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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

pretenção, porque a discursos didacticos, como foi o do S. Exa., não se responde: aprende-se com elles. E muito aprendi.

Pedi a palavra simplesmente para mostrar a S. Exa. se aprendi, se aproveitei com a lição.

Em logar d'isto eu deveria, talvez, antes dizer que desaprendi, porque a verdade é que, depois do que ouvi a S. Exa., tenho que modificar as convicções que tinha; tenho mesmo que esquecer varias cousas que julgava bem aprendidas.

Assim, Sr. Presidente, eu julgava, - e durante muito tempo laborei nesse erro, - que a possibilidade ou não de revogação era o que caracterizava e, por assim dizer, definiu a propriedade absoluta, plena, designada na nossa lei organica o por ella mantida em toda a sua amplitude. Qualquer restricção ao direito do propriedade, soja ella do que natureza for, constituo, no dizer de S. Exa., que eu muitissimo respeito, uma offensa ao direito de propriedade; e ouvindo isto, eu fiquei convencido de que a denominação de propriedade imperfeita era offensiva do direito de propriedade, e então, prometti, de mim para mim, que nunca mais olharia para o nosso Codigo Civil... senão com o horror com que se olha para tudo aquillo que offende um direito.

Esta foi a primeira lição que tirei, e parece-me que muito proveitosa, do discurso didactico do Sr. Conselheiro Dias Ferreira.

Mas não foi só ao Codigo Civil que eu fiquei com horror ; fiquei tambem detestando o Codigo Commercial e todos os outros codigos e leis que, como aquelle, sanccionavam essas offensas ao direito de propriedade.

Aprendido isto, eu perguntava a mim mesmo se não era um absurdo o deixar de suppor que os verbos "querer" e a de ver o não eram synonymos; que a liberdade e a licença não eram uma e a mesma cousa; que eu não tinha simplesmente o direito de fazer o que devia, mas que tinha mais do isso, o direito de fazer o que quisesse, - porque desde o momento em que me tolhessem a minha liberdade de acção, offendiam os meus direitos.

Adquiridos estes conhecimentos, dipus-me a esquecer todos os principios que me ensinaram a respeito de direito, para só seguir a formula do Sr. Dias Ferreira, que se pode consubstanciar no seguinte: - o que é meu, é meu; o que é teu, é de nós ambos -, e isto simplesmente com a restricção-salvo quando não offender os direitos do Sr. Dias Ferreira, porque nesse caso, S. Exa., naturalmente, protestava.

Isto vem tudo a proposito do Sr. Conselheiro Dias Ferreira se ter insurgido, em nome da Carta Constitucional, que é a lei organica do pais, porque numa das propostas apresentadas ao Parlamento não se consente que em determinadas regiões o proprietario plante ou venha a plantar vinha!

"Isto, dizia S. Exa., offende o direito de propriedades, e eu estava em perfeito erro quando suppunha que era apenas uma restricção a esse direito e não uma offensa.

E porque estava nesse erro, ou comprehendia a restricção sobre a plantação dos arrozaes, a prohibição em alguns pontos da cultura do tabaco, a não permissão da existencia de pantanos e muitas outras restricções que se encontram estabelecidas nas nossas leis.

Eu peço desculpa a S. Exa., que é um jurisconsulto distincto, do assim suppor. Isto não é metter foice em acara alheia, é confessar a minha ignorancia, o erro em que tenho vivido, dar, por assim dizer, as mãos á palmatoria

Ainda mais aprendi com S. Exa., "que o modo mais simples do avaliar a razão da existencia do nosso deficit, não era procurando lá fora se os outros países o tinham ou não, mas vendo em nossa casa, dentro do país, se havia individuos que deviam o outros que não deviam". Aqui tive tambem que corrigir o meu modo de ver sobre o assumpto, por isso que eu entendia que os phenomenos que se dão nas nações, rarissimas vezes se dão com os particulares.

Um Estado nunca se pode comparar a um individuo. Um individuo soffre as consequencias dos seus proprios actos. O bem ou mal que pratica, reflecte-se nelle, a responsabilidade é só d'elle. (Apoiados}. A responsabilidade só o fere a elle. (Apoiados). De resto ha uma circumstancia. O Estado pode dever evidentemente, quando as suas receitas não se equilibram com as suas despesas - e muitas vezes essas despesas impõem-se justamente para fomentar a riqueza. Por isso não se pode confundir a riqueza do Estado com a riqueza individual.
O Governo pode ser pobre e a nação ser rica. O Governo pode atravessar uma crise e a nação nem sequer ser perturbada.

O illustre Deputado citou o exemplo dado entre nós, em 1891. O Governo atravessou uma crise terrivel, vendo-se obrigado a reduzir os encargos da sua divida e a pagar aos portadores dos seus titulos os juros com desconto, mas o commercio e a industria poderam solver os seus creditos, sem ficarem a dever nada, absolutamente nada. (Apoiados). Era o Governo pobre, mas a nação rica. (Apoiados).

A nação tinha recursos bastantes para solver os seus débitos, porque o Estado tinha gasto justamente para preparar essa situação da nação, tinha gasto justamente para que o pais pudesse solver os seus déeitos e o commercio tivesse a devida expansão. (Apoiados).

Para ver quaes as circumstancias em que nos encontravamos em 1892, não é preciso pedir a explicação a outras nações.

Portugal tem nas suas tradições, tem em si mesmo a força sufficiente para se levantar, sem ser necessario os exemplos de lá de fora. Mas é preciso que ao citarmos o que se deu com a Italia e o Brasil com a sua federação ou com a sua descentralização, nos lembremos tambem que as tradições de Portugal pesam hoje sobre elle com grandissimo valor, com grandissimos encargos, porque tivemos o mar e os descobrimentos (Apoiados), emquanto que as outras nações trabalharam, mas trabalharam dentro de si, não alcançando as tradições que temos, porque fomos em terras longinquas procurar o que no pais não encontravamos ou julgavamos não encontrar. (Apoiados}.

Emquanto Portugal abria novos mundos á Europa, a Europa trabalhava nas officinas e assim encontrava-se preparada para a lucta, para que nós não estavamos prevenidos.

Em compensação, estavamos preparados para outra, que nos sustenta ainda hoje, que nos dá força e que nos impõe a obrigação de respeitar o passado e havemos necessariamente de ir buscar ás nossas conquistas e descobertas o trabalho que ali accumulámos.

"Quarenta annos de paz, disse S. Exa., e deixámos, apesar d'isso, que o nosso viver economico, a nossa situação financeira se arrastasse até á situação em que S. Exa. a apresentou" e que disse que era necessario sinceramente dizê-lo. Pois digamo-lo, mas digamos que foram quarenta annos de paz em que nós labutámos para nos pormos ao nivel das outras nações. Mais de meio seculo levámos a transformar o nosso pais e pô-lo em condições de offerecer á exploração commercial e ao trabalho industrial os elementos necessarios para que elle pudesse desenvolver-se e attingir o estado em que hoje se encontra. Para isso tivemos muito que despender. Semeámos, havemos lentamente colher. Semeia-se mais depressa do que se desenvolvo a semente; abasto cresce e a espiga apparece. Temos que esperar o fruto. Até lá basta que sejamos prudentes, cautelosos e pensemos mais em nós do que em imitar o estrangeiro, pensemos que temos uma historia e tradições que temos de respeitar, que somos uma raça que ha de