SESSÃO NOCTURNA N.º 37 DE 15 DE MARÇO DE 1902 9
muito legitimas, comprehende-se, porque é esse o seu officio.
Se lhes escapasse o seu principal cliente, que é o Thesouro publico, viam logo ameaçados os seus stocks, que elles conservam e avolumam sempre porque o especulador banqueiro, comprando papel cambial e guardando-o, é sua opinião que o ouro é como o vinho, isto é, que ganha envelhecendo; todo o negociante que compra um artigo por determinado preço, tem em vista o realizar a sua, venda por preço superior, o mesmo succede com o comprador de cambiaes ouro; é este guardado sempre pelos que o compram até que attinja no mercado preço superior para ser vendido com lucro; ora o concurso de muitas pessoas, fazendo todas a mesma operação, dá em resultado um accordo tacito, se não expresso, entre todos os interessados para aggravar o agio do ouro sempre e cada vez mais.
Ha ainda uma outra consideração, que pode parecer um paradoxo mas que o não é; num país como o nosso, em que o ouro tem depreciação, é necessaria uma existencia em ouro muito superior á dos países em que essa depreciação não existe.
Quando qualquer particular, empresa, ou Governo tem necessidade de fazer no estrangeiro pagamentos, faz esses pagamentos no dia em que os deve fazer, quer dizer, quando qualquer particular precisar do papel para pagar os seus compromissos no estrangeiro, é nesse dia que vae comprar o ouro necessario para os satisfazer.
Entre nós, porem, não sabendo o preço por que o ouro estará no dia seguinte, sem a certeza até de o obter, pois dias tem havido em Lisboa de ser quasi impossivel obter papel cambial em ouro, todos tratam de munir-se com uma certa antecipação com a quantia que lhe é necessaria; ora essa antecipação de um, dois, tres ou quatro dias, representa um stock immobilizado de grande importancia, porque se refere a muitos.
Evite-se pois o agio do ouro e o meio dos direitos alfandegarios serem pagos, ao menos em parte, em ouro influe, decerto, e muito beneficamente, neste assumpto.
O Estado terá o ouro que lhe for necessario fornecido pelos importadores de mercadorias, que procuram melhor do que elle, porque teem responsabilidade pessoal na operação, melhor conhecimento do mercado do que o tem o Thesouro, e as suas necessidades não são tão urgentes nem tão conhecidas. E como elle tem que procurar o ouro para pagar a mercadoria no estrangeiro, facil lhe é procurar o que for necesserio para o pagamento tambem em ouro de parte dos direitos da alfandega.
Peço desculpa á Camara de me ter alongado neste assumpto, mas quis aproveitar a occasião para dizer qual era a minha opinião sobre este assumpto, para nós tão importante.
Continuando, não posso deixar de me referir a uma accusação feita ao partido a que tenho a honra de pertencer, por elle ter commettido o erro de em 1896 não ter feito uma remodelação fiscal. Não se fazem remodelações fiscaes no meio de crises economicas e financeiras, como aquellas que o país atravessava naquella occasião. (Apoiadas).
Com um deficit espantoso, com uma situação economica tão cheia de perigos e ameaças e que de momento era indispensavel resolver, não se fazem remodelações fiscaes, seria uma loucura tentar fazê-Ias.
E a esse proposito perguntarei porque o partido regenerador que subiu ao poder ha dois ou tres annos, não tentou fazer essa reforma, e isto quando as circumstancias tinham já mudado e muito para melhor?
Sr. Presidente: reformas profundas no organismo fiscal para um país, em harmonia com a evolução da idéa economica e financeira, fazem-se em occasião azada e usando de toda a prudencia, e eu quando falo em reformas, peço licença a V. Exa. e á Camara para accrescentar que não me refiro a reformas de commissarios regios, nem de Conservatorio, com aulas de piano nem de dança.
Como já disse, refiro-me a reformas profundas no organismo fiscal do país. O partido progressista, subindo ao poder em 1896, teve primeiro que tudo de pagar o que se devia, de regularizar a situação financeira e de lançar depois as bases possiveis para a consolidação do nosso credito. O então Ministro da Fazenda, o Sr. Ressano Garcia, cujo relatorio é admirado por todos, como mais uma prova que elle deu do seu talento e da sua elevada competencia, pretendeu, assegurando conjuntamente com a regularização da divida externa o seu serviço durante alguns annos, eliminar a depressão cambial da nossa moeda, e depois de ter chegado ao equilibrio orçamental lançar as bases da nossa regeneração financeira. Só então é que era momento azado para fazer uma reforma fiscal, reforma que não se fez, mas que certamente a evolução dos acontecimentos ha de trazer e impor.
Sr. Presidente: não querendo abusar da paciencia da Camara e de V. Exa. passo a referir-me propriamente ao Orçamento. Eu vou limitar as minhas considerações sobre tudo á parte que trata da divida do país.
Aqui neste capitulo quasi que vem descripta, o mais minuciosa e completamente que é possivel, a orientação financeira do nosso país desde 1871 para cá. Ha divida fluctuante e divida consolidada e ha outra cousa que eu não sei se é fluctuante ou consolidada, são os tres contratos de 7.000:000$000 réis e 8.000:000$000 feitos com o Banca de Portugal, que são fluctuantes porque se diz que se paga e consolidados porque não se pagam na realidade, são uma especie de divida semi-fluctuante.
Examinando ss differentes operações a que se refere o Orçamento nesta parte, o que vemos nós?
Vemos que o Governo no contrato com o Banco de Portugal passou successivamente de 2:000 a 6:000,12:000, 21:000 e 27:000 contos de réis.
Ora, como nesta passagem de uma para outra quantia havia sempre excedente, dizia-se: vamos começar vida nova; o excedido vae para uma conta á parte, porque, bem entendido, era um allivio de momento. O peor é que mais tarde esse allivio desapparecia e a situação não fazia senão aggravar-se sempre, e cada vez mais.
Foi o que se fez, como hoje mostrou brilhantemente o discurso do Sr. Espregueira, a proposito das rendas dos Tabacos; a receita mais valiosa das nossas alfandegas foi onerada por um emprestimo, que na occasião nem mais tarde produziu beneficio de qualidade alguma, sendo certo que de tal renda não podemos lançar mão para pagar os nossos compromissos!
Chegamos á divida fluctuante.
Eu pedia á illustre commissão, que tivesse a bondade de examinar novamente o encargo d'esta divida que calcularam para o exercicio 1902-1903.
Se não fosse, como é, a minha obrigação o falar verdade, ainda assim na ordem de idéas que estou demonstrando era isso até uma conveniencia (Apoiados). Porque me parece, que não pode, por caso algum, admittir-se que o encargo calculado para a divida fluctuante durante o exercicio proximo futuro seja o que vae indicado no Orçamento.
E aqui vem a proposito fazer uma observação: o Sr. Mello e Sousa calcula, como deficit, a que juntou a divida fluctuante, a somma de 13.000:000$000 réis.
Eu não concordo completa e inteiramente com S. Exa. nesta maneira de calcular o deficit, estando porem com a opinião do Sr. Dr. Moreira sobre este assumpto.
Mas a verdade é que a maneira de calcular o deficit empregada pelo Sr. Mello e Sousa, foi primeiro apresentada pelo proprio Sr. Ministro da Fazenda.
Assim este, tratando de apurar qual seja a divida fluctuante em 30 de junho de 1902, addiciona á divida fluctuante em 30 de junho de 1901 o augmento da divida