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SESSÃO DE 11 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos srs.:
José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sousa

SUMMARIO

Dois officios: um do ministerio da fazenda, informando ácerca de uns documentos requeridos pelo sr. deputado Francisco Machado; outro da academia real das seincias de Lisboa, acompanhando alguns bilhetes de convite para a sessão solemne de i õ do correu-te.- Segunda leitura e admissão de um projecto de lei do sr. José Victorino. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. Antonio Maria Cardoso, Augusto Fuschini, Pinheiro Chagas e Elias Garcia. - Requerimentos de interesse publico apresentados pelos srs. Alpoim, Almeida e Brito e Augusto Pimentel. - Requerimento de interesse particular mandado para a mesa pelo sr. Antonio Maria Cardoso. - Justificações de faltas dos srs. Teixeira de Sousa, Costa Lereno, Ortigão de Carvalho e Henrique de Mendia. - Declarações de voto dos srs. Costa Lereno, Ortigão de Carvalho e Reis Torgal. - Explicação do sr. Eduardo Abreu sobre o motivo por que deseja usar da palavra logo que compareça o sr. ministro da marinha. - O sr. barão de Paço Vieira apresenta o parecer da commissão de verificação de poderes relativamente á eleição, por accumulação, de dois deputados. Pede dispensa do regimento, a camara concorda e o parecer é approvado sem discussão. - O sr. Almeida e Brito pede que se interrompa qualquer discussão logo que esteja presente o sr. ministro da marinha, para que a opposição possa interrogal-o sobre um assumpto grave, relativamente ao ultramar. - O sr. Emygdio Navarro pede que, para o mesmo fim, se lhe reserve a palavra. - O sr. Fuschini advoga o pedido, constante da representação que mandou para a mesa. - O sr. Francisco Machado, depois de trocar algumas explicações com o sr. presidente, ácerca do decreto de 9 do corrente, relativo ao acto de reconhecimento do Principe Real pelas côrtes geraes, apresenta uma proposta, pede que esta seja considerada urgente e que a votação sobre a urgencia seja nominal. Por deliberação da camara procede-se á votação nominal, e a urgencia, da proposta não é admittida. - Pede explicações ao governo sobre dois assumptos attinentes ao seu circulo o sr. conde de Villa Real. - Resposta do sr. ministro do reino. - Apresenta um projecto de lei o sr. Reis Torgal.
Na ordem do dia continua em discussão na especialidade o projecto de lei n.° 109 (bill), e usa detidamente da palavra, combatendo-o e justificando uma moção de ordem, o sr. Elias Garcia. - Responde ao orador precedente, defendendo o projecto, o sr. Vieira de Andrade. - Achando-se já presente o sr. ministro da marinha, o sr. presidente consulta a camara sobre o requerimento verbal do sr. Almeida e Brito, para se suspender a discussão da ordem do dia. E approvado. - Usa da palavra o sr. Eduardo Abreu o dirige duas perguntas ao governo ácerca dos factos constantes de um protesto do governador de Quelimane, que o orador lê á camara. - Resposta do sr. ministro da marinha. - Tomam parte n'este incidente o sr. Fernando Palha e o sr. Emygdio Navarro, que apresenta e sustenta um requerimento, para que o governo de explicações em sessão secreta sobre os factos que se dizem decorridos recentemente no Chire e que motivaram aquelle protesto, respondem os srs. ministros da marinha e dos negocios estrangeiros. - Segue-se o ar. Lobo d'Avila, apoiando o requerimento do sr. Navarro. -
Responde-lhe o sr. Pinheiro Chagas, que apresenta uma moção de confiança. - Usa em seguida da palavia sobre o mesmo assumpto o sr. Antonio Ennes, a quem responde o sr. ministro da marinha. - O sr. presidente, por ter declarado que dera a hora, não concede a palavra ao sr. José de Azevedo para um requerimento, e levanta a sessão, declarando que ha, hoje sessão nocturna.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 59 srs. deputados. São os seguintes: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Adolpho da Cunha Pimentel, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alexandre Maria Ortigão do Carvalho, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Cardoso, Antonio Teixeira de Sousa, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto José Pereira Leite, Augusto Maria Fuschini, Augusto Ribeiro, Barão de Paçô Vieira (Alfredo), Conde de Villa Real, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Abreu, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Ignacio José Franco, João Cesario de Lacerda, João Marcellino Arrojo, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João de Paiva, João Pinto Moreira, João Simões Pedroso de Lima, João de Sousa Machado, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Simões Ferreira, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Antonio de Almeida, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José de Azevedo Castello Branco, José Elias Garcia, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Paulo Monteiro Cancella, José Victorino de Sousa o Albuquerque, Julio Antonio Luna de Moura, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luciano Cordeiro, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Matheus Teixeira de Azevedo, Pedro Augusto de Carvalho e Roberto Alves de Sousa Ferreira.

Entraram durante a sessão os srs.: - Abilio Guerra Junqueiro, Agostinho Lucio e Silva, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Fialho Machado, Antonio José Ennes, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria Jalles, Antonio Costa, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Sergio da Silva e Castro, Arthur Hintze Ribeiro, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Carlos Lobo d'Avila, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, Emygdio Julio Navarro, Estevão Antonio de Oliveira, Junior, Fernando Mattozo Santos, Fidelio de Freitas Branco, Fortunato Vieira das Neves, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Francisco Severino de Avellar, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João de Barros Mimoso, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim Germano de Sequeira, José Bento Ferreira de Almeida, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Dias Ferreira, José Domingos Ruivo Godinho, José Estevão de Moraes Sarmento, José Frederico Laranja, José Freire Lobo do Amaral, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria Greenfield de Mello, José Maria Latino Coelho, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Maria dos Santos, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Monteiro Soares de Albergaria, Julio Cesar Cau da Costa, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel d'Assumpção, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel Francisco Vargas, Manuel Pinheiio Chagas e Miguel Dantas Gonçalves Pereira.

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Não compareceram á sessão os srs.: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes da Silva, Antonio José Arroyo, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Bernardino Pacheco Alves Passos, Bernardino Pereira Pinheiro, Carlos Roma du Bocage, Conde do Covo, Eduardo de Jesus Teixeira, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Jacinto Candido da Silva, João Pinto Rodrigues dos Santos, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Luiz Ferreira Freire, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Luiz Antonio Moraes e Sousa, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel Affonso Espregueira, Manuel de Arriaga, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Pedro Victor da Costa Sequeira, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde de Tondella e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da fazenda, participando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado F. J. Machado, que pelo commando geral da guarda fiscal não foi remettido ao ministerio dos negocios do reino officio algum, relativo a contrabando no districto da Horta, e bem assim que no mesmo commando não consta que o director da circumscripção aduaneira dos Açores, dirigisse ao commandante da companhia n.° 4 da guarda fiscal, com séde na cidade da Horta, officio algum relativo a repressão de contrabando.
Para a secretaria.

Da academia real das sciencias de Lisboa, remettendo 20 bilhetes de convite para a solemnidade que se deve realisar n'aquella academia no dia 15 do corrente, á uma hora da tarde, sob a presidencia de Sua Magestade El-Rei, para o fim de ser lido pelo academico Manuel Pinheiro Chagas o elogio do fallecido socio de merito Alexandre Herculano de Carvalho e Araujo.
Para a secretaria.

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores.- A desigualdade nos direitos perante a igualdade nas obrigações é sempre uma injustiça; na lei, porém, que regula a aposentação dos funccionnarios publicos, desde que todos são obrigados a contribuir para ella com uma parte dos seus vencimentos, esta injustiça transforma-se em extorsão violenta. Está n'este caso o primeiro official chefe da repartição da junta geral do districto de Vizeu, que tendo servido como conductor de obras publicas do estado, logar que tem direito a aposentação, só por uma lei especial é que lhe póde ser contado para a reforma o tempo serviu fóra do emprego que actualmente exerce.
O alludido fuuccionario é o unico da sua classe que hoje está soffrendo tamanha desigualdade da lei, porque outros em identicas circumstancias têem sido com toda a justiça attendidos pelo poder legislativo.
Para que esta excepção desappareça tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisada a junta geral do districto de Vizeu a contar ao primeiro official chefe de repartição da mesma junta, Germano Adelino de Andrade, só para o effeito da reforma, o tempo que serviu como conductor nas obras publicas do estado.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 10 de junho de l890. = José Victorino da Sousa e Albuquerque.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

REPRESENTAÇÕES

De donos de estabelecimentos de barbeiro, residentes em Lisboa, pedindo que lhes sejam diminuidas as suas collectas de decima industrial.
Apresentada pela sr. deputado Antonio Maria Cardoso e enviado á commissão de fazenda.

De uma commissão da classe de sapateiros, pedindo varias providencias tendentes a melhorar a sua situação.
Apresentada pelo sr. deputado Fuschini, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

De primeiros, segundos e terceiros distribuidores dos correios e telegraphos do reino, pedindo augmento de vencimento.
Apresentadas pelo sr. deputado Pinheiro Chagas e enviadas á commissão de fazenda.

Da associação dos empregados no commercio e industria, pedindo que no codigo civil sejam introduzidas modificações relativas aos contratos de locação.
Apresentada pelo sr. deputado Pinheiro Chagas e enviada á commissão de legislação civil.

Do comicio realisado em Lisboa, no dia 8 do corrente, contra as novas medidas tributarias.
Apresentada pelo sr. deputado Elias Garcia e enviada á commissão de fazenda.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me sejam enviados com urgencia os seguintes documentos:
Nota explicativa das despezas e receitas auctorisadas para escolas de viticultura nos exercicios de 1889-1890;
Nota das ordens de pagamento dirigidas aos directores das mesmas escolas nos mesmos exercicios;
Nota dos bacellos, barbados e estacas de plantas americanas distribuidos no actual anno economico, saídos dos viveiros nacionaes. = O deputado, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro.

Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviados com urgencia:
1.º Todos os documentos relativos á suspensão do primeiro official do districto de Bragança José Benedicto de Almeida Pessanha, e mais tarde transferido para o districto da Horta, e designadamente a data da suspensão; se foi ouvido antes da suspensão, ou se, ouvido depois d'ella, e por ordem de quem; resposta d'aquelle funccionario á suspensão;
2.° A proposta ou informação do governador civil de Bragança, enviada ao governo, e que devia acompanhar a resposta do funccionario suspenso;
3.° Copia do telegramma enviado pelo secretario do sr. ministro da justiça ao governador civil de Bragança, dizendo-lhe que o ministerio do reino não concordava na demissão, e que havia vagas no districto do Beja e da Horta;
4.° Resposta do governador civil a este telegramma. = Os deputados, José M. de Aipoim = Ignacio do Casal Ribeiro.
Mandaram-se expedir.

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Requeiro que, pelo ministerio do reino, me seja enviada copia ou o processo original relativo á dissolução da confraria de S. Pedro Gonçalves, de Ponta Delgada. = F. de Almeida e Brito.
Mandou-se expedir.

Requeiro que, pelo respectivo ministerio, sejam exigidos á repartição de fazenda do districto de Braga, e enviados depois a esta camara, os seguintes documentos:
1.° Copia do relatorio da syndicancia feita no corrente anno á repartição de fazenda do concelho de Villa Verde;
2.º Copia dos officios do actual escrivão de fazenda d'aquelle concelho para o inspector de fazenda do districto, ácerca das irregularidades encontradas nos serviços d'aquella repartição;
3.° Nota das freguezias do referido concelho de Villa Verde, em que Abilio Francisco de Sousa Maia serviu como secretario das matrizes, os dias que empregou n'esse serviço, a data d'elles e a importancia dos salarios vencidos. = O deputado, Augusto Pimentel.
Mandou-se expedir.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

Do capitão de fragata reformado Gonçalo Ayres da Costa Campos, pedindo que as disposições do § 2.° do artigo 156.º do plano de organisação dos quadros da corporação da armada de 31 de março ultimo sejam extensivas aos officiaes da armada reformados, em serviço nas capitanias dos portos do continente do reino e ilhas adjacentes.

Apresentado pelo sr. deputado Antonio Maria Cardoso, e enviado á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Declaro que faltei ás sessões de 9 e 10 de junho por motivo justificado. = Teixeira de Sousa.

Declaro que não compareci ás sessões de 6, 7, 9 e 10 do corrente por motivo justificado. = Antonio Manuel da Costa Lereno, deputado pelo circulo n.° 26.

Participo a v. exa. e á camara que faltei ás ultimas sessões por motivo justificado. = O deputado pelo circulo n.° 92, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho.

Participo a v. exa. e á camara que, por motivo justificado, deixei de comparecer a algumas sessões da camara. = O deputado, Henrique de Mendia.
Para a secretaria.

DECLARAÇÕES DE VOTO

Declaro que, se estivesse presente na sessão do dia 7, em que foi votada a generalidade da dictadura e a moção de confiança, teria votado a favor. = O deputado pelo circulo n.° 26, Antonio Manuel da Costa Lereno.

Participo a v. exa. e á camara que, se estivesse presente á sessão em que se votou o projecto do bill na generalidade, tel-o-ia approvado. = O deputado pelo circulo n.° 92, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho.

Se estivesse presente, quando se votou a proposta do sr. Francisco José Machado, a respeito da designação do dia para a sessão do reconhecimento do Principe Real, teria votado contra a sua urgencia. = Reis Torgal.
Para a secretaria.
O sr. Eduardo Abreu: - Pela primeira vez vae ler á camara uma noticia de um jornal; e fal-o porque ella é grave, seria e triste.
Essa noticia é a de terem sido fuzilados no Chire, por ordem do vice-consul inglez, dois sipaes, enviados ali pela auctoridade portugueza.
O jornal que dá esta noticia, publica ao mesmo tempo o seguinte protesto:
«Tendo-me participado o exmo. sr. governador militar do Chire, o tenente da armada portugueza João Antonio de Azevedo Coutinho, em seu telegramma urgentissimo, os factos ultimamente praticados no Chire por inglezes que ali se acham, os quaes têem conseguido com as suas insinuações e exemplos, sublevar e tornar revoltosos os indigenas d'aquellas povoações;
«Tendo-se ultimamente dado o facto altamente reprehensivel e selvagem de ter o inglez Buchanan, que actualmente exerce o cargo de vice-consul e que se arvorou em commandante das forças irregulares, mandado amarrar a uma arvore e fuzilar em seguida dois sipaes, que pela auctoridade portugueza tinham sido mandados fallar com o Inhacuana Lundo;
«Constando mais as faltas de respeito e acatamento por esses inglezes praticadas em menosprezo á bandeira portugueza;
«Em nome de Sua Magestade El-Rei de Portugal, em nome da inviolabilidade dos elementos de nacionalidade e das gentes:
«Protesto energicamente perante todas as nações civilisadas contra similhantes attentados e crimes praticados no Chire, tornando as auctoridades inglezas unica e solidariamente responsaveis por todas as consequencias funestissimas, que do sou inqualificavel procedimento possam advir.
«Secretaria do governo do districto de Quelimane, 22 de abril de 1890. = O encarregado do governo, Alfredo Augusto Ferreira Machado, major do exercito de Portugal.»
O orador, continuando, diz que, sendo esta uma questão de tanta magnitude, porque joga com complicadissimos negocios de politica internacional, francamente declara á camara que não tem auctoridade, nem politica nem parlamentar, para a tratar; mas tem uma auctoridade que ninguem lhe pode contestar; é a que lhe provém de ser portuguez, amante da sua patria. Acha-se, por isso, ainda mais profundamente indignado perante este facto, do que perante o ultimatum de 11 de janeiro.
Observa que a opposição parlamentar tem-se conservado na attitude mais correcta e digna que é possivel; mas quando vê que essa attitude não é seguida pela camara dos deputados de Inglaterra, que não é seguida pela imprensa ingleza e que não é seguida na Africa, onde o consul inglez chega a mandar matar emissarios do governo portuguez, parece-lhe que é tempo de pela sua parte, formular duas perguntas ao governo, deixando a outros que tenham auctoridade politica e parlamentar, a missão de proseguir no mesmo assumpto.
As suas perguntas são estas:
Pergunta ao sr. ministro da marinha quaes são as providencias que tomou em face dos factos constantes do protesto que acabou de ler.
Pergunta ao sr. ministro dos negocios estrangeiros em que data é que o nobre ministro reclamou perante o enviado de Sua Magestade Britannica sobre os factos constantes d'este mesmo protesto.
(O discurso será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. José Julio Rodrigues: - Tinha pedido a palavra, sr. presidente. Sinto-me, porém, com vontade de desistir d'ella, tal é a minha tristeza, a minha indignação, em vista do acontecimento gravissimo, a que ha pouco se referiu o meu distincto amigo e correligionario o sr. Eduardo Abreu. (Apoiados.)
Tencionava fallar sobre assumptos de instrucção pu-

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blica, por estar no seu fim o presente anno lectivo e ser preciso que, pelo respectivo ministerio, se tomem algumas providencias sobre o ensino, applicaveis ao anno proximo. Estou, porém, tão ferido, tão profundamente indignado pelo modo por que vejo succederem-se e accumularem-se factos, que tanto interessara a honra e o brio nacional, que entendo que, perante o acontecimento que hoje nos preoccupa, todas e quaesquer questões e incidentes se deverão preterir e reservar.
Aguardo, pois, também, a vinda do sr. ministro da marinha, e peço a v. exa. me inscreva desde já e me conceda a palavra para poder entrar, a seu tempo, na apreciação do incidente qne se prepara, e cuja discussão não póde deixar de ser ampla e desafogada, por se tratar de questões que não podemos porque representâmos uma parte do paiz - deixar correr á revelia, por maior que seja o cuidado e o segredo com que o actual ministerio pretenda sequestrar acontecimentos, de tão grave alcance e ponderação, da critica e exame, a que não podem deixar de estar sujeitos.
Nem póde haver segredos absolutos, sr. presidente, quando se trata do brio e da honra portugueza, quando se trata de justificar perante a Europa que o velho Portugal, esse Portugal glorioso mas não vilipendiado, vencido mas não deshonrado, ainda vive e se não presta ao triste papel, a que pretendem
obrigal-o, papel já hoje salpicado de sangue pela brutal crueldade, de um agente inglez que, abusando indignamente da nossa situação colonial, está reclamando prompto e severo castigo.
Nem ha muito que esperar da Inglaterra; não lhe está no animo nem nas tradições ser justa e digna com os povos, que não dispõem de esquadras formidaveis ou de exercitos poderosos.
Não impede isso, porém, que saibamos viver e até morrer com honra e que, apesar do nosso modesto papel de uma pequena potencia europeia, devamos usar das grandes virtudes o dos altos sentimentos de brio e de dignidade, que os povos só abandonam, quando n'elles se esphacelou por inteiro a honra nacional e a coragem resignada, que pode e deve leval-os até o suicidio, quando este for o unico e supremo remedio, que lhes evite uma existencia covarde ou affrontosa.
Desistindo, portanto, da palavra, por agora, reservo-mo para a discussão que, sobre o incidente Buchanan, vae estabelecer-se, dentro em pouco, n'esta casa parlamentar. (Muitos Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
O sr. Barão do Paço Vieira (Alfredo): - Mando para a mesa o parecer relativo á eleição dos srs. Joaquim Pedro de Oliveira Martins e Caetano Pereira Sanches de Castro.
Peço a v. exa. se digne consultar a camara sobre se dispensa o regimento para que entre desde já em discussão.
Leu-se na mesa o seguinte:

PARECER N.° 125

Senhores. - A vossa primeira commissão de verificação de poderes foram presentes os processos eleitoraes relativos a todos os circulos do continente e ilhas adjacentes, e bem assim as synopses organisadas pelas tres commissões de verificação de poderes, onde se acham exarados todos os votos obtidos pelos diversos candidatos a deputados por acummulação.
D'estes documentos se vê que os cinco candidatos mais votados foram por sua ordem os seguintes cidadãos:

José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral.... 56:092 votos
Luiz Gonzaga dos Reis Torgal.... 46:477 votos
Francisco José de Medeiros.... 38:093 votos
Joaquim Pedro de Oliveira Martins.... 30:849 votos
Caetano Pereira Sanches de Castro.... 33:588 votos

E como os tres primeiros foram já proclamados deputados da nação e nenhuma duvida se apresenta relativamente á eleição dos dois ultimos, é parecer da vossa commissão que elles devem ser proclamados deputados.
Sala das sessões da primeira commissão de verificação de poderes, em 10 de junho de 1890. = Pedro Victor da Costa Sequeira = Marcellino Mesquita = Luciano Monteiro = José Estevão de Moraes Sarmento = L. Bandeira Coelho = Barão de Paçô Vieira (Alfredo), relator.
O sr. Alpoim: - Pedia a v. exa. a fineza de me dizer a quem se referem esses pareceres, porque não ouvi bem.
O sr. Presidente: - O parecer concluo, dizendo que devem ser proclamados deputados os srs. Joaquim Pedro de Oliveira Martins e Caetano Pereira Sanches de Castro.
Consulto a camara sobre se dispensa a impressão d'este parecer para que possa ser desde já discutido.
Assim se resolveu, e lido novamente o parecer, foi approvado sem discussão.
O sr. Emygdio Navarro: - Do mesmo modo que os meus collegas da opposição parlamentar, tambem desejo fazer algumas perguntas sobre assumpto extremamente grave, e por isso peço a v. exa. que me reserve a palavra para quando esteja presente o sr. ministro da marinha ou o sr. ministro dos negocios estrangeiros.
O sr. Almeida e Brito: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento, requisitando, pelo ministerio do reino, copia ou o processo original relativo á dissolução da confraria de S. Pedro Gonçalves, de Ponta Delgada.
Careço com urgencia d'este documento, porque desejo apresentar uma nota de interpellação ao sr. ministro do reino sobre os actos do governador civil d'aquelle districto, com respeito á dissolução da confraria a que me refiro.
Já que estou com a palavra, requeiro a v. exa. que, apenas chegue a esta camara o sr. ministro da marinha ou o dos negocios estrangeiros, se suspenda a discussão do bill e se dê a palavra aos srs. deputados da opposição que desejam occupar-se de um assumpto da maior gravidade. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu.)
O requerimento vae publicado na secção competente.
O sr. Fuschini: - Sr. presidente, fui hontem procurado por uma commissão de sapateiros, que me encarregou de apresentar á camara uma representação, na qual em nome da sua classe, expõem assumptos da sua justiça o do seu interesse.
Este documento é importante e carece de larga publicidade, porque de facto envolve questões serias e define as condições economicas de uma classe numerosa; é, portanto, um subsidio valioso para estudo completo, que se queira fazer sobre as condições do trabalho nacional.
Sr. presidente, vou fazer uma breve exposição doutrinal sobre o assumpto.
A classe dos sapateiros entende dever expor ao parlamento as pessimas condições economicas, em que se encontra, e pedir, para as melhorar, medidas de protecção. Os argumentos, ou para melhor dizer os factos, que esta representação aponta são importantes e em dois ou tres minutos vou expol-os á camara.
Sr. presidente, haverá trinta annos, dizem os sapateiros, creou-se um largo mercado para esta industria no Brazil, correspondendo a esta creação um desenvolvimento consideravel de trabalho o portanto grande augmento do numero de operarios da classe.
D'este mercado, que se tivesse sido honradamente explorado, constituiria, uma fonte de riqueza para o paiz e para a classe dos sapateiros, apoderaram-se certos intermediarios commerciaes, que procuraram explorar por um lado os operarios, reduzindo-lhe quanto possivel os salarios, e por outro os consumidores brazileiros dando-lhe artefactos mal feitos, em que se empregavam pessimas materias-primas; o que fez com que perdessemos o mercado

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ficando em condições tristissimas a grande maioria dos operarios.
Depois diotD, comoçou a desenvolver se o nosso mercado colonial; effectivamente a industria portugueza exporta para as nossas colonias artefactos de sapataria; mas os operarios receiam, com rasão, que as mesmas casas que destruiram o mercado brazileiro, acabem tambem com este.
Per ultimo, a representação cita o facto da importação de artefactos da sapataria estrangeira.
Ora, sr. presidente esta importação é simples manifestação de vaidades e de ostentação ridícula.
Não é necessario mandar vir o calçado de fora, porque o nosso calçado fino é igual, ou quasi igual, ao que se fabrica no estrangeiro e muito mais barato. Provou-se isto na exposição de Paris, em que o nosso calçado fino póde soffrer comparação com o das outras nações concorrentes.
É effectivamente este um dos casos, em que entendo que um fortíssimo direito protector deve esmagar, ou fazer pagar caro, uma vaidosa ostentação de luxo.
Como regra geral deve se proteger o trabalho nacional, tanto mais quanto elle produz artefactos perfeitamente iguaes aos estrangeiros.
Alem d'isto, que me parece justo pelas rasSes que acabo de expor, fazem os operarios outros pedidos, sobre que podem levantar se algumas duvidas, mas que convém ser estudados. Referem-se ao trabalho feito nos asylos e penitenciarias, e á conveniência de substituir os fornecimentos de calçado por adjudicação quer para o exercito, quer para a marinha pela producção em officinas officiaes, isto é, por administração directa.
Estando eu, pois, de accordo com alguns pedidos feitos pela classe dos sapateiros, e como a representação tem pontos que esclarecem muito a economia intima da mesma classe, peço a v. exa. que se digne consultar a camara sobro a publicação da representação no Diario do governo, e que faça, quanto possa por sua parte, para serem attendidos os pedidos da classe, a que a representação se refere.
Auctorisou-se a publicação no Diario do governo.
A representação teve o destino indicado no respectivo extracto a pag. 624.
O sr. Francisco Machado: - São tão graves os assumptos que tenho a tratar, que nem sei por onde deva começar. O meu espanto é de tal ordem, os attentados que o governo pratica tão monstruosos, que eu vou apresentar um outro facto de não menos importancia d'aquelle a que se referiu o sr. Eduardo Abreu.
O assumpto a que me vou referir é momentoso e poço á camara que attenda á moção que passo a ler; é a seguinte:
«A camara, surprehendida pelo decreto de 9 do corrente, publicado na folha official de hontem, em que se declarou que as côrtes geraes da nação portugueza resolveram que no dia 14 do corrente mez, pela hora do meio dia, se effectue o acto do reconhecimento, pelas mesmas côrtes, do Príncipe Real D. Luiz Filippe; e não podendo permittir que essa asseveração inteiramente inexacta e absolutamente contraria á verdade dos factos, passe sem immediato correctivo, convida o governo a annullar o referido decreto e a regularisar tão importante acto constitucional em rigorosa observância do artigo 1.º da carta de lei de 28 de janeiro de 1864.º
Fui hontem surprehendido com a leitura do decreto publicado no Diario do governo para se reunirem as côrtes no dia 14, a fim de se reconhecer o Príncipe Real, porque nesse decreto diz-se que as camaras resolveram reunir-se no dia 14.
Sr. presidente, a camara dos deputados não resolveu cousa alguma a este respeito. (Apoiados.)
Eu peço aos meus illustres collegas, e peço a v. exa., sr. presidente, que me digam qual foi a sessão em que nós resolvemos que houvesse uma sessão real para o reconhecimento do Principe Real no dia 14 do corrente. (Apoiados.}
Estas praxes não se podem preterir de forma alguma.
O systema constitucional funda-se exactamente n'ellas, e é portanto impossível esquecel-as aos que querem que este systema se mantenha. (Apoiados.)
Se vamos por nós mesmos a exautorar o systema constitucional, se v. exa. não pugna pelos nossos direitos e pelas nossas regalias parlamentares, o que estamos aqui a fazer? (Apoiados.)
O governo, no intervallo das sessões parlamentares, praticou actos violando o systema constitucional; com as côrtes abertas continua a praticar actos contrários á constituição, e prepara-se para depois das côrtes fechadas continuar no mesmo systema!
O que fazemos, por consequência, nós aqui?
O que é verdadeiramente notável é o governo ir para o Diario do governo apresentar como um facto real aquillo que aqui não se passou, um facto que é menos exacto, que é menos verdadeiro. (Apoiados.)
Diz o decreto:
«Havendo as côrtes geraes da nação portugueza, em conformidade com o artigo 1.° da carta de lei de 28 de janeiro de 1864, resolvido que no dia 14 do corrente mez, pela hora do meio dia se effectue o acto do reconhecimento pelas mesmas côrtes do Principe Real D. Luiz Filippe, meu muito amado e prezado filho, como successor do throno deste reino, e estando disposto no artigo 8.° da citada carta de lei que seja dia de grande gala: hei por bem determinar, etc.»
Pergunto eu a v. exa., sr. presidente, quando e que nós resolvemos o que diz este decreto.
Eu creio que nós não resolvemos cousa alguma. (Apoiados.) Tenho assistido a todas as sessões e não me consta que se tenha tratado de tal assumpto. Acho, portanto, verdadeiramente extraordinário que se diga na folha official que as côrtes resolveram uma cousa que aqui não foi tratada.
O sr. Presidente: - Se o sr. deputado me dá licença, eu direi que as mesas das duas camaras é que combinaram, fixar o dia 14 do presente mez para a sessão real das côrtes geraes.
Esta é a praxe; foi o que se fez quando se tratou do reconhecimento, como successor ao throno, do Principe Real Senhor D. Carlos, actual Rei.
O Orador: - V. exa. sabe perfeitamente o muito respeito e consideração que tenho pela sua pessoa e pelo alto cargo que v. exa. desempenha; mas devo dizer que me parece que o decreto de 1864 não auctorisa os presidentes das duas camaras a combinarem-se para este effeito.
O que este decreto diz é que as camaras resolveram.
Diz este decreto o seguinte:
«Artigo 1.° O acto do reconhecimento do actual Principe Real o Senhor D. Carlos Fernando, e dos futuros principes reaes, como successores do throno deste reino, terá logar no palácio das côrtes, reunidas ambas as camaras sobre a presidencia do presidente da camara dos pares no dia e hora que forem designados por accordo das mesmas camaras.»
Não é por accordo das presidencias das camaras que se resolve este ponto; devo dizel-o, por muita que spja a importância de v. exa., e por muito que seja o respeito e consideração que eu tenha pela sua pessoa.
A camara é que devia delegar em v. exa., para v. exa. se combinar com a presidencia da camara dos dignos pares.
O sr. Presidente: - Se o sr. deputado me dá licença, observo-lhe que a mesa fez agora o mesmo que fez em 1864.
O Orador: - Eu não sei o que se fez em 1864. Se se

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fez isso, é porque ainda não era lei do paiz a actual lei, que rejeita este assumpto.
O decreto diz que as camaras se hão de reunir no dia e hora em que for designado por accordo das mesmas camaras.
O Diario do governo diz que as camaras resolveram.
Ora, eu peço a v. exa. e aos meus ilustres collegas que me digam se nós resolvemos alguma cousa neste sentido. Eu peço que me digam só foi aqui presente alguma proposta, algum projecto, ou emfim alguma medida qualquer, para nós resolvermos alguma cousa a este respeito.
Portanto o Diario do governo é menos exacto, porque não trata o que aqui se passou, ou, antes, traz uma cousa que uno se passou aqui.
À lei não diz que isto se deve fazer por accordo entro as mesas das duas camaras, mas sim por accordo entre as duas camaras.
Por consequência, se se entende que se podem preterir estas formulas, nas quaes assenta todo o systema constitucional, e que se póde dizer no Diario do governo uma cousa menos verdadeira, eu pergunto a que ficamos reduzidos, o que viemos aqui fazer e para que servimos? (Apoiados)
O governo resolveu em dictadura todos os assumptos que devia apresentar á camara para que as commissões dessem sobre elles os seus pareceres e para que nós tomássemos quaesquer deliberações; o governo prepara-se para resolver o resto tambem em dictadura. Portanto, nós não temos nada que fazer aqui, e o melhor é irmo-nos embora, porque fica mais barato ao paiz.
Se estes direitos constitucionaes se não cumprem e se Vem dizer-se no Diario do governo que nós resolvemos uma cousa de que nem sequer tivemos conhecimento, declaro aos meus collegas que fazemos a nós mesmos uma exautoração completa de cada um de nós e do systema parlamentar.
O sr. Presidente: - Peço licença para interromper o illustre deputado, a fim de o informar de que hontem, durante a sessão do dia, eu participei á camara, que estava combinado entre as mesas das duas camaras, verificar-se no dia 14 do corrente a sessão real das cortes geraes, a fim de se tratar do reconhecimento de Sua Alteza O Prin-cipe Real. Fiz esta declaração á camara, como na camara dos dignos pares do reino fora feita outra igual declaração pelo seu digno presidente.
Não me parece que por parte da mesa podesse haver outro meio de fazer constar aos srs. deputados esta combinação das duas mesas, da qual se deu conhecimento ao governo, para os effeitos convenientes, pela presidência da camara dos dignos pares do reino.
O Orador: - Peço a v. exa. a fineza de mandar ler na mesa a communicação que se fez ao governo nesse sentido.
O sr. Presidente: - Não posso discutir com o illustre deputado. Estou dando estas informações; se v. exa. tem a mandar alguma proposta para a mesa, eu a submetterei á resolução da camara.
O Orador: - Se v. exa. me permitte, desejava que mandasse ler, pelo sr. secretario, a communicação que foi feita ao governo, de que a convocação da camara para o reconhecimento do Príncipe Real, era no dia 14 do corrente.
O sr. Presidente: - Essa communicação foi dirigida pela presidência da camara dos dignos pares, por ser a ella que compete a presidência das cortes geraes.
O Orador: - Peço a v. exa. que me declare se acha regular essa resolução que se tomou e a forma como se procedeu.
Vozes: - Ora, ora.
O sr. Presidente: - Direi ao illustre deputado que acho este procedimento tão regular, que intervim n'elle como presidente da camara dos senhores deputados.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O Orador: - Pela minha parte, em meu nome e dos meus amigos politicos, declaro que temos por v. exa. o maior respeito e consideração, mas não podemos abdicar de nós uma attribuição que a constituição nos dá.
O sr. Presidente: - Sem animo algum de censura, peço licença para lembrar ao illustre deputado, que quando o decreto se refere às camaras, evidentemente quer dizer, às entidades que nas duas camaras dirigem os trabalhos. (Apoiados.)
O Orador: - Dessa maneira, quando as presidências das duas camaras quizerem, podem resolver, em nome das camaras, a approvação de qualquer lei, podem revalidar qualquer acto do governo, e nós não ternos nada que fazer!
Porque não approvou v. exa. já o bill, de accordo com o sr. presidente da outra casa do parlamento? Porque não são já approvados todos os projectos que têem de ser submettidos á sancção da camara? Se a camara desse a v. exa. um voto para isso, de accordo, mas desde o momento que esta praxe fique estabelecida, v. exa. resolve, de accordo com a mesa da camara dos dignos pares o com o governo, e nós não temos aqui mais nada que fazer, ficamos reduzidos ao papel de comparsas.
No entretanto, como desejo pugnar pelas regalias do systema parlamentar, tão desacatadas e desprestigiadas, cumpro o meu dever, e se os meus collegas da maioria entenderem que se devem desautorar a si proprios, façam-no, o meu protesto fica lavrado.
V. exa. têem os votos, esmaguem-nos com elles, mas a responsabilidade fica tambem com v. exas.
Vou mandar para a mesa a seguinte proposta, sobre a qual peço a urgencia e votação nominal.
«A camara, surprehendida pelo decreto de 9 do corrente, publicado na folha official de hontem, em que se declara que as cortes geraes da nação portugueza resolveram que no dia 14 do corrente mez, pela hora do meio dia, se effectue o acto do reconhecimento, pelas mesmas cortes, do Príncipe Real D. Luiz Filippe; e não podendo permittir que essa asseveração, inteiramente inexacta, e absolutamente contraria á verdade dos factos, passe sem immediato correctivo, convida o governo a annullar o referido decreto e a regularisar tão importante acto constitucional, em rigorosa observância do artigo 1.° da carta de lei de 28 de janeiro de 1864 = F. J. Machado.»
Tenho muitos outros assumptos a tratar, mas reputo estes tão graves, sérios, importantes e urgentes, que não quero tomar mais tempo á camara.
A camara, por uma deliberação, póde ainda remediar esta falta.
Se foi um lapso, se foi um engano,, deve confessar-se, porque todos nos podemos enganar. E melhor confessar que foram precipitados e que não pensaram bem, do que deixarem ficar um acto destes, que fica como precedente para a historia! Diz-se: «que a camara resolvera!» quando não houve resolução alguma.
Eu não tenho vergonha de dizer, que me enganei. Tenho-me enganado muitas vezes, e tendo-me enganado de boa fé, não tenho duvida de o confessar.
Era melhor que o governo confessasse que se tinha enganado, retirar este decreto e fazer uma proposta para seguir os tramites regulares. Este facto mostra a teimosia, a insistência e a premeditção do governo imaginar, que mais uma vez podia substituir-se ao systema parlamentar! Não foi verdadeiro e foi menos exacto.
Quando factos desta natureza se fazem tão precipitadamente, havendo a certeza de que algum de nós havia de dar por isso, imagine a camara o que se passa nos arcanos das secretarias!
Requeiro votação nominal sobre a urgência desta proposta.
Leu-se na mesa a seguinte:
Proposta A camara, surprehendida pelo decreto de 9 do corren-

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te, publicado na folha official de hontem, em que se declara que as cortes geraes da nação portugueza resolveram que no dia 14 do corrente mez, pela hora do meio dia, se effectue o acto do reconhecimento, pelas mesmas cortes, do Principe Real D. Luiz Filippe; e não podendo permittir que essa asseveração, inteiramente inexacta, e absolutamente contraria á verdade dos factos, passe sem immediato correctivo, convida o governo a annullar o referido decreto e a regularisar tão importante acto constitucional, em rigorosa observancia do artigo 1.° da carta de lei de 28 de janeiro de 1864. - F. J. Machado.
O sr. Presidente: - O sr. deputado Francisco Machado pede que se considere urgente a sua proposta e que seja nominal a votação sobre a urgencia.
Consulto a camara sobre se quer a votação nominal.
Resolveu-se affirmativamente.
O sr. Presidente: - Vão proceder-se á chamada. Os srs. deputados que admittem a urgencia da proposta do sr. Francisco Machado dizem approvo e os que não admittem dizem rejeito.
Feita a chamada
Disseram rejeito os srs.: Abilio Lobo, Adolpho Pimentel, Alberto Pimentel, Albino de Figueiredo, Serpa Pinto, Ortigão de Carvalho, Mota Veiga, Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, Jardim de Oliveira, Antonio da Costa Lereno, Antonio Maria Cardoso, Santos Viegas, Sergio de Castro, Augusto Pimentel, Pereira Leito, barão de Paço Vieira (Alfredo), Columbano Ribeiro de Castro, Custodio da Cunha e Almeida, Feliciano Gabriel de Freitas, Fortunato Vieira das Neves, Guilherme de Abreu, Costa Pinto, Alves Bebiano, Barroa Mimoso, Silveira Figueiredo, João de Paiva, João Pinto Moreira, Pedroso de Lima, Joào de Sousa Machado, Cardoso Pimentel, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Ribeiro de Castro, José de Azevedo Castello Branco, Figueiredo Mascarenhas, Charters de Azevedo, Greenfield de Mello, Oliveira Peixoto, Pestana de Vasconcellos, Soares de Albergaria, José Victorino e Albuquerque, Luna de Moura, Cau da Costa, Lnurenço Malheiro, Luciano Cordeiro, Pimentel Pinto, Virgílio Teixeira, Theophilo Ferreira, Aralla e Costa, Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Marcellino Mesquita, Teixeira de Azevedo, Antonio Teixeira de Sousa, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, Pedro Augusto de Carvalho.
Disseram approvo os srs.: Albano de Mello, Antonio Ennes, Augusto Fuschini, Augusto Ribeiro, Lobo d'Avila, conde de Villa Real, Eduardo Abreu, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Fernando Palha, Almeida e Brito, Francisco da Veiga Beirão, Francisco Mattozo da Silva Corte Real, Dias Costa, Francisco Machado, Ressano Garcia, Ignacio do Casal Ribeiro, Ignacio José Franco, Cesario de Lacerda, Simões Ferreira, José Antonio de Almeida, José Elias Garcia, José Júlio Rodrigues, José Maria de Alpoim, Latino Coelho, Monteiro Cancella.
O sr. Presidente: - Rejeitaram 57 srs. deputados e approvaram 26. Fica, portanto, a proposta para segunda leitura.
O sr. Conde de Villa Real: - Confesso a v. exa. que, neste momento em que a camara está justamente sobresaltada pelas tristes e dolorosas noticias vindas de Africa, pouco animo tenho para me referir aos factos sobre que desejo chamar a attenção do governo e que, embora graves, não têem a mesma importancia que têem essas tristissimas noticias!
Comtudo, como não está presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, nem o sr. ministro da marinha e ultramar, a quem alguns dos meus collegas desejam dirigir perguntas sobre aquelle assumpto, vou referir-me aos factos que me determinaram a pedir a palavra.
Sr. presidente, antes de entrar nas considerações que tenho de apresentar á camara, peço licença a v. exa. para fazer declarar que, se estivesse presente na sessão de sabbado, em que foi votada a generalidade do bill, teria votado contra.
Pedi a palavra para relatar á camara alguns factos graves que têem succedido no districto de Villa Real, factos para que chamo a attencão do sr. presidente do conselho, esperando que s. exa. se dará pressa em providenciar de forma que se não repitam similhantes abusos e violencias.
Uni dos factos que tenho de referir diz respeito á administração da irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia de Barbellas do concelho de Villa Real.
O estatuto que rege essa irmandade determina que no quarto domingo de outubro de cada anno seja eleita a mesa que no anno seguinte tem de gerir os negócios dessa irmandade.
Determina mais, que a mesa eleita nessa occasião tome posse da administração em março do anno seguinte.
Succedo, porém, que o sr. governador civil do districto de Villa Real, por alvará de 8 de fevereiro deste anno, entendeu dever dissolver, com auctorisação do governo, supponho eu, a mesa que estava então em exercício.
Não se explica bem como é que o sr. governador civil procedeu por essa forma quando estavam para expirar oa poderes da mesa então em exercício.
É certo, porém, que assim procedeu.
Parecia que, chegado o dia determinado pela lei que rege a irmandade a que me estou referindo para a posse da nova mesa, a commissão administrativa devia considerar findo o seu mandato e dar possa á mesa legalmente eleita em outubro do anno passado e que até o foi por unanimidade.
Não aconteceu, porém, assim, negou-se a commissão administrativa a entregar a administração da irmandade áquelles que para esse fim tinham recebido mandato legal, nenhumas providencias se chegaram a adoptar pela auctoridade superior do districto, apesar de ter sido solicitada a sua intervenção para fazer cessar similhante irregularidade, e, que me conste, como até hoje não foi esta pendencia resolvida superiormente, apesar de já ha bastante tempo, têem os interessados dirigido uma petição a Sua Magestade pedindo providencias contra a insolência que estavam soffrendo.
Parece-me que o sr. presidente do conselho podia facilmente acabar com estas irregularidades, e conto que s. exa. não se demorará em tomar as providencias necessárias para terminar este estado de cousas que realmente e bastante censurável.
Nada mais agora digo a tal respeito e fico esperando pelas informações que o sr. presidente do conselho então não deixará de dar á camara.
Tenho tambem de chamar a attenção de s. exa. para outro facto, e esse mais grave. Refiro-me ao conflicto que actualmente existe entre a camara municipal do concelho de Santa Martha de Penaguião e a auctoridade administrativa d'aquelle concelho, e a que esta auctoridade deu origem com o seu procedimento irregular e violento. Esse conflicto, que até hoje se tem limitado a violências de palavras, pôde, não tomando o governo providencias acertadas e immediatas, daqui a algum tempo originar factos muito mais graves e que todos nós lamentaríamos.
Na sessão da camara municipal d'aquelle concelho, em 31 de maio deste anno, a propósito de uma rectificação que o administrador do concelho propunha se fizesse a minuta da acta da sessão anterior, deliberou a camara que não devia tomar em consideração a reclamação do administrador do concelho, e que se devia approvar a minuta conforme ella estava redigida. O sr. administrador do concelho, em logar de recorrer aos meios que a lei lhe facultava, para compettir a camara a modificar as suas resoluções, se ellas são illegaes, o que não creio, começou a multar e ameaçar aquella corporação, vendo-se por esse motivo o presidente obrigado, primeiro a suspender, e maia

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tarde, por causa do novas provocações da auctoridade, a levantar a sessão.
D'esses factos tive conhecimento no próprio dia em que elles se deram, mas já tão tarde que não mesmo possivel nesse dia referir-me aqui a elles. O telegramma que me deu noticia do suceedido era bastante laconico, já tinha passado o momento mais opportimo para levantar a questão, por isso me pareceu preferivel esperar que viessem informações mais minuciosas, e limitei-me unicamente a participar o facto ao sr. presidente do conselho, pedindo a s. exa. que se informasse sobre o suceedido e providenciasse de forma que entendesse mais conveniente pura evitar a repetição de similhantes violencias e prepotencias por parte do administrador do concelho.
As informações vieram tarde, e outros motivos me impediram de me referir a este assumpto durante a semana passada.
No sabbado ultimo recebi um telegramma de Santa Martha de Penaguião referindo novas violências praticadas pela auctoridade administrativa d'aquelle concelho.
Antes da camara começar a funccionar, nessa manha, quando entravam nos paços do concelho alguns dos vereadores e outros cavalheiros d'aquella localidade, o administrador do concelho intimou a todos esses indivíduos a que deixassem examinar se eram portadores de quaesquer armas.
Pelo menos, dois vereadores d'aquella camara foram obrigados a sujeitar-se a este exame, e alguns outros indivíduos, entre os quaes o sr. dr. Antonio José Portella, meu amigo, homem honesto, incapaz de proceder violentamente, que tambem foi submettido a esse exame, sendo-lhe ao mesmo tempo dada a voz de prisão pelo sr. administrador do concelho, prisão que, por medo ou porventura, por um acto de prudência, não foi mantida.
E claro que depois de praticado similhante attentado, a camara não se considerava em condições de segurança para funccionar, podendo justamente receiar as maiores violências da parte da auctoridade, por isso resolveu telegraphar ao sr. governador civil, narrando-lhe os factos succedidos e pedindo a s. exa. que desse providencias que assegurassem a manutenção da ordem e evitasse a repetição das violências por parte do sr. administrador do concelho, e até então suspendeu os seus; trabalhos.
O sr. governador civil respondeu mais tarde, por meio de um telegramma anodyno, com o qual a camara não se julgou segura de que a ordem seria mantida e de que não soffreriam novos vexames; em vista do que resolveu participar o facto ao agente do ministerio publico para os de vidos effeitos, abstendo-se de nesse dia se occupar de outros quaesquer assumptos.
Estes são os factos que se passaram n'aquelle concelho, conforme as informações que me foram enviadas por pessoas em cuja seriedade e veracidade absolutamente confio; e sei que é feita minuciosa narrativa na acta da sessão, a que tenho alludido, e que não leio á camara para não lhe tirar mais tempo.
Provam ellas sobejamente que a permanência do similhante auctoridade n'aquelle concelho, não podo deixar de provocar novos conflictos, mais lamentaveis de certo que os primeiros, c, como eu não faço ao tr. presidente do conselho a injuria de suppor que s. exa. auctorisa ou desculpa violências de qualquer ordem, estou certo de que s. exa. não deixará de adoptar com urgência as necessárias providencias.
Podia ainda referir muitos factos que provam a inconveniência de continuar á frente d'aquelle concelho similhante auctoridade, no em t auto limito-me a estas considerações, esperando a resposta do sr. ministro do reino, e pedindo a v. exa. que consinta que de novo use da palavra, se o julgar conveniente, depois da resposta do sr. presidente do conselho.
O sr. Ministro do Reino (Antonio de Serpa): - Sobre dois pontos chamou o illustre deputado a minha attenção. O primeiro refere-se á dissolução da mesa de uma irmandade, pertencente ao districto de Villa Real.
Posso informar que este negocio foi resolvido no ministerio do reino pela mesma forma por que se resolveu um outro idêntico, quando era ministro do reino o sr. José Luciano de Castro, auctor do codigo administrativo.
O estado tem, incontestavelmente, a tutela sobre as irmandades; mas comprehende v. exa. que havendo milhares de irmandades em todo o reino, se o governo se occupasse de todos os conflictos que n'ellas se dão, pouco tempo teria para tratar de outros assumptos.
No tempo em que era ministro do reino o sr. José Luciano do Castro, dando-se um caso analogo, respondeu-se á mesa eleita a quem a commissão executiva não quiz dar posse, que recorresse para o tribunal administrativo. Foi exactamente o que se resolveu agora, e portanto eu não fiz mais do que seguir a jurisprudencia do meu antecessor. (Apoiados.)
Pelo que respeita ao conflicto entre o presidente da camara municipal de Santa Martha de Penaguião e o respectivo administrador do concelho, o que houve, pelo que ouvi ao illustre deputado, não passou de uma questão de palavras.
De um lado e do outro affirmam-se factos que não estão de accordo. Os membros da camara, e sobre tudo o presidente, queixam-se de terem sido injuriados pelo administrador do concelho, e esta auctoridade queixa-se de que foi injuriado e insultado, não pelos vereadores, mas pelo presidente da camara.
Tratando apenas desta questão de palavras entre o administrador do concelho e o presidente da camara, não havia que providenciar.
Agora parece que ha mais alguma cousa; mas eu não tenho ainda conhecimento exacto do que seja. Parece que da factos praticados pelo administrador do concelho, a camara recorreu para o governador civil, e o governador civil já prometteu, não sei em que termos, que daria satisfação, ou que faria manter a ordem e a regularidade na administração.
A esto respeito não posso, pois, acrescentar mais nada, porque, mais nada sei; mas tomo no entretanto nota do pedido do illustre deputado, e logo que tenha roais alguma informação, apressar-me-hei a communical-o a s. exa. e á camara.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Conde de Villa Real: - Pedi novamente a palavra para dizer que, em relação ao primeiro assumpto sobre que chamei a attenção do sr. presidente do conselho, registo a resposta de s. exa. isto é, que a mesa, que só julgou a gravada, terá recorrido pelas vias competentes.
Quanto ao segundo ponto, aguardo que s. exa., em conformidade com o que me prometteu, mande pedir novas informações e as communique á camara.
Agradeço a s. exa. a bondade que teve de comparecer na camara para me dar estas explicações.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Pinheiro Chagas : - Mando para a mesa duas representações, a que v. exa. dará o destino conveniente. Uma e dos distribuidores dos correios e telegraphos do reino e outra da associação dos empregados do commercio e industria.
Tiveram o destino indicado nos respectivos extractos a pag. 624.
O sr. Ortigão de Carvalho : - Mando para a mesa uma declaração de voto.
Vae publicada a pag. 625.
O sr. Casal Ribeiro : - Mando para a mesa dois requerimentos pedindo esclarecimentos ao governo.
Vão publicados na secção competente a pag. 624.
O sr. Augusto Pimentel: - Mando para a mesa um requerimento, para que sejam enviados a esta camara, pelo

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respectivo ministerio, diversos documentos, relativamente á syndicancia a que se procedeu na repartição de fazenda do concelho de Villa Verde.
Vae publicado a pag. 625.
O sr. Elias Garcia: - Mando para a mesa uma representação do comicio realisado em Lisboa no dia 8 do corrente contra as novas medidas tributarias.
Enviada á commissão de fazenda.
O sr. Costa Lereno: - Mando para a mesa uma declaração de voto.
Vae publicada a pag. 625.
O sr. Reis Torgal: - Mando para a mesa uma declaração de voto. Mando juntamente um projecto de lei, auctorisando o governo a reformar dois bonds da divida publica portugueza externa, descaminhados, do valor nominal de 500 libras cada um; e bem assim a fazer d'elles entrega, com os respectivos juros desde 1870, a Luiz José de Matos.
Ficou para segunda leitura.
A declaração vae publicada na secção competente a pag. 625.
O sr. Antonio Maria Cardoso: - Mando para a mesa uma representação dos donos de estabelecimentos de barbeiro, residentes em Lisboa, pedindo reducçâo da sua collecta da decima industrial. A illustre commissão de fazenda apreciará devidamente os fundamentos desta pretensão, que se me afigura justa.
Mando tambem para a mesa um requerimento do capitão de fragata reformado Gronçalo Ayres da Costa Campos, pedindo que seja applicado aos officiaes reformados da armada, em serviço nas capitanias dos portos, o § 2.º artigo 156.° da organisação de 31 de março ultimo.
A representação e requerimento tiveram o destino indicado nos respectivos extractos a pag. 624.

OBDEM no DIA

Continuação da discussão, na especialidade, do projecto de lei n.° 109, que releva o governo da responsabilidade em que incorreu pelas medidas dictatoriaes
O sr. Presidente: - Vão ler-se as duas moções que foram mandadas para a mesa na sessão nocturna de hontem.
Leu-se a seguinte:

Moção

A camara, reconhecendo que as providencias de caracter legislativo publicadas pelo governo não foram devidamente estudadas por falta de tempo, e que a par da deficiência de preceitos, carecem de unidade e harmonia, convida a commissão a, de accordo com o governo, rever todos os decretos dictatoriacs e substituil-os por projectos, cujo exame o parlamento possa fazer com o indispensável conhecimento, não só de doutrina e de fim, a que tem de se subordinar a confecção das leis, mas ainda dos encargos que advenham para o thesouro e que as circumstancias financeiras obrigam a ponderar cuidadosamente.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 10 de junho de 1890. - O deputado Antonio Baptista de Sousa.
Foi admittida.
Leu-se mais a seguinte:

Moção

A camara, considerando que o decreto sobre o direito de liberdade de imprensa, e todos os outros decretos dictatoriacs, contêem princípios de inteira justiça, e attenderam às conveniencias sociaes, satisfeita com as explicações do governo, passa á ordem do dia. = O deputado, Pestana de Vasconcellos.
Foi admittida.

O sr. Elias Garcia (na tribuna): - Sr. presidente, em conformidade das disposições do regimento, começo por ler a moção de ordem, que vou ter a honra de mandar para a mesa.
É a seguinte:

«A camara, affirmando a necessidade de manter e ampliar os princípios liberaes e democráticos consignados na nossa legislação, não concede approvação aos decretos que os restringem e contrariam, e passa á ordem do dia. - J. Elias Garcia.»
O illustre orador, que abriu este debate na generalidade, começou por declarar que o fazia em condições, que he qualificou de as mais péssimas. Direi tambem que neste momento não faço uso da palavra com aquelle desafogo com que desejaria fazel-o, porque sobre a camara depende neste momento o quer que seja, que muito a incommoda e magoa. (Apoiados.}
E triste é que nós não possamos sair deste embaraço, apesar de estar presente o sr. presidente do conselho, o que significa que s. exa. não se acha habilitado a dar a esta camara as explicações, que ella devia ouvir, que ella
em necessidade de ouvir. (Apoiados.)
Nós estamos á espera do sr. ministro da marinha e do sr. ministro dos negocios estrangeiros. A camara esperará, bom é que espere.
Não serei eu que incite a sua impaciencia neste momento ; e apenas entrarem na sala esses dois srs. ministros, qualquer que seja a altura em que eu me encontre no meu discurso, quaesquer que sejam as considerações que eu esteja fazendo, suspendel-as-hei immediatamente, para satisfazer os desejos da camara. (Vozes: -Muito bom.) Mas, sr. presidente, o illustre deputado que abriu o debate em condições extremamente dolorosas... ao terminal-o, disse tambem em voz cava e triste, que parecia que nós estávamos assistindo às exéquias do regimen parlamentar. E o primeiro orador que fallem sobre a especialidade deste projecto, o sr. Dias Ferreira, tambem nos disse que, se tudo quanto se comprehendia nos decretos dictatoriaes fosse votado por esta camara, nós, membros d'ella, podíamos ir-nos embora, porque nada tínhamos aqui que fazer.
Quer o illustre orador do partido progressista, quer o illustre orador, não direi de que partido, mas que é incontestavelmente uma das vozes mais auctorisadas desta camara, quer um, quer outro manifestaram receios de que o regimen parlamentar tivesse de soffrer um destes ataques que no século que vamos atravessando mais de uma vez elle experimentou.
Mas eu tenho esperança e confiança que no século que vamos atravessando, com a corrente liberal e democrática, que apesar de tudo e contra tudo atravessa o mundo, tenho esperança, digo, que o regimen parlamentar ha de superar e vencer todos os obstáculos que se levantem; esse regimen se aperfeiçoará, n'elle se corrigirão as difficuldades que se hajam levantado, e ha de por ultimo triumpbar. Nós já temos visto n'elle seculo mais de uma vez attentar contra o regimen parlamentar. Napoleão III pretendeu acabar com elle, e não pôde; supprimindo temporariamente o regimen parlamentar, rebaixou a França, rebaixou o nível intellectual d'aquelle paiz, e só depois dos maiores desastres é que nós o vimos levantar-se, e levantar-se graças ao regimen parlamentar que não expõe as camaras â dissolução por parte do poder executivo, sem que essa dissolução custe caro a quem a decreta.
Nós vimos tambem no paiz vizinho a restauração levantar-se, começando por attentar contra o regimen parlamentar, snpprimindo-o; e nós vimos que pouco depois o regimen parlamentar se foi successivamente levantando n'aquella terra, que o jury, a liberdade de imprensa, o direito de reunião, o direito de associação e ultimamente o suffragio universal mostraram a superioridade desse regimen sobre o regimen que o pretendera supprimir.
Não receio, portanto, do regimen parlamentar, quaesquer que sejam os ataques a que esteja exposto, quaes-

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quer que sejam as tentativas que contra elle se preparem.
O illustre deputado a quem me referi, notou tambem que, tratando nós de uma dietadura, singular era que observassemos os factos que se tinham dado no nosso paiz nos ultimos tempos... parecendo que s. exa. pretendia fazer coincidir a apparição de uma dictadura com o progresso o adiantamento das idéas liberaes e democráticas, ou com a victoria mais ou menos completa dos movimentos populares.
Sr. presidente, ha dictaduras que se impõem pela força das circumstancias; no momento em que caía a carta constitucional, em 1836, não havia de ser a carta que havia de governar.
A dictadura de Passos Manuel impunha-se pela necessidade das circumstancias, ninguem a podia contrariar; não se póde dizer o mesmo a respeito das dictaduras que vieram posteriormente. A da carta de 1842 ainda se comprehendia, porque, assim como a constituição de 1820 tinha derrubado a carta, a carta derrubou, por uma conspiração palaciana, a constituição de 1838, e derrubada esta constituição comprehendia-se a dictadura; mas as dictaduras que depois se succederam, a de 1844 e outras, não têem a mesma explicação, e não significam senão a lucta continuada e constante contra o progresso liberal e democratico da nossa terra.
No primeiro periodo, desde 1820 até 1834, estas luctas foram accesas e terminaram perdendo D. Miguel o throno que, muitos diziam, tinha usurpado, mas que elle garantiria se em vez de suffocar a liberdade se esteiasse n'ella, porque a causa de D. Pedro era legitima, mas a maior e mais firme das legitimidades era a liberdade que os soldados de D. Pedro defendiam; deixaria de ser legitima se elle se pozesse ao serviço das idéas reaccionarias.
Assim a primeira lucta entre as idéas liberaes de 1820 até 1834, custou o throno a D. Miguel, e a lucta de 1834 até 1801, em que governava tambem uma Rainha inexperiente, custou cara ao paiz.
As luctas que se travaram para atacar os principios liberaes, todas ellas apadrinhadas e protegidas pela coroa, acabaram felizmente em 1851, porque nem sequer as tinham podido acabar as invasões estrangeiras que a corôa provocara não só humilhando o paiz, mas pretendendo ainda prival-o da liberdade.
Em 1851 a coroa, felizmente, capitulou, ficou verdadeiramente prisioneira, e abriu-se uma era de paz e, digamos mesmo, de prosperidade e de melhoramentos, que se teria aberto muito antes, se as luctas em que a corôa tinha attentado contra as liberdades publicas não tivessem infelizmente surgido na nossa terra.
D. Miguel perdeu a coroa. A primeira Rainha constitucional, condicional se dizia, porque diziam os homens d'esse tempo que seria constitucional com a constituição, sem a constituição, não; não perdeu a coroa, mas esteve a pontos de a perder. As dictaduras posteriores têem tido um caracter differente. Só em 18G8 ou 1869 appareceu a primeira dictadura, o essa pretendeu o sr. Emygdio Navarro que fosse provocada pelo movimento popular do 18G7 para 1868. Como surgiu esse movimento? Depois de 1852 formaram-se neste paiz dois partidos, o partido regenerador e o partido histórico. Esses partidos luctaram, aggredindo-se, chegando depois um momento em que entenderam que deviam abraçar-se.
Era justo que se abraçassem se ambos tinham o mesmo pensamento e a mesma norma política, se os seus processos políticos eram exactamente os mesmos, porque neste caso não representavam perante o paiz senão uma verdadeira comedia, visto que eram a mesma cousa, quer no poder quer fora d'elle. Esses partidos reuniram-se pela fusão, e esse acto podia inspirar fagueiras esperanças, só os homens eminentes d'esses dois partidos, cansados de luctar, se congregassem para aproveitar a sua intelligencia e os seus esforços em favor do adiantamento da nossa terra. Mas a pouco trecho se transviaram do tal modo, que, apesar de serem elles os dois unicos partidos que podiam disputar successivamente o exercicio do poder e estabelecer essa rotação constitucional que é inherente ao regimen representativo; apesar de não haver nenhum partido organisado, foi tal a força da opinião, foram taes os erros que esses dois partidos reunidos commetteram, que caíram, e caíram amaldiçoados pela voz popular. Como não havia nenhum partido que lhes podesse immediatamente succedcr, appareceu o sr. marquez d'Avila e Bolama que, segundo os seus processos, não tinha vontade do praticar actos de dictadura; mas a voz popular impunha-se de tal modo, os erros praticados eram de tal ordem e algumas das leis ultimamente votadas pelo parlamento, exigiam tão prompta revogação, que o governo do sr. marquez d'Avila, mais do que conservador, apesar de ser acompanhado pelo sr. Dias Ferreira, tão conservador n'aquella occasião como aquelle illustre estadista, esse governo teve de assumir a dictadura e revogar essas leis. Essa dictadura impunha-se pela força das circumstancias; não havia nada, absolutamente nada que a evitasse.
O mesmo suceedeu á dictadura de 19 de maio. Com respeito a essa, basta referir os factos praticados para reconhecer que elle naturalmente se impunha. Mas as outras dietaduras que se foram succedendo, mostraram única o simplesmente a falta de confiança dos partidos na sua propria força para perante o parlamento conseguirem introduzir na legislação o que elles entendiam mais conveniente... Não era só a falta de força que elles sentiam, era tambem a impaciência que tinham de exercer o poder o que os levava a proceder desta forma. Mas no regimen parlamentar é necessario que da parte dos homens públicos haja a maior confiança nos seus partidários; sem essa confiança nada se póde fazer.
E é absolutamente necessario que os homens publicos n'este regimen não estejam sujeitos a grandes impaciencias para poderem luctar pelos princípios, para mostrarem que o sou procedimento e as suas palavras estão de perfeito accordo. Não é norma de nenhum homem publico proceder de uma maneira e fallar de outra.
Qual foi a causa da dictadura que estamos discutindo?
Nós ouvimos aqui tres grupos distinctos da maioria apresentarem essa causa.
O sr. presidente do conselho, que indiscutivelmente representa o governo, attribuiu a dictadura á necesssidade, não do governo ter força, porque s. exa. nos disse que a tinha, mas de mostrar que a tinha, e acrescentou que, não obstante a situação do governo ser extraordinariamente dolorosa, não foi ella que o obrigou a fazer dictadura.
Isto foi o que s. exa. disse e ainda hontem o confirmou.
O grupo da velhos amigos do governo, dos velhos e antigos parlamentares, representado aqui pelo illustre relator d'este parecer, considera como causa da dictadura os factos notaveis occorridos. O sr. Pinheiro Chagas attribue principalmente a dictadura a não sei que causas e cousas verdadeiramente extraordinárias, notavelmente extraordinarias, a perigos imminentes, perturbações espantosas, a uma situação, emfim, tão dolorosa, tão angustiosa, que se tornava absolutamente necessario que um homem qualquer tomasse a resolução suprema de pôr-se ao leme da nau do estado para dirigir os negocios com exito, o que equivale a suppor que em tal conjunctura era necessario que um heroe viesse salvar-nos.
O sr. presidente do conselho não é d'esta opinião, e ainda hontem o disse aqui com a sua habitual delicadeza. S. exa., não querendo tomar para si o papel de heroe, pretendeu passal-o ao sr. Fernando Palha, e disse-nos que a situação não era para heroes, porque bastava apenas haver bom senso, juizo e algum criterio.
Não havia necessidade de heroes, e se não havia tal necessidade, mal parece que o sr. relator da commissão os

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desejasse, suppondo que tal era a perturbação dos negocios publicos, que era preciso um heroe para os pôr a bom caminho.
O outro grupo da maioria é representado pelos cavalheiros que pela primeira vez entraram na camara, e que ouvimos nas suas estreias com, muito prazer, e a quem não podemos deixar de tributar os nossos elogios e os nossos comprimentos pela maneira como se comportaram, revelando as suas qualidades oratorias.
Esse grupo, porém, - e como eu não posso citar todos, referir-me-hei apenas ao que nos apresentou a causa desta dictadura de uma maneira extraordinariamente singela - disse-nos que tivemos a dictadura, porque Sua Magestade a queria! (Apoiados da esquerda.)
Talvez esta confissão, por ser dos mais novos, fosse a mais ingenua!
E não surgiu dos bancos do governo uma única observação a esta opinião de um dos seus confrades! (Apoiados da esquerda) E o sr. presidente do conselho, que arredou de si o papel de heroe que lhe queria distribuir o sr. Pinheiro Chagas, entendeu que sobre este ponto devia conservar um significativo silencio! (Apoiados da esquerda.)
Apenas se levantou o sr. Elvino do Brito para protestar contra esta doutrina, e fel-o talvez para conservar as tradições do partido a que s. exa. pertence, porque nós tambem ouvimos o sr. José Luciano declarar nesta casa que no dia 19 de maio de 1870, o chefe do estado, no uso libérrimo das suas prerogativas, tinha demittido os ministros da sua confiança.
De forma que o chefe do estado, quando recebia a visita do marechal Saldanha na manhã de 19 de maio desse anuo, usou liberrimamente das suas prerogativas; o na actual conjunctura, de todos que estilo aqui, HO podem discutir a dictadura os republicanos, porque aos monarchicos não é licito fazel-o, visto que esta dictadura era da vontade do Rei!
Parece que esta opinião revela bem o estado confuso de animo de toda a maioria, revela bom como a verdade apparece sempre, apesar de tudo com que pretendam encobril-a. Mas o que e verdade e que, quer o Rei consinta, quer não, a constituição estabelece os tres poderes do estado e ao mesmo tempo incumbe ao moderador velar para que uns não entrem na espera dos outros; porque realmente a carta é rasgada no momento em que esta atalaya vigilante deixo de cumprir o seu dever.
N'este momento póde dizer-se que a constituição, com respeito a irresponsabilidade do chefe do estado, ella, que está rasgada em todas as suas disposições, fica immune com respeito a essa?
A Rainha D. Maria II, numa oecasião em que protegia uma das conspirações mais ousadas contra as liberdades publicas, assediada no seu palacio, tentou ir para bordo de um navio estrangeiro, e alguém houve que lhe disse que não procedesse de tal modo, porque se podia entender que abdicava. Porque não havia algum bom conselheiro de dizer que, rasgada, a constituição, com tal ataque que só lhe fazia, ia de envolta a irresponsabilidade do Rei?
Sr. presidente, este debate vae longo, e eu disse já á camara que deixaria de usar da palavra apenas chegassem os srs. ministros da marinha e dos estrangeiros; mas v. exa. comprchende que, por maior que seja o meu desejo de suspender o uso da palavra, maior será o de ter acabado antes de s. exas. chegarem, e por isso eu encurtarei as minhas considerações, porque, o que desejo é deixar aqui consignada de uma maneira bem clara e explicita a minha opinião o o meu voto contra este systema pertinaz dos governos em sair da legalidade, e no momento em que se põem fora da legalidade, é que procuram coagir os cidadãos a entrar n'esta, como se fosse licito a qualquer auctoridade, no momento em que rasga a lei, invocal-a para a applicar seja, a quem for. Por isso eu estranho que aqui diversos oradores estranhassem que a camara municipio realsistisse ou pretendesse resistir ou se preparasse para resistir ao acto ministerial, em virtude do qual ia ser dissolvida.
Para que se crearam as diversas instituições, para que se cria o governo, para que ha o chefe do estado, para que se cria o parlamento, para que só criam as municipalidades, para que se criam as diversas entidades? Não é para que procedam em conformidade com a lei, não é para que desempenhem os deveres que a lei lhes impõe, que evitem que quem quer que seja se opponha ao exercicio das funcções que exercem em virtude da lei? Não comprehendo que haja corporações nem auctoridades que não sejam assim.
Eu entendo que a todos e a cada um deve estar marcada a orbita das suas attribuições; entendo que a todos e a cada um deve estar marcada a sua esphera de acção, mas dentro d'essa csphera ninguem póde penetrar, toda a resistência e legitima, e illegitima é a auctoridade de quem quer que seja que intente contra a lei, illegitimo e o governo que sáe fora da lei procedendo contra aquelles que a defendem.
Se a camara municipal tinha procedido de um modo incorrecto, a lei lá estava para que fosse applicada a essa camara. Mas ter o governo animo e coragem para empregar uma linguagem que não se usa, já porque, a cortezia, a delicadeza e a dignidade de homens nos impõem quando exercemos a auctoridade, a obrigação de usar de uma linguagem especial; ter o governo a ousadia de dizer, como diz aqui:
«As disposições manifestadas, e até feitas publicas, de resistencia às determinações do governo, quando se suppoz, aliás infundadamente n'essa occasião, que este ia dissolver a camara municipal, constituem um facto subversivo e anarchico, que, se passasse sem correcção, podia ter no futuro as mais graves consequencias para a segurança publica.º
Correcção, sr. presidente! Um governo fora da lei, atropelando a lei, infringindo a lei, dirigia-se a quem a defendia, a quem estava dentro d'ella, dizendo que lhe ia applicar uma correcção. Correcção não a recebeu a camara, recebeu-a elle e essa correcção deu-lha quem. lha podia dar. Não foi a camara, foram os eleitores, e os eleitores deram-lha, e honra lhes seja, e eu que represento aqui parte d'elles, agradeço a honra que me fizeram de permittir que viesse aqui dizer que honraram a cidade, honrando as liberdades e responderam condignamente á maneira insólita por que o governo procedera.
Eu não quero, porque não posso, nem o tempo mo permitte, seguir um a um os decretos que estão sujeitos á apreciação da camara.
Todos sabemos que a situação angustiosa em que nos encontrámos parte de 11 de janeiro; todos sabemos que desde então até agora para sobre nós todos o quer que seja do negro e triste, que nos embarga até certo ponto a voz.
Eu estou habituado ha muitos annos n'esta casa a guardar a maior reserva com respeito às questões diplomaticas, com respeito às relações internacionaes, não porque entenda que não possamos, no uso liberrimo das nossas attribuições e diante de todos, expor a nossa opinião a respeito do que se passa nas relações do nosso governo com os outros paizes, mas porque tenho sempre entendido que nestas questões internacionaes é absolutamente necessario constituir o governo na situação de que elle possa digna e honradamente defender os foros e regalias da nação; e para que se não interpretem mal quaesquer palavras que nós soltemos, prefiro guardar silencio.
Temos guardado silencio o tem-no guardado toda a opposição desta casa, e honra lhe seja; tem-o guardado mesmo todo o paiz, e não se póde dizer, com justiça, que, na crise angustiosa por que passámos nos dias 11, 12 e

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13 do janeiro, alguém que mereça o nome de filho desta terra especulasse com os acontecimentos.
Eu não tenho procurarão de outros partidos para arredar d'elles qualquer insinuação que se lhes possa fazer a isto respeito; mas em nome do partido republicano, como mais de uma vez já aqui tenho dito nesta casa, protesto o arredo com toda a vehemencia, da minha palavra, qualquer insinuação que se lhe faça de que elle haja especulado uma vez só com as desgraças da patria, ou que tenha pretendido tirar partido de qualquer perturbação para seu proveito partidario.
Nunca o fez, não o tem feito e espero que o não fará, porque o partido republicano, para conquistar o conceito dos seus concidadãos, para attrahir a força da nação, não carece de especulações e engeita qualquer consorcio que se queira com elle fazer para isto. E póde ser que esteja alguém nesta casa que saiba que o que eu digo é a pura verdade.
Póde ser que a minha voz seja mais desafogada aqui, mas em outros logares ella tem de ser medida para não excitar paixões, para não levantar impaciencias, para não concitar odios, sempre prejudiciaes. A minha voz nunca se entibiou, e não é porque eu tenha menos desejos de ver adiantado o caminho da victoria e do triumpho para a satisfação do meu ideal; mas é que eu entendo que é preciso soffrer por elle; que é preciso dar provas evidentes, em todas as occasiões e em todos os logares, que não é a ambição estéril do poder que nos seduz, mas o desejo de collocar o paiz a coberto de tudo quanto possa rebaixar o nivel moral da dignidade humana.
Eu não percorrerei, pois, todos os decretos, porque isso me levaria muito tempo. Nas questões internacionaes guardo reserva, mas isto não quer dizer que eu não solicite que todos nós sejamos conhecedores do que devemos conhecer, porque um homem só, e mesmo sete, não podem estar completamente prevenidos contra todas as surprezas.
O primeiro decreto trata da defeza do paiz.
Também sobro isso não fallarei agora.
Não acompanharei os meus collegas que pediram que o governo viesse aqui dizer qual a norma que se impõe, e quaes são os recursos de defeza que temos. Não farei isso. Procurarei por todos os modos conhecer esses recursos, mas não será por palavras que eu aqui profira, que alguém que tenha interesse em saber quaes elles são os possa vir a saber.
Também não fallarei agora na reforma do exercito, mas junto a minha solicitação á do sr. Dias Ferreira, se solicitação foi, para que a commissão acceda a que se tire desta auctorisação o que diz respeito ao recrutamento.
Já o sr. Dias Ferreira disse que a constituição prescreve pertencer á iniciativa parlamentar o que diz respeito ao recrutamento.
Se essa iniciativa nos pertence, porque é que o governo vae tomar esse encargo?
E pesadissimo encargo elle toma.
De outros decretos tambem não fallarei.
Não posso, porém, deixar de sentir que não esteja presente o sr. ministro da marinha e ultramar, para lhe dizer que o decreto que auctorisa a reforma de todos os serviços dependentes d'aquelle ministerio merece um nome que eu não lhe quero dar agora.
Quer-se reformar tudo, tudo, tudo, sr. presidente.
Esta reforma carece de uma modificação, e eu quizera sobre tudo que a camara marcasse o tempo até ao qual a auctorisação dura, porque aliás não sabemos até onde irá esta auctorisação, principalmente pelo que respeita às dependências do ministerio da marinha. (Apoiados.)
Quanto às providencias relativas á fazenda, não digo nada também, porque por minha falla o sr. ministro da fazenda.
O sr. ministro da fazenda diz que, para se resolver a questão de fazenda é preciso o concurso do parlamento, é preciso o concurso dos membros do governo, e é preciso o concurso do paiz.
Pois se o sr. ministro da fazenda entende que para se resolver a questão de fazenda, é indispensável o concurso do parlamento, o concurso dos membros do governo, que elle invoca, o que faz parecer que o não tem, e o concurso do paiz, como é que s. exa. se lembrou de tomar em dictadura providencias de fazenda com relação á defeza do paiz?
São neste caso inúteis, perfeitamente inúteis similhantes providencias; não passarão de certo do papel.
Com respeito á parte da dictadura que é propriamente politica, não posso esquivar-me a dizer uma cousa.
O illustre relator tem se equivocado mais de uma vez; e o illustre presidente do conselho ainda se equivocou muito mais, porque dizia, com aquella simplicidade que o caracterisa e que até muitas vezes nos é sympathica, que o decreto de liberdade de imprensa, assim como todos os outros, não foram feitos para proteger os interesses do partido a que s. exa. pertence. Como é, dizia s. exa. que eu mesmo poderia requestar votos, publicando na vespera de uma eleição uma lei como esta?
E o illustre relator da commissão tambem diz que todos estes decretos, que constituem os vinte e um, que são submettidos á votação desta camara, todos elles, já o paiz os conhecia, na occasião e no momento em que se procedia às eleições em 30 de março.
Ora aqui ha um grandíssimo equivoco.
Esta dictadura diz-se ter sido a dictadura da ordem, a dictadura da defeza, a dictadura não sei de que.
Esta dictadura na primeira occasião em que appareceu, em 10 de de fevereiro, não invocou a ordem, não fallou nas necessidades da ordem publica, porque se nos decretos de 29 de março é que se diz que é em nossa da ordem publica que elles são publicados.
Ora, como é que nas tres datas de 10 de fevereiro, 10 de março, e não 29 de março, mas 7 de abril, a dictadura apresentou caracteres diversos? E este projecto carece de ser emendado, porque diz 5 de abril, quando é 7, pois que foi nesta data que saiu no Diario do governo.
Na primeira dictadura invocam-se, como necessidade della, os acontecimentos do dia 11 de fevereiro!
Em 11 de fevereiro parece que o governo estava possuído de um pavor extraordinário, porque na manhã desse dia a cidade de Lisboa parecia estar era estado de sitio; e os decretos vieram para demonstrar que o governo, para lhes dar publicidade no Diario ao governo, carecia, ao que parece, daquella ostentação de força.
Ora, sr. presidente, o pavor era grande; o sr. presidente do conselho disse que elle mesmo de boa mente iria depor uma corôa na estatua de Camões! Arreceiou-se cointudo de o fazer! Quem sabe? Talvez fosse extraordinariamente agradável a toda a população de Lisboa que s. exa. ali fosse.
Era-o com toda a certeza.
Se s. exa., em vez de pôr lá a guarda municipal, em vez de pôr a guarda municipal nas das durante o dia, tomasse a nobilíssima resolução de se associar áquelles que queriam dar aquella demonstração, estou convencido de que s. exa. seria recebido com applauso por todos, todos approvariam o seu procedimento.
S. exa. preferiu cercar a estatua de Camões pela força publica, preferiu mandar pôr as forças nas das para acutilar e prender a esmo os cidadãos; e não contente com isso, prohibiu igualmente a manifestação de 2 de março, uma manifestação inteira e exclusivamente pacifica, que congregara o sentimento de homens de diversos partidos, onde não havia absolutamente nenhuma intenção partidária, e unicamente havia o desejo de mostrar, que na conjunctura angustiosa que iamos atravessando não só a cidade de Lisboa, mas os municipios e muitos outros estabelecimentos se associavam aquella manifestação, que não podia

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senão provar a favor da nossa cidade o do nosso paiz, e redundar em vantagem e nunca em prejuízo do que diz respeito á nossa patria.
Mas o governo preferiu prohibir a manifestação, e prohibir em que termos!
Os editaes do sr. governador civil, como eram commentados pela populaçtio de Lisboa! A população de Lisboa accommodou-se ? No dia 11 de janeiro andou muita gente pelas ruas.
Mas o sr. Pinheiro Chagas já o disse, não era só a gente que estava nas das que sentia, ferida no coração, o sentimento de amor pela nossa terra. Era nas casas particulares, nas lojas, em muitos outros pontos, e ahi estava incomparavelmente muito mais gente do que nas ruas, que na intimidade se desatava esse mesmo sentimento nobilissimo.
O mesmo aconteceu no dia 11 de fevereiro! Ninguem fugiu, todos lastimaram em sua casa que tivéssemos um governo que procedia de tal modo: -que nos apresentava perante a Europa como terra de bárbaros. (Apoiados.)
Já quando a cidade de Lisboa quiz collocar uma corôa no túmulo de Fernandes Thomás, e estava no governo o sr. Barjona de Freitas, que tem as suas presumpções e vaidades de homem liberal, elle prohibiu o cortejo civico, e não contente com prohibil-o, quando fomos ao cemiterio, encontrámos um esquadrão de cavallaria, de espadas desembainhadas á porta do cemitério! Isto não se pratica senão numa terra de canibaes! Quando íamos junto de um sepulchro honrar a memoria d'aquelle homem notável, havia um governo que julgava dever mandar a força publica para a porta do cemiterio, com as espadas desembainhadas! Isto é das cousas mais barbaras que se podem imaginar! Pois o mesmo fez este governo!
Ha dois dias n'esta casa, o nosso estimavel e novel collega o sr. barão de Paço Vieira narrou o que lhe aconteceu em uma das noites anteriores. Estranhou aqui o facto, e o sr. presidente do conselho acudiu a responder-lhe. Eu ao ouvir o sr. presidente do conselho verdadeiramente transformado, porque, se etn vez de ser o sr. barão de Paço Vieira, distincto membro da maioria desta casa, da opposição alguem viesse contar o caso, provavelmente a maioria não o acreditava, e ria-se... e até mesmo o sr. presidente do conselho se levantaria, dizendo: «a ordem publica exige isto», e a maioria provavelmente applaudia, porque tambem applaudiu quando foram presos os deputados por causa do banquete republicano na Avenida; mas, felizmente, ouvi o sr. presidente do conselho levantar-se espantado e prometter que não consentiria que os pares e deputados fossem presos. Eu pedi logo a palavra, mas o sr. presidente (dirigindo-se á presidencia) e não v. exa., que está neste momento presidindo, entendeu que não ma devia conceder, e eu calei-me, porque costumo ser muito respeitoso para com as ordens da presidencia, da maioria e de todos que têem auctoridade para mandar; só me insurjo, e sempre, contra quem não tem auctoridade para mandar, quanto posso, com a minha palavra, com a penna e com os braços que Deus me deu para me desaffrontar.
O sr. barão de Paço Vieira disse que a policia e aguarda municipal tinham procedido do modo que nós sabemos, e que s. exa. revelou á camara. Pois, sr. presidente do conselho, se s. exa. está disposto a evitar que os pares e deputados sejam presos por tal modo e soaram as inclemencias que durante uma noite soffreu aquelle nosso collega, lembro-lhe que a lei é igual para todos, não só para os deputados e pares, mas para todos os cidadãos, que ha muito são por ahi victimados quasi todos os dias (Apoiados da esquerda.) sendo presos indevidamente, espancados e remettidos para o tribunal com partes carregadas, como foi ameaçado o illustre membro desta casa.
Oh! sr. presidente do conselho, não chegaria ao conhecimento de a. exa. que na noite de 30 de março, não só a policia acutilou um grandíssimo numero de vendedores de jornaes, mas até o commandante da guarda municipal, de espada desembainhada, entrou pela redacção do Século? O sr. presidente do conselho disse-nos que o commandanta da guarda municipal era um official disciplinador. Eu não lhe contesto essa qualidade; mas s. exa., que já é avançado em annos, deve saber que tambem era disciplinador D. Carlos de Mascarenhas. S. exa. deve lembrar-se bem que, se a guarda municipal de hoje é boa, sejamos justos e digamos que não é melhor do que era então, sob as ordens d'aquelle distinctissimo e valente official, (Apoiados.) bem valente e distincto, e ainda com uma qualidade a de ser sympathico para todos, pela gentileza do seu trato. Pois esse commandante, apesar de todas essas qualidades, teve artes de collocar a guarda municipal em tal estado, que provocou a animadversão de toda a cidade e não pode continuar a commandal-a. No que digo não deixo de ter a consideração que devo, não só pela guarda municipal, como tambem por aquelles que exercem as funcções de manter a ordem publica, e tambem pela policia quando cumpre o seu dever. Sou o primeiro a louval-a e a dizer a todos os nossos concidadãos que devem obedecer quando a guarda municipal se comporta como deve; eu entendo que devem ser inscriptos na ordem os nomes de todos os soldados, cabos ou qualquer que seja a sua graduação, por terem procedido bem; mas tambem entendo que não são elles os culpados. Quem é o culpado... De quem é a culpa? É de quem governa. Quem é o culpado? E o sr. ministro do reino, a culpa é d'elle, que não sabe recommendar, que não sabe contar, e indicar a esses militares, que são distinctissimos, que elles serão cada vez mais distinctos quanto mais respeitarem as liberdades dos seus concidadãos, quanto mais se tornarem dignos de exercer a auctoridade, que só protege, não espancando, não acutilarido. Só assim podem ter o respeito de quem quer seja que se preze.
Aqui citou-se uma historia do nosso grande orador; eu recordo-me de uma outra desse mesmo grande orador.
N'uma occasião em que, em Lisboa, se pretendia fazer um meeting para levar em triumpho José Estevão, José Estevão esquivando se, evitava essa manifestação, e na véspera á noite do dia em que se tratava de realisar essa manifestação, ia elle entregar-se prisioneiro, para casa do ministro do reino, e dizia : seu vou para casa do ministro do reino, porque não quero que saia a força publica para dispersar os nossos concidadãos, o que me repugna. Eu que sou militar, repugna- na e que um homem que é militar, como eu, use da espada para a empregar contra os seus concidadãos; a espada não lhe foi dada para isso.»
Dizia bem. Dizia como um commandante da guarda municipal, era uma occasião em que encontrou um piquete de cavallaria com as espadas desembainhadas, e elle levava a sua na bainha, - embainhem as espadas, que não servem aqui.
Estes é que são os homens que deviam pôr-se á frente dos serviços desta ordem.
O sr. ministro do reino é que tem a responsabilidade de todos estes attentados, se não os cohibe, se não os corrige, se não os impede.
Eu não venho pedir castigo, nem apontar um cabo ou um soldado, como já ouvi nomear o numero de um, e que já me esqueceu; não quero que elle seja punido; valerá para elle mais uma observação do que o castigo. Creio que uma observação que se lhe fizesse, dizendo-lhe, mostrando-lhe, que elle era mais digno não procedendo d'aquelle modo, havia de produzir mais effeito do que a applicação de um dia de detenção, ou de multa, ou de qualquer penalidade que lhe queiram impor.
É preciso insufflar na força publica o sentimento de que ella deve cumprir digna e honradamente a sua missão; que não é licito transpor certos limites; que quando transpõe esses limites se lhe póde dizer que deixa de ser considerada como filha da terra onde se encontra.
Dos outros decretos vou occupar-me muito rapidamente,

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porque está quasi a findar o limite, de tempo que me impuz e com que me comprometti para com o sr. presidente da camara.
Um d'elles é o decreto sobre o direito de reunião.
Oh! sr. presidente, o sr. presidente do conselho disse-nos com a maior simplicidade, e no relatório tambem se escreveu, que tudo quanto está aqui com respeito ao direito de reunião já existia na nossa legislação.
Não ha aqui nada de novo.
Ora, sr. presidente, se não ha ali nada do novo, realmente não sei para que s. exas., tendo ainda tantos negocios importantes de que occupar-se, se voltaram para este. Nós temos na nossa legislação disposições, que auctorisam o governo a codificar a legislação respectiva a este ou áquelle assumpto. Empregasse o governo o seu tempo nesse trabalho, que era mais bem empregado. Mas não é exacta aquella affirmação. O que aqui está, como disse o sr. Dias Ferreira, acaba com o direito de reunião.
E o que é singular, o que é notavel é que, estando aqui, como se diz, tudo quanto já estava na nossa legislação, o que é notável é que o sr. Lopo Vaz viesse aqui, irado e não sei se facundo, porque não tive o gosto de o ouvir nessa occasião, quando foi da dissolução do mecting da Torrinha em que os cidadãos foram espancados, o que é notavel, digo, é que s. exa., tendo vindo aqui, paladino da liberdade, levantar a sua voz para defender o direito do reunião, se esquecesse d'essa legislação, que diz agora já existia?
Pois s. exa. lembrava-se então de defender o direito de reunião, e defendia-o justissimamente; reconhecia que não havia lei nenhuma que deixasse de consignar como illegal o procedimento do governo de então, e agora vem dizer-nos que estas prescripções legaes prohibitivas do direito de reunião já existiam na nossa legislação?
Mas escapou a s. exa. uma disposição que não devia ter escapado. Pois s. exa. levantou-se aqui, e muito bem, contra o procedimento do governo progressista, por ter consentido ou auctorisado que a policia se portasse n'aquelle meeting do modo mais bárbaro que era possivel, espancando o povo, e esqueceu-se de uma disposição que evitasse aquelles maleficios?
Porque não acrescentou o sr. Lopo Vaz a este seu decreto mais uma disposição, para que aquelles factos nunca mais se repetissem, e para que nós ficássemos todos sabendo que a força publica podia, em certas e determinadas circumstancias, dissolver os meetings mas não podia, a seu talante, espancar o povo, e quando o fizesse, teria a penalidade respectiva?
Pois se nós temos leis que dizem que, por occasião das eleições, certas auctoridades não podem praticar uma determinada ordem de factos, som incorrerem logo na respectiva penalidade, porque não havemos de ter também, para o direito de reunião, uma disposição que imponha penalidade á policia, quando ella exorbitar das suas funcções, espancando o povo?
Pois o sr. Lopo Vaz esqueceu-se d'isto.
Quando foi do meeting da Torrinha, s. exa. esteve muito pesaroso com o acutilamento do povo!
Mas agora não se lembrou disso, não se lembrou de estabelecer umas disposições, pelas quaes fosse absolutamente prohibido á policia, sob pena da mais severa e immediata penalidade, trucidar o povo.
O que é bom para os homens publicos, o que os levanta perante o conceito dos seus concidadãos, o que póde fazer com que ellcs mereçam o respeito de todos, é que elles ajustem o seu procedimento com as suas palavras, porque, quando os homens publicos vem aqui apresentar-se como defensores da liberdade, e quando estão no poder mandam trucidar o povo, ficam completamente desconceituados, perdem todo o direito a occupar os logares em que se acham; e se, por quaesquer circumstancias, por quaesquer graças, ahi se mantêem, fiquem certos de que estão ahi, mas não têem o respeito e a consideração que suo devidos a quem nhi deve estar.
A imprensa! Ao que nos disse o illustre deputado, que hontem á noite fallou, parecia que nós deviamos ir todos agradecidos curvar-nos perante o governo, porque com este decreto é que estava assegurada a liberdade de imprensa.
Eu detesto todas as pressões e cauções que se ponham ao uso pleno da liberdade de imprensa. Não sei escrever, mas tenho escripto ha muito tempo, e não me lembro, nas occasiões mais faceis, de poder ir alem dos limites que me impõe a minha consciencia.
Estão n'esta casa muitos homens publicos a quem tenho dito - para que escrevem isso, se ámanhã podem ir ao poder, e desde que ahi cheguem hão de proceder exactamente do modo contrario?
Eu não posso dizer que, apesar de não ter sido aggressivo para com os outros, não tenha sido aggredido, mas não conservo nenhuma reserva contra essas aggressões que tenho recebido; todas ellas têem caido aos meus pés, e de todas, em minha consciencia, me julgo completamente illeso.
Não me exaspero com as aggressões, e no emtanto tenho-me exasperado muitas vezes por ver que ellas são feitas aos outros.
Eu entendo que ha umas certas aggressões que necessariamente caem, e contra as quaes não é necessario tomar providencias, principalmente por parte dos homens publicos que têem a sua vida muito exposta, que podem ter muitos defeitos, mas que não é deshonra tel-os.
Tenho sido sempre partidário de todas as leis mais liberrimas com respeito ao uso da liberdade de imprensa, porque entendo que os exageros e demasias da imprensa, ella propria os cura.
Disse o illustre orador que abriu o debate, que depois de alguns annos elle tinha entendido que era necessario conter o uso da escripta e estabelecer algumas prescripções que em sua opinião podiam contribuir para isso.
Eu preferia que todos fizessem como o sr. Emygdio Navarro, que não precisou dos correctivos da lei, e estou tão convencido disto, que se s. exa. não se tivesse corrigido, insurgir-se-ía contra a correcção que o governo pretendesse dar-lho.
Tomara eu que se disponham as cousas por forma que tenhamos mais liberdade, porque só n'ella confio, e quaesquer que sejam as sombras que ella tenha, são pouco... muito pouco, comparado com o que havemos de ter se se instituir o regimen de repressão e compressão, porque é isso que rebaixa e humilha tudo, esgota todas as faculdades, e á absolutamente incapaz de permittir que se fortaleça e robusteça qualquer sentimento nobre e são de um povo - nesse regimen tudo se abastarda, se corrompe e se torna devasso, porque não ha nada mais devasso do que o despotismo. (Apoiados da esquerda.)
Eu detesto o governo de D. Miguel porque tinha a força mas fique a camara sabendo que quando a forca se levantava, principalmente nos ultimos tempos, ao mesmo tempo que os condennados eram mandados para lá, os juizes vendiam-se. O despotismo á sempre assim: para melhor encobrir a devassidão - enforca. Por isso detesto tudo quanto se póde oppor às manifestações libérrimas do pensamento e da palavra, porque essas manifestações podem corrigir muito, o se não corrigem, a ausência d'essa liberdade não póde contribuir para levantar o nivel moral do uma sociedade.
Este governo acabou a sua dictadura no dia 7 de abril, e n'esse dia publicou 00 decretos que têem a data de 20 de março, e não, como hontem nos disse o illustre presidente do conselho em vez de publicar esses decreto» para sobre elles recair o voto da nação, o governo assignou-os mas quem quer que devia mandal-os para o Diario do governo, só os fez publicar oito dias depois.
Esses decretos são os que restringem as liberdades pu-

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blicas, que estrangulam a imprensa e acabam completamente com o direito de reunião, que põem em gravíssimo perigo o direito de associação e estabelecem a censura para os theatros. Esses decretos vieram quando? Depois das eleições, em 30 do março.
Ora este governo, que teve a coragem de escrever, com respeito á camara municipal, que a dissolvia para lhe applicar uma correcção, no dia 30 de março era vencido na uma em Lisboa; não applicava correcção á camara municipal, porque já não podia, mas aos cidadãos as correcções que estão nesses decretos - os eleitores é que foram então corrigidos por este modo. Eu não me arreceio destas correcções, um conselho só dou a todos os nossos concidadãos; digo a todos, porque estas correcções, sendo feitas para os eleitores da capital, não são uma correcção especialmente dirigida ao partido republicano - esse conselho é que todos os cidadãos verdadeiramente livres, verdadeiramente liberaes se devem congregar o reunir para que não permaneçam de pé similhantes prescripções, que a todos nos deshonram e aviltara, absolutamente a todos. (Apoiados na esquerda.)
O sr. presidente do conselho disse hontem que havia no partido progressista reaccionários e tambem no partido de s. exa. Disse-nos em outro dia que tinha recebido cartas que o applaudiam pelo seu procedimento. E evidente que essas cartas eram de reaccionários. E o sr. presidente do conselho, que se declara liberal, como é que se vangloria de as ter recebido? Pois s. exa., que se diz liberal, declara que recebe cartas de reaccionários clogiando-o pelos actos que praticou, e fica em duvida se o que s. exa. praticou é contra a liberdade?
Eu quereria que o sr. presidente do conselho reflectisse n'este ponto; mas se o governo não reflectir eu pedirei a todos os meus concidadãos para reflectirem.
Em um jornal da capital, que é dirigido pelo sr. Pinheiro Chagas, numa das occasiões em que s. exa. parecia mais dominado pelo susto, para defender a situação, dizia dirigindo-se ao partido republicano - que era ou na uma ou pela revolução que elle devia manifestar-se, provocando por esta fórma o partido republicano a que fosse para a revolução. Devo dizer que não é bom fazer esta provocação.
Quem fez esta provocação á desordem foi um partido monarchico; e lançou-se ao mesmo tempo a insinuação injusta, que eu arredo completamente, do que é o partido republicano que promove e incita a desordem.
Não. O partido republicano preferiu a urna, o preferiu-a, porque deseja por esse modo conquistar o conceito e o voto dos seus concidadãos.
Mas o governo, que appella para a urna, e responde á votação da cidade de Lisboa com. estes decretos, que não são senão... nem eu sei o nome, fez mais do que uma provocação, mais do que aquella provocação feita em 16 de maio, que, para se defenderem, obrigou todos os homens a romper por todas as maneiras contra similhantes attentados praticados pelos que governavam.
Mas assim como Gambetta recommendava a todos que não attendessem aos impropérios, às chufas, aos apodos, porque apesar destes haviam de derrubar o governo, eu digo o mesmo a todos os homens liberaes desta terra, que não carecemos de mais nada senão de estarmos firmes, serenos e enérgicos para que desappareçam todos os poderes que queiram privai1-nos da liberdade que nos tem levantado até hoje, porque só ella nos ha de levantar e nada mais ha susceptivel do o fazer.
Tenho dito.
Leu-se na mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara, affirmando a necessidade de manter e ampliar os principios liberaes e democráticos consignados na nossa legislação, não concede a approvação aos decretos que os restringem e contrariam, e passa á ordem do dia. = J. Elias Garcia.
Foi admittida.
O sr. Vieira de Andrade: - Sr. presidente, sendo esta a primeira vez que tenho a honra de fallar no parlamento do meu paiz, eu espero merecer da camara a benevolencia que preciso.
Entrando n'este debate, numa altura e num momento em que a camara não desejará ouvir um largo discurso, anima-me a esperança de que poderei produzir rápidas observações, ácerca do documento político que está sobre a mesa, sem mortificar em demasia a illustrada attenção d'esta respeitavel assembléa.
Eu tenho assistido, triste e resignado, ao debate político que occupa, n'este instante, o parlamento; e devo dizer a v. exa. e á camara que, em rasão de muitos argumentos que tenho ouvido produzir por parte da opposição parlamentar, ou, se não por isto, certamente por desconhecer o meio em que me encontro, se tem feito no meu espirito uma confusão extraordinaria.
Quando vi iniciar este debate o illustre homem d'estado e meu antigo amigo o sr. conselheiro Emygdio Navarro julguei eu, que este notável discurso, correcto na sua forma parlamentar, e nos seus intuitos políticos e partidários, serviria de molde onde se fundissem as subsequentes observações, que houvessem de ser feitas sobre este assumpto pelos illustrcs deputados da opposição, que tivessem de intervir no debate.
E a propósito do discurso do illustre homem publico, a quem fiz referencia, tão correcto o julguei, para o momento critico que atravessámos, que direi á camara que, ao ouvil-o, eu disse commigo mesmo: sempre aprende muito nos bancos do governo, quem tem aptidão para aprender.
E ainda a propósito de aptidões, eu direi á minoria parlamentar, que póde estar perfeitamente tranquilla a respeito do futuro procedimento dos srs. deputados que são ministros.
Elles são tambem hábeis, como o sr. Emygdio Navarro, hão de aprender muito nos conselhos da coroa. Assim, ficaremos todos sabendo que para dominar os ímpetos aos deputados, tornal-os prudentes nos seus movimentos e discursos de opposição, não ha nada melhor do que os bancos do governo. (Riso.}
A governação amansa e socega os espíritos. (Apoiados.}
Dos illustres ministros que são dignos pares, nada preciso dizer a respeito deste ponto, estes aprenderam nos tempos em que as escolas dos deputados não eram, como hoje, tão realistas.
Mas, sr. presidente, qual não foi o meu espanto ao ver que os discursos da illustre opposição parlamentar, se nfto moldavam pelo do sr. conselheiro Emygdio Navarro !
Do repente muitas e variadas imagens, gratas ao nosso ouvido, vieram illuminar a discussão, que vae farta de toda a ordem de conceitos o de comparações, nem sempre felizes ante a importância do assumpto que se debate.
Quem se não recorda dessa mirabolante imagem das papoulas e dos lagos paludosos e mephiticos que emergiam de si venenos o mortes? Imagem, na verdade, doentia e em nada applicavel ao sadio e luminoso espirito do illustre ministro das justiças. (Apoiados.}
As imagens, a respeito dos decretos que se discutem, têem sido tão variadas 5 tão abundantes, que até chegaram a penetrar nos domínios da alta culinaria. (Apoiados.)
Pois não se recorda a camara de ouvir comparar a dictadura a pasteis com folheado e sem recheio, ou vice-versa, não me lembro bem?
Colligi eu de tudo isto que a camara se empenha nesta discussão, um pouco sobre posse. (Apoiados.} Alem das imagens, ouvi conceitos que mortificaram o

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meu espirito. Dizer devo, que me fez bem desagradavel impressão ouvir declamar que o governo, com os decretos que promulgou, esbofeteou o parlamento.
Uma similhante phrase de rhetorica parece-me bem imprópria para o caso, acho-a pequena em demasia, e julgo que amesquinha e reduz, a aliás justa e merecida importancia, do illustrado orador que tal phrase pronunciou. (Apoiados.)
Tambem, sr. presidente, me não foi grato ouvir que o governo, com a dictadura que teve de exercer, violentado pelas necessidades da ordem publica e dos interesses nacionaes, tinha amestrado á corôa com lições de mau preceito.
Os governos, sr. presidente, não amestram as coroas, aconselham as no sentido que julgam ser mais conveniente aos interesses da nação, em cujos destinos entendem; defendem as instituições e os principios, tendo unicamente em vista o bem da pátria, sem lhos ser licito pensar em obter para qualquer das instituições, isoladamente, nenhuma somma de sympathia.
Este é o dever dos governos. As opposições, quando o» desejam ser por forma elevada o útil, criticam, embora violentamente, os actos dos governos com quem não concordam, sem lhes ser Tambem licito procurar lançar, sobre nenhuma das instituições isoladamente, nenhuma somma de antipathia. (Apoiados.)
Esta é que é a regra; (Apoiados) fazer o contrario é tirar todo o valor e toda a importancia a protestos monarchicos, que, embora sinceros como bem creio, tornados assim contradictorios, podem ser tomados como não feitos. (Apoiados.)
Todos os torneios de phrase, que encerrem exageros rhetoricos, contrarios á verdade dos factos e offensivos de uma critica imparcial e serena, podem ser nocivos numa discussão parlamentar, e não os salva do damno que podem causar, nem o talento real, nem a urbanidade apparente dos oradores. (Apoiados.)
Esses exageros frequentemente, senão sempre, dão resultados contraproducentes e não engrandecem a discussão. (Apoiados.)
Mas o meu espanto subiu de ponto, sr. presidente, quando ouvi a um notável homem publico, consideradissimo na sciencia, abalisado professor e distinctissimo jurisconsulto, um dito que foi pronunciado em forma de pergunta feita ao governo, a propósito da lei sobre o direito de reunião então o povo precisa de licença para se reunir pois quem é o dono do paiz é o povo, ou somos nós e o governo!
Sr. presidente, uma tal pergunta na boca de um homem tão altamente collocado na política deste paiz, é realmente lamentavel e não indica ter sido guiada por uma feliz inspiração, sobretudo se attendermos ao momento em que nos encontrâmos.
Eu vou dizer á camara uma cousa, e digo-a a tremer, visto a minha condição de simples homem de trabalho.
Sr. presidente, a auctoridade, considerada na sua expressão theorica, é para mim tão respeitável, como a própria soberania popular; e na verdade, como é que essa soberania poderia ter existência, se não houvesse de representar-se a si mesma, na summa das leis que d'ella emanam e nos homens que, por officio ou dever, têem de fazer executar e cumprir essas leis? (Apoiados.) O homem verdadeiramente liberal, verdadeiro apostolo das garantias e liberdades populares, deve sempre ser o primeiro a reagir contra tudo quanto possa amesquinhar o principio da auctoridade, e não lhe é permittido, sobretudo quando se encontra numa alta posição, expor doutrinas subversivas. (Apoiados.)
N'este ponto, eu cheguei a ter saudades do discurso que pronunciou nesta camara o illustre deputado o sr. Fuschini.
Os seus idealismos, se é que o são, ficam a perder de vista n'este momento. Ha mais gente na camara, e por signal bem digna de ser olhada attentamente, pelos seus altos dotes de espirito e provadissimos méritos, com quem, talvez, o illustre e talentoso deputado o sr. Fuschini podesse entender-se, alargando assim, não só o seu singular partido (singular numericamente entende-se) mas até, se esse podesse ser o seu desejo, alargar tambem os principios do seu credo.
Escusa s. exa. de deitar olhos cubiçosos e namorados para o illustre ministro da justiça, pretendendo catechizal-o, ou chamal-o a um caminho absolutamente avesso ao seu sentir. Isso é só perder tempo, como tempo tambem é perder comparar este illustre e sabio homem publico aos doges de Veneza, simulando-o na presidencia dos conselhos dos dez, a semear ordenanças terriveis e crueis.
Deite s. exa. os seus olhos misericordiosos para aquelle lado da camara, approxime-se do sr. conselheiro José Dias Ferreira, e talvez que, á vista da pergunta sobre quem era o dono do paiz, s. exa. encontre por lá cabedal que utilise á sua obra. Talvez até, quem sabe, por lá encontre disposições para estabelecer entre nós cousa que se pareça com o communismo utopico de uma familia ideal, segundo a formula de Louis Blanc, a qual consiste em dar á sociedade o molde de uma familia, onde cada um produzisse segundo as suas faculdades e aptidões e só gastasse aquillo que fosse absolutamente exigido pelas suas mais urgentes necessidades; formula, graças á qual, se em sociedade assim architectada, houvesse alguém que pela sua robustez, pelo seu temperamento, ou pelo seu vigor physico, podesse dispensar-se de toda a sorte de abrigo e de vestuario, esse tal poderia dar-se ao doce enleio de passear pelo mundo em trajos adamicos.
Lance s. exa., o illustre deputado a quem me refiro, as suas vistas para lá, repouse as, mesmo, no tambem sabio professor e illustre deputado o sr. Elias Garcia, a cuja beira, neste momento, eu chego tremulo e receioso.
S. exa., a quem agora vou dirigir-me, fallou á camara, por tal forma irado, que eu realmente estou com susto e vou ver se o desvaneço, dizendo amavelmente a s. exa., que sou o primeiro a acreditar na pureza das suas intenções e na sinceridade dos seus intuitos.
Isto, porém, não me impede de dizer-lhe tambem que as nações, e, sobretudo, aquellas que desejam remir se para a civilisação e para o bem dos povos, á custa de mil sacrifícios, encontram nas formulas tradicionaes dos seus governos todos os meios de que carecem, para expandirem as suas liberdades e regulal-as no sentido do interesso geral.
Direi mais ao illustre deputado que hoje, essa questão de testas coroadas ou não coroadas é uma pura velharia, que não occupa a attenção de nenhum distincto economista.
Todos, emquanto a estas formulas iniciaes de governo livre, julgam e muito bem, que se deve respeitar a tradição. Só os pirronicos, cujos cerebros não têem phosphoro para ver as outras muitas questões economicas, que interessam ao bem dos povos, se entre têem hoje com este assumpto, que póde ser um divertimento perigoso, mas que já não gosa dos foros de these.
Hoje ha, é certo, duas escolas que se combatem mutuamente. Querem uns que o movimento social se opere e effectue, na vasta estrada do progresso, tendo por único factor a acção individual. Querem outros que o estado seja em alguns casos tutor, e em muitos impulsor desse movimento social.
Eis o que ha. Relativamente a coroas, estão scientificamente fora da contenda, visto reconhecer-se que não ha estado sem governo, e que não ha nação sem chefe. O nome desse chefe é por absoluto indifferente, ante a sciencia e ante o bom senso.
Segue, pois, o illustre deputado um mau caminho, tomando para alvo das suas indignações e dos seus inaccei-

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taveis propositos, o apice da nossa sociedade onde fulgura uma corôa; não é lá, creia que iho digo com toda a sinceridade, que se abriga o mal que s. exa. abomina, antes, pelo contrario, é lá que reside o bem, que nós todos ambicionamos, e que, quero crer, o meu sábio e illustre adversário, tambem deseja.
E, assim, se o illustre deputado republicano, em vez de entreter a nossa attenção com divagações patheticas e com exclamações de ira, inapropriadas e improfícuas para a resolução de um qualquer problema político, se tivesse dado ao trabalho de nos explanar o seu prograrnma e de pretender convencer-nos com argumentos que as exclamações não podem supprir; se nos tivesse dito:
Qual era a sua forma de governo do povo pelo povo?
Que direitos queria para o individuo e que obrigações desejava para o estado?
Qual era a sua philosophia politica do direito de suffragio, de forma a tornar o puro e immaculado, abrigando-o das contingências a que porventura está sujeito?
Qual era a descentralisação administrativa que ambicionava e que fosse factível, sem prejudicar ou offender a unidade politica do paiz?
Se o illustre deputado doutrinasse e não exclamasse, eu desde já lhe digo que não poderia lembrar-nos uma unica idéa, um unico pensamento, que não possa ser adequado ao systema que felizmente nos rege, e que não caiba, muito á vontade, dentro das nossas instituições. (Apoiados,)
Inuteis, pois, são as suas lastimas. Ha individuos que, julgando praticarem o bem, só fazem o mal.
E, eu, não digo isto porque receie pela corôa ou pelas nossas instituições. À este proposito, não outro preoccupações algumas; confio na força dos governos monarchicos e confio, sobre tudo, no bom tino do povo portuguez. (Apoiados.)
O povo não quer jogar as liberdades que gosa por uma aventura que ordinariamente produz um vácuo, que só as revoluções e as desventuras enchem. (Apoiados.)
O seu criterio simples e innocente vale mais do que a brilhante palavra dos catechisadores.
Não receio pela corôa.
As corôas, hoje, caem quando feridas pela desventura numa batalha, não podem com o desprestigio que é sempre inherente á derrota.
Mas caem, legando aos seus successores a possibilidade de em curto praso de tempo, fazerem, á civilisação e ao progresso, a maior e a mais imponente de todas as festas que jamais se tem presenciado. (Muitos apoiados.)
Caem, deixando os impérios florescentes, deixando as suas artes e industrias adiantadas a ponto de poderem erguer, diante da humanidade absorta, uma nova o prodigiosa torre de Babel.
Caem, tendo feito da França um encanto e de Paris um mundo! (Muitos apoiados.)
Também sei que as corôas caem quando, tomadas pela velhice no caminho sempre árduo do seu officio, encontram um grupo de homens, raça espúria de ingratos, que não souberam respeitar na caducidade do monarcha os beneficios que receberam na sua juventude. (Apoiados.)
As corôas caem, quando um povo, acabando de receber da monarchia, pela mão da mais illustre das suas damas, o seu valioso diploma de alforria, irreflectidamente permitte que haja quem cuspa na mão generosa, immediatamente á recepção da mercê, indicando-lhe o exilio como premio do beneficio. (Apoiados.)
Sei que as corôas caem assim e não digo se caem bem ou mal.
Mas com certeza não caem, quando os que pretendem derrubal-as nos faliam de liberdades ; por mais que digam, nunca as podem offerecer ao povo, maiores nem mais impullutas, do que aquellas que o nosso systema encerra. (Apoiados.).
Escusa, pois, o illustre deputado de chorar magnas sobre as garantias do povo.
Se metter a mão na sua consciencia, talvez de lá tire a rasão porque o actual governo se vc violentado, não a restringir, mas a responsabilisar melhor aquelles que abusam das liberdades concedidas á manifestação do pensamento, por meio da palavra escripta e fatiada, e por meio da arte scenica. (Apoiados.)
Tire da sua consciencia a rasão d'isto e talvez sinta sobre 03 seus hombros, e sobre os hmnbros dos seus amigos e correligionários, a responsabilidade inteira deste facto. (Apoiados.)
Eu só lastimo que a eleição e os acontecimentos, visivelmente partidarios, que se deram em Lisboa, façam com que Portugal inteiro soffra sem culpa, não damno, porque a lei não é damnosa para quem bem procede, mas desdouro, por ser evidentemente necessario trazer a debate publico o aggravamento das responsabilidades para os abusos das manifestações do pensamento.
E não se lastime o illustre deputado; não tem de que se lastimar ante a benevolência com que e tratado pelo systema que combate. (Apoiados)
Invertidas as posições, talvez que nós não tivessemos um logar no parlamento, talvez que não nos fosse facultado jantar na Avenida, nem podessemos cantar lôas no club Henriques Nogueira, nem tivessemos ensejo de chorar por nos ter a força invadido o Seculo, esse pobre Seculo que, dizem, não sei se assim é, só de por M sustenta todo o partido republicano e que nós deixâmos apregoar ousadamente pelas das de Lisboa. (Apoiados.)
Não se lastime o illustre deputado; visto sertão liberal, reconheça nos outros o direito de defeza e lembre-se que os governos podem accordar e reflectir, vendo então que a benevolência com o inimigo, e de ordinário um erro e um perigo. (Apoiados.)
Eu não quero fallar na sua eleição por Lisboa, nem quero sabor se nella houveram sócios que o illustre deputado teve já ensejo de engeitar. Houvessem ou não associados e protectores desse feito, direi que o reputo um erro dos nossos partidos e nunca a representação de uma idéa. (Apoiados.)
E descanse o illustre deputado; as nossas liberdades não se afundam, nem o parlamento se evapora. (Apoiados.)
Eu bem sei que por parte da opposição se tem apresentado aqui o parlamento como a ultima expressão bologica de um ramo que vae extinguir-se. Mas isto é simples effeito de má politica, é argumento e não sentimento, é contrafacção e não persuasão; é emfim um dos maus processos da opposição para combater o governo. (Apoiados.)
Não é uma verdade, não tome o illustre deputado isso a serio.
Sr. presidente. Eu li ha pouco um extracto do discurso do sr. Gabriel Mounod na abertura do seu curso de historia philosophica; disse esse notável professor que, sendo certo terem conjunctamente todas as nações exercido um importante papel no concerto da civilisação universal, ha todavia sempre uma que concentra em si a proeminência sobre as demais.
A politica não é estranha a este phenomeno social, antes se póde ter como um elemento, senão principal, certamente importante, na avaliação de tal facto.
Assim, ao terminar da idade media, quem governa, a Europa é o Império e a Itália. Dahi até a primeira metade do seculo XVII o poder concentra-se na Hespanha, que reforma e domina a igreja, sendo ella quem pela diplomacia e pelas armas, pelas artes e sciencias, se impõe às outras nações.
Ao findar o século XVII já e&ta supremacia se encontra firmada na França, e ahi se conserva por um longo período que ulrapassou o termo do século XVIII. Hoje, essa hegemonia pertence á Allemanha, superiormente cotada entre todas as nações do mundo. O extraordinario movimento

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das suas artes, das suas industrias, do seu commercio, toda a representação viva do seu trabalho material e da sua obra intellectual, lhe dá o logar supremo que occupa.
Das suas officinas saem diariamente obras gigantescas, das suas academias diariamente emergem assombrosos raios de luz, que propagam o gérmen intellectual por toda a superfície da terra.
Bem sei que isto não póde ter uma estreita connexão com o nosso caso, nem eu quero fazer comparações entre a Allemanha e Portugal; quero unicamente perguntar ao illustre deputado, se o governo da Allemanha é porventura mais liberai que o nosso e se a forma de governo d'aquella nação, tem sido, por algum modo, impedimento para a grande e evidente prosperidade desbe povo. (Apoiados.) Quero dizer, que o engrandecimento das nações não é consequência fatal á forçada das formulas mais ou menos democráticas das suas instituições, e que para se ser grande e poderoso, para se ser útil e prestadio, para se ser feliz e venturoso, não é indispensável ser-se republicano. (Apoiados.)
Ha povos que são tudo isto e que passam bem, sem o sr. Elias Garcia e sem o seu partido. (Apoiados.)
(Entra o sr. ministro da marinha. Rumores na esquerda.)
Noto os rumores que ouço na esquerda da camara, que aliás me tem escutado com muita becevolenda, e percebo que a minoria está anciosa por fallar com o sr. ministro da marinha, sobre o incidente que já aqui foi levantado antes da ordem do dia. Não quero, pois, tornar-me importuno e prefiro concluir, a interromper o meu discurso, que não poderia continuar nesta sessão, visto que o incidente tomará o tempo que falta para dar a hora.
Fica-me muita cousa por dizer; eu queria fallar de alguns decretos, queria fallar da dictadura. Paciencia; só direi a respeito desta, que as dictaduras não caem diante dos parlamentos, caem sim, diante da opinião que sempre as julga com o critério e sobre tudo com a imparcialidade que a política nem sempre deixa desassombrada dentro dos parlamentos. (Apoiados.)
Desengane-se a camara d'isto as dictaduras não se fazem por capricho dos governos, fazem-se quando necessidades mais ou menos evidentes as justificam.
E esta, que agora apreciámos, tem muitas, muitas justificações, e algumas d'ellas de alta gravidade. (Apoiados.) Mas, não tendo tempo para entrar neste assumpto, por ser evidente que a camara quer occupar-se do incidente, tenho de abandonar a causa, aliás já sufficientemente justificada, pelos srs. ministros que fallaram e pelos distinctos oradores da maioria.
Sr. presidente, mando para a mesa a proposta que justifica a minha intervenção no debate. Diz assim:
«Proponho que nas leis sujeitas á apreciação do parlamento sejam attendidas, a par das associações de soccorros mutuos, aquellas que se destinam á salvação de vidas e de haveres.»
Não preciso dizer nada ao governo sobre esta proposta; a sua justiça é intuitiva; visto que se pensa era aliviar de alguns ónus tributários as associações de soccorros mutuos, julgo que se deve estender esse beneficio às associações de salvação.
Não devo concluir sem dizer á camara que me sinto contente e satisfeito porque, se foi pobre e humilde a minha palavra, foi opulenta e generosa a amabilidade com que fui ouvido.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito comprimentado.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que nas leis sujeitas á apreciação do parlamento sejam attendidas, a par das associações de soccorros mútuos, aquellas que se destinam á salvação de vidas e de haveres. = Vieira de Andrade. Foi admittida.
O sr. Presidente: - Peço a attenção da camara.
Acham-se inscriptos alguns srs. deputados para quando estiver presente o sr. ministro da marinha ou o dos negócios estrangeiros; o sr. Almeida e Brito pediu que se consultasse a camara sobre se quer que se interrompa a ordem do dia para que aquelles srs. deputados possam occupar-se do assumpto para que pediram a palavra.
É sobre este pedido que consulto a camara.
Resolveu-se afirmativamente.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Eduardo Abreu.
O sr. Eduardo Abreu: - Começou por agradecer ao sr. ministro da marinha e ultramar o ter vindo á camara, apesar de doente, para, em attenção ao pedido que lhe fez, dar explicações sobre assumpto que elle, orador, julgava muito grave.
Queria chamar a attenção do sr. ministro para o protesto do governador de Quelimane publicado hoje em alguns jornaes da capital, e no qual se narra que o cônsul inglez do Chire havia aprisionado o assassinado dois sipaes que haviam do numa missão, por mandado da auctoridade portugueza.
Lendo esse protesto e tendo conhecimento dos motivos que a elle deram causa, sentia-se verdadeiramente indignado pelo procedimento das auctoridades inglezas no Chire.
Acrescentou que a opposição parlamentar, no que toca á questão com a Inglaterra, tem-se conservado na attitude mais correcta o digna que era possível imaginar; mas quando via que este modo de proceder não era seguido nem no pagamento inglez, nem pelas auctoridades inglezas na Africa, via-se na absoluta necessidade de fazer duas perguntas ao sr. ministro da marinha e do ultramar.
A primeira era quaes as providencias que o governo tomou em face dos factos que constavam do protesto; segunda, qual o dia em que o governo reclamou perante o ministro inglez nesta corte contra esses mesmos factos.
(O discurso será publicada na integra, em appendice, a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Ministro da Marinha (Júlio de Vilhena): - Vou responder succintamente às perguntas que acaba de me dirigir o illustre deputado.
S. exa. deseja saber quaes as providencias que o governo tomou pela pasta a meu cargo, com relação ao facto que acaba de expor; mas s. exa. parte de um presupposto que é errado.
S. exa. suppõe que eu tenho conhecimento desse facto, ha muito tempo, e não imagina de certo, que apenas o conheço exactamente da mesma data e pela mesma via que s. exa. o conheceu.
Ato este momento ainda não houve participação official, nem telegraphica, nem de outra qualquer ordem, com relação ao acontecimento a que se refere o protesto que s. exa. leu e que eu só conheço pela sua publicação na imprensa.
E evidente, pois, que eu não podia ter tomado providencia alguma, com relação a um facto que desconhecia, tendo por consequência de esperar que a sua existência me seja participada officialmente. Só depois de receber a informação official, com todos os promenores do caso, o governo procederá, conforme julgar mais conveniente.
O que deve ficar n'este momento bem assente, é que nem o governador de Moçambique, nem nenhuma das auctoridades que lhe são subordinadas, participou para o ministerio da marinha e ultramar o acontecimento de que se trata, e, por consequencia, estando o governo, como está ainda, na ignorância official do que se passou, parece-me

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que é absolutamente correcta a minha resposta, dizendo que aguardo informações especiaes, e que depois procederei como for mais conveniente, sob minha inteira responsabilidade.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Creio que era desnecessaria a minha resposta; no entretanto, unicamente por deferencia para com o illustre deputado que me interpellou, direi, que desde que o sr. ministro da marinha e ultramar não tem informações officiaes ácerca dos factos a que se refere o protesto que s. exa. leu, é evidente que tambem eu não tenho base para fundamentar qualquer reclamação.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Fernando Palha: - A impressão que sente n'este momento, é de espanto, em presença das declarações que acaba de ouvir, por parte do governo.
Os homens que foram ao poder, em virtude do ultimatum de 11 de janeiro, e a quem está confiada a dignidade e honra do paiz, não duvidam vir dizer perante o parlamento, que não têem conhecimento de um facto de tanta gravidade, occorrido em 22 de abril!
Quaes são então as instrucçõcs que o governo tem dado aos seus agentes em Moçambique?
Se as tivesse dado no sentido de ser immediatamente informado de qualquer incidente, desde que esses agentes são officiaes da armada e do exercito e portanto acostumados á disciplina, elles não deixariam de as cumprir.
Duvida, por isto, que as tivesse dado.
E porque não pediu o governo informações pelo telegrapho, visto que o ha em Moçambique?
Em dezoito horas, que tantas têem decorrido desde que a noticia appareceu na imprensa, já podia ter feito a pergunta e recebido a resposta.
Elle, orador, suppunha até agora que o silencio do governo era apenas manha; suppunha que o governo estava informado, e nada queria dizer, emquanto não fosse interrogado pela opposição, mas o que nunca suppoz é que elle não tivesse participação alguma sobre o facto.
De que se occupam então os srs. ministros?
Parece que só tratam de politica e de eleições.
(O discurso será publicado, em appendiee a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Marinha (Julio de Vilhena): - Estranho muito que o illustre deputado se espantasse por não ter o governo conhecimento official dos factos que se dizem occorridos no Chire.
Parece-me que s. exa. suppõe que o governo dera instrucções aos seus agentes na provincia de Moçambique para occultar quaesquer acontecimentos que se dessem, e por maior que fosse a sua gravidade!
Ora, o governo não deu, nem podia dar similhantes instrucções.
S. exa. é muito patriota, mas não é menos patriota o governador de Moçambique, que se chama Neves Ferreira. (Apoiados.)
O governador de Moçambique é, sem duvida, impulsionado por um sentimento patriótico, que não é inferior ao do illustre deputado, com a vantagem de ter estado no campo da lucta, onde o illustre deputado não esteve. (Apoiados.)
Ou elle está convencido que os taes factos não se deram, ou, se se deram, ha, sem duvida, alguma circumstancia pela qual o sr. Neves Ferreira entende não dever dar por ora conhecimento d'elles ao governo.
Tenho eu porventura obrigação de adivinhar os acontecimentos que se dão no Chire?
Tem alguem aqui o direito de duvidar da solicitude d'aquella auctoridade?
Seguramente, não. (Apoiados.)
Portanto, nenhuma responsabilidade me cabe, per emquanto, e só mais tarde poderei avaliar se porventura a auctoridade andou ou não bem em occultar os factos de que se trata.
A responsabilidade é da auctoridade para commigo, e se ha omissão da parte d'ella, mais tarde examinarei as causas dessa ominissão e procederei convenientemente.
A accusação, portanto, do illustre deputado é profundamente injusta n'este momento, porque só hoje o governo teve conhecimento extra-official do facto.
E sabe s. exa. o que eu fiz?
Mandei immediatamente um telegramma para Moçambique, perguntando se effectivamente é verdadeiro o que se narra no protesto, porque eu não sei se é elle apocrypho. Não sei se é verdadeiro ou não. (Apoiados.)
Só as informações officiaes, que espero, podem esclarecer e essas hão de vir telegraphicamente.
Logo que cheguem, eu darei conhecimento d'ellas á camara e direi então quaes as providencias que o governo deve adoptar.
Parece-me que estas explicações devem satisfazer a camara. (Apoiados.)
Se o governo, depois de informado officialmente não proceder, como convenha, então sim, então é que o illustre deputado terá rasão para manifestar o seu espanto.
Por agora quem tinha motivo para se espantar era eu, desde que s. exa. se irrita contra mim, não duvidando inclusivamente envolver-me nas eleições, como quem julga que foi pelo ministerio da marinha que se combateu a eleição, quando o illustre deputado se apresentou candidato por Lisboa! Ligando a questão da sua eleição com a questão de Moçambique, quando ellas não têem absolutamente relação alguma, isso é que me parece justificar bem a minha admiração e espanto. (Muitos apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas)
O sr. Presidente: - Acha-se nos corredores da camara o sr. deputado Fernando Mattozo Santos.
Convido os srs. vice-secretarios a introduzil-o na sala para prestar juramento.
Foi introduzido na sala e prestou juramento.
O sr. Emygdio Navarro: - Apresenta o seguinte requerimento:
«Os deputados abaixo assignados desejam pedir explicações ao governo sobre os ultimos acontecimentos do Chire, constantes de um protesto do governador de Quelimane, e bem assim sobre o estado das negociações com a Inglaterra.
«Requerem sessão secreta, nos termos do regimento, no caso de que o governo julgue inconveniente dar em sessão publica informações tão precisas e claras, como os abaixo assignados as desejam. = E. Navarro = Elmno de Brito = E. Abreu = Fernando Palha = J. M. de Alpoim = Carlos Lobo d'Avila = Antonio Ennes = Frederico Ressano Garcia.»
Estranha o orador que o governo não tivesse até agora conhecimento do facto, quando muita gente sabia pelos passageiros chegados hontem pelo paquete, que o facto tivera logar.
Acrescenta que já ha bastantes dias o sr. Ennes teve tambem noticia dos mesmos acontecimentos pela mala Brindisi, mas não quiz fazer uso d'essa noticia para não crear difficuldades ao governo.
O governador de Quelimane fez o protesto e o sr. ministro da marinha não sabia nada!
Era caso para se admirar!
Parecia-lhe ser chegada a occasião de pedir a camara ao sr. ministro dos negocios estrangeiros providencias promptas e efficazes.
Mandava, por isso, para a mesa o seu requerimento, do qual pediu a urgencia.
(O discurso de s. exa. será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando for restituido.)
O sr. Ministro da Marinha (Julio de Vilhena): - Se-

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gundo deprehendo da leitura do requerimento que o illustre deputado mandou para a mesa, o que s. exa. pretende é que se trate em sessão secreta da questão do Chire, e que o governo de explicações sobre o estado em que se encontram as negociações pendentes com a Inglaterra.
Com relação aos acontecimentos do Chire, observo ao illustre deputado que a sessão secreta é perfeitamente escusada, porque eu não posso acrescentar outras explicações ás que acabei de dar. Faltam-me informações officiaes.
Parece-me que s. exa. incommodou-se por eu dizer que não tinha conhecimento do facto de que se trata; e todavia é certo que eu só sei a esse respeito o que li nos jornaes. Repito, foi pela imprensa, exactamente como o illustre deputado, que eu tive conhecimento do protesto do governador de Quelimane e dos acontecimentos a que elle se refere.
Ora, eu comprehendo perfeitamente que essas noticias publicadas nos jornaes são sufficientes para que a opposição proceda, como está procedendo. Para s. exas. bastam-lhes as informações particulares; mas a responsabilidade da opposição é differente da responsabilidade do governo. (Apoiados.)
Os illustres deputados podem expor perante a camara uma opinião, uma idéa, segundo os fundamentos que têem para isso e procedendo assim, usam do seu mandato; mas eu, como ministro, é que não posso proceder do mesmo modo. A manifestação de uma opinião por parte do governo tem outras consequencias.
A camara comprehende perfeitamente que para o exercicio das funcções de deputado, na questão de que se trata, é sufficiente o conhecimento dos factos que o illustre deputado apontou; mas isso não é bastante para um ministro proceder.
Ainda uma vez repito, eu conheço os factos como o illustre deputado os conhece; mas esse conhecimento, que póde fundamentar um bom discurso por parte da opposição, não me auctorisa a proceder desde já como ministro.
Seria um acto de leviandade da minha parte, se o fizesse, sem ter conhecimento perfeito dos acontecimentos. (Apoiados.)
Já vê portanto o illustre deputado que se enganou, quando suppoz fazer-me uma censura.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Depois do que acabou de dizer o meu collega, o sr. ministro da marinha, em resposta ao sr. Emygdio Navarro, é claro que eu não tenho mais a acrescentar para justificação do procedimento do governo, no tocante ao facto de que s. exa. se occupou; mas, como o requerimento apresentado pelo illustre deputado tem uma parte que diz respeito ao ministerio dos negocios estrangeiros, e um dos fundamentos do pedido de sessão secreta é o empenho que s. exa. e os seus collegas têem de pedir explicações ao governo ácerca das negociações com a Inglaterra, eu levantei-me para declarar a v. exa. e á camara que julgo absolutamente inconveniente dar, por emquanto, quaesquer explicações a esse respeito.
(Susurro.)
Pedem a palavra alguns srs. deputados da esquerda.
Trocaram-se diversos ápartes.
Permittam-me os illustres deputados observar-lhes que quem tem a palavra sou eu. (Apoiados.)
Convençam-se s. exas. de uma cousa. Eu não sou menos portuguez do que qualquer dos illuatres deputados. (Muitos apoiados.) Eu não tenho menos a peito, nem os interesses, nem, a dignidade, nem o decoro do paiz do que têem s. exa. (Muitos apoiados.) Eu não me sinto menos animado de dedicação, nem menos disposto a trabalhar pela minha pátria do que qualquer de s. exas.; mas o que eu tenho a mais é uma responsabilidade que s. exas. não têem, a responsabilidade de ministro do corôa. (Muitos apoiados.)
Debates parlamentares nunca os receei, e, já agora, é tarde de mais para começar a receal-os.
Respeito muitissimo a illustração, a sinceridade de vista, o alcance dos argumentos, a violencia, ou, para melhor dizer, a energia de linguagem de que podem usar os illustres deputados; mas, forte com a minha consciencia, se não poder hombrear com s. exas. nas galas de linguagem ou na elegancia de phrases, n'aquillo que diz respeito ao meu procedimento, ninguem melhor do que eu o póde justificar, desde o momento em que estou convencido de que procedo bem.
Com os debates parlamentares, acreditem, posso eu; com o que eu não posso é com a responsabilidade grave de ir comprometter negociações que estão pendentes, com quaesquer explicações n'este momento, em que eu não julgo opportuno dal-as. (Vozes: - Muito bem.)
Mas, sr. presidente, isto resolve-se muito simplesmente. Eu ponho clara e abertamente a questão da confiança politica ao parlamento, e a camara vota como entender. D'este modo, já não sou eu que, com a minha palavra, me interponho ao pedido do explicações por parte dos illustres deputados; é a camara que resolve.
Como ministro dos nogocios estrangeiros, declaro positivamente que não julgo opportuno dar n'este momento quaesquer explicações sobre o assumpto, e assumo inteira a responsabilidade d'esta minha declaração, pondo claramente a questão de confiança.
A camara tem confiança no ministro dos negocios estrangeiros? Acceita a minha reserva n'este momento, e passa adiante. A camara não tem confiança no ministro dos negocios estrangeiros? Assim o declara, e eu sei perfeitamente qual é o caminho que tenho a seguir.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito comprimentado.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphictis.)
O sr. Carlos Lobo d'Avila: - O sr. ministro dos negocios estrangeiros quer que a camara tenha confiança em s. exa.; mas ao mesmo tempo o sr. ministro mostra não ter confiança na camara. (Apoiados.)
A que vem agora a singular referencia do sr. Hintze Ribeiro ás suas faculdades parlamentares, que ninguem negou? Não se trata agora de questões d'essa ordem; (Apoiados.) as pessoas desappareceram perante a magnitude da questão que nos opprime a todos. (Apoiados.)
Acima do proprio governo está o sentimento da nação, de patriotica anciedade, que deve ser superior ás paixões politicas, e que devia fazer com que s. exa. confiasse na camara.
Nós, opposição, não appellavamos para um debate theatral, em que se fizessem exhibições publicas de mais ou menos galas de estylo; pediamos uma sessão secreta em que s. exa., como representante do poder executivo, dissesse aos representantes da nação o estado em que se acham as negociações com a Inglaterra. (Apoiados da esquerda.)
Quer o nobre ministro que a camara tenha confiança em s. exa.? Não sei se ella a terá; o que sei é que s. exa. não tem confiança na seriedade, na discrição e no patriotismo dos representantes do paiz, porque, se a tivesse, em sessão secreta diria tudo quanto sabe e existe a respeito da questão pendente.
Como muito bem poz em relevo o meu amigo, o sr. Emygdio Navarro, a opposição ainda hoje não sáe da reserva em que se tem mantido, reserva que, por mal comprehendida, ou por melindrosa impaciencia publica, póde até ter sido censurada; mas que nós, entendendo que ella é imposta por altas conveniencias patrioticas, e collocando-nos, por isso, acima dessas censuras, sempre temos mantido e não deixaremos de manter. Não podemos, porém, continuar na situação inaceitavel em que o governo pretende collocar-nos.

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O que pedimos nos ao sr. ministro dos negocios estrangeiros? Pedimos unicamente que, se entender que ha inconveniente de qualquer ordem em dar explicações em sessão publica, sobre a situação em que se encontram as negociações com a Gran-Bretanha, de essas explicações, em sessão secreta. E o que faz s. exa.? Recusa-se, mostrando assim uma dolorosa desconfiança nos representantes do paiz! (Apoiados.)
É realmente muito, sr. ministro!
São graves, sem duvida, as suas responsabilidades como ministro da corôa; mas tambem é alguma cousa o estar investido nas funcções de representante do paiz. (Apoiados.)
S. exa. tem responsabilidades e deveres, mas nós tambem os temos. (Apoiados.)
Deixem-me agora dizer ao sr. ministro da marinha, que é necessario que s. exa. esteja n'uma situação que ninguem lhe inveja, para ter produzido o argumento que lhe ouvimos.
Chegou s. exa. a manifestar a idéa de que poderá ser apocripho o documento de que nos temos occupado, quando elle está assignado por um official do exercito portuguez e é feito em nome d'El-Rei!
Não lhe disse o meu amigo, o sr. Emygdio Navarro, e sem contestação de ninguem, que passageiros, e alguns empregados publicos, chegados hontem de Moçambique, confirmaram os factos a que se refere o protesto é que já este era conhecido por informações fidedignas, vindas por outro paquete? (Apoiados.)
E todavia, apesar de tudo, ainda o sr. ministro, com uma serenidade que poderá ser de estadista, mas que eu não lha invejo como patriota, declara que espera mais alguma cousa, que carece de mais informações para tomar uma altitude firme e patriotica, talvez a unica consolação que nos resta n'esta deploravel questão. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu queria ter muita confiança no governo, mas já se deu um facto que diminue e enfraquece singularmente este meu desejo.
Um dia chegou a Lisboa a noticia de que aquelle Buchanan, que é sempre o agente de todas estas tropelias, fizera occupar Chilomo e no dia seguinte uma folha que nessa occasião parecia ser redigida pelo proprio ministro, mas que em todo o caso representava, mais ou menos officialmente, o pensamento do governo, dizia que este não sabia onde era situado Chilomo! E acrescentava, que, se era áquem do Ruo, o acto de occupação representava uma traição; se ficava alem, era um acto de má fé.
Verificou-sfi depois que o facto da occupação era verdadeiro; mas, ainda hoje, o paiz não sabe qual foi o procedimento do governo n'essa conjunctura, qual foi a reclamação que elle fez, depois de ter sido confirmada a noticia pelos factos! (Apoiados.)
Ora, depois. D'isto, sr. presidente, podemos nos ter confiança no governo?! Tanto mais que elle se mostra tão pouco seguro na sua situação, que nem mesmo admitte uma sessão secreta com os representantes da nação, para desvendar uma parte do mysterio que traz profundamente sobresaltado o paiz. (Apoiados.)
Appello ainda uma vez para os sentimentos de lealdade e de franqueza do sr. ministro dos negocios estrangeiros e peço licença para lhe lembrar que s. exa. vae assumindo responsabilidades com que um só homem não póde. (Apoiados.)
S. exa. sabe que eu prezo os seus sentimentos e respeito o seu talento; mas o nobre ministro encontra-se num d'aquelles momentos tão criticos na vida do homem publico, que eu não vacillo em pedir-lhe que reflicta, que pese bem a responsabilidade tremenda que assume, exigindo que os seus amigos politicos lhes dêem um voto de confiança exactamente quando s. exa. mostra ter tão pouca confiança no parlamento, que, rio seu entender, commetteria uma indiscrição perigosa para o paiz, se lhe revelasse o estado das negociações com a Inglaterra, em que está envolvido o que ha de mais caro para cada um de nós. (Apoiados.)
Concluo por este appello ao sr. ministro, embora s. exa. saiba perfeitissimamente que a maneira como se está procedendo em relação á proposta do sr. Ernygdio Navarro, não é, parlamentarmente, a mais correcta.
Quando um deputado, apoiado por mais cinco, requer sessão secreta, á mesa é que cumpre julgar se essa sessão secreta é pedida por motivos assaz ponderosos, e não é preciso votação da camara, nem consulta do governo. (Apoiados da esquerda.)
Mas eu não quero insistir n'este ponto, porque a quesito é grave de mais para nos entretermos com minucias do regimento. (Apoiados na esquerda.) Ponho isso de parte, e mais uma vez peço ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que meça bem o alcance da responsabilidade que toma, negando-se a dizer em sessão secreta aos representantes da nação o que a nação tem direito a saber. (Muitos apoiados na esquerda.)
(O orador foi muito comprimentado pelos seus collegas.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Pinheiro Chagas: - Devo confessar a v. exa. que me surprehendeu extremamente esta indignação da opposição. (Muitos apoiados.)
E não menos me surprehendeu que o sr. Carlos Lobo d'Avila dissesse que não quer debates theatraes, quando o debate está tomando exactamente esta feição. (Muitos apoiados.)
Pois a opposição imagina que, se esse facto que a indigna, for verdadeiro, a indignação não ha de ser tão alta d'este lado da camara como d'esse lado? (Muitos apoiados.) Pois a opposição imagina que o seu patriotismo está acima do nosso, e que o governo hesitará em pedir á Inglaterra as explicações que ella tem de dar por um acto que é contrario ao direito das gentes? (Muitos apoiados)
Mas quem não vê que para isso é indispensavel esperar pelas communicações officiaes? (Muitos apoiados )
Pois o illustre deputado, que é perfeito conhecedor de assumptos diplomaticos, não percebe o que ha de estranho e de inqualificavel em exigir-se que o governo portuguez peça explicações a outro governo por um facto de que elle declara que não tem ainda o minimo conhecimento official? (Muitos apoiados.)
Póde s. exa., como deputado da opposição, não acreditar no que diz o governo; mas eu observo-lhe que homens como Neves Ferreira, que está fora da politica dos partidos, (Muitos apoiados) e como o sr. Avila, o primeiro, governador de Moçambique; e o segundo de Lourenço Marques, unicos dois pontos d'aquella costa onde ha telegrapho, e donde, por consequencia, podem vir rapidamente communicações officiaes, esses dois cavalheiros eram incapazes de terem occultado ao governo um acto como aquelle de que se trata, se tivessem d'elle conhecimento exacto.
Pois não vêem s. exas. que, se effectivamente fosse possivel querer o governo manter reservas a tal respeito, e n'este momento affirmasse que não tinha conhecimento official da um facto, tendo-o, tomaria sobre si uma enorme responsabilidade? (Muitos apoiados.)
E não querem os illustres deputados que se considerem theatraes essas suas indignações, que reservaram durante uma sessão inteira para irromperem agora com ellas! (Muitos apoiados da direita.)
(Interrupções. - Susurro.)
Francamente, eu não posso comprehender uma indignação que se reserva, que se mette n'uma gaveta e que salta para fóra, quando a gaveta se abre. (Riso. -Apoiados.)
Se a sua indignação fosse verdadeiramente patriotica, não tinham esperado tanto tempo. (Apoiados.)
Sr. presidente, o sr. Emygdio Navarro quer que haja sessão secreta para se discutir este assumpto, e o sr. Lobo d'Avila chegou a estranhar que a presidencia não tivesse attendido logo este pedido, sem mesmo ouvir o governo,

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como se o sr. Lobo d'Avila não soubesse que, para haver uma sessão secreta, a primeira cousa indispensavel era que o governo declarasse, se precisava d'ella! (Apoiados.)
Mas diz ainda o illustve deputado que o sr. ministro dos negocios estrangeiros mostra não ter confiança no parlamento, desde que não lhe quer confiar o estado das negocições com a Inglaterra!
Ora, eu pergunto: quantas sessões secretas deu o ministerio progressista para communicar á camara alguma cousa sobre as negociações com a Inglaterra que estavam pendentes havia dois annos, (Apoiados) e com um caracter por tal fórma grave, que dentro em pouco apparecia o ultimatum de 11 de janeiro?
Sr. presidente, não recordemos essa data luctuosa de 11 de janeiro, data que não é de certo gloriosa para nenhum partido, porque todos são cidadãos portuguezes, mas muito menos para o partido regenerador. (Apoiados.) Não lembremos essa data, nem fallemos em sessão secreta para ser revelado o estado das negociações com a Inglaterra. (Apoiados.)
O sr. Lobo d'Avilla sabe perfeitissimamente que a respeito de uma negociação pendente, nem em sessão secreta, nem em sessão publica é util fazer communicações ao parlamento. É esta a doutrina do seu partido e a de topos os homens que lidam com negocios diplomaticos. (Apoiados.)
Pois não sabemos nós que mesmo quando sir James Ferguson proferia phrases muito desagradaveis para nós na camara dos communs, o sr. ministro dos negocios estrangeiros, a maioria d'essa epocha e a imprensa se indignaram contra o sr. Serpa Pinto, quando elle pedia aqui explicações ao sr. Barros Gomes e achavam que era completamente descabido tocar no mesmo assumpto em que se fallara na camara dos communs, e isto porque estavam pendentes negociações com a Inglaterra? Como é, pois, que a opposição se mostra hoje profundamente irritada, porque o governo se reserva para dar explicações plenas e cabaes ao parlamento quando as negociações estiverem terminadas. (Apoiados.)
Este procedimento de s. exas. é contrario a todas as praxes e até mesmo ao systema de reserva que a opposição tem mantido até agora e de que não tem a maxima rasão para sair. (Apoiados.)
Tambem notei com estranheza que o sr. Lobo d'Avila contestasse a idéa de que o protesto publicado nos jornaes podesse ser apocrypho, desde que estava assignado por um official, e isto sem que o illustre deputado tivesse visto o autographo! (Apoiados.)
O sr. Carlos Lobo d'Avila: - Sabe-se que é verdadeiro pelas pessoas que vieram da Africa oriental no ultimo paquete.
O Orador: - Nada sei absolutamente a este respeito.
O que digo é que um documento que vem publicado nos jornaes póde ser apocrypho.
O que digo, sobretudo, é que seria absolutamente impossivel que tendo d'esse facto cabal conhecimento aquelles que o podiam communicar officialmente ao governo, como era o governador de Moçambique e o de Lourenço Marques, qualquer d'elles o não tivesse transmittido immediatamente ao governo. (Apoiados.)
Sr. presidente, creio que interpreto a opinião da maioria e creio mais que interpreto a opinião da camara toda, mandando para a mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara, satisfeita com as explicações do governo, continua na ordem do dia. = Pinheiro Chagas.
Vozes: - Muito bem. (S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
Lida a moção na mesa foi admittida.
O sr. Antonio Ennes: - V. exa. faz-me a fineza de mandar ler novamente a moção que acaba de ser apresentada pelo sr. Pinheiro Chagas?
(Leu-se na mesa.)
«A camara satisfeita com as explicações do governo, continua na ordem do dia.»
O Orador: - Com as explicações? Seria melhor dizer: «A camara, satisfeita com a falta de explicações do governo, passa a ordem do dia.» (Apoiados.)
Sr. presidente, eu não estou indignado, apenas estou triste, e serei tão pouco theatral, que nem um esforço envidarei para desalojar o governo do entrincheiramento do silencio a que se acolheu. Para mim esse silencio significa mais do que muitas palavras, tem uma eloquencia esmorecedora.
Se o governo não quer dizer-nos, nem em sessão publica, nem em sessão secreta, o que se passa na Africa oriental e em Londres, é porque lá se passam cousas taes que, ao menos para socego do nosso espirito, melhor é que as não saibamos! (Apoiados da esquerda.)
Evidentemente, nem este, nem governo algum se recusaria a dar explicações completas e categoricas sobre assumptos que tão vivamente interessam o sentimento nacional, se com ellas podesse offereccr a esse sentimento uma consolação ou uma esperança! (Apoiados da esquerda.)
É perfeitamente verdadeira, sr. presidente, a informação que deu a camara o sr. Emygdio Navarro.
Pela mala de Bredisi recebi ha dias uma carta da Africa oriental em que se falla dos fuzilamentos pepretrados no Chire, como dos acontecimentos conhecidos em toda a provincia, e se annunciam outros factos tão perigosos ou tão affrontosos para o nosso dominio, que não os revelarei aqui.
Foi por isso que pedi a palavra antes de se suscitar este incidente, e pedi-a, não tanto para dirigir perguntas ao governo, porque já contava com as respostas que ellas teriam, quanto para reclamar d'elle providencias efficazes, esforços supremos que salvem a provincia de Moçambique de ser retalhada pelas ambições dos estrangeiros e pelas insurreições dos subditos.
A situação em que o governo se collocou cria tambem difficuldades ao desempenho do nosso mandato. Não querendo fallar, faz-nos callar para lhe não darmos pretextos a declinação futura de responsabilidades que lhe cabem.
Todavia, sem lhe pedir propriamente explicações, que já sei que me serão negadas, chamo a sua attenção para algumas circumstancias dos acontecimentos que nos foram relatados pelo protesto do governador de Quelimane, lido á camara pelo sr. Eduardo Abreu.
O sr. ministro da marinha já declarou que não tinha, acerca d'esses acontecimentos, informações officiaes que o habilitassem a quaesquer procedimentos tambem oificiaes; mas as informações officiosas, que s. exa. igualmente declarou que já colhêra, permittirlhe-hão acaso dissipar do meu espirito, ou afastar do seu, a triste apprehensão de que os factos a que se reporta o alludido protesto, foram passados áquem do Ruo, e, portanto, fóra dos territorios sobre que versa o nosso litigio com a Gran-Bretanha?
A linguagem do documento permitte esta apprehensão.
Diz-se n'elle que os inglezes com as suas insinuações conseguiram sublevar e tornar revoltosos os indigenas; ora, só póde haver revolta e sublevação onde ha auctori-dade, e nós só exercemos auctoridade nos territórios que demoram ao sul da confluencia do Ruo com o Chire. Tambem se narra que os inglezes praticaram determinados actos em menosprezo da bandeira portugueza e infelizmente essa bandeira já não está arvorada nas margens do Chire, cuja posse a Inglaterra nos disputa. Acrescenta-se que o acting consul Buchanan mandou fuzilar dois sipaes, que por ordem da auctoridade portugueza íam fallar com o Inhacuana Lundo, e já me disse um africanista que esse chefe de povoação residia em terras do Massingire. Dado, porém, que esta informação seja menos exacta, que Lundo

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se haja transferido, como tambem já ouvi dizer, para alem Ruo, e que, portanto, do assassinato dos sipaes se não possam tirar informações relativas ao local onde os factos se passaram, a menção que o protesto faz de revoltas de indigenas e de insultos á nossa bandeira, permittem suspeitar que esses insultos e essas revoltas succederam em territorios indisputavelmeate nacionaes.
E se assim foi, sr. presidente, mais graves, mais attentatorios do direito das gentes, mais offensivos da soberania portugueza, foram os acontecimentos que motivaram o protesto do governador de Quelimane.
Parecerá inverosimil a minha conjectura, dada a situação creada em Africa pelo ultimatum de 11 de janeiro?
Infelizmente não é, porque assim como os inglezes occuparam Chilomo... e a proposito, o governo já sabe se é verdadeira a noticia da occupação do Chilonio pelos inglezes?
(Pausa.)
Também não sabe! O governo não sabe nada! (Apoiados na esquerda.)
Ia eu dizendo, sr. presidente, que a minha conjectura não é inverosimil, porque assim como os inglezes desrespeitaram o statu quo para occupar Chilomo, é possivel que desrespeitassem igualmente a linha que a diplomacia traçou como limite do campo do litigio, e tenham estendido as suas emprezas para o sul do Ruo.
Que elles andam machinando em muitos pontos da provincia de Moçambique, alem das regiões que já nos obrigaram a evacuar, é fóra de duvida; e essas machinações explicam em parte os desasocegos, quando não rebeldias, que aqui ou acolá se manifestam entre os indigenas. E que providencias tem o governo tomado para conjurar estes dois perigos connexos?
Creio que é licito perguntal-o, sem faltar aos deveres da discrição.
Sr. presidente, era de prever que o ultimatum e a competente retirada das forças portuguezas que guardavam o Chire e o Mashona haviam do produzir um abalo moral na provincia; era de recear que os regulos perdessem o respeito pela nossa bandeira e o medo ás nossas armas, por terem visto o Melaure, senão impune, desforçado do castigo que as suas aggressões lhe mereceram.
O que fez, porém, o governo para obviar aos resultados quasi inevitaveis d'este desprestigio?
Em cinco mezos, não me consta que fizesse mais do que seguir para o seu destino os residentes nomeados para as terras de Gaza, e esses mesmos representantes da auctoridade portugueza, talvez, o governo não saiba, visto que nada sabe de cousa alguma, estão agora demorados em Lourenço Marques, a espera do material necessario para a sua installação. (Apoiados.)
E nada mais se fez, sr. presidente, nada mais se tentou, ao menos por parte da metropole, para assegurar a sujeição dos potentados, talvez abalados na sua confiança ou na sua fidelidade pelo que viram e naturalmente pelo que têem ouvido aos agentes britannicos. O governo assumiu a dictadura a pretexto de prover com urgência a defeza nacional, mas circurnscrevem as suas providencias dictatoriaes ao continente, onde se não descortinava perigo instante, e nem sequer usou das suas attribuições ordinarias para proteger a provincia de Moçambique, ameaçada pelos estrangeiros e pelos vassalos. (Apoiados)
Mandou-se couraçar o forte do Bugio, mas lá estão desamparados os portos e as missões dispersas nos sertões africanos. (Muitos apoiados na esquerda.)
O sr. Pinheiro Chagas: - Desamparados estiveram os srs. Antonio Maria Cardoso e Paiva de Andrada no tempo do governo progressista.
O Orador: - Tanto não foram desamparados, que as suas missões obtiveram o mais brilhante exito.
Mandou-se fortificar a torre do Bugio, repito, mas ficaram ao abandono as missões e os postos espalhados no interior de Africa, e posso assegurar á camara que esse abandono já se esta fazendo sentir tristemente até em M'ponda, onde os inglezes já têem apparecido a tentar o regulo com presentes e suggestões, e foi talvez causa de que em M'taca perecessem o tenente Valladim e os seus companheiros.
Sr. presidente, a situação do provinda de Moçambique é gravissima, tão grave que me fez sair do retrahimento em que de ordinario me conservo.
Se o governo não quer dar explicações ácerca do que se lá passa, dê as providencias que de futuro o dispensam de recusar explicações similhantes.
E o que instantemente lhe peço, pedindo-lhe tambem que se não esqueça, por seu proprio interesse, de que a nação ainda não desfitou as vistas anciosas da Africa oriental, e exige dos seus representantes, que, quando lhe não possam salvar os interesses e os direitos, ao menos lhe salvem a dignidade. (Apoiados da esquerda.)
O sr. Ministro da Marinha (Julio de Vilhena): - Eu desejava responder precisamente ás perguntas que s. exa. me dirigiu.
Perguntou-me o illustre deputado, se os acontecimentos a que se refere o protesto, se realisaram alem ou áquem do Ruo. Ora, eu não sei em que consistiram as faltas de respeito a bandeira portugueza, a que se referiu o illustre deputado. N'esse ponto a minha ignorancia é igual a de s. exa.
O illustre deputado sabe que ha muitas maneiras de faltar ao respeito. Falta-se ao respeito atacando, ameaçando, insultando; mas eu é que não posso corresponder ao desejo de s. exa., porque não tenho esclarecimento algum.
O que posso responder e com isto respondo a muitas perguntas que a camara podia dirigir-me, é que no praso de Massangire, ao sul do Ruo, está reunida toda a força disponivel para que se mantenha ali a soberania portugueza.
A esse respeito tive communicação official e eu approvei logo a resolução do governador de Moçambique, que fez guarnecer a margem do Ruo, onde temos os nossos dominios incontestados. ( Vozes: - Muito bem.)
Estão ali reunidas todas as forças para que, sendo preciso, ellas façam respeitar a soberania de Portugal.
É quanto posso informar.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente : - Deu a hora.
O sr. José Castello Branco: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que eu faça um requerimento.
Vozes na esquerda: - Não póde ser, já deu a hora.
O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre se consente que eu dê a palavra ao sr. José Castello Branco, não obstante ter dado a hora.
Vozes na esquerda: - Não póde ser.
(Levanta-se susurro na assembléa.)
Vozes na direita: - Ordem, ordem.
Vozes na esquerda: - Cumpra v. exa. o regimento.
O sr. José de Azevedo Bastello Branco: - Eu roqueiro que v. exa. consulte a camara sobre o meu pedido.
(Augmenta o susurro.)
Vozes na esquerda: - O sr. presidente já declarou que tinha dado a hora.
O sr. Presidente: - A hora deu. A camara votou que houvesse até tres sessões nocturnas por semana e eu marco sessão nocturna para hoje.
Vozes na esguerda: - Não póde ser, não póde ser.
(Agitação. Trocam-se ápartes.)
O sr. Presidente: - A ordem da noite é a mesma que estava dada, continuando o incidente.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas e tres quartos da tarde.

O redactor = S. Rego.

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