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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

37.ª SESSÃO

EM 28 DE JULHO DE 1909

SUMMARIO.- Lida e approvada a acta dá-se conta do expediente que consta de dois officios.- O Sr. Araujo Lima manda para a mesa dois projectos de lei referentes a remissão de foros, e autorizando a Camara Municipal de Ponte de Lima a comprar o prédio denominado de S. João de Deus. - O Sr. José Rebello manda para a mesa um projecto de lei relativo ao actual demonstrador da Escola Naval; solicita a discussão immediata do projecto de caminho de ferro de Extremoz a Portalegre; pede a construcção da de Villa Viçosa a Eivas; refere-se com largas considerações á liquidação de uma importante herança e chama a attenção do Sr. Ministro da Justiça para os beneficios dos parochos.- Respondem-lhe os Srs. Presidente do Conselho (Wenceslau de Lima), Ministro da Justiça (Francisco de Medeiros) e Ministro das Obras Publicas (Barjona de Freitas).- O Sr. Conde de Penha Garcia manda para a mesa um projecto de lei acabando com as desigualdades nos prets das differentes classes da armada. - O Sr. Isidro dos Reis apresenta um projecto de lei autorizando as camaras municipaes de Santarem e Gollega a transferirem a sua divida da Companhia Geral de Credito Predial para a Caixa Geral de Depositos.- O Sr. Abel de Mattos envia tambem para a mesa um projecto de lei dispensando do pagamento de direitos de importação todo o material necessario para uma lavandaria do hospital da Misericordia de Viseu. - O Sr. Pinto da Motta chama a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas para a escassez de milho no districto de Vianna do Castello; e pede uma resolução acêrca do theatro de D. Maria II.- Responde o Sr. Presidente do Conselho (Wenceslau de Lima).- O Sr. Almeida Garrett manda para a mesa uma nota de interpellação ao Sr. Ministro da Marinha. - O Sr. Affonso Costa lê uma lista dos projectos que apresentou na sessão anterior declarando que os mantem; annuncia avisos previos aos Srs. Ministros do Reino, Justiça, Fazenda é Obras Publicas e refere-se ao commercio com o Transvaal, respondendo lhe o Sr. Presidente do Conselho (Wenceslau de Lima). - Mandam para a mesa requerimentos os Srs. Visconde de Ollivã e de Villa Moura.

Na ordem do dia prosegue a discussão do projecto de lei n.° 45 (construcção de casas baratas), sendo rejeitada em votação nominal a emenda do Sr. João de Menezes para que o projecto volte á commissão. - É approvado sem discussão o artigo 3.° - Sobre o artigo 4.°, que entra em discussão, usam da palavra os Srs. Abel de Andrade, Caeiro da Matta (relator), Almeida Gerrett e Cayolla. - Verificando-se a requerimento do Sr. Affonso Costa que não ha numero na sala para a sessão proseguir, é esta encerrada.

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Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim Mendes Leal

Secretarios - os Exmos. Srs.:

João José Sinel de Cordes
João Pereira de Magalhães

Primeira chamada - Ás 2 horas.

Presentes - 7 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 horas e 30 minutos da tarde.

Presentes - 60 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel Pereira de Andrade, Alberto Pinheiro Torres, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Pereira, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alves de Oliveira Guimarães, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Azevedo, Conde de Castro e Solla, Conde de Mangualde, Conde de Penha Garcia, Duarte Gustavo de Reboredo Sampaio e Mello, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, Henrique de Mello Archer da Silva, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Duarte de Menezes, João Henrique Ulrich, João Joaquim Isidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João Pereira de Magalhães, João de Sousa Calvet de Magalhães, João de Sousa Tavares, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim Mattoso da Camara, Jorge Vieira, José Antonio Alves Ferreira Lemos Junior, José Antonio da Rocha Lousa, José de Ascensão Guimarães, José Bento da Rocha e Mello, José Cabral Correia do Amaral, José Caetano Rebello, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim da Silva Amado, José Julio Vieira Ramos, José Maria Cordeiro de Sousa, José Ribeiro da Cunha, José dos Santos Pereira Jardim, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel de Brito Camacho, Manuel Joaquim Fratel, Manuel de Sousa Avides, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Miguel Augusto Bombarda, Rodrigo Affonso Pequito, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomaz de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Thomaz de Aquino de Almeida Garrett, Visconde de Ollivã.

Entraram durante a sessão os Srs.: Abel de Mattos Abreu, Abilio Augusto de Madureira Beça, Affonso Augusto da Costa, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Braga, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José de Almeida, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Tavares Festas, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Diogo Domingues Peres, Emygdio Lino da Silva Junior, João Ignacio de Araujo Lima, João José da Silva Ferreira Netto, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Soares Branco, José Augusto Moreira de Almeida, José Caeiro da Matta, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Malheiro Reymão, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Maria de Queiroz Velloso, José Paulo Monteiro Cancella, Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Nunes da Silva, Roberto da Cunha Baptista, Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça, Visconde de Coruche, Visconde da Torre, Visconde de Villa Moura.

Não compareceram a sessão os Srs.: Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Rodrigues da Costa Silveira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Conde da Arrochella, Conde de Paçô-Vieira, Eduardo Burnay, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Ernesto Jardim de Vilhena, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Augusto Pereira, João Carlos de Mello Barreto, João Correia Botelho Castello Branco, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Pedro Martins, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Oliveira Mattos, José Mathias Nunes, José Osorio da Gama e Castro, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luis Filippe de Castro (D.), Luis da Gama, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Telles de Vasconcellos, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Paulo, de Barros Pinto Osorio, Visconde de Reguengo (Jorge).

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SESSÃO N.º 37 DE 28 DE JULHO DE 1909 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta. - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do juizo de direito da 6.ª vara da comarca de Lisboa, pedindo a comparencia do Exmo. Sr. Deputado José Maria de Oliveira Simões naquelle juizo, no dia 4 de agosto, afim de depor como testemunha.

Foi autorizado.

Do Ministerio da Justiça, communicando, em resposta ao requerimento do Sr. Deputado Vieira Ramos, nada ter com a correspondencia trocada entre a direcção dos serviços de construcção dos caminhos de ferro do sul e sueste e o agente do Ministerio Publico em Tavira.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - O pensamento da remissão dos foros é muito antigo.

O emprazamentos dos bens da Coroa, os da Casa de Bragança, os da Fazenda Nacional e os das camaras municipaes foram contratados in perpetuum; todavia a legislação antiga e moderna tornou remiveis esses prazos, e facilitou por varios modos, até pela reducção do laudemio, a reunião dos dominios directo e util no mesmo individuo.

É geral a tendencia dos foreiros para se libertarem dos encargos emphyteuticos, e quando uma tendencia se torna geral, cedo ou tarde vem a vencer, ou a ser satisfeita por medidas legislativas.

Em 1858 já o illustre autor do projecto do Codigo Civil Português estabelecia a remissão dos foros nos artigos 1761.°, 1762.°. Segundo o grande jurisconsulto Sr. Visconde de Seabra, todo o prazo devia poder remir-se, se não antes, ao fim de vinte annos.

Era porem ainda cedo para estes artigos serem approvados.

Em 1861, escreveu o Sr. Dr. Sanches da Gama, fallecido lente de direito, a sua Dissertação inaugural, para o acto de conclusões magnas na Universidede, sobre a remissão obrigatoria dos foros, mostrando que a remissão é offensiva dos principios rigorosos do direito, mas reclamada pelas conveniencias sociaes, que são sempre superiores a considerações e a interesses individuaes, e provando com valiosos argumentos que deve tornar-se obrigatoria para os senhorios a remissão dos foros.

Posteriormente, foram apresentados no Parlamento a proposta de lei de 29 de janeiro de 1886 do Sr. Thomás Ribeiro, então Ministro das Obras Publicas; e os projectos de lei de 27 de abril de 1887, chamado o fomento rural, do Sr. Oliveira Martins, e 1 de julho de 1891, do Sr. Dr. Roberto Alves, para a remissão dos onus emphyteuticos.

Queria o sabio Sr. Oliveira Martins, que se desse ao foreiro o direito de remir o foro e laudemio, desde que o desideratum social do desbravamento dos incultos estivesse conseguido.

Depois, foi um eminente jurisconsulto, o mais distincto do nosso tempo,; o Sr. Dias Ferreira, que referendou o decreto com força de lê! de 30 de setembro, de 1892 e o regulamento de 14 de dezembro do mesmo anno, estabelecendo a remissão dos foros, disposições muito bem acceites, pelo menos no norte do pais, e que, sem tempo sufficiente de experiencia, foram revogadas pelo decreto n.° 11 de 10 de janeiro de 1895.

No projecto que se segue procurei incluir o que havia de melhor nos tres diplomas legislativos, pois qualquer trabalho nunca pode prescindir do auxilio dos anterioresi Elle omitte, porem, por desnecessarias, repetições de doutrina expressa no Codigo Civil.

A fim de que a remissão que os senhorios exigem aos foreiros não seja vexatoria para estes, contem o projecto disposições especiaes, tendentes a ajudá-los e a facilitar-lhes a libertação dos encargos prediaes.

São reduzidos os laudemios excessivamente onerosos pela razão social de que se tornam muitas vezes um impedimento para que o foreiro faca grandes melhoramentos no predio, com dinheiro seu, que iria reverter em grande parte em favor do senhorio.

Pela mesma razão e ainda porque os laudemios são um estorvo á transmissão da propriedade e a depreciam grandemente, são prohibidos os laudemios nos emprazamentos de futuro, conforme o artigo 1657.° do Codigo Civil, ficando assim extincta a questão, se esse artigo foi ou não alterado pelo artigo 3.° do decreto n.° 11.° de 10 de janeiro de 1895.

O projecto favorece a conservação da indivisão dos casaes unidos ou contiguos e cultivados, e permitte a divisão dos predios incultos. Essa divisão já era permittida no artigo 1662.° do Codigo Civil, que foi indevidamente revogado pelo artigo 4.° do citado decreto de 10°de janeiro de 1895.

Pode ser um bem a divisão da propriedade inculta, no sentido de facilitar o arroteamento d'ella.

Finalmente a disposição do projecto, permittindo a licitação de um prazo em commum, por dois ou mais coherdeiros, destina-se a terminar uma questão juridica e a facilitar a conservação dos prazos na familia dos foreiros, evitando a difficuldade do pagamento das tornas e as arrematações d'ahi derivadas.

A remissão dos prazos, pela consolidação dos dominios directo e util, aumenta o interesse individual no desenvolvimento da agricultura e das grandes bemfeitorias e edificações, livres de laudemio; valoriza ou torna perfeita a propriedade immovel, põe em circulação muitos capitães mortos ou retrahidos, tendentes a immobilizarem-se com segurança, facilita a igualdade das partilhas entre os filhos em bens da mesma espécie, conforme o Codigo Civil, e extingue um grande numero de pleitos judiciaes, que são fonte de odios, ruina das familias e sorvedouro da actividade de muitos, que pode e deve ser melhor aproveitada.

Projecto de lei Remissão de foros

CAPITULO I

Remissões pedidas pelos foreiros

Artigo 1.° São remiveis os encargos emphyteuticos, sub-emphyteuticos e censiticos, de qualquer valor, quer onerem predio rustico, quer urbano, pelo seguinte processo de consignação em deposito.

Art. 2.° O foreiro que quiser usar do direito de remissão depositará na Caixa Geral de Depositos, á ordem do respectivo juiz, a importancia de vinte foros e um laudemio, se estiver estipulado; pagará a contribuição de registo correspondente á quantia depositada e requererá ao 1 juiz que faça citar o senhorio, ou o cabeça de casal se o

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prazo pertencer a herança indivisa, para receber o dinheiro depositado, ou, na terceira audiencia depois de accusada a citação, vir com embargos, sob pena de ser julgado o foro remido.

§ 1.° Os embargos não teem effeito suspensivo e serão processados e julgados nos termos do artigo 630.° e seguintes do Codigo do Processo Civil.

§ 2.° Julgados os embargos improcedentes, ou não se tendo apresentado embargos, o juiz proferirá sentença, julgando o dominio directo livre e expurgado de hypothecas e encargos, os quaes recairão sobre, o dinheiro em deposito.

Art. 3.° Logo que o foreiro deposite na Caixa Geral de Depositos a importancia de vinte foros e um laudemio, havendo-os calculado pela tarifa camararia e pela matriz predial, e paga que seja a contribuição de registo relativa á quantia em deposito, considera-se livre a propriedade cujo foro se pretende remir e como tal pode ser transmittida.

§ 1.° Se, porem, em resultado dos embargos ou de avaliação, se proferir sentença determinando a importancia do dominio directo em quantia superior á depositada, ficará por este excesso responsavel o adquirente, que poderá ser compellido ao pagamento, nos termos das execuções hypothecarias. Igualmente será responsavel pelo excesso de contribuição de registo para com a Fazenda Nacional.

§ 2.° Se a quantia depositada for superior ao valor do foro, calculado depois da vistoria, o excedente será restituido ao foreiro depositante.

CAPITULO II

Remissões pedidas pelos senhorios

Art. 4.° Os senhorios dos prazos ou censos, com mais de vinte annos de duração, podem tambem exigir a remissão, quando o valor do seu direito não exceder a 500$000 réis ou quando renunciarem ao excesso, nos termos seguintes.

Art. 5.° Liquidado pelo contador o valor do onus, em face das certidões da tarifa camararia e da matriz predial, quando necessarias, é citado o proprietario do prédio onerado para pagar em dez dias. Não pagando, regista-se a hypotheca legal por esse valor liquidado, e por elle poderá ser executado o proprietario, passados dez annos.

Art. 6.° Sempre que um predio onerado tiver de ser arrematado em qualquer processo, poderá o senhorio do onus requerer que o mesmo predio seja posto em praça como allodial, para receber do seu preço o valor do dominio directo.

§ unico. Se na segunda ou terceira praça o prédio for arrematado por valor inferior ao da avaliação como allodial, a perda será rateada proporcionalmente entre os valores do prédio e do onus respectivo.

Art. 7.° É permittido ao foreiro remir o foro separadamente do laudemio; igual faculdade teem os senhorios.

Art. 8.° O foreiro, citado, pode oppor embargos á remissão, o que não impede o registo da hypotheca, que então será provisorio, tornando se definitivo, pela quantia devida, em face da decisão final dos mesmos embargos.

Art. 9.° Dos prazos divididos entre varios possuidores, pode cada um remir a parte que possue.

§ unico. O cabecel pode remir todo o foro do prazo.

CAPITULO III

Disposições geraes

Art. 10.° Para estes processos é competente o juizo da situação do predio, observando-se as regras do artigo 21.°, n.° 3.°, do Codigo de Processo Civil.

Art. 11.° Não pode estipular-se laudemio nos emprazamentos de futuro, nem o ha, nos de preterito, nas trocas e doações.

§ unico. Todo o laudemio mais oneroso do que de quarenta um fica reduzido a esta proporção.

Art. 12.° Os senhorios podem consentir a divisão de prédios, não sendo quintas muradas, ou unidas e cultivadas, pois nestes casos só poderão consentir alienações de chão para edificações.

Art. 13.° É permittida a sub-emphyteuse de terreno inculto, quando o sub-emphyteuta se obrigue a arroteá-lo, cultivá-lo, ou povoá-lo de arvoredo no prazo de cinco annos a contar do contrato.

§ unico. Se, findo o prazo,, não tiver cumprido, poderá o emphyteuta ou o senhorio directo requerer a rescisão do contrato.

Art. 14.° Quando o foreiro ou o censuario quiser dar de arrendamento o predio, ou parte do prédio, por mais de dez annos, será obrigado a offerecer a opção ao senhorio directo, ou ao censuista.

§ unico. Exceptua-se o caso de o senhorio ser alguma pessoa moral, sem direito de opção nas alienações.

Art. 15.° Um prazo pode ser licitado em commum, com responsabilidade solidaria, por dois ou mais coherdeiros, o que não importa a divisão do mesmo prazo.

Art. 16.° É applicavel á sub-emphyteuse o que nesta lei se dispõe para a emphyteuse.

Art. 17.° Estando os foros registados como dotaes, transmitte-se o onus dotal para o preço da remissão.

Art. 18.° Esta lei applica-se tambem aos foros e laudemios sujeitos ás leis de desamortização, que continuam, todavia, em vigor.

Art. 19.° Ficam, assim, substituidos os decretos de 30 de setembro de 1892, de 14 de dezembro do mesmo anno, o decreto n.° 11 de 10 de janeiro de 1895 e revogada a legislação em contrario.

Camara dos Senhores Deputados, 21 de julho de 1909.= Sousa Avides.

Foi admittido e enviado á commissão de legislação civil.

Projecto de lei

Senhores.- A Camara Municipal de Ponte de Lima tinha, em 1899, na Caixa Geral de Depositos, o fundo de 1:921$293. réis, com destino á construcção de uma cadeia comarca, de harmonia com a lei de 1 de julho de 1867.

Mas em 1899, grassando no Porto uma grave epidemia por muitos classificada de peste bubonica, foi a mesma camara autorizada, por decreto de 7 de setembro do mesmo anno, a applicar á referida quantia ao saneamento e hygiene da villa e concelho.

A camara levantou o deposito em 26 do mesmo mês e anno; e, tendo gasto naquelles serviços apenas a Bomma de 476$870 réis, voltou a depositar na referida Caixa Geralfa quantia restante - 1:444$423 réis.

E essa importancia que a Camara Municipal de Ponte de Lima pretende gastar na compra do prédio denominado de S. João de Deus, antigos quartéis, pertencente á Misericordia da mesma villa e que tem de ser posto em praça, em virtude da lei de desamortização.

É dá maior justiça tal pretensão, porque aquelle edificio, situado nas barreiras da villa, pode, pela sua amplitude, ser destinado a varios serviços municjpaes, a cadeia e alojamento de tropas; pelo que submetto ao vosso esclarecido criterio o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E autorizada a Camara Municipal de Ponte do Lima a applicar á compra do predio denominado de S. João de Deus, pertencente á Misericordia da mesma villa, a quantia de 1:444$423 réis, que tem em deposito, para os effeitos do artigo 55.° da lei de 1 de julho de 1867.

Art. 2.° Se da quantia, referida restar algum saldo será este applicado ás modificações e reparações a fazer no mesmo predio.

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Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Camara dos Senhores Deputados, 26 de julho de 1909.= João I. de Araujo Lima.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

O Sr. José Rebello: - Manda para a mesa um projecto de lei que tem por fim determinar que não seja limitado o tempo da commissão de serviço desempenhado pelo actual demonstrador da Escola Auxiliar de Marinha e demonstrador da Escola Naval.

A Majoria Geral da Armada, numa sua informação, sustenta a conveniencia de se conservar o actual demonstrador.

Estando no uso da palavra, aproveita o ensejo para communicar á Camara que recebeu um telegramma da Camara Municipal de Portalegre pedindo-lhe que solicitasse do Governo que sem demora fosse discutido o projecto do caminho de ferro de Estremoz a Portalegre.

Este projecto, que já estava dado para ordem do dia e depois foi retirado, é de alta importancia para aquella região e por isso espera que o pedido da camara de Portalegre seja attendido.

A proposito pede tambem que se proceda á construcção do caminho de ferro de Villa Viçosa a Elvas, que importa uma pequena despesa e que muito irá beneficiar a provincia do Alemtejo.

A um outro assunto ainda vae referir-se, sentindo não ver presente o Sr. Ministro da Fazenda de quem desejava chamar a attenção, mas na sua falta espera que o Sr. Presidente do Conselho se dignará tomar nota das considerações que vae apresentar.

Foi informado o anno passado que se liquidara de um modo escandaloso e fraudulento para a Fazenda Nacional uma herança importante. Para averiguar da verdade, na sessão de 11 de julho requereu que pelo Ministerio da Fazenda lhe fossem enviados os documentos referentes ao assunto. Não lhos remetteram, porem; instou depois pela sua remessa, mas tambem sem resultado, não obstante o Sr. Ministro da Fazenda de então lhe ter promettido que lhos remetteria.

No principio desta sessão mandou um aviso previo ao Sr. Ministro da Fazenda para lhe perguntar os motivos por que os documentos não lhe tinham sido enviados, respondendo-lhe esse Ministro, na sala dos Passos Perdidos, que lhos ia enviar, mas tal não succedeu.

Informando se mais tarde no Ministerio da Fazenda soube que os documentos não lhe eram remettidos porque o Ministro o não ordenava.

Entrou nesta Camara pelo seu pé, sendo eleito pela maioria, apesar da opposição que o Governo lhe fez, e a desattenção com que foi tratado, é que o levou a tomar parte violenta nos tumultos que na Camara se deram. Honra-se com isso, porque tem sempre por costume desaffrontar-se.

Agora vae expor o escandalo. Em 4 de setembro falleceu em um dos concelhos do districto que tem a honra de representar um lavrador com uma fortuna calculada em mais de 300 contos de réis. Foram seus herdeiros os sobrinhos, que são os chefes politicos do concelho, e umas sobrinhas, das quaes uma é casada com o juiz que então era da comarca.

Segundo o regulamento de 15 de julho de 1895, o juiz do processo é o delegado da comarca e o juiz do recurso é o juiz da comarca; por consequencia tinham já por seu lado o juizo do recurso, mas era necessario arranjar o juiz do processo. Era então delegado na comarca um magistrado serio e tratou-se de fazer com que fosse para lá um delegado que se ajeitasse.

Segundo o regulamento de 1 de julho, os herdeiros teem de apresentar o balanço dentro de dois meses, a contar da data do obito, e teem a faculdade de requerer a prorogação do prazo, que só pode ser concedida mediante a informação do delegado do Thesouro. Os herdeiros, decorridos os dois meses, apresentaram parte do balanço e requereram a prorogação do prazo para a apresentação das contas. O delegado do Thesouro concedeu-lhe a prorogação por oito dias, mas depois appareceu no processo um despacho do Ministro da Fazenda prorogando o prazo por seis meses, sem que tivesse precedido informação de quem, segundo a lei, era o unico que tinha competencia para a dar.

Isto passou-se no tempo em que se tratava da questão dos tabacos.

Caindo o Governo, que era o progressista, veio depois a situação franquista, e o processo ficou parado, mas depois do sinistro attentado de 1 de fevereiro volta novamente ao Governo o Sr. Espregueira, o Ministro que tinha concedido a prorogação do prazo. Nesse tempo já estava na comarca o almejado delegado, mas o escrivão de fazenda é que parece não se prestava ao saque ao Thesouro, e então o Sr. Espregueira, sem que no Ministerio da Fazenda houvesse qualquer informação, mandou um empregado de fazenda inquirir do estado em que se encontrava o processo, que elle mandara parar, e baseando-se num artigo do regulamento de 1901 mandou-o trabalhar para Portalegre, e nomeou para ali em commissao um escrivão que já tinha estado no districto e que fora transferido, de castigo, para uma das comarcas mais ruins das Ilhas.

Havia já juiz, delegado e escrivão de feição, mas faltavam os louvados, e como os que tinham sido nomeados pelo outro escrivão não eram de confiança, o escrivão em commissão fez contra elles um artigo de suspeição.

Segundo o artigo do regulamento que já citou, o escrivão em commissão não podia estar ali mais de um mês, mas como os trinta dias não chegaram para fazer a liquidação cortou-se a drfficuldade nomeando um escrivão privativo para o processo e outro para o expediente j e assim a herança, que era calculada em 300 contos de réis, liquidou se em 100 contos de réis.

Pediu, como já disse, os documentos, instou por elles, annunciou um aviso previo, mas tudo em vão; está por são justificado de ter empregado o martelo de bater beefs.

Pede ao Sr. Presidente do Conselho, visto tratar-se de um caso grave, que imprime caracter, que recommende ao Sr. Ministro da Fazenda que lhe mande os documentos pedidos, porque ainda ha remédio, pois pode haver recurso.

Chama tambem a attenção do Sr. Ministro da Justiça para um outro assunto, que é tambem importante.

Quando se publicou o Codigo Civil levantaram-se grandes questões e uma d'ellas foi sobre os beneficios dos parochos de algumas freguesias.

Os interessados reclamaram e o Governo de então publicou uma portaria revogando o codigo nesse ponto, mas os tribunaes não concordaram com ella e a disposição do codigo continuou em vigor. Então, o Duque de Saldanha, em 1870, publicou em ditadura um decreto suspendendo a execução do artigo do codigo, que era o 2116.°, decreto que, em boa verdade, não pode ser considerado como lei, porque não teve sancção parlamentar.

Ora elle, orador, entendo que tal estado de cousas não pode continuar, porque aquella contribuição é uma verdadeira brutalidade, basta dizer que numa herança de 78$000 réis os herdeiros teem de pagar de suffragios 13$000 réis.

O orador em seguida indica a forma como, no seu entender, este inconveniente se podia remediar.

(O discurso será publicado na integra guando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Barjona de Freitas): - Sr. Presidente : pedi a palavra para dizer ao

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illustre Deputado que acaba de falar que tomarei na devida consideração as suas observações na parte que diz respeito á minha pasta; mas, Sr. Presidente, se a memoria me não atraiçoa, parece-me que a linha ferrea a que S. Exa. se referiu ainda não está classificada.

Disse.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - O illustre Deputado Sr. José Rebello chamou a attenção do meu collega da Fazenda para um processo de liquidação da contribuição de registo, que, no entender de S. Exa., interessa á boa disciplina dos serviços do Ministerio da Fazenda, pois suppoe que o processo alludido correu tumultuarimente.

Comprehende S. Exa. que, tratando-se de um processo cujos termos o illustre Deputado minuciosamente explicou, mas que são para mim desconhecidos, a unica cousa que posso fazer é dizer que chamarei a attenção do meu collega para esse processo (Apoiados).

O Sr. José Rebello: - Eu pedi ao Sr. Ministro da Fazenda que me mandasse os documentos que requeri na sessão de 11 de julho do anno passado.

O Orador: - Transmittirei ao meu collega os desejos de. S. Exa.; e posso asseverar ao illustre Deputado que, tanto da parte do Sr. Ministro da Fazenda como de todos os meus collegas, ha o maior desejo de satisfazer os pedidos de S. Exa.

Disse.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (Francisco José de Medeiros): - Sobre as observações que S. Exa. fez acêrca de algumas disposições do Codigo Civil, tenho a dizer que me parecem muito sensatas.

Talvez ainda nesta sessão traga ao Parlamento uma providencia tendente a modificar esse artigo do codigo, pois, como S. Exa. sabe, a interpretação das leis não cabe ao Ministro, mas ao Parlamento (Apoiados).

Espero que o artigo 211.6.° do Codigo Civil ha de ser interpretado autenticamente pelo Parlamento por forma a evitar os inconvenientes por S. Exa. apontados.

(O orador não reviu).

O Sr. Conde de Penha Garcia: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei que tem por intuito remediar algumas deficiencias e desigualdades existentes na classe dos officiaes inferiores das 3.ª e 4.ª brigadas do corpo dos marinheiros.

Este projecto não é meu, foi o ultimo trabalho do nosso collega Alvaro Penal vá, e nada mais preciso acrescentar para V. Exa. comprehender a emoção e o sentimento que me dominam. (Apoiados).

O Sr. Isidro dos Reis: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei autorizando as Camaras Municipaes de Santarem e da Gollega a transferirem a sua divida da Companhia Geral do Credito Predial Português para á Caixa Geral de Depositos, porque, como por essa forma se alonga o periodo da amortização, as duas municipalidades esperam auferir as sommas precisas para a camara de Santarem construir um mercado coberto, de que absolutamente carece, e acamara da Gollegã reorganizar as suas cadeias, que, sob o ponto de vista da segurança e da salubridade, deixam muito a desejar.

O projecto de lei é tambem assinado pelos Srs. Moreira Junior, coronel Rodrigues Ribeiro, Carlos Ferreira e Visconde de Coruche e seria assinado por todos os Deputados do districto de Santarem se S. Exas. estivessem na Camara, porque assim o haviam declarado.

Como estou no uso da palavra, aproveito a occasião para renovar a iniciativa de dois projectos de lei, o primeiro, o 77-A, para serem concedidas as ruinas do extincto convento de Santa Clara á Camara Municipal de Santarem para ahi se construir um bairro operario. Todos conhecem a situação apertada em que se acha a cidade antiga pelas muralhas do principio da monarchia, não tendo terrenos para edificarem casas para os desfavorecidos da fortuna. Com o projecto remedeia-se essa falta.

O outro projecto de lei é a criação de duas assembleias eleitoraes, uma no Couço, concelho de Coruche, e outra no Casal do Ouro, concelho do Cartaxo, ambas inspiradas nas commodidades dos povos e na conveniencia do serviço publico.

(O orador não reviu).

O Sr. Abel de Mattos: - Mando para a mesa um projecto de lei dispensando do pagamento de direitos de importação todo o material, machinismos e mais objectos que forem necessarios para a installação de uma lavandaria movida a vapor na cerca do edificio do hospital da Santa Casa da Misericordia dê Viseu e para a installação de illuminação a luz electrica e de aquecimento a vapor das enfermarias e outros compartimentos do mesmo edificio.

No mesmo sentido do projecto mando tambem para a mesa uma representação da Santa Casa da Misericordia de Viseu.

O projecto ficou para segunda leitura.

O Sr. Pinto da Motta: - Pedi a palavra para solicitar do Sr. Ministro das Obras Publicas algumas providencias com relação á falta de milho que se nota em Vianna do Castello e particularmente em Valença, e para pedir tambem ao Sr. Ministro do Reino, não que me dê já uma resposta, mas, quando puder, me diga se tomou alguma deliberação com relação ao Theatro de D. Maria II.

Tenho dito.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima). - Sr. Presidente: O illustre Deputado Sr. Pinto da Motta chamou a minha attenção para um assunto que seguramente a merece, qual é o do funccionamento do Theatro de D. Maria II, que tanto interessa e importa á arte dramática nacional.

Disse S. Exa. que muito bem conhece este assunto, porque segundo me recordo já uma vez o versou nesta casa do Parlamento, que não esperava de mim uma resposta pronta, por isso que não havia chamado a minha attenção para este caso.

Effectivamente não poderei dar desde já uma resposta precisa ao illustre Deputado, por quanto o Governo não tomou uma resolução definitiva sobre o assunto, mas já o estudei bastante para poder dizer a V. Exa. que muito interessa ao gabinete a que presido tomar uma resolução que possa satisfazer aos elevados interesses da arte dramatica nacional.

É certo que em todos os assuntos que interessam grande numero de pessoas e agitam a opinião publica ha sempre a necessidade de pôr inteiramente acoberto de criticas malevolas qualquer resolução. Por isso o Governo cuidadosamente tem estudado, o assunto e espera em breve tomar uma resolução que seja proveitosa para a arte dramática nacional (Apoiados).

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Barjona de Freitas): - Devo informar o Sr. Deputado que já reuniu

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o Conselho Superior de Agricultura, que foi de parecer que se deve autorizar a importação do milho.

(O orador não reviu).

O Sr. Almeida Garrett: - Pedi a palavra na esperança de ver presente o Sr. Ministro da Marinha, mas, como S. Exa. não está, não peço aos seus collegas que lhe transmittam o que tinha a dizer; limito-me a esperar pacientemente que S. Exa. se digne vir ao Parlamento.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Pedi a pá lavra não para dizer que transmittirei ao meu collega as considerações do illustre Deputado, por isso que nenhumas fez, mas para lhe responder.

S. Exa. queixou-se e eu não estranho, visto que já estou habituado a essas queixas de que o Sr. Ministro da Marinha não estava presente.

É sabido que, quando algum dos Ministros não comparece nesta Camara, regra geral, pede-se sempre a presença d'esse Ministro.

O Sr. Almeida Garrett: - Não gosto nada de interromper, mas devo dizer a V. Exa. que repetidas vezes tenho já pedido a palavra.

O Orador: - S. Exa. tinha uma excellente maneira, que demais a mais é uão e pratica parlamentar, para reclamar a presença de qualquer dos Srs. Ministros. Era avisá-lo de que desejava trocar com S. Exa. as suas impressões, a fim do Sr. Ministro vir aqui dar ao illustre Deputado as explicações que deseja (Apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. Afibnso Costa: - Tem-se interpretado o nosso regimento no sentido de que é necessario fazer a renovação da iniciativa dos projectos de lei apresentados na sés são anterior; por isso limito-me a declarar, em voz bem alta, que mantenho todos os projectos de lei até hoje apresentados á Camara na actual legislatura.

Chamo particularmente a attenção da Camara para os projectos de lei apresentados na sessão de 27 de julho de 1908, e especialmente para o relativo á questão religiosa, no qual reclamo que sejam restabelecidas em pleno vigor as leis de 3 de setembro de 1759 e de 29 de agosto de 1767, acêrca da Ordem dos Jesuitas:

São restabelecidas em pleno vigor as leis de 3 de setembro de 1759 e de 28 de agosto de 1767, acêrca da Ordem dos Jesuitas; o decreto de 28 de maio de 1834, referente a congregações religiosas; a lei de 28 de abril de 1845 sobre inspecção de seminarios, e o decreto de 22 de junho de 1861 a respeito da corporação das irmãs da caridade.

Peço tambem, como consequencia do restabelecimento d'estas leis, que o Governo faça encerrar immediatamente ...

Nesse projecto peço ainda que se revogue mais especialmente o decreto:

É revogada a legislação em contrario, e particularmente o decreto de 18 de abril de 1901 sobre congregações; o artigo 93.° do decreto de 24 de dezembro de 1901 sobre reforma da Universidade; a lei de 21 de julho de 1899 sobre clero romano, e os artigos 130.° a 134.° do Codigo Penal.

Aproveito os poucos minutos que me restam, para mandar para a mesa os seguintes

Avisos prévios

Declaro que desejo interrogar urgentemente o Sr. Ministro das Obras Publicas sobre os serviços da Compagnie Internationale dês Wagons-Lits, nomeadamente no seu comboio Sud-Express, quer relativamente aos preços excessivos dos supplementos e das refeições, quer acêrca das tarifas de pequena e grande velocidade e do custo exorbitante do transporte das malas do correio português, apesar das deficiencias com que este transporte é feito. = Affonso Costa.

Declaro que desejo interrogar urgentemente os Srs. Mir nistros do Reino e da Justiça sobre as medidas preventivas e repressivas que urge adoptar para que se não consinta sob pretexto algum o exercicio da industria criminosa do jogo de azar, bem como sobre a conveniencia de promover a extineyão do jogo das lotarias, substituindo-se a parte do seu producto applicada a fins - beneficentes por outra receita que não affecte a moral publica. = Affonso Costa.
Declaro que desejo interrogar urgentemente o Sr. Ministro da Fazenda sobre o estado do emprestimo de 27 de fevereiro de 1909. = Affonso Costa.

Mandaram-se expedir.

Resta agora que o Governo queira dar a prova de que tem em alguma conta os interesses que lhe estão confiados, fazendo designar com urgencia os dias para estes avisos previos se realizarem, mostrando assim o seu cuidado e zelo pelos negocios publicos.

Como a hora vae adeantada, e V. Exa. vae retirar-me a palavra, reservo para outro dia as considerações que tinha de fazer sobre assuntos de grande gravidade. Um d'esses assuntos é o convenio luso-transvaliano, e por isso peço a V. Exa. que, quando o Sr. Antonio José de Almeida esteja nesta Camara, dê, para a discussão, a interpellação que o meu collega e amigo mandou para a mesa. sobre esse grave assunto, que por ser da responsabilidade do Governo anterior, não deve deixar de ser discutido, visto não poder admittir-se que haja solução de continuidade nas obrigações assumidas pelos Governos. De certo que o Governo actual, embora não fosse o negociador do tratado, ha de desejar que elle tenha uma discussão ampla e larga, como já foi aqui reclamado, sendo então as nossas reclamações tambem apoiadas por outros grupos parlamentares. (Apoiados na esquerda).

Supponho que esta questão é de tal importancia para os interesses do país (Apoiados) que não deve haver demora, em que seja analysada sob todos os aspectos, pois se prende com os direitos dos nossos dominios ultramarinos e com a honra do nosso pais. (Apoiados).

Não insisto agora sobre o assunto; sei os melindres que elle importa, e respeito-os; mas peço ao Sr. Presidente do Conselho que, se puder, declare á Camara que a discussão sobre esse assunto se fará amplamente, e se fará dentro de poucos dias. A nação assim o exige e alem d'isso ha a promessa do Governo transacto, que deve ser uma garantia, de que assim se fará.

Estou certo de que assim succederá porque julgo que o ex-Ministro dos Negocios Estrangeiros, hoje Presidente do Conselho, não quererá deixar que se supponha que elle queira evitar que se verifiquem todos os factos relativos a esse desgraçado convénio, até para que se apurem as responsabilidades que porventura possa ter nessa questão, tambem ainda para poder dizer o que fará ou tentará fazer o poder executivo para tentar dar algum remédio a tão melindroso assunto.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Eu não posso dar a palavra a

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

V. Exa. sem consultar a Camara, visto ter dado a hora de passar á ordem do dia.

Eu vou consultar a Camara.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Br. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Folgo immenso de registar a correcção com que o illustre Deputado Sr. Affonso Costa viu os melindres da situação actual, para que o assunto sobre o qual deseja ampla discussão nesta casa do Parlamento seja desde já e immediatamente versado. Presto homenagem a essa correcção da parte de S. Exa., e folgo immenso tambem por S. Exa. me haver dado o ensejo para mais uma vez affirmar que o Governo não se recusa á discussão das responsabilidades que me possam saber a mim, Visto que os meus collegas não intervieram no assunto a que o illustre Deputado se referiu.

Ha effectivamente um convenio intercolonial que está em plena execução, e eu declaro já que não me recusarei a toda e qualquer discussão sobre elle, para que se apurem as responsabilidades que eu por acaso possa ter tido, alem da responsabilidade collectiva com os meus collegas do Gabinete transacto. (Apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar á mesa podem fazê-lo.

O Sr. Almeida Garrett: - Mando para a mesa a seguinte

Nota de interpellação

Desejo interpellar o Sr. Ministro da Marinha e Ultramar sobre a sua politica colonial e o programma de administração colonial por S. Exa., ha dias, apresentado nesta Camara. = Almeida Garrett.

Mandou-se expedir.

O Sr. Visconde de Ollivã: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino e com brevidade, me seja enviado o seguinte:

1.° Copia das diversas actas da Camara Municipal de Campo Maior, em que a partir de 1879 se etfectuaram as arrematações das pastagens dos coutos e villa e defesa de S. Pedro;

2.° Nota de varios empregados da Camara Municipal de Campo Maior, indicando-se os que teem nomeação definitiva e os que teem nomeação provisoria, as datas de nomeação e dos juramentos, e, com respeito aos que teem nomeação definitiva, as datas dos respectivos concursos;

3.° Copia das ultimas contas do celleiro cornmum sujeito á administração da Camara Municipal de Campo Maior, bem como uma relação completa de todos os devedores, com designação das quantias, ou quantidades em divida, indicando-se as datas respectivas aos contratos. = Visconde de Ollivã.

Mandou-se expedir.

O Sr. Visconde de Villa Moura: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, .me seja facultada nota das dividas do Estado aos professores primarios, explicação da provenienpia de taes dividas e tempo de atraso) mappa de receita e despesa no ultimo triennio com o serviço de instrucção elementar e sua distribuição por concelhos. = Visconde de Villa Moura.

Para a secretaria.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 45, construcção de casas baratas
O Sr. Presidente: - Vae ler-se a emenda apresentada na ultima sessão pelo Sr. Deputado João de Menezes para que o projecto volte á commissão.

Leu-se na mesa.

O Sr. João de Menezes:-Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro votação nominal sobre a minha proposta. = João de Menezes.

Foi approvado.

Feita a votação, disseram approvo 58 Srs. Deputados e rejeito 55.

Foram os seguintes:

Disseram approvo os Srs.: Abel Pereira de Andrade, Affonso Augusto da Costa, Alberto Pinheiro Torres, Alexandre Braga, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Augusto Cesar Claro da Ricca, Conde de Mangualde, Henrique de Mello Archer da Silva, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Duarte de Menezes, João Pinto, Rodrigues dos Santos, João de Sousa Calvet de Magalhães, João de Sousa Tavares, José Antonio da Rocha Lousa, José de Ascensão Guimarães, José Augusto Moreira de Almeida, José Caeiro da Matta, José Caetano Rebello, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria Pereira de Lima, José Maria Queiroz Velloso, José Ribeiro da Cunha, José dos Santos Pereira Jardim, José Victorino de Sousa é Albuquerque, Manuel de Brito Camacho, Manuel Joaquim Fratel, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Miguel Augusto Bombarda, Roberto da Cunha Baptista, Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça.

Disseram rejeito os Srs.: Abel de Mattos Abreu, Abilio Augusto de Madureira Beça, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Pereira, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Anselmo Augusto Vieira, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Osorio, Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Tavares Festas, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Azevedo, Conde de Castro e Solla, Conde de Penha Garcia, Diogo Domingues Peres, Duarte Gustavo de Reboredo de Sampaio e Mello, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, João Henrique Ulrich, João Ignacio de Araujo Lima, João Joaquim Isidro dos Reis, João Soares Branco, Joaquim Heliodoro da Veiga, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Bento da Rocha e Mello, José Cabral Correia do Amaral, José Joaquim da Silva Amado, José Julio Vieira Ramos, José Maria de Oliveira Simões, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Nunes da Silva, Manuel de Sousa Avides, Rodrigo Affonso Pequito, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomás de Al-

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meida Manuel de Vilhena (D.), Thomás de Aquino de Almeida Garrett, Visconde de Coruche, Visconde de Ollivã, Visconde de Villá Moura, José Joaquim Mendes Leal, João José Sinel de Cordes, João Pereira de Magalhães.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 3.° para ser votado.

Lido na mesa e posto á votação foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 4.°

Lê-se na mesa. É o seguinte:

Artigo 4.° Para o fina de que trata esta lei haverá um conselho, com sede em Lisboa, que se denominará Conselho Superior de Hygiene da Habitação, e delegações d'este concelho no Porto, e demais sedes do districto do continente e ilhas adjacentes, aquelle presidido pelo Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Reino, estas pelo governador civil.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Abel Andrade: - Lamenta sinceramente que a Camara não tenha enviado o projecto em discussão para a commissão respectiva. Quanto mais se discutir este projecto mais nos convenceremos todos de que não pode ser convertido em lei do reino. A Camara, approvando-o, diminuir-se-hia.

Não podia deixar de tomar parte na discussão do projecto n.° 45, que comprehende providencias destinadas a promover o desenvolvimento das habitações para as classes pouco abastadas. Era Deputado da nação, mas representa, de modo especial, a cidade da Covilhã. E, em terra alguma do pais, a casa de habitação é tão miseravel como a casa do operario da Covilhã.

No relatorio de um projecto de lei, que, na ultima sessão legislativa apresentou á Camara, dizia:

"A habitação do operario da Covilhã.

A casa do operario covilhanense, em regra, tem 14m2,2 de superficie habitavel. Uma pequena sala de entrada, de 9m2,60 (3m,20X3m), serve de sala de jantar, dispensa, recreio das crianças, rouparia e dormitorio dos filhos. De manhã removem-se as camas e, de dia e de noite, a um lado d'essa mesma sala, está uma pequena mesa com um crucifixo. O quarto de dormir do casal, onde apenas cabe uma cama, tem 3m2 (1m,õx2ra). O cubiculo que serve de cozinha, tem Ira2,80 (1m,50x1m,20), com a altura de 2m,80; e, ao meio do soalho, abre um alçapão com a capacidade necessaria para. conter apenas um saco de carvão. Nem o fogão da cozinha tem chaminé, nem a cozinha possue o luxo de uma pia de despejo.

Em casas destas, e ainda mais acanhadas, vivem quatro e seis pessoas. Alegra-as a luz e vivifica-as o ar que entra pela porta da rua. Muitas destas habitações não teem janela ou postigo!

Como é possivel falar de hygiene a estes desgraçados que nunca sentiram o sorriso da felicidade?! Como executar as posturas municipaes que obrigam os inquilinos a inutilizar dentro de casa os desperdicios da cozinha, as aguas sujas e os dejectos?!

Se as das não possuem canalização de esgotos - e esta é a hypothese mais frequente - os inquilinos dessas mansardas despejam na rua publica as aguas sujas, que exhalam cheiro pestilencial e servem de caldo de cultura a quantos microbios se lhe juntam. Crianças aos cardumos chafurdam ás vezes nessa immundicie marroquina...

O mesmo destino possuem os desperdicios da cozinha; são lançados na rua para não ficarem a fermentar em casa por estes dias de calor tropical.

Dos dejectos fica em casa a minima porção. As crianças dejectam nas ruas.........................".

Destinava se esse projecta de lei a autorizar o levantamento de um emprestimo que. permittisse á camara da Covilhã, entre outros objectivos, construir um bairro operario. Não foi discutido. E bem de lamentar foi que a intriga politica não permittisse, mais uma vez, que o Parlamento Português praticasse uma boa acção.

Apparece agora o projecto n.° 45. Bom seria que elle permittisse, em parte, realizar o mesmo fim do projecto a que acabo de referir-me.

De toda a discussão resulta, porem, que este projecto não merece a approvação da Camara. Poucos foram os oradores que não assentaram nesta conclusão. É este o meu parecer. E não vae neste meu juizo menos consideração pelo autor da iniciativa ou pelos Deputados da commissão que apreciou o projecto.

Em maio de 1902, Luzzatti e muitos outros Deputados da Camara italiana tomaram a iniciativa de uma proposta de lei sobre o mesmo objecto. Esta proposta, que foi muito alterada na commissão respectiva e na Camara, só no fim de um anno se converteu na lei de 31 de maio de 1903. E em 6 de fevereiro de 1907 era o mesmo Luzzatti que iniciava uma campanha parlamentar para se reformar o regime de 1903.

Mas succede um facto interessante com este projecto. O relator, que é um professor de uma Universidade, publicou, depois de elaborado o parecer da commissão, um trabalho importante, intitulado Habitações populares. Estou certo que esse nosso collega poderá redigir hoje, com singular proveito para o pais, um diploma completo sobre este assunto.

No livro a que acabo de referir-me manifestam-se aquellas qualidades intellectuaes, de paciente investigação, que levaram o seu autor ao corpo docente da faculdade de direito.

Com este projecto, e projectos similares, deve a Camara ter um singular melindre. O problema da habitação das classes menos abastadas constitue um dos mais importantes capitulos da Legislação social. Todos conhecem a funcção que essa orientação desempenha em todos os Estados modernos, nalguns dos quaes, como na Italia, alguns chefes radicaes desarmam ao ver a monarchia realizar muitas das suas aspirações com a Legislação social.

É necessario acreditar este systema de reforma moral e social dos povos. Basta, para alguns annos, o ridiculo do subsidio de 200:000$000 réis para uma caixa de aposentação das classes operarias e trabalhadoras, com que o Governo de 1906 brindou o Parlamento Português!

A verdade é esta. Ainda que o projecto fosse bem redigido, dificilmente poderia produzir todo o fruto que seria licito esperar.

Em nenhuma região, como na cidade de Lisboa, a doutrina deste projecto necessita de ser tão rasgadamente applicada. E como pensar, a serio, em tornar possivel a vida das classes menos abastadas, na primeira cidade do reino, emquanto sobre ella pesar o brutal imposto de consumo, que, na proposta de orçamento, vem calculado em 2:693 contos de réis!

Não ha meio de fazer alguma cousa, em materia de onstrucção de habitações economicas, sem uma razoavel organização cooperativista. A cooperativa é a alma d'estes generosos emprehendimentos que marcam a transição dos eculos XIX e XX.
Pois o nosso regime cooperativista, ou está regido por uma lei de 2 de julho de 1867 e pelos artigos 207.° a 223.° do Codigo Commercial, ou apenas, segundo muito bons jurisconsultos, pelo Codigo Commercial. Por outras palavras: é necessario organizar, em novas meses, o regime juridico da cooperativa, para lhe permitir exercer, neste como em muitos outros assuntos, a funcção moral e social, que pode e deve exercer.

Quem mais tem produzido, em materia de habitações

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economicas, são as administrações communaes. Bastará citar, entre, tantos, alguns factos: o contrato do Concelho Municipal de Francfort, que arrendou a uma sociedade, por acções e obrigações, com garantia de capital e juro de 4 por cento, 22:885 metros quadrados de terreno, e as casas populares construidas pelas communas de Génova, Milão, Roma e Veneza. Num estudo serio sobre este assunto, publicado em França, diz Georges Cahen:

"As municipalidades rivalizam em zelo para conseguir o mesmo fim; os seus meios de acção variam até ao infinito, ora constituem verdadeiros estabelecimentos de credito hypothecario, como em Dresde, Diisseldorf, onde se votou, para este fim, um emprestimo de 20.000:000 fr., dos quaes, em dezembro de 1902, tinham sido emprestados 3.500:000 fr. sobre 100 inamoviveis; ora offerecem os seus bons officios e o seu credito para facilitar aos interessados o accesso a outras caixas. Não hesitam, por vezes, em offerecer caução para se realizarem os empréstimos necessarios.

Muitas communas do imperio allemão, como Francfort-sur-Meine e Leipzig, adoptam a emphyteuse, que lhes garante a propriedade do immovel construido, no fim de setenta e cinco annos, mediante pequena indemnização".

Qual a situação dos nossos municipios? Absolutamente esmagados pelo poder central e, ainda mais, por contribuições para despesas, que, evidentemente, não são municipaes;

Positivamente, hão pode frutificar, entre nos, mercê d'estas deploraveis condições, qualquer lei sobre casas economicas.

Mas vae examinar as disposições do projecto.

Pela sua economia, e especialmente pela redacção do artigo 2.°, o projecto refere-se apenas a habitações populares, embora empregue a frase habitação das classes pouco abastadas (artigo 1.°), sendo certo que se impõe a resolução do problema da habitação para as classes menos abastas, e não só para as classes populares, propriamente ditas.

Por isso a lei italiana de 2 de janeiro de 1908 substituiu por esta frase habitações populares ou economicas a frase habitações populares, empregada na lei de 31 de maio de 1903.

Luzzatti, que havia sido o autor do projecto de 1903, e que foi ouvido na organização da lei de 1908, justificava assim essa orientação:

"Constituem o povo os pequenos empregados, os pequenos negociantes, os pequenos, industriaes, os proletarios intellectuaes, todos os trabalhadores, de qualquer categoria, cuja energia se conserva e repara com o auxilio de certo esforço".

Mas, entrando propriamente na economia do projecto, encontram-se disposições inuteis e dispendiosas, omissões substanciaes e disposições que necessitam de ser modificadas.

Constituem disposições inuteis e dispendiosas: a criação do Conselho Superior de Hygiene da Habitação, o regime dos premios e das intenções fiscaes.

Representam omissões fundamentaes: a falta de disposições que facilitem d recurso ao credito, a compra da casa economica pelo arrendatario, que regulem a transmissão da casa economica por fallecimento do chefe, com,sobrevivencia da esposa e filhos menores, e, ainda, a expropriação da casa economica.

Deve ser corrigida a noção da casa economica, constante do artigo 2.° do projecto.

Vae começar pelas disposições inuteis e dispendiosas.

A que vem o Conselho Superior de Hygiene da Habitação? E mais um conselho que representa aumento de despesa. Pelo menos, as entidades indicadas nas alinease),

f) e g) dos artigos 5.° e 6.°, e nas alineas d) e é) do artigo 6.° devem ser retribuidas.

E devem ser avultadas as despesas com o Conselho e respectivas delegações. Deste projecto - a ser convertido em lei - apenas ficará in alternum, no orçamento, a descrição das respectivas despesas. Nada mais.

Este conselho é uma imitação do Conseil superieur des habitations à bon marche, instituido em França, por lei de 30 de novembro de 1894, artigo 14.°, e organizado por decreto de 20 de fevereiro de 1895. Mas sob o dominio d'essa lei, apesar do conselho fnnccionar regularmente, a acção da lei de 1894 até o anno de 1906 foi insignificante.

Diz um critico francês:

"O balanço da obra realizada pela lei de 1894 é dos mais modestos".

Apreciando os resultados da lei de 1894, diz Georges Cahen:

E a ratificou os constructores de casas operarias com algumas exonerações de impostos, parcimoniosamente calculadas. Autorizou platonicamente certos estabelecimentos publicos a fazer empretimos para este fim. Tornou mais fail ao operario a accessão e a conservação das casas economicas, assim construidas.

E, para dar um penhor ultimo da sua sympathia, criou institutos administrativos novos, luxuosamente ornamentados com o titulo de conselho e comités, aos quaes, por acaso, não conferiu qualquer poder.

A verdade é que o conselho superior da lei francesa de 1894 está desacreditado. Apesar d'isso, apparece enxertado no projecto em discussão!

Mas talvez em França fosse necessario... em Portugal não. Desde que se approve um novo regime das casas economicas, cumpre ás estações existentes, legalmente instituidas, cumprir e fazer cumprir as disposições respectivas.

A verdade é que todas as attribuições consignadas pelo projecto ao conselho e suas delegações pertencem, pela, legislação vigente, a instituições e funccionarios vigentes. Bastaria que essas instituições e esses funccionarios executasse o novo regime juridico approvado.

O conselho superior do projecto é quasi a Junta Central dos Melhoramentos Sanitarios, instituida por decreto de 28 de dezembro de 1899. As attribuições que o projecto attribue ao conselho, são as attribuições da junta. Ás delegações do conselho correspondem as commissões permanentes de melhoramentos sanitarios, do Porto e mais districtos do reino.

Basta conhecer algumas attribuições da junta para a Camara se convencer de que essa instituição substitue com vantagem o conselho superior do projecto.
Diz o artigo 1.° do decreto de 28 de dezembro de 1899:

"Entra nomeadamente nas suas funcções consultar sobre: ... 2.° condições hygienicas dos bairros operarios e habitações collectivas, ou grupos de habitações urbanas, destinadas ás classes pobres; 5.° regulamentos e condições de technica sanitaria a que tenha de submetter-se toda a ordem de construcções publicas e particulares; 6.° projectos de edificações urbanas, que careçam de licença da Camara Municipal de Lisboa, e que por esta serão previamente submettidos á junta central de melhoramentos sanitarios, para cos apreciar sob o ponto de vista hygienico; da capacidade, arejamento, illuminação, abastecimento de agua e esgotos".

Mas não é a junta central a unica instituição incumbida de exercer as attribuições que o projecto consigna ao conselho superior e suas delegações; collaboram nesse mesmo objectivo as camaras municipaes, os directores das obras publicas, a Direcção Geral de Saude e Beneficencia pelos seus delegados e sub delegados de saude.

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Tenha a Camara o trabalho de consultar o Codigo Administrativo, artigo 50.°, n.° 10.°, os decretos regulamentares de 19 de setembro de 1900, artigos 74.° e.77.°, e de 24 de dezembro de 1901, artigos 15.°, n.ºs 7.° e 9.°, artigo 50.°, n.° 1.°, artigos 74.° e seguintes, e convencer-se-ha de que o conselho representa apenas uma despesa inutil.

Por isso mesmo não existe semelhante instituto na organização italiana e em muitas das melhores que conhece.

E afinal esse conselho complica todos os serviços e nada resolve. Precisamente como o conselho superior da França! Substitue algumas das impertinentes formalidades a tem de sujeitar se o constructor de uma casa ? Não. É mais uma (§ unico do artigo 2õ.°). Alem de que - os trabalhos do conselho são apenas para ser ponderados pelo Governo, e pelas estações respectivas (n.° 1.° do artigo 7.°).

O artigo 9.° é um symptoma da verdade de quanto tem dito. Todo o serviço deste conselho deve ser attribuido naturalmente, sob pena de tudo se desorganizar, ás instituições e funccionarios existentes.

Inacceitavel tambem é o regime dos premios (artigos 20.°, 21.° e 22.°). Nada produz. Ou são pequenos, e não convidam os constructores; ou são avultados e, nesse caso, melhor será applicada a sua importancia em créditos, compras de terreno, etc.

Os premios, como as isenções fiscaes (artigos 10.° e 17.°), embora mais avultadas, estão desacreditados. Não inspiram confiança a qualquer legislador.

Neste problema da habitação economica existe hoje uma frase celebre; é o axioma de Fuster. " O problema da habitação é uma questão de credito". Nada mais.

Alguns factos confirmam o asserto.

A lei italiana de 1903 autorizou a fazerem emprestimos amortizaveis, em certas condições, para construir casas populares, as caixas economicas ordinarias, os montepios e outras instituições similares, os estabelecimentos de beneficencia, e as companhias de seguros (artigo 17.°). A lei de 1908 acrescentou a estes estabelecimentos: os bancos populares e as sociedades ordinarias e as cooperativas de credito; os corpos moraes legalmente reconhecidos e que teem por objecto exclusivo fazer operações para este fim; as sociedades de soccorros mutuos legalmente instituidas; as associações ou empresas de repartição; a caixa nacional de previdencia para a invalidez e velhice dos operarios.

A lei francesa de 1906 tambem reconheceu aos departamentos e ás communas a liberdade de consentir emprestimos, subscrever obrigações e até acções de sociedades; garantir, até 3 por cento e durante dez annos, o dividendo das acções ou o juro das obrigações das sociedades - o que a lei de 1896 não permittia.

A Allemanha tem realizado toda a sua obra, neste ramo de reforma social, que é majestosa, com créditos cedidos pelo Estado e communaa, e facilidades em estabelecimentos de credito. O movimento de capitães para este fim é de tal ordem que se publicou um regulamento de 3 de junho de 1902, fixando as condições em que podem ser jeitos emprestimos ás sociedades de construcção. Nesse diploma tudo se determina: comprovação das sociedades, fins da construcção, limite do dividendo (4 por cento), proporção entre o valor do terreno com as construcções e o valor do empréstimo (90 por cento), garantia hypothacaria, juro (3 por cento) e amortização (l por cento), pagos aos trimestres.

- Em 1903 fundava-se em Berlim uma associação de construcção destas casas para pequenos empregados, com 7:300 membros. Em pouco tempo empregava 7 800:000 marcos, havendo o Estado adeantado 1.500:000 marcos.

- A Noruega tem a sua lei de 9 de junho de 1903, que criou os bancos destinados a fornecer dinheiro para a compra dos lotes de operarios e habitações operarias. É um modelo no género e representa a ultima palavras obre o assunto.

- Quer saber a Camara os capitães empregados só na Prussia em empresas d'esta ordem? Consulte o relatorio sobre o melhoramento das habitações dos operarios empregados nas explorações do Estado, e dos pequenos funccionarios, que mereceu ser publicado no Annuaire de législature étrangère, de 1903.

De 1890 a 1903 despenderam-se 5.500:000 francos, ou sejam cerca de 10:500 contos de réis. De 1895 a 1900 abriram-se créditos no valor de 20.000:000 de francos, cerca de .4:000 contos de réis. A lei de 16 de abril de 1902 abriu outro credito de 12.000:000 de francos, ou 2:400 contos de réis. Destes 32.000:000 de francos (6:400 contos de réis) gastaram-se até 1 de outubro de 1902:

- em construcções, francos .... 20.322:925
- em emprestimos a sociedades de construcção, francos .... 10.754:310
Total, francos .... 31.077:235

A lei de 4 de maio de 1903 abre novo credito de 12.000:000 de francos.

- A necessidade do credito, para este fim, é de tal ordem que um critico da lei francesa de 1906 escreve:

"As liberdades que o Parlamento sancciona são platonicas ...

A situação das administrações de estabelecimentos de beneficencia é differente. Os bens dos pobres devem curar as miserias sociaes; é esse o seu destino; é esta a vontade presumida dos seus dadores. Não basta que a esse fim seja destinado o rendimento dos respectivos patrimonios; deve ter igual applicação o proprio capital. Se, portanto, os conselhos dos hospicios e dos estabelecimentos de beneficencia continuarem a fazer opposição a este modo de ver, compete ao Estado servir-se do seu poder de tutela e impor por lei a necessidade de esses institutos collocarem o respectivo capital em empresas que se proponham construir casas economicas.

Do mesmo modo compete ao Parlamento imprimir direcção nova á Caixa Geral de Depositos e Consignações".

A necessidade do capital, de muito capital, para esta empresa das casas economicas é de tal ordem, que vae ganhando terreno a ideia de obrigar certos estabelecimentos a contribuir com determinada percentagem dos seus fundos para empresas d'esta ordem.

Corresponde o projecto a esta necessidade? Não. Os artigos 28.° e 29.° não resolvem o problema.

As associações e corporações perpetuas teem a mor parte dos seus capitães immobilizados, sem garantias hypothecarias. Mas nem as disponibilidades serão canalizadas para esta obra de reforma social e moral. É conhecida a desconfiança que moderará a generosa applicação do capital mencionado. De quasi todos os bancos nem é necessario occuparmo-nos. Como é sabido, á excepção da Companhia Geral de Credito Predial, os bancos não fazem operações inicialmente garantidas com hypothecas.

Nada se fará. As empresas, se se organizarem, debater-se-hão no Credito Predial. E será tudo.

Outra omissão importante se nota no projecto. Embora levemente tocada na alinea b), do artigo 2.° do projecto, não resolve praticamente, e do melhor modo, a hypothese de o arrendatario pretender comprar a casa arrendada.

Muito claramente exposta uma orientação acceitavel sobre este assunto na representação apresentada ao Parlamento pelas associações de classe e de soccorro mutuo de Lisboa, é de referir a disposição dos projectos Fuschini, de 16 de maio de 1884, artigo 3.°, n.° 2.°, e Mariano de Carvalho e Ricca, de 14 de abril de 1904.

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Parece ao orador digna de ser imitada a disposição constante da lei de Italia, de 31 de maio de 1903, artigo 5.°:

"O comprador deve pagar o preço da casa em prestações annuaes, semestraes, mensaes ou bimensaes.

As prestações abrangem o juro e uma quotidade de amortização do capital, ou o juro e o premio de seguro de um capital igual ao preço da casa, e, em todas as hypotheses, o encargo respectivo do seguro contra incendio, feito pela sociedade constructora. Os juros do capital correspondente ao valor da casa, durante o periodo comprehendido entre o contrato de construcção e o recebimento effectivo do immovel, entram no preço de acquisição. A duração das annuidades, não poderá exceder trinta annos, e devem estar integralmente pagas antes do comprador completar sessenta e cinco annos de idade".

Ainda o projecto não resolve a hypothese de fallecer o proprietario da casa economica, com sobrevivencia da esposa e filhos menores. No regime vigente do nosso Codigo Civil, artigos 2141.° e 2142.°, a utilidade da casa economica termina, nesta hypothese; com o fallecimento do proprietario. Pretende este desideratum o projecto? Não pode ser.

Importou-se da lei francesa de 1894 o conselho superior, e não se julgou conveniente adaptar a doutrina do artigo 8.°, que regula o assunto. A lei de Italia, de 1903, previne a hypothese, nos artigos 24.°, 25.° e 26.°, que mereciam ser adaptados. Garante-se á viuva, em certas condições, e aos filhos menores, a permanencia na casa economica, que, só em condições extraordinarias, poderá ser expropriada.

Uma noção fundamental, no projecto, é a da casa economica. Preferivel reputa a que se encontra na lei de Italia de 2 de janeiro de 1908, artigos 1.° e 6.°,° sendo certo que no projecto não se faz distincção entre a habitação individual e collectiva, e se estabelece um systema de resultados diversissimos, em Lisboa - dentro e fora da area fiscal, - em Lisboa e Porto, numa região do districto de Aveiro e noutra do districto de Villa Real.

Impressiona desagradavelmente que, num projecto desta ordem, que vive principalmente á sombra da forma cooperativa, não existam disposições especiaes, privativas, das cooperativas de construcção. Não apparece a minima referencia á lei de 2 de julho de 1867, de cuja doutrina, artigo 2.°, n.° 6, artigo 14.°, devia partir-se para organizar um razoavel projecto de lei. Apesar de ter 42 annos, o regime juridico das cooperativas de construcção vale mais do que todo o projecto.

Em conclusão: a Camara diminue-se approvando este projecto. Ha pouco votou que elle não fosse enviado á commissão. Mas pode votar ainda, sem incoherencia, que seja approvado, sem prejuizo das emendas, que vão á commissão. São esses os. seus votos.

O Sr. Caeiro da Matta (relator): - Julga difficil a sua situação em face do projecto, porque se para uns é autor d'elle e para outros seu relator, afinal não é nem uma cousa nem outra.

A iniciativa da medida saiu do Ministerio presidido pelo Sr. Ferreira do Amaral e foi entregue a uma commissão que lhe fez algumas modificações, tendo-se por fim encarregado de relatar a proposta ministerial, que já hoje não pode defender, porque foi excluido da commissão.

De resto a doutrina do projecto briga com a opinião que sobre o problema deixou expressa no seu pequeno trabalho.

Não lhe compete, portanto, responder á brilhante impugnação feita pelo Sr. Abel Andrade, e pela ultima vez que no assunto fala, deseja que fique de pé a declaração de que discorda da contextura do projecto, e que acha insubsistentes muitas das suas disposições, como já demonstrou, enviando para a mesa varias propostas de emenda.

Termina declinando a sua situação de relator.

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: não vou cansar a attençao da. Camara por muito tempo. Apenas duas palavras para explicar que vou falar, não contra o projecto, porque, embora o julgue deficiente, muito deficiente mesmo, entendo que com algumas modificações pode servir, mas contra a opportunidade da sua apresentação.

Um projecto d'estes só pode ser posto em pratica em condições, quer do Estado, quer dos individuos, absolutamente differentes d'aquellas em que um e outros hoje se encontram.

E se sob o ponto de vista technieo é extremamente degiciente, sob o ponto de vista moral é mais condemnado ainda o tê-lo agora trazido aqui.

Quiz-se, Sr. Presidente, encher tempo e nada mais; quiz-se numa mystificação, mais uma mystificação, dar ao país a impressão de que se está vivendo com o Parlamento, como se viver com o Parlamento fosse isto que estamos aqui a ver.
Realmente, vir aqui nestas condições apresentar um projecto d'estes, e durante oito dias não votar mais nada a não ser essa mentira maior ainda, que foi o projecto de fixação da forçanaval, 4.000:000$000 réis, que no dizer autorizado de um illustre Ministro da Marinha são deitados ao fundo do Tejo, fazer isto é uma mentira, uma burla. (Apoiados).

Se os homens que implantaram em Portugal o regime parlamentar podessem sair dos seus tumulos e apparecer aqui agora haviam de chorar de magua ao ver a que estado foi reduzida a sua obra, e de rir ás gargalhadas de dor, ao ver quantas vezes occupam aquellas cadeiras homens de bem minuscula envergadura politica.

Não sendo por consequencia este projecto viavel, por que o Estado, que se encontra em condições financeiras absolutamente desastrosas, não lhe pode prestar nenhum auxilio, e sendo as fortunas em Portugal muito pequenas para que a beneficencia possa ser grande, não estando tambem o regime mutualista montado em Portugal, como é, ou para que é, que vem aqui isto?

Vem na sequencia logica do programma do Governo, e eu vou mostrá-lo.
Este projecto serve para agradar a gregos e a troyannos; este projecto tem um artigo que diz respeito ás congregações religiosas, e o Governo apresentando-o agrada a clericaes, e dando-o á discussão aberta agrada a livres pensadores, como se alguem podesse, sem ser desmascarado immediatamente, dar ao mesmo tempo, uma mão a Deus e outra ao Diabo.

Isto é a sequencia de um programma absolutamente immoral e nada mais; de um programma de um Governo que é illogico na sua constituição, de um Governo que no seu programma é dissolvente, dessora energias e amollece vontades, como se de vontades e energias não precisasse esta terra para ser grande.

Um programma, Sr. Presidente, que não é nada, sob o ponto de vista administrativo é nullo, é oco, não é cousa alguma.

E depois disto o que deseja o Governo, o que quer o Sr. Presidente do Conselho? Uma só cousa-a grã-cruz da Torre e Espada.

E batem-se os nossos soldados em Africa pelo nome e pela grandeza d'esta terra!
E quando depois de muito sol, do muita sede, de muita caminhada e de arriscar a vida que murtas vezes é o pão de suas familias, quando depois disto chegam ao reino e lhe põem ao peito o collar de cavalleiro quasi que choram de alegria por verem assim recompensados os seus esforços.

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SESSÃO N.° 37 DE 28 DE JULHO DE 1909 13

E no fim d'esta obra nulla, absolutamente um zero, a grã-cruz! É immoral!

Pois, Sr. Presidente, eu, que penso assim, proponho, ou approvo se alguem propuser, que ao Sr. Presidente do Conselho sejam dadas as grã-cruzes de todas as condecorações portugueses; que se invente mesmo uma que tenha tantas commendas e tantos collares que S. Exa. fique coberto da cabeça aos pós; e depois, satisfeita a sua vaidade, vá-se embora, deixe aquellas cadeiras, deixe a vida publica. (Apoiados).

Sr. Presidente: não estou a fazer um discurso político porque se estivesse havia de examinar o que tem sido sempre a administração do Sr. Wenceslau de Lima, agora na Presidencia do Conselho e até agora como Ministro dos Negocios Estrangeiros. Eu mostraria a confusão, a anarchia, o favoritismo aos seus amigos e afilhados - a lei absolutamente rasgada, mas diplomaticamente rasgada; mostraria o que tem feito até hoje o Sr. Presidente do Conselho; mostraria como é que para negociar tratados nos Balkans se mandou vir um Ministro da Argentina. Se não temos um Ministro em Vienna, se o nosso Ministro não serve para cousa alguma, demitta-se, ha muita gente que pode servir. Lá fora faz-se-nos a mais vehemente e mais injusta campanha (Apoiados) é o nosso representante em Londres come jantares e passeia; e o antigo Ministro dos Negocios Estrangeiros passeia e come jantares. (Apoiados). Alguns jornaes franceses tratam-nos como um país absolutamente perdido, sem nada, quasi gatuno, o nosso Ministro em Paris passeia, o Ministro dos Estrangeiros passeia!

Tudo a passear e o país perdendo-se, e perdendo-se com a nossa criminosa cumplicidade. Sim, porque o que estamos nós aqui a fazer?

Então o Sr. Presidente do Conselho julgou na sua diplomatica ingenuidade que vinha para aqui e nos arrancava até o fim do mês, á lufa lufa, e sem mais tempo algum, os sanatorios da Madeira e os adeantamentos, como se, principalmente na questão dos sanatorios, não tivessemos de ver as suas responsabilidades, sabendo-se a maneira como tudo aquillo se fez?

Não, não pode ser.

Sr. Presidente: vou terminar, mas antes quero dizer á Camara que quem como o Governo nasceu contra a natureza, quem é um aborto, não pode viver. Que morra depressa. E saiba ao menos morrer quem viver nem nascer não soube. (Apoiados).

O Sr. Lourenço Cayolla: - Sr. Presidente: não me inscrevi para fazer a defesa deste projecto porque nada tenho que responder ao meu amigo Sr. Almeida Garrett, que fez um discurso absolutamente politico, e não apreciou o projecto que se discute (Apoiados). Limito-me por isso a mandar para a mesa uma proposta de additamente.

(O orador não reviu).

O Sr. Affonso Costa: - Creio que não ha numero na sala.

O Sr. João de Menezes: - Não ha numero.

O Sr. Affonso Costa: - Requeiro a contagem. (Pausa).

O Sr. Presidente: - Estão na sala 49 Srs. Deputados, numero insufficiente para a sessão proseguir.

A primeira sessão é na sexta-feira, 30 do corrente, com a mesma ordem do dia e mais o parecer n.° 70.

Em seguida levanta a sessão.

Eram 6 horas e 5 minutos da tarde.

O REDACTOR = Albano da Cunha.

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