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Discurso que devia ser transcripto a pag. 524, col. 3.ª, lin. 35 do Diario de Lisboa, na sessão de 22 de fevereiro

O sr. Luciano de Castro (sobre a ordem): — Não sei se falta muito tempo para dar a hora...

Vozes: — Falta um quarto.

O Orador: — Ainda assim vou apresentar a minha moção. e para preencher a hora direi alguma cousa para a fundamentar.

A moção é a seguinte (leu).

Sr. presidente, quem tiver assistido a este longo debate, quem tiver visto levantarem-se um a um os oradores d'aquelle lado da camara, para arguir, em linguagem soturna e tom carregado e lúgubre, as irregularidades que se dizem commettidas nas eleições camararias de Villa Real; estará talvez persuadido de que estamos aqui no anno de 1864 discutindo uma grande questão de liberdade, uma grande questão de principios e doutrinas constitucionaes, quando apenas estamos discutindo umas eleições municipaes que, segundo a legislação vigente, devem ser julgadas e apreciadas pelos tribunaes administrativos (apoiados).

Quem vir levantarem-se n'esta questão os oradores, uns após outros, para exprobrar aos ministros a sua reprehensivel complacencia; quem vir como cresce a celeuma, como a opposição, indignada pela violação e offensa das immunidades do suffragio popular, faz caír sobre as cadeiras do poder as mais vehementes accusações, pedindo a cabeça de um governador civil para desaggravo e manutenção dos principios liberaes, ha de persuadir-se que estamos assistindo ás exequias da liberdade (apoiados); e que nós, o partido liberal, estamos sophismando, uma a uma, todas as garantias constitucionaes que os primeiros martyres da liberdade implantaram n'este paiz a preço do seu sangue e de dolorosas tribulações (apoiados). Ha de persuadir se que estamos aqui discutindo uma questão de alto interesse publico e de altissima transcendencia politica, quando apenas, infelizmente, estamos debatendo esteril e porfiosamente uma questão pequena e miseravel (apoiados); uma questão de illegalidades eleitoraes n'umas eleições municipaes, que tem o seu cabimento natural nos tribunaes ordinarios, aos quaes pertence julgar e apreciar estes assumptos (apoiados). E para que, e porque se faz isto?

Quando penso n'estes desvios da boa ordem da discussão tenho pejo e vergonha de pertencer a uma terra -tão pequena, aonde os caprichos pessoaes e os despeitos mal soffridos accendem estas lutas, e de uma questão sujeita ao julgamento dos tribunaes communs fazem uma grande controvertia de principios (apoiados). E como que obrigam os poderes publicos a parar reverenciosamente e a ficar de braços cruzados diante das difficuldades suscitadas pela opposição (apoiados), e dos embaraços creados pelo despeito ou pela ambição, impedindo assim que se discutam assumptos momentosos e questões de alto interesse publico (apoiados).

Repito, tenho pejo e vergonha de pertencer a uma terra tão pequena, aonde os caprichos de um homem obriga um parlamento a consumir sessões sobre sessões, dias sobre dias, n'uma esteril discussão de direito e praxe administrativa (apoiados); na discussão de uma questão que sómente deve ser julgada nos tribunaes ordinarios (apoiados), e que não pôde, sem offensa da liberdade e competencia d'estes, ser avocada ao parlamento!

Em que epocha estamos nós e a que tempos somos chegados! Pois então já se fecharam as portas dos tribunaes, já não ha n'esta terra juizes que possam, no pleno goso da sua independencia e liberdade, apreciar as questões que se lhes commettem! Em que terra estamos nós! Pois o conselho de districto não deve ter pelas leis a independencia necessaria para julgar livremente, embora julgue errada e desacertadamente, tendo as partes interessadas recurso para os tribunaes superiores, onde se lhes deve dar plena e inteira satisfação e completo desaggravo! Volvemos nós aos tempos calamitosos da convenção nacional! O parlamento portuguez, a camara dos deputados absorve em si todas as attribuições politicas do estado? Acabou o governo? Cessaram as funcções dos tribunaes? Obliteraram-se fundamentalmente os principios politicos, nos quaes se baseia e cimenta toda a organisação constitucional? Que somos aqui? Temos a dictadura da opinião, das leis, de tudo? Somos superiores aos tribunaes e ás leis, sendo apenas um corpo co-legislador? Que é isto?

Pasmo diante d'esta completa subversão de todos os principios; e admiro que homens que se dizem liberaes venham aqui, desconhecendo um dos mais santos, um dos mais inauferíveis principios sobre que se firma a constituição politica do estado, querer saltar por cima do principio sagrado da divisão dos poderes, levando e incitando, uma camara a que ella só venha julgar aqui o que cabe aos tribunaes ordinarios! (Apoiados.)

Envergonho me, dizia eu, de pertencer a uma terra, onde se consomem sessões sobre sessões, destinadas a trabalhos mais uteis, em discutir uma questão d'esta ordem (apoiados).

Que em Villa Real, que nas pequenas localidades, onde pôde desafogar á vontade e livremente o despeito, pessoal de -pequenas individualidades, -briguem e se digladiem as facções, tolere-se embora; não temos nada com isso. Mas que essas lutas de gladiadores se transportassem do districto de Villa Real para o centro do parlamento, que a tribuna portugueza venha ser desluzida e quasi deshonrada com a narração, mais ou menos phantasiosa, de scenas que pertencem mais aos centos phantasticos de Hoffman do que ás sessões de um parlamento serio o grave, é lastima e vergonha! (Apoiados.).

I E era para isto, e foi para isto que os nossos gloriosos antecessores andaram pelo exilio, peregrinaram por terras entranhas, mendigando o pão amargo do desterro, e reunindo com o martyrio a escravidão do seu paiz?! (Apoiados de um e outro lado da camara.)

Tambem aceito os apoiados dos srs. deputados d'esse lado (da opposição); mas apoiado para protestarmos contra esta inversão dos bons principios constitucionaes; apoiado para mantermos aqui as leis vigentes e o direito constituido; apoiado para não deixarmos que o parlamento vá intrometter-se tumultuariamente na jurisdicção dos tribunaes, saltando por cima de -todas as doutrinas do direito publico constitucional e administrativo (apoiados).

Os erros da convenção nacional trouxeram, e como que justificaram a tyrannia de Napoleão I; os erros e desvarios do longo parlamento provocaram a tyrannia de Cromwel. Pois eu não quero nem Cromwel, nem Napoleão, nem a dictadura do acaso e da força representada n'aquelle, nem a dictadura do genio symbolisada neste. Prefiro a vida serena e, regular do systema parlamentar, funccionando livre e tranquilamente, sem absorpção de nenhum poder, e sem offensa das instituições, em que se funda e de que se nutre a liberdade.

Respeitemos pois todos os poderes. Deixemos cada qual desafogar livremente, porque a liberdade vive bem no meio de todos os despeitos, de todas as porfias pessoaes e politicas, e de todas as lutas livres e pacificas. Mas mantenhamos o nosso logar, guardemos o nosso posto, zelemos as nossas prerogativas, e não vamos offender arbitrariamente as prerogativas dos outros poderes (apoiados).

Esta questão nasceu, como disse, do capricho de um homem. Declaro desde já á camara que detesto todos os estados no estado (apoiados). Eu nem quero homens que façam eleições, nem governos que façam deputados (apoiados de ambos os lados da camara).

Apoiado, sim, senhores; e aqui estou eu que o digo alto e sem temor diante da camara, porque me sento aqui pelo voto livre dos eleitores; aqui estou eu que posso fallar assim, porque devo esta cadeira ao voto liberrimo dos eleitores, depois de uma luta encarniçada e quasi desesperada, na qual tive a fortuna de merecer ainda o apoio dos povos (apoiados).

E não estranho á opposição que procurasse arredar me d'este logar; estava no seu direito: mas posso fallar livremente, posso dizer que se estou aqui não o devo ás auctoridades, nem a meios menos licitos (apoiados).

Eu não quero potencias eleitoraes nos districtos, nem em parte nenhuma; não quero governos que façam eleições, nem homens que elejam deputados. E necessario acabar com isso por uma vez (apoiados). O povo é quem elege; e estas influencias que medram e se sustentam á sombra da vida e seiva dos governos é necessario que acabem por uma vez e para sempre (apoiados).

Pois porque um homem deixou de vencer uma eleição; porque uma grande importancia politica e eleitoral perdeu uma vez uma eleição n'um districto, que ella estava costumada a governar pela voz, indicações e dictames dos seus caprichos, havemos de tomar na mão a causa perdida, e vir pedir aos poderes publicos as contas que só lhes pôde pedir um desafogo particular ou um capricho offendido?! (Apoiados.)

A opposição tomou nas mãos esta questão; estava no seu direito; cumpre o seu dever constitucional, não lh'o estranho; mas estranho que se desse á questão o caminho que ella vae levando, e que em logar de se exigir do governo a responsabilidade politica pela conservação da auctoridade superior administrativa do districto de Villa Real, quando se provassem, e não se allegassem só, os abusos que se dizem por ella praticados; em logar de se collocar a questão no terreno constitucional, se viesse aqui fazer uma historia quasi mithologica de acenas, de acontecimentos, de miserias ridiculíssimas, permitta-me a camara a expressão (apoiados), que se dizem commettidas no districto de Villa Real; não esquecendo até o chamar a depor n'este processo um pobre e humilíssimo animal, que é pelo menos o exemplo da fidelidade (riso), e o symbolo da lealdade para como homem.

Não sei se deu a hora e se estou a importunar a camara...

Vozes: — Não deu; falle.

O Orador: — E necessario que colloquemos a questão no verdadeiro ponto. Então que, havemos nós de exigir ao governo? De que culpas é elle réu para comnosco? Que crimes tem elle commettido? Porque é elle responsavel? Que responsabilidade poderão; exigir-lhe? Eis-aqui a questão.

Ha no processo que ao tem feito diante de nós, na historia que se tem ahi escripto pagina por pagina, acontecimentos que dizem respeito ás irregularidades dos processos eleitoraes, e que pertencera aos tribunaes administrativos.

Ha, mais do que isso, actos praticados pelo, governador civil no exercicio das suas funcções, pelos quaes elle deve dar conta ao governo e o governo ao parlamento.

O que eu digo é que em todos os actos que tenho visto apresentar, e que todos são questões mais ou menos odiosas, com que os illustres deputados têem querido grangear a affeição publica, e carear as sympathias populares, não ha talvez um só pelo qual possamos exigir a responsabilidade ao governador civil nem ao governo (apoiados).

Vamos á dissolução da camara de Alijó, e depois iremos ás tão apregoadas suspeições politicas.

E é de notar, digo-o de passagem, que tendo a imprensa da opposição levantado grande celeuma por causa da posse da camara municipal de Villa Real no dia 2 de janeiro, tendo-se asseverado que houve grandes escandalos, a opposição não quizesse n'esta casa repetir e fazer as suas arguições formuladas pela imprensa! Pelo contrario tenho visto que se deixa no maior silencio tudo quanto se disse a respeito do governador civil com relação a este acontecimento!

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Por aqui se póde ver a boa fé com que se tem argumentado. Ha poucos dias clamava-se que eram grandes os escandalos que se haviam commettido no referido dia 2; agora nem uma palavra veiu reproduzir na tribuna os echos da imprensa!

Onde ha, na dissolução da camara de Alijó, offensa aos bons principios? Que culpa cabe ao governador civil por ter proposto a dissolução da camara?

Entendamo-nos. O poder executivo tem, pelas leis, a faculdade de dissolver as camaras municipaes; é attribuição sua, exclusivamente sua. Podemos nós recusar ao poder executivo o uso d'esta prerogativa? Não.

E não podem os illustres deputados vir nega-lo n'esta parte. Eu que sei um pouco a historia do partido progressista, e que conheço bastante os precedentes de todos os partidos, posso vir aqui mostrar que no tempo em que os illustres deputados estiveram á frente dos negocios publicos, camaras municipaes foram dissolvidas por motivo de conveniencias publicas.

E é de admirar que o illustre deputado que encetou o debate, o sr. Manuel Pinto de Araujo, quizesse cercear a prerogativa do poder executivo, dizendo que = se fosse por serviço municipal comprehendia se a dissolução, mas por serviço publico era incomprehensivel =!

Oh! Sr. presidente! Pois o serviço municipal não será publico? E vem dizer-se tal blasphemia na tribuna portugueza! É na verdade blasphemo aquelle que desconhece de tal modo os principios e regras de boa administração, e faz uma separação completa e formal entre o serviço municipal e o serviço publico, como se se não comprehendessem na mesma synthese, e não constituissem uma e a mesma cousa.

Como deu a hora, peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para a proxima sessão.

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