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qualidade do Terreno = Do Sr. Aguiar, que diz = que a Commissão proponha o número de Pastores, que cada Lavrador pode escusar, segundo a qualidade, e quantidade dos Gados.

Propoz então o Sr. Presidente: 1.º se se approvava o Artigo? E se venceo negativamente. 2.° Se se approvava a Emenda do Sr. Derramado ? E foi approvada, salva a redacção, ficando assim prejudicadas as mais Emendas: resolvendo-se que o Additamento offerecido pelo Sr. Sousa Castellobranco a favor dos Filhos dos Lavradores, que tiverem creado Expostos, se considerasse como uma nova Proposição para seguir os termos do Regimento.

Pedio, e obtêve a palavra o Sr. Deputado Cordeiro para apresentar uma Indicação, em nome da Commissão de Petições, sobre um Quesito, de que ella carece de resolução para seu governo. Resolvêo-se que ficasse sobre a Mesa, para se tomar em consideração opportunamente.

Dêo o Sr. Presidente para Ordem do Dia da seguinte Sessão o Parecer da Commissão Central nobre a Consulta do Conselho da Marinha N.º 113, e o Projecto N.º 121.
Declarou que a Camara ia formar-se em Sessão Secreta por bem do Estado.
E, sendo l hora e 40 minutos, disse que estava fechada a Sessão.

OFFICIO.

Para o Marques de Tancos.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tenho a honra de enviar a V. Exca. 100 Exemplares das Actas impressas desta Camara com a letra M, bem como 80 Exemplares da Exposição que á mesma Camara apresentou o Sr. Deputado Ministro da Fazenda no anno findo, o Orçamento para o anno presente, e o Projecto de Lei para um Imposto de Novos Artigos de Papel Sellado, lado para que V. Exca. se digne mandar distribuir pelos Dignos Pares do Reis no Deus guarde a V. Exc.ª Palacio da Camara dos Deputados em 19 de Fevereiro de 1827. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Marquez de Tancos, Par do Reino - Francisco Barroso Pereira.

SESSÃO DA 20 DE FEVEREIRO.

Ás 9 horas, e 50 minutos da manhã, pela chamada, a que procedéo o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Conta, se acharão presentes 86 Srs. Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentarão, 18; a saber: os Srs. Barão de Quintella - Ferreira Cabral - Pereira do Carmo - Alberto Soares - Rodrigues de Macedo - Conde de Sampaio - Leite Pereira - Araujo e Castro - Pesanha - Cerqueira Ferraz - Tavares de Almeida - Izidoro José dos Sonetos - Machado d'Abreu - Rebello da Silva - Luiz José Ribeiro - Azevedo Loureiro - Alvares Diniz - Nunes Cardoso - todos com causa motivada.

Disse o Sr. Presidente que estava aberta a Sessão; e, sendo lida a Acta da Sessão precedente, foi approvada.

Dêo conta o Sr. Secretario Barroso dos nomes dos Srs. Deputados que, conforme as Participações recebidas das Secções Geraes, se achão nomeados para formar as Commissões Centraes seguintes:

Para o Projecto N.º 116 do Sr. Moraes Sarmento, pela primeira Secção, Sarmento. Pela segunda, Serpa Machado. Pela terceira, Vieira da Motta. Pela quarta, Tavares de Almeida. Pela quinta, Francisco Joaquim Maya. Pela sexta, Camello Fortes. Pela setima, Aguiar.

Para o Projecto N.° 117, pela primeira Secção não tem ainda nomeado. Pela segunda, Cerqueira Ferraz. Pela terceira, Nunes Cardoso. Pela quarta, Queirós. Pela quinta, Guerreiro. Pela sexta, Visconde de S. Gil. Pela setima, Sousa Castellobranco.

Offerecêo o Sr. Deputado Campos Barreto o seu voto em separado, que diz = declaro que na Sessão de hontem votei contra a substituição do Parecer da Commissão de Petições, quanto á existencia, e competencia actual do poder de conceder, ou negar as Revistas em Causas Crimes =.

O mesmo requerèo o Sr. Deputado Aguiar para o seu voto em separado, que diz = na Sessão de hontem votei que ao Poder Executivo não compete actualmente concessão de Revista de Graça Especialissima =.

E igualmente o mesmo requerêrão os Srs. Aguiar - Magalhães - e Francisco Joaquim Maya, para o seu voto em separado, que diz = na Sessão de hontem votei contra a isenção do Recrutamento, concedida aos Maioraes, e Pastores, não se determinando o número de uns e outros, conforme a qualidade, e quantidade dos Gados a seu cuidado =.

Dèo conta o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa de um Officio do Ministro dos Negocios do Reino, remettendo o Auto da reintegração da Camara da Cidade de Lamego, e participando que naquella Secretaria não existe mais papel algum sobre semelhante assumpto, que se mandou juntar aos mais papeis remettidos em Officio de 15 do corrente.

Dèo mais conta de um Officio do mesmo Ministro accusando o Officio, que lhe fora dirigido em data de 17 do corrente, e participando que se havia expedido Ordem á Real Junta do Commercio para restituir a Consulta da Illustrissima Junta da Administração de Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto-Douro sobre a creação d'uma Cadeira de Economia Politica. Ficou a Camara inteirada.

Dèo igualmente conta de outro Officio do mesmo Ministro dos Negocios do Reino, accusando o Officio, que lhe fora dirigido em 17 do corrente, participando haverem-se expedido novas Ordens á Real Junta do Commercio, para satisfazer quanto antes aos esclarecimentos sobre a Indicação relativa ás Fabricas existentes, e ao número do Provisões expedidas nos annos de 1825, e 1826, para isenção dos Direitos de entrada nos géneros destinados ao uso das mesmas Fabricas. Ficou a Camara inteirada.

E dèo ultimamente conta de um Officio do Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e da Justiça, remettendo por Ordem de Sua Alteza a Senhora Infanta Regente, uma Consulta da Mesa do Desembargo do Paço sobre o Requerimento dos Clerigos Seculares Egressos, pedindo dispensa nas Leis para poderem herdar, e

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testar, que se mandou remetter a uma Commissão Especial, que seria nomeada pelas Secções Geraes, logo que ellas se reunissem.

Referio mais as partes de doente, que enviarão os Srs. Deputados Nunes Cardoso - e Cerqueira Ferraz.

Teve a palavra o Sr. Deputado Paiva Pereira, como Relator da Commissão Central encarregada de examinar a Proposta N.° 35, para tornar exequivel a Responsabilidade dos Juizes, quando julgão collectivamente, e lèo o Parecer da mesma Commissão, que ficou reservado para segunda leitura.

Seguio-se o Sr. Deputado Soares Franco, que dêo conta do Parecer da Commissão Central sobre o Projecto N.º 96 do Sr. Moraes Sarmento, para a Instituição na Universidade de Coimbra de um Collegio com o titulo de Real Instituto Africano que ficou reservado para segunda leitura.

Ordem do Dia.

Entrou em discussão o Parecer da Commissão Especial N.º 113, sobre a Consulta do Real Conselho da Marinha, remettida pelo Ministro d'Estado dos Negocios da Marinha, e he o seguinte.

Senhores Deputados da Nação Portugueza.

A Commissão Central nomeada para examinar a Consulta do Real Conselho de Marinha, inclusa no Officio do Ministro d'Estado da mesma Repartição de 3 do corrente, tem a honra de apresentar a esta Camara o resultado dos seus trabalhos.

O Decreto de 3 de Outubro de 1823 derogando a Carta de Lei de 30 d'Outubro de 1822 sobre a forma, que por ella se estabeleceo, para os Conselhos de Justiça do Corpo da Armada Real, creou o Real Conselho de Marinha, encarregando-lhe de conhecer somente dos Conselhos da Marinha Real, e da parlo contenciosa, que for relativa a Prezas; regulando-se em quanto aos Conselhos pelo Artigo 7 do T. 3. do Regimento do Conselho do Almirantado de 26 de Outubro de 1796; e pelo que respeita a Prezas pelos tres Alvarás de 7 de Dezembro de 1796, 9 de Maio de 1797; e 4 de Maio de 1805, só no que diz respeito ao Contencioso, e suas dependencias, ate final Sentença das mesmas Prezas.

O Alvará do 1.º de Fevereiro de 1825, elevando o Real Conselho de Marinha á Cathegona de Tribunal Regio, determinou quo lhe ficava competindo não só o quo estava ordenado pelo mencionado Decreto de 3 de Outubro de 1823 , no que he relativo á Instancia ultima de todos os factos de Marinha, e no que pertence a Pregas, encontros com Corsarios, e mais objectos identicos, cuja decisão dependa de Conhecimentos Navaes, como são mencionados no Alvará de 6 de Novembro do 1810, mas tambem o expediente de todas as Patentes da Repartição Naval, ele. ele.

A maioria dos Conselheiros, lendo em vista a generalidade das palavras, = e mais objectos identicos, cuja decisão dependa de Conhecimentos Navaes, = as tomou por fundamento generico de todas as disposições da Lei; e neste sentido opina que compete ao Real Conselho de Marinha a ultima Instancia de todos os Negocios, cuja decisão dependa dos dictos Conhecimentos, tanto nos Negocios Crimes, como Civeis. A Commissão porem entende que, pelo que respeita aos Crimes, o dicto Alvará do 1.º de Fevereiro de 1825 somente tractou da ultima Instancia dos Conselhos de Marinha, isto he, dos factos criminosos dos Individuos da Armada Real, como se concluo das palavras do mesmo Alvará no preambula - No que respeita á Minha Armada Real =; e das outras cio Artigo 1.º = das Ordenanças da Minha Real Marinha =; e até de ser este o seu espirito; porque dos factos, que não são de Individuos da Real Armada, não se formão Conselhos para nelles serem punidos: Por tanto os factos de Marinha, de que tractou a Lei, são unicamente dos Individuos do mesmo Corpo, e não genericamente todos os que dependem de Conhecimentos Navaes.

O Alvará de 1825 relativamente aos Conselhos, que em ultima Instancia hão de ser julgados no Real Conselho de Marinha, referio-se simplesmente ao que se achava estabelecido no Decreto de 1823; por tanto para firmar uma justa interpretação he forçoso recorrer ao exame do que nelle se contem: Ordenou o referido Decreto que o Conselho se regulasse pelo Art. 7 do T. 3. do Regimento do Conselho do Almirantado, que igualmente se refere ao Decreto de l5 de Novembro de 1783. Ora: neste Decreto, em que se estabeleceo a forma de proceder contra as Pessoas do Corpo Militar da Marinha, se determinou que ellas sejão Processadas na conformidade, que determina o Regulamento das Tropas do Serviço de Terra; isto he, que se formem no Corpo de Marinha Conselhos de Guerra da mesma forma, que pelo Regulamento de Terra fé formão aos Militares de Infantaria, e Cavallaria: He por tanto obvio por esta deducção que a generalidade, com que se explicou o Alvará de 1825 a respeito dos casos Civeis, não se pode justamente applicar aos Crimes; quanto mais que mesmo a respeito daquelles não tem o mesmo Alvará aquella amplitude, que os Conselheiros lhe attribuem; por quanto depois dos termos = Cuja decisão dependa de Conhecimentos Navaes = segue-se uma
restricção =: como são mencionados no Alvará de 6 de Novembro de 1810, que tractou restrictamente daquellas Causas Maritimas entre Vassallos de differentes Estados, que forem da natureza daquellas, que devem ser decididos pelo Direito Publico das Gentes, e pela pratica de Julgar adoptada pelas Nações Maritimas; o que sem dúvida procede de equivocação; por quanto na Consulta se lê = como são os mencionados = e desta formei seria a disposição exemplificativa, e no Alvará se lê = como são mencionados = o que mostra uma formal restricção.

A vista do que fica expendido, parece á Commissão que não compete ao Real Conselho de Marinha o conhecimento dos Crimes, em que delinquirem Individuos, que não pertencerem á Armada Real.

Camara dos Deputados da Nação Portugueza 29 de Janeiro de 1827. - Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento - Francisco de Borja Pereira de Sá - Rodrigo de Sousa Castello-Branco - Manoel de Ser pá Machado, como vencido - Manoel Borges Carneiro - Caetano Rodrigues de Macedo - José Joaquim Cordeiro.

O Sr. Moraes Sarmento: - Eu peço, Sr. Presi-

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dente, que V. Exca. mande ler primeiramente o Officio de Sua Exca. o Ministro da Marinha, pelo qual veio remettida a Consulta do Real Conselho de Marinha. A Commissão, á qual eu tive a honra de pertencer, fundou principalmente o seu Parecer sobre o Officio do Ministro, não somente porque as relações desta Camara, para o expediente dos Negocios, estão estabelecidas com o Ministerio, e não com os Repartições sujeitas ao Poder Executivo; mas até por um principio de se poder tractar esta materia com clareza, e ordem, pois a exposição feita na Consulta me parece algum tanto confusa. O Officio estabelece o quesito em termos breves, e positivos.

O Sr. Secretario Barroso lêo então o seguinte

OFFICIO.

Excellentissimo o Reverendissimo Senhor. - De Ordem da Senhora Infanta Regente, em Nome d'ElRei, transmitto a V. Exca., para ser presente á Camara doa Srs. Deputados da Nação Portugueza, a inclusa Consulta do Real Conselho de Marinha, em data de 14 de Dezembro ultimo, sobre a differença de Pareceres dos Conselheiros, se pertence ou não ao Conselho o juizo dos casos Crimes, que não recahem sobre Individuos da Armada Real, mas que dependem de Conhecimentos Novaes, visto que o objecto, de que se tracta pertence ao Corpo Legislativo, como tractando-se de interpretar Lei. Deos guarde a V. Exca. Palacio d'Ajuda em 3 de Janeiro de 1827 - Excellentissimo e Reverendissimo Senhor Bispo Reservatario de Coimbra, Presidente do Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza - Antonio Manoel de Noronha.

O Sr. Cordeiro: - Sr. Presidente, levanto-me para manifestar á Camara os judiciosos fundamentos que leve o Sr. Sarmento, muito digno Presidente da Commissão para requerer a leitura do Officio do Excellentissimo Ministro de Estado dos Negocios da Marinha, e da Consulta que elle remettêo. Pela leitura do Officio se vê, que elle tracta unicamente da interpretação da Lei sobre a Jurisdicção Criminal do Real Conselho de Marinha; e a Consulta na sua conclusão assim o manifesta; porem no corpo da Consulta vem incidentemente ponderada a amplitude da Jurisdicção Civil, e nella se suppõe como materia sem questão, que nesta parte o Conselho tem toda a Jurisdicção sobre todos os casos, que dependão de conhecimentos Navaes; e supposto isto se forma daqui argumento para os casos crimes. A mesma engenhosa subtilesa se observa em um Impresso, que se distribuio na Camara de baixo do nome de = Justicola - em que se attribue á Commissão, que ella opina, que pertence ao Real Conselho de Marinha em ultima Instancia o conhecimento de todos os negocios, cuja decisão dependa de conhecimentos Navaes: e que somente exceptua os crimes, que na primeira Instancia não são julgados em Conselho de Guerra. Para desvanecer estas idéas declaro, que a Commissão dividio a Jurisdicção do Conselho em Civil e Criminal: da primeira não tractou, porque esta não fazia o objecto da Consulta, nem da Proposição do Ministro; a Consulta fallou nesta materia incidentemente, e por isso a Commissão tambem
incidentemente disse, que a respeito dos casos Civeis não tem o Alvará do 1.º de Fevereiro de 1835 aquella amplitude, que os Conselheiros lhe attribuem: tractou por tanto a Commissão da materia Criminal, e sobre ella he que fundamentou o seu Parecer. Sr. Presidente, he para desconfiar tanto empenho, e esforços que se manifestão; a maioria do Conselho fundamentou na Consulta o seu voto, e pelo contrario não se estendêrão os fundamentos do voto contrario; e de mais a mais ainda se espalha o papel do Sr. Justicola para fortificar o voto da maioria, apezar de vir despido e nu o voto separado: eu desconfiarei sempre quando sem necessidade se fazem tão repelidos esforços, pois que a verdade não necessita regularmente de tanta demonstração. He quanto tenho a ponderar por ora; quando o Parecer for impugnado peço a palavra para o sustentar.

O Sr. Serpa Machado: - Cumpre-me dar a razão porque sou contra o Parecer da Commissão. Examinando eu o Alvará de 1825, que se refere ao de 1823, digo que em se lendo he sufficiente para se conhecer, que elle estabelece o Privilegio de causa e não de pessoas (lêo): está claro, que estabelecendo esta regra não se pode dizer senão que o Conselho do Marinho conhece deste caso, não como Privilegio de pessoas, mas como privilegios de causas; e se se tracta de Privilegio de causa, porque se ha de negar ás pessoas que não são de Marinha?

Não tem lugar. O Governo, vendo-se embaraçado na execução da Lei, remettêo esta Consulta á Camara; a mim parece-me que, o que o Governo devia neste caso fazer, era apresentar uma Proposta de Lei sua, que remova esta dúvida, e manda-la á Camara; aliás havemos de nos ver muitas vezes embaraçados, sem sabermos o que havemos de fazer, por não estarmos ao alcance de certas municiosidades, de que o Governo deve estar. Por tanto, não só para este caso, mas para todos os outros em que o Governo entre em dúvida, devemos indicar que faça uma Proposta positiva, e não pergunta simples. E portanto, no caso presente devemos decidir, que não tomâmos conhecimento desta materia por não conter Proposta de Lei.

O Sr. Aguiar: - A Camara parece disposta a approvar o Parecer da Commissão sobre a dúvida proposta pelo Excellenlissimo Ministro da Marinha, e a minha opinião he tambem, que a Jurisdicção do Conselho de Marinha, relativamente á ultima Instancia dos negocios, que pelas Leis lhe pertencem, só comprehende os crimes de quaesquer individuos da Armada Real: levantou-se contra isto o Sr. Serpa Machado, mas os seus argumentos não me determimão a segui-lo. O Alvará do 1.° de Fevereiro de 1825 determina: que ao Conselho da Marinha compita o n que está ordenado pelo Decreto de 3 de Outubro de 1823, no que he relativo a Instancia ultima de todos os factos de Marinha, e no que pertence a Prezas, encontros com Corsarios, e mais objectos identicos, cuja decisão dependa de conhecimentos navaes, como são mencionados no Alvará de 6 de Novembro de 1810. Porem como devem entender-se as palavras todos os factos de Marinha? O mesmo Alvará o ensina, porque se refere ao Decreto ultimo, e elle ao Artigo 4.° da Lei de 30 de Outubro de 1822, sem fazer a este respeito alteração alguma; em consequencia do que he evidente que sendo esta Legislação relativa só aos Conselhos de Guerra Navaes, os quaes, subindo antes ao Supremo Con-

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sello de Justiça, passarão depois para o Conselho de Marinha, não pode ampliar-se; e qualquer ampliação seria contra as regras da boa Hermeneutica, a qual não admitte interpretação extensiva, quando se tracta de privilegios, cem caso nenhum, quando não ha identidade de razão, como na verdade não ha, entre os crimes comettidos por individuos da Armada Real, e os que o não são, para serem todos julgados militarmente, só pela circumstancia de dependerem os factos de conhecimentos navaes. Diz o Auctor das reflexões, lembradas pelo Sr. Cordeiro, que esta intelligencia não he compativel com a extensão das expressões todos os factos: porem, alem de que as palavras nem sempre comprehendem tudo quanto parecem comprehender, quadra bem áquellas o sentido que lhes dei, porque o adjectivo todos he limitado pela referencia ás Leis anteriores, e exprime a generalidade dos crimes comettidos por individuos da Armada Real. Pertende ainda o Sr. Serpa apoiar-se nas palavras: e tais objectos identicos, cuja decisão dependa de conhecimentos navaes, querendo concluir a regra geral de que pertencem ao Conselho de Marinha todos os negocios, que exigem conhecimentos navaes, sendo feito, que este privilegio de foro não he pessoal, e que a Constituição, Artigo 145 §. 16, sustenta os desta natureza. Porem he necessario advertir, que o referido Alvará não faz da competencia d'aquelle Tribunal todos os objectos navaes; junta a clausula: como são mencionados no Alvará de 6 de Novembro de 1810, e por tanto contem uma disposição taxativa das causas mar>itimas entre Vassallos de differentes Estados, das quaes só falla o Alvará de 6 de Novembro. Diz-se que aquella clausula he exemplificativa, accrescentando-se o Artigo - os, = e tendo-se =.como são os mencionados; = porem esta Emenda he arbitraria, e se todas as vezes que uma Lei oferece repugnancia a uma qualquer conclusão, fosse licito emenda-la, o direito tornar-se-na incerto, e os interpretes serião os Legisladores. Alem disto be preciso saber que as palavras do Alvará do 1.º de Fevereiro, e no que pertence apresas, com as que se seguem, não são applicaveis ao conhecimento em ultima instancia dos crimes comettidos por individuos da Armada Real, e sujeitos aos Conselhos de Guerra Navaes. O ser o foro, de que se tracta, privilegiado em razão da causa, não destroe a minha opinião, porque, como quer que seja, he certo que não pode estender-se alem das pessoas, (sendo pessoal) e alem das causas (sendo real) expressas nas Leis, e o Artigo 145 §. 16 da Carta não manda que sejão privilegiadas algumas cousas, mas que subsista o privilegio de foro nas causas, que por sua natureza pertenção a Juizos particulares, na conformidade das Leis: por tanto não basta a natureza das cousas para existir o privilegio he necessario que este seja sanccionado nas Leis, e este he o ponto da nossa questão. Se se tractasse de estabelecer um Tribunal especial para todas as Causas maritimas, e que dependem de conhecimentos navaes, não sei qual sella o meu parecer; mas agora do que se tracta he, de saber se existe, segundo a Legislação actual. O uso das Nações Policiadas, e Commerciaes, qualquer que seja, nada faz a bem da opinião do Sr. Serpa porque elle só he subsidiario na falta de Leis patrias, e nós temos felizmente os que servem de Regimento ao Conselho de Marinha, e que decidem a questão. Fez dúvida ao Sr. Serpa Machado não ter o Excellentissimo Ministro tomado a iniciativa neste objecto, apresentando uma Proposição, para ser convertida em Projecto de Lei: eu supponho que não he necessario, nem tinha lugar. Como se tracta, não de estabelecer uma Lei nova, mas interpretar as antigas, basta que o Poder Executivo proponha a sua dúvida; e qualquer parte que elle tomasse, offerecendo a declaração do seu Parecer, não poderia illustrar a Camara, a qual não ha de decidir-se pela conveniencia desta, ou daquella interpretação, mas por aquella que mostrão as regras da Hermeneutica, as quaes em tal caso é Legislador deve seguir. Concluo por tanto, que se deve decidir a dúvida proposta pelo Excelentissimo Ministro, tornando-se uma resolução, a qual fixe a intelligencia do direito duvidoso, e que a decisão seja restrictiva, declarando-se comprehendidos na jurisdicção do Conselho apenas 1.º a ultima instancia dos Conselhos de Guerra Navaes; 2.° a jurisdicção contenciosa sobre Prezas, e encontros com Corsarios; 3.° as Causas maritimas entre Vassallos de differentes Nações.

O Sr. Cordeiro: - Um Sr. Deputado diz que a Camara deve dizer que não toma conhecimento da Consulta mandada pelo Governo, por não conter Proposto de Lei. O Poder Executivo he verdade que tem partilha na iniciativa das Leis; mas a Carta não lhe impoz obrigação rigorosa para o Governo sempre tomar a iniciativa. Segundo as Leis existentes, quando se suscita alguma duvida na execução, e intelligencia da Lei, basta que um dos Membros do Tribunal requeira Consulta para ella se fazer: o negocio por isso subia por Consulta, que Sua Magestade resolvia; mas como presentemente o Poder Executivo não tem a Attribuição de fazer a interpretação das Leis, e só ao Poder Legislativo compete o faze-la, he manifesto que, em quanto não for derogada a facilidade de fazer as dietas Consultas, e se não prescreverem regras, que fixem a forma de verificar a necessidade da interpretação authentica, não podemos deixar de admitti-las, nem temos meio algum de impôr ao Governo a obrigação de tomar sobre ellas a iniciativa.

O Sr. Pereira de Sá: - Como tive a honra de pertencer á Commissão Central, que dêo o Parecer, que agora se discute, julgo do meu dever dizer alguma cousa para o sustentar. Primeiramente examinarei, assim como fez a Commissão, se pela Legislação existente compete, ou não ao Real Conselho de Marinha a ultima instancia das Causas Crimes dos individuos, que não pertencem á Armada Real; depois passarei a fazer algumas reflexões sobre os argumentos, com que se tem querido provar que ao Real Conselho de Marinha deve competir o conhecimento de todas as Causas maritimas, cuja decisão dependa de conhecimentos navaes; ainda que me parece que esta questão he intempestiva, porque agora não se tracta de crear o Conselho de Marinha, nem tão pouco de lhe determinar as Attribuições, que deve ler; mas tracta-se somente de saber a Jurisdicção, que lhe compete pela Legislação actual, e isto mesmo he o que se collige do Officio do Excellentissimo Ministro da Marinha, dizendo que Sua Alteza Serenissima manda remetter a esta Camara a Consulta, por se tractar de interpretação de Lei; e a meu ver interpretar uma Lei não he amplia-la. Examinando pois a, Legislação do Conselho, temos em primeiro lugar o Decreto de 3 de Ou

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tubro de 1813, por onde este Conselho foi creado para substituir era parte o Almirantado, que havia eido abolido no anno antecedente, ordenando ao mesmo tempo que na Jurisdição, que lhe ficava compelindo, se regulasse peio Regimento, e mais Leis, por onde se regulava o extincto Almirantado. Ora: como estas Leis dizião Remonto respeito á ultima instancia dos Conselhos de Guerra dos individuos da Armada Real, e ao Contencioso das Prezas, segue-se que de nenhuns outras casos, alem destes, podia tomar conhecimento o Conselho de Marinha, pois não tinha Regimento, por onde se dirigisse. Vamos agora ao Alvará do 1.º de Fevereiro de 1825, que faz o primeiro, e principal fundamento da pluralidade dos Conselheiros, que assignarão a Consulta: este Alvará elevou o Conselho de Marinha á Dignidade de Tribunal Régio, igualando-o em honras, e privilegios ao Conselho de Guerra, que em quanto a mim melhor seria que estes duos Tribunaes compozessem só um, assim como he no Rio de Janeiro; porem isto não he para agora; neste Alvará pois se tornou a repetir que ao Real Conselho de Marinha devia pertencer a instancia ultima de todos os factos de Marinha, e no que pertence a Prezas, encontros com Corsarios, e mais objectos identicos, cuja decisão dependa he conhecimentos navaes, como são mencionados no Alvara de 6 de Novembro de 1810: nada mais ha nesta Lei, que ponha em dúvida a Jurisdicção do Conselho senão as palavras = e mais objectos identicos, = que se seguem depois ao Prezas, encontros com Corsarios; mas querer que por estas palavras se devão entender todas as Causas Maritimas, que dependão de conhecimentos navaes, he com effeito estirar a Lei o mais, que he possivel, porque identico quer dizer igual, ou da mesma natureza, e como poderão ser todas as Causas Maritimas da natureza das de Prezas? Logo: segue-se que por estas palavras não se devem entender senão os objectos mencionados no Alvará de 6 de Novembro de 1310, que vem a ser as Causas Maritimas, que se suscitarem sobre Propriedade entro Vossallos de differentes Estados, e são estes certamente os objectos, que tem perfeita identidade com as Prezas, e até ha muitos casos, que podem ser julgados petas mesmas Leis. Portanto he evidente que pela Legislação actual não pode competir ao Real Conselho de Marinha outra Jurisdicção Criminal, senão a que recahir em individuos da Armada Real. Pelo que pertence aos outros argumentos, com que se tem querido combater o Parecer da Commissão, direi: ainda que as Causas Marítimas sejão daquellas, que pela sua natureza devão pertencer a Juizes particulares, nem porisso se segue que o Real Conselho de Marinha seja o Juizo competente, porque, sendo um Tribunal puramente Militar, he pela sua natureza um Juizo especial para os Militares da Armada; e, se tambem tomar conhecimento de crimes de outros individuos, vale o mesmo que dar o Foro Militar e estes, individuos, ou tornar-se o Tribunal em Commissão Especial para elles; e qualquer destas cousas de contra o mesmo § 16 do Artigo 145; pelo que me parece mais conforme á Carta que o conhecimento destas Causas continue a competir aos Tribunaes Civis, como até aqui, ou áquelles, que de futuro se acharem na conformidade das Leis. Igualmente o exemplo das outras Nações Maritimas não pode ler exacta applicação para este caso: fallarei das duas primeiras Potencias Maritimas da Europa; na Inglaterra ha verdade que o Almirantado toma conhecimento dos casos acontecidos dentro dos Portos, e Ribeiras d'aquelle Reino, porem todas as outras Causas Maritimas são julgadas nos Juizos Civis; alem do que, o Almirantado Britannico não he um Tribunal Supremo de Justiça, como he o Real Conselho de Marinha. Na França, pela Ordenança de Commercio de 1681 o conhecimento das Causas Maritimas pertencia aos Tribunaes do Almirantado; porem estes Tribunaes não erão Militares, chamavão-se assim por serem da nomeação do grande Almirante de França, que de ordinario era um Principe de Sangue; tanto isto he certo que, estabelecendo-se pelas Ordenanças de 1765, e 1776 Conselhos Militares de Marinha, estes tomavão unicamente conhecimento dos factos da Marinha Real; e presentemente o conhecimento das Causas Maritimas pertence aos Tribunaes especiaes do Commercio, creados na conformidade do respectivo Codigo, que regula desde 1808.

Do que tenho dicto concluo que o Parecer da Commissão he exacto, e conforme ajusta interpretação das Leis existentes: no emtanto, se a Camara na sua Sabedoria assentar que se deve ampliar a Jurisdicção do Real Conselho de Marinha, então parece-me que sem melhor reservar isto para as novas Ordenanças de Marinha, onde se deve dar uma organisação definitiva a este Tribunal.

O Sr. Moraes Sarmento: - Depois da sustentação do Projecto pelos dous meus Illustres Collegas, que acabarão de fallar contra o Sr. Deputado pela Provincia da Beira, que o impugnou, e que sendo Membro da mesma Commissão alli fora de parecer contrario ao dos outros Membros, parece que eu me devera cular, a fim de que se poupe o tempo, que he tão precioso, e até porque me parece estar a Camara disposta a approvar o nosso trabalho. Farei alguns breves reparos para illustração da materia, e he escusado tocar na parte tão largamente exposta pelo Sr. Deputado pela Estremadura, que mostrou quaes erão as Authoridades, a quem o nosso Direito tem encarregado a decisão de objectos maritimos, como o Juizo de India e Mina, alguns na Casa da Supplicação, Ouvidoria da Alfandega, Junta do Commercio, Provedoria dos Seguros etc. A illustração historica desta questão he em breve a seguinte. Depois da Guerra excitada pela Revolução de França quiz o nosso Governo pôr em pé respeitavel a nossa Marinha, e se dèo a formar estabelecimentos navaes. Entre estes foi a creação do Almirantado, o qual foi verdadeiramente, seja-me licito usar desta frase, uma rapsodia da Inglaterra.
Como em Inglaterra ha Almirantado, tambem se suppoz que o devia haver em Portugal. Não se attendêo a que em Inglaterra uma cousa he a Mesa doa Lord Commissario do Almirantado, e outra cousa he a Corte, ou Tribunal do Almirantado. Os Lords Commissarios são encarregados de fazer as vozes do Lord Alto Almirante, lugar de uma preeminencia tão subida, e de uma jurisdicção tão ampla, que a não ser para tornar mais respeitavel o lugar de algum Principe, he raro, ou talvez nos tempos modernos só não tenha nomeado particular algum, por mais conspicuo, que ello se tenha feito pelos seus serviços, para se evitar que a sua jurisdicção entendesse com a maior

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parte dos Ramos Administrativos, até os da administração interna, como nos canaes, e navegação interior. Outra cousa mui diversa se a Corte, ou Tribunal do Almirantado. Elle se compõe de um Juiz Letrado, o qual julga com os Jurados sobro Processos de Seguros, e de Commercio, e abre as suas assentadas, chamadas em Direito Inglez de Oyer, e Terminer, como fazem os mais Tribunaes Civis. He neste importante Corgo, que tanta celebridade tem conseguido Sir William Scott, hoje Lord Stowel elevado pelos seus serviços á Casa dos Pares, e cuja collecção de decisões, e julgados talvez venhão a ser a base do direito positivo das Gentes. He verdade que neste mesmo Tribunal se julgão os crimes comettidos nos mares altos, e distantes da Inglaterra; porém são os Jurados, que decidem de facto, e o mesmo Juiz tem nas Commissões, que o encarregão destes Processos, Juizes adjuntos, sempre tirados dos doze Juizes de Inglaterra.

Vê-se portanto que o exemplo de Inglaterra nada se parece com o estabelecimento do Conselho de Marinha. Ainda quando de facto fosse o Conselho de Marinha aquillo, que se pertende contra a opinião da Commissão, tinhamos a existencia de uma Commissão, á qual deviamos pôr termo, em execução da Carta; e como deveremos consentir em que se estabeleça de novo aquillo, que vai contra a letra expressa da Carta? O actual Conselho de Marinha substituio o antigo Almirantado. Antes da creação do Almirantado, no Conselho de Guerra se tomava conhecimento dos objectos de crimes dá Armada, porque o Exercito, e a Armada estavão debaixo da Jurisdicção d'aquelle Tribunal; para elle se nomeavão Vogaes das Patentes da Armada, assim comodo Exercito, está as antigas denominações das Patentes da Armada seguião as denominação das de Terra; havia Coroneis de Mar, Tenentes Generaes de Mar etc. A creação dos Titulos de Almirantes, Vice Almirantes etc. he dos tempos modernos.

A imitação de Inglaterra influio em se dar ao Almirantado aquella parte da Jurisdicção sobre Prezas, que elle tinha; e a divisão do serviço de Mar fez que do Conselho de Guerra passasse o estabelecimento do Conselho Supremo de Justiça para o Almirantado, da mesma maneira que estava creado no Conselho de Guerra. Em quanto á historia do Almirantado, ella he bem sabida de todos. Foi extincto pelas Côrtes passadas, e á instancia de quem não podia ver essas Côrtes; não sei nem pertendo saber a razão: he notorio, que depois de extinctas as Côrtes, e restituido tudo, só o Almirantado ficou no esquecimento, e apparecêo o Conselho de Marinha como uma Phenix, renascida, parecendo que havia certa indisposição contra aquelle Tribunal, que este Conselho veio substituir. Resumindo o que tenho dicto, segue-se que nitida se fosse necessario recorrer á pratica das Nações Estrangeiras, na forma da Lei de 18 de Agosto de 1769, o exemplo da Inglaterra não he produzido com a semelhança, que se pertende, como deixo exporto; em forma largamente illustrada pelo meu Sabio Collega, O Sr. Deputado pela Estremadura, não carecemos de recorrer aos usos, e costumes estrangeiros, porque a Lei tem marcado as Authoridades competentes para os casos, que occorrerem, devendo-se portanto, segundo penso, approvar-se o Parecer da Commissão.

O Sr. Marciano de Azevedo: - A Commissão decide que não compete ao Conselho de Marinha o conhecimento de crimes, em que delinquirem individuos que não pertencerem á Armada Real; e eu digo que lhe pertence mais alguma cousa, por isso não approvo o Parecer; porque a mesma Commissão reconhece que pelo Alvará do 1.° de Fevereiro de 1825, e Decreto a que se refere o de 3 de Outubro de 1823, ficou tambem pertencendo ao Conselho a parle contenciosa, que for relativa a Prezas, e suas dependencias: e por ventura será contencioso somente o que civilmente se processar; ou serão de Jurisdicção voluntaria as contendas criminaes? Por certo que não: logo toda a questão sobre Prezas ainda que seja criminal não pode deixar tambem de pertencer ao Real Conselho de Marinha, porque assim o dizem as Leis citadas pela mesma Commissão; então como pode decidir se que só lhe pertence o conhecimento dos crimes comettidos pelos individuos da Armada Real? Ha Prezas que nem podem deixar de se processar criminalmente, por exemplo, o Navio Portuguez que he apprehendido armado em Guerra por commissão de outra Nação sem licença Regia: o Navio Estrangeiro que andar armado em Guerra por commissão de uma Nação, tendo Patente de outra, porque ambos estes cases são processados criminalmente pela expressa determinação do Alvará de 7 de Dezembro de 1796, que a do 1.º de Fevereiro de 1825 manda observar, quanto ao conhecimento do Conselho sobre Prezas; e por conseguinte o seu conhecimento tambem lhe pertence ; e se lhe pertente, como pode subsistir o Parecer da Commissão, que lhe limita a Jurisdicção somente aos crimes dos individuos da Armada Real? He a mesma Lei que se quer interpetrar que assim o manda, sem precisar de interpretação porque está muito clara; e quando precisasse ser interpretada nesta Camara, não o devia ser do modo que fez a Commissão, que só se occupou da interpretação doutrinal propria do Jurisconsulto, quando outra mais nobre, a interpretação authentica he a que pertence ao Poder Legislativo; interpretação que tem sempre por norma a maior somma de utilidade publica; e por consequencia se a Commissão julgou que devia interpetrar a Lei, em vez de privar o Conselho como privou de uma parte de Jurisdicção, que a Lei lhe tem concedido, propozesse antes um Projecto que fixasse bem todas as suas attribuições, para nunca mais apparecerem duvidas.

O Sr. Pereira de Sá: - Sr. Presidente, levanto-me para responder ao Sr. Deputado que acabou de dizer que não aprovava o Parecer da Commissão, por que este limitava a Jurisdicção criminal do Concelho somente aos individuos da Armada Real, excluindo assim as Prezas, que em muitos casos se devião processar criminalmente: sem duvida o Sr. Deputado está equivocado; ocontencioso das Prezas entende-se em quinto a julgar da validade das mesmas Prezas, e não a processar criminalmente os individuos, que compõem as suas equipagens, porque a estes nenhum crime lhes remita de serem nossos inimigo; e quando algum Corsario he declarado Pirata, então o Guarnição he entregue ao Juizo das Varas da Côrte para ser julgada conforme a Lei, como ainda não ha muitos annos succedêo com a Escuna Nympha. Em quanto ao que disse outro Sr. Deputado, que era conveniente que o Real Conselho de Marinha tomasse conheci-

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de todos os factos maritimos, por ser o unico Tribunal que podia decidir com mais conhecimento de causa, tenho a dizer, que na primeira Instancia onde se preparão semelhantes Processos he que se toma conhecimento dos factos, para o que são ouvidos Louvados ou Peritos; e como nestas Causas sempre ha uma Parte interessada em descobrir a vaidade, os factos são lavados alli á ultima evidencia; e quando os Processos sobem á Superior Instancia he só para se conhecer das provas, e não dos factos; e para isto não he necessario que os Juizes tenhão conhecimentos Navaes: ainda mais me convenço desta verdade quando noto que, havendo em Portugal tantas destas Causas, nunca ninguem requerêo que fossem julgadas no Almirantado; e agora mesmo não me consta que haja Requerimento de alguma pessoa, que queira ser julgada ao Real Conselho de
Marinha: portanto, torno a concluir que se deve approvar o Parecer da Commissão.

O Sr. Cordeiro: - Não ha cousa mais facil para tirar conclusões que cada um pôr principios, mas não demonstrar a verdade dos mesmos principies: diz-se que, para interpretar o Alvará de 1825, não era necessario recorrer d Legislação anterior, porque elle a tinha revogado: isto dicto não ha cousa melhor; mas agora vejàmos se he verdadeiro o principio, e se o Alvará do 1.º do Fevereiro de 1825 revogou a Legislação anterior.

Este Alvará a respeito da ultima Instancia dos Factos Crimes nem revogou, nem fez ampliação alguma: diz elle: = Hei por bem determinar que lhe compita não só o que está ordenado pelo mencionado Decreto de 3 de Outubro, no que he relativo á Instancia ultima de todos os factos de Marinha. = Logo : refere-se a disposição aquelle Decreto: e que diz o Decreto? = Hei por bem incumbir aquelles Conselhos de Justiça a um Conselho de Marinha. = E que Conselhos serão estes, de que falla o Decreto? Erão aquelles, de que tractou o Artigo 7 do Tit. 3 do Regimento do Conselho do Almirantado do 26 de Outubro do 1796. E que dispõe este Regimento? Este Regimento, estabelecendo a forma de organisar aquelles Conselhos, refere-se ao Decreto de 15 de Novembro de 1783, que creou os mesmos Conselhos nesta conformidade = Não havendo Regulamento, que estabeleça a forma, com que se deva proceder contra as Pessoas do Corpo Militar da Repartição da Marinha, Sou Servida Ordenar que, delinquindo algum dos dictos Militares, seja processado na conformidade, que determina o Regulamento das Tropas do Serviço da terra. - Portanto: o Conselho do Marinha a respeito dos Conselhos Novaes tem a mesma Jurisdição que o Supremo Conselho de Justiço tem a respeito dos Conselhos de Guerra. Do que fica dicto he manifesto que nesta parte o Alvará do 1325 não derogou as Leis anteriores, antes se referio a ellas. O dicto Alvará só fez alguma ampliação a respeito da Jurisdicção relativo aos casos identicos do Presas, estendendo-a aos que forão especificados no Alvará de 6 de Novembro de 1810; e he tão justamente fundamentado tudo o Perecer da Commissão, que o Auctor das Reflexões offerecidas debaixo do nome de Justicola, para o combater diz: que tudo se concilia com o menosylabo = os =, que não vem na Lei. Já se vê quanto forçosa, e arrastrada he uma interpretação, que para se fundamentar he necessario accrescentar palavras, que não vem na Lei!!

Porque o Conselho tem uma Jurisdicção sobre Presas, não se segue que a tenha sobre todos os mais casos Maritimos; debalde se argumenta com o exemplo das Nações, porque não se tracta de constituir, tracta-se de entender o que foi constituido entre nós.

Os Fretes, e Soldados do Mar, as Avarias de toda a ordem, os Seguros, etc. todos estes factos dependera de Conhecimentos Navaes; e o Conselho jamais conhecêo destes objectos, nem em primeira, nem em ultima Instancia. As Avarias feitas dentro do Porto de Lisboa até 50$000 rs. pertence o seu conhecimento no Inspector do Arsenal Real da Marinha; e do 50$000 rs. para cima pertencem á Junta do Commercio, que conhece dos objectos de Commercio, e Navegação; o que se mostra da Portaria, e Regulamento de 7 de Junho de 1811. Estàmos portanto conformes com os Costumes das Nações, que estabelecerão determinados Juizes para as Cousas Navaes, e de Commercio; assim o praticou a França, a qual deixou o Conhecimento das Prêzas a uma Jurisdicção particular, porque as Prêzas nem podião entrar na Composição do Codigo de Commercio: a sua natureza, e resultados derivão do Direito Publico, e pertencem á Politica as Causas, que d'ellas se derivão, interesses os Direitos Politicos das Nações, e os Direitos de Commercio.

Pelo que respeita á Pirataria foi este objecto sufficientemente Ilustrado pelo Membro da Commissão, o digno Deputado pertencente ao Corpo da Marinha.
O Sr. Marciano d'Azevedo: - Os Corsarios não são Individuos da Armada Real, porque não tem mais do que uma Licença para Corso; e não obstante manda a Lei processar seus crimes no Auditorio da Marinha, d'onde sobem por Appellação ao Conselho da Marinha: por consequencia estou ainda na mesma opinião.

Julgada a meteria suficientemente discutida, foi posto o Parecer á votação, e foi approvado.

O Sr. Presidente: - He necessario que a Camara resolva o modo, com que esta decisão deve ir á Camara dos Dignos Pares.

O Sr. Pereira de Sá: - Parece-me, uma vez que foi approvado o Parecer da Commissão, que se deve reduzir o que te acha vencido a Projecto de Lei, para ser remettido á Camara dos Dignos Pares, e julgo que o Illustre Relator da Commissão vem já prevenido para isto.

O Sr. Cordeiro: - Na Commissão alguns dos seus Membros julgarão que se devia propor um Projecto de Lei, mas depois assentou-se que, logo que o Parecer fosse approvado, se apresentasse; com effeito fez-se: o Sr. Macedo, que não está hoje presente, disse que não estava a seu gosto; eu, quo sou facil de resolver, disse: pois bom; então não se faça; e por isso se inutilizou.

Resolveo-se que voltasse á Commissão para redigir o respectivo Projecto de Lei, que deve ser remettido á Camara dos Dignos Pores do Reino.
Passou-se á segunda parte da Ordem do Dia; a discussão do Projecto N.º 131 sobre a Inviolabilidade da Casa do Cidadão, e he o seguinte.

A Commissão Central encarregada de dar o seu Parecer sobre a Proposta de Lei 103, relativo á Inviolabilidade da Casa do Cidadão, entende que a sua

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doutrina he digna da approvação desta Camara, fazendo-se n'ella algumas modificações, e addições. O Auctor da Proposta, concordando em grande parte com as observações da Commissão, de que he Membro, apresenta uma Redacção mais apurada daquella Proposta com as alterações, que parecem convenientes.
Sala da Camara dos Deputados em 15 de Fevereiro de 1827 - Manoel de Serpa Machado - Luiz Tavares de Carvalho e Costa - Antonio Camello Fortes de Pina - Agostinho de Mendonça Falção - João de Campas Marreto - Bento Pereira do Carmo - Francisco Xavier Soares d'Azevedo.

Proposta de Lei sobre a Inviolabilidade da Casa do Cidadão

Art. 1. Todo o Cidadão tem em sua Casa um asilo inviolavel: de noite não se poderá entrar nella senão por seu consentimento, ou em caso de reclamação feita de dentro, ou para a defender do incendio, ou inundação: e de dia só será Franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira indicada nos Artigos
Seguintes.

Art. 2. Será franqueada a entrada da Casa do Cidadão, durante o dia, a qualquer Authoridade, e a seus Officiaes, em cumprimento do seu Officio: 1.° por comprimento dos Moradores da Casa: 2.º no caso de reclamação feita de dentro: 3.º no caso de defeza por occasião de incendio, ou inundação: 4.° no caso de flagrante delicto.

Art. 3. Outrosim, durante o dia, será franqueada a Casa do Cidadão a qualquer Authoridade, e a seus Officiaes, em cumprimento do seu Oficcio : 1.º para proceder, em conformidade das Leis, a prisão: 2.° a penhora, e sequestro: 3.º a busca de objectos roubados: 4.º para apprehensão de contrabandos: 5.º para a investigação de instrumentos, e vestigios do delicto, = precedendo nestes ultimos tres casos summaria, e verbal informação de duas testemunhas, que se reduzirá a escripto =.

Art. 4. Nos casos indicados no Artigo 3. se guardarão as seguintes formalidades: 1.º Ordem por escripto de quem determinou a entrada, que indique a Diligencia, e o motivo della: 2 º Manifestação desta Ordem, ou do seu tractado, aos Moradores du Casa:

3.ª assistencia de um Escrivão, ou duos Testemunhas.

Art. 5. O encarregado da Diligencia terá a devida attenção com os Moradores da Casa, conforme a anã Dignidade; e com a modestia, e decoro da Familia, conforme o seu recolhimento.

Art. 6. A entrada arbitraria, de noite, em Casa Particular, alem dos casos indicados no Artigo primeiro, seta punida com a suspensão de Officio, de seis mezes até dous annos ; e com a multa pecuniaria de vinte até cem mil réis.

Art. 7. A entrada, de dia, em Casa do Cidadão, alem dos casos indicados nos Artigos 2, e 3, será punida com a suspensão do Officio , desde tres mezes ate um anno, e com a multa pecuniaria de dez até cincoeota mil réis.
Art. 8., Qualquer Authoridade , ou seus Officiaes, que entrarem em Casa do Cidadão sem Ordem por escripto, ficão sujeitos; a penas comminadas no Artigo antecedente; e a fui-la das mais formalidades estabelecidas no Artigo 4, será punida com a multa de dez até cincoenta mil réis.

Art. 9. A desobediencia á disposição do Artigo 5 seta punida com a multa de cinco até vinte mil réis.

Art. 10. A reincidencia será punida com o dobro das penas indicadas nos Artigos respectivos; e no caso de entrada arbitraria, de noite, será maximo da pena a privação do Officio.

Art. 11. As multas pecuniarias serão applicadas, parte a beneficio dos Expostos, segundo as Disposições do Governo, e outra parte» a beneficio do Accusador.» Se o condemnado não tiver meios de pagamento, substituir-se-ha a pena de prisão; descontando-se cada dia desta pela quantia de quinhentos réis. Alem das penas mencionadas dos Artigos antecendentes, ficão os Réos sujeitos áquellas, em que incorrerem pelas offensas praticadas dentro da Casa contra a Pessoa, Honra, e Bens dos seus Moradores, estabelecidas pelas Leis.

Art. 12. Não ficão comprehendidos na Disposição desta Lei os casos de Aboletamento de Tropas, e quaesquer outros relativos á Disciplina, e Subordinação Militar, em quanto se não fizerem as Leis, que regulem elles importantes objectos, que demandão particulares providencias. Outrosim esta Lei, não diz respeito ás Casas Publicas, como de Estalagem, de Jogo, Lojas de Bebidas, e Tabernas.

Sala da Camara dos Deputados em 15 de Fevereiro de 1827. - Manoel de Serpa
Machado.

Suscitou-se a questão preliminar, se tinha ou não lugar a discussão sobre a materia em geral, antes de se proceder á discussão particular de cada um dos Artigos, na forma do Regimento, e se este te devia julgar ter execução a respeito das Leis Regulamentares, se resolvêo que se observasse o Regimento.
Seguio-se por tanto a discussão em geral do Projecto.

O Sr. Serpa Machado: - A minha voz não me permitte que faça grande Discurso, nem o caso o pede; entre tanto sempre direi alguma cousa, em quanto á ordem, e ao methodo que segui. Parece-me que no primeiro devia estabelecer a regra geral, em que não se pode admittir a entrada em Casa do Cidadão: fiz o segundo Artigo indicando os casos, em que he permittido entrar em Casa do Cidadão sem formalidades, e o 3.ª com ellas. Passai depois na 2.ª parte da Proposta a designar as penas correspondentes a cada uma das infracções da Lei; concluindo o Projecto com alguns Artigos declaratorios relativos a accumulações das penas, ao destino das mesmas, e a outras limitações mais genericas. Fiz por conciliar a boa Administração da Justiça com o socego do Cidadão na sua Cosa, e a suavidade rias penas com os meios sufficientes para prevenir os dehetos: castigando-se as Authoridades sem as degradar, e menoscabar.

Como não houvesse outro Sr. Deputado que pedisse a palavra, foi o Projecto na sua generalidade entregue a votação nominal, e foi unanimemente approvado, e resolvendo-se que a discussão particular de cada um dos seus Artigos ficasse para Ordem do Dia da seguinte Sessão.

Tomou-se em consideração a Indicação offerecida na Sessão antecedente pelo Sr. Deputado Cordeiro, para se declarar se n resolução da Camara, sobre, o Parecer na Commissão de Petições a respeito das Re-

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vistas de Graça Especialissima, se deve considerar como Despacha ao Requerimento da Parte, ou como um Projecto de Lei, que deve ser enviado á Camara dos Dignos Pares do Reino.

O Sr. Camello Fortes: - Eu acho que a resolução da Camara deve lançar-se na Acta, e nada mais: o contraria he querer illudir a decisão.
O Sr. Leite Lobo: - Eu sou desta mesma opinião; he um Requerimento particular; por consequencia voto contra o Requerimento, e sou de opinião que se faça como se tem feito em todas as outras decisões desta Camara.

O Sr. Serpa Machado: - Os Requerimentos que QS Partes fazem, ou são para que se teme sobre elles medidas Legislativas, ou são Requerimentos particulares: no segundo caso he verdade que se tem adoptado aquelle methodo de dizer = não pertence á Camara = porém a decisão que se tomou hontem depende de uma medida Legislativa, e por consequencia he indispensavel que aquella medida que está vencida se converta em Projecto de Lei, porque aliás seria unia decisão illusoria. Quando se diz = não pertence á Camara = não he necessario mais que declarar na Acta; porem como a decisão de hontem foi diversa, sou da opinião do Sr. Cordeiro.

O Sr. Cordeiro: - Quando na Sessão de hontem offereci o meu Requerimento, ou Indicação, logo pedi a V. Exca. me concedesse a palavra, para patentear á Camara os fundamentos, e o sentido em que eu a formava, e hoje quando se lêo a Acta, e me levantei para manifestar que eu não fora authorisado pela Commissão de Petições, e que fizera a Indicação cm meu nome, e como Membro da referida Commissão, para esclarecer deste modo algum equivoco, que podia resultar da redacção da Acta, tornei a repetir a V. Exca. que pedia a palavra em lugar competente, sobre a Indicação de que era Auctor; e a minha tenção era obter a palavra em primeiro lugar, para manifestar a ingenuidade dos meus sentimentos na exposição franca dos motivos, que me determinarão a apresentar a mesma Indicação; parecia-me por tanto que eu deveria ter primeiro a palavra; porem como já faltarão dous dignos Deputados, e faltarão ambos em contrario sentido, cumpre primeiro que Indo responder ás objecções, que elles fizerão. Disse um Honrado Membro que isto era um Requerimento particular; mas eu não posso entender que conclusão d'ahi se podo tirar contra a minha Indicação: se a qualidade de publicitar se refere ao que faz o Requerimento, sobre que recahio a resolução da Camara, nada tem o ser particular com a alternativa, que eu proponho á Camara para fixar a natureza da sua resolução. Ora: se o meu Requerimento, ou Indicação, foi qualificada de particular, eu não sei como seja particular a requisição de um Deputado, que, tendo Membro de uma Commissão, pede que se determine a natureza de uma Resolução, que deve sei vir de norma, e regra á mesma Commissão para casos analogos.

Tambem ouvi dizer que a minha Indicação tinha por fim Inutilizar a votação de hontem; isto não he exacto, por que eu offereço uma alternativa, a saber: a resolução de hontem deve considerar-se como despacho dirigido á parte que requerêo, ou como Preposição que deve seguir a marcha de uma Lei?

A Camara resolva o que quizer; e por tanto a Indicação não ataca o vencido directamente, nem eu me proponho a isso; o que bei de mostrar he a necessidade de fixar a natureza da Resolução, que a Camara adoptou. Eu respeito muito as Resoluções da Camara, e sou muito exacto observador do seu Regimento, e por isso na discussão de hontem, vendo atacar o Parecer da Commissão, e tendo muitos argumentos para o sustentar, não me arrisquei a pedir a palavra, só porque na primeira discussão do 1.° do corrente, quando se lêo o Parecer, tinha fatiado duas vezes. Não tive, nem tenho tenção de inutilizar as Resoluções da Camara, e a exposição, que passo a fazer dos fundamentos que me determinarão, mostrará claramente que sobre tudo preso a dignidade da Camara, e o acerto das suas Resoluções, e que da pureza dos meus sentimentos está muito distante o capricho, por ser rejeitado o Parecer de uma Commissão, a que tenho a honra de pertencer.
Quando offereci a minha Indicação, tive em vista consignar a certeza de principios fixados nas Resoluções da Camara, para servirem de base aos Pareceres da Commissão de Petições, de que sou Membro, e evitar uma contradicção, que me parece existir entre duas Resoluções de identidade de materia, cuja variedade não he decorosa á Camara, e faria perplexa a mesma Commissão.

Se eu demonstrar esta materia, persuado-me que desapparecerá toda a idéa, que se tem querido attribuir á intenção de malograr a Resolução de hontem, e que a Camará me fará justiça, pelo amor que mostro da sua dignidade, e que apreciará devidamente a pureza dos meus sentimentos.

A Senhora Valdes, cujo Requerimento veio do Governo remettido a esta Camara em 13 de Dezembro do anno passado, pedia que se mandasse sobre estar nas Causas de seu Marido, que se achava prisioneiro, e não podia prestar as devidas informações, e diligencias para o seu seguimento; a Commissão de Petições, a que eu ainda não tinha a honra de pertencer, opinou que esta concessão pertencia ao Poder Executivo, por virtude da Ord. Liv. 3.º Tit. 37, e Tit. 78, pelas quaes competia a ElRei conceder aos litigantes e paços para se sobre estar nas suas Causas; esta opinião se corroborou com a citação de muitas Leis extravagantes, que mostrai ao o exercício, que os Senhores Reis deste Reino tinhão feito desta Prerogativa; argumentou-se com o exemplo das Nações cultas da Europa, e se concluio que, dependendo o § 11 do Artigo 145 dá Carta de uma Lei Regulamentar, forçoso era que regressem entretanto as Leis actuaes. Foi este Parecer fortemente sustentado, e a final foi rejeitado, e se vencêo na Sessão de 31 de Dezembro, que pertencia ao Poder Legislativo dar as providencias a respeito do Requerimento, e que devia fazer-se uma Proposta de Lei Geral, que effectivamente foi apresentada á Camara.

Apparece agora um Requerimento para que se declaro, por interpretação ao § 1.° do Artigo 131 da Carta, se em quanto se não faz a Lei Regulamentar compete ao Governo conceder as Revistas de Graça especialissima; e a Camara resolve, que pertence ao Governo, e que não he necessaria declaração do Poder Legislativo. Vejamos se na materia exposta existe identidade dê razão. Se a Lei de 1768 faculta ao Rei

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conceder as Revistas especialissimas, tambem as chadas Ord. lhe facultão conceder os requeridos espaços nas demandas; se as Revistas se concedem por justos fundamentos de manifesta nullidade, e notoria injustiça, tambem os espaços só serão concedidos por justas causas, e tempo razoado, e honesto; se conceder Revistas era Prerogativa Real, não era menor a de conceder aquelles espaços; se a concessão de Revista pertence ao Poder Judicial, na forma da Carta, tambem a concessão de espaços nas demandas só pode competir ao Poder Judicial, na forma que as Leis designarem; se a Lei Regulamentar do Supremo Tribunal de Justiça ainda não está feita, tambem a independencia do Poder Judicial ainda não está regulada, e depende de Leis Regulamentares. Persuado-me que he inquestionavel a identidade de razão, e que não necessita demonstrar-se a diversidade de Resoluções, que houverão nestes casos identicos.

Sobre os Requerimentos de Partes deve considerar-se a natureza da Resolução da Camara. Nas Resoluções negativas basta a de uma Camara, porque as disposições legislativas dependem, para seu resultado, de uniformidade das duas Camaras, e da Sancção; por tanto, logo que qualquer das Camaras nega a pertenção, não ha necessidade de ulterior conhecimento, pois que a negativa de uma importa a impossibilidade do acto; não acontece assim quando a Resolução he affirmativa, ou dispositiva, porque então he forçoso que passe á outra Camara, e suba á Sancção do Poder Moderador. Considere agora a Camara se a Resolução adoptada hontem contem, ou não uma verdadeira disposição.

Nestes termos já se vê a absoluta necessidade, em que a Camara está constituida, de classificar a Resolução de hontem, ou de simples Despacho, ou de Proposição. Eu propondo a alternativa, e a Camara fará o que melhor convier á sua dignidade; entretanto, seja qual for o resultado da minha indicação, eu muito desejo que a Camara attenda as justas razões, que eu tenho para duvidar, e para pedir uma declaração especifica, e que á vista do que tenho referida faça justiça á pureza dos meus sentimentos.

O Sr. Guerreiro: - Quando nesta Camara se propoz o Requerimento da Senhora Valdez, esta Camara assentou que era necessária uma medida Legislativa, e por isso a Commissão apresentou um Projecto de Lei: hontem disse a Camara que não era necessario medida Legislativa, por consequencia não he necessario mais decisão. Decidio-se que não era necessario medida Legislativa. Que se ha de fazer? Nada.

O Sr. Cupertino: - A Petição sobre que recahio a resolução de que se tracta, dirigia-se expressamente a obter uma interpretação de Lei; e a decisão tomada pela Camara importa uma verdadeira interpretação. Se a Camara achasse que a materia era clara , e a Lei não precisava de interpretação, adoptaria o despacho = Indeferido = ou = Não tem lugar = ou outro semelhante: mas não o fez assim, e dêo uma declaração, usando de uma das attribuições do Poder Legislativo, que he interpretar as Leis. A interpretação authentica da Lei he Lei, e se he Lei deve seguir o caminho das outras.

O Sr. Serpa Machado: - Eu concordei com o Parecer, porem quero que elle tenha effeito, aliás nada mais pueril do que esta Camara tomar uma deliberação será se lhe dar um andamento, ficando assim sem effeito; por tanto acho necessario dar-se-lhe um andamento, e que sirva de regra para todos os outros casos identicos.

O Sr. Camello Fortes: - O Requerimento, a que foi relativa a minha primeira falla, he o do Parte, e mio o do Sr. Deputado, e deste equivoco procedêo a arguição, que sem razão me faz o mesmo Sr. Deputado. A minha intenção não foi, nem será offender na mais minima cousa a alguem, e muito menos o Sr. Deputado. Por isso, se elle julga necessaria alguma satisfação, estou prompto a dar todas as que forem devidas.

O Sr. Leomil: - Eu julgo muito admissivel, e até indispensavel o Requerimento feito pelo Sr. Cordeiro em nome da Commissão. Por esta occasião folgo muito de ver verificado o que em tempo prognostiquei, quando pela vez primeira a Commissão de Petições apresentou o seu Relatorio com alguns Pareceres iguaes a este, para logo daqui sortirem effeito lá fora, ao que eu me oppuz; e como encontrasse repugnancia na maioria da Camara appellei para o tempo. Chegou finalmente; a eis-aqui o momento desta Camara reconhecer a necessidade de passarem as suas resoluções sobre o Direito de Petição pela concorrencia da Camara dos Dignos Pares, e Poder Moderador, sem o que não podem ter execução, por quanto, para que a podessem ter, seria preciso que o Poder Executivo fosse obrigado a estar por ellas; mas elle dirá que não, e com toda a razão, por isso que não he obrigado a estar senão pelas Resoluções do Poder Legislativo. Mas estará por ventura o Poder Legislativo nesta Camara só? Estará na Camara dos Dignos Pares só? Não. Não se confundão pois os Poderes, porque perdida a harmonia está tudo destruido. Os argumentos de paridade nada valem: acolá resolvêo-se que era necessario uma medida Legislativa , aqui resolvêo-se que pertencia ao Poder Executivo, porem este ainda pode estar na mesma dúvida: e quem soffre? A Parte. Por consequencia, para se estabelecer o expediente, he necessario fixar a regra para este caso, assim como para todos os mais, que se acharem em identicas circumstancias, e vem a ser, = que, quando as Resoluções desta Camara sobre materia de Petições contiverem disposição positiva, para terem effeito lá fora devem necessariamente passar pelas demais estações do Poder Legislativo, sem o que não podem ser obedecidas.

O Sr. Aguiar: - O que pede a Parte, sobre cujo Requerimento recahio a resolução da Camara? Que se declare se ainda hoje pertence ao Governo conceder Revistas de Graça Especialissima, porque sem dúvida parecêo ao Excellentissimo Ministro, a quem o Supplicante recorrêo, que aquella Concessão excede as raias do Poder Executivo, e encaminhou-o para as Côrtes.

Esta Camara julgou digna de attenção a Supplica, para merecer uma longa disputa, e afinal julgou que o Poder Executivo não está coarctado na faculdade de conceder aquellas Revistas. Porem a quem pertence interpetrar as Leis? Diz a Carta Constitucional no Artigo 13 § 6.º - Fazer Leis, interpreta-las, suspende-las, e revoga-las, = quer dizer que são Attribuições das Côrtes fazer Leis, interpreta-las, suspende-las, e revoga-las; mas ninguem duvida de que os Decretos, e Resoluções das Côrtes a este respeito precisão da

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Sencção Real para que tenhão força, como se exige no Artigo 74 § 3 da Carta, porque o Poder Legislativo reside nas Côrtes com a Sancção do Rei (Artigo 13 no principio): logo, para que a interpretação, que nos dermos, tenha resultado, e possa estabelecer uma regra fixa, he necessario que seja transmittida á Camara dos Dignos Pares, e depois a Sua Alteza para ser sanccionada, e só assim haverá uma verdadeira interpretação authentica; de outra maneira o Excellentissimo Ministro ficará na mesma dúvida, e a Parte privada de um recurso, que esta Camara julgou competir-lhe.

O Sr. Cordeiro: - Sr. Presidente, levanto-mo ainda para esclarecer a materia de facto. Em todas as reflexões, que produzi, não ataquei o vencimento, que se fez hontem; limitei-me a propor uma alternativa, e a expor os fundamentos, que a justificão: porem como observo que na discussão se tem alterado a verdade de facto, cumpre-me esclarecer, e mostrar o objecto do Requerimento, que foi presente á Commissão: se alguem duvidar do que exponho, requeiro que se leia o Requerimento, para desengano. Diz o Requerente que pertende pedir uma Revista Especialissima em Causa Crime, e que entra em dúvida se a sua Concessão pertence ao Poder Executivo; e pede que se lhe declare por interpretação authentica, e para esse fim dirige a sua Representação = ás Camaras: = note-se que a mesma Parte requer a ambas as Camaras. A Commissão de Petições opinou que se dependia de uma Medida Legislativa no estado da actual Legislação; porem a Camara resolvêo = Para o Governo poder conceder Revistas de Graça Especialissima, nos termos da Lei de 3 de Novembro de 1768, não he preciso declaração do Poder Legislativo. = Logo: o Governo pode conceder Revistas de Graça Especialissima, e a Camara considere se isto contem unia disposição; note que a Parte requer a ambas as Camaras, e resolva. Mas eu não sei como esta Camara possa fazer uma disposição, sem que passe pelos outros Poderes.

O Sr. Marcianno d'Azevedo: - A' Camara não pertence conceder, ou negar Revistas; e por ventura será para isto necessario fazer uma Lei? Não se diga que sem ella não pode o Governo executar a decisão da Camara. O que elle executa não he o que a Camara agora decide, mas a Lei de 3 de Novembro de 1768, segundo a qual pertence ao Rei conceder, ou negar Revistas de Graça Especialissima, em quanto se não fizer a Lei Regulamentar.

O Sr. Magalhães: - Sr. Presidente, parece-me que não tem lugar declarar-se que a decisão da Camara importa um Principio Legislativo, que deve por consequencia submetter ao andamento destes.

O Governo não nos fez alguma Proposta; foi uma Parte, que requerèo; e o deferimento, que esta Camara hontem approvou, equivale a dizer que existe Lei, que deve cumprir-se; e por lauto que não tem lugar a interpretação. Parece irrisorio dizer-se que he necessario fazer-se uma Lei para declarar que não he preciso fazer uma Lei, ou interpetrar uma Lei.

Tanto menos o julgo necessario que, sendo privativo desta Camara tornar effectiva a responsabilidade do Ministerio, ella nunca poderia accusa-lo de ter cumprido uma Lei no mesmo sentido, em que a Camara deferio.

O Sr. Leomil: - O equivoco, e confusão continua a reinar: cuja disse, que fosse ou não fosse interpetração estava no mesmo caso: digo tambem que seria o principio mais anticonstitucional, e o mais desorganisador o suppôrmos nós, que o Governo havia de estar pelo que nós quizessemos, uma vez que não fosse da attribuição privativa desta Camara. O que essa Parte quer, he saber se pertence ao Poder Executivo, isto he, que se declare se pertence ao Poder Executivo, ou ao Poder Legislativo, e nisto nada mais faz do que consultar este Poder; apezar de que eu não o quero chamar assim, porque esta Camara não se consulta como Advogado, consulta-se como parte do Poder Legislativo, a quem compete interpretar as Leis, logo que ellas são duvidosas. A cousa he duvidosa; mas esta duvida não a podia haver no Governo? Eu estou que a ha, como a houve nesta Camara.

Quando aqui se tractou disto, eu me cingi ao Parecer da Commissão, e disse ( chamo para isso a attenção dos Srs. que me ouvirão) que o direito de Petição não podia sortir o seu devido effeito lá fora sem a concorrencia das Côrtes, ou das duas Camaras com o Rei, que formão o Poder Legislativo. Por ventura o Governo está obrigado a sujeitar-se ás decisões desta Camara, sendo ella só de per si Poder Legislativo? Não. Nós não nos devemos lisonjear de que as nossas decisões sejão infalliveis, e approvadas, pois que esta Camara não he composta de Sanctos, e ellas podem ser reprovadas pelos Dignos Pares, visto que não somos só nós quem temos o Poder d'interpretar as Leis. Este Negocio he de summa transcendencia, e pode muito bem ser que a Lei do Tribunal de Justiça não se possa fazer nesta Legislatura, não por falta do desejo, mas sim por falta de tempo. O que he privativo desta Camara, he só o que a Carta fez, tudo o mais he um principio desorganisador, principio que desorganisa toda a harmonia dos Poderes. Voto portanto, para que se remetia a Resolução d'esta Camara á dos Dignos Pares, e que fique servindo de regra não só para o presente caso, assim como para todos aquelles, que se acharem em identicas circumstancias.

O Sr. D. Francisco d'Almeida: - O Poder Executivo teve dúvida se lhe pertencia conceder as Revistas Especialissimas, e por isso despachara, não que requeresse á Camara dos Srs. Deputados; não que requeresse á dos Dignos Pares; mas ás = Côrtes = Não se pode duvidar que se tracta da interpretação d'uma Lei, e que, havendo de exigir-se a responsabilidade dos Ministros, estes sómente podem responder por actos Legislativos. (Apoiado, apoiado) portanto he necessario que esta resolução convertida em Projecto siga a marcha regular das Leis na conformidade da Carta.

O Sr. Magalhães: - Vejo que os Illustres Deputados, que acabão de fallar, não me entenderão. Não devo queixar-me d'elles, mas sim de me não ter feito entender.
Eu sei mui bem que o Ministerio só he obrigado a responder em virtude de Lei, e que uma decisão desta Camara em materia Legislativa, sem o concurso dos mais Poderes do Estado, nenhuma força tem. Porém he que não ha neste caso precisão alguma de disposição Legislativa, porque existe Lei, que o Ministerio deve cumprir; e então digo eu que, ainda

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quando o seu cumprimento fosse abusivo, sendo esta Camara aquella, que examina os actos do Ministerio, e accusa os Ministros, como havia defaze-lo, tendo este obrado em conformidade com o sentir da Camara? Agora julgo que não restará duvida alguma sobre este meu argumento: e por isso voto porque a decisão de hontem se considere como um simples deferimento.

O Sr. Barreto Feio: - Quando qualquer individuo, ou Corporação exercita algum poder, qualquer que seja a natureza desse poder, ou o modo, porque o houvesse, continua a exerce-lo em quanto lhe não he tirado, ou o não entrega a outro. Mas para o entregar a outro he preciso que esse outro exista; e esse outro, para o receber, primeiro lhe he preciso existir. Ora: o poder de conceder Graças especiaes, ou especialissimas de Revista em Causas Crimes residia na Pessoa do Rei: pela Carta deve passar para o Supremo Tribunal de Justiça; mas esse Tribunal inda não existe, e por tanto inda o não recebeo; logo esse poder de conceder taes Revistas indo reside no Rei, ou em quem suas vezes fizer. Um individuo perguntou a esta Camara a quem pertencia conceder Revistas em Causas Criminaes? E a Camara, convencida daquelle axioma, respondeo: Que para o Executivo continuar a exercer esta Attribuição não havia precisão de legislar. Logo não ha acto algum Legislativo; logo não ha que remetter á Camara dos Dignos Pares; e por tanto não tem lugar o Requerimento do Sr. Deputado.

O Sr. Aguiar: - Estou cada vez mais convencido de que senão deve simplesmente declarar que não pertence ao Poder Legislativo conceder as Revistas de Graça especialissima; mas deve a resolução tomada por esta Camara, de que he ainda hoje Attribuição do Poder Executivo, reduzir-se a um Artigo de Lei interpretativa, e seguir a marcha necessaria no estabelecimento das Leis em geral. Fosse qualquer que fosse o meio, por que chegou a dúvida ao conhecimento desta Camara, ou a expozesse uma Parte, ou o Ministro, o que he certo he que a Camara se occupou della, houve grande discussão em duas, ou tres Sessões, e a Camara dividio-se em opiniões: isto mostra que a dúvida era bem fundada, e a decisão da Camara não a tira legitimamente; porque, em quanto os mais ramos do Poder Legislativo não concordarem, não ha obrigação de a seguir, e a interpretação feita não passa de doutrinal, em quanto á força de obrigar. Ora: nestes termos será justo, será razoavel que esta Camara não dirima a incerteza, que uma longa discussão mostrou existir neste Artigo da Legislação? O Excellentissimo Ministro, que duvidou, duvidará ainda; e como ha de um dia pedir-se-lhe a responsabilidade pela falta de execução de um Artigo de Lei, que os Membros desta Camara entenderão com tanta variedade? A Parte, que recorreo, e que a maioria da Camara entendeo que pode dirigir-se ao Governo recorrendo novamente, pode tambem ter por despacho = requeira ás Côrtes = e que resta? Em ultimo resultado ficar o recorrente sem recurso, sem effeito a decisão desta Camara, e inutil o trabalho de uma prolongada discussão. Por tanto apoio o Sr. Cordeiro.

Julgada a materia sufficientemente discutida, e entregue á votação, se venceo que devia considerar-se como Proposição, e Projecto de Lei, e que de o redigir, e apresentar ficasse encarregada a mesma Commissão de Petições.

Declarou o Sr. Deputado Sousa Castellobranco que retirava a Proposta, que havia offerecido na Sessão antecedente, para serem isentos do Recrutamento os Criadores dos Expostos, assim como que igualmente retirava o seu Projecto sobre a duração dos Cargos de Presidente, e Vice-Presidente; e desistia da parte, que tinha tido no Parecer da Commissão sobre o mesmo respeito.

Teve segunda leitura o Projecto de Lei para o Regimento Externo, e Ceremonial das duas Camaras apresentado em Sessão de 17. Foi admittido, e que se imprimisse.

Teve igualmente segunda leitura o Projecto de Lei do Sr. Guerreiro sobre o Privilegio dos Andores, ou Editores das Obras impressas, apresentado em Sessão de 13 do corrente. Foi admittido, e que se imprimisse.

Teve ultimamente segunda leitura a Proposta de Lei offerecida pelo Sr. Bispo de Cabo Perde em Sessão de 10 do corrente sobre melhoramentos a favor daquella Provincia. Foi admittida para se imprimir.

Convidou o Sr. Presidente a Commissão Central encarregada de examinar o Projecto de Lei do Regimento das Camaras do Reino, para promptificar quanto antes o seu Parecer. E declarou que, achando-se approvado o Discurso, que uma Deputação desta Camara ha de dirigir a Sua Alteza Serenissima a Senhora Infanta Regente, de agradecimentos ao nosso Augusto e Legitimo Soberano o Senhor D. Pedro IV., pelos beneficios, que terá liberalisado á Nação Portugueza, com os protestos da mais firme lealdade, e vivo reconhecimento, na forma que esta Camara havia resolvido em Sessão de 18 de Janeiro, convinha proceder-se á designação dos cinco Srs. Deputados, que com elle Presidente, e o Sr. Secretario Barroso devem compor a mesma Deputação. E pela sorte se acharão ser os Srs. Manoel Antonio de Carvalho - João Elias da Costa - Francisco Xavier de Sousa Queiroga - Pedro Paulo da Cunha - e José Ribeiro Saraiva.

Dêo o Sr. Presidente para Ordem do Dia da seguinte Sessão os Artigos do Projecto N.º 121, cuja discussão duraria até ao meio dia, e que então a Camara passaria a dividir-se em Secções Geraes, para nomearem as Commissões Centraes, tanto para a Indicação N.º 120 dos Srs. Magalhães, e Sarmento, como para a Consulta da Mesa do Desembargo do Paço sobre os Egressos: devendo depois as Commissões Centraes já nomeadas reunir-se para adiantarem os seus trabalhos.
E, sendo 2 horas, disse que estava fechada a Sessão.

OFFICIO.

Para o Ministro da Guerra.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tendo a Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza approvado em Sessão de hontem o Parecer da sua Commissão de Petições, sobre se remetter ao Governo Executivo o Requerimento dos Officiaes, que forão prizioneiros no Castello de Bragança, e que se achão em Hespanha experimentando a miseria, e os

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effeitos de um desterro, lenho a honra de enviar a V. Exca. o dito Requerimento, bem como uma copia conforme do citado Parecer. Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara dos Deputados em 20 de Fevereiro de 1827. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Candido José Xavier - Francisco Barroso Pereira.

SESSÃO DE 21 DE FEVEREIRO.

Ás 9 horas e 40 minutos da manhã, pela chamada, a que procedêo o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa, se achárão presentes 82 Srs. Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentarão, 22, a saber: os Srs. Claudino Pimentel - Barão de Quintella - Barão do Sobral - Ferreira Cabral - Alberto Soares -- Rodrigues de Macedo - Conde de Sampaio - Leite Pereira - Araujo e Castro - D. Francisco de Almeida - Pessanha - Cerqueira Ferraz - Tavares d'Almeida - Queiroga, Francisco - Izidoro José dos Sanctos - Machado d'Abreu - Mello Freire - Rebello da Silva - Luiz José Ribeiro - Alvares Diniz - e Nunes Cardoso - todos com causa motivada.
Disse o Sr. Presidente que estava aberta a Sessão; e, sendo lida a Acta da Sessão precedente, foi approvada.

Ordem do Dia.

Entrou em discussão o Artigo 1.° do Projecto N.° 121 sobre a inviolabilidade da Casa do Cidadão, e he o seguinte:

«Todo o Cidadão tem em sua Casa um asilo inviolavel; de noite não se poderá entrar nella, senão por seu consentimento, ou em caso de reclamação feita de dentro, ou para a defender do incendio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira indicada nos Artigos seguintes.»

O Sr. Paiva Pereira: - Diz o Artigo (lêo) suo as mesmas palavras do §. 6.° do Artigo 140 da Carta ale á palavra = indicada = Se pois a doutrina he a mesma, e as palavras o são tambem, parece-me que nem o Artigo pode entrar cm discussão, nem haver votação sobre elle; porque, uma vez que haja discussão, esta deve ser livre, e sendo-o poderia haver uma resolução contraria ao Artigo, o que seria absurdo, visto que ella iria em opposição com a Carta. Proponho por tanto a suppressão do Artigo; e como esta Lei tem por objecto especificar os casos, em que se deve franquear a Casa do Cidadão, deve principiar logo por especificar esses casos.

O Sr. Leomil: - Não ha dúvida em que não deve haver discussão sobre o Artigo; mas por isso mesmo que as suas palavras são as da Carta, deve fazer parte desta Lei, porque he o Artigo fundamental della.

O Sr. André Urbano: - Eu apoio a opinião do Sr. Paiva Pereira, e digo que este Artigo deve ser eliminado do Projecto, principiando-se só pela classificação dos casos, em que devo ser franqueada a Casa do Cidadão, de dia, e não de noite, porque de noite está sanccionado na Carta o preceito Legislativo, já jurado pelos Portuguezes, que não pode ter objecto de discussão, nem de votação. Digo mais que he muito improprio que um Artigo de Lei Fundamental passe a fazer parte de Lei Regulamentar, quando o seu objecto he differente, e portanto deve ser differente a sua letra. Voto porisso pela suppressão do Artigo.

O Sr. Camello Fortes: - Quanto mais clareza ha nas Leis, tanto melhor; e por isso, ainda que na Carta está sanccionado quando se pode, ou não entrar de noite na Casa do Cidadão, com tudo deve fazer parte desta Lei. Alem disso a Carta não determina as penas, em que incorre aquelle, que entrar de noite na Casa do Cidadão, e por conseguinte he necessario determina-lo aqui, e para isso he forçoso mencionar neste Projecto os referidos casos. O que sim he verdade he que não deve haver votação sobre a doutrina deste 1.° Artigo, por ser da Carta, mas sim se ella, deve entrar nesta Lei, o que julgo necessario para maior publicidade.

O Sr. Gerarão de Sampaio (lêo o Artigo): - Sr. Presidente, approvo o Artigo, não se designando nelle os casos, em que de noite se podo entrar em Casa do Cidadão, e dizendo-se só = naquelles, em que a Carta no § 6 do Artigo 145 do Titulo 8.° o consente, = porque desta forma temos conseguido o grande fim de dar á Lei base, e fundamento, e de ter a delicadeza, e respeito devido com o preceito fundamental, que mui discretamente lembrou o Sr. Deputado Paiva.

O Sr. Andre Urbano: - Respondendo ao Sr. Deputado Camello Fortes, digo que a Carta não designa penas para aquelles, que entrarem de noite na Casa do Cidadão, afora os casos, que o Artigo estabelece, porque quem jura a Carta jura aquelle Artigo; e, infringindo-o, incorre na pena de perjuro, que até está sanccionada na Ordenação do Livro 5.º Titulo 53, e 54.

O Sr. Serpa Machado: - Eu mesmo, Sr. Presidente, não pensava apresentar esse Artigo no Projecto; mas os meus Illustres Collegas da Commissão me convencerão de que não era inutil que fosse, até mesmo porque era uma especie de homenagem feita á Carta (apoiado). No entanto pode haver discussão sobre o Artigo, porque esta pode limitar-se a examinar, se a redacção delle está, ou não bem feita, ou se deve, ou não ter lugar na Lei aquelle Artigo transferido da Carta: deste modo não se discute sobro a doutrina, que a Carta tem consignado. Tem dicto um Sr. Deputado que se devião simplesmente estabelecer as excepções; mas não sei como ellas se possão estabelecer, sem se estabelecer a regra.

Julgada a materia sufficientemente discutida, e entregue á votação, foi approvado o Artigo; ficando assim prejudicada a Emenda offerecida pelo Sr. Deputado Gerardo de Sampaio, que dizia: - Todo o Cidadão tem em sua Casa um asilo; e de noite não se poderá entrar nella, senão nos casos marcados na Carta, etc.

Entrou em discussão o Artigo 2.°

«Será franqueada a entrada da Casa do Cidadão durante o dia a qualquer Authoridade, e a seus Officiaes, em cumprimento do seu Officio: 1.º por consentimento dos Moradores da Casa: 2.° no caso de reclamação feita de dentro: 3.° no caso de defeza por occasião do incendio, ou inundação: 4.º no caso de flagrante delicto.»

O Sr. Gerardo Sampaio (lêo o 2.° Artigo): - Sr.

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