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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso que devia ser transcripto a pag. 524, col. 3.ª, lin. 23. do Diario de Lisboa, na sessão de 22 de fevereiro

O sr. Mártens Ferrão: — Não é sem admiração minha que vou continuar no uso da palavra n'uma questão toda ella de alta responsabilidade ministerial, na ausencia do governo! (Apoiados.) Não são estas as boas praticas do systema representativo; não são estes os precedentes, e as tradições d'esta casa! E o dever do governo era acatar essas tradições, era respeitar esses precedentes, era mais do que tudo, cumprir com o dever de governo constitucional, apresentando-se no parlamento quando n'elle se discutem as questões de alto interesse publico e de alta responsabilidade ministerial! (Apoiados.)

Não é a mim, que sou deputado da minoria, que compete dar remedio a factos d'estes, que se repetem todos os dias com assombro e com não menor sentimento meu; porque desejaria, fossem quaesquer que fossem as rasões de separação que eu tivesse do gabinete, desejaria, digo, que o governo do meu paiz, n'esta ordem de principios não faltasse ao cumprimento dos deveres constitucionaes para com o parlamento, mostrando-se superior a elle, demonstrando que a sua acção lhe é importuna, tendo-o em menos conta! (Apoiados.) Infeliz preoccupação, sr. presidente, que tão duramente tem sido expiada pelos governos que se têem lançado n'essa senda!

Não é novo, sr. presidente, nesta casa suspenderem-se as discussões até que esteja presente, o governo. E uma antiga pratica, usada mesmo quando não havia n'esta casa senão uma pequena opposição. Essa pratica perdeu-se e os negocios publicos são assim tratados á revelia e com o abandono do poder (apoiados). Não me incumbe a mim, mais do que registar o facto, com tanta mais energia, quanta reconheço bem que d'aqui fallo não sómente á camara, mas ao meu paiz. Eu registo o facto e o paiz que nos julga superiormente, fará a justiça devida á maneira por que os negocios de liberdade são abandonados pelos poderes publicos.

Declaro a v. ex.ª que não me considero á minha vontade, tendo de referir-me a questões de alta responsabilidade do governo na ausencia dos srs. ministros! Não é que eu tenha de dirigir ataques pessoaes a ss. ex.as, porque nunca o fiz nem espero faze-lo, sei que sem isso mais convenientemente se discutem os negocios do paiz. Mas é pelo principio do governo em si, que não é d'este ou d'aquelle ministerio, mas sim do estado, e que exigindo a discussão, não exime d'ella os representantes do poder.

Mas para que gastar tempo na expressão d'estes sentimentos, se tudo é inutil, se tudo é perdido!

Ponho de parte este incidente. O paiz o julgará!

Sr. presidente, na ultima sessão disse eu - que vinha levantar n'esta casa uma questão de liberdade constitucional; que vinha pedir a responsabilidade do governo o exigir d'elle que dissesse ao parlamento quaes eram os meios por que entendia dever pôr termo a uma questão tão gravo e tão importante, como aquella que se está agitando. Hoje continuo desenvolvendo esta mesma idéa.

E uma questão de liberdade constitucional aquella que se discute; é uma questão de liberdade politica, conquista a mais importante do systema representativo. É por isso uma das questões mais graves que pôde ser trazida ao seio do parlamento, e que elle deve apreciar completamente despreoccupado.

A questão afigura-se ao meu espirito como resumida no quadro que vou apresentar á camara.

De tudo quanto tem sido apresentado, de todas as reflexões que têem sido feitas, de toda a serie de documentos que foram mandados para a mesa e que estão publicados na folha official, de tudo quanto o paiz sabe e a imprensa tem registado, eu concluo que a questão deve considerar-se debaixo de tres pontos de vista.

Eu vejo actos administrativos, puramente administrativos, tumultuarios e offensivos das leis, praticados pela auctoridade superior do districto, completamente comprovados, porque constam dos proprios registos da administração, e cuja doutrina reaccionaria e absurda uma camara liberal deveria condemnar por acclamação! Isto para mim constitue um corpo separado e distincto que logo hei de apreciar, para d'elle tirar as consequencias que necessariamente se devem tirar em face do parlamento.

Vejo actos tumultuarios praticados junto da uma quando os cidadãos eram chamados a exercer o suffragio popular.

E vejo em relação a estes dois pontos, a questão de responsabilidade governamental, questão grave e importante; questão que eu necessitaria apreciar detidamente depois das explicações que entendo o gabinete deve dar ao paiz (apoiados).

A defeza já foi tambem esboçada, mas a que até agora tem sido produzida, na minha opinião, é contradictoria.

A primeira serie de factos a que me referi, foram julgados pelo illustre deputado que me precedeu na tribuna, como não sendo da competencia do parlamento. Entendeu-se que todos os factos da administração que envolveram as suspeições e as devassas politicas; a organisação illegal de uma commissão municipal; e a constituição tumultuaria de um tribunal administrativo, estavam vedadas á discussão parlamentar! E porque? Porque sobre a questão das eleições municipaes pendem recursos no conselho d'estado!

Por outro lado, os factos attentatorios da liberdade praticados junto á urna, foram confessados quasi todos pelo illustre deputado (apoiados); e pelos documentos que apresentou, pelas correspondencias a que deu inteiro credito, se mostra a quem a responsabilidade d'elles deve pertencer! (Apoiados.)

Os elogios feitos á auctoridade administrativa, para mim não servem de cousa alguma em face do parlamento, que não trata de elogios gratuitos, mas sim da apreciação dos actos de responsabilidade da administração. E quando esses actos estão patentes, quando elles estão completamente comprovados, quaesquer documentos gratuitos perdem de força, ou sejam contrarios ou sejam favoraveis ao funccionario. Temos documentos positivos e evidentes; é sobre elles que o parlamento tem de fazer o seu juizo e não sobre documentos gratuitos, que não podem destruir a força e a evidencia dos factos confessados pelas proprias auctoridades.

Por outra parte o illustre deputado, o sr. Guilhermino de Barros, que encetou este debate antes da ordem do dia, no mesmo dia em que elle depois foi aberto, não seguiu este caminho e ensaiou a demonstração dá legalidade dos actos praticados pela auctoridade superior do districto, era vista da portaria de 14 de agosto de 1840!

Mas ainda ha mais na defeza.

Ha o testemunho da propria auctoridade superior n'essa acta celebre e unica nos annaes da administração (apoiados) que está publicada na folha official, declarando ahi quaes foram os principios em que entendeu poder basear o seu modo de proceder, e entendendo que elle era auctorisado pelo artigo 234.° do codigo administrativo, que permitte ás auctoridades superiores dos districtos tomarem providencias extraordinarias nos casos omissos ou urgentes, dando immediatamente conta ao governo.

É, sr. presidente, em virtude d'esse artigo, modesto do certo na mente do legislador, e na indole do codigo e do direito administrativo, que aquelle funccionario superior do districto se julgou investido dos plenos poderes dictatoriaes para salvar o districto entregue aos seus cuidados, e assumiu assim a dictadura suprema, não em casos omissos e urgentes, mas contra as leis do estado e contra os principios sagrados do direito constitucional. Suprema salvação do estado que levou aquelle funccionario a abrir as syndicancias ou devassas juradas, para saber quaes eram as pessoas que mais influiam nas eleições; syndicancias que, se fossem exactas, dir-lhe-iam que eram os administradores dos concelhos os que mais haviam influido. Suprema salvação do estado, que se traduziu nas suspeições politicas contra os membros do tribunal administrativo; na organisação tumultuaria e intrusa d'esse tribunal; na arbitrariedade com que foram apresentadas umas excepções e outras não, a capricho da auctoridade do districto; e com que foi derogado o artigo 108.° do codigo administrativo na constituição da commissão municipal em Alijó; sendo nomeados para ella individuos que o não podiam ser, provavelmente porque aquelle artigo não foi julgado á altura das circumstancias extraordinarias que aquelle chefe de districto houve por bem assumir! - Mas tantas leis rasgadas, tantos principios desprezados e postos de parte; ia constituição esquecida, tudo isso ficou dependente da immediata conta ao governo e da sua approvação. Ao menos então ainda não tinha lembrado proclamar a incompetencia do governo para conhecer d'aquella resolução administrativa, para d'ahi mais tarde se chegar á desejada incompetencia parlamentar! O governador civil não pensou n'esta sophismação de defeza, e declara ahi n'esse documento a completa sujeição de tudo quanto havia feito á immediata approvação do governo!

Eis aqui como a defeza é tão tumultuaria e tão contradictoria, como foram os actos irregulares e attentatorios das leis, actos que eu combato, e que com assombro vi defender no parlamento de um paiz livre! Defeza tumultuaria e contradictoria, digo, que tende a negar ao parlamento a competencia para conhecer dos actos que violaram directamente a lei, o que offenderam os principios constitucionaes era que assenta o systema representativo. Eis-aqui o complexo e o resumo da defeza: por uma parte incompetencia para pedir a responsabilidade pelos abusos da lei; por outra parte reconhecimento d'essa competencia, e defeza das offensas da lei, e dos ataques ao principio da liberdade politica porque ha uma portaria de 1840! Portaria innocente que não tratou d'esta materia, mas que, quando tivesse tratado, seria o mesmo que se não o tivesse feito, porque não derogaria ella a lei fundamental do estado! E por outro lado ainda, não a negação da competencia, não a justificação dos factos, julgando-os legaes; mas sim a sua defeza como actos dictatoriaes e de suprema salvação do estado, para não se perderem as eleições municipaes de um concelho! Mas actos dependentes da suprema approvação e responsabilidade do governo.

Todo este apparato contradictorio de defeza era necessario para introduzir nas nossas praticas constitucionaes a lei dos suspeitos, que até agora só tinha a sua historia nos excessos da revolução ou nos abusos do absolutismo (apoiados), mas que passou agora a ser a norma de um bom regimen de administração.

Levada a questão a esta altura, pretende-se afinal adiar tudo até que sejam mandados documentos á camara, como se não estivessem ahi os documentos e as provas exuberantes de todos os factos praticados; documentos completos que certificam a verdade des factos; documentos authenticos extrahidos dos proprios registos officiaes da auctoridade administrativa (apoiados).

Sr. presidente, é tarde para adiar (apoiados); em face de um parlamento não se afasta uma questão de liberdade! (Apoiados.) Era frente de um paiz livre quem ha que possa adiar uma questão de liberdade (muitos apoiados), quando tem havido factos claramente provados, manifestamente demonstrados, pelos quaes foi offendido o direito politico mais importante dos cidadãos — o direito de votar?

Sr. presidente, quando se conhecem estes factos, quando são conhecidos de todo o paiz, quando a imprensa se tem occupado largamente d'elles, quando foram presenciados por um districto inteiro, querer forra-los á discussão, é não comprehender a indole do systema representativo, que se baseia todo na publicidade, na discussão e na responsabilidade!

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Mas, responsabilidade, disse eu!... Onde está a responsabilidade constitucional?... Olho para aquelles logares e vejo a completa ausencia de governo! (Apoiados.) Não ha governo, esta é que é a alta apreciação moral do facto! (Apoiados.)

Tratar-se uma questão d'esta ordem na ausencia completa do gabinete, sem que elle responda no parlamento, é o summo desprezo do systema representativo! Nós que o presenciámos, que o vemos que o sanccionámos, eu não que o combato, mas a maioria que o sancciona, sinto dizer lh'o, não transmitte aos seus successores intacto e illeso o legado constitucional que recebeu! (Apoiados.)

A questão das eleições de Villa Real tinha de discutir-se, não podia deixar de ser discutida (apoiados). Pode o parlamento a pretexto de qualquer circumstancia tentar po-la de parto, porque é esse o poder do voto; mas a questão em toda a sua altura discute-se n'um parlamento mais vasto; discute-se perante o paiz; que não se averba de incompetente, e que nos ha de julgar, a nós superiormente! Discute-se perante esse grande tribunal que não julga por paixões, e que faz justiçados homens e ás cousas; e que decido a final da suprema sorte dos estudos!

E perante o paiz que ella se discute como um grande attentado contra a liberdade, e que deve por isso ver ali qual é o systema futuro que tem a esperar em uma proxima eleição geral, quando foi este o primeiro ensaio (apoiados). A maneira por que esses factos foram recebidos pela auctoridade central, o governo; a sua tolerancia que se resolve em approvação; a impunidade e irresponsabilidade por todos elles, são considerações que me auctorisam a dizer d'esta tribuna ao paiz, que attenda e veja qual é o systema que se lhe prepara para quando proximamente tiver do recorrer á urna, para mandaria esta casa os seus legitimos representantes (apoiados).

E tarde para deixar de se discutir esta materia, é tarde porque está já na téla da discussão de todo o paiz; é tarde porque ella interessa a todos os animos, ai todos aquelles que desejam ver acatados os principios fundamentaes do systema representativo (apoiados) e que entendem que é uma condição indispensavel para o bem estar da nação, a sustentação dos principios da liberdade e da ordem, em que este systema assenta (apoiados):

É desprezando os deveres da administração publica, é sophismando-os, é sanccionando ou defendendo assim actos subversivos das leis e dos principios que a historia tem sempre feito ver que as situações, os gabinetes e as maiorias se gastam perante a opinião do paiz! Não basta ter votos, é necessario que os votos sejam a expressão dos principios (apoiados da maioria); é indispensavel, que o sejam a expressão dos principios ninguem dirá que é o abandono das questões constitucionaes, que é a recusa tenaz do governo a responder e explicar os seus actos, em vez de vir aqui primeiro que ninguem protestar pela manutenção das leis e pela defeza dos grandes principios que estão, confiados á sua guarda! (Apoiados.)

É assim que os parlamentos se gastam; é assim que as situações decaem, é assim, que os votos, não expressando um verdadeiro valor moral, unico em que assentam os governos constitucionaes, não servem de mais do que de uma triste illusão para encobrir o precipicio em que te vão despenhar! (Apoiados.)

Dizia para os seus amigos no parlamento francez o chefe de uma situação; e dizia-o de maneira que os contrarios o ouvissem =- a questão é de votos; vereis como votam! = E teve votos, e teve maioria. A theoria pareceu sorrir no primeiro momento a quem assim a applicava; pouco depois aquelle ministro experimentava duramente os effeitos da sua falsa e errada theoria (apoiados), e com elle soffria-os uma situação inteira. Erros d'estes têem sempre tido uma larga e dura expiação.

(Entrou na sala o sr. ministro das obras publicas.)

Folgo de ver entrar na camara um membro do gabinete, e folgo de ver que -se apresenta para ao menos salvar a honra dos principios, e não se discutir uma questão de responsabilidade politica na ausencia completa, do governo (apoiados). Mas não deixo de notar esta maneira celebre, unica talvez, de se succederem cada dia um dos ministros, como se todas as repartições tivessem de responder pelos factos que são especiaes de uma só repartição. Um dia apparece o sr. ministro da fazenda, outro dia o sr. ministro das obras publicas, outro o sr. ministro da guerra, outro o sr. ministro da justiça a assistirem a um debate de liberdade eleitoral, a um debate de decoro constitucional, a um debate em que pela primeira vez serviu arvoradas em principio as syndicancias politicas, para afastar do cumprimento dos seus deveres junto dos tribunaes os homens que ali eram chamados pela lei (apoiados). Só não apparece o ministro da repartição competente!...

Mas dizia eu — no fim da sessão de 1847 subia á tribuna no parlamento francez, um dos homens mais distinctos que então faziam parte do corpo legislativo, e dizia com placidez: «Eu venho fazer a oração funebre da situação!» Não faltava á situação de 1847, no parlamento francez, uma grande maioria, era a maioria mais consideravel que tinha tido a monarchia do julho havia dezesete annos; não lhe faltavam votos, não lhe faltavam adhesões; mas a despeito da respeitabilidade e importancia dos membros d'aquelle governo, escasseava lhe a força moral, faltava-lhe a opinião no paiz, e sabem todos que lêem lido a historia d'aquella epocha, que a situação de 1847 teria caído constitucionalmente ainda quando a revolução de fevereiro de 1848 não tivesse vindo abalar pela base os fundamentos da França!

A revolução de fevereiro aproveitou o ensejo, não o creou.

Aquella situação estava minada, cairia parlamentarmente se não tivesse caído nas ruas de Paris. E porque? Porque estava gasta; muitos abusos se haviam commettido, e a consideração dos homens não era sufficiente para cobrir os erros do governo. É sempre assim a historia! Os desvios pôr que têem passado os povos nos governos livres, têem sempre sido precedidos do desprezo systematico dos principios; da quebra das idéas; do rebaixamento do nivel moral no paiz, o peior mal que pôde ferir uma nação! E porque? Porque quando um similhante estado invade os conselhos do governo, desapparecem os principios, unicos que são grandes em frente e um povo, e ficam só as individualidades sempre pequenas seja qual for o brilho do que a sociedade as tenha revestido! (Apoiados.)

E tempo o parlamento reconhecêra grande responsabilidade em que incorre assistindo impassivel a esta successiva quebra dos principios, a esta irresponsabilidade generalisada por toda a parte, e que desce até ás ultimas camadas!

O paiz mandou-nos aqui, sr. presidente, para vigiar pela observancia das leis, para manter o decoro constitucional, para guardar illeso o deposito da liberdade. Não nos mandou para vermos ferida a liberdade constitucional, substituida pelas devassas e pelas suspeições politicas, o pela defeza ao publico das assembléas eleitoraes; e sancciona-lo; ou afastarmos d'elle os olhos. Não foi para ver o tumulto nos tribunaes administrativos e sancciona-lo; o tumulto junto da uma, e a eleição tornada um campo de batalha, e sancciona lo; não foi para ver a irresponsabilidade lançada n'uma vasta área, espalhada em todo o paiz, e approva-la; a responsabilidade, sr. presidente, que é a primeira sancção da liberdade, na phrase de um grande escriptor, o sr. Julio Simon. Não foi para isto que nós todos recebemos o mandato popular; não foi para ver elevar dos bancos do governo a irresponsabilidade á cathegoria de dogma politico (apoiados), apresenta la sempre e em tudo, quebrados assim os laços em que assenta o systema representativo. Systema essencialmente de responsabilidade, systema de representação de todos, systema em que tudo se funda, em que tudo se liga o em que tudo se uniformiza debaixo do grande principio politico que nenhum poder pôde tudo, mas que todos respondem até á ultima camada por todos os actos que d'elles dimanam.

Tome a maioria, se quer, a responsabilidade d'este abatimento moral, que eu protesto d'este logar, em face do meu paiz, contra esta triste decadencia de principios (apoiados). Não quero a responsabilidade que tarde ou cedo ha de vir a cair sobre os homens publicos que, com o seu voto, tiverem sanccionado esta invasão do poder em toda a esphera de liberdade (apoiados).

Mas o que é o adiamento em toda esta questão? Vou dize lo. Antes porém ide fallar no adiamento, direi como homem publico, e em cumprimento do meu dever, como vejo e como entendo; que questões d'esta ordem deveriam ter sido tratadas. Para mim é um grande erro de administração lançar a luta politica no seio da municipalidade (apoiados). As municipalidades são corpos de administração, e o dever dos poderes publicos é fazer com que elles senão desvairem do campo da administração lançar e vão para o campo politico, que prende com compromissos impossiveis de satisfazer o que prejudicam consideravelmente a administração.

Para mim é um erro lançar as eleições municipaes para o campo politico; é dever do governo oppor-se e empregar todas as diligencias para que ellas se não desvairem e vão para esse campo. Mas o que vimos nós? Foi que muito antes das eleições já a ordem politica estava ali; porque a eleição municipal era toda politica da parte do chefe do districto; não sei se tambem da parte dos seus contendores, mas ao governo cumpria evitar esse encontro; e nada mais facil de prevenir a tempo.

A dissolução da camara municipal do Alijó, a constituição illegal e tumultuaria de um conselho de districto, convocado illegalmente, porque foram chamados individuos que não podiam concorrer ali senão na falta ou impedimento legal dos effectivos, falta que não se dava; e tudo feito sob responsabilidade do chefe do districto, unico que se apresentou a levantar pela primeira vez o principio das suspeições politicas. Eis-aqui a tendencia errada; tendencia dada a esta questão grave não só n'aquelle districto, mas em todo o paiz.

A minha opinião é Contra esse systema de elevar á esphera politica, de misturar e envolver n'ella os corpos que são e devem ser essencialmente corpos de administração. O principio municipal é muito importante, o principio municipal tem uma respeitavel tradição historica que os poderes devem acatar. Foi ali que se abrigou a liberdade nas epochas era que a liberdade politica perecia pelas invasões do poder central! (Apoiados.)

Quando a liberdade politica deixou de existir na ordem central dos governos, foi abrigar-se no elemento municipal e tanto bastaria para respeitar a independencia d'esta instituição de seculos, quando mil outras rasões de ordem publica não convergissem no mesmo sentido.

E minha opinião que nós fazemos mais politica do que administração (apoiados); e esta tendencia é prejudicial. Todos os paizes têem politica, todas as situações a têem e devêra ter; a politica começa com a vidados povos, desenvolve-se e cresce coma civilisação, mas o excesso d'ella é altamente prejudicial ao principio administrativo, que de ordinario lhe é sacrificado.

Não se eleva, nem se pôde elevar o governo que a introduzir nos corpos municipaes; e nós temos tristes exemplos d'isto na nossa historia contemporanea. A tendencia para centralisar tudo na politica é sempre fatal, e o exemplo de seculos de um grande paiz devia ternos convencido da proficuidade do systema opposto.

Mas, uma vez que os factos infelizmente se praticaram, eu pensei sempre que o governo se elevasse á altura da sua missão, e, desprendido da pressão partidaria, porque não é governo só de unia parcialidade, é governo de todo o paiz, não representa só um elemento politico, representa todo o grande corpo da nação (apoiados), tivesse acabado com esta questão, collocando n'aquella localidade uma auctoridade superior a todas as suspeitas, que acabasse Com os odios ia restituísse a paz a um districto inteiro, que a não tem.

É minha convicção que é governo, se tivesse, procedido assim, tinha ganho politicamente muito mais do que sujeitando-se á pressão que um partido politico exerce sobre elle. Similhantes pressões já não podem ser admittidas; abate-se o poder que se lhe curva. O governo tinha ganho muito mais em conciliar os animos n'um districto inteiro, em não deixar que a agitação crescesse ali é crescesse successivamente. Todos sabemos os grandes inconvenientes, Os embaraços, os males a que são arrastados os povos pela tenacidade dos governos em os opprimir e contrariar sem rasão. E quando sobre isto vem o desprezo dos queixumes, quem pôde calcular até onde pôde chegar a irritação! (Apoiados.) Eis todo o grande erro. Mas entremos no adiamento. O adiamento!

Mas o que é o adiamento de uma questão de liberdade eleitoral apresentado perante a camara? O que é á adiamento depois de se terem passado ha tres mezes os factos a que elle se refere, com uma grande publicidade} tendo-se apoderado d'elles a imprensa de todo o paiz tendo-se discutido largamente; tendo vindo deputações depositar nas mãos do augusto chefe do estado as suas queixas de offendidos Contra as violencias que lhe haviam sido feitas?! O que é o adiamento depois que, tendo-se por tanto tempo pedido ao governo os esclarecimentos que se julgaram necessarios, o governo fugiu a da-los até que se obtiveram por outros meios e foram apresentados á face dá camara?! O adiamento é o receio da discussão, é a impossibilidade de a sustentar (apoiados).

Eis-aqui que significa o adiamento nos termos em que está posto. E afastar da téla da discussão uma questão de liberdade e de segurança constitucional, cousa impossivel nas boas praticas do systema representativo.

Para mim, sr. presidente, o adiamento tem uma grande importancia politica. Sabe v. ex.ª qual é? É que elle é o testemunho, a prova insuspeita de que esta questão é completamente insustentavel por parte da auctoridade (apoiados), n -

Pois quando se tem rasão, quando se tem procedido conformemente cora-os principios, ha governo algum n'um para em que vigore o systema da publicidade, que lucre em adiar questões d'esta ordem? Não ha. Lucra-se em as discutir, lucra-se em se mostrar a maneira legal e conveniente por que se procedeu.

São estes os principios que, estou certo, todos reconhecem dentro d'esta casa, embora nem todos os confessem.

Mas é notavel como é por parte da administração que successivamente se tem vindo apresentar a condemnação da maior parte dos actos da sua gerencia! Não ha ainda muito que, provocado o gabinete para sé explicar ácerca da grave e importante questão de finança que n'esta casa se agitou, e para declarar qual a responsabilidade que tomava nos factos extraordinariamente irregulares que se haviam dado por parte do gabinete, um dos seus membros subiu á tribuna expressamente para fazer sentir até onde ia a responsabilidade de todo o gabinete n'esta questão; e o que fez?... Foi condemnar esses actos! (Apoiados.)

Pois o que fez n'essa occasião o nobre ministro da marinha senão rasgar os compromissos tomados pelo sr ministro da fazenda, o declarar que não tinham valor, quando elles eram completamente obrigatorios para o ministro que os havia tomado!

Eram obrigatorios, porque eram actos dimanados do governo, promessas formaes aceitas, que para qualquer particular mesmo seriam obrigatorias á face das leis do para, que n'aquelles assumptos sanccionam as obrigações consignadas em cartas; e quanto mais para o governo, que se obriga sempre por todos os seus actos officiaes!!

Mas o que o nobre ministro da marinha fez em nome do governo, foi afastar para bem longe a sua responsabilidade (apoiados).

E em referencia aos outros factos sobre que tinha versado quasi todo o debate, não viu a camara que aquelle membro do gabinete não disse nem uma unica palavra, concluindo com estas notaveis phrases: «Creio que tenho respondido á quanto se tem apresentado n'esta questão»!... Esquecimento de certo calculado para não tomar a responsabilidade dos actos que realmente reprovava!

Á face do parlamento de um paiz livre uma manifestação d'esta ordem foi a prova evidente de que o ministro subindo á tribuna quiz afastar a sua responsabilidade moral e a d'aquelles em nome de quem ali subia, de certo pára qualquer eventualidade politica. Foi a condemnação pelo proprio gabinete (apoiados) dos seus actos (apoiados). Não foi outra cousa, nem podia ninguem entende-lo de outra maneira (apoiados). Hoje acontece o mesmo; hoje, n'uma questão assim grave, n'uma questão em que os factos estão evidenciados, n'uma questão em que ha uma série de factos todos elles da responsabilidade directa do chefe do districto e por isso do governo, responsabilidade que resulta não só da natureza dos factos, mas até do artigo da lei a que se socorreram para os praticar, e que manda immediata mente dar conta ao governo; hoje responde-se com o silencio do gabinete, e pretende-se afastar da téla da discussão uma questão em que a auctoridade está tão profundamente com promettida! O que significa isto tudo n'um systema de liberdade e de publicidade, n'um systema de responsabilidade in declinavel? É o desalento para a defeza, é a condemnação dos factos tão tristemente offensivos da liberdade (apoiados).

Eis aqui, sr. presidente, como a administração se julga

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a si mesma; e eis-aqui como devem ser julgadas as administrações que dão tão tristes provas moraes de que ou não lhes importa com a responsabilidade ou não têem forças para a assumir (apoiados).

Mas eu noto, e peço á camara que note, como cada anno da actual administração fica registado por um attentado contra a liberdade (apoiados).

No anno passado nesta epocha discutia se no parlamento, o que? Discutiam-se as deportações para Africa (apoiados). Discutia-se o facto novo e illegal de arrancar aos tribunaes cidadãos portuguezes que nos tribunaes e só ali deviam ser julgados (apoiados), ainda mais; cerceava-se a latitude que tinha tido o acto de clemencia real (apoiados), mandando arbitrariamente um consideravel numero de homens para servirem de adulo aos areiaes da Africa (apoiados). Era no anno passado e n'esta epocha que se registavam no parlamento estes factos, e que se abria assim uma pagina regra na historia do gabinete, porque era um attentado contra a liberdade que se registava! E hoje o que se discute? Discute-se outro attentado, mas contra o principio da liberdade eleitoral (apoiados). Qual é esse attentado? E tudo quando se passou no districto de Villa Real (apoiados), é a violencia e a força junto da uma (apoiados). É a offensa da liberdade legal e politica nas devassas juradas e nas suspeições politicas, quando a liberdade politica é lei do paiz, e está expressamente sanccionada na lei eleitoral de 23 de novembro de 1859, que em materia eleitoral admitte a ampla liberdade de reunião, liberdade de reunião que esta lei não creou de novo porque já resultava da constituição do estado e a pratica a havia sanccionado, mas que firmou por um modo certo contra possiveis e talvez provaveis invasões do poder!

E, Sr. presidente, a exclusão de junto da uma dos homens que pela lei ali têem livre o accesso, e exclusão disse se em nome da lei!... Em nome de que lei?! Em nome de que principio! Em nome talvez da circular Miraflores, que foi ali a reguladora dos actos da auctoridade (apoiados). Para mim o principio eleitoral é a melhor educação constitucional de um povo; mas é mister que esse principio seja respeitado, e que não sirva unicamente para se ver como elle é sophysmado. Todos os parlamentos que se têem occupado destes assumptos têem seguido successivamente no caminho da maior e mais ampla liberdade eleitoral; assim o decreto, com força de lei de 1852, e a lei de 1859. Depois de se ter tanto andado n'este caminho, pareceria que não se quereria voltar para epochas que já passaram, e acretar-se-ía que não se reproduziriam de novo (apoiados); mas foi uma illusão porque se voltou a esse velho e caído systema!

Mas eis-aqui, sr. presidente, o que significava em si o adiamento (apoiados).

E agora perguntarei á camara que valor tem elle, depois do facto que ultimamente se deu na outra casa do parlamento? (Apoiados.) O que significará este adiamento para conhecer dos factos, quando já sobre elles votou o proprio presidente do conselho, condemnando-os (apoiados), quando declarou esses factos illegaes e attentatorios da liberdade da uma? (Apoiados.) Quando unicamente o que se procura conhecer agora é até onde está compromettida a responsabilidade do governo? (Apoiados. — Interrupção). O que está escripto não se sophisma. O poder do numero não é o poder, da intelligencia nem o poder da rasão (apoiados). As consequencias logicas de qualquer acto não dependem do maior ou menor numero de opiniões, dependem da rectidão com as consequencias se deduzem dos principios.

A proposta que foi approvada hontem na camara dos dignos pares não se illude, é a seguinte:

«Proponho que a camara eleja uma commissão composta de sete membros, para inquirir da responsabilidade que cabe ao governo pelos actos illegaes e attentatorios da liberdade da uma, praticados nas ultimas eleições municipaes do districto de Villa Real.»

Esta é que foi a proposta que se votou na outra camara!

Não é uma moção precedida de considerandos (apoiados); é uma moção que marca positiva e exclusivamente o fim para que é proposta a nomeação da commissão, e o fim é inquirir da responsabilidade que o governo poderá ter nos actos illegaes e attentatorios contra a liberdade da uma, praticados no districto de Villa Real por occasião das eleições municipaes (apoiados). Estes são os termos daquella proposta; este foi o valor da votação da camara. E eu sinto, sr. presidente, que não seja possivel ver presente o nobre presidente do conselho! S. ex.ª abandona quasi sempre as discussões da camara dos deputados (apoiados). Pois ellas nos paizes constitucionaes não cedem em importancia politica e em consideração ás sessões da outra camara: é o voto dos eleitos do paiz (Apoiados.)

Respeito o nobre presidente do conselho, como considero todos os membros do gabinete, como considero todos os meus collegas n'esta casa; mas hei de exigir e exigi sempre a responsabilidade igual e sem excepção de todos os membros do gabinete, sobre os actos que a cada um d'elles respeitam, e mais do que a dos outros, a d'aquelle que é o chefe politico do gabinete (apoiados). E este o mau dever constitucional, emquanto aqui tiver um voto não me afastarei d'elle.

Sinto, dizia eu, que não esteja presente o nobre presidente do conselho, porque a responsabilidade de actos d'esta ordem, pesando sobre todo o governo, por isso que é solidario ou deve selo, pésa especialmente sobre quem está á frente da repartição pela qual corre a administração civil, e que é o ministro mais competente para dar as explicações que ao parlamento são devidas. Desejaria vê-lo assistindo a este debate, porque formalmente o provocaria a dizer a sua opinião. E um ministro constitucional não pôde recusar-se a isso! (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, quando eu digo essas palavras, está presente um membro do gabinete, o sr. ministro das obras publicas, que deve ter opinião sobre as questões geraes da governação publica. O dever de um membro de um governo responsavel n'um paiz livre e no seio do parlamento não é o silencio, não é a indifferença, não é o abandono, é sim não consentir que nem um momento sejam postas em duvida as opiniões do gabinete, quando são arguidos e provados factos que offenderam a lei, e que a rasgaram, e que esses factos foram praticados pelos funccionarios do estado, pelos funccionarios de confiança politica! Eu noto o dever parlamentar do ministro da corôa, o desprezo d'esse dever registe o paiz (apoiados).

Eu quereria, sr. presidente, que a reprovação de similhantes factos partisse primeiro que de nenhum outro, do governo do meu paiz (apoiados). Os factos que tenho com batido estão provados, porque todos elles constam dos documentos da auctoridade administrativa (apoiados); estão incontestavelmente provados (apoiados). O dever do governo, o dever de qualquer ministro seria levantar-se e dizer — nem um momento quero que haja duvida sobre as intenções do gabinete na reprovação de actos que tão fundamentalmente ferem o systema representativo! (Apoiados.) Mas isto não se fez nem se faz!

Que responsabilidade tem o governo n'esses factos? Esta seria a explicação a dar pelo ministro respectivo; mas a questão de principios; mas reprovar a doutrina que os offende... para isso todos são ministros respectivos; é esse o de ver do ministro constitucional (apoiados), se não quer que o seu silencio possa ser interpretado como a approvação tacita de factos liberticidas (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — O adiamento é para a prova de factos.

O Orador: — Os factos estão provados, não ha outra prova senão esta, basta a acta authentica dos actos do governador civil, em que se diz o seguinte. Não a lerei toda, leio só um periodo, mas esse é bastante para se fazer um juizo claro.

«... entendêra por isso estar nas suas faculdades, em vista do disposto no artigo 284.° do codigo administrativo...»

Interrompo a leitura para ler este artigo. Diz elle:

«Nos casos omissos e urgentes o governador civil é auctorisado a dar as providencias que as circumstancias exigirem, dando immediatamente conta ao governo.»

«... entendêra por isso (dizia) estar nas suas faculdades, em vista do disposto no artigo 384.º do codigo administrativo, adoptar uma providencia que pozesse cobro á desordem que se pretendia estabelecer, e que n'estas circumstancias resolvêra enviar aos administradores do concelho uma relação dos nomes de todos os individuos que foram ou têem sido vogaes do alludido tribunal, e que possam ser legalmente chamados a fazer parte d'elle, ordenando-lhes que procedessem a uma investigação minuciosa nos seus respectivos concelhos, inquirindo, sob juramento dos Santos Evangelhos, pessoas insuspeitas e despidas de paixões partidarias, sobre quaes dos mencionados individuos intervieram rias ultimas eleições camararias, empenhando-se por qualquer dos partidos que se debateram.

Que o resultado constava dos respectivos autos de investigação (que n'este acto apresentava) dos quaes se via que em todos os concelhos em que as eleições foram disputadas, tomaram uma parte muito activa os conselheiros effectivos FF... não constando porém que nenhum dos outros cavalheiros constantes da dita relação estivesse nas mesmas circumstancias.

Que em vista d'isto resolvêra elle, ex.mo presidente, não submetter ao conselho as suspeições oppostas a estes individuos, por serem manifestamente enredadoras... e sómente as dos tres primeiros conselheiros que os inqueritos declaram chefes de partido na eleição municipal do districto.»

V. ex.ª quer uma prova mais cabal dos factos a que me referi? Não é possivel. Esta acta é a prova provada, não admitte contestação.

E diz-se na mesma acta mais adiante

«... Que na impossibilidade pois de poder decidir regularmente a mencionada suspeição que lhe era opposta, resolvêra constituir, sob sua presidencia, o conselho, composto dos presentes vogaes desimpedidos, immediatos aos tres primeiros conselheiros effectivos, contra os quaes sómente resultavam provados motivos de suspeição pelas investigações feitas em todo o districto, e que já em outros processos concernentes aos objectos eleitoraes de que se trata tinham sido julgados suspeitos.»

Ha facto mais provado e ao mesmo tempo mais attentatorio dos principios? (Apoiados.) Não sei que se possa descobrir! (Apoiados.)

Ainda não ha muito tempo levantou se um deputado n'esta casa e arguiu um facto illegal, tyrannico mesmo, praticado n'uma das possessões do ultramar. O nobre ministro da respectivo repartição achava-se presente, levantou se immediatamente, e para que? Para protestar contra o facto a fim de que não se entendesse que o seu silencio era uma annuencia tacita, ou hesitação sobre o dever do governo. Cumpriu com o seu dever (apoiados), folgo regista-lo aqui. A questão nem mesmo se tratou, mas o ministro levantou-se para protestar em nome dos principios contra aquelle attentado, porque é este o dever dos ministros nos governos cultos (apoiados).

(Interrupções.)

O Orador: — As interrupções não me incommodam, prolongam sim o debate, mas muitas vezes servem para esclarecer.

Os illustres deputados provavelmente pensam que eu venho aqui examinar quem empregou mais ou menos força bruta? Não me importa isso para nada. Tomo os factos na sua altura: Basta que elles se dessem e não fossem reprimidos. Quem os praticou commetteu um crime, é o que me basta registar (apoiados).

Ha factos que estão n'este campo, são factos de força bruta e de violencia; logo tratarei da responsabilidade que por elles deve caber á administração. Mas ha outros que não estão n'este campo, são aquelles a que já me referi e que analysarei especialmente; são factos completa e exclusivamente de pura administração.

Uma voz: — Apoiado, não pertencem á camara, mas aos tribunaes administrativos.

O Orador: — Peço perdão.

E preciso distinguir que uma cousa são actos de pura administração, e outra cousa são actos de contencioso administrativo; para administração é differente de contencioso administrativo: dos actos de pura administração o recurso é de queixa ou representação directamente ao governo; nos do contencioso é que ha recurso regular para os tribunaes administrativos. Esta é que é a terminologia technica em administração (apoiados). Mas os actos a que me referi, eu provarei que são actos de pura administração e não de contencioso administrativo.

Mas não invertamos a ordem das idéas, que é ao que levam ordinariamente as interrupções. Dizia eu, que o adiamento caia, em vista do que se tinha votado na outra casa do parlamento. Não nego que esta camara pôde votar como quizer, porque não está presa ás votações da outra camara; (apoiados) mas logicamente o adiamento cáe, e cáe com o voto mesmo do governo, porque ali o nobre presidente do conselho aceitou e votou que os actos eram illegaes (muitos apoiados do lado esquerdo) e attentatorios da liberdade da uma (apoiados). A outra camara deu os factos por provados e resolveu que se inquirisse, sobre a responsabilidade que o governo tem nesses actos e nada mais.

Eis-aqui está como na outra casa de parlamento a questão foi mais longe do que o campo em que eu a tinha collocado aqui. O que disse eu? A camara ha de estar lembrada que tomei um grupo de factos evidentíssimos, contra os quaes não podia haver contestação alguma, nem mesmo duvida; e disse que estes factos offendiam o principio da liberdade politica consignada nas leis de paiz; que a liberdade politica não podia deixar de ser garantida, e que as suspeições politicas e os outros factos que se deram foram completamente offensivos dos principios de ordem publica e de liberdade eleitoral.

Não disse qual era a responsabilidade do governo; e não o disse porque não queria pronunciar o meu juizo definitivo sobre um ponto tão grave, sem que o gabinete se explicasse e defendesse primeiro.

A questão, sr. presidente, para mim não está no campo das recriminações porque eu não uso d'ellas; está na altura dos principios: n'essa região placida e severa é que se deve discutir (apoiados). é ahi que a discutirei.

Eu não desci na minha proposta á apreciação da responsabilidade do governo, nem quiz descer até ahi, porque não quiz conhecer d'ella sem as explicações do governo. Reprovei os factos, entendi que eram attentatorios da liberdade, e fiz a moção porque entendi que, quando se dão factos de ordem dos que se deram no districto de Villa Real, o dever do parlamento é estigmatisa los immediatamente e depois indagará até onde vae a responsabilidade, e quem é envolvido n'ellas.

Os factos condemnam se immediatamente, porque se abate o parlamento que o não fizer; condemnam-se immediatamente, porque o desaggravo da lei politica offendida deve ser prompto; condemnam-se para que se não repitam excessos que deshonrariam o systema se elle os tolerasse.

A outra camara foi mais longe porque se propoz um inquerito para conhecer da responsabilidade do governo. Os factos foram reprovados (apoiados), e a sentença passou em julgado; foi votada pela camara (apoiados).

Mas eu tenho de encarar a questão no campo em que foi posta pela defeza, e este é o campo de que me pareceu quererem na desviar os illustres deputados que me interromperam e que me obrigaram a uma tão larga digressão.

Ha um grupo de factos da completa responsabilidade do governador civil. A organisação de uma commissão municipal contra a expressa disposição do artigo 108.° do codigo administrativo foi um abuso commettido pelo governador civil do districto e da sua unica e exclusiva responsabilidade. Manda o codigo que, no caso da dissolução de uma camara, emquanto se não procede á eleição de outra, a commissão que tiver de gerir os negocios do municipio seja composta dos individuos que tenham pertencido ás vereações anteriores. Pergunto, foram chamados esses individuos? Não; e ha por isso uma flagrante infracção da lei (apoiados).

O facto do governador civil, por sua auctoridade propria, afastar do conselho de districto, ou não convocar para elle os conselheiros proprietarios e chamar os substitutos, é facto de responsabilidade exclusiva d'aquelle funccionario (apoiados). é a constituição illegal e tumultuaria do tribunal administrativo, praticada pelo chefe do districto. As syndicancias mandadas fazer pelas auctoridades administrativas em todos os concelhos do districto, syndicancias juradas para saber quem eram os influentes em eleições, a fim de serem excluidos de membros de um tribunal a que pertenciam legalmente, é um acto de pura administração, meramente exclusivo d'aquelle funccionario. Não é nem pôde ser considerado como acto de administração contenciosa. Foi uma attribuição contra as leis e os principios que o governador civil arrogou a si com completo desconhecimento do que é e deve ser a administração publica. A attribuição que a se arrogou o chefe superior do districto, de escolher, dentre as suspeições propostas, aquellas que entendeu que só devia submetter ao jul-

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gamento do conselho, foi um acto arbitrario puramente seu, e que em si nada tem com o contencioso 1 Contencioso é sim o acto do conselho tomando conhecimento por aquelle modo tumultuario. Á responsabilidade tomada de não apresentar senão certas e determinadas suspeições, é um acto mera e exclusivamente de administração. Nem elle os apresentou de outra maneira, porque se estribou para os praticar no artigo, 234.° do codigo administrativo.

Cabe aqui fazer uma referencia ao que em outra occasião, mas ainda não ha muito, foi dito n'esta casa por um cavalheiro que tomou no debate, que então se agitava, uma parte talvez em fórma mais violenta, que não era de esperar dos seus anteriores habitos parlamentares; voltando se para este lado da camara, entendeu que d'aqui se haviam sustentado principios offensivos da liberdade na questão dos celebres tumultos do Natal. Disse que d'este lado se tinham apresentado idéas que offendiam não sei que principios de liberdade!

Na questão dos tumultos que tiveram logar em Lisboa, tumultos que obrigaram os membros do gabinete a saír por uma janella (tal era a violencia e pressão que sobre elles se exercia), e que pozeram em risco a vida e a propriedade de muitos cidadãos, os homens que tinham assento n'este lado da camara disseram ao governo que = sustentasse a segurança publica pelos meios que a lei lhe facultava =; dentro da lei, expressamente dentro da lei! (Apoiados.) Estão registadas as nossas palavras. Onde houve ahi offensa da liberdade!

Foi injustiça que se fez a este lado da camara, injustiça que eu não esperava de um illustre deputado que tem um espirito elevado, para querer desfigurar factos passados ha muito, mas que estão registados, e que os homens que aqui se sentam têem bastante consciencia de si para não deixarem desfigurar impunemente. Mal retribuido foi o acto de abnegação politica praticado então pelos homens que se sentavam d'este lado da camara, que podiam n'aquella occasião ter feito crua guerra ao gabinete, e crear lhe serios embaraços!... (Apoiados.)

Mas as injustiças que se fazem aqui, aqui têem tambem o devido correctivo. Sustentámos n'essa occasião a liberdade, mas não a liberdade da anarchia; essa é que se queria, mas essa é que o paiz reprova. Mas agora é chegada a occasião de perguntar tambem ao illustre deputado — qual é a sua opinião na presença de actos tão comprovados e tão offensivos dos principios constitucionaes? (Apoiados.) Serão elles a expressão do progresso? Não offenderão a liberdade? Triste progresso é aquelle que assim se manifesta e faz representar! Triste aberração dos espiritos para não reconhecerem o falso terreno em que estão! (Apoiados.)

A incompetencia da camara!

Pois a competencia politica da camara para julgar todos os actos da administração pôde ser posta em duvida? (Apoiados.) Onde estamos nós? Que subversão de principios! (Apoiados.) Quem ha que se atreva a administrar em vista de principios e idéas d'esta ordem? Pois não está consignada na lei do estado a fiscalisação por parte do parlamento? Não é essa fiscalisação superior a todas as outras? Não está na sua absoluta competencia tomar conhecimento de todos os actos irregulares, de todos os actos illegaes praticados na ordem da administração. A absoluta competencia politica do parlamento sobre a responsabilidade do governo por todos os actos de governação é indeclinavel, e ninguem lh'a pôde preoccupar. (Apoiados.)

Não invertamos os principios; é absurdo querer encobrir detrás de um tribunal a responsabilidade da administração. A constituição commette ao parlamento velar pelo cumprimento de todas as leis do estado. Determina que no começo das sessões elle aprecie como a administração politica e a administração geral têem sido conduzidas. E o acto addicional auctorisa o parlamento a nomear commissões de inquerito na latitude que elle entender (apoiados).

E agora faço eu uma pergunta aos homens que conhecem a administração, e conhecem-n'a de certo todos os que tem logar n'esta casa.

Se alguns funccionarios do ministerio publico, por exemplo, tiverem faltado ao cumprimento dos seus deveres por actos praticados em processos pendentes, para o governo tomar conhecimento da maneira por que aquelles funccionarios se conduziram; para tomar em relação á sua conservação ou demissão qualquer providencia, terá que esperar que terminem primeiro os processos pendentes dos tribunaes? Onde se sustentou um principio tão subversivo da administração e que estabeleça a impunidade n'uma tão larga escala? (Apoiados.) Ninguem ha absolutamente, que sustente um principio d'esta ordem (apoiados).

Está presente o sr. ministro da justiça, que conhece de certo estes assumptos; s. ex.ª que me contrarie se não são estes os principios triviaes de administração. Os tribunaes julgam os processos, mas da responsabilidade dos funccionarios conhece o governo, segundo as leis, independentemente de quaesquer processos pendentes, que seguem regularmente o seu destino. A responsabilidade dos funccionarios para com o governo é por todos os seus actos, e só o poder judicial é que tem a sua responsabilidade ligada a uma certa ordem de leis especiaes, pelas quaes é ao proprio poder que está confiada a sua correcção; mas ninguem dirá que os seus membros se forram á responsabilidade dos seus actos por estarem pendentes os processos a que estes dizem respeito. Similhante doutrina levaria a alargar indefinidamente os laços da responsabilidade dos funccionarios já hoje quasi cortados. Não foi feita uma syndicancia a uma relação do paiz? E não havia muitos processos pendentes n'esse tribunal? De certo que sim.

O governo procede sempre livremente para conhecer, da administração publica, mas principalmente a respeito dos funccionarios que elle pôde demittir. Toma conhecimento dos factos, aprecia se elles foram regulares ou não, e os processos Ía correm independentemente. São duas espheras de acção completamente distinctas. E se o não fossem a administração seria completamente impossivel.

Note a camara ainda que comquanto factos possa haver que sejam muito irregulares, e que tornem inhabeis para funccionarios os individuos que os praticaram, pôde succeder que esses factos não involvam a nullidade dos processos. Nem sempre nos negocios que não são de ordem publica as illegalidades envolvem a invalidade dos actos, mas esses factos nem por isso deixam de ser irregulares e levar á severa responsabilidade dos que os praticam.

Fallo diante de julgadores que sabem que estes principios não podem ser contestados. Não se allegue pois a irresponsabilidade, e não se allegue não só porque os factos a que me referi são completamente de pura administração, e não de administração contenciosa, mas porque ainda que o fossem, o governo era sempre competente para conhecer da maneira por que um empregado se tinha conduzido, a fim de o substituir ou corrigir quando entendesse necessario, e não o substituindo, tomava a responsabilidade dos actos praticados. E isso, sr. presidente, nada tem com os processos pendentes que seguem um outro caminho. O que acabo de expor nasce de um principio na ordem da administração civil, de um principio incontestavel que é a identificação dos funccionarios administrativos com o governo, identificação tanto mais certa, quanto que, para serem julgados judicialmente é preciso licença do governo para o seguimento dos processos. Nos paizes onde esta identificação não está tão ligada, como por exemplo em Inglaterra, tal licença não é necessaria. Mas ahi os funccionarios respondem mais directamente, têem responsabilidade mais directa em relação ao publico, em relação aos individuos que estão com elles em contacto, do que nos paizes de uma grande centralisação como infelizmente é o nosso.

Nos actos de administração ainda é necessario attender a um principio predominante, e é a faculdade que o governo tem de dissolver os corpos de administração local, e desde que tem essa faculdade de dissolver, tem faculdade de apreciar todos os factos que o possam levar a isso (apoiados).

Portanto, não venha argumentar-se com a irresponsabilidade ou com a incompetencia do parlamento, porque taes principios não se sustentam em nenhum dos campos onde os quizerem ir acolher (apoiados).

Mas, sr. presidente, este systema não é novo. O systema de cercear as attribuições parlamentares, é um systema conhecido de mais, systema que eu contrario, systema offensivo do principio representativo, opposto diametralmente a elle, porque o parlamento não é só um corpo de fazer leis, mas um corpo politico que tem a seu cargo conhecer e fiscalisar todos os actos da administração. Não queira pois o governo, não queira a camara, por uma conveniencia politica, por uma conveniencia meramente partidaria, prejudicar uma theoria incontestavel, sempre seguida e sempre acatada em todos os parlamentos e em todos os paizes (apoiados) onde existe systema representativo!

Creio que este ponto fica demonstrado evidentemente. Agora tenho que referir-me, ainda que rapidamente, a um outro campo em que foi encarada a defeza, supposto que apenas esboçada pelo illustre deputado, o sr. Guilhermino de Barros. O illustre deputado entendeu que os actos de suspeição apresentados pelas auctoridades administrativas estavam ao abrigo das disposições de uma portaria de 14 de agosto de 1840 ou das ordenações a que ella se refere.

Sr. presidente, eu não espero ver por parte do ministerio, ou dos seus amigos, que a velha ordenação filippina seja arrastada para esta discussão para sanccionar as suspeições politicas! Não espero ver que o codigo da epocha da dominação castelhana, da nossa escravidão ao estrangeiro, venha ser arvorada em lei politica, que não é nem nunca foi, para sanccionar as violencias contra as liberdades garantidas na lei fundamental do estado (apoiados). Não espero ver a lei filippina a regular e a limitar o uso da liberdade politica, ella que nasceu n'uma epocha em que essa liberdade havia desapparecido, e sido absorvida nas demasias do poder absoluto. Não, sr. presidente, as ordenações não trataram do que não conheciam, do que não existia no seu tempo; são leis civis e de administração civil n'essa epocha em que estavam baralhadas a administração civil e judicial, mas não são, nem nunca foram, leis politicas. E, quando o tivessem sido, teriam caído n'essa parte em frente do codigo politico que hoje nos rege, e em face dos principios fundamentaes em que assenta a lei fundamental do estado. Não espero, digo, ver trazer a ordenação filippina para sustentar as suspeições politicas, porque isso seria a maior aberração do espirito.

Que resta pois? Resta que não temos em materia de administração senão suspeições civis. Em materia de administração não ha, á face dos principios, senão suspeições civis. É a jurisprudencia seguida nos paizes em que, como no nosso, a lei administrativa não tratou d'esta materia. Em França, por exemplo, onde as leis administrativas não trataram das suspeições civis, na jurisprudencia administrativa tem-se seguido como principio as suspeições do codigo do processo civil, de 1806; são essas suspeições meramente civis que são applicadas nas funcções administrativas. Esta é a jurisprudencia seguida em Hespanha, na Belgica e em todos os mais paizes que tomaram por norma o direito francez; entre nós segue-se o mesmo. E é isto unicamente o que diz a portaria de 1841, e nada mais.

Mas as suspeições civis são taxativas entre nós pela jurisprudencia inalteravelmente seguida por todos os auctores, sem excepção de um unico, que tenha escripto sobre este assumpto.

Eu não quero agora fazer uma dissertação n'esta materia, que seria alheia ao debate. Direi apenas que, nos paizes onde existe o systema de suspeições civis, porque outros ha onde hoje não existe, como é a Inglaterra, onde não se pôde oppor suspeição alguma, seja na ordem judiciaria, seja em qualquer outra; mas nos paizes onde os ha, é certo que se começou por uma grande latitude na apresentação das suspeições; passou-se bem depressa a um systema mixto; a lei taxava algumas, os tribunaes podiam applicar outras não determinadas na lei, se os achavam procedentes; foi este o systema da ordenança franceza de 1660; no regimen da convenção a faculdade de suspeitar foi ampla sem mesmo exigencia de motivos; mas o codigo de 1806 acabou com esse systema e com o anterior, e as suspeições ficaram unicamente taxativas. Este é o systema francez e o de todas as nações que o tomaram por modelo.

Mas entre nós o systema das ordenações foi o da sua epocha; as suspeições em parte foram taxadas pela lei; em parte ampliadas segundo o juizo dos tribunaes; era o systema da epocha, e que foi seguido pela ordenança franceza, a que me referi. Mas entre nós a jurisprudencia tem ido até onde haviam chegado as leis nos outros paizes, e hoje, as suspeições civis, e não ha outras, são completamente taxativas, parte pela lei, parte pela jurisprudencia immemorial. Não ha um só auctor que entenda o contrario. Umas são certas e determinadas nas leis, outras pela praxe e jurisprudencia continuada, seguida e sanccionada por todos. Por consequencia em administração não temos senão as suspeições civis, e estas taxadas; mas essas são completamente alheias da materia que se trata, porque na nossa administração civil não podem haver nem podem ser reconhecidas suspeições que não sejam civis: e não foi d'estas que cogitou o governador civil. E para que?

Logo todo o argumento apresentado pelo sr. Guilhermino de Barros cáe por a base, porque essa portaria ou as leis a que ella se refere, porque as portarias não fazem lei, não têem applicação de qualidade alguma ás circumstancias actuaes.

Eu devo, sr. presidente, tirar por fim uma consequencia geral e logica de todos os actos da auctoridade administrativa a que me tenho referido, e é que todos estes factos violentos, irregulares e offensivos das leis e dos principios constitucionaes com o fim manifesto de actuar sobre a liberdade do voto, partiram inquestionavelmente da administração (apoiados); esta serie não interrompida de factos illegaes levam indubitavelmente a esta conclusão (apoiados).

Considerada assim a questão já V. ex.ª vê d'onde é que partiu a pressão contra a liberdade do voto, e por outra parte ao que fica reduzida a defeza que parece apresentar se por parte dos individuos que pretendem sustentar, creio eu, a competencia ou legalidade com que procedeu aquella auctoridade. A evidencia em estes dois pontos importantes não pôde ser posta em duvida.

Mas eu deixo, esta ordem de factos irregulares, illegaes e violentos praticados pela auctoridade administrativa, e deixo a debaixo da triste impressão de que não se ha de levantar um só dos ministros da corôa n'esta casa para condemnar os principios em que assentou uma doutrina e uma pratica tão subversiva da ordem e da liberdade! (Apoiados.) Fallo debaixo d'esta triste impressão e profundamente convencido de que a discussão está de mais no nosso parlamento! Que esta discussão é aqui uma inutilidade! Que a propugnação dos bons principios é uma cousa vã e perdida, porque hoje não ha senão a rasão politica, a rasão partidaria assoberbando todos os actos, e todos os principios de administração e de liberdade! (Muitos apoiados.) Registo este triste quadro, não para que elle sirva de exemplo e de pretexto a qualquer outro governo para não levantar a responsabilidade dos seus actos, e estigmatisar os factos offensivos da lei, quando elles se lhe apresentem (apoiados). Mas registo para que o paiz o julgue e para que nenhum outro governo caminhe pela mesma senda!

Actos tumultuarios junto da urna!

Direi só duas palavras a este respeito, porque estou fatigado, e não quero ficar com a palavra reservada para outra sessão.

Actos tumultuarios junto da uma! Quaes são esses actos? e quem os praticou? Os documentos officiaes dizem-n'o bem claro (apoiados). Mas para mim é indifferente saber quem os praticou; basta-me só saber da sua existencia para exigir d'elles a responsabilidade ao governo, e perguntar-lhe pelas providencias que tomou (apoiados). Actos tumultuarios junto da uma! Não são asserções gratuitas, são factos confessados pelas proprias auctoridades administrativas. Não é um queixoso que venha dizer — attentaram contra mim... não; são os actos da auctoridade, são os factos e violencias praticados pela comitiva de uma auctoridade administrativa, disparando tiros sobre cidadãos que passavam livremente sem offender pessoa alguma! Não provoco a responsabilidade por o tiro se ter dado, ainda que o podia fazer, porque não sei como, individuos sem serem constituidos em auctoridade, podessem andar armados pelas ruas de uma villa. Mas pergunto pela responsabilidade da auctoridade, deixando impunes taes factos! Pois já disparar-se um tiro da comitiva da auctoridade administrativa sobre quem livremente transita é cousa indifferente? (Apoiados.) Mas é a propria auctoridade que não se peja de narrar este facto. Ainda mais. Em face da uma estava disposto uma especie de acampamento militar; forças por toda a parte, e a liberdade entre bayonetas! Assim é que se fez a eleição, segundo o testemunho não suspeito da auctoridade administrativa que escreveu correspondencias como se fossem os detalhes de uma batalha campal!

Mas para mim ha um facto mais que todos notavel, que tem a confirmação do proprio illustre deputado que me precedeu n'este debate — o testemunho insuspeito da auctoridade administrativa; e o de um individuo que não conheço, mas que o illustre deputado elevou em auctoridade, e de

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clarou que não era capaz de faltar á verdade. Esse facto é a fiscalisação á porta da casa da camara para impedir, note a camara, que ali entrassem os individuos que não votavam n'aquella assembléa, e que fossem da opposição! (Apoiados.)

Tenho aqui a correspondencia do administrador do concelho que diz:

«Não foi permittida, é certo, a approximação á mesa dos srs. Pachecos e Champalimaud, mas foi porque o sr. presidente e mais membros, decidindo que, na fórma da lei, ali não entrasse quem não fosse eleitor, me officiaram para esse fim, e eu, impedindo a entrada, não fiz mais que dar cumprimento aquelle officio.»

N'uma outra correspondencia de Camillo de Macedo diz-se.

«Na occasião que se tinha de proceder á formação da mesa definitiva foram postados á porta exterior da casa da camara dois homens, Pedro Maria Cardoso e teu irmão Custodio Maria Cardoso, não armados, como diz o sr. Araujo, mas completamente inermes, com recommendação de evitarem tão só e unicamente ás pessoas influentes da opposição, da freguezia de Godim, que ali não eram votantes, a fim do evitar que se renovassem as scenas da noite anterior. A ninguem mais era vedada a entrada da casa da camara aonde todos os eleitores podiam votar como quizessem, e tanto assim que os meus particulares amigos os srs. Avilar e Penetra, duas das mais notaveis influencias da opposição, estiveram por algum tempo proximo da mesa eleitoral, correndo todo aquelle acto, até final, sem o menor incidente. Depois das dez horas appareceram á porta exterior da casa da camara os srs. Champalimaud e Pacheco, influencias da opposição, mas não votantes nesta assembléa, aos quaes pelas rasões já dadas foi negada a entrada, seguindo se por isso altercações entre estes senhores e o sr. administrador do concelho.»

Ora realmente este tão só e unicamente ás pessoas da opposição, vale um discurso inteiro; é melhor de que uma syndicancia! Ião só e unicamente ás pessoas da opposição!... porque? Porque esses são parias, estão fóra da lei! Decretou-o a auctoridade administrativa em Villa Real, e ha um governo que o consente em 1863 (apoiados). Ha uma lei publicada no Peso da Regua que não era conhecida no resto do paiz, que auctorisa a exclusão tão só e exclusivamente aos individuos da opposição, para não entrarem nas assembléas primarias!... Mas isto é muito serio; porque creia V. ex.ª que da resolução que aqui se tomar ha de depender o comportamento das auctoridades administrativas n'uma eleição geral em que vamos entrar (apoiados). Eu não creio que o governo ali mandasse praticar um similhante attentado contra a lei; mas sei que deixou impune; sei que o tolerou; sei que o ainda agora se recusa a dar contas por elle ao parlamento!

Sr. presidente que fez o governo? tres mezes se passaram sem uma só providencia, e a auctoridade tripudiando e fazendo communicados como de um campo de combate, nem a phrase já era outra, senão vencidos e vencedores! E é assim que se administra, e que o governo conserva por mezes um districto inteiro!

Não me importa com os individuos que nem conheço, importa-me com o funccionario que não deve ser de uma parcialidade, mas sim de todo o paiz (apoiados). Mas note a camara mais esta circumstancia, diz-se: não eram votantes; se não eram votantes n'aquella assembléa eram votantes para a mesma municipalidade.

O sr. Julio do Carvalhal: — Mas n'outra assembléa.

O Orador: — Pois o illustre deputado partilha aquella doutrina?! Pois ha lei que vede a entrada das assembléas a qualquer cidadão?! (Apoiados.) Para onde vamos? Que lei nos rege? Estamos em governo constitucional ou nas demasias da revolução, ou nos excessos do despotismo?! (Apoiados.) Em virtude de que lei? Em virtude de que principio se praticou um acto d'aquella ordem? Como o puniu o governo, que providencias tomou para que n'uma futura eleição se não dêem em larga escala esses mesmos factos? Quando o parlamento passar por cima de tudo isto, quando o adiar indefinidamente, as auctoridades administrativas hão de dizer: «A unica cousa que é necessaria é vencer as eleições e nada maia»; fóra d'isto não ha administração, as leis são uma inutilidade; nem já chegam a ser um embaraço! (Apoiados).

Sr. presidente, o governo deu uma triste direcção a esta questão desde o seu principio, agora as consequencias não podem ser boas. Esta questão devia ter sido considerada como uma questão de liberdade, em que igualmente interessa maioria e opposição; era uma questão de todo o paiz; e seria um bello exemplo ver reunidos todos os membros d'esta casa, para darem um grande exemplo de respeito pelo livre exercicio do principio em nome do qual aqui nos achámos! Se o governo tivesse condemnado aquelles factos, se os tivesse punido, apresentar-se-ia de cabeça levantada diante do parlamento, e diria: «Houve, é certo, excessos, não os tolerei, puni-os, cumpri a lei (apoiados). O governo, alem da consciencia de ter cumprido com o seu dever, unica satisfação do homem publico, teria ganho em força constitucional, quanto até agora tem perdido.

Sr. presidente, quando assim se pratica, quando assim se põem em execução violencias, e se escarnece da santidade das leis, citando em apoio de taes actos leis que não existem, que nunca existiram, que o senso commum repelle; e quando se nos diz com orgulho: «Nós, os progressistas, vencemos assim as eleições», descrê-se das cousas e dos homens! (Apoiados.)

Um illustre deputado, que foi aggressivo com este lado da camara, como não o faziam esperar os seus precedentes na tribuna, e a consideração e imparcialidade com que a opposição mais de uma vez lhe havia feito justiça, disse-nos aqui: «Res non verba», e isto para que acabassem os largos debates. Mas res non verba, digo eu agora, não para, por uma aberração de principios, querer coarctar as franquias da tribuna; mas para protestar contra esta sophismação dos termos, contra estes appellos ás tradições do partido progressista, quando se põe em pratica a mais desenfreada reacção (apoiados).

Protesto contra similhante abuso de palavras de que muito f e tem vivido entre nós. Res non verba, sim; acatamento pela lei, franquias á liberdade, respeito do direito de todos, mas não a reacção e a violencia encoberta com o nome de progresso. Eis o que eu entendo pelo res non verba de que se nos quiz fallar! Eis-aqui no que o desejo applicado.

Não faço offensa ao illustre deputado que me precedeu na tribuna, que eu julgo muito superior aos actos praticados em Villa Real. Estou certo.

Mas não posso eu crer que o illustre deputado nas suas palavras, na sua infeliz designação de partido progressista, dada a quem praticou os factos de Villa Real, quizesse pôr em duvida os sentimentos do partido que hoje milita na opposição. O illustre deputado por mais de uma vez teve a inteira confiança d'esse partido, exercendo, quando elle era poder, cargos de confiança politica; não julgava então de certo que só dos seus contrarios estivesse o progresso, não fazia essa injustiça aos seus amigos politicos de então.

Sr. presidente, cuidemos mais das cousas e deixemos as palavras; acatemos os principios e não nos julguemos auctorisados a despresa-los á sombra de nomes pomposos, que só valem quando representam uma realidade.

Quero a liberdade de facto, quero o respeito das leis, e pouco me importa das denominações. Que importam essas denominações, esses epítetos com que se quizer designar uma ou outra parcialidade, quando os factos desmentirem a idéa fundamental? (Apoiados.) Que importa isso tudo senão o abatimento e a sophismação dos principios!

Por se prohibir a concorrencia de individuos não eleitores ás assembléas preparatorias no paiz vizinho, o partido progressista ali absteve-se da uma. Vozes: — É verdade.

O Orador: — Deu um grande exemplo da dignidade politica, e o ministerio não ficou mais forte pela falta d'aquelle poderoso concorrente; obteve, é certo, uma grande maioria; mas essa só lhe serviu para não o deixar ver o precipicio em que se ía despenhar e em que se despenhou!

Mas esse acto de violencia contra o qual ali protestou o partido avançado, não o esperava eu ver defendido em nome do partido progressista no seio do parlamento do meu paiz (apoiados).

Sr. presidente, até onde vae a responsabilidade do gabinete, até onde ella chega, não se julga na minha moção, porque eu quiz antes estabelecer um principio e o reconhecimento d'elle pela camara. Não fui mais longe, estabeleci um principio que a camara deve sustentar; appliquei-o aos factos evidenciados perante a camara em vista dos documentos produzidos; a questão da responsabilidade do governo não se contém na minha moção; era esta mais uma rasão para que ella podesse ser abraçada pelo parlamento todo, porque não ficava prejudicado o principio politico (apoiados). Até onde vae essa responsabilidade nem eu nem os meus amigos politicos quizemos determinar, sem que primeiro explicações categoricas fossem dadas por parte do governo. A minha proposta não foi mais longe, ficou muito áquem do que se praticou na outra casa do parlamento (apoiados). Eu aguardava as explicações do governo e não exigia mais; ali foi-se mais longe, e nomeou-se uma commissão para conhecer d'essa responsabilidade. Mas se a outra casa do parlamento preferiu este meio de exame, á camara dos deputados não pôde ser reparado lançar agora mão do mesmo meio. Ambas as camaras têem de conhecer da responsabilidade governamental, é logico que ambas se uniformisem na escolha dos meios; é por isso que repetirei aqui a moção apresentada na outra casa do parlamento, para que seja tambem nomeada uma commissão de exame que conheça da responsabilidade do governo por aquelles factos, que a camara deve condemnar e deplorar.

Condemne a camara desde já os factos attentatorios da liberdade, pronuncie-se pela sustentação de um grande principio sobre que não pôde haver hesitação, e deixe a indagação da responsabilidade do governo ao exame detido de uma commissão especial.

A camara não pôde ter duvida sobre os principios fundamentaes do systema representativo, e quando os vir offendidos, o seu dever é sustenta-los immediatamente (apoiados). A questão da responsabilidade pôde ficar para mais tarde se sobre ella restarem duvidas, mas a questão dos principios essa não pôde logicamente ficar sem reconhecimento. Se a camara o não quizer fazer, fa lo de certo o para e julgar-nos-ha depois! (Apoiados.)

Sr. presidente, eu vou concluir, e vou concluir dando, segundo o meu modo de pensar, a rasão politica de quanto ha muito tempo infelizmente presenciámos na região do poder. Toda essa anarchia no poder a que ahi assistimos é o resultado do systema politico em que infelizmente está lançado o paiz; não é o governo do paiz pelo paiz, é sim o governo do paiz por uma parcialidade politica. Esta é a expressão do nosso estado actual. O governo subiu ao poder em nome da omnipotencia partidaria, e esta omnipotencia partidaria conduziu ao poder descripcionario do executivo: o executivo pôde tudo, eis o programma dos partidos extremos quando conquistam o poder. O governo passa a ser o estado, e o estado torna-se o executivo! Mas se o executivo pôde tudo em relação aos outros poderes e á massa geral do paiz, não succede assim em relação á parcialidade que o sustenta e que elle unicamente representa; essa assoberba-o, domina o e torna-o não o governo do paiz, mas o governo de um partido. Tal é a triste realidade entre nós.

A sujeição do gabinete á desmesurada influencia partidaria tem lançado o paiz, sr. presidente, n'um deploravel systema de politica extrema de paixões, de resistencias e de exclusivismo (apoiados), systema errado e que unicamente serve para substituir a luta systematica das parcialidades á franca e elevada concorrencia dos partidarios, verdadeira indole do systema representativo! Mas o systema representativo não é aquella luta, é sim esta elevada concorrencia, é o concurso de todos sobre as bases da igualdade, da liberdade e da ordem (apoiados).

Sr. presidente, esta tendencia que Duvergier de Hauranne lamentava no governo da França em 1847, é a que eu deploro porque a vejo largamente realisada no meu paiz! E é o profundo convencimento de que este systema é sempre fatal no governo dos povos, que me leva a dizer d'este logar ao paiz, como penso e quaes são os meus tristes presentimentos! Doloroso dever que a minha posição me obriga a cumprir.

Portugal, sr. presidente, já era outras epochas marchou por esta triste senda; os poderes publicos desprezaram então todas as advertencias, cegos com o poder do numero, mas os resultados que se colheram sabem todos quanto foram tristes (apoiados).

Quando, sr. presidente, uma similhante tendencia estava esquecida, voltou se a ella de novo; os resultados já todos os dias se vão colhendo! Attenda o paiz o caminho em que o têem lançado, preveja com madureza as suas consequencias, e compenetrado do seu direito, opponha toda a resistencia legal á torrente que o quer arrebatar! (Apoiados.) Termino aqui as minhas reflexões sobre este assumpto. Mas direi duas palavras sobre um outro objecto.

Ouvi fallar nas eleições de 1860; direi tão sómente que não as posso nem devo discutir agora, mas que essas eleições feitas pela lei eleitoral mais liberal que temos tido, foram as eleições mais livres que se têem feito no nosso paiz (apoiados).

Eu tambem antes de entrar n'este debate li os pareceres das commissões do verificação de poderes e documentos apresentados n'aquella epocha ácerca das eleições que então foram disputadas. Houve, como ha sempre, eleições agitadas, guerreadas; mas na maior parte das arguições que foram feitas, os deputados que as fizeram disseram: «Nós não temos documentos, não temos provas». É possivel que houvesse abusos: o, systema eleitoral está muito longe ainda da sua perfeição, nem sei se a chegará a attingir; mas o que é facto, o que é verdade, é que não ha acto algum que se possa assimilhar nem de longo aos que se praticaram agora a proposito de uma eleição camararia em um districto inteiro.

Fallou se aqui da eleição no circulo da Povoa de Varzim. Provoco todos os homens que queiram entrar n'esta questão despidos de prevenção, e no desejo de fazer justiça, que examinem os documentos então apresentados, que examinem o que então disse o nosso collega, cujo caracter elevado todos respeitámos, e que tomou a defeza d'aquella eleição, e verão como elle mostrou clara e evidentemente que nenhumas violencias por parte da auctoridade foram feitas n'aquella occasião (apoiados). Só depois de tres dias de perturbações que fizeram suspender os trabalhos eleitoraes é que foi requisitada força da cidade do Porto, mas essa força ficou em Villa do Conde, tres quartos ou quasi uma legua de distancia da Povoa de Varzim (apoiados). O que se passou ali não se pôde comparar com o que se acaba de passar no districto de Villa Real a proposito de umas eleições camararias (apoiados). Ali manteve se a liberdade da uma, aqui violou-te com ostentação!

Sr. presidente, os homens que se sentam n'este lado da camara têem a convicção de que sem receio de justas recriminações podem arguir com toda a força das suas convicções os deploraveis successos que ahi ficam expostos ao paiz!

Nada mais tenho a dizer.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

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