso, como póde exercer n'este legar as suas funcções? (Apoiados.)
Como é que se comprehendo que em mais tempo de prisão possa consistir essa immunidade ou garantia? (Apoiados.)
Bonita garantia! Bonita immunidade ! (Muitos apoiados.)
O sr. Ferreira de Almeida, sendo primeiro tenente da armada, única e simplesmente, era julgado daqui a dois mezes, um mez, oito dias, conforme o andamento que tivesse o processo, (Apoiados.) mas como é deputado, como o primeiro tenente da armada caiu em ser deputado, espere lá três annos na cadeia, sob prisão preventiva! (Apoiados.)
A fallar a verdade, parece inacreditável que haja quem possa sustentar, com fundamento, um absurdo desta ordem! (Apoiados.)
Mas a letra da lei diz isto?
Não diz, e eu já demonstrei que não diz. (Apoiados.)
Algumas vozes: -Diz, diz.
O Orador: - E fácil affirmar que diz, mas o que é difficil é demonstrar que diz. (Apoiados.)
Ha um texto da lei que tem duas interpretações: uma que eu acabo de expor á camara, outra que é perfilhada pelos membros da commissão de legislação criminal e por aquelles que têem uma opinião contraria á minha. Mas eu demonstro, e demonstro clara e evidentemente, por forma que ninguém me faz o favor de dizer em que consiste o defeito da minha argumentação, (Apoiados.) que é litteral, lógico e racional o meu modo de interpretar.
Demonstro mais, e neste ponto todos estão de accordo, que a minha interpretação não dá margem nem a violências, nem a absurdos, nem a consequências estravagantissimas e odiosas. Demonstro finalmente, que a outra interpretação origina tudo isto, e ha ahi alguém que hesite ainda em dizer qual das interpretações é a acceitavel? (Apoiados.) Não pode ser. Mas os argumentos que tenho empregado na interpretação litteral são muito subtis, multo nebulosos?
Pois occorre-me um exemplo pratico, comesinho, que mostra claramente a minha idéa. Ahi vae.
Supponha o sr. relator que eu lhe sou devedor de uma quantia (salvo seja - Riso), e que tenho obrigação de pagar, porque lha devo. V. exa. acciona-me, e no decorrer da acção diz-me: «O senhor póde pagar-me daqui a um anno, ou daqui a seis mezes.» Dá-me um adiamento para pagar, não é verdade? Ora, eu respondo: «Muito obrigado, não acceito nem um nem outro adiamento, porque pago, já.» Poderei fazer isto? (Apoiados.) De certo que posso. Pois bem. Aquillo que v. exa. me offerece e eu não quero acceitar, é exactamente o mesmo que o acto addicional permitte a esta camara que faça, e que esta camara póde fazer ou não fazer. (Muitos apoiados.)
A camara tem a faculdade que a lei lhe dá, de adiar o processo, a fim de não distrahir das suas funcções os seus membros, e a camara nesta hypothese, que estamos discutindo, responde á lei: «Muito obrigada; prescindo, porque o deputado está preso». (Apoiados.-Riso.)
Esta é a interpretação litteral, a interpretação historica e logica do artigo 4.º, applicavel ao assumpto em discussão. (Muitos apoiados.)
É, sobretudo, sr. presidente, a interpretação dictada pelo bom senso. (Muitos apoiados.)
Estou fatigado, não quero alongar-me mais, mesmo para dar occasião a que se pronunciem, nesta importante questão, os meus collegas d'este lado da camara, que estão inscriptos; mas não quero, nem devo terminar, sem dizer ao governo e á maioria, que a questão importantíssima, que está no fundo de todo este debate irritante e violento, levantado nesta casa, é uma questão desagradável para todo, para um e outro lado da camará. (Apoiados.) Para todos. (Apoiados.) Quando uma questão tão grave como esta, ou de outra ordem ou natureza, mas igualmente grave, agita o espirito publico, é preciso dar condigna satisfação a essa agitação. Se o assumpto se derime por outros meios e por outras formas, que a opinião exige, a sociedade e a opinião não têem que conservar-se em espectativa, não têem que estar suspensas, não ha motivo para agitações, porque tiveram a condigna satisfação. Mas quando uma questão destas está de pé, está ré integra., está sem solução, um similhante estado de cousas não póde ser agradável para ninguém, nem para o governo, nem para a maioria, nem para a opposição. A questão continua. E porque continua, peco ao governo que acabe de vez com ella, (Apoiados.) que apresse a sua solução, que a apresse de vez, mas que o faça dentro dos termos das leis e com a cordura, com a circunspecção, e com a seriedade que é devida a todos, e sobretudo, aos accusados. (Apoiados -Vozes: - Muito bem.)
Se o sr. Ferreira de Almeida tem de soffrer algum castigo ou alguma pena, que os soffra, mas em nome da lei e pelo tribunal competente, que o tem de julgar. (Apoiados.) Não é licito a ninguém conservar e reter, sob ferro, numa prisão preventiva, um homem que tem, pelo menos, tantos direitos como qualquer cidadão deste paiz, e que está privado de assumir, perante o tribunal competente, a responsabilidade dos seus actos ou do crime por que é accusado e foi preso. (Muitos, apoiados.)
E preciso que o governo e a maioria não abusem. (Apoiados.) E preciso que não abusem da sua força numérica, ou da sua auctoridade. (muitos apoiados.)
Eu tenho a franqueza de lho dizer, alto e bom som. As victorias demasiadas são prejudiciaes, (Apoiados.) as compressões excessivas são perigosas. (Apoiados.)
E conveniente não vencer demais, não comprimir demasiadamente, porque, tarde ou cedo, succede sempre virem as reacções tremendas, muitas vezes justificadas. (Muitos apoiados.)
Não digo isto como ameaça, nem ao governo nem á maioria. Faço-lhes estas observações, que são filhas da historia do passado e da experiência de todos os dias. (Apoiados.) Acceite-as o governo, acceite-as a maioria, de quizerem. Vá a responsabilidade de as não acceitarem a quem de direito e a quem competir.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta de substituição Senhores.- A vossa commissão de legislação criminal

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estudou, com todo o cuidado e imparcialidade, o processo verbal e summario feito, em conselho de investigação, por ordem do commandante geral da armada, ao primeiro tenente da armada José Bento Ferreira de Almeida, processo que foi enviado a esta camara, nos termos do artigo 1003.° da reforma judicial; e
Considerando que a esta camara não compete julgar do crime attribuido ao sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida, por ser esse julgamento attribuição exclusiva da camara dos dignos pares do reino, como está estabelecido no § 1.° do artigo 41.° da carta constitucional, o nesta conformidade sómente lhe pertence deliberar para os effeitos do artigo 4.° do acto addicional de 24 de julho de 1885, e não nos termos do artigo 1003.° da reforma judicial, como erradamente se affirma no despacho ou resolução do cominando geral da armada de 23 de maio do corrente;
Considerando que, para esta camara poder decidir da suspensão ou continuação das funcções parlamentares do sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida, fora mister que, em qualquer dos casos, se cumprisse a sua decisão, o que, nas actuaes circumstancias, não póde ter logar em presença da prisão, a que está sujeito, sem fiança, o mesmo sr. deputado, e por ser essa prisão, embora illegal e arbitraria, um facto impeditivo do exercicio daquellas funcções;
Considerando que, quanto á continuação do processo em que esteja accusado ou pronunciado qualquer deputado, compete a esta camara decidir se tal continuação deve ou não ser adiada para o intervallo das sessões, ou para quando findarem as funcções do accusado ou indiciado:
É de parecer:
1.° Que a camara não póde deliberar sobre a suspensão das funcções parlamentares do sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida;
2.° Que a camara resolva que não deve adiar, nem para o intervallo das sessões, nem para quando findarem as funcções do sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida, a continuação do respectivo processo e, consequentemente, que seja o mesmo processo enviado desde já á camara dos dignos pares do reino para a discussão e julgamento.
Sala das sessões, 27 de maio de 1887. = O deputado, Marçal Pacheco.
Foi admittida.

O sr. Albano de Mello: - Peço á camara o alto favor da sua benevolência. Não ha, ninguém nesta casa que mais precise do favor do que eu, per mingua dos meus recursos e pela humildade da minha intelligencia.
Uso da palavra por uma clara e apertada obrigação, que me foi imposta pelos meus collegas da commissão de legislação criminal, quando me escolheram para relator deste incidente. Só essa obrigação me persuade a entrar no debate. Por vontade não me levantaria eu nunca para discutir um facto que teve tão lastimosa origem, e cujas consequências se hão de talvez, fazer sentir por muito tempo, na política do meu paiz.
Sr. presidente, estou acostumado às luctas mais ásperas da política partidária, que tenho sustentado no jornalismo, nos comícios populares e nas assembleas eleitoraes, e estou tambem acostumado aos trabalhos do foro e das corporações administrativas, onde me tenho sentido bem e á vontade, na módica proporção das minhas faculdades tão modestas ; hoje, tendo tido a honra de ser eleito deputado da nação, sinto-me cheio de timidez, de receio e de hesitações, e conheço que não tenho organisação feita para o parlamento.
As difficuldades da minha situação especial acrescentam-se consideravelmente n'esta hora por ter de responder a um dos homens mais notaveis da politica portugueza, espirito esclarecido e profundo, talento de primeira grandeza. (Apoiados.)
E, a proposito, quero deixar consignado um facto, que me proporciona uma agradável referencia.
Tive a honra de ser condiscípulo do sr. Marçal Pacheco na universidade de Coimbra. S. exa. era o mais brilhante alumno do nosso curso, e eu era o ultimo dos estudantes. Passaram-se annos; o sr. Marçal Pacheco conquistou, pelo seu merecimento extraordinário e incontestável, um dos primeiros logares na política nacional e é um dos mais brilhantes ornamentos desta camara e eu sou o ultimo dos deputados.
Vozes : - Não, senhor.
O Orador: - Por cumprir o meu dever de relator da commissão vou empenhar todo o meu esforço em demonstrar que é errónea a doutrina sustentada pelo sr. Marçal Pacheco e que só é verdadeira a doutrina que se sustenta no parecer. Infelizmente para todos nós, para os que se sentam deste lado da camara e para os que se sentam desse lado, a doutrina do parecer é a melhor, e é a mais acceitavel, porque é a única verdadeira.
Não desejo examinar este assumpto sob o seu aspecto político, e quero afastar da discussão a nota partidária, e hei de cumprir este desejo, limitando-me a defender e sustentar o parecer da commissão na sua forma e na sua essência; e por isso abstenho-me de fazer a mais breve observação ao facto de ser o sr. Marçal Pacheco o primeiro orador que, por parte da opposição, entrou neste debate, ficando no escuro e em plano secundário o illustre deputado o sr. Lopo Vaz. Isso é com s. exas., cujos melindres respeito muito, assim como respeito os melindres do partido regenerador, pelo qual tenho a mais viva sympathia, embora me encontre separado do seu grémio pelos meus princípios políticos e pelos meus affectos partidários: e passo adiante, porque a minha intenção é só defender o contexto e a doutrina do parecer. (Apoiados.)
Devo dizer que muito estimava que a commissão podesse, á face da lei, acceitar as conclusões a que o sr. Marçal Pacheco conseguiu chegar pela sua tão hábil e tão distincta argumentação; porque, se assim fosse, esta questão, que nos tem preoccupado ha tanto tempo, desappareceria immediatamente da tela dos debates e teria dentro em poucos dias o seu natural termo.
Disse o illustre deputado, a quem tenho a honra de responder, que a camara não podia já deliberar sobre a suspensão do sr. deputado Ferreira de Almeida, porque essa suspensão estava já determinada pelo facto da sua prisão auctorisada pela camara dos deputados.
Uma cousa é a suspensão de facto, outra cousa é a suspensão do direito. A camara já resolveu sobre a prisão daquelle sr. deputado na sessão de 9 de maio, quando o governo expoz o seu procedimento á apreciação dos representantes do paiz. A prisão do sr. Ferreira de Almeida, approvada pela camara, trouxe de necessidade a suspensão, que era um facto. Agora trata-se de resolver a suspensão de direito, de conformidade com o artigo 4.° do acto addicional de 24 de julho de 1885.
A camara apoiou nessa occasião o governo pelo facto que praticou e agora póde dizer-se que a suspensão é necessaria e que resulta, não só do facto da prisão, mas tambem de outras rasões a que s. exa. se não referiu.
(Interrupção.)
É um facto que não podemos deixar de respeitar e a que não podemos já dar nenhum remédio.
Diz o sr. Marçal Pacheco que a prisão do sr. Ferreira de Almeida foi mal feita e illegal, e eu digo a s. exa. e á camara que nós hoje não podemos discutir esta questão no parlamento. (Apoiados.)
Pelas explicações que o governo deu nesta casa, e deu-as com a maior sinceridade e exactidão, por essas explicações entendi que a prisão foi ordenada nos termos da lei; mas, ainda que o não fosse, se porventura se podesse conside-

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rar que a prisão foi illegal durante um certo periodo, essa illegalidade existiria só desde a noite de 7 de maio ate ao entardecer do dia 9.
D'ahi por diante a prisão estava ao abrigo da doutrina estabelecida no artigo 3.° da lei de 4 de julho de 1885 e era incontestavelmente de uma perfeita legalidade, não se lhe podendo fazer o mais pequeno reparo.
Sendo a suspensão do sr. Ferreira de Almeida um facto resultante da sua prisão, já declarada legal pela camara dos deputados, agora, chegado o processo, que lhe fôra instaurado, ao estado em que foi presente a esta assembléa, tem que decidir da ratificação ou não ratificação da suspensão, e, em harmonia com o artigo 4.º do acto addicional de 1885, dizer se o processo deve seguir no intervallo da sessão ou depois de finda a legislatura.
O sr. Marçal Pacheco notou que a commissão, de que tenho a honra de ser relator neste assumpto, commetteu um erro de facto citando no parecer o artigo 4.° do ultimo acto addicional, quando devia referir-se ao artigo 1:003.º
da novíssima reforma judiciaria, invocado pelo sr. commandante geral da armada no seu despacho final para a remessa do processo a esta camara.
A commissão teria commettido um erro de facto e um erro de direito se tivesse procedido de maneira diversa.
Esta questão ventila-se hoje no parlamento em virtude do artigo 4.° do segundo acto addicional, e não pela disposição do artigo 1:003.° da novíssima reforma judiciaria. A commissão não fez mais do que cumprir a lei e o seu dever.
O artigo 1:003.° da novíssima reforma judiciaria nada tinha com este incidente, que é regulado pelo artigo 4.° da lei de 24 de julho de 1885, e por isso a commissão fez no parecer referencia ao segundo acto addicional, porque era á doutrina d'este artigo que se devia attender. (Apoiados.)
O processo instaurado contra o sr. Ferreira de Almeida, que é tambem official da armada real, não devia estar n'esta camará. Foi sempre minha opinião que nós não podíamos conhecer e apreciar os termos do processo. Não temos competência para isso. O processo pertence a outro juizo. que decidirá sobre o modo por que elle foi organisado e encaminhado. A camara dos deputados só decide da suspensão do accusado e designa o prazo do julgamento. (Apoiados.) Quando se discutiu o ultimo neto addicional, o sr. Firmino Lopes apresentou uma proposta para que quando algum par do reino ou deputado praticasse qualquer crime, fosse enviado á respectiva camara, para resolver sobre a suspensão do accusado e epocha do julgamento, ou o processo original ou copia do processo.
Esta proposta não foi approvada pela camara, o que significa que a camara dos deputados entendia que não era precisa a remessa do processo original nem ainda copia completa. O artigo 4.° da lei falla em conta, que se ha de dar á camara, e não falla em remessa de processo.
A camara comprehende que eu não posso acompanhar o sr. Marçal Pacheco na sua primorosa e hábil argumentação, porque as minhas pobres faculdades não me permittem acompanhar s. exa. no grande e gentilissimo esforço de dialectica empregado por s. exa. para convencer a camara.
Eu leiu o artigo 4.° do novo acto addicional e lerei tambem as differentes propostas que, durante a discussão da reforma constitucional, foram apresentadas ao parlamento. Creio que a camara ficará convencida de que a opinião do sr. Marçal Pacheco não póde sustentar-se contra a doutrina do parecer. S. exa. quer que o julgamento do sr. deputado accusado se realise immediatamente. Nós queremos que o julgamento seja no primeiro intervallo das sessões. O artigo 4.° do acto addicional de 1883 diz:
«Se algum par ou deputado for accusado ou pronumciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva camara, a qual se decidirá se o par ou deputado deve ser suspenso, e se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusadoou indiciador.»
Por este artigo a camara só tem faculdades para dizer se o processo ha de seguir no intervallo das sessões ou no fim da legislatura, e não póde antecipar a epocha do julgamento. Esta é a minha opinião e é a opinião da maioria da commissão de legislação criminal. A camara não tem mais que fazer, nem póde dizer mais do que isto, porque não tem direito para o fazer (Apoiados.)
Se o artigo 4.° da proposta do governo regenerador sobre a reforma constitucional tivesse sido transformado em lei, então estavamos todos de accordo com o sr. Marçal Pacheco, porque a camara podia designar praso mais curto para o julgamento de deputado accusado. (Apoiados.)
Diz o artigo 4.° da proposta do governo:
«No caso de qualquer das duas camaras entender que o par ou deputado pronunciado, não deve ser suspenso, o juiz ordenará que o processo fique adiado até que as sessão ou depois de finda a legislatura, conforme tiver sido a deliberação da respectiva camara, possa seguir e concluir-se.»
Pela clara disposição d'este artigo estavamos todos muito bem, porque era só no caso do deputado não ser suspenso que a camara tinha o direito de designar praso posterior ao encerramento das sessões ou ao complemento da legislatura, para ser julgado o deputado que fosse accusado; mas a proposta não foi acceita, nem pela commissão especial da camara, nem pela camara, e portanto nós não temos hoje senão que cumprir restrictamente a lei e sermos como que escravos d'ella. (Apoiados.)
E ainda ha mais. Esta questão foi á commissão especial, e a commissão elaborou artigo pela maneira como elle está hoje no novo acto adicional.
Houve tambem outro deputado que na sessão de 27 de abril de 1885 offereceu uma proposta e pronunciou algumas palavras sobre este assumpto.
Foi o sr. deputado Teixeira de Sampaio. Elle apresentou uma proposta nos seguintes termos:
«Proponho outrosim que seja redigida nos termos seguintes o artigo 4.°:
«Se algum par ou deputado for accusado ou pronunciado, ou preso no uso do artigo antecedente, dará o juiz immediatamente parte á respectiva camara, estando reunida, e, se não, assim que se reunir, para esta resolver se deve ser suspenso das suas funcções e o processo seguir durante a sessão, ou se deve ser posto em liberdade, ou o processo seguir só depois de terminada a sessão.»
A doutrina da proposta ia de accordo com a da proposta do governo e as palavras proferidas pelo sr. Sampaio n'aquella sessão podem dizer-se o melhor e mais perfeito commentario á sua proposta e ao espirito do projecto da commissão.
Dizia o sr. Teixeira de Sampaio «comprehende-se a doutrina da proposta do governo, porque essa deixava às camarás a faculdade de resolver se porventura o deputado ou par do reino devia ser julgado durante a sessão ou só depois de finda a legislatura...» O sr. Sampaio acceitava a proposta do governo, mas o que não acceitava era a proposta da commissão, que ia tolher às camarás a liberdade de designar praso para julgamento dos deputados ou pares do reino durante as sessões.
Arrancava-se esta faculdade ao parlamento e em meio d'estas opiniões póde notar-se a do sr. Almeida Pinheiro, que fez a seguinte proposta:
«Artigo 4.° Se algum par ou deputado for accusado ou pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará d'isso conhecimento á respectiva camara, a qual decidirá se o par ou deputado deve ser suspenso, e determinara quando o processo deve seguir.»
Esta proposta foi elaborada no sentido de a camara fi-

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car com a faculdade de designar a epocha do julgamento ainda durante os trabalhos parlamentares.
O sr. Marçal Pacheco : - V. exa. dá licença?
O Orador: - Com muito gosto.
O sr. Marçal Pacheco: - Essa proposta dizia que a camara é que havia de determinar quando o processo devia seguir, mas o que de certo não quiz foi deixar á camara a faculdade de mandar seguir o processo só d'ahi a quarenta annos.
O Orador: - Pela proposta do sr. Almeida Pinheiro a camara ficava com a liberdade de designar o praso para o julgamento, mas pela lei de 24 de julho de 1885, a camara tem de dizer sómente se o julgamento ha de ser no intervallo das sessões ou no fim da legislatura.
Mas ha ainda a proposta do sr. deputado Firmino João Lopes, que tambem faz parte da camara actual.
Essa proposta era assim concebida:
«Acrescentar ao artigo 4.° depois da palavra «decidirá» «em vista da copia dos autos», se o processo deve seguir logo e neste caso o par ou deputado fica suspenso, ou no intervallo das sessões, ou só depois de findas as funcções do accusado ou indicado.»
Se esta proposta fosse approvada, a camara podia resolver que o processo do sr. Ferreira de Almeida seguisse durante a actual sessão parlamentar. A redacção do artigo 4.° da lei é que veiu inutilisar o pensamento da proposta do governo.
As propostas dos srs. Sampaio, Almeida Pinheiro e Firmino Lopes tendiam a manter e a desenvolver o espirito da proposta ministerial, e o projecto da commissão, que a final foi approvado, veiu modificar o pensamento primitivo.
São estes os elementos que nós podemos colher para definir bem a doutrina do artigo 4.° do acto addicional de 24 de julho.
Conhece a camara a disposição desse artigo e a commissão entendeu que não podia deixar de sujeitar-se á letra expressa da lei.
O sr. deputado Ferreira de Almeida ha de ser julgado no intervallo da primeira sessão legislativa, e podia sel-o só no fim da legislatura.
Parece-me que a commissão, dando o seu parecer neste sentido, não quiz fazer aggravo ao sr. Ferreira de Almeida, porque, se ella tinha o direito de aconselhar á camara a designação de um praso mais afastado de nós para o seguimento do processo, procedendo pela maneira mais branda, affirmou que não havia no espirito dos seus membros nenhum sentimento de amimosidade contra o deputado processado. O que nós fizemos foi marcar o praso mais curto, no estricto limite de attribuições que pertencem á camara pelo artigo 4.° do acto addicional Parece-me que quem assim procede mostra que não pretende fazer aggravo ou injustiça a ninguém.
Esta questão não é complicada, antes se me afigura de uma extrema simplicidade; o illustre deputado é que a quiz complicar com o seu grande e portentoso talento, s. exa. conseguiu fazer de um assumpto facil, claro e simples, materia para um discurso brilhante o cheio de engenho.
Eu, como a camara tem visto pela exposição trivial das minhas idéas, não tenho qualidades de orador parlamentar. Cumpro apenas a modesta missão de relator da commissão, dando á camara e ao sr. Marçal Pacheco a explicação do nosso procedimento. Sinto muitíssimo ter fatigado a camara e não ter correspondido á sua benevolência. O que eu desejava era ter respondido completamente á argumentação do sr. Marçal Pacheco. Não o consegui nem o podia conseguir.
Com um talento tão subtil, tão delicado e tão primoroso não me podia eu defrontar.
Agradeço á camara o favor com que me ouviu. Não me julgava merecedor de tão distincta fineza. Appellei para a generosidade da camara, e a camara foi generosa commigo.
Nunca me ha de esquecer tão alta prova de benevolência, que me deixa penhorado.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)
O sr. Lopo Vaz:-(O discurso será publicado quando s. exa. - restituir as notas tachygraphicas.)

Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, entendendo que o processo deve seguir immediatamente para a camara dos dignos pares do reino, passa á ordem do dia. = Lopo Vaz.
Foi admittida.

O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Duas palavras apenas. Comprehendem v. exa. e a camara de certo que eu não pedi a palavra para intervir de modo algum nesta discussão. A questão que pertence exclusivamente á camará. Ella pois a decidirá na sua sabedoria e principalmente na sua justiça.
O governo não póde intervir de modo algum nesta controvérsia; e eu respeito tanto esta abstenção, que nem allego a minha qualidade de deputado, para responder às observações que o illustre deputado o sr. Lopo Vaz acaba de fazer.
O governo, é, e conserva-se-ha estranho a esta questão: e por isso tambem não me cumpre responder a s. exa. na parte em que se referiu ao processo pendente accusan-do-o de irregular. O tribunal competente julgará se a allegação de s. exa. é ou não fundamentada.
Mas desde que o illustre deputado se dirigiu directamente a mim, ministro da justiça, fazendo-me uma pergunta, corre-me o dever de dar a s. exa. a conveniente resposta.
S. exa. referiu-se a uma resposta dada por mim, em tampo n'esta camara a uma pergunta que me fora dirigida pelo illustre deputado o sr. Franco Castello Branco. Essa resposta foi que por parte das estações competentes se tinha oficiado ao procurador regio para se proceder ao aucto de corpo de delicio. É esta resposta que eu não posso deixar de reproduzir agora nos mesmos termos em que a dei áquelle illustre deputado.
Como porém o sr. Lopo Vaz deseja saber qual foi o proseguimento que teve essa solicitação, eu, que tratei de me informar pelo representante do ministerio publico, não tenho duvida em dizer o que se passou a tal respeito.
Das estações competentes officiou-se ao procurador régio, perante a relação de Lisboa, afim de se proceder ao auto de corpo de delicto. O ministerio publico respondeu que para dar cumprimento áquelle officio, se lhe enviasse o competente auto de investigação a que se devia ter procedido. Por parte da repartição competente replicou-se que ainda se estava procedendo a conselho de investigação o qual, logo que estivesse concluído, teria o devido destino.
Devo dizer que a resposta do procurador régio tendo sido submettida ao seu chefe o sr. conselheiro procurador geral da coroa, foi por parte deste magistrado approvada, ponderando-se que se não podia nem devia, no caso, afastar da praxe constante e inalteravelmente seguida nos processos criminaes contra officiaes da armada.
Devo declarar para honra daquelle magistrado, que esta resposta, comquanto traduza as intenções do governo, foi dada expontaneamente por s. exa., sem que houvesse a menor insinuação por parte do ministério.
Ora, a pratica invariável em que se fundara o procurador régio, é a de preceder o corpo de delicto o conselho de investigação, o qual sempre é dirigido ao procurador régio para o remetter ao delegado que for competente para promover o processo criminal.
Foi esta pratica observada agora pelo ministerio publico.
Taes são os termos em que posso, hoje, additar a resposta que dei n'uma das sessões passadas.

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Eu devo dizer a s. exa., não porque queira censurar ou louvar o que se tem feito no processo, porque, repito, a minha posição torna-me completamente estranho a elle, mas apenas como esclarecimento individual, visto que s. exa. se referiu a esse facto, qual o processo preparatório que, a meu juízo, póde haver nos crimes que têem de ser julgados perante os tribunaes militares de marinha.
Esses crimes podem ser ou puramente militares, ou puramente communs, commettidos por praças ou officiaes da armada, ou, como muitíssimas vezes succede, podem confundir-se no acto incriminado um crime militar e um crime commum.
Para os crimes puramente militares o processo preparatório é o conselho de investigação, o qual tem todos os elementos para apreciar se o acto foi dos que offendem directamente a disciplina da marinha, e que a lei especial manda qualificar e punir como violação do dever militar.
Quando, porém, o crime é commum, o processo preparatório é o summario da culpa formado pelas auctoridades judiciaes; neste se procede a todas as diligencias legaes, é depois é o processo remettido para o foro militar, que é competente, não só para os crimes militares, mas para os crimes communs commettidos por militares.
O processo preparatório pôde, pois, ser o conselho de investigação, ou o summario, conforme acabo de dizer. Como, porém, póde acontecer, em muitos casos, que no mesmo facto pareça, ou possa, haver, crime militar, e crime commum, e como póde tambem muitas vezes sobrevir a necessidade de proceder a diligencias para que só as justiças ordinárias são competentes, procede-se ao conselho de investigação e depois manda-se este às justiças civis, para pela sua parte procederem ao summario.
Tal é repito a minha opinião individual, e que só como tal exponho á camará.
Portanto, resumindo, das estações competentes officiou-se ao procurador régio para se proceder ao auto do corpo de delicto, e como para se proceder a este a praxe invariavel é remetter se o auto de investigação, antes, requisitou-se este.
Referiu-se s. exa. a um processo que allegou ser similhante ao de que se trata, mas em que se procedeu, ao que disse, por modo diverso, tenho a dizer que, comquanto a pratica tenha sido a que indiquei, por parte do ministerio publico se têem alguma vez, ao que me consta levantado duvidas sobre se se ha de mandar o auto do corpo de delicto, logo depois de feito, ou só depois de lançado o despacho de pronuncia.
São estas as explicações que tenho a dar a s. exa.
Fiel á declaração que fiz no principio destas breves considerações, nada mais acrescentarei.
O sr. Presidente: -Como o sr. ministro da justiça se levantou unicamente para dar uma explicação, parece-me que devo dar a palavra ao sr. António Cândido que a pediu a favor do parecer. (Apoiados.)
Se não ha reclamações dou-lhe a palavra.
(Pausa).
Tem o sr. Antonio Cândido a palavra.
O sr. Antonio Cândido: - (O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): -Mando para a mesa uma proposta.
E a seguinte:

Proposta

Senhores.-Em conformidade do disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camara dos senhores deputados a necessária permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos empregos dependentes do ministerio do reino que exercem em Lisboa os srs. deputados:
Conselheiro Júlio Marques de Vilhena, vogal effectivo do supremo tribunal administrativo.
Wenceslau de Sousa Pereira Lima, vogal da secção permanente do conselho superior de instrucção publica.
Secretaria d'estado dos negócios do reino, em 11 de maio de 1887.= José Luciano de Castro.
Foi approvada.

O sr. Presidente: - Vae ler-se um officio que se recebeu do ministerio da justiça.
Leu-se um officio do ministerio da justiça, pedindo licença para que o sr. deputado José de Azevedo Castello Branco possa comparecer no dia 30 do corrente, pelas onze horas da manhã no primeiro conselho de guerra, da primeira divisão militar, para ser inquerido.
Foi concedida a licença.
O sr. Serpa Pinto:-Sobro este assumpto têem fallado os primeiros oradores da actualidade em Portugal, tanto nesta, como na outra casa do parlamento.
Já têem fallado a este respeito, interpretando as leis, os primeiros jurisconsultos do paiz; mas ainda não fallou nenhum militar. Sou eu o primeiro que se levanta para tratar esta questão, e digo a v. exa. e á camara que, sem querer nem poder entrar na finura da interpretação das leis, o que tenho conhecido agora ser muito, difficil, venho com a franqueza do soldado dizer o que me parece sobre o parecer da commissão.
O meu illustre amigo o sr. dr. Antonio Cândido acabou no seu brilhante discurso de dizer que entendia que se devia ler, estudar o parecer e discutil-o, mas que do resto não devíamos fallar. Não sou completamente da opinião de s. exa. (Apoiados.).
Em primeiro logar, o parlamento não entendeu assim, pois que decidiu que se imprimisse o processo; em segundo logar, porque, e caso que está neste processo constitue um aresto militar, que é preciso levantar aqui, e eu como militar, devo fazei-o.
As leis, por concisas, são em geral de difficil interpretação.
Nós que não somos legistas, temos leis militares simples e claras, tão simples e claras, que todos os com prebendem e que nunca se levanta uma duvida sobre o modo de as executar, e no caso que nos occupa não se cumpriu a lei, infelizmente.
Eu vou, sobretudo, concentrar-me, analysando o processo.
Este processo militar, cuja parte accusatoria é dada por uma auctoridade militar, cujas primeiras palavras são abertas e firmadas por essa auctoridade, e cujas ultimas palavras são ainda a assignatura dessa mesma auctoridade, não póde ser, é contrario a tudo o que está legislado nos codigos do paiz e nos codigos particulares da força armada.
Ia eu dizendo que vou discutir o parecer; mas não quero nem de leve tocar na primeira parte do processo, porque, respeitando, como respeito muito, talvez mais do que se respeita a si mesmo, o poder executivo, não lhe quero mostrar aqui as contradicções flagrantes de muitas asserções que affirmara nesta sala.
Por isso limito-me apenas á questão da opinião do conselho, opinião extraordinária, fora de tudo quanto está estabelecido para taes processos preparatórios, e que, por insólita, o parlamento não póde deixar passar sem protesto.
Já de mais se tem atropelado a lei, aqui, onde mais deveria ser respeitada; mas é absolutamente preciso que nos processos militares ella não deixe de ser rigorosamente cumprida, e que, seguindo esses processos os restrictos caminhos traçados nos regulamentos, delles não se afastem nem um ápice, dando assim ao exercito e á armada a justiça, e só ella, sem apparencia de vingança mesquinha.
Pela lei, o conselho de investigação tem de dizer no fim, positivamente, qual é o artigo disciplinar, ou artigo de guerra em que está incurso o accusado, mas isto é dito e assignado pelo conselho, único tribunal que tem direito

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e dever de apontar esse artigo, e nunca pela auctoridade que dá a parte, seja ella quem for, porque, não só nos nossos codigos, mas tambem nos codigos de todos os paizes livres, não se póde ser accusador e juiz na mesma causa.
Sendo assim, não podemos admittir, apesar de toda a respeitabilidade que nos deve merecer o commandante geral da armada, que este alto funccionario andasse bem e legalmente escrevendo o que escreveu no fim do processo summario, depois de ter escripto e assignado a parte accusatoria.
É preciso, repito, que nos processos militares não se falte ás suas fórmas rigorosas e simples.
O sr. commandante geral da armada, não sei com que auctoridade e por que lei, commetteu um erro gravissimo n'este processo, fazendo n'elle varios papeis imcompativeis entre si.
E agora, que não se representa uma comedia, representa-se um drama cujo desfecho póde ser terrivel.
Por isso julgo este processo completamente nullo. Não digo que o processo seja enviado ao conselho de investigação para ser rectificado, porque o não quero demorar de maneira nenhuma e porque a camara dos pares averiguará este facto como julgar conveniente.
Mas não posso deixar de protestar alto contra o modo de instauração, porque assim como se fez isto na marinha, hoje, póde fazer-se ámanhã no exercito!
E eu, soldado, protesto contra taes irregularidades.
Quanto ao parecer da commissão, já disse, que pouco me occuparei d'elle por ter sido o assumpto tratado por quem mais competencia tem em materia de leis. Todavia direi, dirigindo-me a uma notabilidade como o sr. Antonio Candido, que me parece que s. exa. em nada destruiu os argumentos apresentados pelo sr. Marçal Pacheco, e que estes ficaram completamente de pé.
O artigo 4.° da carta constitucional, que tenha ouvido interpretar de differentes maneiras, foi por mim estudado, e tendo duvidas quiz saber quem foi o relator do parecer.
Fui procurar o relator e conversei com elle, e affirmou-me s. exa. que o artigo foi redigido com este principio e que não podia mesmo ser outro.
A questão da suspensão não póde deixar de ser para que o julgamento se faça immediatamente; (Apoiados.) porque, para que o julgamento não se faça immediatamente, é que não se suspende, e o deputado póde continuar a occupar o seu logar na camara. Para que é então a suspensão ou não suspensão, se se ha de julgar hoje ou d'aqui a tres annos?
Sendo assim, para que é a questão de suspensão? A questão de suspensão é unicamente para que o deputado possa ser julgado logo.
Não me parece de modo algum que se possam confundir os artigos e dizer-se que o deputado póde ser suspenso e póde ser julgado depois.
Nós devemos acceitar sempre a interpretação mais benevola, porque temos um dictado arabe, que diz: sempre na duvida, perdoa.
Nós temos de decidir sobre um negocio que importa prejuizo grave de terceiro, e bem o disse ha pouco o sr. Antonio Candido, que os momentos mais angustiosos são aquelles em que o accusado espera pela sua absolvição ou condemnação.
Portanto, não acho motivo algum para que haja repugnancia em interpretar o artigo, se é que póde interpretar-se por dois modos, pelo modo mais favoravel.
Hoje não devemos querer senão o que for completamente justo para a dignidade da camara, e para nós e para o accusado; e parece me que este é um dos casos em que nós todos devemos dar as mãos. (Apoiados.)
Isto não é questão politica. (Apoiados.) E uma questão que interessa a todos nós e á humanidade. (Apoiados.)
A camara é soberana n'este assumpto, e só ella o póde resolver, e é preciso que o exemplo fique para o futuro, não para um caso d'estes, que não se tornara a dar, mas para outros que se podem dar, e que estão previstos nas leis. (Apoiados.)
Este assumpto é muito claro, e, seja qual for a resolução tomada sobre elle, ella não importa uma offensa para o poder executivo, porque o poder executivo, na minha opinião, tem andado n'esta questão pessimamente. (Apoiados.)
Commetteu o primeiro erro, e os erros seguiram-se uns atraz dos outros, (Apoiados.) e acabaram pelo commandante geral da armada assignar isto.
Nós não aggredimos, o que queremos é que o accusado seja julgado o mais depressa possivel. (Apoiados.)
Isto hoje é um acto de humanidade, não é outra cousa. Eu peço, como têem pedido os meus collegas d'este lado da camara, á illustre e nobre maioria que pese bem a resolução que tomar. (Apoiados.)
E peço licença para me dirigir á illustre commissão e dizer-lhe que não devia por um bocadinho de amor proprio sustentar o parecer em contrario do sr. Marçal Pacheco, não devia ser tão intransigente. (Apoiados.)
O que é isto? E dar uma intrepetação exacta ao artigo, a interpretação que elle deve ter. Se a lei se interpreta de uma maneira ou de outra, que importa que ella se interprete de uma ou de outra maneira? Demos-lhe a interpretação que for mais humana. (Apoiados.)
Em vista disto eu peço á illustre e nobre commissão que, pondo de parte o seu amor proprio, acceite, o que tantas commissões têem feito sem desaire para ninguem, (Apoiados.) acceitar a interpretação que deve fazer bem a um homem que se senta n'esta camara, não ao nosso lado mas ao lado da maioria, e que tem direitos a ser julgado, no mais curto praso.
Se levantâmos a nossa voz é para pedir justiça e só justiça, porque outra cousa não pedimos d'este lado da camara.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado.)
O sr. Oliveira Matos: - Sr. presidente, vou responder em poucas palavras ao illustre explorador o meu amigo o sr. Serpa Pinto, que pela sua intelligencia, pela sua provada coragem, pela bravura dos seu gloriosos emprehendimentos, é um dos mais sympathicos, valorosos e benemeritos patriotas que fazem honra ao nosso paiz, em Portugal e no estrangeiro, onde o seu nome é tão conhecido como respeitado! (Apoiados.)
Serei muito breve nas considerações que tenho a fazer, não só porque o debate tem sido longo e muito habilmente tratada a questão de que nos occupâmos, pelos brilhantes oradores que me precederam, quer de um quer de outro lado da camara, pouco havendo a acrescentar e estando todos sufficientemente esclarecidos, mas tambem por que o illustre deputado a quem tenho a honra de responder, em nada atacou o parecer que se discute, limitando-se, segundo elle mesmo declarou, a fallar sobre o ponto de vista militar, e sobre algumas irregularidades que a seu ver, tem o processo Ferreira de Almeida, que veiu a esta camara e que se imprimiu conjunctamente com o parecer da commissão de legislação criminal.
S. exa. desviou-se muito cautelosa e prudentemente do enredado labyrinto da rabulice casuistica e da sofisteria habilidosas, com que alguns illustres oradores, aliás muito talentosos da opposição, arranjaram uma jurisprudencia nova nebulosa e incomprehensivel, para reforço dos seus argumentos dando interpretações cerebrinas á existente, clara e unica admissivel na questão sujeita; e depois das observações que entendeu dever fazer sobre o processo, sobre o commando geral da armada, a respeito do conselho de investigação e sobre o seu modo de ver a questão, como militar que se honrava de ser, terminou por uma exhortação ao governo e á camara, pedindo justiça e o julgamento do réu o mais cedo possivel, o mais rapido que podesse ser!

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Mas, sr. presidente, é isso mesmo, o que deseja e pede o illustre deputado em nome da opposição, o que está no animo da maioria, da commissão, e do governo! (Apoiados.) É isso que todos nós queremos; justiça e rapidez na maneira d'ella se exercer sem aggravo para o delinquente. (Apoiados.) Foi levada pelo nobilissimo sentimento de se fazer justiça, em harmonia com a lei, e sem offensa de nenhum direito, que a digna commissão, composta de espiritos illustrados, de jurisconsultos muito distinctos, de caracteres muito respeitaveis, superiores a toda a macula de suspeita, (Apoiados) entendeu dever terminar o seu consciencioso parecer da maneira seguinte.
(Leu.)
«Considerando que a camara dos senhores deputados, nos termos do artigo 4.° do acto addicional de 24 de julho de 1885, só tem que deliberar sobre a suspensão do accusado do exercicio de suas funcções, e sobre se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções parlamentares do accusado, não podendo, por isso, resolver que o processo continue immediatamente:
É de parecer:
1.° Que seja ratificada a suspensão das funcções parlamentares do sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida;
2.° Que o processo siga no intervallo da actual sessão legislativa á sessão annual seguinte.»
Desde que a commissão conclue de um modo tão claro e terminante, é licito que alguem de boa fé (interrupção áparte inintellegivel) possa imaginar e ainda menos dizer, como ahi se está dizendo, que ella e a maioria têem desejo de protrahir o julgamento do sr. deputado Ferreira de Almeida, até ao fim da sessão parlamentar? (Apoiados.)
Pois não está bem expresso e claro, «o artigo 2.º do parecer, que o processo siga no intervallo da actual sessão parlamentar, á sessão annual seguinte?» (Apoiados.)
Para que se pretende, pois, insinuar na opinião publica, e ácerca d'esta desgraçada questão Ferreira de Almeida, idéas menos verdadeiras com odioso para a maioria e para o governo, quando nenhum de nós as tem? (Apoiados.)
Só por facciosismo politico? Unicamente por espirito de partido, por opposição accintosa e violenta, por impulsos de paixão descomedida contra todos e contra tudo que se diz ou faz d'este lado da camara, ou do governo?
Só por isso não vale a pena! (Muitos apoiados.)
(Interrupções successivas da opposição.)
Não se incommodem, nem se irritem os illustres srs. deputados que eu muito respeito, porque eu tambem me não afflijo. Não é intuito meu offender e nem sequer melindrar alguem, e creiam que tenho a serenidade e a coragem precisas e indispensaveis, para continuar no pouco que tenho a dizer, conforme podér e souber, a despeito de todos os apartes e interrupções. É este o meu dever e hei de cumpril-o! (Apoiados.)
Sr. presidente, a julgar pelas ultimas palavras do illustre deputado o sr. Serpa Pinto, e se ellas representam a opinião da minoria d'esta camara, de que s. exa. é um dos mais distinctos ornamentos, eu vejo com satisfação, que estamos todos perfeitamente de accordo e n'um mesmo pensamento, opposição, maioria e governo!
(Interrupções da opposição, riso e ápartes.)
O sr. Pinheiro Chagas (n'um aparte): - Que absurdo, que disparate!
O Orador (para o sr. Pinheiro Chagas): - Não é tão grande como a v. exa. parece, nem como alguns que eu aqui tenho ouvido.
Se v. exas. me deixarem, se me derem licença, em acabando as suas manifestações de alegria e de surpreza, eu provarei o que disse; e depois, não ficando convencidos, nem ainda mais, porque eu prefiro vel-os a rir e contentes, do que zangados, a gritar, enfurecidos, cheios de raiva, muito indignados, e até feios; assim, são mais bonitos, mais agradáveis, e nem parecem da opposição! (Apoiados, - Riso.
Repito: estamos todos de accordo, como eu disse, em resposta ao sr. Serpa Pinto, quando notei que s. exa., sem adduzir rasões, contra o parecer da commissão, que sustento, se limitou a lamentar o incidente e a pedir justiça e rapidez no julgamento do processo.
Pois não temos nós todos, de um e outro lado da camara, e das bancadas do governo, sem excepção de ninguém, lamentado em phrases sentidas e sinceras, a tristissima occorrencia do dia 7, que nos privou da valiosa cooperação nos trabalhos parlamentares, não só de um collega nosso, mas tambem de um ministro intelligente e digno como era o sr. Henrique do Macedo? (Apoiados.)
Não estamos ainda agora tambem perfeitamente de accordo, em que se faça inteira e completa justiça ao accusado? (Apoiados.)
Não temos nós todos o mesmo grande e sincero desejo de que o julgamento se conclua o mais breve possivel e de que o castigo, se tiver de o haver, o que nos não pertence julgar, seja o mais suave e benévolo possivel? (Apoiados.)
Não estamos pois bem de accordo, nos pontos capitães da questão que agora se discute, e nas boas intenções que todos temos manifestado n'este importante debate, restringindo-nos ao unico ao verdadeiro ponto a discutir no momento presente? Estamos! Pelo menos, assim me parece e o creio, a acreditar nas palavras dos illustres deputados da opposição, que devo reputar verdadeiras. (Apoiados.)
E á parte algumas divergencia de opinião, nas referencias com que inopportunamente e com mais impertinencia de que rasão, se estam a apreciar factos passados e julgados, que já nada podem aproveitar para o caso, eu vejo e sustento, que na essencia, na questão principalissima de que agora se trata, estamos todos de accordo!
A minoria, quer justiça; a maioria e o governo, tambem a querem! A minoria quer o julgamento rapido; a maioria e o governo, têem a mesma vontade, o mesmo empenho! (Apoiados.)
Tinha porventura a commissão algum outro artigo de lei, a não ser o 4.° do segundo acto addicional da carta constitucional, de 24 de julho de 1885, que lhe facultasse o direito de fazer justiça o mais breve possivel ao sr. Ferreira de Almeida? Não tinha, nem tem! (Apoiados.) Porque o artigo, é o que é, e como está, e não se lhe póde dar outra interpretação justa, que não seja a que a illustrada commissao entendeu. E senão vejamos:

«Art. 4.° Se algum par ou deputado for accusado ou pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva camara, a qual decidirá se o par ou o deputado deve ser suspenso, esse o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado ou indiciado.»
Está bem claro; e se o processo deve seguir no intervallo das sessões, ou depois de findas as funcções do accusado ou indiciado; logo, a commissao marcando a primeira sessão, mostra e bem evidentemente, que cumprindo o preceito da lei, harmonisava ao mesmo tempo os seus desejos de justiça e de benevolencia, marcando o praso minimo que a lei concede! (Apoiados.) Entendo, sr. presidente, que a commissao andou muito digna e intelligentemente, que fez o mais que podia e devia, e nem outra, cousa podia fazer, pelo que, procedendo muito bem e muito correctamente, merece elogios em vez de censuras! (Apoiados.)
É isto o que tenho a dizer com respeito á primeira parte do discurso do meu prezado amigo e illustre deputado, o sr. Serpa Pinto; e como s. exa. declarou, que não ía tratar a questão no campo juridico, já tão explorado, e como cumpriu bem a sua promessa, e eu não tenha portanto que o acompanhar, felizmente para mim, n'um caminho em que naturalmente ambos nos perderiamos, por escabroso e difficil pouco tenho a acrescentar.
Quanto á questão militar, como s. exa. a apresenta e

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trata, parece-me que nada tem com ella a camara ou o governo, em relação ao assumpto que se discute. (Apoiados.)
Diz s. exa., que lhe parecia que desde o principio, esta questão Ferreira de Almeida, e seu processo, tem sido mal tratada, desde as ordens do commandante geral da armada, até ao conselho de investigação, e d'este ao ultimo despacho de pronuncia lançado pelo mesmo commandante, e pensa que ha irregularidades na constituição do processo, que poderão causar nullidade, etc.
Mas, sr. presidente, parece me que a camara nada tem que ver som isso! Nós não somos aqui os juizes d'esse processo! Creio mesmo que não temos a competencia legal para o estarmos a julgar e a irrogar censuras a quem o ordenou ou instaurou!
Não é d'isso que agora se trata! (Apoiados.)
Se o processo foi mal instaurado, se tem irregularidades que importem annullação, o que nem affirmo ou nego, lá está o tribunal competente a quem elle for remettido, e que tem de o examinar escrupulosamente, para o dizer e cumprir o seu dever. (Apoiados.)
É necessario respeitarmos a independencia de todos os poderes constituidos, sem pretendermos com a nossa soberania e independencia, menos bem interpretada, intervir nos direitos que outros devem exercer com a mesma independencia.
O tribunal preparatorio do processo foi o conselho de investigação, por ordem do commando geral da armada. Nada temos com o que elle fez, nem do modo por que o fez! (Apoiados.) O que aqui se trata n'este momento, é unica e simplesmente de apreciar e discutir o parecer da commissão de legislação criminal, que em respeito e cumprimento do artigo 4.° do acto addicional, entende que deve ser ratificada a suspensão das funcções parlamentares do sr. deputado Ferreira de Almeida, e que o processo siga no intervallo da actual sessão legislativa á sessão annual seguinte.
Este é que é o ponto a discutir; e tudo o que seja fugir d'este campo, não tem valor para o caso, e não faz mais do que alongar o debate e augmentar mais ainda a perda de tempo, sem proveito para o paiz, que com este triste incidente se tem malbaratado ha três semanas. (Apoiados.)
Deixemos, pois, as considerações do illustre deputado o sr. Serpa Pinto, sobre o militarismo, suas leis e regulamentos, boas ou más, mas que são leis, e por ora não as ha melhores nem mais modernas, e, voltando á parte principal, continuo a sustentar; que nem s. exa., nem nenhum dos illustres oradores da opposição, apresentou ainda a esta camara argumento plausivel e convincente, de que houvesse outra maneira mais legal e mais rapida de se poder abreviar o julgamento do sr. Ferreira de Almeida, senão interpretando á risca e observando religiosamente, como o fez a commissão, a doutrina do referido artigo 4.º do acto addicional! (Apoiados.)
(Internação que se não percebeu.)
Artigo que possa substituir aquelle, não, porque o não conheço, nem vejo que na carta constitucional o haja.
(Novas interrupções.)
(Respondendo á interrupção.) Isso são modos de ver, sophismas, rabulice juridica e interpretações forcadas. que mostram a habilidade de quem os sustenta, como o sr. Marcai Pacheco, com muito talento, mas que não convencem, que não satisfazem, nem se podem admittir como bom argumento de lei e de boa fé!
(Interrupção que, se não percebeu.)
V. exas., ahi d'esse lado da camara, interpretam o artigo pela maneira que mais lhes convém ao seu plano, a que desde o principio têem subordinado esta questão; nós d'este lado, interpretâmol o de outra fórma, porque nos convém, (Interrupções e apartes de diferentes srs. debutados. - Riso.- Vozes: - É isso, é isso.)
Lá vamos, lá vamos, eu explicarei. Não me deixaram concluir o periodo e a idéa, e por isso não me admira a apreciação errada que fizeram.
Repito: nós interpretamos o artigo de outra fórma, porque nos convém, á justiça que defendemos, ao bom direito que respeitâmos e queremos sustentar, com toda a sinceridade e fóra da especulação politica a que este incidente se tem prestado! (Apoiados.)
Interpretamos o artigo assim, e de fórma differente da opposição, unicamente em nome do direito, da justiça e da boa rasão, como entendemos, e n'ella nos inspirâmos!
(Apartes. - Interrupção.)
Pois quê; então a justiça existe só d'esse lado da camara, e não d'este? (Apoiados.)
Então, só v. exas. é que sabem interpretar as leis? (Apoiados.)
Porventura os sentimentos da opposição, com respeito ao accusado, são mais generosos do que os da maioria ou do governo?! (Apoiados.)
Não são, nem v. exas. o têem provado desde o começo d'esta malfadada questão, que deslocaram, que empurram para fóra do campo em que ella devia ser cautelosamente tratada! (Apoiados.)
Interpretem as leis como melhor convier aos seus intuitos politicos, ou como quizerem e entenderem; mas se argumentassem de boa fé e sinceramente como eu o faço, em favor da rasão e da justiça e dos bons principios da auctoridade e da ordem que é preciso manter em todo o seu respeitavel prestigio, reconheciam logo o seu erro em que persistem intencionalmente, e não por ignorancia! (Apoia, dos.)
Não tenho nada mais que responder ao illustre deputado e meu amigo; e tendo acompanhado com attenção o seu magnifico discurso e o dos seus collegas da opposição, apesar do muito talento de todos, e da bella eloquencia da sua palavra tão sympathica como admiravel, ainda não poderam demover-me da opinião convicta e profunda em que estou, de que a melhor doutrina é a do parecer da commissão de legislação criminal, que defendo e sustento, e de que a unica solução justa, verdadeira e rasoavel a adoptar por esta camara, é a de approvar o parecer, com a convicção de cumprir conscienciosamente o seu dever.
Fica pois bem apurado da discussão a que temos assistido, que não ha nem pode haver outra maneira, nem mais correcta, nem mais legal, nem mais justa, de fazer julgar o sr. Ferreira de Almeida, o mais breve possivel, em harmonia com a lei, e com os desejos da camara e do governo. (Apoiados.)
O sr. Pinheiro Chagas (em áparte): - Havia outros meios mais rapidos.
O Orador: - Se os havia, ou se os ha, eu é que ainda os não vi apresentar, que fossem exequiveis e legaes, por qualquer dos brilhantes oradores da opposição que tive a honra de ouvir.
O que ha, e que toda a camara ouviu, é a interpretação especial que a opposição pretende dar ás leis, para seu uso e conveniencia, dizendo que é em nome do direito, da justiça e da inviolabilidade da vida humana, de um homem que está preso e cuja cabeça corre risco, como ahi se tem dito em declamações empoladas de rhetorica patriotica, chegando até a dizer-se que podia ser fuzilado! Isto é incrivel, sr. presidente! (Apoiados.)
O sr. Pinheiro Chagas: - De que se trata, não é da pena capital?! (Apoiados.)
O Orador: - Menos indignação calculada! Então o sr. Pinheiro Chagas, tem medo que cortem a cabeça ao sr. Ferreira de Almeida? Não se assusteis. exa.! Descanse o illustre deputado, modere os seus impetos de compaixão violenta, e fique tranquillo ácerca da cabeça do sr. Ferreira de Almeida, que nada soffrerá, a não ser algumas dores, se elle for achacado d'esse mal. (Riso.)
O sr. Pinheiro Chagas: - Agora até faz de poder

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moderador; já sabe que a cabeça do sr. Ferreira de Almeida não corre risco.
O Orador: - Não é preciso fazer de poder moderador; presumo, e creio que com bom fundamento, que a cabeça do sr. Ferreira de Almeida não corre risco de ser cortada, nem elle de ser fuzilado, porque em Portugal, por honra nossa, já se não enforca nem fuzila nenhum cidadão, quer seja militar, quer civil, e seja por que crime for! A benignidade das nossas leis, a brandura dos nossos costumes tantas vezes invocada, e o nosso adiantamento social, neste ponto superior ao das nações mais civilisadas, são garantia sufficiente para a vida humana. (Apoiados.)
Por isso, repito: não se assuste s. exa. nem a opposição, porque muito bem sabem, melhor do que eu, que realmente não ha rasão para isso. (Apoiados.)
Vou terminar, dizendo que ouvi com toda a attenção o meu illustre collega o sr. Serpa Pinto, a quem presto todas as homenagens de consideração e respeito que lhe são devidas, não só pelo seu brilhante talento que n'esta camara se tem revelado, mas tambem como corajoso e arrojado explorador e bravo militar que é, e por cujos serviços o paiz inteiro tem a maxima consideração; (Apoiados.) mas não posso deixar de ponderar tambem n'este momento, e com a rude franqueza de quem affirma uma verdade, que tudo que s. exa. disse e expoz sobre o assumpto em discussão, nada adiantou ao que estava dito, e em nada atacou a idéa e nem sequer a fórma do parecer.
E o que todos vimos, e com surpreza pouco gloriosa para a fama do illustre e distincto explorador, é que s. exa., e n'esta região do parecer, nada descobriu de novo, deixou tudo como estava. (Riso.) A mesma opinião e impressão na camara, favoravel ao parecer, o que, não diminuindo o valor e reconhecido merito do valente explorador africano, prova apenas que é mais facil atravessar um grande continente e saber explorar bem, desconhecidos sertões, do que um simples parecer da commissão de legislação criminal, quando, como o presente, elle é justo e inatacavel! (Apoiados.)
Porque o illustre explorador, no caso presente, não explorou mesmo nada! (Riso.)
Continua, pois, no animo da camara, e cada vez mais arreigada, a profunda e verdadeira convicção que já tinha, de que a unica fórma, justa, legal e exequivel, de resolver dignamente a importante questão que lhe foi apresentada e se debate, é approvar, sem mais reflexões superfluas, nem perda de tempo, o parecer da commissão tal qual está no que dará mais um exemplo de bem saber cumprir os seus altos deveres patrioticos, em harmonia com a sua consciencia, sem nenhumas considerações de ordem politica, porque a questão, nem é politica, nem é do governo. É de justiça e de legalidade! (Apoiados.)
Termino, agradecendo muitissimo reconhecido á camara a benevolencia com que me honrou, ouvindo-me, o sendo tão generosa como boa, animando-me por vezes com o seu obsequioso applauso, nesta primeira vez, em que tive a ousadia perdoavel de no cumprimento do meu dever, fallar sobre a ordem do dia.
Vozes: - Muito bem! Muito bem!
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
O sr. Presidente: - Seguia-se na ordem da inscripção o sr. Franco Castello Branco, porém, como falta pouco tempo para dar a hora e o sr. Teixeira de Vasconcellos pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão, se a camara entender conveniente, e o sr. Franco Castello Branco concorda com isto, dou a palavra ao sr. Teixeira de Vasconcellos. (Apoiados.)
O sr. Franco Castello Branco: - Como v. exa. quizer.
O sr. Presidente: - N'esse caso tem a palavra o sr. Teixeira de Vasconcellos.
O sr. Teixeira de Vasconcellos: - (O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Sr. presidente, no campo doutrinario e dos principios, é perfeitamente licito a qualquer aventar uma opinião a favor da necessidade ou desnecessidade dos exercitos permanentes.
Eu não podia estranhar de modo algum que o illustre deputado, o sr. Teixeira de Vasconcellos, apresentasse a idéa de que não eram necessarios os exercitos permanentes, porque n'esse campo muitas pessoas o acompanham; mas desde que s. exa. desce do campo da discussão de principios a uma hypothese certa e determinada, referindo-se ao exercito nacional, e referindo-se de uma maneira que seguramente não e lisonjeira para esta instituição no nosso paiz...
O sr. Fuscnini: - Quem é que dirige as discussões, é v. exa., ou é o presidente da camara?
O Orador: - Pois os srs. deputados, quando um seu collega n'esta casa se refere censurando-a, ou aggravando-a a uma instituição que está immediatamente debaixo da jurisdicção de um ministro, podem negar a esse ministro o direito de que se levante para a defender!
Vozes: - Apoiado, apoiado.
(Susurro.)
Vozes: - Ouçam, ouçam.
O Orador: - Se me deixassem terminar, eu chegaria a um fim em que ninguem ficaria mal; o que eu não posso permittir, é uma interrupção d'esta natureza, sem protestar immediatamente contra ella. (Muitos apoiados.)
Repito, no campo dos principios eu não podia estranhar que o sr. deputado Teixeira de Vasconcellos tivesse qualquer opinião favoravel ou desfavoravel á existencia dos exercitos permanentes, mas, tendo s. exa. passado a apreciar o exercito nacional como está hoje, parecendo-lhe que elle tem sido votado ao abandono e que não tem havido para elle o desvelo e o cuidado que seriam indispensaveis para elevar esta instituição ao grau de perfeição em que está n'outros paizes, eu não posso deixar de expor a s. exa. e á camara qual a minha opinião sobre o assumpto, e quaes as rasões que posso contrapor á opinião de s. exa.
Se o não fizesse, dir-se-ía que, estando presente o ministro da guerra, havendo referencias que reputo não serem agradáveis, quanto ao estado actual d'esta instituição, era para estranhar que o ministro se não levantasse e não dissesse a rasão por que o adiantamento e o aperfeiçoamento do exercito não tem sido mais progressivo. (Apoiados.)
Eu digo que a minha opinião, respeitando aliás as dos outros que a têem differente, é que os exercitos permanentes são uma necessidade em todos os paizes, e que principalmente no nosso esta necessidade está de tal modo accentuada que me parece desnecessario discutil-a.
Não vamos buscar para termo de comparação, contra o principio dos exercitos permanentes, o exemplo dos Estados Unidos ou da Suissa onde ha tão pequenos exercitos que estão inteiramente fóra de proporção com a extensão do paiz e da grandeza da população que estes exemplos não colhem E mesmo n'estes paizes ha um nucleo de exercito que tem quadros que se podem alargar consideravelmente para constituir o exercito em tempo de guerra.
Se hoje se faz uma pequena despeza com o exercito, muito pequena relativamente á importancia do orçamento do estado, é necessario que se note que nos Estados Unidos da America parallelamente se encontra no orçamento do estado uma verba de grande importancia para a policia. Em toda a parte do paiz se encontra frequentemente a policia; em todos os centros de popolução existe numerosa policia, e a verba que se gasta com ella é muito mais avultada do que a que se gasta com o exercito.
Portanto, não se póde dizer que seria uma grande economia acabar com os exercitos permanentes, porque era necessario augmentar consideravelmente os corpos de policia; a não ser que a sociedade chegasse a um tal estado de civilisação que se podesse mesmo dispensar a policia.

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Mas, voltando ao ponto principal, direi que o exercito portuguez tem progredido constantemente. Se não tem acompanhado os grandes melhoramentos que se tem feito em nações poderosas, se se não tem elevado á maxima perfeição, e se só tem acompanhado de longe os grandes melhoramentos que lá fóra se têem introduzido nos exercitos, não tem sido por falta de diligencia e boa vontade dos ministros, mas sim porque se deve comprehender que os grandes melhoramentos trazem tambem a necessidade de grandes despezas, e o nosso orçamento não as tem consentido.
E se o illustre deputado não reconhece a gravidade d'esta rasão e d'estes principios, faz uma injuria á gloriosa memoria do fallecido e honrado chefe, que com muito acerto e elevação dirigiu por muitos annos esta repartição. (Apoiados.)
Eu pela minha parte tenho affirmado tanto quanto possivel o pensamento de fazer progredir o exercito e de acompanhar os melhoramentos que se adoptam lá fóra, mas na proporção da despeza que podemos fazer.
Eu disse já n'esta casa do parlamento, creio que quando o governo aqui se apresentou pela primeira vez, que eu de accordo com o governo aceitava a recente organisação do exercito de 30 de outubro de 1884, por quanto ainda que elle tivesse alguns defeitos, não achava conveniente fazer reformas superiores n'uma instituição tão importante, por que repetidas reformas sobre o mesmo ramo de serviço tiravam a força umas ás outras.
Que adoptando esta organisação teria de formular e de publicar numerosos regulamentos indispensaveis para a completarem. Que além das modificações que a experiencia aconselhasse, proporia as reformas complementares d'esta organisação.
É o que tenho feito. É o que vou fazer.
Os regulamentos têem sido elaborados e decretados. As propostas de lei, algumas das quaes foram annunciadas no discurso da corôa, estão preparadas e em poucos dias vão ser apresentadas ao parlamento.
Tenho portanto cumprido as minas promessas e não tem sido portanto descurados os interesses do exercito.
Por ultimo não posso deixar de assegurar, como portuguez, e como chefe do exercito, que devo toda a consideração a esta instituição do nosso paiz.
O exercito tem sido o sustentaculo da independencia nacional, por mais de uma vez, e em differentes epochas; ao exercito está confiada a manutenção da ordem, a defeza da integridade do nosso territorio, a guarda das instituições da monarchia reinante e da liberdade.
Esta instituição, sejam quaes forem as fazes porque passe, seja mais rapida ou menos rapida a evolução progressiva que se lhe dê por impulso da administração, tem correspondido, e ha de corresponder sempre ao muito que o paiz d'ella espera.
Limito aqui as minhas considerações. Eu supponho que não faço injuria alguma ao illustre deputado attribuindo-lhe, a idéa de que o exercito póde ser dispensavel. Em segundo logar direi que se lhe encontra defeitos, eu tambem os encontro, mas esses defeitos não são devidos á má vontade de quem dirige ou tem dirigido o ministerio da guerra, mas sim aos poucos meios de que o governo tem disposto para acompanhar o movimento progressivo dos exercitos, e chegar ao estado de adiantamento e de perfectibilidade a que têem chegado em outras nações. Não obstante, tem-se lidado, e lidaremos n'este empenho.
Espero que com os crescentes meios do orçamento, a instrucção ha de ser progressiva e a disciplina ha de manter-se e affirmar-se, correspondendo constantemente ás nobres aspirações do exercito, e ás do paiz.
Vozes: - Muito bem.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Eu pedi a palavra para explicações.
O sr. Presidente: - A hora já deu.
O Orador: - Eu peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu de explicações.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o illustre deputado.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Começo por agradecer a v. exa. e á camara o terem-me concedido fallar n'este momento.
Eu não pedi a palavra para responder ás sensatissimas considerações que fez o sr. visconde de S. Januario, e com as quaes eu concordo plenamente, pedi a palavra unicamente para varrer a minha testada.
Ácerca das observações feitas pelo sr. Teixeira de Vasconcellos, dizia hontem um jornal da noite o seguinte.
(Leu.)
Sr. presidente, o melindre da minha situação força-me a não entrar em larguissimas considerações sobre este assumpto; mas, se por um lado essa situação me inhibe de fazer reflexões desenvolvidas, por outro lado obriga-me a dar uma simples e cabal explicação.
Eu ouvi perfeitamente as palavras do illustre deputado o sr. Teixeira de Vasconcellos; mas, pelo habito de viver com elle e pela tendencia natural de explicar sempre pelo melhor o que se diz, entendi que nas suas considerações podia haver uma errada comprehensão ou exposição de principios, mas o que não havia era um insulto ao exercito, (Apoiados.) ao qual me honro de pertencer. (Vozes:- Muito bem.)
Se o entendi assim, entendi tambem do meu dever não intervir; e não intervim effectivamente.
Depois estranhei a intervenção do sr. ministro das obras publicas, a qual não espliquei senão por uma má audição de s. exa.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Peço a palavra.
O Orador: - Não irrogo censura a ninguem, e muito menos ao sr. ministro das obras publicas, que procedeu conforme entendeu. Pela minha parte, e n'este ponto creio que interpreto fielmente os sentimentos de todos os militares com que se honra a minoria parlamentar, devo dizer a v. exa., á camara e ao paiz que a opposição regeneradora tem pelo exercito as mais levantadas considerações, (Apoiados) e nunca deixará passar sem protesto asserção alguma que possa reputar-se offensiva da dignidade e brio da força publica. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Peço a v. exa., sr. presidente, que consulte a camara sobre se me permitte dizer algumas palavras em resposta ao sr. José de Azevedo Castello Branco.
Foi concedida a permissão.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro):- Eu desejava evitar este incidente, mas, chamado abertamente á contenda pelo sr. José de Azevedo Castello Branco, preciso, não dar explicações, porém restabelecer a verdade dos factos.
O sr. Teixeira de Vasconcellos estava fazendo apreciações com relação ao exercito, dizendo, entre outras cousas, que o exercito era a ruina do thesouro e da agricultura, e que era uma instituição tolerada.
Estas palavras desagradaram á maioria, em cujos bancos houve manifestações d'esse desagrado, e desagradaram ao governo.
O sr. Teixeira de Vasconcellos dirigiu-se então ao governo, e perguntou-lhe se não concordava com as suas palavras.
O governo, interpellado directamente, não podia ficar calado.
Por isso eu levantei-me, e disse que, não só não concordava com as palavras do sr. Teixeira do Vasconcellos, mas que tambem protestava contra ellas.

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SESSÃO DE 27 DE MAIO DE 1887 851

O sr. José de Azevedo Castello Branco estranhou esta declaração; mas, como se vê, ella foi consequencia do governo ter sido interpellado directamente pelo sr. Teixeira de Vasconcellos. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
O sr. Teixeira de Vasconcellos: - (O discurso de s. exa. será publicado quando restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram pouco mais de seis horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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