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N.º 37

SESSÃO DE 4 DE MARÇO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Antonio José da Costa Santos

Secretarios- os exmos. srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Eduardo Simões Baião

SUMMARIO

Approvada a acta, apresenta uma renovação de iniciativa o sr. Adriano Monteiro, que em seguida insta pela satisfação de um requerimento, em que pede esclarecimentos relativos á questão dos cereaes e alcool. - Mandara para a mesa representações os srs. Marianno de Carvalho, José Jardim e Simões Baião, e diversos requerimentos de interesse particular os srs. Bivar e Ignacio Franco -Requer uns esclarecimentos, pelo ministerio da marinha, o sr. Ferreira de Almeida. - Trocam-se explicações entre os srs. Lopes Coelho e ministro das obras publicas sobre melhoramentos no porto de Leixões.

Na ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.° 12, sobre a creação da camara de commercio e industria de Lisboa. Abre o debate o sr. Marianno do Carvalho, que se refere especialmente ao facto de não ter ainda o governo resolvido sobre a approvação dos novos estatutos das associações dissolvidas. Conclue, apresentando uma moção. Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas Usa novamente da palavra o sr. Marianno de Carvalho, respondendo-lhe o sr. relator, Magalhães Lima, que apresenta uma moção de confiança. Segue-se o sr. Fratel, a quem responde o sr. relator, que manda para a mesa uma proposta de emendas. Passando-se á votação, é rejeitada a moção do sr. Marianno de Carvalho e approvada a do sr. Magalhães Lima. Approva-se em seguida a generalidade do projecto.- Informação do sr. ministro dos negocios estrangeiros sobre a noticia da acquisição de territorios em Lourenço Marques pelo governo allemão.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada, 48 srs. deputados. São os seguintes: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Alberto Antonio de Moraes Carvalho (Sobrinho), Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Amandio Eduardo da Mota Veiga, Antonio Adriano da Costa, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Candido da Costa, Antonio Hygino Salgado de Araujo, Antonio José da Costa Santos, Antonio Velloso da Cruz, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Dias Dantas da Gama, Conde de Pinhel, Conde de Villar Secco, Diogo José Cabral, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Francisco Rangel de Lima, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jacinto José Maria do Couto, Jayme de Magalhães Lima, João Lopes Carneiro do Moura, João da Mota Gomes, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Rodrigues Ribeiro, Joaquim do Espirito Santo Lima, José Adolpho de Mello e Sousa, José Antonio Lopes Coelho, José Bento Ferreira de Almeida, José Eduardo Simões Baião, José Gil Borja Macedo e Menezes (D.), José Joaquim Aguas, José Maria Gomes da Silva Pinheiro, José dos Santos Pereira Jardim, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz de Mello Correia Pereira Medello, Luiz Osório da Cunha Pereira de Castro, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel de Bivar Weinholtz, Manuel Joaquim Fratel, Manuel José de Oliveira Guimarães, Marianno Cyrillo de Carvalho, Theodoro Ferreira Pinto Basto, Thomás Victor da Costa Sequeira, Visconde do Banho e Visconde da Idanha.

Entraram durante a sessão os srs.: - Aarão Ferreira de Lacerda, Abilio Augusto de Madureira Beça, Adolpho Amandio Eduardo da Moita Veiga, José Eduardo Simões Baião Alves de Oliveira Guimarães, Adolpho da Cunha Pimentel, Agostinho Lucio da Silva, Alfredo de Moraes Carvalho, Antonio José Lopes Navarro, Carlos de Almeida Braga, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, Jeronymo Osorio de Castro Cabral e Albuquerque, João Alves Bebiano, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Marcellino Arroyo, José Mendes Lima, José Teixeira Gomes, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Maria Pinto de Soveral, Manuel Joaquim Ferreira Marques, Manuel Pedro Guedes, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Romano Santa Clara Gomes, Visconde do Ervedal da Beira, Visconde de Leite Perry e Visconde de Tinalhas.

Não compareceram á sessão os srs.: - Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio de Almeida Coelho de Campos, Antonio d'Azevedo Castello Branco, Antonio Barbosa de Mendonça, Antonio de Castro Pereira Corte Real, Antonio José Boavida, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Augusto Victor dos Santos, Bernardino Camillo Cincinnato da Costa, Conde de Anadia, Conde de Jacome Correia, Conde de Tavarede, Conde de Valle Flor, Diogo de Macedo, Fidelio de Freitas Branco, Francisco José Patrício, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Candido da Silva, João José Pereira Charula, João Maria Correia Ayres de Campos, Joaquim José de Figueiredo Leal, José Coelho Serra, José Correia de Barros, José Dias Ferreira, José Freire Lobo do Amaral, José Joaquim Dias Gallas, José Luiz Ferreira Freire, José Marcellino de Sá Vargas, José Pereira da Cunha da Silveira, e Sousa Júnior, Júlio César Cau da Costa, Licinio Pinto Leite, Luiz de Sampaio Torres Fevereiro, Manuel Bravo Gomes, Manuel Francisco Vargas, Manuel de Sousa Avides, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Quirino Avelino de Jesus, Visconde de Nandufe, Visconde de Palma de Almeida e Wenceslau de Sousa Pereira de Lima.

Acta - Approvada.

Não houve expediente.

O sr. Adriano Monteiro: - Sr. presidente, mando pára a mesa a seguinte proposta:

"Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 20-A, de 1891, ácerca da vaccinação obrigatoria.

"Sala das sessões, 4 de março de 1896. = O deputado, Adriano Monteiro."

Não faço agora reflexões algumas sobro o assumpto do projecto de lei a que me refiro, porque já as expuz na oocasião em que elle foi apresentado á camara.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para perguntar ao sr. presidente se os requerimentos que mandei para mesa na sessão de 12 de fevereiro d'este anno, pe-

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dindo esclarecimentos pelos ministerios da fazenda e das obras publicas
foram já satisfeitos.

(Pausa.)

O sr. Presidente: - - Ainda não foram satisfeitos.

O Orador: - Nesse caso insto com v. exa. para reiterar o meu pedido, visto que não posso dispensar os documentos que requisitei, e de que careço para poder entrar nas discussões de ordem agrícola, em relação não só à questão dos cereaes, como tambem á questão do alcool.

A proposta de renovação ficou para segunda leitura.

O sr. Presidente : - Os documentos pedidos por v. exa. vão ser requisitados novamente.

O sr. Marianno de Carvalho: - Embora chegue um pouco tarde, sempre mando para a mesa uma representação dos alfaiates da cidade de Setubal, que pedem para passarem da 8.ª classe para a 9.ª na contribuição industrial.

Acho justo o pedido feito n'esta representação, attendendo á desigualdade de circumstancias em que fica a classe dos alfaiates, relativamente a outras da mesma cidade, no que respeita aos effeitos da contribuição industrial.

Peço á commissão de fazenda e ao sr. relator que façam a devida justiça a esta representação, embora seja apresentada um pouco tarde.

Vae publicada, por extracto, no fim da sessão.

O sr. Manuel de Bivar: - Mando para a mesa um requerimento em que pede uma pensão Maria Rosa de Sacracramento, viuva de José Maria de Oliveira, capataz dos caminhos de ferro de Lourenço Marques, que foi trucidado pelos vátuas, por occasião de um dos primeiros ataques que estes fizeram áquella cidade.

Com a morte do marido ficou a requerente sem possuir, nem ter quem lhe forneça os indispensaveis meios de subsistencia para si e quatro filhos de menor idade, achando-se, por isso, actualmente, nas mais precarias circumstancias.

Isto basta para que eu considere de todo o ponto justo o deferimento d'este pedido: e, porque estou certo de que as commissões attenderão as circumstancias extraordinarias em que se deu a morte de José Maria de Oliveira, como provam eloquentemente os competentes attestados que se acham juntos ao requerimento, julgo-mo dispensado de insistir no assumpto o de appellar para os altos sentimentos generosos e humanitarios da camara.

Ainda assim, não deixarei de dizer que José Maria de Oliveira, foi quasi um heroe; porque não são só heroes aquelles que morrem com as armas na mão, combatendo em defeza da honra nacional; são igualmente todos aquelles que a morte surprehende, encontrando-os firmes no seu posto, no estricto cumprimento do seu dever.

Alem d'isso, José Maria de Oliveira foi incontestavelmente um martyr, porque os vátuas depois de o terem prostrado barbaramente a golpes de machado e a zagaiadas, ainda tiveram a crueldade de lhe fazerem o corpo em pedaços.

Peço a v. exa., sr. presidente, que se digne enviar este requerimento às respectivas commissões.

Vae por extracto no fim d'esta sessão.

O sr. José Jardim: - Mando para a mesa uma representação dos ex-arbitradores judiciaes da comarca de Montemór o Velho.

Vae por extracto no fim d'esta sessão a pag. 462.

O sr. Lopes Coelho: - Sr. presidente, pedi a palavra porque desejo chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para o estado de abandono um que se encontra o porto de Leixões, especialmente com relação a um pharol que é de necessidade collocar em um dos molhes e tambem pelo que respeita às boias fixas para amarração, que n'elle, ha muito, deviam existir.

A construcção d'aquelle porto, sr. presidente, foi iniciada em 1883 e concluída em 1889 e n'este mesmo anno foi feita a concessão da sua exploração a uma companhia que se denomina "companhia das docas e caminhos de ferro peninsulares", com a obrigação de não só apropriar aquelle porto commercial, mas de realisar n'elle as obras necessarias e de o dotar com todas as condições precisas para aquelle fim, ligando-o por meio de um caminho de ferro com a alfandega do Porto.

N'essa epocha a direcção da associação commercial do Porto, reconhecendo a inconveniencia que havia n'esse contrato e a impossibilidade que essa companhia teria de realisar esses melhoramentos, representou ao governo de então contra essa concessão, mas não foi attendida.

Infelizmente, sr. presidente, confirmaram-se as presumpções d'essa corporação, pois que desde 1889 até hoje ainda se não realisou n'aquelle porto de abrigo absolutamente melhoramento algum, alem da reconstrucção de uma parte de um dos molhos e da collocação de um pharolim no molhe sul, ultimamente feitas por ordem do sr. ministro das obras publicas.

Merece s. exa., por isso, louvores; mas a verdade é que não são só esses os melhoramentos que é preciso realisar n'aquelle porto, pois uma obra que custou 5:000 e tantos contos de réis é de reconhecida necessidade e de toda a justiça que, se complete, dando-se-lhe os elementos precisos para que a navegação que se aproveitar do porto de Leixões esteja segura de que se não repetirão os casos que, infelizmente, se têem dado e que só concorrem para o desacreditar.

Em 1891, por occasião dos conselhos de guerra que houve a bordo da corveta Bartholomeu Dias n'esse porto, este navio de guerra esteve em risco de sossobrar, porque não tendo amarração fixa, rodou e embrulhou-se de tal forma nas suas proprias correntes que se não fosse o seu arrojado commandante mandar cortar as amarrações, sem se importar com a perda de um dos seus ferros, e seguir para o mar, apesar da grande tempestade que então havia, esse navio necessariamente teria sossobrado de encontro às muralhas.

Ultimamente deu-se tambem o caso de abalroar um dos vapores mercantes, que se encontrava ancorado n'aquelle porto de abrigo, esperando que a barra do douro lhe desse entrada, com outro de nome Santona, resultando d'esse abalroamento a perda completa d'este ultimo.

Parece-me, portanto, sr. presidente, que o governo precisa e deve tomar immediatamente todas as providencias para collocar aquelle porto em condições do poder servir, não só para porto commercial, como para porto de abrigo, fazendo-lho todos os melhoramentos necessários para que os navios que n'elle entrem, encontrem as condições precisas de segurança d'entro d'esse porto.

Emquanto ao pharolim no molhe norte, não me parece que seja obra de grande custo o que ella é, com toda a verdade, é de grande necessidade. A sua collocação, segundo a opinião de pessoas competentes da localidade, daria o vantajoso resultado de qualquer navio, mesmo acossado pela tempestade, poder entrar no porto de abrigo a qualquer hora da noite sem perigo de naufragar, evitando-se assim casos identicos ao que, não ha muito tempo, succedeu com um vapor, que se dirigia para aquelle porto, e que por falta de luz que lhe indicasse qual devia ser a sua manobra para entrar, foi de encontro às pedras proximas da muralha e ahi sossobrou. Este naufragio, sr. presidente, que causou importantíssimos prejuízos materiaes, se não fosso a heroicidade de alguns homens da povoação em que está situado o porto de Leixões, daria tambem o resultado de bastantes perdas de vidas.

Emquanto às boias fixas para amarração, sr. presidente, desde que ellas sejam collocadas nas devidas condições, poderão servir tanto para vapores de grande lotação, como para navios regulares, e nunca mais se dará o caso que ultimamente se deu, visto que a amarração fixa daria o resultado que as embarcações depois de amarradas, lan-

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cariam os seus ferros e assim ficariam em condições de resistir a qualquer estoque de agua, sem abalroarem umas contra as outras.

Consta-me, sr. presidente, que a associação commercial do Porto tenciona novamente representar ao governo n'este mesmo sentido, e como eu tenho a certeza de quanto o sr. ministro das obras publicasse solicito em realisar todos os melhoramentos que dependem do seu ministerio, espero que s. exa. tomará na devida consideração estas minhas palavras, e o pedido que fizer a associação commercial do Porto, que é a verdadeira representante do commercio d'aquella cidade, e mandará realisar, no mais curto praso de tempo possivel, os melhoramentos que tão precisos se tornam no porto, de Leixões.

Desejava tambem chamar a attenção do sr. ministro da marinha para outro assumpto da maior importancia, mas como s. exa. não está presente, reservo-me para occasião opportuna, pedindo a v. exa., Sr. presidente, lhe dê conhecimento d'este meu desejo.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Campos Henriques): - Ouvi com toda a attenção as mui judiciosas considerações feitas pelo illustre deputado e meu amigo, o sr. Lopes Coelho, ácerca do porto de Leixões, considerações que já me tinham sido particularmente apresentadas pelo meu prezado amigo, o sr. Dantas da Gama.

Direi aos illustres deputados que o governo não descura, nem tem descurado os melhoramentos, aliás importantissimos para a cidade do Porto, em especial, e para o paiz, em geral, do porto do Leixões, que, como s. exa. disse, e disse muito bem, custou ao paiz cerca de 5:000 e tantos contos de réis.

E tanto o governo não tem descurado esses melhoramentos que, tendo-se levantado, depois do grande temporal que ali se deu e que causou avarias muito graves, questões entre o empreiteiro e o governo, conseguiu este liquidar essas questões e adquirir por um preço, relativamente modico, todo o material indispensavel para as reparações e conservação do mesmo porto.

Devo dizer a s. exa., a quem aproveito a occasião para agradecer as phrases amaveis que me dirigiu, que é certo ter já este governo mandado collocar o pharolim no molhe sul do porto de Leixões, pharolim que funcciona regularmente e que, segundo as informações officiaes, satisfaz cabalmente ao fim a que foi destinado.

S. exa. referiu se a dois pontos importantes: á falta de boias de amarração e á falta de illuminação no molhe do norte.

Como acabei de dizer, o pharolim do molhe sul está prompto e satisfaz completamente ao fim para que ali foi collocado; mas quanto ao outro, devo acrescentar que, se não tem sido collocado, é isso devido á informação do ministerio da marinha que, pela repartição competente, fez, saber que, não sendo sempre accessivel o molhe do norte, não era possivel collocar ali um pharolim que funccionasse regularmente, porque muitas noites não seria possivel accendel-o; e assim, aquella repartição do ministerio da marinha, que é a competente porque tem conhecimentos especiaes e technicos sobre o assumpto, e é de parecer que mais vale não collocar ali um pharolim, visto que não poderia satisfazer regularmente ao fim a que é destinado.

Havia um outro meio de conseguir a illuminação n'aquelle molhe: era a reflexão da luz collocada no molhe sul. Este alvitre, porém, tem sido objecto de estudos especiaes, e parece demonstrado que os apparelhos indicados para estabelecer esse systema de illuminação são extremamente delicados e não dão garantia de que possam funccionar regularmente.

Estas são as rasões por que não se tem feito a collocação do pharolim no molhe norte.

Fallou tambem s. exa. na falta de boias de amarração. A collocação d'essas boias faz parte de um projecto de aproveitamento do porto de Leixões, como porto commercial, e esse projecto está sujeito á apreciação do conselho superior de obras publicas e minas, que em breve tempo dará sobre elle o seu parecer. Em todo o caso, como a collocação d'essas boias é despendiosa, pois que quarenta é oito boias custam 150 contos de réis e dez custamk 50 contos de réis, eu já consegui do ministerio da marinha a collocação de algumas. No mesmo intuito se têem trocado entre, o meu e aquelle ministerio differentes communicações, esperando eu que este importante assumpto se possa em breve liquidar, se não com a largueza que eu desejaria e que seria mais proveitosa para o commercio e navegação, pelo menos nas melhores condições que as circumstancias permittam e os recursos do thesouro comportem.

Referiu-se s. exa., por ultimo, ao abalroamento que ali se deu no dia 22 do mez passado, entre os vapores Santana e Oporto que vinham carregados de carvão de New Castle.

Pelas informações a que immediatamente mandei proceder e pelos telegrammas e officios que a este respeito têem sido expedidos á segunda circumscripção hydraulica do Porto, parece que estes navios, tendo entrado no porto de Leixões, foram amarrar no quadro proprio para estas amarrações; mas que na noite de 22 do mez passado, tendo amainado o vento que n'aqnella occasião era bastante fresco, os dois vapores ficando apenas sujeitos á oscillação das vagas, que era então muito forte, viraram de bombordo a estibordo, e, abalroando, a proa de um d'elles abriu o outro, que em resultado se afundou.

Assim, pelas informações que tenho até este momento, parece-me poder informar s. exa. de que este sinistro se deu, não por falta de illuminação, não mesmo por falta de amarração ou por outra qualquer causa, imputavel às auctoridades que estão sob as ordens do ministerio das obras publicas, mas simplesmente porque os dois vapores não estavam, amarrados a distancia conveniente. Se, porventura, o estivessem, visto que elles não garraram e só soffriam o movimento resultante da oscillação das vagas, não haveria a possibilidade do choque, e por conseguinte não se teria afundado o Santana.

Em todo o caso, como o assumpto tem importancia e não podia deixar de merecer a attenção especial do governo, mandou este proceder a um rigoroso inquerito pela intendencia da marinha do porto, e logo que o resultado dessa syndicancia lhe seja apresentado, tomará d'elle conhecimento e providenciará segundo as circumstancias aconselharem.

É isto que posso dizer agora, em resposta ao illustre deputado, e terei muita satisfação se estas minhas informações poderem satisfazer a s. exa.

Tenho concluido.

(S. exa. - não reviu este discurso.)

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Visto não estar presente o sr. ministro da marinha, a cujo ministerio respeita o projecto n.° 10, vae ler-se para entrar em discussão outro projecto

Leu-se na mesa o

PROJECTO DE LEI N.° 12

Senhores. - À vossa commissão de commercio e artes, tendo, como lhe cumpria, examinado o decreto dictatorial de 10 de fevereiro de 1894, que creou a camara de commercio e industria de Lisboa, e regulou, em geral, o estabelecimento d'estas associações em todo o reino, vem dar-vos conta dos seus trabalhos.

D'esse exame resulta que a commissão se convence de que o referido decreto contém, em toda a sua extensão,

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afinais sabias e justas disposições para o interesse do paiz. Com o progressivo desenvolvimento que o commercio e a industria têem tomado entre nós, e que é licito espetar, será cada vez mais largo, torna-se indiscutivelmente necessario que entre os poderes do estado e as classes ligadas a esses ramos da nossa actividade economica haja constante relação. Só d'este modo poderemos estar certos de que entre o estado, o commercio e a industria não haverá conflictos n'em attritos, e, pelo contrario, ha de manter-se o mutuo auxilio e intimidade que a boa ordem social reclama.

Dando como impreterivelmente urgente este primeiro ponto: as relações permanentes entre os poderes do estado e o commercio e a industria, o problema reduz-se apenas a determinar o meio de as estabelecer de uma maneira proficua, a, crear e regular os organismos a que esta funcção deva incumbir. Se as nossas instituições politicas comprehendessem uma representação de classes, o estado dispensaria novos intermediários, e o poder legislativo teria então meio prompto e efficaz de proceder com inteiro conhecimento em tudo aquillo que ao commercio e á industria importasse; mas, sendo certo que o nosso estado social e politico não comporta n'este momento similhante organisação, é forçoso procurar outro caminho que conduza ao mesmo fim, e logo, á mais pequena reflexão, seremos levados a uma classificação dos elementos em jogo, de que resulta congregar em corporações todas essas forças, umas vezes dispersas, outras vezes confusas, e até às vezes divergentes ou contradictorias.

É do notar que entre nós as corporações de classe, embora numerosissimas, são de creação moderna e carecem inteiramente de tradições. As corporações profissionaes desapparcceram muito antes de começarem a apparccer as novas associações; entre umas e outras houve um largo periodo, que uns dirão de liberdade completa, e que outros chamarão de dissolução do antigo regimen, mas que foi, sem duvida, de plena desaggregação das forças do commercio e da industria. Só mais tarde, numa epocha relativamente recente, imitando o que n'esta materia se usava em paizes estranhos, se começaram a formar associações, mas, como é natural neste primeiro periodo de vida, com os mais variados intuitos. Quem attentar bom no movimento que ellas têem tido, verá que na realidade prestaram os mais relevantes serviços às classes que as constituem e ao estado, mas simultaneamente vorá tambem que muitas vezes excederam as suas attribuições ou as interpretaram erradamente, e ora se inclinam a defender os interesses de classe contra as classes concorrentes, ora se limitam á protecção dos associados pela mutualidade de serviços, ora significam um meio de violentamente se imporem a patrões e capitalistas, ora, finalmente, pretendem influir pela propaganda e pelos actos nas questões radicaes da sociedade, deixando então por completo os fins que a sua organisação suppõe.

Pôde e deve o estado admittir estas associações dentro dos limites que as leis lhes impozerem, mas rasoavelmente não póde nem deve tomal-as como representantes legitimos do commercio e da industria, quando se dêem as circumstancias que acabámos de mencionar. Por outro lado carece de que essa representação exista, é-lhe indispensavel tomar conhecimento das necessidades e de quanto importa ao fomento de todas as forças productoras do paiz. Dahi nasce este typo de associação que, deixando aos associados uma larguissima liberdade, se mantém todavia sob a fiscalisação proxima do estado, de modo a assegurar-lhe que não se afastará do fim para que foi instituida, e que perante a administração publica será o fiel interprete dos altissimos interesses nacionaes que lhe cumpre representar.

Baseados, portanto, nestas considerações, temos a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É creada em Lisboa uma camara de commercio e industria, destinada a representar os interesses do commerciantes e industriaes.

§ unico. O governo poderá crear camaras de commercio e industria em quaesquer outras localidades de reconhecida importancia commercial ou industrial, quando as conveniencias publicas o aconselharem.

Art. 2.° A camara de commercio e industria será constituida por sócios, commerciantes e industriaes, em numero illimitado, e gerida por um conselho director formado por dezoito membros, eleitos pelos socios da mesma camara pelo modo que o regulamento interno indicar, e renovados em dezembro de cada anno por um terço.

§ 1.º São elegiveis para os cargos de membros do conselho director da camara de commercio e industria os commerciantes, industriaes, officiaes da marinha mercante, gerentes ou representantes de emprezas commerciaes, industriaes ou de navegação, cidadãos portuguezes, naturaes ou naturalisados, residentes em Lisboa, que tenham pago a respectiva contribuição industrial, pelo menos, durante cinco annos consecutivos, e que sejam sócios da mesma camara.

§ 2.° Podem ser admittidos como socios da camara de commercio e industria os commerciantes, industriaes, officiaes da marinha mercante, gerentes ou representantes de emprezas commerciaes, industriaes ou de navegação, tanto nacionaes como estrangeiros, que tenham pago a respectiva contribuição industrial, pelo menos, durante dois annos consecutivos. A admissão dos socios será feita pelo conselho director em votação por escrutinio secreto.

§ 3.º As funcções dos membros do conselho director são gratuitas.

Art. 3.° As attribuições da comam de commercio e industria, são de duas espécies: l.a, como representante dos interesses dos commerciantes e industriaes junto do governo; 2.ª, como delegada dos mesmos commerciantes e industriaes para o exercicio de certas funcções e para a administração de determinados estabelecimentos destinados ao serviço do commercio, da industria ou da navegação.

§ 1.° Como representante dos interesses dos commerciantes e industriaes, tem a camara de commercio e industria a faculdade de apresentar ao governo propostas e representações, e cabe-lhe a obrigação de prestar esclarecimentos e de dar parecer fundamentado, quando pedidos pelo governo, sobre assumptos que digam respeito a:

1.° Alteração na legislação commercial regimen das instituições bancarias -circulação fiduciaria - bolsas o corretores - usos commerciaes - alargamento das relações commerciaes existentes e abertura de novos mercados para productos portuguezes - tratados de commercio - meios de communicação rapida - preços de transporte do mercadorias em caminhos de ferro ou por mar - melhoramentos a introduzir no serviço de transportes - pautas das alfandegas, regimen e serviço aduaneiro, tanto na, metropole como nas colonias;

2.° Commercio de transito - navegação do cabotagem e de longo curso - medidas tendentes a desenvolver a marinha mercante portugueza e a attrahir aos portos portuguezes a navegação e o commercio estrangeiros - serviço de pilotagem - illuminação e balizagem das costas e portos - quarentenas - installações commerciaes dos portos e tarifas respectivas - armazéns geraes - warrants;

3.° Inqueritos commerciaes e industriaes - museus e exposições commerciaes e industriaes - propriedade industrial, patentes de invenção e de introducção de novas industrias, marcas da fabrica e de commercio - melhoramentos no serviço dos correios, telegraphos electricos e semaphoros - concessão de druwbacks - regulamentos do trabalho fabril - organisação do ensino commercial o industrial;

4.° Qualquer outro assumpto sobre que for mandado ouvir pelo governo.

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§ 2.° Como representante dos interesses dos commerciantes e industriaes compete tambem á camara do commercio e industria consultar ácerca dos pedidos e representações das associações de classe (industriaes ou commerciaes) relativos a qualquer dos assumptos indicados no § 1.°

§ 3.° Como delegada dos commerciantes e industriaes compete á camara de commercio e industria de Lisboa:

1.° Formular no principio de cada triennio, sob requisição da direcção dos serviços aduaneiros, uma lista de seis nomes, todos de sócios da camara de commercio e industria, que não sejam membros do conselho director, de entre os quaes o governo escolherá aquelle que deverá servir como vogal do tribunal especial do contencioso fiscal de primeira instancia junto da alfandega de Lisboa, durante o triennio, e bem assim dois supplentes para o substituírem nas suas faltas ou impedimentos, nos termos do artigo 32.° do decreto com força de lei de 29 de julho de 1886;

2.º Formular no principio de cada triennio, sob requisição da direcção dos serviços aduaneiros, uma proposta contendo a indicação de seis membros do conselho director da camara de commercio e industria, de entre os quaes o governo escolherá aquelle que deverá servir como vogal do tribunal especial do contencioso fiscal do segunda instancia, e bem assim dois supplentes para o substituir nas buas faltas ou impedimentos, nos termos do § 2.° do artigo 53.° do citado decreto;

3.° Dar ao governo as informações que esto pedir para a nomeação dos dois commerciantes ou industriaes que devem fazer parte do tribunal do contencioso technico da alfandega de Lisboa, nos termos do artigo 120.° e respectivo 2.° do decreto de 30 de dezembro de 1892;

4.° Administrar a bolsa commercial de Lisboa;

5.° Administrar quaesquer, estabelecimentos officiaes destinados ao serviço do commercio, da industria ou da navegação - taes como museus commerciaes ou industriaes, escolas commerciaes, industriaes ou de pilotagem, postos de salva vidas, pharoes, armazens geraes, e analogos - quando esse serviço lhe seja incumbido por decreto especial:

6.° Desempenhar quaesquer outras funcções que lhe forem incumbidas por leis especiaes.

§ 4.° As funcções da camara de commercio e industria são consultivas em relação ao disposto nos §§ 1.° e 2.°; em relação ao disposto no § 3.° essa corporação reger-se-ha pelo que preceituam as leis e regulamentos vigentes, e na parte omissa pelas instrucções que lhe forem dadas pelo ministerio das obras publicas, commercio o industria.

§ 5.° As funcções incumbidas n'este artigo á camara de commercio e industria serão desempenhadas pelo respectivo conselho director. A assembléa geral da mesma camara será ouvida sobre qualquer dos assumptos indicados no § 1.°, quando o governo o ordenar, quando assim for resolvido por mais de metade dos membros do conselho director, ou quando for requerido por mais de um terço do numero total de socios existentes.

Art. 4.° É permittido á camara de commercio e industria ter bibliotheca e gabinetes de leitura para os seus socios e para os empregados do commercio e industria.

Art. 5.° Todos os socios da camara de commercio e industria formarão a respectiva assembléa geral. A camara de commercio e industria é facultado dividir-se nas seguintes secções, que poderão funccionar independentemente:

a) Secção de commercio por grosso e navegação;
b) Secção de commercio a retalho;
c) Secção da industria.

§ 1.° Cada secção terá um presidente, que será o socio mais votado dos membros do conselho director que a ella pertençam. Em igualdade de votos preferirá o mais velho.

§ 2.° A assembléa geral, cada uma das secções, ou qualquer, dos socios têem direito de submetter ao conselho director exposições, propostas ou consultas com respeito aos assumptos indicados no § 1.° do artigo 3.°.

Art. 6.° As funcções dos membros do conselho director da camara de commercio e industria durarão por tres annos. Durante os primeiros dois annos a sorte designará os que deverão sair; depois a renovação será feita por antiguidade.

§ unico. Os membros do conselho director poderão ser reconduzidos indefinidamente.

Art. 7.° O conselho director da camara de commercio e industria terá um presidente, um vice-presidente, um secretario e um thesoureiro, escolhidos d'entre os seus membros.

§ 1.° O presidente, o vice-presidente e o secretario do conselho director exercerão iguaes funcções na assembléa geral dos sócios. :

§ 2.° Para a administração interna da camara de commercio e industria haverá uma commissão administrativa composta do presidente, vice-presidente, secretario e thesoureiro e de tres vogaes.

§ 3.° O presidente e o vice-presidente serão nomeados pelo governo, em dezembro de cada anno, dentre os eleitos nos termos do artigo 2.°, devendo um pertencer á classe commercial e outro á classe industrial. O secretario, o thesoureiro e os vogaos da commissão administrativa serão eleitos pelo conselho director, dentre os seus membros, em janeiro de cada anno.

Art. 8.° A camara de commercio e industria poderá ter os empregados indispensaveis para o seu serviço. Os empregados de que se trata serão nomeados e demittidos pela commissão administrativa da referida camara.

Art. 9.° No caso de ser decretada a nomeação de uma camara de commercio e industria fora de Lisboa, o decreto indicará a sede da camara, os concelhos da sua circumscripção, as attribuições de natureza analoga às indicadas no § 3.° do artigo 3.° que lhe devem pertencer, e o numero de membros que devem formar o respectivo conselho director. A eleição dos seus membros será feita pelo modo previsto no artigo 2.°

§ unico. No caso de deixar de funccionar a associação commercial ou industrial de qualquer localidade onde venha a existir uma camara de commercio e industria, serão transferidas para essa camara todas as funcções que por leis especiaes pertencessem á associação que tiver deixado de funccionar.

Art. 10.° As camaras de commercio e industria são corporações dependentes do ministerio das obras publicas, commercio e industria, com o qual deverão regularmente corresponder se nas suas relações com o governo, podendo no entretanto dirigir-se às outras secretarias d'estado nos assumptos previstos no artigo 3.° d'este decreto que sejam da competencia especial d'ellas.

§ unico. O conselho director sujeitará, em fevereiro de cada anno, á apreciação do governo e da assembléa geral dos socios as contas da gerencia do anno anterior. .

Art. 11.° É nulla toda a deliberação, tomada pelo conselho director, por qualquer das secções ou pela assembléa geral, sobre assumpto estranho aquelle, para que, se fez a respectiva convocação. São prohibidas as discussões ou votações sobre assumptos alheios á indole e competencia da camara de commercio e industria, conforme este decreto e o regulamento interno.

Art. 12.º Poderá sor dissolvido o conselho director se se desviar do fim para que foi instituída a camara de commercio e, industria, não cumprir fielmente o regulamento ou não prestar ao governo as informações que este pedir sobre assumptos da competência da mesma camara. No caso de dissolução do conselho, os seus membros não poderão ser reeleitos durante cinco annos consecutivos.

Art. 13.° Será nomeada uma commissão de doze mem-

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O sr. Vicente Pinheiro: - Mando para a mesa dois requerimentos pedindo esclarecimentos ao governo, um pelo ministerio dos negocios estrangeiros, outro pelo ministerio da marinha.

Peço estes documentos com urgencia, porque preciso d'elles para formular uma nota de interpellação.

Desejava interrogar o governo sobre o conflicto de Braga e Guimarães, porque cada vez vae sendo mais grave e mais importante.

O governo não está presente, não obstante o meu amigo o sr. Borges de Faria ter já por, duas vezes pedido á presidencia para que fizesse chegar ao conhecimento do governo, que desejava a comparencia do sr. presidente do conselho ou do sr. ministro do reino n'esta camara a fim do nos darem as explicações de que carecemos. É uma necessidade ouvirmos explicações claras e definidas do governo sobre esta questão. Essa necessidade cada vez se torna mais urgente e mais instante depois dos telegrammas recebidos ante-hontem e hontem á noite de Braga.

Não me demorarei a fazer largas referencias, n'este momento, a esses telegrammas, que os jornaes publicaram e que toda a camara conhece, nem tão pouco a censurar o procedimento do governo, que, não resolvendo este conflicto, está dia a dia tornando-o mais grave com este condemnavel expediente de adiar a solução de questões que a sua fraqueza e os seus erros lhe não permittem resolver. (Apoiados.)

Desde o principio d'esta questão a opposição n'esta camara e na camara dos pares julgou-a, com fundamento, irreductivel para este governo.

O governo não quer convencer-se d'isto. Esse convencimento virá infelizmente, depois de factos ainda mais graves e mais lamentaveis do que aquelles que já se vão dando. O governo nem se quer está presente, para mais uma vez nos dar uma resposta dubia!!!

Estou persuadido que pelo menos o sr. ministro da marinha virá hoje a esta camara, visto que tem de responder a uma interpellação que está dada para ordem do dia.

Pedia a v. exa. me reservasse á palavra para quando o sr. ministro da marinha chegar, ou outro qualquer sr. ministro; se especialiso o sr. ministro da marinha e porque julgo que s. exa. não deve tardar.

(Entrou o sr. ministro da marinha.)

Visto que entrou s. exa., perguntar-lhe-hei se é verdadeiro um facto que referem os telegrammas de Braga, que os jornaes publicaram hontem. Desejo saber se é verdade que o governador civil, em face de uma grande multidão, de mais de 3:000 pessoas, que saiu da associação commercial, cantando a Maria da Fonte, depois de uma importante reunião em que se fizeram diversos discursos, e se dirigiu á residencia do governador civil, este funccionario desceu para a rua e veiu acalmar a agitação popular, promettendo ao povo que a integridade do districto de Braga seria mantida. Desejo saber ainda se o governador civil de Braga estava auctorisado a fazer essa declaração, e se o não estava, como é que a fez, ou se recorreu a esse expediente para acalmar por uma maneira inconveniente uma agitação de que o governo tem toda a responsabilidade.

Se por acaso o governador civil, quando fez essa declaração, disse a verdade, se ella traduz a resolução que o governo tivesse tomado sobre cate assumpto, e, sendo assim, qual a rasão por que o governo se nega a dizer no parlamento o que pensa, a nós deputados de Braga, que temos todo o direito de o interrogar e o fazemos no interesse da ordem publica, (Muitos apoiados.) não obtendo explicações nem respostas precisas, emquanto que o povo às arranca ao delegado do governo ao som de um hymno revolucionário. (Apoiados.- Vozes: - Muito bem.)

Pedia a v. exa. se dignasse reservar-me o uso da palavra para fazer algumas considerações, se o julgar conveniente, depois da resposta do sr. ministro da marinha.

O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - O illustre deputado o sr. José Borges já annunciou uma interpellação aos srs. presidente do conselho e ministro do reino, sobre o assumpto a que se referiu o sr. Vicente Pindella.

O sr. presidente do conselho, consta-me que virá muito brevemente á camara, não só dar-se por habilitado para responder á interpellação que lhe foi annunciada, mas prompto a responder às perguntas que o illustre deputado lhe quizer fazer.

Emquanto aos telegrammas que só referem a actos praticados pelo sr. governador civil de Braga, não tenho communicação official a este respeito, mas supponho que os telegrammas publicados nos jornaes não são perfeitamente exactos.

Tenho plena confiança na cordura e intelligencia do governador civil, para saber que elle não tomou compromissos que não podia tomar para antecipar a resolução d'este assumpto.

As communicações officiaes, de que só tenho conhecimento agora, contradizem completamente as asserções feitas pelos telegrammas publicados nos jornaes de hontem.

O sr. Vicente Pinheiro: - V. exa., sr. presidente, dá-me licença que eu diga duas palavras?

O sr. Presidente: - Eu não posso alterar a ordem da inscripção. Se v. exa. quizer, eu consulto a camara.

O sr. Vicente Pinheiro: - Sim, senhor.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação dá camara, tem v. exa. a palavra.

O sr. Vicente Pinheiro: - Sr. presidente, do que ouvi ao sr. ministro da marinha concluo uma cousa fundamental: o governo mantém ainda a resolução de não dizer ao parlamento a forma como ha de resolver o conflicto entre Braga o Guimarães. (Apoiados.)

Este facto é importante. Eu, e toda a opposição parlamentar, aguardaremos do boa vontade a chegada do sr. presidente do conselho ou do sr. ministro do reino a esta casa, para nos dar explicações; mas convém, na realidade, que se accentue e se saiba que o governo não auctorisou a declaração do sr. governador civil de Braga, e que o governo ainda hoje pertinazmente se nega a dizer claramente como ha de resolver o conflicto.

Pois muito bem; isto traduz-se ainda em grandes responsabilidades, porque o adiamento da resolução d'esta questão cada dia a torna mais irritante. (Apoiados.) Guimarães desconfia, com muita rasão, deste governo que nem se atreve a satisfazer os seus compromissos, nem tem força de quebrar com elles em face da força da justiça e no ihteresse da ordem publica; e Braga, que sabe quaes foram e quaes são os compromissos do sr. presidente do conselho para com a cidade de Guimarães, e como principiou a agitação d'este concelho, não póde tambem depositar especie alguma de confiança n'um governo que não garante aos povos do districto uma decisão correcta e prompta. (Apoiados.)

Entretanto, note-se que a continuação d'este estado do cousas é muito grave, porque, quando mesmo venha a tornar-se uma resolução que ponha termo a este conflicto, essa resolução, por tardia, póde não satisfazer cabalmente.

Cada dia que decorre corresponde a um grau a maior na violencia da paixão popular.

Os odios, a principio mais ou menos imaginarios, avolumam-se n'esta guerra constante, criminosamente sustentada pelo governo. (Apoiados.)

De modo que a questão póde desapparecer por uma resolução qualquer como conflicto administrativo o político, mas corre o risco do se transformar para sempre em rixas particulares entre o povo de Guimarães e os seus vizinhos dos outros concelhos do districto de Braga.

Nos mercados, nas feiras, nas romarias, essas rixas occasionarão desordens e crimes.

Nós advertimos o governo dos perigos para que corre-

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abelecimentos de utilidade collectiva dos mesmos industriaes ou commerciantes. Como representantes officiaes do commercio e da industria estas corporações podem expor ao governo os meios que lhes parecerem mais conducentes a desenvolver o commercio e a industria, indicar os melhoramentos a introduzir nos diversos ramos da legislação commercial ou industrial, e devem dar as informações que lhes forem pedidas pelo governo sobre os diversos assumptos de interesse para as classes que ellas representam. Como delegadas dos commerciantes e industriaes pertence às camaras de commercio e industria, administrar as bolsas commerciaes, gerir certos estabelecimentos creados para uso dos mesmos industriaes e commerciantes, e exercer determinadas funcções publicas. Foram estas tambem as bases em que assentou a organisação das camaras de commercio e industria planeada pelo governo.

No projecto de decreto que temos a honra de submetter á apreciação de Vossa Magestade, mantem-se para a camara de commercio e industria o principio associativo, isto é, permitte-se a admissão n'ella, como socios e em numero illimitado, de commerciantes e industriaes, garantindo-se que aquella corporação ficará composta exclusivamente dos indivíduos cujos interesses ella é destinada a defender, mas assegurando-se ao mesmo tempo que todos esses indivíduos tenham n'ella franca e legitima entrada. Estabelece-se tambem que a gerencia da camara de commercio e industria incumba a um conselho director composto de dezoito membros, todos eleitos pelos socios e escolhidos de entre os mesmos socios.

Consigna-se ainda a faculdade de se subdividir a assembléa geral dos socios em diversas secções, que poderão fuuccionar independentemente, correspondendo aos differentes ramos especiaes em que se traduzem os varios interesses representados pelas duas grandes classes, que constituem a corporação. Assim, aproveita se a concentração de forças, a equiponderação de interesses, de que deve resultar á auctoridade e a officacia da cooperação que a camara de commercio e industria é chamada a prestar ao governo, e, por outro lado, não se inutilisam, e ainda menos se desprezam, as indicações e os estudos que mais particularmente possam interessar a um ou outro ramo da actividade mercantil ou industrial. Do esforço e do trabalho das secções, em que se especialisem os assumptos, resultará nas propostas e nos alvitres do conselho director, que têem de ser presentes ao governo; uma clara comprehensão das questões, não só no seu aspecto geral, mas ainda nas suas applicações praticas. O criterio de todos corrigirá os exclusivismos de alguns, e dos alvitres de cada especialidade illustrarão as resoluções geraes da corporação. O resultado não póde deixar de ser instructivo e benefico, e tal é o fim superior que se tem em vista.

Por esta concentração na mesma entidade official de elementos e de forças diversas, mas todas convergentes ao mesmo fim, e constituindo todas o fundo da nossa vida mercantil e industriar, afasta-se a responsabilidade de conflictos e rivalidades que infelizmente não raro têem surgido, entre classes e interesses, que comvem sejam sempre harmonicos para a prosperidade do paiz. Da união, que faz a força, só podem resultar vantagens para o commercio e para a industria; e essa união é exactamente é que consagrada, por uma fórma regular e util, a instituirão que intentamos estabelecer, e que só não produzirá salutares resultados se não for aproveitada, comprehendida e posta lealmente em pratica por aquelles que ella é especialmente destinada a proteger e beneficiar.

As disposições do decreto afiguram-se-nos simples e claras. Regula-se a maneira de funccionar a camara de commecio e industria, definem-se-lhe com precisão as attribuições, que são muito importantes, e dando-se-lhe amplas faculdades e os necessarios recursos para o livre exercício d'essas attribuições, acautelam-se devidamente os possíveis desvios do fim legal para que a instituição é creada, o que e conveniente e necessario para todos.

Por agora, immediatamente, cria-se apenas uma camara de commercio e industria em Lisboa, mas auctorisa-se a creação de outras conforme as conveniencias publicas o reclamarem.

São transferidas para a camara se commercio e industria de Lisboa varias funcções que por leis especiaes incumbiam às associações de capital ultimamente dissolvidas. Igualmente passam para a referida camara as receitas e os encargos que por lei perttenciam á extincta associação commercial de Lisboa. É obvio o motivo d'estas deposições. Tendo deixado de existir aquellas oollectividades, e sendo a camara de commercio e industria a instituição destinada a representar officialmente o commercio e industria da capital, é natural e evidente que a esta devem transmittir-se attribuições, regalias e encargos, que por motivos de ordem analoga tinham sido conferidas ou impostos às collectividades extinctas.

Quanto às dividas e aos haveres d'essas collectividades, pareceu ao governo rasoavel, pela mesma ordem de considerações, deixar aos seus antigos socios a faculdade de tambem os trespassarem para a instituição consagrada a proteger e representar de futuro os interesses e as classes que nas associações dissolvidas tinham anteriormente representação. O rigor do decreto de 9 de maio de 1891 era outro; mas a equidade, senão o direito, aconselha, na presente conjunctura, um proceder menos inflexível. Será condicional o destino a dar a esses fundos, pois só poderia reverter para a instituição agora creada se a maioria dos seus antigos possuidores assim o requerer dentro do praso de um mez. De outra forma, as disposições vigentes para as associações de classe terão de cumprir-se nos termos do artigo 13.º do citado decreto.

Por todos os motivos, que succintamente deixamos expostos, julgamos digno da approvação de Vossa Magestade o seguinte projecto de decreto.

Secretaria d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, em 10 de fevereiro de 3894. = .Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio d'Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = João Antonio de Bissac das Neves Ferreira = Frederico de Gusmão Corrêa Arouca = Carlos Lobo d'Avila.

Attendendo ao que me representaram o presidente do conselho de ministros, ministro e secretarios d'estado da negocios da fazenda, e os ministros e secretarios d'estado de todas as outras repartições: hei por bem decretar o seguinte:

Artigo 1.° É creada em Lisboa uma camara de commercio e industria, destinada a representar os interesses dos commerciantes é industriaes.

§ unico. O governo poderá crear camaras de commercio e industria em quaesquer outras localidades, de reconhecida importancia commercial ou industrial, quando as conveniencias publicas o aconselharem.

Art. 2.° A camara de commercio e industrial será constituída por socios, commerciantes e industriaes, em numero illimitado, e gerida por um conselho director formado por dezoito membros, eleitos pelos socios da mesma camara pelo modo que o regulamento interno indicar, e renovados em dezembro de cada, anno por um terço.

§ 1.° São elegíveis para os cargos de membros do conselho director da camara de commercio e industria os commerciantes, industriaes, officiaes da marinha mercante, gerentes ou representantes de emprezas commerciaes, industriaes ou de navegação, cidadãos portuguezes, naturaes ou naturalisados, residentes em Lisboa, que tenham pago as respectiva contribuição industrial, pelo menos, durante cinco annos consecutivos, e que sejam socios da mesma camara.

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§ 2.° Podem ser admittidos como socios da camara de commercio e industria os commerciantes, industriaes, officiaes da marinha mercante, gerentes ou representantes de emprezas commerciaes, industriaes ou de navegação, tanto nacionaes como estrangeiros, que tenham pago a respectiva contribuição industrial, pelo menos, durante dois annos consecutivos. A admissão dos socios será feita pelo conselho director em votação por escrutínio secreto.

§ 3.º As funcções dos membros do conselho director são gratuitas.

Art. 3.° As attribuições da camara de commercio e industria são de duas especies: 1.ª, como representante dos interesses dos commerciantes e industriaes junto do governo; 2.º como delegada dos mesmos commerciantes e industriaes para o exercício de certas funcções e para a administração de determinados estabelecimentos destinados ao serviço do commercio, da industria ou da navegação.

§ 1.° Como representante dos interesses dos commerciantes e industriaes, tem a camara de commercio e industria a faculdade de apresentar ao governo propostas e representações, e cabe-lhe a obrigação de prestar esclarecimentos e de dar parecer fundamentado, quando pedidos pelo governo, sobre assumptos que digam respeito a:

1.° Alteração na legislação commercial - regimen das instituições bancarias - circulação fiduciaria - bolsas e corretores - usos commerciaes - alargamento das relações commerciaes existentes e abertura de novos mercados para productos portuguezes - tratados de commercio - meios de communicação rapida - preços de transporte de mercadorias em caminhos de ferro ou por mar - melhoramentos a introduzia; no serviço de transportes - pautas das alfandegas, regimen e serviço aduaneiro, tanto na metropole como nas colonias;

2.° Commercio de transito - navegação de cabotagem e de longo curso - medidas tendentes a desenvolver a marinha mercante portugueza e a attrahir aos portos portuguezes a navegação e o commercio estrangeiros - serviço de pilotagem - illuminação e balizagem das costas o portos - quarentenas - installações commerciaes dos portos e tarifas respectivas - armazens geraes - warrants;

3.º Inqueritos commerciaes e industriaes - museus e exposições commerciaes e industriaes - propriedade industrial, patentes de invenção e introducção de novas industrias, marcas de fabrica e de commercio - melhoramentos no serviço dos correios, telegraphos electricos e semaphoros - concessão de drawback - regulamentos do trabalho fabril - organisação do ensino commercial e industrial;

4.° Qualquer outro assumpto sobre que for mandada ouvir pelo governo.

§ 2.° Como representante dos interesses dos commerciantes e industriaes compete tambem á camara de commercio e industria consultar ácerca dos pedidos e representações das associações de classe (industriaes ou commerciaes) relativos a qualquer dos assumptos indicados no § 1.º

§ 3.° Como delegada dos commerciantes e industriaes compete á camara de commercio e industria de Lisboa:

1.° Formular no principio de cada triennio, sob requisição da direcção dos serviços aduaneiros, uma lista de seis nomes, todos de socios da camara de commercio e industria, que não sejam membros do conselho director, de entre os quaes o governo escolherá aquelle que deverá servir como vogal do tribunal especial do contencioso fiscal do primeira instancia junto da alfandega de Lisboa, durante o triennio, e bem assim dois supplentes para o substituírem nas suas faltas ou impedimentos, nos termos do artigo 32.° do decreto com força de lei de 29 de julho de 1886;

2.° Formular no principio de cada triennio, sob requisição da direcção dos serviços aduaneiros, uma proposta contendo a indicação de seis membros do conselho director da camara de commercio e industria, de entre os quaes o governo escolherá aquelle que deverá servir como vogal do tribunal especial do contencioso fiscal de segunda instancia, e bem assim dois supplentes para o substituir nas suas faltas ou impedimentos, nos termos do § 2.° do artigo 53.º do citado decreto;

3.° Dar ao governo as informações que este pedir para a nomeação dos dois commerciantes ou industriaes que devem fazer parte do tribunal do contencioso tecnico da alfandega de Lisboa, nos termos do artigo 120.° e respectivo § 2.º do decreto de 30 de dezembro de 1892;

4.º Administrar a bolsa commercial de Lisboa;

5.° Administrar quaesquer estabelecimentos officiaes destinados ao serviço do commercio, da industria ou da navegação - taes como museus commerciaes ou industriaes, escolas commerciaes, industriaes ou de pilotagem, postos de salva vidas, pharoes, armazens geraes, e analogos - quando esse serviço lhe seja incumbido por decreto especial;

6.° Desempenhar quaesquer outras funcções que lhe forem incumbidas por leis especiaes.

§ 4.° As funcções da camara de commercio e industria são consultivas em relação ao disposto nos §§ 1.º e 2.°; em relação ao disposto no § 3.° essa corporação reger-se-ha pelo que preceituam as leis e regulamentos vigentes, e na parte omissa pelas instrucções que lhe forem dadas pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria.

§ 5.º As funcções incumbidas neste artigo á camara de commercio e industria serão desempenhadas pelo respectivo conselho director. A assembléa geral da mesma camara será ouvida sobro qualquer dos assumptos indicados no § 1.°, quando o governo o ordenar, quando assim for resolvido por mais de metade dos membros do conselho director, ou quando for requerido por mais de um terço do numero total de socios existentes.

Art. 4.º É permittido á camara de commercio e industria ter bibliotheca e gabinetes de leitura para os seus socios e para os empregados do commercio e industria.

Art. 5.° Todos os socios da camara de commercio e industria formarão a respectiva assembléa geral. A camara de commercio e industria é facultado dividir-se nas seguintes secções, que poderão funccionar independentemente:

a) Secção de commercio por grosso e navegação;
b) Secção de commercio a retalho;
c) Secção da industria.

§ 1.° Cada secção terá um presidente, que será o socio mais votado dos membros do conselho director que a ella pertençam. Em igualdade de votos preferirá o mais velho.

§ 2.° A assembléa geral, cada uma das secções, ou qualquer dos socios têem direito de submetter ao conselho director exposições, propostas ou consultas com respeito aos assumptos indicados no § 1.° do artigo 3.°

Art. 6.° As fonações dos membros do conselho director da camara de commercio e industria durarão por tres annos. Durante os primeiros dois annos a sorte designará os que deverão sair; depois a renovação será feita por antiguidade.

§ unico. Os membros do conselho director poderão ser reconduzidos indefinidamente.

Art. 7.º O conselho director da camara de commercio e industria terá um presidente, um vice-presidente, um secretario e um thesoureiro, escolhidos de entre os seus membros.

§ 1.° O presidente, o vice-presidente e o secretario do conselho director exercerão iguaes funcções na assembléa geral dos socios.

§ 2.° Para a administração interna da camara de commercio e industria haverá uma commissão administrativa composta do presidente, vice-presidente, secretario e thesoureiro e tres vogaes.

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§ 3.° O presidente e o vice-presidente serão nomeados pelo governo, em dezembro de cada anno, de entre os eleitos nos termos do artigo 2.°, devendo um pertencer á classe commercial e outro á classe industrial. O secretario, o thesoureiro e os vogaes da commissão administrativa serão eleitos pelo conselho director, dentre os seus membros, em em janeiro de cada, anno.

Art. 8.° A camara de commercio e industria poderá ter os empregados indispensaveis para o seu serviço. Os empregados de que se trata serão nomeados e demittidos pela commissão administrativa da referida camara.

Art. 9.° No caso de ser decretada a nomeação de uma camara de commercio e industria fóra de Lisboa, o decreto indicará a sede da camara, os concelhos da sua circumscripção, as attribuições de natureza analoga às indicadas no § 3.° do artigo 3.° que lhe devem pertencer, e o numero de membros que devem formar o respectivo conselho director. A eleição dos seus membros será feita pelo modo previsto no artigo 2.°

§ unico. No caso de deixar de funccionar a associação commercial ou industrial de qualquer localidade onde venha a existir uma camara de commercio e industria, serão transferidas para essa camara todas as funcções que por leis especiaes pertencessem á associação que tiver deixado de funccionar.

Art. 10.° As camaras de commercio e industria são corporações dependentes do ministerio das obras publicas, commercio e industria, com o qual deverão regularmente corresponder-se nas suas relações com o governo, podendo no entretanto dirigir-se ás outras secretarias d'estado nos assumptos previstes no artigo 3.° d'este decreto que sejam da competencia especial d'ellas.

§ unico. O conselho director sujeitará, em fevereiro de cada anno, á apreciação do governo e da assembléa geral dos socios, as contas da gerencia do anno anterior.

Art. 11.° É nulla toda a deliberação tomada pelo conselho director, por qualquer das secções ou pela assembléa geral, sobre assumpto estranho áquelle para que se fez a respectiva convocação. São prohibidas as discussões ou votações sobre assumptos alheios á indole e competencia da camara de commercio e industria, conforme este decreto e o regulamento interno.

Art. 12.° Poderá ser dissolvido o conselho director se se desviar do fim para que foi instituida a camara de commercio e industria, não cumprir fielmente o regulamento ou não prestar ao governo as informações que este pedir sobre assumptos da competencia da mesma camara. No caso de dissolução do conselho, os seus membros não poderão ser reeleitos durante cinco annos consecutivos.

Art. 13.° Será nomeada uma commissão de doze membros para proceder aos trabalhos de organisação e installação da camara de commercio e industria de Lisboa, formular e submetter á approvação do governo o respectivo regulamento interno, e exercer até á constituição definitiva da mesma camara as funcções que a esta ficam pertencendo pela presente lei.

§ 1.° De identica fórma se procederá quando venha a ser decretada a creação de qualquer outra camara de commercio e industria.

§ 2.° O regulamento interno das camaras de commercio e industria fixará a fórma e condições para a admissão dos socios e realisação das eleições dos respectivos corpos gerentes.

Art. 14.° Serão transferidos para a camara de commercio e industria de Lisboa os encargos e os rendimentos a que se referem o artigo 8.° e seguintes da carta de lei de 10 de fevereiro de 1876, e artigo 126.° § 6.° do decreto n.° 3 de 17 de abril de 1885 e os decretos de 21 de abril e 31 de dezembro de 1892.

Art. 15.° Se a maioria dos antigos socios de qualquer das extinctas, associações commercial de Lisboa, industrial portugueza e commercial dos lojistas de Lisboa, assim o requerer dentro do praso de um mez, a contar da data d'este decreto, deverão as dividas e haveres da respectiva associação ser transferidos para a camara de commercio e industria de Lisboa.

§ unico. Fica assim alterado o disposto no artigo 13 do decreto de 9 de maio de 1891.

Art. 16.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, em 10 de fevereiro de 1894. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio d'Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = João Antonio de Brissac das Neves Ferreira = Frederico de Gusmão Corrêa Arouca = Carlos Lobo d'Avila.

O sr. Marianno de Carvalho (sobre a ordem.): - Não vem discutir o projecto, porque o approva no seu contexto geral unicamente pretende tratar de uma questão intimamente ligada com elle, e sobre a qual deseja ouvir o governo.

N'este sentido começa por mandar para a mesa a seguinte moção:

"A camara, entendendo que convem serem exactamente cumpridas as leis e regulamentos sobre associações de classe, passa á ordem do dia. = Marianno de Carvalho."

Continuando, recorda que em 1891, em vista dos acontecimentos que se deram na associação commercial de Lisboa e que derivaram do facto de haver n'ella elementos conservadores e elementos radicaes, foi o primeiro que apresentou a idéa de se transformar aquella associação em camara de commercio. Ao mesmo tempo significára o desejo de que se constituisse uma camara de commercio no Porto, e até mesmo que se organisassem, á similhança do que acontece em França, agremiações d'esta ordem nas cidades estrangeiras onde houvesse numerosas colonias portuguezas.

A sua idéa só veiu a realisar-se em 1894.

Não duvidou, por isso, defender na imprensa a creação da camara de commercio, defendendo ao mesmo tempo o procedimento do governo relativamente á dissolução da associação commercial, da associação dos lojistas e da associação industrial, visto que ellas tinham saido para fóra dos seus estatutos, e já não respeitavam a lei geral do paiz. Separou-se, porém, do governo, quanto ao seu procedimento na questão dos estatutos com que pretendem constituir-se as novas associações commercial, de lojistas e industrial.

O orador aponta as praxes seguidas para a approvação dos estatutos das associações em geral, e estranha a morosidade com que tem corrido o processo relativo aos estatutos das tres a que se refere. Esta morosidade é tal que, tendo os estatutos entrado na repartição competente em 20 de março de 1894, ainda hoje não têem despacho algum.

Analysa em seguida as duas consultas da procuradoria geral da corôa que existem sobre o assumpto, mostrando que ellas não dizem que os estatutos, sobre que teve de dar parecer, contenham quaesquer illegalidades. Nota, alem d'isto, que a repartição competente do ministerio das obras publicas foi de opinião favoravel á approvação dos mesmos estatutos.

Comprehende que o governo julgue inconveniente que ao lado da camara de commercio haja uma associação commercial, uma associação de lojistas e uma associação industrial; comprehende isto, embora não compartilhe esta opinião; mas, n'este caso, não devia hesitar em modificar ditatorialmente a lei das associações de classe, ou então ter a coragem de dizer francamente que não approvava os estatutos por que não queria.

Parece-lhe que tinha sido isto melhor do que andar dois annos em tergiversações e estudos sobre uns esta-

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tutos, contra os quaes se não apresentou nenhum obice legal.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

Leu-se na mesa a moção. Foi admittida.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Campos Henriques): - O illustre deputado o distincto estadista o sr. Marianno de Carvalho aproveitou o ensejo, não para discutir o projecto em discussão, que s. exa. lealmente declarou ter defendido n'outro logar, mas para se occupar de assumpto, um pouco diverso, a dissolução das associações commercial, industrial e dos lojistas de Lisboa, acto que o illustre deputado approvou também, julgando-o perfeitamente justificado pelas circumstancias que então occorreram. O que quiz s. exa., foi referir-se especialmente ao facto de não ter sido dada pelo governo approvação ao projecto de estatutos, pelos quaes essas associações pretendem o seu restabelicimento.

Ora, como sobre este ponto o distinctissimo parlamentar, o sr. Marianno de Carvalho, já me tinha annunciado uma interpellação, e eu tinha declarado, pouco depois, que me achava habilitado para lhe responder, por essa consideração, pelo muito respeito que s. exa. me merece e sobretudo porque é obrigação do governo responder às questões que lhe são propostas pela opposição, principalmente quando ellas vem tão apropositadamente, como n'esta occasião, não terei duvida em responder desde já a todos os pontos a que alludiu o illustre deputado, seguindo o seu lucidissimo discurso.

V. exa. e a camara comprehendem bem que não é esta a occasião adequada e propria para fazer uma larga exposição dos factos decorridos de ha muitos mezes e até já discutidos e apreciados n'esta e na outra casa do parlamento, na sessão legislativa de 1894.

Por isso, e porque não desejo protelar o debate nem fatigar a attenção da camara, nem dizer por uma fórma menos correcta, e que vozes mais auctorisadas têem dito, apenas me referirei aos factos que forem indispensaveis para fundamentar a minhar argumentação e responder cabalmente ao sr. Marianno de Carvalho.

Conhece v. exa. e a camara perfeitamente as circumstancias em que o governo actual foi, em 1893, chamado aos conselhos da corôa.

Eram então bem precarias e difficeis as circumstancias, quer financeiras quer de ordem internacional. Apertavam-nos as questões internacionaes mais melindrosas e difficeis; fóra do paiz não havia credito e dentro não havia recursos. Da fórma por que o governo procurou resolver as questões graves e difficeis que se apresentavam ao seu exame, não é esta a occasião de fallar, nem de certo eu sou o juiz mais competente para o fazer; mas a verdade é que na outra casa do parlamento o chefe do partido progressista, referindo-se ao procedimento do governo, affirmava que nem elle nem o seu partido fariam mais e melhor. Foi um testemunho insuspeito e imparcial que para o governo devia ter o maximo valor, como realmente teve.

É certo que a curto trecho esta serie de applausos e louvores se transformou em invectivas crueis e apostrophes violentas, e parece que a causa principal d'essas invectivas e d'essas apostrophes foi o governo ter praticado dictadura, isto é, ter feito o mesmo que até hoje todos os partidos, sem excepção, têem feito.

A causa d'essas apostrophes e invectivas foi um acto que não é de dictadura, mas constitucional, - a dissolução a camara dos deputados e da parte electiva da camara dos dignos pares. Foi um acto, repito, inteiramente constitucional, e da essencia do systema representativo, porque é consultando a opinião publica que os governos podem saber se merecem a confiança do paiz, e é n'essa consulta da opinião que o poder moderador inspira o seu criterio e se habilita para exercer as suas funcções.

Dissolvidas as camaras e aberto o periodo eleitoral, levantou-se no paiz uma agitação que tinha tanto de artificial como de, apparentemente, facciosa. (Apoiados.)

De todos os meios se lançou mão para derrubar o governo, apontando-o como nefasto. Nem sequer escapou uma lei votada pelas camaras, a lei da contribuição industrial, que foi o instrumento principal do que se serviram as opposições contra o governo, facto grave, gravissimo, se considerarmos que no nosso paiz a questão de fazenda pela sua importancia e transcendencia a todos se impõe e
todas as questões sobreleva.

Pedia-se então que o governo fizesse dictadura, quer dizer, que praticasse esse nefando acto que tinha concitado contra si invectivas tão crueis, que fizesse dictadura, digo, para reformar essa mesma contribuição industrial!

As associações commercial, industrial e de lojistas de Lisboa foram instrumentos, porventura victimas, d'esta politica facciosa, e procuraram então, por todos os meios anormaes e irregulares, conseguir a revogação d'essa lei, votada pela camara, promovendo uma agitação que podia ser funesta para a tranquilidade publica, por isso que até procuraram realisar comicios fora de todas as condições legaes e conseguir que o commercio fechasse as suas portas.

Eu apenas me refiro, muito perfunctoriamente, a estes pontos, visto que o illustre deputado, sr. Marianno de Carvalho, não os defendeu, e, antes pelo contrario, mostrou estar perfeitamente de accordo com as rasões que determinaram o governo a decretar a dissolução das associações a que me estou referindo.

Perante esta situação que as associações crearam ao governo, de que elle não tinha culpa, mas que lhe impunham responsabilidades graves, o governo tinha dois caminhos a seguir: ou ceder e demittir-se, ou reagir e governar. Ceder e demittir-se seria evidentemente muito commodo, muito agradavel para os homens que se sentavam então nas cadeiras do poder, pois que a conjunctura era difficil, e incerto o dia de ámanhã, não valendo realmente muito a pena fazer grandes esforços para se conservarem n'estes logares; mas os homens publicos não pertencem a si proprios, pertencem ao paiz e ao seu partido, (Apoiados.) não entram ou saem dos conselhos da corôa quando isso é agradavel aos seus desejos, ou conveniente aos seus interesses; entram ou saem quando assim o determinam as circumstancias, quando os interesses do paiz o reclamam ou exigem. (Apoiados.)

Em consequencia, o governo entendeu que devia governar, reagindo, e dissolveu as associações.

Se alguma duvida podesse haver ácerca da legalidade, da correcção, da opportunidade e da urgencia d'este acto, bastavam os factos posteriores para tirar todas as duvidas aos espiritos mais meticulosos.

Dissolveram-se as associações, não houve movimento de protesto, não houve manifestações de indignação, e, facto verdadeiramente notavel, o mesmo decreto, que encerrava as portas das associações, abria, de par em par, as dos estabelecimentos commerciaes que as mesmas associações tinham fechado por metade! Este facto é importante, este serviço prestado pelo governo era bem valioso, e ha de ser applaudido, (Apoiados.) direi mais, ha de ser observado e seguido por todos aquelles que depois d'este governo se sentarem n'estes logares.

Dissolvidas as associações, pelas rasões expostas, nos termos da lei de 29 de março de 1890 e de 9 de maio de 1891, a breve trecho procuravam ellas, apresentando os seus estatutos na secretaria do ministerio das obras publicas, obter o seu restabelecimento.

É certo, sr. presidente, que este facto, revelando o proposito e a intenção do restabelecimento das mesmas associações, era ainda uma manifestação de desobediencia aos actos do governo, de resistencia às suas deliberações. E para que nenhuma duvida possa existir a este respeito, basta considerar-se, sr. presidente, que a essas associações

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se dava a mesma denominação, compunham-nas os mesmos socios, com os mesmos direitos e com os mesmos deveres, tendo os mesmos intuitos e os mesmos fins!

E para que o proposito de resistencia fosse palpavel, evidentissimo e incontestavel, no projecto de estatutos havia um artigo que dizia assim:

"Artigo 3.º A associação considerar-se-ha para todos os effeitos fundada desde o dia 1 de fevereiro de 1894."

Quer isto dizer que tendo as associações sido dissolvidas por decreto de 3 de janeiro de 1894, se os novos estatutos fossem approvados, entre o acto de dissolução e o seu restabelecimento não haveria sequer a minima solução de continuidade! (Apoiados.)

Eu pergunto a v. exa., pergunto á consciencia de quem me ouve, se o governo, tendo hoje dissolvido as associações por motivos tão procedentes, tão fortes, que o illustre deputado o sr. Marianno de Carvalho, achando-os justificados, não duvidou declarar que, concorda com elles, poderia o governo, digo, no dia seguinte a essa dissolução, dizer que reconhecia o seu erro que revogava a sua deliberação, lavrando assim a propria condemnação! (Muitos apoiados.)

Isto não podia dizer o governo. Não dizia o actual, nem o diria outro qualquer a que pertencessem sr. Marianno de Carvalho. (Apoiados.)

Conheço bem s. exa., com quem tive a honra de servir, como o illustre deputado ha pouco lembrou, na qualidade de governador civil do Porto, e portanto não ignoro quanto s. exa. sabe manter firme o principio da auctoridade e da lei, e como é zeloso pelo decoro e pelas prerogativas do poder.

E agradecendo n'este momento as phrases amaveis que me dirigiu, acrescento que, se n'essa occasião verdadeiramente difficil, porque havia a um tempo crise economica, financeira e monetaria, me foi possivel prestar algum, serviço ao paiz, devi isso tambem ao auxilio e á boa vontade com que o sr. Marianno de Carvalho, então ministro, satisfazia as minhas requisições.

Eu não tinha, portanto, sr. presidente, nem podia ter, duvida nenhuma ácerca da illegalidade da approvação dos estatutos; não tinha duvidas e não as tinha antes de mim o illustre e mallogrado estadista o sr. Carlos Lobo d'Avila, tão cedo arrebatado às affeições dos seus amigos e da sua familia, tão cedo perdido para o paiz, a que elle serviu com tanta dignidade e tanto beneficio.

Vozes: - Muito bem.

Mas eu podia ser apaixonado ou parcial, poderia não ter comprehendido bem a questão; e como sempre duvido um pouco, de mim, entendi que, para arredar todas- as suspeitas de parcialidade, devia ouvir a procuradoria da corôa, instancia superior que, cautelosamente, as leis collocaram junto do governo para ser consultada e dar parecer sobre assumptos mais ou menos difficeis de jurisprudencia.

Ouvi a procuradoria geral da corôa e para a ouvir tambem não dispuz de muito tempo.

Tomei conta da pasta das obras publicas e tive a honra de assumir a responsabilidade dos actos do actual governo em setembro de 1894.

No mez seguinte dava o meu despacho que s. exa. acabou de ler á camara e consultava a procuradoria geral da corôa.

Tinha mediado, portanto, entre a minha posse e o despacho que s. exa. leu apenas alguns dias.

Não me parece que seja muito para quem tinha ao mesmo tempo de estudar questões tão complexas, tão difficeis, tão variadas, tão technicas e especiaes, como aquellas que se ventilam no ministerio a meu cargo.

Repito, eu não mandaria ouvir a procuradoria, porque nenhuma duvida tinha, se não fosse o querer arredar de mim qualquer suspeita.

O meu illustre antecessor não a consultou, porque para elle, espirito lucidissimo, existia á convicção profunda e a certeza de que nenhuma necessidade havia de consulta e que os estatutos não podiam ser approvados.

Mas, perguntou-me ainda o illustre deputado, sr. conselheiro Marianno de Carvalho, a rasão, por que tendo eu recebido, ha já alguns mezes, o parecer solicitado á procuradoria geral da corôa, não tinha dado o meu despacho negativamente.

Respondo a s. exa. que não o dei, simplesmente pela rasão que vou expor, porque o acto do, governo relativamente a essas associações não é um acto de capricho.

Se, porventura, ellas vierem pedir uma associação de classe, commercial, industrial ou de lojistas em termos normaes e condignos, bem differentes dos que condam dos estatutos nos quaes até se estabelece que a associação para todos os effeitos se considera fundada desde o dia seguinte áquelle em que foi dissolvida, o governo nenhuma duvida terá em conceder a approvação dos estatutos a essas associações, como a outras que se fundem em Lisboa, no Porto, ou em quaesquer outros pontos do paiz.

Mas ha mais.

O governo nenhuma necessidade tem, nenhum desejo manifesta, nem por fórma alguma quer, ou precisa revogar a legislação que regula o estabelecimento das associações de classe.

Se, porventura, o pensamento do governo, em relação a essas associações, fosse prohibir absolutamente o seu restabelecimento, não havia necessidade de ir á lei de 9 de maio de 1891, invocada por s. exa., e reformal-a.

Bastaria que no decreto que creou a camara de commercio de Lisboa, no projecto em discussão, introduzisse um unico artigo n'estes termos:

"N'aquellas localidades onde houver uma camara de commercio e industria não póde haver associações de classe, commerciaes, industriaes, ou de lojistas."

Esta simples disposição tornava absolutamente impossivel o estabelecimento das associações cuja dissolução foi decretada em 30 de julho de 1894.

É esta mais uma prova, mais uma demonstração cabal e completa de que no procedimento do governo não houve, não ha, não podia haver nunca um motivo de capricho ou má vontade que não tenha explicação para quem dirige os supremos interesses do paiz. (Apoiados.)

Referiu-se o illustre deputado largamente ao douto parecer da procuradoria geral da corôa e fazenda, e principiou por dizer que no despacho, pelo qual foi consultada aquella instancia superior, houve da minha parte uma insinuação doce para que aquelle parecer fosse em conformidade como que s. exa. entendeu ser precisamente o proposito do governo: a não approvação dos estatutos.

Eu affirmo que não houve da minha parte nenhuma insinuação, nem agradavel nem desagradavel. Não podia har-vel-a; não estava isso no meu animo e proposito, nem tinha cabimento, quando se tratava de uma corporação que pela sua grande competencia, profunda illustração e larga folha de serviços prestados ao paiz, era mandada ouvir sobre um assumpto de interesse publico. (Apoiados.)

Não houve, repito, da minha parte a menor insinuação, nem no despacho nem particularmente para que o parecer não fosse outra cousa mais do que aquillo que na sua consciencia de jurisconsultos dignissimos e austeros so deveria ser a expressão exacta da lei. (Apoiados.)

Ainda o illustre deputado notou divergencia na opinião dos signatarios do parecer, dizendo que elle está dividido por metade.

Antes de, responder a este ponto, devo dizer que eu remetti esse documento para a camara com toda a brevidade, e o mesmo continuarei a fazer, já em relação a s. exa., já em relação a outros srs. deputados que façam igual requisição; mas acrescentarei que às vezes não é tão fácil satisfazer do prompto a todas as requisições como a s. exa. se afigura, por isso que a agglomeração de serviços e a

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multiplicidade dos proprios documentos torna difficil a remessa. E é esta a rasão por que alguns dos meus collegas não têem podido enviar á camara os esclarecimentos que lhes são pedidos com a brevidade com que deseja.

Mas, voltando ao documento emanado da procuradoria geral da corôa, que s. exa. diz estar dividido por metade, devo dizer que ha a considerar o seguinte:

Ao tempo em que a procuradoria geral da corôa foi consultada, faziam parte daquella instancia seis illustres vogaes. A opinião de um d'elles, a do mallogrado e distincto estadista Carlos Lobo d'Avila, era absolutamente conhecida. Foi elle quem assignou o decreto dissolvendo as associassões, e foi elle o primeiro que não approvou o projecto de estatutos pelos quaes estas associações pretendiam restabelecer-se.

A opinião do outro vogal, o sr. conselheiro Frederico de Gusmão Correia Arouca, hoje nosso ministro na Gran-Bretanha, tambem era conhecida, por isso que s. exa. fazia parte do governo quando se decretou a dissolução das associações, e fazia ainda parte do governo quando se negou a approvação ao projecto dos novos estatutos.

Restavam, portanto, quatro vogaes: o digno procurador geral da corôa e fazenda, o sr. Sequeira Pinto, o vogal adjunto o sr. Annibal Martins, o conselheiro Antonio Candido e o sr. D. João de Alarcão. D'estes quatro, dois, o procurador geral da corôa e fazenda e o vogal Annibal Martins, opinaram que não podiam ser approvados os estatutos, não só pelas rasões que o illustre deputado leu, mas por uma outra que, me parece, s. exa. se esqueceu de ler. Se bem me recordo, no parecer, assignado pelo illustre procurador geral da corôa e pelo vogal Annibal Martins, acrescenta-se que a lei de 9 de maio de 1891 não previa nem regulava o caso de uma associação dissolvida vir pedir immediatamente o seu restabelecimento, e que para esse caso especial, dados os precedentes que apontava no seu parecer, se não podia conceder a approvação requerida.

A verdade é que este argumento é absolutamente juridico e verdadeiro; nem era necessario que estivesse na lei. (Apoiados.) Antes de estar na lei estava na rasão e na consciencia. (Apoiados.)

Pois admitte-se ou comprehende-se que o governo, dissolvendo hoje as associações, ámanhã as restabelecesse sem que entre os dois actos mediasse o menor espaço de tempo ou houvesse a menor solução de continuidade? Isso seria um absurdo absolutamente inadmissivel.

Disse ainda s. exa. que, se fizesse parte das associações dissolvidas, faria com que os individuos que as compunham, se inscrevessem em massa como socios da camara do commercio e industria; e como tinha a força numerica, disporia a seu talante d'essa camara, e mostraria então ao governo o erro e a leviandade com que tinha procedido.

Mas, sr. presidente, em todos os argumentos de s. exa., tal é a rasão que assiste ao governo, só mostra a correcção do procedimento, a fórma digna por que elle n'esta questão procedeu, desde o principio.

Se o proposito da parte do governo fosse excluir as associações dissolvidas de toda e qualquer ingerencia na representação legitima das interesses commerciaes, o governo, quando creou a camara de commercio, creava-a com o numero restricto e limitado de socios. (Apoiados.) D'este modo nunca poderiam ali entrar os socios das associações dissolvidas. (Apoiados.)

E note s. exa. e a camara que, para fazer isto, não era necessario grande esforço de intelligencia nem um grande trabalho; bastava consultar aquelles livros a que hontem se fez aqui referencia. Por elles se veria que na França, paiz que se regula e rege por um regimen chamado da maxima liberdade, e que na Inglaterra, paiz igualmente liberal, as camaras de commercio são associações fechadas, restrictas a um numero limitado de socios. Bastava, portanto, seguir este exemplo que nos offerece a legislacão das nações mais cultas, para nós trancarmos absolutamente as portas aos antigos associados das associações dissolvidas.

Fica, portanto; bem manifesto e patente por este conjuncto de considerações, que o governo nem teve o proposito de aggravar as associações, nem foi determinado por qualquer capricho, nem no seu espirito existiu nunca a idéa de revogar a lei das associações de classe, e evitar que em qualquer localidade do paiz elles se constituam, nos termos precisos que a legislação dispõe.

Tenho concluido.

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não reviu este discurso.)

O sr. Marianno de Carvalho: - Muito pouco tem a responder ao sr. ministro das obras publicas, porque a maior parte das considerações de s. exa. se referiram a factos a que elle, orador, não alludiu, e com que, portanto, não se mostrou em desaccordo.

Não apreciou o parecer da procuradoria geral da corôa, mas desde que s. exa. o accusou de ter emittido, quando leu, uma parte d'elle, vê-se forçado a referir-se mais demoradamente a esse parecer, sem tratar agora, como não tratou, de inquirir qual era a opinião dos cavalheiros que o assignaram ou deixaram de assignar.

O que disse, e o que sustenta, é que esse documento tem duas assignaturas favoraveis e duas contrarias.

Parece-lhe que, se a rasão por que esses estatutos não foram approvados, foi o de haver n'elles uma disposição pela qual essas associações se considerariam, para todos os effeitos, fundadas desde 1 de fevereiro de 1894, esse inconveniente seria facil de remediar, indicando-se a suppressão de tal disposição.

O que lamenta é que, se o governo estava disposto a ser benevolo para com essas associações, desde que ellas fizessem uma pequena contricção, nunca assim o houvesse declarado, e só o venha dizer agora, decorridos dois annos depois que ellas foram dissolvidas.

(O discurso será publicado na integra e em appendice quando s. exa. o restituir.)

O Sr. Magalhães Lima: - Poucos minutos tomarei á camara. Creio que a questão embora se tenha tornado complexa pela moção que o illustre deputado o sr. Marianno de Carvalho apresentou, não obstante vae sufficientemente esclarecida para que a camara possa ajuizar com segurança das circumstancias que se deram na dissolução das associações de Lisboa e na falta de approvação aos estatutos de umas outras associações.

Embora a moção do illustre deputado o sr. Marianno de Carvalho seja apparentemente da mais extrema simplicidade, as considerações com que s. exa. a acompanhou, encerram de tal modo uma accusação ao governo, que eu julgo não ser inopportuno mandar para a mesa a seguinte moção:

"A camara, satisfeita com as explicações do governo, continua na ordem do dia."

Não se trata de apreciar as circumstancias em que foram dissolvidas as antigas associações de Lisboa. Sobre este ponto tanto o governo, como o illustre deputado o sr. Marianno do Carvalho, unicos que até agora manifestaram a sua opinião n'este debate, estão completamente de accordo; não se trata ainda de discutir nos seus pontos essenciaes o decreto hoje convertido em projecto de lei que creou a nova camara de commercio. Sobre este ponto creio tambem que a camara não revelou divergencia, e antes todos mais ou menos se mostram de accordo em que essa disposição tão sensata e util á creação das camaras de commercio, é não só dentro do paiz, mas fóra d'elle, aonde temos interesses commerciaes, uma esperança de que esses mesmos interesses serão administrados com maior tino do que têem sido até hoje.

Trata-se simplesmente, no ponto presente do debate, de saber se o governo procedeu legal ou illegalmente, não tendo até hoje dado ou negado approvação aos estatutos

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que lhe foram enviados para o restabelecimento das associações de commercio, da industria e dos lojistas de Lisboa; se o governo procedeu politicamente, na conformidade dos interesses do paiz, não tendo respondido a esse pedido que lhe foi feito.

N'este ponto eu confesso que o meu parecer vae muito alem, é muito mais radical do que a opinião do illustre ministro das obras publicas, o sr. conselheiro Campos Henriques.

Não só as explicações dadas por parte do governo me satisfazem completamente e me deixaram convencido de que politicamente era da maior conveniencia que o governo não desse a sua approvação ao projecto dos estatutos apresentado no ministerio das obras publicas, mas eu creio que, como principio geral, a camara deve ser cautelosa em se pronunciar sobre este ponto, porque não comprehendo que o direito de associação vá tão longe que ao poder executivo seja negada uma cousa, que é a completa liberdade de approvar ou não approvar os estatutos das associações que lhe pedem auctorisação legal.

Eu não me demorarei a fazer a historia das associações de classe. Não é de hoje nem de hontem essa historia; é muito larga, tem seculos; e a camara na sua alta competencia sabe perfeitamente que houve um momento, que não vae longe, em que, em nome da propria liberdade, todas as associações de classe foram dissolvidas, porque ellas tinham degenerado em associações de conquista de privilegios e regalias, que prejudicavam os mais altos interesses da liberdade e da igualdade na sociedade.

Foi por isto que ellas foram dissolvidas, pois que se tinham tornado um instrumento de injustiça e de guerra social.

Estes são os principios geraes, que ninguem ignora, mas que por muito geraes e por muito conhecidos, por banaes mesmo que sejam, creio que a camara nunca deve esquecer.

Ao governo e só ao governo, como representante do estado, quando as camaras estejam fechadas, compete decidir sobre a necessidade ou inconveniencia de se formarem determinadas associações de classe. E, tanto isto assim é, que todas as leis, que até agora tenho ouvido citar n'este assumpto, declaram que o governo poderá approvar, rejeitar ou introduzir emendas nos respectivos estatutos; mas não sei de lei que marque ao governo um praso para dar ou negar a sua approvação; não sei de lei que determine praso para o andamento dos processos que ao governo sejam presentes para a constituição das associações, e com toda a certeza que, se a lei a não determina, a lei que não é de hoje nem de hontem, que já teve occasião de ser experimentada e que o paiz deve conhecer muito bem, não introduziu entre as suas disposições esta da determinação do praso para a approvação ou rejeição do projecto de estatutos presente ao governo, é porque a lei entendia que havia perigo para a boa ordem social em determinar este praso e em collocar o poder executivo na obrigação inadiavel de ter de se pronunciar sobre um ponto que muitas vezes poderia envolver prejuizos graves para os interesses do paiz.

E partindo d'este principio creio que a camara devo estar plenamente convencida pelas considerações que o sr. ministro das obras publicas lhe expoz sobre a inconveniencia que havia em restabelecer, no dia seguinte á sua dissolução, aquellas associações que do um e outro lado da camara unanimemente se reconheceu haverem procedido mal, contra os interesses do paiz, indo alem d'aquillo que as suas attribuições lhe permittiam.

Por isso eu, sem discutir agora o projecto, e para acompanhar o illustre deputado sr. Marianno de Carvalho nas suas considerações ácerca da consulta da procuradoria geral da corôa, onde aliás se confessa que não ha inconveniente legal, direi que a questão da legalidade é n'este ponto uma das mais importantes e a camara ver-se-ia embaraçada para julgar o acto do governo, se de facto se reconhecesse que elle tinha commettido uma grave illegalidade; mas o parecer da procuradoria geral da corôa é o primeiro a dizer que não houve inconveniente legal, e não o havendo eu creio que simplesmente deve ser considerada a questão politica, a questão da ordem social, e em relação a essa penso que não póde haver duas opiniões.

As associações tinham procedido mal. Entre a dissolução das antigas associações e o pedido do restabelecimento dessas mesmas associações não tinha mediado um praso tão longo que se podesse dizer que os motivos que haviam dado logar á dissolução tivessem desapparecido completamente.

Eu comprehendo perfeitamente que este ou qualquer outro governo que lhe succeda, possa sem incoherencia, conservar sem resposta os pedidos d'estas ou d'aquellas associações durante um, dois ou tres annos, e dar a sua approvação decorrido esse tempo; porque as circumstancias que se dão n'um caso, podem desapparecer no outro e o governo conceder o que em uma determinada occa-sião não podia fazer.

O que é certo é que no caso sujeito, tendo o governo creado as camaras de commercio que representam legitimamente perante os poderes do estado os interesses do commercio e da industria, tendo creado uma corporação que permitte não só ao poder executivo, mas ao poder legislativo, informar-se constantemente das necessidades do commercio e da industria, nenhuma rasão havia para que o mesmo governo permittisse uma duplicação de associações com o mesmo fim, quando aquellas que pediam agora a approvação dos seus estatutos, ainda, por assim dizer, momentos antes tinham dado mostras, não direi de não terem cumprido o seu dever, mas de haverem errado no cumprimento d'elle.

Nenhuma outra consideração farei n'este momento, sobre o projecto que se discute, por isso que o debate se tem limitado puramente á questão politica. Se o projecto for impugnado, voltarei ao debate e então farei sobre elle as considerações que julgue necessarias.

O sr. Fratel: - Desejo fazer apenas leves reflexões sobre a doutrina do projecto propriamente dita.

Da primeira vez que tive a honra de falar n'esta camara, celebrando a memoria do mallogrado estadista Carlos Lobo d'Avila, apontei, entre os seus titulos, de gloria, a creação da camara de commercio e industria de Lisboa. Isto, porém, não me obriga a acceital-a tal qual está. Não reputo, e creio que ninguem reputará, falta de coherencia da minha parte achar defeituoso o decreto que a organisou, e, portanto, o projecto de lei em discussão, visto que nenhumas alterações n'elle introduziu.

A instituição em si é excellente; o modo de a constituir não me parece o mais adequado. Implantal-a entre nós foi obra que nobilitou o governo e o ministro; a sua estructura, o seu modo de ser, afigura-se-me imperfeito.

As camaras de commercio, que em alguns paizes são conjunctamente camaras de commercio e industria, abrangendo por vezes tambem a secção agricola, adquiriram, sobretudo nos ultimos tempos, uma importancia extraordinaria, e têem realmente prestado relevantes serviços á causa economica. Na Europa, na America, na China, no Japão, em Orange, no Egypto e no Transvaal estão largamente diffundidas; Portugal era talvez o unico paiz que não possuia uma camara de commercio.

Em especial, no antigo continente o seu numero cresce dia a dia, e conta-se já por centenas.

Todas, porém, quanto ao modo de se constituirem, se classificam em dois grupos fundamentaes, com variantes de maior ou menor alcance: ou são corpos eleitos, ligados aos poderes publicos e compostos de numero limitado de commerciantes; ou têem por base o principio de associação de commerciantes, livremente formada e alimentada por quotas dos socios, dos particulares ou do thesouro pu-

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blico. N'este systema, a sua dependencia do governo chega a ser minima, mas por vezes excede o termo rasoavel.

Entre outras, pertencem ao primeiro grupo a França, a Hollanda e a Austria; adoptam o segundo processo a Belgica, a Hespanha e Portugal.

A meu ver, seguindo este caminho, de certo o preferivel, omittimos, comtudo, medidas de incontestavel acerto.

O mais notavel defeito que noto, e digo-o sem desdouro para ninguem, consisto na excessiva ingerencia do governo relativamente á formação e esphera de acção das camaras de commercio e industria, nas exorbitantes restricções que lhes são impostos, no cerceamento da sua rasoavel liberdade de proceder, nas demasiadas dependencias em que as collocam, emfim, na situação precaria em que as deixam: circumstancias estas hoje bem dispensaveis, embora, á data do decreto, a lembrança de factos recentes as justificassem.

Com effeito, o que mais importa nas sociedades modernas é desenvolver a iniciativa particular, estimular as actividades individuaes, no intuito de as fazer cooperar espontaneamente na vida collectiva, e interessal-as no cumprimento dos deveres civicos. Bem sei que a caracteristica dominante da epocha, mórmente nos povos latinos, corrente dissolvente, rebellião contra o existente, desenfreamento dos egoismos, arrasta os governos a avocarem attribuições que não deveriam competir-lhes. (Apoiados.) Mas, sempre que seja possivel, conforme succede no caso de que nos occupâmos, convem inspirarmo-nos na linha de conducta acima traçada. Ora, o diploma, agora sujeito ao nosso exame, simulando respeitar as boas indicações e fazendo até grande alarde de acatar os principios liberaes, segundo se póde ler no relatorio que precede o decreto, adopta precisamente o caminho opposto.

Assim, pelo § unico do artigo 1.°, só o governo póde crear as camaras de commercio e industria, ao passo que em certos paizes só as sancciona ou constitue umas e sancciona outros de iniciativa particular. Ao governo pertence determinar-lhes a séde, os concelhos das suas circumscripções, o numero de membros que hão de formar o conselho director e, inclusivamente, prescreve as secções nas quaes lhes é facultado dividirem-se. Ao governo cabe a nomeação do presidente e vice-presidente do referido conselho, exposto a ser dissolvido se se desviar do fim para que foi instituida a camara do commercio e industria, não cumprir fielmente o regulamento ou não prestar as informações que lhe forem pedidas sobre assumpto da competencia da mesma camara. Calcule-se por aqui quanto é precaria a sua existencia.

Supponhâmos que no interesse do commercio e, por conseguinte, no desempenho das suas attribuições, convicto das vantagens de quebrar uma alliança e contrahir outra com o mesmo ou com diverso paiz, advogava por todos os meios essa idéa. Imaginemos tambem que, compartilhando da opinião de que as reformas políticas são indispensaveis para resolver as questões economicas e financeiras, instava por ellas, ou que, como ultimamente aconteceu nos Estados Unidos, propugnava pela revisão da lei constitucional. Por taes motivos, e ainda por outros muitos do mesmo genero e de somenos importancia, o conselho director podo ser dissolvido.

Lendo-se attentamente o projecto e o regulamento respectivo, chega-se á conclusão de que as camaras de commercio e industria serão sempre simples automatos, sem vida, sem influencia propria e submettidas á oppressiva tutela governamental. O thesouro publico não as subsidia, mas o governo tem o direito do apreciar as contas da gerencia, isto é, fiscalisa os 12$000 réis pagos annualmente por cada socio e o espolio das extinctas associações.

Pelo que respeita às penalidades estabelecidas no artigo 12.º do decreto, para os membros do conselho director, na hypothese de dissolução, e no regulamento, artigo 14.°, para os socios que dentro do praso de seis mezes não paguem a quota vencida, ou cuja fallencia for declarada por sentença passada em julgado como culposa ou fraudulenta, considero-as em demasia severas e mesmo em parte absurdas.

Dispõe o decreto que, no caso de dissolução do conselho, os seus membros não poderão ser reeleitos durante cinco annos consecutivos. Portanto, sem decorrerem cinco annos consecutivos ha perigo em exercerem o cargo; d'ahi em diante não. Seja qual for o motivo da dissolução o castigo é sempre igual, não podem ser reeleitos durante cinco annos consecutivos, e a pena estende-se a todos, hajam ou não hajam dado origem á dissolução.

Os socios nas condições mencionadas no artigo 14.°, n.° 2.° do regulamento, não podem ser readmittidos; pelo contrario, o codigo commercial admitte a rehabilitação, ainda que a fallencia seja culposa ou fraudulenta. Mas, se por um lado o regulamento encerra todo este rigor, por outro lado, incongruentamente, no § unico do artigo 19.°, concede ao socio fallido ser elegivel para o cargo de membro do conselho director, logo que seja legalmente rehabilitado. Para quaesquer outros agentes da fallencia, tambem puniveis, nada prescreve, podendo continuar á vontade na qualidade de socios e directores.

O projecto não limita o numero de socios da camara de commercio e industria; podem sel-o todos aquelles a que se refere o § 2.° do artigo 2.°, tanto nacionaes como estrangeiros, desde que satisfaçam aos requisitos ali mencionados.

Similhante questão é resolvida nas legislações de varias maneiras, que não careço de reproduzir.

Aquella amplitude, porém, deixa de se applicar no tocante aos individuos elegiveis para os cargos de membros do conselho director, porquanto se exige que sejam cidadãos portuguezes, naturaes ou naturalisados, sem embargo da disposição contida no artigo 19.° do regulamento, manifestamente contradictorio com a doutrina do decreto, agora convertido em projecto de lei.

Acceitando o principio, n'este consignado, relativo á liberdade de associação e às condições fixadas para ser membro do conselho director, era conveniente estender as duas faculdades de socio da camara e de membro do conselho áquelles que, não se achando comprehendidos nos paragraphos do artigo 2.°, sejam notaveis pelos seus conhecimentos economicos, conforme se pratica na Russia. Na Italia, os commerciantes estrangeiros, residentes no seu territorio, são elegiveis na proporção do terço dos membros.

Permitte o artigo 4.° que a camara de commercio e industria tenha bibliotheca e gabinetes de leitura para os seus socios e empregados.

A disposição é evidentemente incompleta, e por isso eu heide propor, quando se discutir na especialidade, que seja substituida pelo que se encontra no artigo 30.° do regulamento, que faculta a publicação de um boletim, no qual serão inseridos todos os dados estatisticos, bem como quaesquer estudos feitos por alguma das secções ou mesmo por qualquer socio, relativos a assumptos de interesse industrial e commercial.

Effectivamente, a publicação de um boletim, elemento de tanto valor e que deve formar parte integrante de instituições da indole das camaras de commercio, não pódo permanecer simplesmente como disposição regulamentar: tem de ser mais alguma cousa, ha de incluir-se na lei. (Apoiados.)

Presentemente possuimos apenas uma camara de commercio e industria, com sede em Lisboa, e destinada a representar os interesses dos commerciantes e industriaes.

Occorre, naturalmente, perguntar se são os interesses do todo o paiz. Em tal hypothese, hão de surgir attritos e apparecer injustiças, porque torna-se impossivel avaliar e proceder em harmonia com os desejos dos differentes pontos do territorio. Grande vantagem adviria, sem duvi-

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SESSÃO N.° 37 DE 4 DE MARÇO DE 1896 461

da, de instituir já outras camaras, mesmo para evitar que o governo se veja &Q novo na necessidade de organisar alguma nas circumstancias em que creou a de Lisboa, resultando d'ahi fatalmente a animosidade e a má vontade contra ella. (Apoiados.) Se verificarmos o que se passa lá fóra, vel-as-hemos em grande quantidade e com circumscripções bem delimitadas.

Bastante uteis nos seriam tambem as camaras de commercio extra-territoriaes. Installadas nos pontos era que mais nos conviesse, serviriam para fornecer indicações ácerca das localidades a que devem concorrer as nossas mercadorias, informar da falsificação das marcas, enviar ao governo e aos nacionaes esclarecimentos interessantes e preciosos, até sobre a solvabilidade ou insolvabilidado das casas de negocios, redigir boletins do movimento commercial e formar registos dos commerciantes. (Apoiado.)

Em Paris existem hoje seis camaras de commercio estrangeiras e procede-se agora, a formação de uma russa e outra neerlandeza; em Alexandria ha cinco; em Constantinopla Reis e em Londres oito. A França, a Inglaterra, a Hollanda, a Belgica, a Austria Hungria, a Allemanha, a Italia, a Turquia, a Hespanha, a Grecia, os Estados Unidos e a America latina possuem camaras de commercio extra-territoriaes. Os francezes, sob este ponto de vista, occupam o primeiro logar; logo a seguir os italianos que, n'esse sentido, empregam louvaveis esforços afim de abrir novos mercados aos seus productos.

Creio que para nos não haveria grandes difficuldades se quizessemos organisal-as, aproveitando-nos dos meios de que dispomos.

Com o concurso dos nacionaes residentes em terras estrangeiras, e mesmo de estrangeiros, e auxiliados pelos agentes consulares não seria difficil obter tão beneficas instituições. (Apoiados.)

N'um projecto de lei sobre syndicatos agricolas, que a camara ha de examinar, auctorisa-se o governo a permittir a organisação de camaras do commercio portuguezas nos paizes estrangeiros e estatuem-se as bases da sua constituição. Não era esse o logar mais apropriado para tratar de tal assumpto; no documento, que se occupa propriamente da materia, encontraria melhor cabimento. Mas, ali ou aqui, o que importa é auctorisar a sua creação e creal-as de facto. Todavia, entendo que no diploma concernente a camaras de commercio deve ao menos fazer-se menção de camaras extra-territoriaes.

Expuz assim, muito succintamente, o que se me offerece dizer em relação ao contheudo do projecto que só discute, para que não fique sem o minimo reparo um problema de tão grande importancia; e, como a hora esta muito adeantada, nada mais direi.

O sr. Magalhães Lima: - Visto que entramos propriamente na doutrina do projecto, começo por mandar para a mesa as seguintes emendas, que passo a ler.

O sr. Presidente: - Não está em discussão a especialidade.

O sr. Marianno de Carvalho: - Era melhor que as emendas fossem já mandadas para a mesa para as conhecermos.

O Orador: - Exactamente; eu tive a mesma idéa. Como as emendas se referem a todo o projecto, vamos já discutindo-as na generalidade.

(Leu.)

Feitas estas propostas, que espero a camara acceitara, porque quasi só se referem a umas emendas de citação, feitas no decreto, eu tentarei responder muito brevemente ás considerações que o illustre deputado o sr. Fratel acaba de fazer, e a quem ouço sempre com a attençao devida ao seu incontestavel talento e muito saber.

A principal arguição de s. exa. e a extraordinaria ingerencia que o projecto concede ao governo na creação e administração de camaras de commercio e a situação precaria em que as deixa. Eu devo dizer que, se bem me lembro, o parecer da commissao a isso se refere, e se ha ponto do decreto que mereça mais especial applauso é exactamente o que se refere ás relações em que o projecto colloca as associações commerciaes e industriaes, a que chama camara de commercio, perante o estado.

Eu referi-me ha pouco a longa historia que tem as associações de classe, o disse que estas associações desappareceram quasi por completo no fim do seculo passado, por isso que se tinham tornado prejudiciaes a boa administração do estado.

A camara sabe que as associações de classe começaram na idade media, n'uma epocha em que os poderes do estado quasi eram poderes puramente militares e em que ao estado pouco mais competia do que a defeza da ordem interna e a defeza contra os ataques das nações estrangeiras.

N'estas condições, era necessario que o trabalho se organizasse independentemente dos poderes publicos, mas depois d'isto a idéa do estado tem mudado completamente de rumo, e hoje o estado, alem das suas obrigações de defeza da ordem interna e dos ataques externos, tem obrigações muito largas e extensas no fomento da economia e da riqueza, e é a elle que principalmente pertence dirigir toda a economia da nação.

Por consequencia, deixar que estas forças, alias poderosissimas, se organisem independentemente dos poderes do estado sem uma larga intervenção do poder executivo que lhe permitia corrigir os seus desmandos, ou limital-as ás suas attribuições quando porventura as excedam; deixar interesses tão graves, como são os interesses commerciaes e industriaes, puramente entregues ás associações livres, é crear uma situação igual aquella que o decreto dictatorial teve em vista remediar.

Porque é que foram dissolvidas as associações, e se creou a camara de cominorcio?

É porque ellas tinham interpretado mal as suas relações com o estado e se tinham tornado um embaraçosa boa administração. N'estas condições era justo deixar que ellas se restabelecessem, ou deixar que não houvesse uma lei que regulasse a sua constituição de modo que taes desacatos se não tornassem a dar?

Foi a isto que visou o que está no decreto.

E no que diz respeito a intervenção do estado na administração e gerencia das camaras de commercio e industria, o decreto, com o projecto, e perfeitamente justificado pela experiencia que acabamos de ter.

É sabido quanto as associações de classe tendem a tornar-se corporações fechadas, corporações que facilmente degeneram em corporações de combate com as classes similhantes concorrentes, e é bem conhecida a phrase de Turgot quando extinguiu as associações de classe. Dizia elle que o fazia, porque já não havia em França dez homens que se podessem juntar, todos elles da mesma opinião.

Visto que as associações de classe se illudem facilmente sobre os meios e fins que devem empregar, é necessario haver uma organisação suprema que lhe de correlação e solidariedade, um terceiro que as governe, quando se desmandem. Foi isto que o decreto estabeleceu, e a meu ver por meio das mais sabias disposições.

No § 2.º do artigo 3.° do mesmo decreto diz-se:

"§ 2.° Como representante dos interesses de commerciantes e industriaes compete tambem a camara do commercio e industria consultar ácerca dos pedidos e representações das associações de classe (industriaes ou commerciaes) relativos a qualquer dos assumptas indicados no § 1.°"

Como se vê, o decreto previu e regulou este ponto, que é da maior importancia para a unidade e solidariedade das diversas associações de classe existentes no paiz.

Disse ainda o sr. Fratel que se os governos quizerem, podem abusar. A este respeito não tenho mais do que re-

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462 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

petir as considerações que fiz quando ha pouco se discutiu mu outro projecto, o da reforma constitucional. Se os governos quizerem abusar, o abuso não póde ser previsto nas leis. Se os poderes do estado quizerem abusar, para isso não ha outro remedio senão a revolução, porque as leis são feitas para o estado normal, cumprindo cada um o seu dever, tanto os cidadãos como os poderes do estado; mas desde o momento em que só abuse, certamente as leis ordinarias não podem prover a esse caso.

Finalmente, o illustre deputado a quem me estou referindo achou exageradas as penas impostas aos socios das camaras de commercio que de qualquer fórma errarem ou interpretarem mal o cumprimento das suas obrigações. Eu direi que sem a sanação penal não se póde esperar que sejam cumpridas as obrigações impostas pela lei aos socios da camara de commercio. Para que as ordens da auctoridades sejam respeitadas é preciso haver de facto uma sanação penal.

Como provavelmente terei de voltar ainda ao debate, reservo-me para então responder a quaesquer outras considerações que porventura se apresentem e a algumas que me tiverem escapado nos apontamentos que tomei do que disse o sr. Fratel.

O sr. Presidente: - Não está mais ninguem inscripto. Vae votar-se, começando-se pelas moções mandadas para a mesa.

Leu-se na mesa a seguinte

Moção

A camara, entendendo que convém serem exactamente cumpridas as leis e regulamentos sobre associações de classe, passa a ordem do dia. = Marianno de Carvalho.

Foi rejeitada.

O sr. Marianno de Carvalho: - V. exa. tem a bondade de me dizer quantos srs. deputados approvaram a minha moção? Creio que fui só eu.

O sr. Presidente: - Parece-me que foram uns quatro ou cinco.

Leu-se na mesa a seguinte

Moção

A camara, satisfeita com as explicações do governo, continua na ordem do dia. = Jayme de Magalhães Lima.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Vae ler-se, para se votar, a generalidade do projecto n.° 12.

Foi approvada.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz de Soveral): - N'uma das sessões passadas o sr. conselheiro Marianno de Carvalho pediu explicações ao governo ácerca de um boato que correu na imprensa estrangeira, relativamente a uma cedencia, feita a Allemanha, de alguns territorios em Lourenço Marques.

Faltavam-me nossa occasião as informações e elementos indispensaveis para uma resposta precisa; mas hoje posso dizer á camara que é absolutamente inexacto que o governo allemão tenha adquirido ou procurado adquirir territorio no nosso districto de Lourenço Marques, provincia de Moçambique.

Devo acrencentar que o illustre representante da Allemanha n'esta côrte me tem repetidas vezes affirmado o vivo desejo do seu governo, quanto a ver mantida, n'aquella nossa importante possessão, a soberania da corôa portugueza.

Iguaes declarações me foram feitas pelo governo inglez; e creio que estarão ainda na memoria da camara as phrases levantadas com que o primeiro ministro da Gran-Bretanha celebrou num documento official, que tornou publico, os immorredouros feitos das nossas gloriosas tropas, - são estas as suas proprias palavras - e celebrou, sobre tudo, a consolidação do dominio da corôa de Portugal no districto de Lourenço Marques.

Foi unicamente para fazer estas declarações que eu pedi a palavra.

(S. exa. não reviu.}

O sr. Presidente: - A ordem do dia para sexta feira é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Documentos enviados para a mesa n'esta sessão

Representações

De alfaiates residentes em Setubal, pedindo providencias que modifiquem a lei da contribuição indiistrial, na parte que lhes diz respeito.

Apresentada pelo sr. deputado Marianno de Carvalho, e enviada a commissão de fazenda.

De fabricantes do productos resinosos, estabelecidos no districto de Leiria, pedindo modificações nas tarifas da pauta das alfandegas que diz respeito a sua industria.

Apresentada pelo sr. deputado Simões Baião, e enviada a commissão de fazenda.

De ex-arbitradores judiciaes da comarca de Montemor o Velho contra o decreto de 15 de setembro de 1892, que revogou o artigo 37.º do decreto de 20 de julho de 1886 e regulamento de 17 de março do 1887.

Apresentada pelo sr. deputado José Jardim, e enviada á commissão de legislação civil.

Requerimentos de interesse particular

De Maria Rosa do Sacramento, viuva de José Maria de Oliveira, pedindo uma pensão.

Apresentado pelo sr. deputado Manuel Bivar Weinholtz, e enviado á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

Dos alferes de cavallaria Antonio Gonçalves Rolão, José Alves da Costa Rato e Rodrigo Augusto de Carvalho, pedindo que não soja applicavel aos alferes do curso de 1883-1884 o disposto no § 7.° da lei de 2 de janeiro de 1807, continuando a subsistir o artigo 3.° da lei de 16 de julho de 1885, que determina que a antiguidade lhes seja contada da data do posto de alferes effectivos.

Apresentados pelo sr. deputado Ignacio José Ferreira, e enviados á commissão de guerra.

Justificações de faltas

Participo a v. exa. e á camara que, por motivo justificado, faltei ás sessões de 29 de fevereiro e 2 de março. = O deputado, Antonio Valioso da Cruz.

Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Antonio Maria dos Santos Viegas tem faltado, por motivo justificado, a algumas sessões e faltara ainda a outras. = O deputado, Motta Veiga.

Para a secretaria.

O redactor = Lopes Vieira.

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