658 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Por conseguinte, embora na letra da lei estivesse como que uma auctorisação concedida ao governo, o facto de o governo fazer uso d'essa auctorisação para nomear alguns professores, prescrevia-lhe a obrigação de ser, pelo menos, imparcial com os outros individuos que estivessem em identicas condições; deixava já de ser uma auctorisação; era uma obrigação imposta ao governo, desde que elle fazia uma nomeação.
Mas vejamos as condições dos individuos excluidos do lyceu da Guarda.
Eu tenho aqui presente a copia da acta da sessão extraordinaria do conselho escolar do lyceu da Guarda, e por ella, sem querer estar a cansar a attenção da camara com a leitura, se vê que ambos os professores eliminados tiveram, em votação por escrutinio secreto, votos favoraveis da maioria do conselho, com relação ao seu merito e serviços prestados no lyceu. O parecer do conselho superior na consulta feita na sessão permanente d'esse conselho nada diz, porque na copia que me foi enviada pelo ministerio do reino diz se:
(Leu.)
Se esta doutrina que deriva do parecer d'esta consulta, e que eu acabo de ver exposta pelo sr. ministro do reino, tivesse fóros de cidade, o que é que acontecia? É que a nomeação de professores provisorios ficava dependente dos governadores civis e dos agentes de confiança do governo, nas localidades onde existem esses conselhos. Até onde isto leva! Onde isto leva, sabe v. exa. sr. presidente, e sabe a camara.
Ninguem tem os seus direitos garantidos contra as animadversões e odios que nas pequenas localidades attingem sempre um grau exagerado.
Pelo parecer do conselho escolar do lyceu da Guarda, estes professores tinham bons serviços, e estavam aptos, para reger, como deviam, a sua cadeira. Um tinha mais de cinco annos de leccionamento, e outro já tinha onze annos de bom e effectivo ensino; e n'estas condições, vê-se que satisfaziam perfeitamente todas as condições exigidas na lei. Eram ambos bachareis formados, e por conseguinte tinham cursos superiores.
Só faltava terem a benevolencia do reitor, segundo a doutrina do sr. ministro do reino.
Mas o sr. José Luciano de Castros, que nos affirmou que lançou mão da auctorisação, e que foi até ao ponto de nomear um individuo que milita nas fileiras da opposição parlamentar, que é aliás um óptimo professor, de quem tive a honra de ser collega no lyceu de Angra do Heroismo, não se serviu do unico expediente de que deveria servir-se; desde que havia accusações contra um professor, devia averiguar até que ponto n'essas accusações poderia entrar o espirito de animadversão, contra os membros da corporação do lyceu da Guarda. Se no caso que s. exa. nos contou do individuo de Aveiro, mandoou proceder a um rigoroso inquerito, pelo qual pôde verificar que não eram exactas as informações, que lhe deu o seu agente de confiança, por que rasão s. exa. não procedeu de igual fórma com relação aos professores do lyceu da Guarda?
Não posso auctorisar com o meu voto, nem com a minha opinião, se tivesse alguma auctoridade no assumpto, a circumstancia de deixar dependentes as nomeações dos professores provisorios de informações confidenciaes dos reitores, e como membro do parlamento, eu não posso, com o meu silencio, auctorisar o facto de se não mandarem para aqui os documentos que se pedem, ainda quando tenham caracter confidencial.
Se as informações dadas pelo reitor do lyceu da Guarda foram sufficientes para levar ao espirito do sr. presidente do conselho a convicção de que não devia nomear aquelles cavalheiros, constituem um documento precioso, que deve ser apresentado á camara; porque, se ella tem direito de fiscalisar os actos do governo, tem direito de ver os documentos sobre os quaes o governo fundamenta esses actos.
Como é que eu posso fiscalisar a acção governativa do sr. ministro do reino, se elle me sonega um documento precioso? (Apoiados.} Para um deputado não ha documentos confidenciaes, senão os documentos diplomaticos, quando sobre elles haja negociações pendentes. De outro modo o parlamento não tem maneira de verificar nem de fiscalisar a acção do governo, porque o governo reserva para si o direito de dizer que os documentos são confidenciaes e que portanto não póde communical-os á camara.
Mas esse documento, que teve tanto valor para o sr. presidente do conselho, não póde ter no caso sujeito valor nenhum para o parlamento; e eu vou dizer porque. Se o reitor do lyceu da Guarda fosse uma individualidade sem politica, fosse um individuo afastado inteiramente de politica, e cujo procedimento estivesse portanto absolutamente isento de suspeitas de parcialidade ou interesse partidario, eu ainda comprehendia que se desse uma grande importancia a essas informações, e não teria nada a dizer. Mas aquelle cavalheiro milita na politica, é nosso collega aqui, e lamento profundamente não o ver n'esta casa, n'este momento, porque lhe dizia isto mesmo.
Por outro lado, os dois individuos não nomeados militam em politica oppostas Muito escrupulo devia, pois, ter o sr. presidente do conselho em fazer obra pelas informações do reitor, desde que ellas versavam sobre o procedimento de dois individuos que eram desaffectos e membros importantes do partido regenerador da Guarda.
Sei mais que se fizeram a um dos cavalheiros offerecimentos valiosos, para conservar se em frente do governo em uma attitude benevolente.
Que valor moral póde ter o documento em virtude do qual o sr. presidente do conselho entendeu dever excluir aquelles dois professores?
Não se póde admittir por fórma nenhuma a doutrina de que individuos, representando n'um momento a confiança do governo, possam dar sobre a maneira como outro indivíduo exerce as funcções publicas, uma opinião qualquer que habilite o governo a defender-se com um documento, sem que a camara tenha o direito de conhecer esses documentos. O contrario é absurdo. (Apoiados )
Sr. presidente, ainda o sr. presidente do conselho alludiu a outra informação, e essa informação é do sr. governador civil...
(Interrupção do sr. ministro do reino )
Tem v. exa. rasão. Não se refere este documento a nenhum officio confidencial sobre o assumpto do sr. governador civil da Guarda, como por engano suppuz. Mas vou dizer, que não quero que fique suspeita a respeito do que ia a dizer sobre o caracter do sr. governador civil da Guarda. Devo dizer que tenho pelo sr. governador civil toda a consideração que se póde ter por um homem com quem se tem relações de amisade, como eu tenho.
Por conseguinte, não queria aventar, com relação ao sr. governador civil da Guarda, uma unica palavra em desabono do seu caracter, que acho distincto. (Apoiados.) Posso, por umas circumstancias, mesmo ás vezes independentes da minha vontade, estar em desaccordo com s. exa. nas cousas do districto; póde ser que uma certa ordem de actos praticados por s. exa. me não mereça a minha adhesão, mas isso nada tem com a homenagem que presto ao seu caracter.
Sr. presidente, esta discussão não serve de maneira nenhuma, tenho a certeza d'isso, para fazer reconsiderar o sr. ministro do reino no mau uso que fez da auctorisação, quando nomeou os professores do lyceu da Guarda, nem espero que s. exa. proceda a um inquerito, como entendo que devia fazer; mas serve para outro fim. Serve para que por uma vez se assente, e era conveniente que o parlamento sobre isso tomasse uma decisão, para que se assente que o governo não póde de fórma nenhuma furtar ao exame da camara documentos, ainda quando supponha esses documentos de caracter confidencial. (Apoiados.)