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clarou que não era capaz de faltar á verdade. Esse facto é a fiscalisação á porta da casa da camara para impedir, note a camara, que ali entrassem os individuos que não votavam n'aquella assembléa, e que fossem da opposição! (Apoiados.)

Tenho aqui a correspondencia do administrador do concelho que diz:

«Não foi permittida, é certo, a approximação á mesa dos srs. Pachecos e Champalimaud, mas foi porque o sr. presidente e mais membros, decidindo que, na fórma da lei, ali não entrasse quem não fosse eleitor, me officiaram para esse fim, e eu, impedindo a entrada, não fiz mais que dar cumprimento aquelle officio.»

N'uma outra correspondencia de Camillo de Macedo diz-se.

«Na occasião que se tinha de proceder á formação da mesa definitiva foram postados á porta exterior da casa da camara dois homens, Pedro Maria Cardoso e teu irmão Custodio Maria Cardoso, não armados, como diz o sr. Araujo, mas completamente inermes, com recommendação de evitarem tão só e unicamente ás pessoas influentes da opposição, da freguezia de Godim, que ali não eram votantes, a fim do evitar que se renovassem as scenas da noite anterior. A ninguem mais era vedada a entrada da casa da camara aonde todos os eleitores podiam votar como quizessem, e tanto assim que os meus particulares amigos os srs. Avilar e Penetra, duas das mais notaveis influencias da opposição, estiveram por algum tempo proximo da mesa eleitoral, correndo todo aquelle acto, até final, sem o menor incidente. Depois das dez horas appareceram á porta exterior da casa da camara os srs. Champalimaud e Pacheco, influencias da opposição, mas não votantes nesta assembléa, aos quaes pelas rasões já dadas foi negada a entrada, seguindo se por isso altercações entre estes senhores e o sr. administrador do concelho.»

Ora realmente este tão só e unicamente ás pessoas da opposição, vale um discurso inteiro; é melhor de que uma syndicancia! Ião só e unicamente ás pessoas da opposição!... porque? Porque esses são parias, estão fóra da lei! Decretou-o a auctoridade administrativa em Villa Real, e ha um governo que o consente em 1863 (apoiados). Ha uma lei publicada no Peso da Regua que não era conhecida no resto do paiz, que auctorisa a exclusão tão só e exclusivamente aos individuos da opposição, para não entrarem nas assembléas primarias!... Mas isto é muito serio; porque creia V. ex.ª que da resolução que aqui se tomar ha de depender o comportamento das auctoridades administrativas n'uma eleição geral em que vamos entrar (apoiados). Eu não creio que o governo ali mandasse praticar um similhante attentado contra a lei; mas sei que deixou impune; sei que o tolerou; sei que o ainda agora se recusa a dar contas por elle ao parlamento!

Sr. presidente que fez o governo? tres mezes se passaram sem uma só providencia, e a auctoridade tripudiando e fazendo communicados como de um campo de combate, nem a phrase já era outra, senão vencidos e vencedores! E é assim que se administra, e que o governo conserva por mezes um districto inteiro!

Não me importa com os individuos que nem conheço, importa-me com o funccionario que não deve ser de uma parcialidade, mas sim de todo o paiz (apoiados). Mas note a camara mais esta circumstancia, diz-se: não eram votantes; se não eram votantes n'aquella assembléa eram votantes para a mesma municipalidade.

O sr. Julio do Carvalhal: — Mas n'outra assembléa.

O Orador: — Pois o illustre deputado partilha aquella doutrina?! Pois ha lei que vede a entrada das assembléas a qualquer cidadão?! (Apoiados.) Para onde vamos? Que lei nos rege? Estamos em governo constitucional ou nas demasias da revolução, ou nos excessos do despotismo?! (Apoiados.) Em virtude de que lei? Em virtude de que principio se praticou um acto d'aquella ordem? Como o puniu o governo, que providencias tomou para que n'uma futura eleição se não dêem em larga escala esses mesmos factos? Quando o parlamento passar por cima de tudo isto, quando o adiar indefinidamente, as auctoridades administrativas hão de dizer: «A unica cousa que é necessaria é vencer as eleições e nada maia»; fóra d'isto não ha administração, as leis são uma inutilidade; nem já chegam a ser um embaraço! (Apoiados).

Sr. presidente, o governo deu uma triste direcção a esta questão desde o seu principio, agora as consequencias não podem ser boas. Esta questão devia ter sido considerada como uma questão de liberdade, em que igualmente interessa maioria e opposição; era uma questão de todo o paiz; e seria um bello exemplo ver reunidos todos os membros d'esta casa, para darem um grande exemplo de respeito pelo livre exercicio do principio em nome do qual aqui nos achámos! Se o governo tivesse condemnado aquelles factos, se os tivesse punido, apresentar-se-ia de cabeça levantada diante do parlamento, e diria: «Houve, é certo, excessos, não os tolerei, puni-os, cumpri a lei (apoiados). O governo, alem da consciencia de ter cumprido com o seu dever, unica satisfação do homem publico, teria ganho em força constitucional, quanto até agora tem perdido.

Sr. presidente, quando assim se pratica, quando assim se põem em execução violencias, e se escarnece da santidade das leis, citando em apoio de taes actos leis que não existem, que nunca existiram, que o senso commum repelle; e quando se nos diz com orgulho: «Nós, os progressistas, vencemos assim as eleições», descrê-se das cousas e dos homens! (Apoiados.)

Um illustre deputado, que foi aggressivo com este lado da camara, como não o faziam esperar os seus precedentes na tribuna, e a consideração e imparcialidade com que a opposição mais de uma vez lhe havia feito justiça, disse-nos aqui: «Res non verba», e isto para que acabassem os largos debates. Mas res non verba, digo eu agora, não para, por uma aberração de principios, querer coarctar as franquias da tribuna; mas para protestar contra esta sophismação dos termos, contra estes appellos ás tradições do partido progressista, quando se põe em pratica a mais desenfreada reacção (apoiados).

Protesto contra similhante abuso de palavras de que muito f e tem vivido entre nós. Res non verba, sim; acatamento pela lei, franquias á liberdade, respeito do direito de todos, mas não a reacção e a violencia encoberta com o nome de progresso. Eis o que eu entendo pelo res non verba de que se nos quiz fallar! Eis-aqui no que o desejo applicado.

Não faço offensa ao illustre deputado que me precedeu na tribuna, que eu julgo muito superior aos actos praticados em Villa Real. Estou certo.

Mas não posso eu crer que o illustre deputado nas suas palavras, na sua infeliz designação de partido progressista, dada a quem praticou os factos de Villa Real, quizesse pôr em duvida os sentimentos do partido que hoje milita na opposição. O illustre deputado por mais de uma vez teve a inteira confiança d'esse partido, exercendo, quando elle era poder, cargos de confiança politica; não julgava então de certo que só dos seus contrarios estivesse o progresso, não fazia essa injustiça aos seus amigos politicos de então.

Sr. presidente, cuidemos mais das cousas e deixemos as palavras; acatemos os principios e não nos julguemos auctorisados a despresa-los á sombra de nomes pomposos, que só valem quando representam uma realidade.

Quero a liberdade de facto, quero o respeito das leis, e pouco me importa das denominações. Que importam essas denominações, esses epítetos com que se quizer designar uma ou outra parcialidade, quando os factos desmentirem a idéa fundamental? (Apoiados.) Que importa isso tudo senão o abatimento e a sophismação dos principios!

Por se prohibir a concorrencia de individuos não eleitores ás assembléas preparatorias no paiz vizinho, o partido progressista ali absteve-se da uma. Vozes: — É verdade.

O Orador: — Deu um grande exemplo da dignidade politica, e o ministerio não ficou mais forte pela falta d'aquelle poderoso concorrente; obteve, é certo, uma grande maioria; mas essa só lhe serviu para não o deixar ver o precipicio em que se ía despenhar e em que se despenhou!

Mas esse acto de violencia contra o qual ali protestou o partido avançado, não o esperava eu ver defendido em nome do partido progressista no seio do parlamento do meu paiz (apoiados).

Sr. presidente, até onde vae a responsabilidade do gabinete, até onde ella chega, não se julga na minha moção, porque eu quiz antes estabelecer um principio e o reconhecimento d'elle pela camara. Não fui mais longe, estabeleci um principio que a camara deve sustentar; appliquei-o aos factos evidenciados perante a camara em vista dos documentos produzidos; a questão da responsabilidade do governo não se contém na minha moção; era esta mais uma rasão para que ella podesse ser abraçada pelo parlamento todo, porque não ficava prejudicado o principio politico (apoiados). Até onde vae essa responsabilidade nem eu nem os meus amigos politicos quizemos determinar, sem que primeiro explicações categoricas fossem dadas por parte do governo. A minha proposta não foi mais longe, ficou muito áquem do que se praticou na outra casa do parlamento (apoiados). Eu aguardava as explicações do governo e não exigia mais; ali foi-se mais longe, e nomeou-se uma commissão para conhecer d'essa responsabilidade. Mas se a outra casa do parlamento preferiu este meio de exame, á camara dos deputados não pôde ser reparado lançar agora mão do mesmo meio. Ambas as camaras têem de conhecer da responsabilidade governamental, é logico que ambas se uniformisem na escolha dos meios; é por isso que repetirei aqui a moção apresentada na outra casa do parlamento, para que seja tambem nomeada uma commissão de exame que conheça da responsabilidade do governo por aquelles factos, que a camara deve condemnar e deplorar.

Condemne a camara desde já os factos attentatorios da liberdade, pronuncie-se pela sustentação de um grande principio sobre que não pôde haver hesitação, e deixe a indagação da responsabilidade do governo ao exame detido de uma commissão especial.

A camara não pôde ter duvida sobre os principios fundamentaes do systema representativo, e quando os vir offendidos, o seu dever é sustenta-los immediatamente (apoiados). A questão da responsabilidade pôde ficar para mais tarde se sobre ella restarem duvidas, mas a questão dos principios essa não pôde logicamente ficar sem reconhecimento. Se a camara o não quizer fazer, fa lo de certo o para e julgar-nos-ha depois! (Apoiados.)

Sr. presidente, eu vou concluir, e vou concluir dando, segundo o meu modo de pensar, a rasão politica de quanto ha muito tempo infelizmente presenciámos na região do poder. Toda essa anarchia no poder a que ahi assistimos é o resultado do systema politico em que infelizmente está lançado o paiz; não é o governo do paiz pelo paiz, é sim o governo do paiz por uma parcialidade politica. Esta é a expressão do nosso estado actual. O governo subiu ao poder em nome da omnipotencia partidaria, e esta omnipotencia partidaria conduziu ao poder descripcionario do executivo: o executivo pôde tudo, eis o programma dos partidos extremos quando conquistam o poder. O governo passa a ser o estado, e o estado torna-se o executivo! Mas se o executivo pôde tudo em relação aos outros poderes e á massa geral do paiz, não succede assim em relação á parcialidade que o sustenta e que elle unicamente representa; essa assoberba-o, domina o e torna-o não o governo do paiz, mas o governo de um partido. Tal é a triste realidade entre nós.

A sujeição do gabinete á desmesurada influencia partidaria tem lançado o paiz, sr. presidente, n'um deploravel systema de politica extrema de paixões, de resistencias e de exclusivismo (apoiados), systema errado e que unicamente serve para substituir a luta systematica das parcialidades á franca e elevada concorrencia dos partidarios, verdadeira indole do systema representativo! Mas o systema representativo não é aquella luta, é sim esta elevada concorrencia, é o concurso de todos sobre as bases da igualdade, da liberdade e da ordem (apoiados).

Sr. presidente, esta tendencia que Duvergier de Hauranne lamentava no governo da França em 1847, é a que eu deploro porque a vejo largamente realisada no meu paiz! E é o profundo convencimento de que este systema é sempre fatal no governo dos povos, que me leva a dizer d'este logar ao paiz, como penso e quaes são os meus tristes presentimentos! Doloroso dever que a minha posição me obriga a cumprir.

Portugal, sr. presidente, já era outras epochas marchou por esta triste senda; os poderes publicos desprezaram então todas as advertencias, cegos com o poder do numero, mas os resultados que se colheram sabem todos quanto foram tristes (apoiados).

Quando, sr. presidente, uma similhante tendencia estava esquecida, voltou se a ella de novo; os resultados já todos os dias se vão colhendo! Attenda o paiz o caminho em que o têem lançado, preveja com madureza as suas consequencias, e compenetrado do seu direito, opponha toda a resistencia legal á torrente que o quer arrebatar! (Apoiados.) Termino aqui as minhas reflexões sobre este assumpto. Mas direi duas palavras sobre um outro objecto.

Ouvi fallar nas eleições de 1860; direi tão sómente que não as posso nem devo discutir agora, mas que essas eleições feitas pela lei eleitoral mais liberal que temos tido, foram as eleições mais livres que se têem feito no nosso paiz (apoiados).

Eu tambem antes de entrar n'este debate li os pareceres das commissões do verificação de poderes e documentos apresentados n'aquella epocha ácerca das eleições que então foram disputadas. Houve, como ha sempre, eleições agitadas, guerreadas; mas na maior parte das arguições que foram feitas, os deputados que as fizeram disseram: «Nós não temos documentos, não temos provas». É possivel que houvesse abusos: o, systema eleitoral está muito longe ainda da sua perfeição, nem sei se a chegará a attingir; mas o que é facto, o que é verdade, é que não ha acto algum que se possa assimilhar nem de longo aos que se praticaram agora a proposito de uma eleição camararia em um districto inteiro.

Fallou se aqui da eleição no circulo da Povoa de Varzim. Provoco todos os homens que queiram entrar n'esta questão despidos de prevenção, e no desejo de fazer justiça, que examinem os documentos então apresentados, que examinem o que então disse o nosso collega, cujo caracter elevado todos respeitámos, e que tomou a defeza d'aquella eleição, e verão como elle mostrou clara e evidentemente que nenhumas violencias por parte da auctoridade foram feitas n'aquella occasião (apoiados). Só depois de tres dias de perturbações que fizeram suspender os trabalhos eleitoraes é que foi requisitada força da cidade do Porto, mas essa força ficou em Villa do Conde, tres quartos ou quasi uma legua de distancia da Povoa de Varzim (apoiados). O que se passou ali não se pôde comparar com o que se acaba de passar no districto de Villa Real a proposito de umas eleições camararias (apoiados). Ali manteve se a liberdade da uma, aqui violou-te com ostentação!

Sr. presidente, os homens que se sentam n'este lado da camara têem a convicção de que sem receio de justas recriminações podem arguir com toda a força das suas convicções os deploraveis successos que ahi ficam expostos ao paiz!

Nada mais tenho a dizer.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)