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SESSÃO DE 3 DE MARÇO DE 1888
Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho
Secretarias os exmos. srs.
Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral
SUMMARIO
Dá se conta de um officio do ministerio das obras publicas, remettendo um exemplar da guia «itinerario de Portugal», organisada n'aquelle ministerio. - Tem segunda leitura o projecto de lei apresentado pelo sr. Oliveira Martins na sessão anterior - O sr João Pina faz algumas considerações, chamando a attenção. do governo para os programmas dos exames complementares que se fazem nas camaras municipaes, que, na sua opinião, devem ser modificados, como já foram os que o anno passado se publicaram pura os exames elementares e para os exames de admissão aos lyceus. - O sr. Arroyo refere-se no modo por que estavam sendo feitos os fornecimentos para as guardas municipaes, não se fazendo por concurso, como no exercito e na marinha. Responde o sr ministro do reino. - O sr José do Lemos e Napoles apresenta duas representações, uma da camara municipal de Moimenta da B...a e outra da camara municipal de Mondem da Beira - O sr. Henrique de Sant'Anna e Vasconcellos apresenta uma representação da mesa da veneravel ordem terceira da penitencia da villa de Borba. - O sr Arthur Hintze Ribeiro faz differentes considerações, chamando a attenção do governo para a determinação do governador civil de Ponta Delgada, fechando os portos á exportação do milho, em detrimento dos lavradores; e bem assim para a situação dos invalidos das obras da doca de Ponta Delgada Responde-lhe o sr ministro do reino - O sr Sousa e Silva refere se a uma no ticia que virá nos jornaes dos Açores, de que na proxima divisão comarca seria extincta a comarca da Povoação, com accordo dos deputados açorianos, declinando que não fôra ouvido, e que não concordava com a extincção d'aquella comarca. Referiu se tambem ao limpamento do cabo submarino para os Açores. - O sr. José de Azevedo Castello Branco refere se uma, duas e tres a vezes ao facto de não serem providas no lyceu da Guarda dois professores provisorios, que reuniam as condições da lei responde lhe e torna-lhe a responder o sr ministro do reino, dando as rasões por que os não provêra, mostrando que não fôra por motivos politicos. - O sr. ministro da fazenda apresenta uma proposta para que o sr. Julio Paes possa accumular, querendo, o exercicio das funções legislativas com as de membro do tribunal do contencioso fiscal de Lisboa. - Constitue-se a commissão de negocio? ecclesiasticos.
Na ordem do dia continua a discussão do projecto n.° 6 (resposta ao discurso da corôa) - É lida e admittida a proposta do sr Lopo Vaz, apresentada na sessão do hontem. - Usam da palavra os srs presidente do conselho e Marçal Pacheco.
Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.
Presentes á chamada 45 srs. deputados. São os seguintes: - Alfredo Brandão, Sousa e Silva, Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Antonio Maria de Carvalho, Hintze Ribeiro, Bernardo Machado, Eduardo José Coelho, Feliciano Teixeira, Fernando Coutinho (D.), Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco de Barros, Lucena e Faro, Pires Villar, João Pina, Dias Gallas, João Arroyo, Vieira de Castro, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Alfredo Ribeiro, Correia Leal, Silva Cordeiro, Oliveira Valle, Oliveira Martins, Simões Ferreira, Amorim Novaes, José Castello Branco, Pereira de Matos, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, José Mana de Andrade, Rodrigues de Carvalho, Santos Moreira, Julio Graça, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Marçal Pacheco, Miguel Dantas, Estrella Braga e Consiglieri Pedroso.
Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Candido, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Augusto Fuschini, Miranda, Montenegro, Augusto Ribeiro, Victor dos Santos, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Mattoso Santos, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Fernandes Vaz, Francisco de Medeiros, Soares de Moura, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Sá Nogueira, Sant'Anna o Vasconcellos, Cardoso Valente, Franco de Castello Branco, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, Rodrigues dos Santos, Alves Matheus, Joaquim da Veiga, Alves de Moura, Avellar Machado, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Alpoim, Barbosa de Magalhães, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Abreu e Sousa, Julio Pires, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Poças Falcão, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Brito Fernandes, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Pedro Monteiro, Pedro Victor, Dantas Baracho, Vicente Monteiro, Visconde da Torre e Visconde de Silves.
Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Antonio Castello Branco, Antonio Ennes, Barros e Sá, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Barão de Combarjua, Conde de Fonte Bella, Eduardo de Abreu, Elvino de Brito, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Freitas Branco, Francisco Machado, Francisco Ravasco, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Baima de Bastos, Menezes Pereira, Joaquim Maria Leite, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, Ferreira de Almeida, Guilherme Pacheco, Ferreira Freire, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Pinto Mascarenhas, Santos Reis, Mancellos Ferraz, Manuel José Vieira, Pinheiro Chagas, Miguel da Silveira, Pedro de Lencastre (D.), Sebastião Nobrega, Visconde de Monsaraz e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada
EXPEDIENTE
Officio
Do ministerio das obras publicas, remettendo a Guia iteneraria de Portugal, organisada n'este ministerio.
Á secretaria.
Segunda leitura
Projecto de lei
Senhores. - É ocioso insistir sobre a indeclinavel necessidade do fomentar o progresso económico do paiz pela protecção franca ao trabalho nacional
O projecto de lei que hoje submetto á vossa consideração tem em vista dois fins: o primeiro e consagrar o principio estabelecido nos artigos 64.° e 65 ° do regulamento do contabilidade publica, procurando que se evitem os abusos diariamente commettido á sombra das excepções feitas no § unico do artigo 65.° do mesmo regulamento, o segundo é garantir a favor da industria nacional, não só nina igualdade de condições de concorrencia que hoje não existo, como aquella protecção que o estudo tem o dever de proporcionar aos nacionaes, sem prejuizo, antes com vantagem, da economia do thesouro publico
As informações colhidas dos inqueritos officiaes, o texto das numerosas representações que têem subido aos poderes
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publicos, dispensam-me de enumerar factos conhecidos largamente commentados.
Os fornecimentos á porta fechada são um dos males que prejudicam o fomento da industria nacional, as concessões legislativas de isenção de direito são outro; a falta de paridade de condições de concorrencia entre licitantes nacionaes e estrangeiros, concedendo-se a estes franquia emquanto os outros ficam onerados com os direitos das materias primas importadas, e finalmente, alem de uma injustiça flagrante, a instituição de premios em beneficio da industria estrangeira com detrimento da nacional.
Não basta, porém, equiparar as condições de concorrencia, entre industrias feitas e bem instrumentadas e a nossa industria incipiente, desamparada, e submettida aos encargos de contribuições onerosissimas como são as portuguezas, a par com um custo de vida exagerado pelos impostos de consumo.
É mister que as leis amparem a riqueza nacional incipiente, para que se não estiolem os seus primeiros rebentos; e se um particular apenas tem de comparar em absoluto o preço de um objecto para formular a sua decisão, o estado bem ordenado não deve proceder da mesma fórma, pois o dinheiro gasto comprando a nacionaes é trabalho e riqueza que ficam no paiz, ao passo que do contrario é riqueza que se perde.
Taes são, muito brevemente expressos, os motivos que me levaram á apresentação do seguinte projecto de lei:
Artigo l.° Em todos os fornecimentos, compras ou adjudicações de obras industriaes que o governo, ou qualquer corporação ou estabelecimento publico tenha de fazer, será aberto concurso exclusivamente entre fabricantes nacionaes; e só quando esse concurso, ou tique deserto, ou não seja considerado acceitavel nos seus resultados, se abrirá nova praça a que serão admittidos nacionaes e estrangeiros.
§ unico. São considerados nacionaes todos os fabricantes cujas officinas estiverem estabelecidas dentro do paiz e qualquer que seja a sua nacionalidade politica.
Art. 2.° Em todos os concursos a que seja admittida a concorrencia de licitantes estrangeiros, estabelecer-se-ha a favor dos nacionaes o bonus de 10 por cento do valor de licitação, como incentivo protector da industria nacional.
Art 3.° Em todos os concursos a que seja, admittida a concorrencia de licitantes estrangeiros, concedendo-lhe, a isenção de direitos, abonar-se ha aos nacionaes na importancia da sua proposta o valor dos direitos correspondentes ás materias primas necessarias para a execução da obra.
§ unico. As condições da licitação declararão sempre a somma em que é computado o abono de direitos de materias primas.
Art 4.° Os prasos estipulados para a entrega serão sempre sufficientemente extensos para permittirem aos licitantes nacionaes a execução das obras; devendo ser ampliados quando, em paridade de outras condições, os licitantes nacionaes o reclamem.
Art. 5.° Os fornecimentos, compras ou obras que, em reconhecida urgencia, não possam soffrer a demora da adjudicação por concluso, só poderão ser confiados a fabricantes nacionaes.
Art 6.º Os depositos e outras condições de garantia serão identicos para os fabricantes nacionaes e estrangeiros e a todos os depositos se abonará o juro de 5 por cento ao anno.
Art 7.° As emprezas ou companhias concessionarias de obras publicas ficam sujeitas ás disposições d'esta lei
Art. 8.° Fica revogada toda a legislação em contrario. = O deputado, J. P. de Oliveira Martins.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de commercio e artes, ouvida a de fazenda.
REPRESENTAÇÕES
Das camaras municipaes dos concelhos do Mondim e de Monnenta da Beira, pedindo a construcção do caminho de ferro do Valle do Corgo.
Apresentadas pelo sr. deputado José de Lemos e Napoles, enviadas á commissão de obras publicas e mandadas publicar no Diario do governo.
Da mesa da veneravel ordem terceira da penitencia da villa de Borba, pedindo a concessão da igreja do extincto convento das Servas da refunda villa de Borba.
Apresentada pelo sr. deputado Sant'Anna e Vasconcellos e enviada ás commissões de obras publicas e de fazenda.
O sr. João Augusto Pina: - Sr. presidente, o Diario do governo de 28 de julho de 1887 publicou um novo programma para os exames de admissão aos lyceus e de ensino complementar, programma que eu não leio agora para não causar a camara.
A imprensa periodica começou logo a gritar contra elle, pela sua vastidão e abundancia de materias, com effeito, o estudante que estivesse habilitado em todo elle, poderia ... talvez fazer exame a uma escola superior.
Sr. presidente, no Diario do governo de 25 de fevereiro ultimo appareceu um novo programma para os exames do admissão aos lyceus, muito modificado, sendo em tudo rasoavel, e parece-me que não ha rasão para ralhar contra elle, nem dizer que é inexequivel, como se disse do de julho do anno passado; vendo-se, pois, á vista d'isto, que a imprensa e a opinião publica ralhava com rasão, quando gritava contra tal programma, porque taes gritos acharam echo no conselho superior de instrucção publica, que modificou tal programma.
Sr. presidente, a minha admiração, porém, consisto em ver modificado o programma de admissão aos lyceus, e ver intacto o dos exames complementar, feitos nas camaras municipaes; não comprehendo a rasão por que se modificou um e o outro não, quando elles produzem os mesmos effeitos.
O exame de admissão aos lyceus é necessario para a matricula do primeiro anno do curso dos lyceus; mas quem tiver o exame de ensino complementar, feito nas camaradas, tambem se póde matricular no primeiro anno dos lyceus, resultando d'aqui verem os estudantes todos fazer exame aos lyceus, visto que tal exame é mais facil (Apoiados.)
SR. presidente, talvez alguem diga que no exame de admissão ao lyceus se exigem menos materias, porque as outras materias vae o alumno estudar nas cadeiras das diversas disciplinas, que lá se ensinam, emquanto que os alumnos que só fazem exame de ensino complementar nas camaras não passam d'ali, e n'este caso é necessario que elles tenham conhecimentos mais desenvolvidos.
Sr. presidente, se esta é a rasão, não colhe, porque muitos estudantes vão fazer exame aos lyceus e não voltam lá mais, emquanto que os que fazem complementar nas camaras podem depois continuar os seus estudos nos lyceus; alem de que este argumento prova de mais, por isso não prova nada; porque sendo assim devia se logo exigir ao estudante que fizesse exame de ensino elementar, toda a sciencia diversa e summaria, porque ha estudante que só faz tal exame. (Apoiados.)
Sr. presidente, os programmas pomposos, parece-me terem duas cousas em vista, mostrar a proficiencia de quem o elaborar e o progresso da nossa instrucção ás estrangeiras, que certamente avaliarão o estudo da instrucção pelos programmas dos exames das diversas disciplinas, de modo que este juizo não nos póde ser desfavoravel; ainda que talvez seja errado.
Sr. presidente, tambem me parece que estes programmas pomposos não fazem bem á instrucção, porque não é muito natural que o estudante esteja sufficientemente habilitado a responder satisfactoriamente em todo elle; por isso faz um exame fraco, como geralmente se diz, e o examinador, vendo que se exige quasi um impossivel a
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uma creança de doze a treze annos, torna se pouco exigente e por fim approva o; o que não faria talvez, se o programma fosse rasoavel, porque então o examinador seria exigente no cumprimento d'elle.
Este modo de proceder consta, e os estudantes, contando já com a benevolencia dos examinadores, estudam pouco; ora aqui está aonde nós levam os programmas pomposos. (Apoiados.)
Sr. presidente, os meus trinta e seis annos de magisterio é que me fazem fallar assim.
Disse.
O sr. Arroyo: - Chamava a attenção do sr. ministro do reino para o modo como estavam sendo feitos os fornecimentos para as guardas municipaes
Promettêra-lhe o sr. ministro do reino no anno passado que tomaria providencias a este respeito, mas as cousas continuavam no mesmo estado.
Os fornecimentos feitos para o exercito e para a marinha por meio de concurso, como manda o regulamento de contabilidade publica, tinham dado os melhores resultados, porque se tinha conseguido melhoria de generos, melhoria de preços e promptidão de remessas.
Este preceito fora posto de lado em relação ás guardas municipaes, fazendo-se os fornecimentos por adjudicações particulares, o que tinha dado pessimos resultados, porque os artigos fornecidos tinham sido maus.
Não pedia que se revogassem os contratos que existissem, os quaes entendia que o governo devia manter; mas perguntava ao sr. ministro do reino se estava disposto a ordenar que de futuro os fornecimentos para as guardas municipaes fossem feitos por concurso, como acontecia para o exercito e para a armada.
(O discurso será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.}
O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Não estou habilitado para dar ao illustre deputado informações claras e precisas a respeito dos factos a que s. exa. se referiu. O que lhe posso dizer é que tenho recommendado que haja sempre concursos.
E até ha uma portaria minha, do ministerio de 1879 e 1881, que ordenava ás repartições dependentes do ministerio do reino, para que houvesse concursos para todos os fornecimentos
É possivel que se tenham feita alguns fornecimentos sem serem por concurso, por se julgar que o caso de que se se tratava estava preceituado e admittido no regulamento de contabilidade. Vou pedir informações a este respeito, e posso afiançar desde já que, se não se tiverem observado todas as formalidades legaes em relação aos concursos, eu ordenarei que se proceda a concurso em todos os casos, salvo n'aquelles que o regulamento da contabilidade publica dispense.
Nào tenho presentes mais informações a respeito do assumpto a que s exa. se referiu, e só pelo commandante geral das guardas municipaes de Lisboa e Porto poderei dar mais algumas.
O sr. Hintze Ribeiro: - Pedi a palavra para fazer algumas perguntas ao sr. ministro do reino.
Desejava saber se s. exa. tem conhecimento da deliberação do governador civil do Ponta Delgada, que mandou fechar aquelle porto á exportação do milho, e se ella foi tomada com o consenso do governo.
Ha já muito tempo, que este meio violento tem sido posto em pratica quando aquellas auctoridades administrativas apraz, fundadas em motivos de conveniencia, publica, que hoje não têem rasão de ser.
Antigamente, que as communicações das ilhas dos Açores com a metropole e com o continente americano eram pouco frequentes e incertas, comprehende se que, para assegurar a subsistencia d'aquelles povos, cuja base fundamental é o milho, se empregasse tal meio, mas hoje que ha carreiras duas vezes por mez, e que alem d'isso muitos vapores fazem escala por aquellas ilhas, tanto da America, como da Inglaterra, não se justifica tal medida, que é uma verdadeira arbitrariedade com grave prejuizo para os agricultores.
Ainda quando os salarios eram baixos, e não excediam a 160 ou 200 réis, o agricultor, que tinha braços por baixo preço, ficava com margem sufficiente de remuneração para a sua industria e soffria de melhor grado este sacrificio, que visava á manutenção da tranquillidade publica, e bem estar das classes menos abastadas. Mas hoje, que têem tomado grande desenvolvimento outras culturas e especialmente a da batata doce, que exige serviços em oponhas marcadas, que coincidem geralmente com os d'aquella, os salarios têem triplicado, e d'ahi resulta que o agricultor de milho aufere pouco interesse paiz o seu producto; e se nem ao menos lho for licito dispor d'elle livremente e procurar mercado que melhor o compense do seu trabalho, como succede a todas as industrias, tal violencia será sempre mal recebida e levantará justas reclamações.
A consequencia será, necessariamente, a restricção d'esta cultura, e d'ahi a falta de emprego para um grande numero de braços
E preferivel é, sem duvida, ter os artigos de subsistencia mais caros, tendo os meios de os adquirir, do que por um preço baixo, sem a esse mesmo poderem chegar.
Esta medida foi tomada em fevereiro quando vinha longe a epocha em que a falta do milho se póde fazer sentir; e sobre tudo quando ainda havia tempo de sobra para prevenir qualquer eventualidade que porventura podesse vir a dar-se. Alem d'isso por informações que tenho por fidedignas, consta que a colheita foi suficientemente regular, e que a exportação de milho até áquella data não excedeu a 5.000 moios, quando em outras epochas tem sido de 10:000 ou 12:000 moios.
E deve tambem attender-se a que, em virtude do grande incremento da plantação da batata doce, a alimentação, tanto das pessoas, como dos animaes, se fazia hoje em boa parte com este artigo. Portanto não deve haver receio de que haja falta de meios de subsistencia ou fome n'aquella lha.
Ha, porém, uma circumstancia verdadeiramente extraordinaria, que é que, ao passo que se fecha o porto á exportação do milho, permitte-se ás fabricas distilladoras de alcool o queimal-o. Isto quando se receia a falta d'este genero e se prohibe ao agricultor poder dispor do producto do seu trabalho á sua vontade Em tal caso este artigo não devia ser destinado a outro fim que não fosse subsistencia publica; e nunca devia permittir-se, que uns lucrassem com o sacrificio e prejuizo de outros.
Peço, pois, ao sr. ministro do reino que ponha cobro a este abuso inqualificavel. (Apoiados.)
Por decreto de 4 de junho de 1886 foi prohibido ás auctoridades administrativas dos Açores isentar de direitos todo o cereal estrangeiro que ali desse entrada, como anteriormente succedia quando assim o julgavam de conveniencia, sem previa auctorisação do governo; identica deliberação entendo que deve ser tomada em relação a esto caso, e que de futuro se prohiba tambem aquellas auctoridades o poderem a seu livre arbitrio fechar o porto á exportação de milho sem consultarem o governo.
Tinha outro ponto sobre o qual desejava chamar a attenção do sr ministro das obras publicas. S. exa. não está presente; entretanto pedia ao sr. ministro do reino o favor de lh'o communicar.
Diz respeito aos empregados invalidos das obras do porto artificial de Ponta Delgada.
Quando essas obras estavam a cargo do estado, eram elles utilisados em diversas occupações, em harmonia com as faculdades physicas que lhes restavam, e d'ahi auferiam os meios para a sua manutenção; agora, porém, que, em virtude da deliberação tomada de as fazer concluir por empreitada, passaram a cargo de uma empreza particular
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correm o risco de ficarem ao desamparo. É certo que os novos empreiteiros, não tendo as mesmas responsabilidades, não lhes importará prover á sua sustentação e de suas familias, que assim ficam privados de recursos.
Chamo, pois, a attenção do sr. ministro das obras publicas para este assumpto, esperando que s. exa. dispensará a sua protecção a estes empregados, que se inutilisaram no serviço da nação.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano do Castro): - Quero dizer ao illustre deputado que ainda não tomei conhecimento da correspondencia official dos Açores vinda no ultimo paquete. Tomei nota das observações do illustre deputado a respeito da exportação do milho, e, se entender que é conveniente alterar a providencia tomada pelo governador civil de Ponta Delgada, não terei duvida em o aconselhar a que o faça
Quanto ao outro ponto tomei nota d'elle e darei Conhecimento ao sr. ministro das obras publicas das ponderações feitas pelo illustre deputado.
O sr Sousa e Silva: - Vi nos jornaes que ha poucos dias recebi dos Açores a noticia, transcripta de dois outros jornaes de Lisboa, de que, pela projectada divisão comarca, seria extincta a comarca da Povoação, e que esta medida era tomada de accordo com os deputados açorianos. A ser verdadeiro isto, cumpre-me declarar que, com quanto ache bastante extraordinario que sobre um assumpto que diz especialmente respeito ao distincto de Ponta Delgada, fossem consultados os deputados de outros districtos,- não porque não sejamos todos representantes do paiz, e não tenhamos iguaes direitos, mas porque esses cavalheiros não podem, certamente, estar tanto ao facto dos peculiares interesses das localidades com que não estão em tão intimo contacto como os que n'esta casa as representam; cumpre-me declarar, repito, pela parte que me toca, que não fui ouvido a similhante respeito, e, se o fosse, não poderia por fórma alguma ter concordado com a extincção d'aquella comarca, declaração esta que talvez eu estivesse dispensado de fazer, visto que já em 1881 aqui combati uma proposta para a desmembração d'ella
Sinto não ver presente o sr. ministro da justiça para conversar tambem com elle ácerca de um outro assumpto. Creou s. exa. dois julgados municipaes no districto de Ponta Delgada, um em Lagoa e outro em Nordeste, e mandou abrir concurso para os differente logares de juizes, sub delegados, etc. que lhes diziam respeito.
Preciso declarar, antes de tudo, que não sou contrario ao principio de tornar, quanto ser possa, accessivel a justiça aos povos; com o que não concordo, porém, é com o systema segundo pelo sr. ministro, indo crear julgados municipaes nas localidades menos ricas, sobrecarregando assim, com um augmento de contribuições para retribuição dos respectivos magistrados, os povos que em peiores condições se acham para as satisfazer, e tornando ao mesmo tempo difficilima a situação para os magistrados e officiaes de justiça na sé das comarcas.
Voltando, porem, ao ponto em que estava, direi que vamos individuos foram no concurso, e que em agosto do anno findo o sr. ministro da justiça nomeou todo o pessoal para o julgado de Lagoa, estando ainda por nomear até hoje o que diz respeito a Nordeste.
Vejo n'este facto uma desigualdade tal, que não posso explicar o que motivou a differença do procedimento do sr. ministro com relação a cada um dos dois julgados, e por isso sinto não ver s. exa. presente, porque esperaria que me dissesse a rasão por que desde agosto até hoje ainda não fez a nomeação do juiz e mais funccionarios para o julgado de Nordeste
Se s. exa. entendeu que a creação dos dois julgados era necessaria, não comprehendo porque ao mesmo tempo só nomeou o pessoal para um d'elles.
Sinto tambem não ver presente o sr. ministro das obras publicas, cuja attenção desejava chamar para duas representações que vieram do districto de Ponta Delgada, uma das quaes diz respeito ao cabo submarino para os Açores.
Apesar de s. exa. ter prorogado, segundo me consta, o praso para o lançamento do cabo submarino, ainda que essa prorogação não veiu publicada na folha official, comtudo creio que tal praso termina em junho ou julho do corrente anno.
Acabo de receber boas noticias com respeito á organisação da companhia para o lançamento e exploração do cubo; entretanto, póde ser que as esperanças da companhia se formar não se realisem, e por isso desejava perguntar ao sr. ministro das obras publicas se estava decidido a abrir concurso para se fundar uma companhia qualquer, á qual se desse garantia de juro para o estabelecimento do cabo para os Açores.
Tambem desejava ouvir s. exa. com respeito a outro pedido que lhe fez a junta geral de Ponta Delgada e que tem por fim a creação de uma escola pratica de agricultura, ou pelo menos uma estação chimico-agricola n'aquella cidade.
Como s. exa. não está presente, reservo-me para continuar as minhas considerações em outra occasião.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Na sessão do anno passado tomou o parlamento conhecimento de uma proposta de lei tendente a prover nas cadeiras dos lyceus os professores provisorios que satisfizessem as seguintes condições: terem mais de cinco annos de ensino nos institutos secundarios e que tivessem um curso superior.
Alem d'estas habilitações eram exigidas um parecer do conselho superior de instrucção publica e informações favoraveis dos conselhos dos lyceus.
Tudo isto habilitava o ministerio do reino a prover os professores provisorios nas cadeiras dos lyceus.
Este projecto foi votado pelo parlamento, sanccionado pelo Rei, e convertido em lei.
Esta lei era prescriptiva, porque marcava o dia 14 de novembro para que até essa data estarem feitas todas as nomeações.
O sr. ministro do reino procedeu ás nomeações dos professores dos institutos de instrucção secundaria do reino; mas, no uso da auctorisação de que fallava aquella lei, s. exa. fez uma excepção que eu não sei ainda explicar.
Espero, pois, de s. exa. a bondade de me dar algumas explicações a este respeito, porque, como dos documentos que pedi me não foram enviados alguns, por serem confidenciaes, eu não estou habilitado a fazer inteira justiça á maneira por que o sr. ministro do reino usou da auctorisação parlamentar
Eu tive o cuidado de verificar as nomeações feitas pelo sr. ministro do reino, e devo dizer que, por via de regra, estas nomeações dos professores provisorios foram realisadas seguindo se á risca as prescripções da lei votada no anno passado.
Abriu se, comtudo, uma excepção em desfavor de dois professores provisorios do lyceu da Guarda.
Antes de fazer a serie de considerações que tal facto me suggere, desejo saber as rasões que teve o sr. ministro do reino e presidente do conselho para não fazer similhantes nomeações.
Os professores de que se trata ensinavam, segundo os documentos que tenho presentes, no instituto da Guarda ha bastantes annos, tendo um já onze annos de regencia de cadeiras d'aquelle lyceu e outro mais de cinco.
Ambos eram bachareis formados, e por consequencia tinham um curso superior.
Ambos tinham boas informações do conselho escolar.
Devia ter havido portanto rasões ponderosissimas para que o sr. ministro do reino e presidente do concelho abrisse uma excepção em desfavor d'estes dois cavalheiros.
Esta excepção seria odiosissima, se não houvesse moti-
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vos fortissimos em que assentasse, porque teria então uma excepção, ad odium, que chegava a ser insultuosa.
Deviam ter sido ponderosissimas as rasões que actuaram no animo do sr. ministro do reino para proceder como procedeu.
Peço, pois, a s. exa. a fineza de me explicar as rasões que teve para não proceder a respeito d'estes dois professores como procedeu a respeito de todos os outros.
Das explicações que s. exa. me der reservo-me o direito de fazer a critica, se a camara permittir que eu use de novo da palavra.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Luciano de Castro): - A lei a que o illustre deputado se referiu dá auctorisação ao governo para elle ouvir os conselhos escolares e a fazer a nomeação dos professores que estejam n'umas certas condições, em harmonia com a lei; e para me habilitar a usar da auctorisação que a lei me dá, pedi as propostas dos conselhos escolares e as informações dos leitores dos lyceus. S. exa. foi o primeiro a affirmar, o que é verdade, que as nomeações foram todas feitas em harmonia com as propostas dos conselhos escolares, e com tanta isenção, imparcialidade politica o desassombro de quaesquer sentimentos partidarios eu procedi, na nomeação dos professores e no desempenho da auctorisação que as côrtes me tinham dado, que s. exa. não ignora de certo que um dos agraciados por mim foi um membro da actual opposição parlamentar, o sr. Jacinto Candido, que nomeei sem olhar á sua procedencia partidaria. No uso liberrimo do meu direito, podia deixar de o nomear, mas nomeei-o, porque entendia que fazia uma boa nomeação.
Não foi por favor a s. exa. foi porque eu entendi que, no desempenho da auctorisação que me tinha sido concedida pelas côrtes, devia fazer justiça ao seu merito e aos seus serviços
Mas isto digo eu apenas para provar que não me deixei inspirar por nenhum sentimento de aleivosia partidaria na nomearão dos professores.
No districto da Guarda não pude nomear os professores a que s. exa. se referiu, os quaes desejaria nomear, mesmo para que não podesse de maneira nenhuma suppor se que na escolha dos professores e no desempenho da auctorisação concedida pelas côrtes o governo se tinha deixado influenciar por algumas idéas de conveniencia partidaria; mas repito, não pude nomear esses professores, embora o desejasse. E certamente comprehende o illustre deputado, que as rasões para os não nomear deviam ser de muita força, para me obrigarem a não proceder como desejava. Ora, as rasões foram, e não podiam deixar de ser, as informações que me de a o reitor do lyceu.
O reitor era, auctoridade da minha confiança, membro d'esta camara, homem digno a todos os respeitos; as informações que me deu foram todas de mau e irregular serviço prestado por aquelles professores Em virtude d'essas informações, ou havia de demittir o reitor, se tivesse rasões para não acreditar que fossem verdadeiras, ou tinha de acceitar essas informações e não podia nomear esses professores. E peço a s. exa. que não se esqueça de que eu não era obrigado a nomear professores, eu o que tinha era uma auctorisação para nomear os professores que estivessem em certas e determinadas condições; ora, desde que essas condições não se davam, porque as informações que tinha do reitor eram desfavoráveis, não ás pessoas, mas ao serviço que tinham até ali prestado, a nomeação não podia realisar se.
Portanto, repito, em harmonia com a lei, entendi que não podia deixar de excluir aquelles professores, embora o fizesse com bastante custo.
E devo dizer a s. exa. que não foi esse o unico caso; não se fez uma excepção para Beja, esse facto deu-se em mais alguns districtos; se não me falha a memoria, creio que deixei tambem de nomear professores para Braga, para Bragança, e não sei se para mais alguns.
Em relação a Aveiro, tambem deixei de fazer a nomeação definitiva de um professor contra o qual se tinham formulado accusações graves, por parte da auctoridade superior administrativa do districto, e eu entendi que não devia fazer a nomeação definitiva sem mandar proceder a um inquerito rigoroso. Em virtude d'esse inquerito convenci-me que se não demonstrava sufficientemente a veracidade das accusações que se tinham feito áquelle professor em relação ao seu serviço; por isso declarei definitiva a nomeação.
Eis como procedi no uso da auctorisação.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Pedia a v. exa. a fineza de repetir o que disse com relação a Aveiro, porque não ouvi. V. exa. disse que mandará proceder a um inquerito.
O Orador: - Dizia eu que não tinha procedido em relação á Guarda da maneira que o illustre deputado disse. Disse que tinha nomeado igualmente um professor para Bragança e outro para Beja, e com relação a Aveiro tinha deixado de nomear definitivamente um professor, como consta do Diario do governo, contra o qual se tinham formulado algumas accusações, que fizeram impressão no meu espirito; mandei proceder a uma syndicancia e, não se tendo podido averiguar a completa exactidão das informações que tinham sido apresentadas na secretaria, entendi que devia declarar, como declarei, definitivamente nomeado esse professor. Isto tudo consta, do Diario ao governo. Escuso de dizer a s. exa. que o cavalheiro a que me referi milita e milita violentamente na opposição ao actual gabinete.
Procedi assim e citei o facto a s. exa. para lhe mostrar a isenção e a imparcialidade com que procedi no desempenho da auctorisação. Digo isto para que s. exa. se convença, tem relação no districto da Guarda, que, sem exautorar completamente ou demittir o reitor do lyceu, não podia proceder de maneira differente do que procedi.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - O sr. José de Azevedo Castello Branco pediu para que se consultasse a camara se lhe permittia usar da palavra em seguida ao sr. presidente do conselho.
Vozes: - Falle, falle.
Consultada a camara a decidiu que se concedesse a palavra ao sr. deputado.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Agradeço á camara o ter-me permittido que eu usasse da palavra.
Desejo tratar d'este assumpto da nomeação dos professores provisorios menos como uma questão politica do que como uma questão de moralidade na administração.
Eu previa já que o sr. presidente do conselho me respondia na questão da nomeação dos professores do lyceu da Guarda dizendo, em primeiro logar, que tinha apenas uma auctorisação na lei, de que podia usar ou não usar, e em segundo logar que teria de conformar-se com as informações de caracter confidencial que lhe desse o seu agente de confiança no lyceu da Guarda.
É facto que o artigo, da lei diz que o governo poderá nomear.
Mas eu, sabendo já os costumes da terra, perguntei ao sr. relator d'esse projecto se aquillo era uma auctorisação facultativa que concedia ao governo, ou se era uma obrigação restrictiva para todos os professores que estivessem n'aquellas condições serem nomeados.
Disse o sr. relator e affirmaram todos que isso se derivava do espirito da lei, que era facto que a maioria dava n'aquelle projecto uma auctorisação ao governo; mas desde que elle se servisse d'essa auctorisação corria-lhe o dever de usar d'ella com toda a imparcialidade.
Podia não nomear nenhum até esse praso, mas desde que nomeasse algum, havia de nomear os outros que estivessem em condições identicas.
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Por conseguinte, embora na letra da lei estivesse como que uma auctorisação concedida ao governo, o facto de o governo fazer uso d'essa auctorisação para nomear alguns professores, prescrevia-lhe a obrigação de ser, pelo menos, imparcial com os outros individuos que estivessem em identicas condições; deixava já de ser uma auctorisação; era uma obrigação imposta ao governo, desde que elle fazia uma nomeação.
Mas vejamos as condições dos individuos excluidos do lyceu da Guarda.
Eu tenho aqui presente a copia da acta da sessão extraordinaria do conselho escolar do lyceu da Guarda, e por ella, sem querer estar a cansar a attenção da camara com a leitura, se vê que ambos os professores eliminados tiveram, em votação por escrutinio secreto, votos favoraveis da maioria do conselho, com relação ao seu merito e serviços prestados no lyceu. O parecer do conselho superior na consulta feita na sessão permanente d'esse conselho nada diz, porque na copia que me foi enviada pelo ministerio do reino diz se:
(Leu.)
Se esta doutrina que deriva do parecer d'esta consulta, e que eu acabo de ver exposta pelo sr. ministro do reino, tivesse fóros de cidade, o que é que acontecia? É que a nomeação de professores provisorios ficava dependente dos governadores civis e dos agentes de confiança do governo, nas localidades onde existem esses conselhos. Até onde isto leva! Onde isto leva, sabe v. exa. sr. presidente, e sabe a camara.
Ninguem tem os seus direitos garantidos contra as animadversões e odios que nas pequenas localidades attingem sempre um grau exagerado.
Pelo parecer do conselho escolar do lyceu da Guarda, estes professores tinham bons serviços, e estavam aptos, para reger, como deviam, a sua cadeira. Um tinha mais de cinco annos de leccionamento, e outro já tinha onze annos de bom e effectivo ensino; e n'estas condições, vê-se que satisfaziam perfeitamente todas as condições exigidas na lei. Eram ambos bachareis formados, e por conseguinte tinham cursos superiores.
Só faltava terem a benevolencia do reitor, segundo a doutrina do sr. ministro do reino.
Mas o sr. José Luciano de Castros, que nos affirmou que lançou mão da auctorisação, e que foi até ao ponto de nomear um individuo que milita nas fileiras da opposição parlamentar, que é aliás um óptimo professor, de quem tive a honra de ser collega no lyceu de Angra do Heroismo, não se serviu do unico expediente de que deveria servir-se; desde que havia accusações contra um professor, devia averiguar até que ponto n'essas accusações poderia entrar o espirito de animadversão, contra os membros da corporação do lyceu da Guarda. Se no caso que s. exa. nos contou do individuo de Aveiro, mandoou proceder a um rigoroso inquerito, pelo qual pôde verificar que não eram exactas as informações, que lhe deu o seu agente de confiança, por que rasão s. exa. não procedeu de igual fórma com relação aos professores do lyceu da Guarda?
Não posso auctorisar com o meu voto, nem com a minha opinião, se tivesse alguma auctoridade no assumpto, a circumstancia de deixar dependentes as nomeações dos professores provisorios de informações confidenciaes dos reitores, e como membro do parlamento, eu não posso, com o meu silencio, auctorisar o facto de se não mandarem para aqui os documentos que se pedem, ainda quando tenham caracter confidencial.
Se as informações dadas pelo reitor do lyceu da Guarda foram sufficientes para levar ao espirito do sr. presidente do conselho a convicção de que não devia nomear aquelles cavalheiros, constituem um documento precioso, que deve ser apresentado á camara; porque, se ella tem direito de fiscalisar os actos do governo, tem direito de ver os documentos sobre os quaes o governo fundamenta esses actos.
Como é que eu posso fiscalisar a acção governativa do sr. ministro do reino, se elle me sonega um documento precioso? (Apoiados.} Para um deputado não ha documentos confidenciaes, senão os documentos diplomaticos, quando sobre elles haja negociações pendentes. De outro modo o parlamento não tem maneira de verificar nem de fiscalisar a acção do governo, porque o governo reserva para si o direito de dizer que os documentos são confidenciaes e que portanto não póde communical-os á camara.
Mas esse documento, que teve tanto valor para o sr. presidente do conselho, não póde ter no caso sujeito valor nenhum para o parlamento; e eu vou dizer porque. Se o reitor do lyceu da Guarda fosse uma individualidade sem politica, fosse um individuo afastado inteiramente de politica, e cujo procedimento estivesse portanto absolutamente isento de suspeitas de parcialidade ou interesse partidario, eu ainda comprehendia que se desse uma grande importancia a essas informações, e não teria nada a dizer. Mas aquelle cavalheiro milita na politica, é nosso collega aqui, e lamento profundamente não o ver n'esta casa, n'este momento, porque lhe dizia isto mesmo.
Por outro lado, os dois individuos não nomeados militam em politica oppostas Muito escrupulo devia, pois, ter o sr. presidente do conselho em fazer obra pelas informações do reitor, desde que ellas versavam sobre o procedimento de dois individuos que eram desaffectos e membros importantes do partido regenerador da Guarda.
Sei mais que se fizeram a um dos cavalheiros offerecimentos valiosos, para conservar se em frente do governo em uma attitude benevolente.
Que valor moral póde ter o documento em virtude do qual o sr. presidente do conselho entendeu dever excluir aquelles dois professores?
Não se póde admittir por fórma nenhuma a doutrina de que individuos, representando n'um momento a confiança do governo, possam dar sobre a maneira como outro indivíduo exerce as funcções publicas, uma opinião qualquer que habilite o governo a defender-se com um documento, sem que a camara tenha o direito de conhecer esses documentos. O contrario é absurdo. (Apoiados )
Sr. presidente, ainda o sr. presidente do conselho alludiu a outra informação, e essa informação é do sr. governador civil...
(Interrupção do sr. ministro do reino )
Tem v. exa. rasão. Não se refere este documento a nenhum officio confidencial sobre o assumpto do sr. governador civil da Guarda, como por engano suppuz. Mas vou dizer, que não quero que fique suspeita a respeito do que ia a dizer sobre o caracter do sr. governador civil da Guarda. Devo dizer que tenho pelo sr. governador civil toda a consideração que se póde ter por um homem com quem se tem relações de amisade, como eu tenho.
Por conseguinte, não queria aventar, com relação ao sr. governador civil da Guarda, uma unica palavra em desabono do seu caracter, que acho distincto. (Apoiados.) Posso, por umas circumstancias, mesmo ás vezes independentes da minha vontade, estar em desaccordo com s. exa. nas cousas do districto; póde ser que uma certa ordem de actos praticados por s. exa. me não mereça a minha adhesão, mas isso nada tem com a homenagem que presto ao seu caracter.
Sr. presidente, esta discussão não serve de maneira nenhuma, tenho a certeza d'isso, para fazer reconsiderar o sr. ministro do reino no mau uso que fez da auctorisação, quando nomeou os professores do lyceu da Guarda, nem espero que s. exa. proceda a um inquerito, como entendo que devia fazer; mas serve para outro fim. Serve para que por uma vez se assente, e era conveniente que o parlamento sobre isso tomasse uma decisão, para que se assente que o governo não póde de fórma nenhuma furtar ao exame da camara documentos, ainda quando supponha esses documentos de caracter confidencial. (Apoiados.)
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Repito, se o sr. presidente do conselho não argumentasse com as informações do seu reitor, não teria de fórma nenhuma motivo para lhe pedir que mostrasse esses documentos; mas, desde que o sr. presidente do conselho vem aqui declarar que não tinha contra esses professores motivo nenhum de desfavor, que reconhece que um dos professores tem serviço superior a cinco annos, e o outro ensina ha onze, que as informações escolares são em ambos os casos favoraveis, mas que tinha na mão um documento confidencial, que não póde mandar á camara, que é a informação dada pelo, reitor do lyceu da Guarda, que diz d'esse individuo cousas desagradaveis, entendo em, minha consciencia que não posso deixar, de pedir a s. exa. que mostre á camara esse documento, cujo valor não tratou de inquirir, furtando á camara o direito ou a possibilidade de examinar tal documento, que a final póde ser menos exacto e inspirado no desejo de prejudicar.
Note s. exa. que a circumstancia de ser confidencial é uma aggravante, (Apoiados) porque eu ainda comprehendia que se podesse dizer: «Entendi que este professor não servia» desde que o documento que se dizia o podesse estar sujeito á fiscalisação de outrem. Mas dizer isto n'um documento de caracter reservado, sabendo que este documento não tem controle!.
Quem afiança ao parlamento que esse individuo fallava; a verdade? Ninguem. Por maior que seja o respeito que se tenha pelas pessoas, não se póde dar pela palavra d'ellas em materia tão melindrosa. (Apoiados.)
É preciso ter muito cuidado com factos d'esta natureza. Desde que eu, vou reconhecendo que todos os dias as paixões politicas mais ou menos intervém nas cousas da administração publica d'este paiz, é preciso ter muito cuidado, e sobre tudo é preciso que cada um ao dizer dos outros, e em assumptos de que derivam ás vezes consequencias de muitissima gravidade, se lembre de que póde haver alguem que o chame á autoria pelas declarações que faz. (Apoiados.)
Mas n'essas condições, n'um documento de similhante caracter, como que um recado dado ou ouvido, e sem valor, a camara, por fórma alguma póde acceitar como boa doutrina a nomeação d'esse professor baseada era similhante documento. (Apoiados.)
Póde v. exa. ter a certeza de que, se porventura por uma lei absurda do acaso, eu tivesse força para annullar ou para validar a decisão do sr. presidente do conselho, não seria sobre esse documento que eu basearia o meu procedimento, mas sim sobre um inquerito rigoroso ácerca os factos ali allegados, para depois poder ter toda a auctoridade de dizer ao parlamento:
«O inquerito deu isto. Eu não quiz dar todo o valor que merecia esse documento pela confiança que tinha no individuo que o fez e por isso mandei proceder a um inquerito.»
N'esse caso eu nada teria a dizer, mas assim resta-me o direito de suspeitar de tudo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Não desejo alongar esta discussão, mas não posso deixar de dar algumas explicações ao illustre deputado.
Eu disse, e repito, que a lei em que me fundei para fazer o despacho a que s. exa. alludiu dá uma auctorisação ao governo.
Essa auctorisação é limitada a certas condições, e realisadas ellas o governo póde fazer ou deixar de fazer, o despacho conforme entender. (Apoiados.)
Se o governo tivesse obrigação de fazer o despacho, dadas as circumstancias a que s. exa. se referiu, então não era uma auctorisação, era uma lei que impunha ao governo um preceito que elle havia de cumprir.
Exactamente por não ser uma lei preceptiva, podia despachar, ou deixar do despachar, em vista das informações que obtive. (Apoiados.)
Disse s. exa. que eu fizera obra pelas informações do governador civil.
Não é exacto. Provei a s. exa. que não fiz obra por taes informações, e tanto assim que em Aveiro mandei proceder a um inquerito precisamente porque as informações que me eram dadas não partiam do reitor do lyceu, e na Guarda, onde a informação me era dada por parte da auctoridade escolar competente, pelo reitor do lyceu, eu entendi que não precisava mandar proceder a um inquerito, porque o inquerito, qualquer que elle fosse, não podia assentar senão na desconfiança das informações que me dava a auctoridade incumbida pela lei de dar informações sobre assumptos escolares.
Em Aveiro a auctoridade não era propriamente a escolar, e o reitor não estava de accordo com esta informação; e na Guarda, pelo contrario, não havia nada que contestasse-as informações do reitor.
O reitor dava me informações, e eu não me guiei por informações de factos da vida particular, mas por faltas de serviço comprovadas pelo registo official.
E em harmonia com estas informações comprovadas com o registo official é que eu entendi que devia proceder, como procedi. (Apoiados.)
Estranhou tambem o illustre deputado que eu mandasse dizer officialmente á camara que não enviava qualquer informação que eu tivesse tido presente por, ser confidencial.
Eu sustento esta doutrina em face do illustre deputado e não em frente da camara.
Se o illustre deputado provocar uma resolução da camara, e ella resolver que o governo mande á camara qualquer informação, eu cumpro a resolução da camara; mas hei de dizer as rasões da conveniencia publica que-me determinam a não fornecer estes esclarecimentos, e declino na camara a responsabilidade dos inconvenientes que possam provir para o serviço publico da publicidade inconveniente dada a certas informações. (Apoiados.)
S. exa. sabe que, se os agentes de confiança do governo, ao darem-lhe informações confidenciaes, virem que ellas são publicadas, é evidente que elles, não tendo a liberdade de opinião e a independencia necessaria para poderem informar o governo convenientemente, hão de restringir-se nas informações que tiverem de dar ao governo privando-o assim dos elementos indispensaveis para proceder convenientemente. (Apoiados.)
Mas já disse que entendi que não devia estabelecer o precedente de mandar á camara, a requerimento do illustre deputado, informações confidenciaes, que eu julgo inconveniente que sejam entregues á publicidade. Se a camara, porem, resolver por qualquer motivo, depois de expostas as considerações que eu acabo de fazer, mandar pedir ao governo esta ou outra qualquer informação confidencial, eu declino a minha responsabilidade e cumpro a resolução da camara.
O illustre deputado alludiu tambem a offerecimentos particulares que foram feitos a um dos professores, a que s. exa. se referiu.
Eu não digo que taes offerecimentos fossem feitos, mas sou absolutamente estranho a elles.
Declaro a s. exa. que não os fiz nem os auctorisei. Não me atrevo a negar o que s. exa. acaba de dizer á camara, porque não tenho elementos para isso; mas o que posso assegurar é que nem fiz esses offerecimentos nem os auctorisei.
Eram estas as informações que tinha a dar ao illustre deputado.
O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Pedia a v. exa. que consultasse a camara sobre se me permitte que use da palavra. Levarei poucos minutos.
Vozes: - Falle, falle.
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O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara tem v. exa. a palavra.
O sr José de Azevedo Castello Branco: - Agradeço á camara o ter me concedido a palavra, porque não desejava renovar este assumpto em outra occasião.
Desde que o sr. presidente do conselho começa por declarar á camara a sua opinião de que acha inconveniente em remetter ao parlamento os documentos confidenciaes, eu tenho já pratica sufficiente do parlamento, do conhecimento seguro do que são em geral as maiorias, sem offensa para esta, para caber que me devo dispensar de pedir á camara uma resolução sobre isso, porque ella, de certo, cobriria a opinião do sr. presidente do conselho.
Declarou s. exa. que causaria uma grande perturbação na administração o saberem os agentes do governo que os seus documentos de caracter reservado poderiam ter a possibilidade de serem verificados por parte do parlamento. Isto lhes restringeria a liberdade; é de todas as declarações de s. exa. a mais monstruosa. (Apoiados)
O que quer s. exa.? Quer converter os reitores dos lyceus em agentes de confiança do governo, em agentes de policia secreta, em membros do santo officio, que inspirem ao governo todas as violencias que porventura ao espirito d'elles houver acudido?
Se s. exa. ámanhã, no uso, ou no abuso do seu direito, entender dever prejudicar um inimigo politico, pede ao seu agente de confiança que lhe mande um documento confidencial, e com elle vem dizer ao parlamento: tenho um documento aqui, confidencial, que não posso apresentar ao parlamento, para que o fiscalise, por inconveniente, e em virtude d'esse documento procedi d'este ou d'aquelle modo Mas isto é praticar a maior e a mais abstrusa das violencias. (Apoiados.}
Diz s. exa. que, só a camara resolver, manda o documento. Eu dispenso a camara de resolver isso. Não quero essa violencia ao coração bondosissimo da maioria. Contento-me com a declaração já feita pelo governo.
Utilisar-se meramente da lei para beneficiar os seus amigos politicos e para excluir dois cavalheiros do lyceu, apenas por informações do reitor, é um abuso, que qualquer camara, menos eivada de facciosismo, não iria sanccionar. (Apoiados) E s. exa. não teve outra rasão senão o documento confidencial do reitor do lyceu da Guarda. Do valor que pôde ter esse documento avalie a camara, desde que esse individuo representa uma das fracções politicas em guerra aberta e insistente contra estes cavalheiros.
Diz-nos s. exa. que aã condições em que esses individuos estavam com relação ao do lyceu de Aveiro eram differentes.
Com relação a Aveiro procedeu a um inquerito, não se contentando com as informações que lhe dava o seu agente, o agente da sua policia secreta.
Com relação a estes não entendeu proceder do mesmo modo, porque as condições em que estes individuos estavam o auctorisava a fazer obra pelas informações do reitor do lyceu.
Mandou proceder a um inquerito e reconheceu que o seu agente, n'um documento ainda reservado o tinha illudido, e viu-se na necessidade de proceder depois á nomeação do professor em questão.
Com relação porém a estes, não procedeu a inquerito, satisfez se com as informações do reitor do lyceu da Guarda, porque as condições eram outras.
Ora as condições são estas:
(Leu.)
Quer dizer: estes cavalheiros que votaram listas brancas, um dos quaes era o relator, não se animaram em escrutinio secreto a dizer que era mau serviço votarem listas brancas.
Eu sei perfeitamente, mas não quero dizer a rasão por que isto se fez.
Mas d'esta individuo, contra o qual se votaram listas brancas, teve um voto de muito bom serviço, e tres de bom serviço, e com relação ao outro, ao sr. Aureliano, houve tres votos de bom serviço, um de sufficiente e duas listas brancas. Quer dizer, no escrutinio secreto ha a negação de uma opinião, mas não ha especificada a opinião contraria a este individuo (Apoiados.)
Pois, senhores, contra este individuo que tem um voto de muito bom serviço, tres de bom serviço e duas listas brancas, que é bacharel formado e que é ha onze annos professor, e professor distincto, prevalece a opinião do reitor do lyceu da Guarda, exposta confidencialmente e de modo que o sr. presidente do concelho não quer mandar á camara, tendo o cuidado de dizer que acha perigoso que ella seja mandada. (Apoiados.) Isto está sufficientemente commentado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
ORDEM D0 DIA
Discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa
O sr. Presidente: - Vae ler se a proposta mandada hontem para a mesa pelo sr. Lopo Vaz.
Ê a seguinte:
Proposta
Proponho que o primeiro paragrapho seja substituido pelo seguinte:
«A camara dos deputados da nação portugueza felicita-se com o paiz pelas melhoras de saude de Vossa Magestade, e associa-se aos votos formulados em nome de Vossa Magestade pela prosperidade do paiz e pela utilidade dos trabalhos parlamentares da presente sessão legislativa. = Lopo Vaz».
Foi admittida á discussão.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - (O discurso será publicado, em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Marçal Pacheco: - Começo por declarar a v. exa. e á camará, em nome dos amigos politicos do eminente estadista, o sr. Barjona de Freitas, e em meu pro proprio nome, que, nem elles nem eu, discutimos o projecto de resposta no discurso da corôa.
Abstemo-nos de discutir este documento, submettido á apreciação parlamentar, não porque elle não contenha factos, principios e idéas que merecem mais de um reparo, mas porque o considerâmos como expressão de meros cumprimentos ao augusto chefe de estado.
É com esta significação que votâmos o projecto que se discute.
E, votando com esta significação, por minha parte envio para a mesa uma proposta, que constitue a minha moção de ordem e diz assim:
«Proponho que ao projecto de resposta ao discurso da corôa se acrescente, e onde mais cabimento tenha, o seguinte periodo:
«Senhor. - A camara lamenta profundamente que a real familia de Vossa Magestade ficasse enlutada com o fallecimento da Serenissima Infanta D. Maria, filha de Suas Altezas Reaes, os senhores duques de Bragança.»
Sr. presidente, não me faço cargo de justificar esta proposta, que em si mesma não é mais do que um testemunho de justa defferencia para com o augusto chefe do estado.
V. exa., que é um espirito primorosamente delicado, (Muitos apoiados.} e que pelo seu caracter e cavalheirismo se impõe á consideração de todos nós, (Muitos apoiados} comprehende quo a cortezia não consiste sómente na manifeitação de cumprimentos por acontecimentos agradaveis e felizes Na expressão do pezar que nos causam as ma-
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goas e contrariedades alheias, não residem menos as provas do nosso affecto e consideração. (Apoiados.)
E feita esta declaração e esta proposta, eu podia terminar aqui, reservando me apreciar os differentes actos do governo, em discussões especiaes. Mas acaba o nobre presidente de conselho de fazer affirmações e expor idéas que carecem de prompta resposta. Por isso tomarei por mais alguns momentos a attenção da camara.
O nobre presidente do conselho, empunhando o seu oculo de generalissimo e observando a disposição das tropas da opposição, descobriu o posto de general no sr. Lopo Vaz, e o de tambor-mór no sr. Dias Ferreira.
Em seguida estranhou que a opposição não tratasse, desde já, a questão de fazenda, e não investisse immediatamente com o sr. Marianno de Carvalho.
S. exa. quiz assim mostrar á camara que, visto distribuir o papel de tambor-mór ao sr. Dias Ferreira, devia, a opposição distribuir o papel de caixa de rufo ao sr. Marianno de Carvalho. (Riso)
Se eu aqui estivesse para satisfazer os desejos do sr. presidente do conselho, talvez me resolvesse a isso, mas como s. exa. mostra empenho em que se não discutam os tumultos, a agitação publica e o descontentamento que se estão produzindo no paiz, é, justamente, por esse motivo, que eu vou discutir este assumpto e liquidar as respectivas responsabilidades do governo.
Sr. presidente, já houve n'esta casa quem affirmasse que preferia a ordem á liberdade, e já tem havido tambem quem tenha affirmado que prefere a liberdade á ordem.
Eu preciso dizer a v. exa. que não perfilho, nem partilho nenhuma d'estas preferencias. Por convicção e sentimento, o meu credo politico é o da ordem com liberdade, ou o da liberdade com ordem, que o mesmo é e o mesmo vale.
Sou liberal e sou conservador. Sou revolucionario e sou tradicionalista. Sou liberal e revolucionario em presença de qualquer despotismo ou tyrannia, venham donde vierem, partam d'onde partirem. Sou conservador ferrenho e tradicionalista intransigente em face da anarchia brutal da igualdade niveladora, que equipara o merito ao demerito, a virtude ao vicio, a ociosidade ao trabalho (Apoiados.) Estas idéas que estão radicadas no meu espirito, não são de hoje nem de hontem, vem de longe e já não mudam.
Conformemente com estas idéas, entendo que é um dever civico e uma indicação obvia e immediata do bom senso, para todo o homem publico, propugnar pela manutenção da ordem publica, sempre que ella não é alterada por motivos excepcionalmente necessarios.
E, affirmando este dever, eu quero, tambem e desde já, affirmar que é minha opinião que a manutenção á a ordem publica se consegue, menos, pelo emprego dá força armada do que pelo bom nome, pela dignidade moral e pelo prestigio do poder. (Apoiados)
Tem havido graves perturbações da ordem publica no paiz, é innegavel Evidentemente lavra uma funda agitação que se manifesta por frequentes representações ao augusto chefe do estado, que se manifesta nos comicios, na imprensa, na opinião publica e nas duas casas do parlamento.
Ninguem pôde illudir se ácerca do enorme descontentamento que excita as populações do reino. (Muitos apoiados:).
Disse, ha pouco, o nobre presidente do Conselho que não via onde estava essa agitação; negava-a, acrescentando que facto algum existia, da responsabilidade do governo, que lhe desse origem. Oh sr. presidente! O nobre presidente do conselho, quando na mesma discussão se não contradiz mais de uma vez, é porque tem a certeza de ter deixado, poucos dias antes, em alguma outra parte, a prova provada das suas contradicções. (Apoiados.)
De contradizer-se é que não prescinde. Habitos velhos. (Apoiados.)
Não na muitos dias, na sessão de 7 de fevereiro, perguntava alguem ao nobre presidente de conselho, na camara dos dignos pares, pelas suas responsabilidades politicas, ligadas á existencia da agitação e do descontentamento do paiz.
Quer a camara saber como o nobre presidente do conselho respondia?
Eis as suas palavras:
«Referiu-se o digno par tambem á agitação do paiz, e parece-me que s. exa. deu por averiguado que effectivamente havia maior ou menor excitação, um certo descontentamento, que qualificou de mal-estar.
«Acredito que esse descontentamento, esse mal-estar exista. Para que negal-o?
«Mas creio tambem que é devido a causas geraes que não tão da responsabilidade exclusiva d'este governo, mas sim de todos. (Apoiados.}
«Que haja um certo descontentamento, um Certo mal estar, não posso negal o; mas que haja, no paiz agitação no momento em que estou fallando á camara, ou qualquer perturbação da ordem, posse affirmar a s. exa., sem receio de ser desmentido, que não ha, que o paiz está socegado.
«Mas deduzir d'aqui que o paiz está contente, que está alegre com a sua, sorte, que está cheio de confiança no futuro, não posso dizel-o a s. exa.»
Aqui está o que o nobre presidente dizia ainda ha bem poucos dias, na outra casa do parlamento! E agora vem, cheio de coragem, cheio de um altivo convencimento de si proprio e exclama: «Onde está a agitação! Eu não a vejo em parte alguma.» Ha menos de um mez, dizia s exa., na outra casa do parlamento, que não podia negar a existencia d'essa agitação no paiz! (Apoiados.) Extraordinario! Mas, sr. presidente, quando não houvesse nas proprias palavras do nobre presidente do conselho a confissão da existencia da agitação e do descontentamento que lavram no reino, havia-a na imprensa ministerial, na imprensa que apoia o nobre presidente do conselho e o gabinete a que preside. (Apoiados.)
Pois não é a propria imprensa ministerial que todos os dias repete e assevera que existe uma larga agitação e um profundo descontentamento? (Apoiados.), Tem-se, é certo, attribuido esse estado a causas alheias á responsabilidade do ministro, mas tem-se confessado, mas tem-se reconhecído a existencia d'essa agitação. (Apoiados.)
Pois o nobre presidente do conselho, tratando de justificar o emprego da força armada para reprimir os tumultos, não confessa, ipso facto, a existencia d'esses tumultos? (Muitos apoiados.)
Do que se trata, e é este o ponto à dirimir, é se, dada esta agitação, dado este descontentamento, dadas as perturbações de ordem publica, é realmente o governo responsavel por esta deploravel situação. (Apoiados.)
E sobre este assumpto, como, em todos, querendo ser justo e imparcial, devo dizer a v. exa. e á camara, que a minha convicção é que a deploravel situação em que nos encontrâmos não é exclusivamente filha do gabinete que, hoje se senta n'aquellas cadeiras Ha quatro annos, em 1884, n'esta mesma casa e n'este mesmo logar, em frente de um gabinete, procedido do velho e grande partido regenerador, dizia eu as seguintes palavras que peço licença a camara para ler:
«Diga se a verdade, o paiz atravessa uma crise economica, assustadora e perigosa. Nós somos um paiz que tem adquirido e vae adquirindo todas as necessidades e costumes de um povo adiantado, e, todavia, não produz correspondentemente a essas necessidades. Costumâmos dizer que o thesouro está pobre e o paiz está rico. Divirjo profundamente d'esta opinião. O thesouro está pobre e o paiz está pobrissimo, porque tem um grande deficit de producção. A nossa agricultura arrasta-se por entre processos morosos, velhos e rotineiros. A nossa industria começa por
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assim dizer, a soletrar o abcedario dos processos modernos dos paizes cultos. O nosso commercio quasi se alimenta exclusivamente da permutação de productos estrangeiros.
«Digamos a verdade toda. Vivemos, n'outras epochas, á, custa das nossas conquistas, das especiarias da India, do oiro do Brazil, e sobretudo á custa da grande differença que havia entre as nossas acquisições e as nossas necessidades; acquisições que eram muitas, e necessidades que eram limitadas. Mais tarde o deficit da producção foi supprido pela venda dos bens das corporações de mão morta e pela alludialidade dos bens vinculados. Hoje vivemos quasi exclusivamente dos recursos do nosso trabalho, e o nosso trabalho pouco adiantado, pouco activo, pouco intelligente, pouco protegido pelo poder central, é esmagado terrivelmente pela concorrencia do trabalho estrangeiro. A riqueza de uma nação não se afere pelos seus caminhos de ferro, pelas suas estradas, pelos seus telegraphos, pelos seus correios, pela sua marinha ou pelo seu exercito. O verdadeiro thermometro que accusa a riqueza ou a pobreza de um paiz, é o confronto entre a sua producção e o seu consumo. Ora, nós temos um deficit extraordinario de producção: quasi que importâmos tudo quanto consumimos, e a exportação reduz-se, ainda, mercê do Deus, a alguns vinhos, a algum gado, algum minerio, e poucos mais generos de pouca importancia. Por consequencia, na minha opinião, do que o paiz carece não é da carta reformada, é da reorganisação do trabalho nacional.»
Estas palavras não foram então ouvidas com agrado, o que, diga se de passagem, nada me preoccupou, porque então, como agora, não me preoccupam as responsabilidades, quaesquer que sejam, que se derivem do cumprimento do meu dever, ou da enunciação liberrima das minhas opiniões.
Quem assim fallava, quem assim pensava, não póde vir agora, coherentemente o com justiça, attribuir exclusivamente ao actual governo a responsabilidade da situação melindrosa e agitada existente, quando essa situação é, no meu entender, devida em parte á dolorosa crise economica que afflige o paiz.
Mas, se não posso accusar o governo exclusivamente, pela desgraçada situação em que nos encontrâmos, accuso-o, e aqui começam as minhas profundas divergencias do nobre presidente do conselho, por ser o seu principalissimo auctor.
O ministerio não só não tem combatido a crise economica, com efficacia e energia, como era do seu dever, mas tem-n'a aggravado com actos e factos da sua inteira responsabilidade. (Apoiados.}
Com relação á questão economica, isto é, com relação á agricultura, á industria, ás artes e ao commercio, fontes primarias de toda a riqueza de um paiz, de todo o trabalho nacional, o governo nada tem feito, ou apenas tem feito reformas de caracter burocratico e doutrinario com destino exclusivo á congrua sustentação de amigos e partidarios e em prejuizo das receitas do tbesouro. (Muitos apoiados.)
Tem-se talvez trabalhado, não o nego, mas as providencias publicadas revestem todas um caracter de tal modo doutrinario e theorico, que menos são reformas para o presente do que para o futuro: (Apoiados.) uma especie de musica de Wagner. (Apoiados. - Riso)
Com relação á marcha politica e administrativa do governo, os erros e as imprudencias começaram desde o primeiro dia e têem-se amontoado successivamente n'um crescendo progressivo que, com rasão, lhe tem alienado as sympathias não só dos adversarios, dos imparciaes e dos indifferentes, mas tambem e até a dos proprios amigos. (Apoiados.) E digo com rasão, porque tão os actos e factos do governo, de sua unica e inteira responsabilidade, que explicam a situação de fraqueza em que se encontra.
Bastará enumerar alguns d'esses actos o factos, para adduzir outras tantas provas d'esta affirmação.
O governo começou a sua vida por uma larga dictadura, e de dictadura tem usado e abusado incessantemente. (Apoiados.) A dictadura tem n'o enfraquecido, quer considerada era si mesma, quer considerada nos seus resultados. (Apoiados.)
A dictadura representa sempre, para quem a emprega, um necessario despendio de força politica, porque, como o governo que a faz, se colloca fóra das leis, é claro que fica sem auctoridade para compellir os cidadãos a entrarem na orbita da legalidade, uma vez saídos fóra d'ella. (Apoiados.)
Quando um cidadão é accusado por ter attentado contra a lei, acode logo a defendel-o a circumstancia favoravel e altamente sympathica de não ser justo nem equitativo que o mande punir o governo, quando o governo commetteu o mesmo attentado que o delinquente. (Apoiados.)
É esta feição, porventura, a mais inconveniente e perigosa das dictaduras.
Não a tem meditado sufficientemente o governo e, por não a ter meditado sufficientemente, é que se encontra hoje a braços com difficuldades que, na sua cegueira, mal sabe explicar, mas que são apenas as consequencias obrigadas do seu procedimento tumultuario e irreflectido. (Apoiados )
E depois, quaes foram os principaes decretos d'essa dictadura?
Sem duvida alguma, a reforma administrativa e a creação dos julgados municipaes.
Sob color, sob pretexto de reorganisar algumas instituições districtaes e municipaes, o nobre presidente do conselho creou os tribunaes administrativos em todo o paiz: uma verdadeira fabrica de conegos seculares. Estes conegos custam caro, e quem os paga são os contribuintes dos districtos. Ora, os contribuintes, digam o que disserem os economistas, não se sujeitam ao imposto, pela necessidade do imposto. A unica cousa que justifica o imposto aos olhos do contribuinte é a sua finalidade, é a sua applicação, claramente justa, genuinamente legitima.
E legitima não é nem pôde ser, a creação de tribunaes administrativos, com caracter collectivo, com organição judiciaria, de primeira instancia, n'um paiz como o nosso, aonde não ha tribunaes collectivos de primeira instancia, para julgar dos actos da vida civil do cidadão, sem duvida nenhuma, de mais importancia do que os actos de mera administração.
E legitima não é, nem póde ser, a creação de tribunaes administrativos, com caracter collectivo e organisação judiciaria, de primeira instancia, quando a segunda instancia d'esses tribunaes é constituida pela livre escola dos governos e exercida quasi sempre, para não dizer sempre, entre os seus partidarios e apaniguados.
Emquanto todas estas bellezas se escrevem no papel para constituirem a gloria do festejado reformador, o paiz não reclamou, deixou passar.
Agora que o governo, por meio dos addicionaes, lhe pede as despezas da festa, agora o paiz reclama e chegam agora ao paiz os angustiosos momentos, as terriveis amarguras, as dolorosas contrariedades que aos povos, como aos individuos, traz sempre o triste quarto de hora de Rabelais. (Apoiados.)
Os julgados municipaes produzem exactamente as mesmas consequencias e são, portanto, uma das causas da agitação e do descontentamento que ha no paiz. (Apoiados.)
Os povos receberam-nos, é certo, com demonstrações de alegria e até enthusiasmo, mas foi sómente emquanto os consideraram como uma satisfação do seu desejo de terem justiça ao pé da porta, mas agora, que chega o momento de pagar, mudam as cousas de aspecto. Os municipios, onde foram instituidos os julgados municipaes, sendo, em regra geral, os mais pobres, vêem-se, agora, a braços com as difficuldades provenientes do augmento extraordinario da contribuição municipal, (Apoiados.)
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Por outro lado, os pobres municipios onde estão constituidos os julgados municipaes, observam que nas comarcas vizinhas, por via de regra, mais ricas, o poder central é quem paga aos juizes e aos delegados, emquanto que elles, mais pobres, é que pagam aos juizes municipaes e aos respectivos sub-delegados. (Apoiados)
Ora, estes encargos e esta desigualdade, tão iniqua como revoltante, converteram, como não podiam deixar de converter, as alegrias do primeiro momento, em excitação e em desgosto. (Apoiados.)
Queria o sr. ministro da justiça deferir ás reclamações dos povos, com respeito a circumscripção comarca?
Desejava s exa., por este motivo, fazer uma revisão na circumscripção comarca? Fizesse-a muito embora. Mas fizesse-a, tendo em attenção os interesses geraes do paiz.
O que se não comprehende, o que se não legitima é esta reforma minuscula de julgadosinhos a retalho, aos esguichos, ao sabor c capricho das peixões e pretensões dos mandões eleitoraes. O resultado ahi está.
Um outro facto, da responsabilidade do governo, que tem desgostado o paiz, o que, em parte, explica a sua agitação e o seu descontentamento, é a attitude mais do que incorrecta, reprehensivel, (Apoiados) em que o governo se tem Collocado em face da imprensa periódica, (Apoiados.)
O governo, nem tem sabido manter a liberdade da imprensa, nem tem sabido cohibir o seus abusos, puniveis pelas leis. (Apoiados)
Em Braga, em Villa Real, em Mafra e n'outros pontos do paiz, a liberdade da imprensa tem sido atacada violentamente e á mão armada. (Apoiados.}
Que fez o governo? Cruzou os braços. Deixou fazer, se é que não ajudou, a praticar a execução d'esses attentados inauditos, d'esses desaforos nunca vistos, que são a vergonha e a deshonra de um paiz civilisado. (Muitos apoiados)
Por outro lado e a despeito da famosa e celebre circular do sr. ministro da justiça, uma parte da imprensa de Lisboa e Porto, em linguagem desbragada e licenciosa, injuria e diffama.. O sr. presidente do conselho ri-se? Podo rir se o sr. presidente do conselho, quando se trata d'este assumpto, porque são cousas indifferentes para s. ex. ª, ria se á vontade, quando eu me estou referindo a uma parte da imprensa, que em linguagem desbragada e licenciosa, diffama e injuria os poderes constituidos, rei, ministros, parlamento e poder judicial, incita o povo á revolta, e para nada faltar, até cidadãos benemeritos são denuncia dos á violencia dos exaltados, como se estivéssemos sobre a cratera de um vulcão revolucionario!
Póde o sr. presidente do conselho rir-se, continua as suas tradições n'esse logar. (Muitos apoiados. - Vozes. - Muito bem.)
Tudo isto te faz, e o governo fica silencioso, de braços cruzados! E é d'este silencio e é d'esta cumplicidade do governo, que resulta esta onda crescente de desrespeito, direi mais, de desprezo, que ameaça subverter tudo, instituições, ordem, liberdade, e até a segurança pessoal de nós todos. (Muitos apoiadas.) O ultimo attentado monstruoso, que encheu de espanto o paiz inteiro e sobresaltou Lisboa, essa aggressão sem nome, esse crime brutal, que teve suspenso da morte, um dos mais formosos talentos d'esta terra, (Apoiados.) e um dos mais impollutos caracteres d'este paiz, é a prova provada d'este lamentavel estado de cousas. (Muitos apoiados.)
Não vá alguem concluir d'aqui que eu pretendo incitar o governo a que amordaço a imprensa.
De nenhum modo. Não é esse o meu intuito, e tanto o não é, que eu accuso o governo por não ter sabido manter a liberdade de imprensa.
O que eu pretendo fazer sentir: camara é que o governo não tem sabido manter, nem a liberdade, nem a ordem na imprensa.
E sobre este ponto restricto das relações da lei com a imprensa, eu quero, já agora, dizer todo o meu pensamento, inteira e desassombradamente.
Eu penso que o regimen da imprensa carece de uma reforma completa e radical.
Sem duvida que á imprensa deve ser assegurada a maxima liberdade e publicidade. A imprensa é, nos paizes livres, e ainda n'aquelles que não Seio livres, senão o primeiro poder politico, certamente a primeira força social. (Apoiados,) Nenhum homem publico póde desconhecer esta verdade E tanto ella e evidente, e tanto se impõe aos espiritos, que até aquelles que mais parecem desdenhar da imprensa, são, porventura, os que mais a temem.
No parlamento do imperio allemão, ha poucos dias, o primeiro estadista do mundo, o principe de Bismarck, fatiando a respeito da imprensa russa, dizia que ella não tinha importancia nenhuma, ou, se tinha, era a que lhe emprestava a tinta do impressor. Houve quem visse n'estas palavras do grande chanceller um desprezo pela imprensa.
Não era. O poderoso chanceller, no mesmo discurso, o logo em seguida, exclamava:
«Confio tudo da palavra do Czar, perante a qual toda á agitação promovida pela imprensa russa é mais leve do que a penna que a escreve.»
Isto prova que no pensamento do grande chanceller não havia outro intuito que não fosse o de engrandecer a palavra do Czar, que n'esse momento lhe conveiu lisonjear; e ainda bem, para a paz da Europa!
Mas, por isso mesmo que ninguem póde contestar a vastissima influencia da imprensa, por isso mesmo que todos estão de accordo acerca dos eu immenso poder, por isso mesmo, é preciso que, do par com a sua maxima liberdade, lhe seja traçada a sua maxima responsabilidade.
Ora, é essa maxima responsabilidade que entre nós a imprensa não tem. (Muitos apoiados)
E não é por falta de penas e de penalidades. Ha penas e penalidades de mais No meu modo de ver, não é na aggravação das penalidades, não é no codigo penal que se há de ir buscar a materia prima da reforma, de que a imprensa carece. E n'outro ponto. E no proprio regimen dá imprensa. No anonymato, que rege actualmente a imprensa, reside, em grande parte, a origem de muitos abusos O que é preciso é supprimir este anonymato. Obrigue-se o jornalista a pôr o seu nome debaixo do que escreve, ou seja artigo politico, ou seja simples noticia, e ver se ha que profunda alteração produz esta singela exigencia (Muitos apoiados.)
Pois que?! Ha de o cidadão que é ministro, que é deputado, que é par, que é militar, que é empregado publico, que é juiz, responder, com a publicação da sua assignatura e do seu nome, pelos seus actos, e ha de o jornalista eximir-se a essa responsabilidade? Porque? Que rasão ha para este odiosissimo privilegio? E porque a imprensa exerce funcções gratuitas? Mas as de par do reino e as de deputado, em certos casos, tambem são gratuitas. É porque a imprensa já tem as suas responsabilidades fixada na responsabilidade do editor? Mas quem não sabe que quasi sempre a responsabilidade do editor é como se não existisse, porque o editor é, quasi sempre, apenas um testa de feiro? (Apoiados.)
Exija se, portanto, ao jornalista a responsabilidade do todos os seus escriptos perante a opinião publica, da qual se diz representante. O verdadeiro jornalista, na accepção nobilissima d'esta palavra, aquelle que desempenha e comprehende bem o augusto sacerdocio da imprensa, de certo não refugirá do cumprimento d'este dever. Ha mais de uma especie de responsabilidade que só a publicação do nome de quem escreve, póde tornar effectivas
Mas, ou por este ou por outro meio, ou por esta ou por outra fórma, o que é preciso é introduzir no regimen de imprensa modificações radicaes que acabem com os abusos que todos os dias só observam, e contra os quaes, dia a dia, hora a hora, se accentua uma corrente energica e for-
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te, que todos sentem, menos o governo, que parece deliciar-se n'esta derrocada geral. (Muitos apoiados.)
Precisa o governo que eu lho aponte outro facto, da sua inteira e precipua responsabilidade, que profundamente tem desgostado o paiz?
Ahi tem a reacção religiosa. (Apoiados.)
A reacção religiosa alastra e invade todas as populações do reino.
A reacção religiosa levanta o collo, triumphante e altaneiro, se não com o auxilio do governo, pelo menos, com a cumplicidade do seu assentimento.
Desde a proclamação, no parlamento, da existencia de collegios de jesuitas, até ás famosas e celebres circulares do sr. arcebispo do Larissa, tudo o governo tem ouvido e consentido, sem um protesto energico da sua parto, som uma repressão seveia por parte das suas auctoridades! (Apoiados.) No parlamento, o governo ouve a provocação ameaçadora que lhe lacera, a que cumpra as leis do paiz, expulsando os jesuítas, e não tom uma palavra ou um acto a oppor a esta insolita provocação!
E faz isto um governo saido do partido progressista, o qual, pela bôca do sr. presidente do conselho, ainda ha pouco tempo, ostentava como brazão e timbre da sua bandeira, a expulsão das pobres irmãs da caridade! (Apoia dos.)
O governo entrega as christandades de Ceylão á cubica e avalez dos padres da propaganda fide, (Apoiados) se padres se lhes pôde chamar, no sentido christão d'esta palavra, e consente que os votos das duas casas do parlamento sejam menosprezados pela curia romana, com evasivas piedosas, ainda, por cima, acrescentadas da reprimenda humilhante de não ter sabido o governo apresentar a petição das camaras pelas vias competentes!
O governo assiste, silencioso e de braços cruzados, á exautoração religiosa de um brilho benemerito d'este paiz, o sr. Antonio Augusto de Aguiar, (Apoiados) e, se tenta, na sua imprensa, exhibir a defeza da sua cumplicidade é para comparar, truanescamente, as ceremonias e praticas do culto religioso do estado, ás formalidades dos ritos maçonicos do grande oriente! (Apoiados.)
O governo toma, finalmente, conhecimento da famosa circular do sr. arcebispo de Larissa, em que ordenava uma devassa ás conscientes da sua diocese, ouve a resposta do sr. arcebispo, de que aquellas informações oram colhidas para fornecer elementos de estatistica as secretarias superiores do estado, e nem sequer occorreu ao sr. ministro da justiça perguntar ao sr. arcebispo de Larissa, quando é que s. exa. rev.ma tinha faltado á verdade: se quando dizia aos fieis dá sua diocese que as informações que prestassem, haviam de ser guardadas sob o mais completo e inviolavel segredo, se quando disse para o ministerio da justiça, que essas informações seriam fornecidas as reparações publicas, paru se organisarem estatisticas, tão proveitosas ao seculo como á igreja... (Apoiados )
Nem esta simples observação lembrou ao sr. ministro da justiça, todo occupado em fazer codigos! Mas nem só de codigos vivem as nações! Tambem vivem das suas regalias e dos seus direitos, das buas prerogativas e dos seus principios. (Apoiados )
E tudo isto, sr. presidente, o paiz tem presenciado com profundo desgosto!
Com profundo desgosto, digo, porque o paiz é religioso, mas não é lazarista. (Apoiados.) O paiz é religioso, mas não é jesuíta. (Apoiados.)
O paiz ama e quer a religião de Christo, que é a religião dos seus maiores; mas quer e ama, igualmente, a liberdade desaffrontada das nefastas influencias ultramontanas. (Apoiados.) O paiz quer e respeita bispos e padres, mas quer e respeita bispos o padres portuguezes e liberaes. (Apoiados.) O paiz não quer milionarios, não quer conventos, não quer padres da, companhia ou de companhias. (Riso. Apoiados.)
E porque o governo se tem divorciado d'este sentimento geral do paiz, é que o governo perdeu a sua confiança, mantendo-se n'essas cadeiras unicamente pela confiança da corôa, não sei se diga já em demasia benevola. (Muitos apoiados.)
Quer ainda o governo que lhe aponte mais um acto da sua inteira e completa responsabilidade, que produz á agitação e o descontentamento do paiz?
Ahi tem o espectaculo desconsolador e profundamente deprimente que offereceu uma parte do exercito, nas manobras do outono do anno passado (Apoiados.)
O paiz sabe que o exercito lhe custa perto de cinco mil contos. O paiz sabe tambem que apenas gasta com a sua instrucção publica mil contos, com a justiça e cadeias quinhentos contos, com a beneficencia publica trezentos Contos, com a industria oitenta contos, com a agricultura quatrocentos e cincoenta contos, com o commercio oitenta coutos, e com a saude publica sessenta e seiscentos. D'este modo o paiz sabe que cada um d'estes principalissimos serviços do optado tem uma dotação minguada e insufficiente, e que todos juntos custam metade da despeza que é absorvida pelo exercito.
Todavia não lhe repugna o pagamento d'esta somma importante, porque sabe que aos brios nunca desmentidos, á coragem sempre provada, ao acendrado patriotismo, á heroicidade tradicional do exercito está confiada a funcção social, mais bella e mais gloriosa, sim, mas, sem duvida, a mais arriscada e perigosa: a funcção de manter a ordem social e a defeza do territorio nacional. (Apoiados.)
Mas, por isso mesmo que o paiz, se mio paga com prazer e contentamento, paga, conformado e resignado, esta verba importante, é que v. exa. e a camara toda avaliava o com quanto desgosto o paiz assistiu ao que succedeu nas manobras do anno passado (Apoiados )
Uns modestos e acanhados exercicios, ás portas da capital, puzeram a descoberto faltas imperdoaveis, erros reprehensiveis na administração militar. (Apoiados.)
Por pouco que os pobres soldados e officiaes, com forno durante dezesete horas, não pereceram n'essa memoravel campanha do Sabugo (Riso.-Apoiados)
N'outro paiz, onde houvesse uma opinião com juizes mais severos, onde não reinasse a apregoada e famosa brandura dos nossos costume, similhante tacto teria produzido, não a queda de um ministerio, mas do dez ministerios. (Muitos apoiados.)
E preciso, finalmente e ainda, mostrar a v. exa. e á camara mais outra causa, da responsabilidade do governo, efficiente da agitação e descontentamento que lavram no paiz.
Abstráia o governo, por um momento, dos interesses partidarios que representa n'essas cadeiras, abstraia, por instantes, da ambição do mando, consulte bom a sua consciencia e seja se ella lhe não está dizendo que, acima dos elementos constitucionaes, de que tanto se vangloria, existe no paiz uma corrente de opinião accentuada e energica que lhe é abertamente hostil, (Apoiados) ainda perante os actos considerados menos culposos? (Apoiados.)
Porque succede isto? É porque é inilludivel, palpavel, evidentissimo, o desprestigio dos srs. ministros. (Apoiados.)
O nome e a reputação dos srs. ministros andam manchados e maculados no conceito publico. (Apoiados)
Porque ?
Têem os ministros commettido malversações dos dinheiros publicos? Têem pretendo os interesses legitimos da nação para só attenderem aos interesses illegitimos e criminosos do particulares?
E o governo réu dos crimes de concussão, peita ou peculato?
Não o creio nem o supponho eu, nem supponho que haja, alguem n'esta casa que o creia ou supponha.
Alem de outras rasões, a que prevalece no meu espirito para assim o crer e suppor, e a que se deriva do facto de
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não ter ainda nenhum dos membros d'esta camara usado dos direitos que lhe confere o artigo 37.° da carta constitucional.
Sé porventura para as perguntas que eu acabo de formular, no espirito dê alguns dos meus colegas, n'esta casa, houvesse resposta afirmativa, certamente o paiz já teria visto aqui propor uma accusação criminal aos ministros; ver-se-ia apresentar, senão approvar, essa proposta. Mas similhante proposta de accusação criminal aos ministros ainda ninguem viu.
Apesar, porém, de não se apresentar essa proposta e ser, fundada, a minha supposição, nem por isso deixa de ser profundamente verdadeiro que e iniludivel e complete o desprestigio dos srs. ministros. (Apoiados)
O desceredito e a diffamação terem em pleno ponto srs. Ministros (Apoiados) e este descredito e esta deffamação, e não têem uma justificação completa nos seus actos, têem uma explicação, que é toda em desabono dos srs. Ministros (Apoiados) e da situação politica que os srs. Ministros representam.
São os srs. ministros, e a situação que representam, os fautores principalissimos, os unicos responsaveis da tempestade de lama e de suspeição que agora os suffoca. (Apoiados.)
Durante muitos annos fizeram da sua imprensa e da sua tribuna, da sua palavra escripta e da sua palavra fallada, o patibulo, onde rojaram as reputações de quasi todos os homens publicos d'esta terra (Apoiados )
Eu assisti a quasi todas estas execuções!
N'um anno, foi a concessão de Cacilhas, em que o ministro das obras publicas, de então, e um deputado foram accusados do terem praticado uma veniaga torpissima (Muitos apoiados)
N'outro anno, foi a concessão da elevação de tarifas á companhia real, dos caminhos de ferro do norte e leste, sendo o respectivo ministro e os sejas collegas accusados de terem frito uma tratada vergonhosa.
Mais tarda, veiu a concessão da Zambezia, em que foi roubada a melhor corôa, o melhor florão do nosso patrimonio colonial.
Em seguida, veiu a questão da penitenciaria, e essa não trucidou sómente a honra de um partido inteiro, sonido que fez borbotear a jorros o sangue de um engenheiro tão distincto quanto infeliz. (Apoiados )
Depois, vieram as portarias surdas, os fornecimentos do armamento militar; de umas o de outros sairam quantias fabulosas com destinos tão mysteriosos, como elevados... (Muitos apoiados )
E, constantemente e sempre, foram as armas do descredito e da diffamação as que foram reputadas de alcance mais certeiro a empregar na guerra truculenta, desleal e feroz contra os seus adversarios.
Procediam assim os srs. ministros e a situação politica que representam. E muito de proposito digo os srs. ministros e a situação que representam, porque eu não quero praticar a injustiça, que tantas vezes tenho visto commetter, de attribuir a responsabilidade d'essa guerra, sem nome, unicamente a dois homens, o sr. ministro da fazenda e o sr. ministro das obras publicas. Não, sr. presidente! Os srs. Marianno de Carvalho e Emygdio Navarro foram apenas o verbo corajoso e ardente da propaganda de descredito e diffamação, que estava no odio ou no coração de um partido inteiro. A cada victima que succumbia todos os chefes do partido batiam as palmas de contentamento e aos executares da alta justiça decretavam-se coroas de gloria e gratidão! (Apoiados.) Atraz da pena que escrevia, estava toda a alma apaixonada o violenta do par tido inteiro que a guiava!
Eu não trago, nem recordo, estes acontecimentos para fazer retaliações, e; muito menos, para fazer accusações aos membros da maioria, na qual me prezo de contar mais de um amigo; faço historia retrospectiva, porque a lição da historia póde fornecer mais de um ensinamento para os Cactos do momento. Podiam os adversarios de agora ser generosos e esquecer os aggravos recebidos? Podiam, como alguns o são. Mas a generosidade, n'estes casos é materia de favor, não é o objecto do direito; os favores acceitam-se e agradecem-se, não se impõem, nem se exigem, (muitas apoiados.)
Era uma epocha de exaltação, dizem. Mas quem é que decreta as epochas de exaltação?
São os proprios exaltados?
N'esse caso, epocha de exaltação é a que vamos atravessando, porque os exaltados, de agora têem o plenissimo direito de a decretarem. (Muitos apoiados.)
O governo o os srs. ministros não têem de quem se queixar. Queixem se de si proprios. O governo expia, amarrado a essas cadeiras, o seu pecado e o seu passado. De ninguem tem direito a queixar se. Mas se o governo não tem direito de queixar-se, tem direito de se. queixar o paiz, que assiste com tedio e tristeza a este abatimento, a esta depressão da dignidade moral do poder. -(Apoiados )
Q que offerece o governo em troca de tudo isto ao paiz? Perguntava hontem eloquentemente o distincto parlamentar e meu amigo, o sr. Lopo Vaz.
Pede lhe impostos e dá-lhe cutiladas, respondia com verdade. (.Apoiados.) Mas não dizia tudo. Eu. quero ser justo e imparcial. O governo offerece mais alguma cousa a camara de o ouvir.
O governo, diz o sr. presidente do conselho e repetem-n'o os arautos da situação, oferece ao paiz a, restauração do credito, a elevada cotação dos fundos publico?, Que mais querem?
Ora, sr. presidente, eu sei pouco, sou quasi profano n'esta sciencia complicada de fazer subir ou descer os fundos. Sei apenas o bastante para perceber que este assumpto é melindroso e delicado porque affecta e contende com o credito do paiz. Consequentemente, visto a modestia dos meus recursos, não fallo.
Ponho na minha boca as conceituosas palavras do grande chanceller, profundas nó discurso a que ha pouco alludi.
Disse o principe de Bismarck:
«Uma palavra altera ás vezes o sentido de muitas cousas, e muitas palavras trazem desvantagens e inconvenientes »
Por isso não fallo sobre este ponto. Mas dou homem por mim. O nobre presidente do conselho, que é o homem que eu dou por mim, ha de comprehender que, n'este caso, a substituição é permitida. Vae á camara ouvir, e é bom que a camara ouça a o paiz inteiro, porque é este o ponto importantissimo que servo de bordão á situação.
Perguntava o sr. Julio de Vilhena no anno passado, terminando o seu brilhante discurso sobre a concordata, a como estava a liberdade cotada na bolsa de Londres. Levantava se o illustre parlamentar, o sr. Lobo d'Avila, então, como agora, relator do projecto da resposta ao discurso da corôa, e respondia triumphante: hoje a 54, mas no tempo do sr. Hintze Ribeiro a 44.
E era apoiado calorosamente. Sempre a cotação dos fundos!
Por consequencia, creio que faço um grande serviço á camara, e, sobretudo, ao partido progressista, que está de boa fé n'este assumpto, dizendo lhe a opinião do sr. José Luciano de Castro acerca da significação da famosa elevação dos fundos
Falla o sr. José Luciano de Castro:
d E a elevação do credito? E estes louvores que se fazem ao sr. Marianno de Carvalho a proposito da elevação do credito? .. Custa a crer que os amigos do sr. Marianno digam isto a serio.
«Ora, digam-me: quando o partido historico, ou quando
fusão esteve no poder em 1869, estavam os fundos a 32,5, o passado pouco, a 19 de maio, ficaram a 35,5. Os fundos foram subindo successivamente, e quando o sr. Car-
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los Bento, ministro da fazenda da administração do sr. marquez d'Avila, saiu do ministerio, já ficaram a 37,5 ou 38.
"Entraram os regeneradores no poder, e quando sairam deixaram os fundos a 44,5 ou 45.
"Entrou depois o sr. Marianno no governo. Os fundos subiram successivamente, naturalmente, progressivamente.
"E não podiam deixar de subir, porque os fundos não sobem com o credito dos ministros; sobem com o credito da nação.
"Cada ministro não faz levantar os fundos pelo seu credito pessoal. Os ministros teem o credito que merece a nação que representam. Por consequencia, já se vê que o sr. Marianno não tem rasão para se attribuir o exclusivo da elevação do credito. Este depende do concurso de todos. Não resulta apenas das medidas que teem sido adoptadas recentemente, mas tambem das que o foram desde longo tempo, pois todas têem concorrido para a prosperidade economica em que nos achamos. Não quer o sr. Marianno confessar a influencia dessas medidas que não são devidas a si, e ousa dizer ao parlamento que a elevação do credito se deve só a medidas da sua iniciativa e do seu gremio politico!"
Aqui tem v. exa. o depoimento escripto do nobre presidente do conselho ácerca da significação da famosa elevação do credito, ácerca deste reducto inexpugnavel, onde se entrincheiravam os mais fervorosos defensores do gabinete.
Desfeita e refutada esta allegação, a principal allegação que podia adduzir-se em pro do ministerio, o que é que fica? O que é que dão os srs. ministros ao paiz em troca dos seus desacertos, dos seus desvarios, dos seus desatinos?
Nada!
Nada, sr. presidente, e com pezar o digo, porque nem eu, nem ninguém pode allegrar-se com esta queda desastrosa de homens de tanto talento, de aptidões de tanto merecimento.
Terminando, pergunto a v. exa.: será preciso apontar mais factos da responsabilidade do governo, para mostrar á evidencia que é elle o principal fautor da agitação do paiz? Será preciso adduzir o analysar mais causas para provar que o governo perdeu a confiança do paiz?
Eu creio que não.
Pela minha parte, os factos e causas que tenho apresentado são bastantes para me convencer de que é um mau serviço ao paiz aquelle que o governo lhe está fazendo, conservando-se n'esses logares. (Apoiados.)
Não bastam ao governo as manifestações brandas e relativamente pacificas, que o paiz lhe está fazendo, do que o descontenta a sua conservação?
O sr. presidente do conselho diz com a cabeça que não. Só se contenta com outro 19 de maio?
Quer o governo esperar demonstrações de desagrado mais accentuadas e mais violentas? Pois não faz bem em tentar a experiencia! É dever dos governos conservarem-se, emquanto teem a confiança do paiz, como é da sua obrigação retirarem-se, quando essa confiança lhes falta. Têem os srs. ministros meio de corrigirem e emendarem os erros commettidos e as faltas praticadas? Eu creio que não. Mas se os têem, fiquem. Fiquem, mas não fiquem por ficar. Fiquem, mas não provem pela sua permanencia nessa situação de consciente e reconhecida fraqueza, que querem conservar os logares unicamente por vaidade propria, ou por um sentimento ainda peior, porque é profundamente ridiculo: o de supporem que ninguem mais, no paiz, tem competencia para dirigir os negocios publicos e amparar as instituições. A preoccupaçào da successão que por vezes fingem ter, bem pensada e bem criticada, traduz simplesmente a pretensão, que têem, de usurpar as attribuições do poder moderador. E ao poder moderador a quem pelo pacto constitucional da nação compete prover no caso. É á situação successora que cumpre assumir a responsabilidade da successão.
São estes os principies constitucionaes, são estas as normas do systema parlamentar.
Exponho-os e prociamo-os tanto mais desassombradamente quanto, sob o meu ponto de vista pessoal, me é inteira e absolutamente indifferente que o governo desappareça ou que o governo fique.
Nem me habilito a merecer-lhe as boas graças, por doação inter vivos, nem pretendo nem ambiciono partilhar da sua herança. Quando a modestia dos meus recursos e a insufficiencia dos meus merecimentos me não aconselhassem esta posição, aconselhava-rne, certamente, a tomal-a uma profunda convicção do meu espirito. E é, sr. presidente, que na hora que vae correndo, e, ainda mais, nos dias que hão de vir, a cadeira de ministro ha de transformar se de camarote de vaidade mundana, que para muitos tem sido, em posto arriscado de combate, em investidura perigosa de responsabilidades gravissimas.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado por ambos os lados da camara.)
O sr. Presidente: - O sr. Consiglieri Pedroso tinha pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão; mas a hora está muito adiantada; e se s. exa. concorda eu concedo-lho a palavra na sessão seguinte.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Não tenho duvida era annuir ao desejo de v. exa., comtanto que esteja presente na proxima sessão o sr. ministro dos negocios estrangeiros.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a continuação da discussão da resposta ao discurso da coroa.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas e meia da tarde.
Redactor = Rodrigues Cordeiro.