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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Examinou ella o processo? A camara tem necessidade de o saber. A camara tem necessidade de saber se o facto de que se trata está ou não provado. Desde que a camara se constituo em tribunal de ratificação de pronuncia, tem necessidade de saber se o deputado de que se trata, por muito respeitavel que seja, commetteu ou não o delicto, e se feriu e offendeu ou não o governador civil do Porto na sua propria casa.

Esta é a questão.

Eu li o processo, porque, querendo emittir aqui a minha opinião conscienciosamente, não podia deixar de o examinar. Tendo de dar aqui o meu voto como juiz, não podia deixar de averiguar se no processo existiam ou não as provas de existencia do facto accusado.

E parece-me que, a camara, por sua parte, deve julgar tambem em face do processo se o delicto, que d'elle consta, está ou não provado. Não tem outro meio de formar a sua opinião.

Supponhamos que somos tribunal de ratificação de pronuncia, que somos um tribunal de 2.ª instancia. O que devemos fazer como juizes d'este aggravo de injusta pronuncia? Devemos averiguar primeiro se o facto de que se trata é ou não criminoso; e depois se elle existiu e está provado.

É ou não criminoso o facto que deu origem ao processo?

Pois o facto de offender corporalmente, na sua propria casa, uma auctoridade, não é crime?

Ninguem póde duvida-lo.

Está ou não provado o mesmo facto?

Eu peço á camara toda a attenção para este ponto.

Se v. ex.ª tivesse á mão o processo e m'o mandasse, eu pediria licença para lhe ter o depoimento do sr. Pinto Bessa, que é insuspeito n'esta materia, e que confessa o facto de que se trata da maneira mais solemne, clara e incontroversa.

O sr. Pinto Bessa procura sim mostrar a justiça do seu procedimento na questão das aguas; mas termina por declarar que quando o governador civil, n'uma casa em que se alojava no hotel da Europa, lhe arrancára uns botões do colete, elle o sacudira de maneira que fôra caír a alguma distancia.

As testemunhas e o queixoso vem confirmar este facto.

E se o proprio sr. deputado de quem se trata confessa este facto, e as testemunhas, cujo depoimento eu lí, o confirmam, como havemos nós denegar existencia do crime?

Pergunto agora á camara: nós vamos julgar esta questão como tribunal de ratificação de pronuncia?

Então é preciso examinar se no processo estão as provas necessarias para justificar ou invalidar o despacho de pronuncia.

Pergunto mais: está a camara habilitada para julgar se o sr. deputado commetteu ou deixou de commetter o crime de que é accusado?

Creio que nenhum dos srs. deputados póde dizer que está habilitado para isso porque não viu o processo, e a commissão nem a elle se refere, ou tão de leve e por tal modo, se refere que a camara não póde ficar formando uma opinião esclarecida e segura.

Vou agora apreciar rapidamente os considerandos do parecer da commissão.

Diz o primeiro: «Que o facto incriminado não foi premeditadamente concebido, preparado de antemão, executado com firme e unico proposito criminoso, mas antes devido a excessos momentaneos e inesperados, muito para lamentar, provocados de certo pelo zêlo com que o queixoso e o querelado pretendiam sustentar os seus direitos como auctoridades».

Peço licença para dizer ao meu illustre amigo, o sr. relator da commissão, que o presidente da camara não póde ser chamado auctoridade, segundo a phraseologia do nosso codigo administrativo. Isto é apenas advertencia cortez e amigavel.

Sei que o illustre deputado empregou essa palavra por um lapso, que não á de estranhar; porém é preciso que não passe sem correctivo o precedente de se chamar auctoridade ao presidente de uma camara municipal, para que depois não se haja de argumentar como esse precedente.

Mas qual é o fim d'este considerando?

Eu peço ao illustre deputado que me diga o que prova elle. Prova que o facto criminoso não existiu, que o crime não foi praticado?

Peço licença para lhe dizer que a circumstancia da não existencia da premeditação não póde provar que o crime não se tivesse praticado. Póde attenuar a gravidade do crime, mas não prova que elle não existisse. Não sei, pois, a que vem este considerando.

Segundo considerando: «Considerando que, passando-se o facto alludido só entre o queixoso e o querelado, as narrações d'elles divergem em pontos importantes, e a que os respectivos exames provam terem sido encontrados em ambos varios signaes e contusões».

Mas que conclusão tira a commissão d'este considerando? Pois porque as narrações de ambos divergem, segue-se que não houve o crime? Ninguem póde deduzir tal conclusão.

Terceiro considerando: «Considerando que tal facto não se póde classificar entre os crimes que pelo proposito deliberado, e pelo modo cruel ou infame com que são executados, despertam em todos um sentimento profundo de horror ou de desprezo contra o auctor d'elles, sentimento que exige immediata e completa reparação;».

Mas a circumstancia de não despertar horror ou desprezo contra o seu auctor não prova que o crime não existisse, e que as leis o não castiguem severamente.

A commissão diz n'este considerando, que tal crime não é d'aquelles que despertam em todos um sentimento que exige immediata e completa reparação; logo a commissão pensa que recusando a licença para a continuação do processo, essa recusa importa apenas a interrupção do mesmo processo, o qual depois, embora mais tarde, ha de continuar!

Aqui continua a hesitação da commissão sobre a natureza e alcance das attribuições da camara n'este assumpto.

Agora peço a attenção da camara para o ultimo considerando. Diz elle:

«Considerando que o interesse publico exige a presença de todos os deputados na camara quando se controvertem projectos de leis tributarias, e quando dentro em pouco deve começar a discussão do orçamento, não convindo por isso, sem motivos ponderosos, suscitar embaraços que possam interromper, ainda por pouco tempo, a assidua frequencia dos representantes da nação no parlamento.»

Respeito muito o sr. Pinto Bessa pelas suas qualidades, pela sua honestidade, pela integridade e independencia do seu voto, mas por mais levantada que seja a sua posição, por mais importantes que sejam os seus conhecimentos e a sua experiencia não podemos suppor que acima de todas essas considerações não estejam interesses mais elevados, quaes são os da justiça. Quando todos estamos accordes em apoiar o governo, quando na camara não ha maioria, nem minoria, quando se assignalam quasi como heroes os que se levantam para dizer algumas palavras menos agradaveis ao governo, é n'esta occasião, em que o governo está quasi afogado em maioria, que póde fazer falta um deputado? Creio que não.

Repito, respeito muito o sr. Pinto Bessa, mas supponho que o interesse publico de nenhum modo será desattendido ou prejudicado se permittirmos a continuação do processo e se deixarmos desassombrada a acção da justiça.

Colloquemos agora a questão n'outro terreno. Supponhamos que a camara não julga, como tribunal de ratificação de pronuncia, mas que exerce apenas uma funcção politica para defender os direitos dos seus membros?

Examinemos ainda o processo. Qual é a prova que ali