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SESSÃO DE 5 DE MAIO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nojeira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Concessão de licença para irem depor como testemunhas no juizo criminal do 1.º districto de Lisboa os srs. deputados Mariano de Carvalho, barão do Rio Zezere e Affonseca — Apresentação de representações e requerimentos — Continuação da discussão do parecer n.º 13, dado para a 1.ª parte da ordem do dia — Resolução de não se entrar na 2.ª parte da ordem do dia emquanto não for votado este parecer — Approvação do parecer por espheras — Explicações — Apresentação do parecer da commissão de fazenda sobre o orçamento do ministerio da marinha.

Chamada — 49 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Adriano Machado, Soares de Moraes, Sá Nogueira, Veiga Barreira, A. J. Teixeira, Freire Falcão, Pequito, Sousa de Menezes, Rodrigues Sampaio, Santos Viegas, Telles de Vasconcellos, Antonio de Vasconcellos, Cau da Costa, Falcão da Fonseca, Eça e Costa, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco Mendes, Francisco Beirão, Bicudo Correia, F. M. da Cunha, Santos e Silva, Zuzarte, Candido de Moraes, Barros e Cunha, Mendonça Cortez, Nogueira Soares, Faria Guimarães, Bandeira Coelho, Mello e Faro, Elias Garcia, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Almeida Queiroz, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Julio do Carvalhal, Lopo de Mello, Luiz de Campos, Luiz Pimentel, Marques Pires, Paes Villas Boas, Lisboa, Mariano de Carvalho, Sebastião Calheiros, Visconde de Montariol.

Entraram durante a sessão — os srs. Agostinho de Ornellas, Alberto Carlos, Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Villaça, Teixeira de Vasconcellos, Antunes Guerreiro, Arrobas, Barjona de Freitas, Augusto de Faria, Saraiva de Carvalho, Bernardino Pinheiro, Ferreira de Andrade, Coelho do Amaral, Costa e Silva, Caldas Aulete, Van-Zeller, Guilherme Quintino, Barros Gomes, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Alves Matheus, Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, Gusmão, J. A. Maia, Dias Ferreira, Figueiredo de Faria, Latino Coelho, Mello Gouveia, Nogueira, Pedro Franco, Pedro Roberto, Pereira Bastos, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs: Pedroso dos Santos, Barão do Rio Zezere, Barão do Salgueiro, Francisco de Albuquerque, Pereira do Lago, Pinto Bessa, Palma, Mártens Ferrão, Ulrich, J. J. de Alcantara, Augusto da Silva, Moraes Rego, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mendes Leal, Julio Rainha, Camara Leme, Affonseca, D. Miguel Coutinho.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officio

Do ministerio das obras publicas, em satisfação ao requerimento do sr. Pinheiro Borges, remettendo os documentos relativos á vistoria que se fez no rio de Oeiras, depois que na foz do mesmo rio existe uma fabrica de lanificios.

Para a secretaria.

Representações

Ácerca da proposta de lei da contribuição predial:

Da camara municipal e contribuintes do concelho de Villa Pouca de Aguiar.

Pedindo a revogação do decreto de 30 de outubro de 1868, que creou a engenheria districtal:

1.ª Da camara municipal do concelho do Crato.

2.ª Da camara municipal do concelho de Villa Nova de Foscôa.

3.ª Da camara municipal do concelho de Loulé.

Pedindo que se tornem extensivas aos officiaes de diligencias as disposições da lei de 11 de setembro de 1861:

Dos officiaes de diligencias do juizo de direito da comarca de Anadia.

Pedindo auctorisação para dar applicação diversa a fundos destinados para a viação municipal:

Da camara municipal do concelho de Moura.

Foram remettidas ás commissões competentes.

Requerimentos

1.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada com urgencia a esta camara copia da consulta do procurador geral da corôa, de 24 de abril findo, a respeito de uma pretensão de dois empregados no ministerio do reino.

Sala das sessões, 3 de maio de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

2.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja fornecido com urgencia a esta camara:

I. Copia da portaria ou alvará que mandou proceder á syndicancia sobre abusos de auctoridade, praticados pelo administrador do concelho de Belem;

II. Copia da syndicancia a que o dr. Pedro Joyce procedeu com respeito ao dito administrador.

Sala das sessões, 3 de maio de 1871. = O deputado por Belem, Pedro Augusto Franco.

3.° Requeiro novamente que, com maior urgencia, se requisitem dos ministerios do reino e justiça os documentos que pedi, em sessão de 10 de abril, com respeito a abusos e auctoridade praticados pelo administrador do concelho de Belem.

Sala das sessões, 3 de maio de 1871. = O deputado por Belem, Pedro Augusto Franco.

Foram remettidos ao governo.

Notas de interpellação

Requeiro que seja prevenido o sr. ministro da justiça de que desejo

interpella-lo ácerca dos trabalhos da commissão nomeada para a reforma parochial.

Sala das sessões, 3 de maio de 1871. = O deputado por Felgueiras, Mendonça Cortez.

Mandou-se fazer a devida communicação.

O sr. Presidente: — Vae ler-se um officio que se recebeu na mesa.

Leu-se na mesa:

Um officio do juiz de direito do 1.º districto criminial, Antonio Carlos da Maia, pedindo licença para que os srs. deputados Mariano de Carvalho, barão do Rio Zezere e Affonseca possam ir depor como testemunhas n'um processo crime, no dia 11 do corrente mez, pelas 11 horas da manhã.

O sr. Presidente: — Os srs. deputados que concedem a licença pedida tenham a bondade de se levantar.

Foi concedida.

O sr. Presidente: — Passa-se á primeira parte da ordem do dia. Os srs. deputados que quizerem mandar para a mesa requerimentos ou representações, podem faze-lo.

O sr. Mello e Faro: — O sr. deputado Pinto Bessa encarregou-me de mandar para a mesa uma representação dos chocolateiros e torradores de café, estabelecidos na cidade do Porto, reclamando contra a proposta da contribuição industrial.

O sr. José Tiberio: — Mando para a mesa uma representação dos officiaes de diligencias do juizo de direito da

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comarca de Villa Nova de FoscÔa, pedindo que se lhes tornem extensivas as disposições do decreto de 30 de outubro de 1871.

Apresentam varias considerações que me parecem muito judiciosas para justificar o seu pedido.

Peço que seja remettida á commissão de fazenda.

O sr. Julio do Carvalhal: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo.

O sr. Mariano de Carvalho: — Tambem eu mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo.

O sr. Freire Falcão: — Mando para a mesa quatorze requerimentos de officiaes do regimento de cavallaria n.° 7, e dois de officiaes do regimento de cavallaria n.° 3, reclamando no mesmo sentido de outros requerimentos que tenho tido a honra de apresentar por parte de camaradas seus.

Peço a v. ex.ª que haja de dar a estes requerimentos destino igual ao que tiveram os outros.

PRIMEIRA PARTE DA 0RDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.º 18

O sr. Presidente: — Tinham pedido a palavra os srs. Barjona de Freitas, Vasconcellos Coutinho, Luciano de Castro e Nogueira Soares; mas dois d'estes srs. deputados vieram á mesa reclamar a respeito da ordem da inscripção; e eu já disse que o primeiro a fallar era o sr. Vasconcellos Coutinho.

Como o regimento manda que se dê a palavra alternadamente aos senhores que se inscrevam para fallar pró ou contra, e como não sei o sentido em que cada um d'estes senhores quer fazer uso da palavra, por isso que são todos membros da commissão de legislação, vou primeiro dar a palavra ao sr. Vasconcellos Coutinho, que a pediu a favor.

O sr. deputado que fallou em ultimo lugar fallou contra.

O sr. Vasconcellos Coutinho: — Pedi a palavra quando na ultima sessão foi mandado para a mesa, pelo sr. visconde de Moreira de Rey, um additamento ao projecto em discussão, e especialmente porque s. ex.ª emprazou a commissão de legislação, a fim de que ella desse o seu parecer sobre uma tal proposta.

O additamento é para que não se julgue terminado o processo instaurado contra 0 sr. Pinto Bessa, com a denegação de licença que a commissão de legislação propõe não seja dada, a fim de que o processo tenha de seguir na accusação e não fique terminado por esse facto, e possa aquelle sr. deputado, quando acabar das funcções legislativas, defender-se da accusação que no mesmo lhe é feita.

Eu pedi então a palavra, porque não desejava occultar a minha opinião, porque me honro em pertencer á commissão de legislação, não podendo portanto deixar de manifestar o meu pensamento a tal respeito.

Á commissão foi-lhe estranhado que no seu parecer não emittisse a sua opinião sobre se o processo terminava, ou não, com a denegação da licença.

A commissão não tinha necessidade de dar este parecer porque não era isso o que se lhe perguntou; o que d'ella se queria saber era, se se devia, ou não, conceder licença para proseguir a accusação.

Os effeitos d'esta denegação de licença, esses ficavam a um outro poder do estado para decidir mais tarde. Parece-me que ja camara não póde aceitar este additamento, porque elle tende a um fim que não está nas atribuições da propria camara ordena-lo, porque ella decide só em relação ao presente, e este é, se ha de haver accusação contra o sr. deputado, porque emquanto a esta, desde já, ou de futuro, não é da competencia da camara o decidir, logo nada póde determinar senão emquanto ao presente.

A camara tem portanto só a decidir se da ou nega a licença, e o que quer o additamento tem relação com o futuro. A camara dos deputados só por si e em virtude da conclusão de um parecer de uma commissão, não póde obrigar o poder judicial, que é tão independente como a camara, a que decida e proceda como ella entender; os tribunaes não recebem indicações dos outros poderes do estado, elles só obdecem á lei promulgada.

O poder judicial respeita a lei confeccionada segundo as determinações da carta, mas o parecer de uma commissão que firmou a opinião do additamento não tinha força de uma proposta de lei, e assim a conclusão que determinava que o processo instaurado contra o sr. deputado ficava ainda dependente de ulterior decisão, não se afigura ao meu espirito que tenha rasão de ser, e suficiente motivo para se votar o additamento (apoidos).

Parece-me que a commissão de legislação deliberando, como deliberou, deu cumprimento textual ao artigo 87.º da carta constitucional, que auctorisa a camara a decidir se o processo deve proseguir, e negando-se a licença pedida pelos fundamentos que constam do parecer, e que se provam do processo, a camara desempenhou-se do seu encargo.

Desde o momento em que a carta confere á camara o poder de dar ou negar licença, impõe-lhe a obrigação de estudar o processo, e assim decidir da procedencia da indiciação, porque não póde dizer a uma camara que julgue se ha ou não logar a fazer-se uma accusação, sem que se approve e decida se existiu o crime, e quem póde ser auctor do mesmo. E seja-me permittido que aproveite esta occasião para dizer que não posso concordar com a opinião do sr. visconde de Moreira de Rey, emquanto disse que á camara não devia ser remettida senão uma participação da indiciação, e jamais o processo, quando é certo que só por este é que a camara póde formar o seu juizo, tanto emquanto ao crime, como ao supposto auctor.

Como póde a camara por uma simples participação destituida de toda a prova, porque é apenas uma narração, formar um juizo seguro? Sustentar o contrario é ter em pouco a defeza individual do cidadão.

A camara não póde decidir senão á vista das provas. Pelo menos eu, como juiz, e aqui como deputado, não me parece que seja aceitavel a opinião que a camara não póde ter direito senão que se lhe faça uma simples participação do crime e nada mais.

Parece-me que a camara não póde aceitar o additamento, porquanto elle se oppõe ao artigo 27.° da carte que não póde entender-se senão que ali se confere á acamara a qualidade de tribunal de ratificação de pronuncia, porque dispondo o artigo que, feita a indiciação do deputado, se participará á camara, e esta decidirá se deve seguir a accusação, e n'este caso o processo é remettido á camara dos dignos pares, a fim de ser confirmado com o artigo 41.°, ser ali julgado o deputado pronunciado, se a camara não conhecer da ratificação da pronuncia, o deputado fica n'este caso com menos garantia que qualquer outro cidadão, porque este depois de indiciado tem o recurso de aggravo de injusta pronuncia, o deputado não conhecendo a camara se ella é procedente, só tem a esperar que no julgamento final se lhe faça justiça; e note a camara que se elle for obrigado a prisão por uma errada applicação da lei que se deu como offendida, o deputado não tem quem lhe repare o aggravo, emquanto que qualquer outro indiciado n’este caso acha na relação remedio para a aggressão. Quem sustenta que a camara não é competente para ratificar a pronuncia, aceita como consequencia o desfavor e desigualdade em que o deputado indiciado fica collocado perante a lei.

E não se diga que a camara dos dignos pares antes do julgamento decidira da procedencia da indicação de deputado, porque o artigo 15.° do regulamento da mesma camara como tribunal de justiça, declara que a ella não compete conhecer da ratificação de tal pronuncia.

E quando se queira ver mais determinada ainda a incompetencia da camara dos dignos pares para decidir da procedencia da pronuncia, combine-se o artigo 12.° do citado regulamento com o artigo 15.°, e ver se ha que sò lhe

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confere esse direito relativamente aos pares. Conseguintemente só na camara alta o deputado não póde ter desaggravo da injusta pronuncia, é claro que a boa administração de justiça, não podendo negar-lhe a defeza que tem qualquer outro cidadão, devemos entender que o artigo 27.° da carta lhe confere aquelle direito no julgamento da camara, ratificando-lhe ou alterando a pronuncia.

O nosso regulamento interno não estabelece a pratica a seguir n'esta parte, por isso o regulamento da camara dos pares póde ter applicação n'esta parte, vista a falta de legislação ha a que possamos recorrer, e n'este caso a invocação que acabo de fazer d'aquelle regulamento abona, e justifica a minha opinião.

Argumenta-se ainda que a camara dos pares não póde deliberar como tribunal de pronuncia, porque o artigo 41.º no § 1.º diz — que á camara dos pares pertence julgar os crimes dos deputados, e assim lhe compete decidir da pronuncia.

A camara dos pares pertence o julgamento final, mas este é muito diverso da ratificação da pronuncia; em regra quem conhece da indiciação, não julga a final senão por appellação; mas só emquanto a applicação da pena; e ha apenas a excepção já notada, emquanto aos crimes commettidos pelos dignos pares; o que mais firma a regra geral.

Aqui estão as rasões por que entendo que o additamento não póde ser approvado, e parece me ter exposto as idéas que o meu espirito ha muito tempo me suggeria em relação á questão, e tenho muita satisfação em declarar á camara que ellas estão hoje sanccionadas e legalisadas por um aresto julgado pelos tribunaes.

Houve um processo que veiu a esta camara ao qual se negou licença para a accusação de um deputado d'essa epocha; mas finda a legislatura, appareceu um despacho de um juiz de direito que deu andamento ao processo.

Individuo a quem interessava esta questão, o deputado a quem se negou licença para ser accusado, recorreu para a relação de Lisboa, e esta em accordão de 12 de julho de 1868 decidiu que o processo tinha findado com a denegação da licença da camara. Este accordão da relação foi sanccionado por outro accordão de 16 de março de 1869, do supremo tribunal de justiça, que admittiu esta doutrina como juridica e constitucional, e um dos fundamentos em que se funda esta decisão de direito, é que a camara julgou como tribunal de ratificação de pronuncia, porque á camara dos dignos pares isso não compete senão para com os membros da mesma, e quando não indicia, manda archivar o processo, do mesmo modo se deve entender quando a camara dos deputados não dá licença para a accusação seguir, o processo está findo pela denegação de licença.

Parece-me portanto que a commissão não tinha necessidade de dar o seu parecer sobre esta questão, fe-lo de proposito.

O sr. Beirão: — E de caso pensado.

O Orador: — Exactamente, fe-lo de proposito e de caso pensado, conforme acaba de dizer o relator da commissão, porque respeitou a independencia do poder judicial.

Nós não podemos ser chamados a decidir o que hão de fazer os tribunaes em vista da resolução que a camara tomar emquanto aos effeitos da denegação da licença, finda que seja a legislatura.

Assim como o poder judicial não dá leis ao poder legislativo, eu que n'este momento tenho a honra de fazer parte d'esta camara, não quero deixar de defender igualmente os direitos que pertencem ao poder judicial, os quaes sustento em toda o sua integridade e independencia. No tribunal sou juiz, aqui faço parte do poder legislativo e não posso deixar de manter a auctoridade dos tribunaes n'esta camara, assim como ali a do poder legislativo.

Não digo nada sobre o parecer da commissão, porque não foi atacado. Apenas o sr. deputado visconde de Moreira de Rey disse que não o entendia, mas quando s. ex.ª apresentar as rasões pelas quaes não o entendeu, estou certo que o illustre relator do parecer ha de dar explicações que possam satisfazer o illustre deputado.

Tenho justificado o meu voto, e peço á camara desculpa por lhe haver tomado algum tempo, agradecendo a benevolencia com que fui tratado.

O sr. Barjona de Freitas: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Nogueira Soares: — Tendo eu assignado com declaração o parecer que se discute, preciso explicar o meu voto.

Na commissão de legislação, quando se tratou do assumpto sobre que recaíu este parecer, entrou em duvida se a negação da licença para a continuação do processo produzia o effeito de extinguir, ou sómente o effeito de o suspender.

A commissão dividiu-se. A maioria foi de parecer que o processo se extinguia; a minoria seguiu o parecer contrario, que o processo sómente ficava suspenso pela negação da licença. Eu fui d'esta opinião.

Aquelles que opinaram que o processo se extingue pela negação da licença, consideram a camara dos deputados como tribunal de rectificação de pronuncia; reconhecem-lhe as mesmas attribuições que tem o jury n'este caso, e dão ás suas decisões a mesma força que têem as decisões do jury de pronuncia.

Aquelles que opinam em sentido contrario, que o processo não se extingue pela negação da licença, não consideram a camara tribunal de ratificação de pronuncia, não lhe reconhecem as attribuições do jury, e negam tambem ás suas decisões a força que têem as decisões d'este, e entendem que a camara decide apenas e unicamente da opportunidade, isto é, da conveniencia ou inconveniencia politica de se proseguir no processo durante o periodo da legislatura.

A difficuldade está em resolver qual d'estas duas opiniões é mais conforme á letra e espirito da carta constitucional.

Parece-me que a segunda opinião, a que affirma e sustenta que o processo sómente se suspende, é mais conforme com a letra e espirito da lei fundamental, e por isso a segui.

Já n'outra occasião fui do mesmo parecer; foi quando se tratou do processo do sr. Santos e Silva.

A carta no artigo 27.° diz que, se algum par, ou o deputado, for pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva camara, a qual decidirá se o processo deve continuar, e o membro ser ou não suspenso no exercicio de suas funcções.

E no artigo 41.° diz, que é attribuição exclusiva da camara dos dignos pares conhecer dos delictos dos deputados durante o periodo da legislatura.

Conhecer é apreciar e julgar, e tanto se aprecia e julgue quando se prefere uma sentença definitiva, como uma inter-lecutoria com força de definitiva; e a decisão do jury, quando não pronuncia, tem a força de sentença definitiva, porque extingue, e põe termo no processo.

Ora, se é attribuição exclusiva da camara dos dignos pares conhecer, apreciar e julgar os delictos dos deputados durante o periodo da legislatura, como é que esta camara póde ter o direito de avocar a si o processo, proferir n'elle uma decisão definitiva, e arrogar-se attribuições que são da exclusiva jurisdicção da outra camara? Como é que esta jurisdicção ficaria sendo exclusiva? Não sei. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Foram estas as principaes rasões que me determinaram a assignar o parecer com declaração. Outras mais poderia adduzir, mas estas são sufficientes para explicar o meu voto.

Tenho dito.

O sr. Arrobas: — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o orçamento do ministerio da marinha.

O sr. Luciano de Castro: — Duas considerações im-

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portantes me obrigam a tomar parte n'este debate, a primeira é o ter assignado vencido o parecer da commissão de legislação, d'onde resulta para mim a obrigação de dar conta á camara das rasões que me determinaram a assignar d'esse modo o parecer; a segunda, é a singularidade d'este processo, e digo singularidade porque effectivamente elle se acha revestido de taes e tão excepcionaes circumstancias, que me parece não póde passar desapercebido para a camara e para o paiz (apoiados).

Sou liberal. Professo o maior respeito pelos principios da liberdade, mas não quero nem posso ver a sangue frio, desacatado e abatido o principio da auctoridade.

Todos sabem a historia d'este processo. Todos sabem que entre o deputado de que se trata, e o governador civil do Porto, houve no mez de setembro de 1870 um deploravel conflicto.

Não é o conflicto pessoal que me obriga a tomar a palavra n'este momento. A questão que me occupa, é superior a quaesquer questões pessoaes.

O governador civil do districto do Porto, o representante do governo n'aquella cidade, foi, segundo consta do processo, injuriado e offendido corporalmente pelo deputado de que se trata, ao qual voto o maior respeito e consideração. Ha aqui uma questão de principios (apoiados). Essa é a que me obriga a tomar a palavra n'esta occasião.

Sou deputado ha muitos annos e não me recordo de ter visto aqui uma questão inteiramente analoga a esta. Processos de pouco valor, de ordinario, têem provocado em differentes occasiões a attenção da camara, mas um facto analogo, no qual se involva um desacato e uma grave offensa á auctoridade publica, declaro a v. ex.ª que não me recordo de que haja sido discutido n'esta camara (apoiados).

Nenhuma intenção pessoal me obriga a tomar a palavra n'esta questão. Mas entendo que não póde ser indifferente á camara nem ao paiz, que o principio da auctoridade seja desconsiderado e offendido (apoiados).

É necessario que cada um no systema constitucional comprehenda os seus deveres e aceite a sua responsabilidade. É necessario que quem pratica um delicto aceite francamente a situação que as leis lhe apontam perante os tribunaes (apoiados). Respeito aos individuos; mas respeito á auctoridade constituida. É assim que comprehendo a pratica do systema que nos rege.

Estas rasões é que me levaram a dar a explicação do meu voto. Aliás, e de bom grado, me conservaria silencioso. V. ex.ª e a camara sabem que as questões pessoaes são sempre desagradaveis, e que não podem carear sympathias aquelles que as discutem. Mas em vista das considerações que acabo de apresentar, não podia, segundo penso, deixar de dar explicitamente a rasão do meu voto.

Entrando na questão, eu peço ao digno relator da commissão que, por parte d'ella, declare francamente qual é a sua opinião sobre as attribuições d'esta camara no assumpto de que se trata. A camara precisa saber qual é o alcance da sua deliberação, e a largueza e a extensão da sua competencia.

Pergunto: é a camara, n'este caso, tribunal de ratificação de pronuncia? Ou exerce apenas uma attribuição politica destinada a salvaguardar o livre exercicio dos direitos, que pertencem aos seus membros? Se a camara n'este momento é tribunal de ratificação de pronuncia, tem de exercer funcções judiciarias e ha de por consequencia julgar da existencia do facto de que se trata, e da sua criminalidade. Se a camara exerce apenas uma funcção politica destinada a evitar que por um ardil, proposito ou intenção politica, qualquer dos seus membros seja desviado do exercicio das suas funcções, então não tem n'este momento senão a julgar em vista do processo e das provas que d'elle resultam, se o mesmo processo foi intentado com intenção politica e com o fim de afastar o deputado da camara (apoiados).

Se a camara julga como tribunal de ratificação de pronuncia, n'este caso o julgamento extingue a accusação, a sua deliberação é a ultima palavra pronunciada sobre o processo, os tribunaes não podem mais intervir n'este pleito, e a justiça tem de curvar-se resignada diante da nossa suprema resolução (apoiados). Se a camara exerce apenas uma funcção politica destinada a procatar e defender o livre exercicio dos direitos dos membros d'esta casa, a sua deliberação interrompe apenas o julgamento dos tribunaes, mas não mata a acção da justiça. Acabada a funcção, reassume a accusação os seus direitos, e o processo continua.

Eu aceito a questão em qualquer das hypotheses; mas o que a camara não deve permittir é que a commissão fundamente o seu parecer em dois considerandos que parecem aceitar a primeira hypothese, e n'outros dois que se me affigura supporem a doutrina estabelecida na segunda hypothese, a que ha pouco me referi. Esta hesitação deve acabar.

A commissão arreda do debate parlamentar a questão do alcance ou significação que possa ter a deliberação da camara. Não diz que está convencida de que a negação da licença importa a extincção do processo. A commissão hesita, duvida, não formula a sua opinião clara e inequivoca.

Os dois primeiros considerandos da commissão são tendentes a mostrar que o facto de que se trata não é crime, que não lhe cabe responsabilidade penal, que não está provado, e por consequencia levam á conclusão de que a negação da licença extingue o processo. Os dois ultimos levam-nos a concluir n'um sentido inteiramente opposto, isto é, que a licença não extingue, mas apenas interrompo o processo. É necessario pois que a commissão diga francamente a sua opinião a similhante respeito.

Qualquer porém que seja a opinião da commissão, o que nem ella nem a camara podem destruir é o poder dos factos, é a força dos arestos e casos julgados, é a jurisprudencia estabelecida pelo supremo tribunal de justiça n'um accordão notavel ha pouco proferido.

Segundo essa jurisprudencia, a camara julga como tribunal de notificação de pronuncia. A minha opinião não é essa. A minha opinião é que a camara não tem aqui a exercer senão uma funcção politica; isto é, a camara não tem outra attribuição n'este caso senão a de averiguar se o processo foi intentado contra o deputado, de que se trata, com o intuito de o desviar do exercicio das suas funcções. A camara tem n'este assumpto attribuições analogas ás do governo, com relação á licença para a continuação dos processos contra os empregados administrativos.

O governo, quando qualquer empregado administrativo é pronunciado, tem o direito de examinar se o processo foi intentado contra esse empregado sob qualquer pretexto, com o proposito de vingança pessoal, ou por influxo de paixões politicas.

A camara está no mesmo caso. A camara examina o processo para verificar se foi intentado com proposito e intenção de privar o deputado do exercicio das suas funcções. Nada mais. Esta é a attribuição da camara, pelo menos é a minha opinião.

Mas o que importa a minha opinião, a do illustre relator da commissão ou a de todos os seus membros, perante a inflexivel verdade dos factos, perante a praxe seguida constantemente, e perante os precedentes dos tribunaes? A praxe e os precedentes affirmam que a deliberação d'esta camara, quando recusa a licença para o andamento da acção, extingue o processo (apoiados). Portanto não nos illudamos. Esta é a pratica seguida e aceite. Póde não ser boa, póde a jurisprudencia soffrer contestação, mas é incontestavel que segundo ella, a recusa da licença n'estes processos extingue a acção criminal, e que portanto a camara julga como tribunal de ratificação de pronuncia.

Assentemos portanto a questão n'este terreno. E sondo assim, peço á commissão que me diga quaes foram as rasões que a determinaram a denegar a licença.

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Examinou ella o processo? A camara tem necessidade de o saber. A camara tem necessidade de saber se o facto de que se trata está ou não provado. Desde que a camara se constituo em tribunal de ratificação de pronuncia, tem necessidade de saber se o deputado de que se trata, por muito respeitavel que seja, commetteu ou não o delicto, e se feriu e offendeu ou não o governador civil do Porto na sua propria casa.

Esta é a questão.

Eu li o processo, porque, querendo emittir aqui a minha opinião conscienciosamente, não podia deixar de o examinar. Tendo de dar aqui o meu voto como juiz, não podia deixar de averiguar se no processo existiam ou não as provas de existencia do facto accusado.

E parece-me que, a camara, por sua parte, deve julgar tambem em face do processo se o delicto, que d'elle consta, está ou não provado. Não tem outro meio de formar a sua opinião.

Supponhamos que somos tribunal de ratificação de pronuncia, que somos um tribunal de 2.ª instancia. O que devemos fazer como juizes d'este aggravo de injusta pronuncia? Devemos averiguar primeiro se o facto de que se trata é ou não criminoso; e depois se elle existiu e está provado.

É ou não criminoso o facto que deu origem ao processo?

Pois o facto de offender corporalmente, na sua propria casa, uma auctoridade, não é crime?

Ninguem póde duvida-lo.

Está ou não provado o mesmo facto?

Eu peço á camara toda a attenção para este ponto.

Se v. ex.ª tivesse á mão o processo e m'o mandasse, eu pediria licença para lhe ter o depoimento do sr. Pinto Bessa, que é insuspeito n'esta materia, e que confessa o facto de que se trata da maneira mais solemne, clara e incontroversa.

O sr. Pinto Bessa procura sim mostrar a justiça do seu procedimento na questão das aguas; mas termina por declarar que quando o governador civil, n'uma casa em que se alojava no hotel da Europa, lhe arrancára uns botões do colete, elle o sacudira de maneira que fôra caír a alguma distancia.

As testemunhas e o queixoso vem confirmar este facto.

E se o proprio sr. deputado de quem se trata confessa este facto, e as testemunhas, cujo depoimento eu lí, o confirmam, como havemos nós denegar existencia do crime?

Pergunto agora á camara: nós vamos julgar esta questão como tribunal de ratificação de pronuncia?

Então é preciso examinar se no processo estão as provas necessarias para justificar ou invalidar o despacho de pronuncia.

Pergunto mais: está a camara habilitada para julgar se o sr. deputado commetteu ou deixou de commetter o crime de que é accusado?

Creio que nenhum dos srs. deputados póde dizer que está habilitado para isso porque não viu o processo, e a commissão nem a elle se refere, ou tão de leve e por tal modo, se refere que a camara não póde ficar formando uma opinião esclarecida e segura.

Vou agora apreciar rapidamente os considerandos do parecer da commissão.

Diz o primeiro: «Que o facto incriminado não foi premeditadamente concebido, preparado de antemão, executado com firme e unico proposito criminoso, mas antes devido a excessos momentaneos e inesperados, muito para lamentar, provocados de certo pelo zêlo com que o queixoso e o querelado pretendiam sustentar os seus direitos como auctoridades».

Peço licença para dizer ao meu illustre amigo, o sr. relator da commissão, que o presidente da camara não póde ser chamado auctoridade, segundo a phraseologia do nosso codigo administrativo. Isto é apenas advertencia cortez e amigavel.

Sei que o illustre deputado empregou essa palavra por um lapso, que não á de estranhar; porém é preciso que não passe sem correctivo o precedente de se chamar auctoridade ao presidente de uma camara municipal, para que depois não se haja de argumentar como esse precedente.

Mas qual é o fim d'este considerando?

Eu peço ao illustre deputado que me diga o que prova elle. Prova que o facto criminoso não existiu, que o crime não foi praticado?

Peço licença para lhe dizer que a circumstancia da não existencia da premeditação não póde provar que o crime não se tivesse praticado. Póde attenuar a gravidade do crime, mas não prova que elle não existisse. Não sei, pois, a que vem este considerando.

Segundo considerando: «Considerando que, passando-se o facto alludido só entre o queixoso e o querelado, as narrações d'elles divergem em pontos importantes, e a que os respectivos exames provam terem sido encontrados em ambos varios signaes e contusões».

Mas que conclusão tira a commissão d'este considerando? Pois porque as narrações de ambos divergem, segue-se que não houve o crime? Ninguem póde deduzir tal conclusão.

Terceiro considerando: «Considerando que tal facto não se póde classificar entre os crimes que pelo proposito deliberado, e pelo modo cruel ou infame com que são executados, despertam em todos um sentimento profundo de horror ou de desprezo contra o auctor d'elles, sentimento que exige immediata e completa reparação;».

Mas a circumstancia de não despertar horror ou desprezo contra o seu auctor não prova que o crime não existisse, e que as leis o não castiguem severamente.

A commissão diz n'este considerando, que tal crime não é d'aquelles que despertam em todos um sentimento que exige immediata e completa reparação; logo a commissão pensa que recusando a licença para a continuação do processo, essa recusa importa apenas a interrupção do mesmo processo, o qual depois, embora mais tarde, ha de continuar!

Aqui continua a hesitação da commissão sobre a natureza e alcance das attribuições da camara n'este assumpto.

Agora peço a attenção da camara para o ultimo considerando. Diz elle:

«Considerando que o interesse publico exige a presença de todos os deputados na camara quando se controvertem projectos de leis tributarias, e quando dentro em pouco deve começar a discussão do orçamento, não convindo por isso, sem motivos ponderosos, suscitar embaraços que possam interromper, ainda por pouco tempo, a assidua frequencia dos representantes da nação no parlamento.»

Respeito muito o sr. Pinto Bessa pelas suas qualidades, pela sua honestidade, pela integridade e independencia do seu voto, mas por mais levantada que seja a sua posição, por mais importantes que sejam os seus conhecimentos e a sua experiencia não podemos suppor que acima de todas essas considerações não estejam interesses mais elevados, quaes são os da justiça. Quando todos estamos accordes em apoiar o governo, quando na camara não ha maioria, nem minoria, quando se assignalam quasi como heroes os que se levantam para dizer algumas palavras menos agradaveis ao governo, é n'esta occasião, em que o governo está quasi afogado em maioria, que póde fazer falta um deputado? Creio que não.

Repito, respeito muito o sr. Pinto Bessa, mas supponho que o interesse publico de nenhum modo será desattendido ou prejudicado se permittirmos a continuação do processo e se deixarmos desassombrada a acção da justiça.

Colloquemos agora a questão n'outro terreno. Supponhamos que a camara não julga, como tribunal de ratificação de pronuncia, mas que exerce apenas uma funcção politica para defender os direitos dos seus membros?

Examinemos ainda o processo. Qual é a prova que ali

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ha de que elle foi intentado por um ardil, por um proposito qualquer de arredar da camara um dos seus membros?

O sr. Pinto Bessa não tinha ainda sido proclamado deputado quando teve logar a instauração d'este processo: depois é que se deu o escandalo que infelizmente occorreu entre o queixoso e o querelado, em virtude do que a auctoridade judiciaria se viu obrigada a proceder...

O sr. Mello e Faro: — O escandalo foi de quem aggrediu.

O Orador: — Fallei em escandalo, porque outra cousa não foi o facto que se deu. O illustre deputado tem direito para pedir a palavra, mas não o de me interromper.

O sr. Mello e Faro: — Quando v. ex.ª não tenha commedimento, estou aqui para lhe responder.

O Orador: — Digam depois que eu provoco. Quando digo que houve escandalo no conflicto a que alludo, não me refiro particularmente a nenhum dos contendores...

O sr. Mello e Faro: — E eu digo que o escandalo é de quem o provocou.

O Orador: — E eu digo que não sei quem o provocou. Appello para a imparcialidade de todos que aqui estão e peço-lhe que me digam, se n'um facto d'esta ordem não ha sempre escandalo? (Apoiados.) Não me referi ao sr. Pinto Bessa, nem ao sr. Perdigão (apoiados). Referi-me ao conflicto occorrido entre o presidente da camara municipal e o governador civil do Porto. Apreciei o facto sem referencia ou allusão às pessoas, que n'elle tiveram parte.

Quem provocou o escandalo? Foi o sr. Perdigão, hoje governador civil de Coimbra, que está ainda no exercicio das suas funcções; ou o sr. Pinto Bessa, que está pronunciado sem fiança? Já os tribunaes pronunciaram a sua opinião? Quer o sr. deputado sobrepor-se á opinião dos tribunaes? Por ora, emquanto não houver decisão definitiva em contrario, a presumpção legal seria contra o sr. Pinto Bessa. E elle o indiciado. Não disse, nem digo, que o sr. Pinto Bessa provocou. Disse e repito, que houve um escandalo; mas isto não é dizer que quem o praticou fosse o sr. Pinto Bessa ou o governador civil. Não fiz allusões pessoaes. Caracterisei o facto como elle se passou.

No que disse não ha offensa para ninguem. Não pronunciei nomes. Não disse quem foi o agressor. Não o posso dizer. Não estou habilitado para o dizer. Quando a justiça seguir desassombradamente o seu caminho e pronunciar a sua sentença definitiva, então saberei, e poderei dizer quem foi o aggressor e o aggredido.

E porque não havemos de nós esperar a decisão dos tribunais? Porque não esperâmos que o indiciado, aquelle a quem por ora a justiça suppõe delinquente, venha aqui diante de nós e diante de todos dizer com a cabeça levantada «o aggressor não fui eu, estou innocente?» Para que quereis absolver já? Deixae fallar os tribunaes, deixae-os conhecer do facto e julgar desprevenidamente. Deixae que elles digam quem foi o aggressor e o aggredido, que nós não o podemos dizer. Eu, pelo menos, não posso, nem sei dize-lo.

E visto que se provocou esta discussão e que fui obrigado a interromper a ordem das idéas que ía expondo, seja-me licito alludir a um facto, que me ía esquecendo, e dizer, que lamento que houvesse um ministro do reino, que apenas se deu o conflicto, quando a opinião publica, tristemente surprehendida, aguardava que a justiça, que deve ser igual para todos, se pronunciasse imparcialmente entre ambos os contendores, interpozesse o seu voto e a sua auctoridade na questão pendente, e retirasse o governador civil do Porto do exercicio das suas funcções, transferindo-o para outro governo civil.

Lamento, isso, porque o principio da auctoridade foi offendido e desvirtuado.

(Susurro.)

(Alguns srs. Deputados pedem a palavra.)

Os srs. deputados podem todos pedir a palavra, porque, por mais eloquentes, por mais energicos, por mais talentosos que sejam, não podem destruir os factos. (Ápartes.)

Posso, sim senhores, posso provar os factos, porque elles constam de documentos officiaes.

Mal aconteceu o facto, o sr. Perdigão, voluntaria ou in voluntariamente, veio para Lisboa, e o que é certo, é que foi transferido para o governo civil de Coimbra.

Esta é a verdade. E o que o respeito pelo principio da auctoridade pedia era que, emquanto os tribunaes não tivessem pronunciado a sua opinião, se aguardasse friamente a sua resolução para depois se proceder castigando o sr. Perdigão se elle fosse criminoso, ou premiando-o, se elle pelo contrario, fosse digno de louvor.

Isto é o que se devera ter feito. E é por isso que eu disse logo no principio d'estas minhas observações, que este processo é singularmente notavel, porque se acha rodeado de taes circumstancias que nos vemos obrigados a estuda-lo seriamente e a meditar um pouco antes de pronunciarmos sobre elle a nossa opinião.

Eu peço desculpa á camara da vehemencia com que acabo de fallar, e a que fui forçado, porque nem o assumpto requeria tal digressão, nem, em minha consciencia, provocava observações como aquellas que me foram dirigidas.

Continuo na exposição que ía fazendo.

O facto deu-se, e, sem offensa para ninguem, toda a opinião illustrada o censurou. Não digo que censurou um ou outro dos contendores. Em nome da franqueza que devo a todos, digo que censurou a ambos; porque factos d'estes não occorrem nunca, sem que toda a opinião illustrada e sensata os lastime e deplore.

Não estou a aggredir, repito, nem o sr. Perdigão, nem o sr. Bessa. Estou a dizer a minha opinião como sei e como posso.

O sr. Bessa, acabado o conflicto, foi preso. E para o não ser, invocou a sua qualidade de commendador da Conceição.

Não o censuro eu por isso; apenas notarei o erro e improcedencia de tal allegação, pois todos sabemos que nos tempos de igualdade em que vivemos, esses titulos e distincções, que eu respeito muito, não podem dar a qualquer pessoa privilegio, que a eximam das obrigações que a todos os cidadãos impõem as leis. Essas praxes e estylo do antigo regímen não podem vigorar no nosso tempo.

Apenas preso, o sr. Bessa reclamou em seu favor a garantia com que a lei cobre as funcções de deputado.

Os tribunaes pronunciaram-se a esse respeito; deram a sua opinião como entenderam; sobre esse assumpto só me cumpre respeitar a decisão por elles tomada. Os tribunaes reconheceram que aquelle illustre deputado, embora apenas eleito, devia aproveitar a garantia que a lei concede aos deputados que tomam assento na camara.

O juiz criminal, em virtude d'essa resolução, veiu reclamar d'esta camara licença para poder continuar o processo.

Eis os principaes factos, que constam do processo. Expu-los resumidamente para mostrar, que n'esta accusação, e n'este processo não se descobre qualquer proposito individual, ou politico, para arredar o deputado, de quem se trata, do exercicio das suas funcções.

Entendo, pois, que ou nos consideremos como tribunal de ratificação de pronuncia, ou como exercendo funcções politicas, não ha rasão para negar a licença e para se fazer parar o processo. Mas ainda assim eu aceitaria de bom grado uma transação com o sr. relator da commissão. Eu aceitaria o additamento do sr. deputado visconde de Moreira de Rey. Se a opinião de v. ex.ª (dirigindo se ao relator da commissão), é que o processo não se extingue, que a recusa da camara não tem por effeito matar o processo, v. ex.ª não póde ter duvida em aceitar o additamento do sr. deputado visconde de Moreira de Rey.

O sr. Beirão: — Apesar de tudo isso, não aceito (riso).

O Orador: — Está no seu direito. Mas o que eu quero é que a conclusão do parecer esteja de accordo com as suas opiniões. Pois se s. ex.ª concorda em que a recusa da li-

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cença não extingue o processo, que duvida póde ter em o declarar?

Dirá que isso não pertence a este poder, pois que pertence ao poder judicial interpretar e applicar as leis? De accordo. Mas o que s. ex.ª não póde negar á camara é a explicação clara e terminante do alcance e resultado do voto que vae dar. Se a camara entender que a recusa da licença vae matar o processo e extinguir a acção criminal, póde votar de um modo. Se entender que aquella licença não significa mais que o adiamento ou a interrupção do processo, póde votar de outro modo. É necessario que a camara comprehenda bem qual o alcance do seu voto, e a maior ou menor largueza da sua competencia. A reserva que o illustre relator mantem n'este ponto, prova a necessidade que tenho de instar, com a illustre commissão e com o seu relator, para que se pronuncie claramente a este respeito.

É necessario que não nos illudamos. Se o voto da camara significasse o adiamento ou interrupção do processo, declaro francamente á camara, que não queria que se privasse o illustre deputado, de quem se trata, do exercicio das suas funcções. O mal seria, n'esse caso, muito menor.

Estou prompto a dar garantias aos deputados, mas o que não quero é que a garantia dada ao deputado seja um refugio para a impunidade (apoiados).

Vou concluir em duas palavras. Repito a v. ex.ª e à camara que não tive a intenção de magoar nenhuma susceptibilidade. Não quero, nem quiz, offender o illustre deputado de quem se trata, nem o sr. governador civil de Coimbra. Respeito os a ambos. Nas questões pessoaes desejo entrar o menos possivel, e se me referi a pessoas foi apenas quanto bastava para justificar o meu voto.

O que desejo é que se extingam por uma vez todos os privilegios (apoiados). Sou contra todas as excepções. Perante a lei não deve haver privilegios nem impunidades.

Portanto, eu approvaria de muito bom grado o projecto de lei do sr. Antonio Rodrigues Sampaio, para a extincção do fôro dos deputados.

O abuso praticado por todos nós é o que tem provocado uma reforma radical da legislação.

O que a lei quiz não foi crear uma excepção para a impunidade, não foi garantir ao cidadão, só pelo facto de ser deputado, o direito de aggredir os outros cidadãos, ficando ao abrigo do rigor das leis. O que a lei quiz foi premunir as funcções de deputado contra as aggressões do odio, da intriga e da animadversão politica, que podiam vir, no momento opportuno, desviar o deputado do exercicio das suas funcções.

A garantia não é um privilegio; a garantia ligada á funcção não é um privilegio destinado a proteger o crime. Contra o privilegio hei de eu votar. Contra a garantia, dada á funcção, destinada a ennobrece-la, a defende-la, a premuni-la, a preserva-la, nunca eu poderia votar, se ella podesse ser por nós fielmente interpretada (apoiados).

Que triste documento, digamos a verdade, damos nós ao paiz com estas excepções, quasi illimitadas, que estamos fazendo em questões d'esta ordem (apoiados).

Se nós considerarmos a garantia que a lei dá para salvaguardar a funcção, como um privilegio concedido para a impunidade, o que dirá o paiz e as auctoridades administrativas, e todas aquellas que têem mais ou menos de exercer auctoridade publica? Como podem ellas ser rigorosas no cumprimento dos seus deveres, e interpretar leal e sinceramente as leis, se nós somos os primeiros a dar-lhes interpretações tão latitudinarias?

Se continuar este estado de cousas, mais tarde ou mais cedo, havemos de chegar a um cataclysmo medonho (apoiados).

Portanto, faço votos para que este privilegio cesse quanto antes. A garantia póde ser, e eu convenho em que é justa, rasoavel e conveniente; mas se a garantia tem dado até hoje os abusos que temos visto, eu faço votos para que

em breve praso as más interpretações cessem, os abusos deixem de praticar-se, e que todos, grandes ou pequenos, nobres ou plebeus, sejamos iguaes diante da lei (apoiados.)

Porque um homem é deputado ha de praticar toda a qualidade de delictos, abrigando-se á sombra da prerogativa parlamentar?! Porque outro não é deputado, (ás vezes n'um processo pelo mesmo crime, como acontece no caso de que se trata, porque o sr. Perdigão tem pendente sobre si um processo) porque está despido dos poderes de deputado da nação, ha de sujeitar-se, n'um regimen de igualdade perante a lei, a soffrer a pena que a garantia parlamentar desviou de sobre a cabeça do seu contendor?! Não é possivel (apoiados).

Feitas estes considerações, dei á camara as rasões do meu voto, e peço desculpa de qualquer phrase menos reflectida que por ventura tenha proferido.

(Apoiados. — Vozes: — Muito bem, muito bem.)

O sr. Mariano de Carvalho: — Mando para a mesa o seguinte requerimento, de que peço a urgencia (leu).

Leu-se logo na mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que se consulte a camara sobre se quer que, sem entrar na segunda parte da ordem do dia, continue esta discussão até terminar.

Sala das sessões, 5 de maio de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Foi approvada a urgencia, e igualmente o requerimento.

O sr. Francisco Beirão: — O meu encargo de relator do parecer que se discute, obriga-me a tomar a palavra n'esta altura da discussão, para responder ás differentes observações feitas pelos oradores que me têem precedido.

Eu tinha tenção de me reservar para quando todos os srs. deputados inscriptos contra tivessem usado da palavra; como, porém, se têem accumulado tantos argumentos contra este desgraçado parecer, como elle tem sido esmerilhado em todas as suas partes e censurado acremente, eu tive medo de me ser impossivel responder a tantos e tão diversos argumentos por não poder tomar nota de todos designadamente, e por isso, usando da faculdade que o regimento me confere, tomo a palavra n'esta occasião.

Sr. presidente, a minha posição n'este logar nunca foi nem tão difficil nem tão desagradavel como hoje.

Difficil — porque desprovido de todos os recursos oratorios que adornam os illustres deputados que me precederam, vejo-me obrigado a entrar em pleito com esses cavalheiros sob a impressão de uma inferioridade manifesta.

Desagradavel — porque n'esta questão se podem sempre querer descortinar interesses pessoaes ou politicos, quando o que nos cumpre é só attender aos principios e colloca-los acima de tudo e de todos.

A minha dupla posição de relator do parecer e de defensor d'elle perante a camara, seria pois insustentavel, e as difficuldades que me embargavam o accesso a esta tribuna insuperaveis, se não tivesse para me dar animo a prova com que a illustre commissão de legislação me honrou, e não contasse de antemão com a benevolencia d'esta camara, que se estende sempre sobre todos aquelles que, apresentando-se na tribuna desprovidos de todos os recursos oratorios, vem comtudo defender os principios de que se acham persuadidos, em toda a lealdade das suas crenças, e em toda a pureza das suas convicções (muitos apoiados).

Confiado na sua benevolencia, permitta-me pois a camara, que eu antes de entrar na questão, antes de penetrar no seu amago, me occupe de outra que se levantou incidentemente, e que não se devia ter suscitado (apoiados), e permitta-me v. ex.ª que eu, um dos mais humildes dos membros d'esta camara, tome a defeza de um homem que é um aos primeiros vultos do paiz, um dos mais honrados caracteres d'este terra (apoiados) o chefe de um partido — o partido reformista — e que não está aqui presente para se

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defender contra as arguições que inopportuna e intempestivamente se lhe dirigiram (muitos apoiados).

Diz-se: houve um ultraje á auctoridade, e o ministro do reino commetteu o escandalo (aproveito esta palavra que se tornou parlamentar) escandalo inaudito de a transferir ou antes de o degredar para aquelle presidio que se chama Coimbra (riso). Horror! Tal acto foi uma censura ao governador civil, um attentado contra a lei, contra o systema parlamentar e não sei contra que mais...

Lembro-me, se a memoria me não falha n'esta occasião, que o sr. Affonseca apresentou aqui em tempo uma proposta, mais patriotica que constitucional, a fim de se nomear um certo cavalheiro para representante da nossa côrte n'um reino estrangeiro.

Não estava presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros de então, mas estava o sr. ministro da justiça que era o sr. Luciano de Castro. S. ex.ª levantou-se e disse, e disso muito bem, que era da inteira e completa competencia do poder executivo a nomeação dos empregados de confiança, como aquelle, e, quando houvesse abuso, o parlamento pediria d'elle estreitas contas.

Pois bem: em nome d'esse principio, alguem podia negar ao sr. bispo de Vizeu, ministro do reino, o direito de transferir um governador civil? (Apoiados.) Ninguem! (Apoiados.)

E quando s. ex.ª já não é ministro; quando já não está n'aquellas cadeiras ha mezes, vem o sr. deputado inopportuna e intempestivamente fazer uma arguição d'esta ordem! (Muitos apoiados.)

(Interrupção.)

Isto não é questão politica; é a defeza de um homem que está ausente (apoiados).

Mas, querer-se-ha dizer que tal transferencia, se bem inteiramente da competencia do executivo, foi inopportuna e inconveniente por envolver um precedente terrivel, qual o desprestigio da auctoridade e dos poderes publicos? Aceitemos a hypothese, mas quem deu primeiro exemplo de taes precedentes? S. ex.ª e o gabinete a que pertenceu!

Peço licença para referir um facto, que não censurei quando elle teve logar, porque não tinha então voz n'esta casa. Foi dissolvida uma camara por suspeitas, e o governo de que s. ex.ª fazia parte expediu um manifesto ás auctoridades, no qual taxava a camara dissolvida de facciosa, censurando a acremente. Ora, quando ha ministros que tratam assim a representação nacional em um documento official; quando ha um governo que expede d'estas circulares aos seus magistrados de confiança, parece-me não serem os membros d'esse gabinete os que têem mais direito de censurar as offensas aos poderes publicos! A representação nacional não morre, os deputados mudam, substituem-se, mas a corporação moral continua, e assim não ha direito para o executivo de ultrajar officialmente uma camara, embora já dissolvida. Da parte de s. ex.ª foi pois intempestiva e agora digo incompetente tal arguição! (Apoiados.)

Dadas estas explicações peço licença para entrar agora na questão e n'esta parte, tem a prioridade o sr. visconde de Moreira de Rey.

Sr. presidente, o sr. visconde de Moreira de Rey disse no seu discurso, que a camara tinha tomado o compromisso de não discutir n'esta sessão senão as questões de fazenda, e que por isso não podia deixar de se admirar que se estivesse gastando tempo, tratando de uma questão pessoal.

N'esta parte parece-me que os proprios factos não justificam a estranheza de s. ex.ª, porque, depois do illustre orador ter fallado brilhantemente sobre esta questão pessoal, o sr. Barros e Cunha, em um eloquente discurso pronunciado na segunda parte da ordem do dia, mostrava que a camara, para tratar d'este objecto, não tinha posto de parte a questão de fazenda.

Alem d'isso s. ex.ª não póde vir accusar-nos, porque esta não é a primeira questão que se tem intercalado na questão de fazenda. Pois pergunto, não tratámos da irritante questão das ostras? Não se lhe seguiu a questão substancial dos bois? Não se ventilou a questão dos empregados do arsenal do exercito? Não se decidiu ainda hontem, creio, uma pretensão de um municipio? Quando protestou s. ex.ª contra estes successivos adiamentos, da questão financeira? O seu discurso de agora condemna o seu silencio de outr'ora, ou a sua eloquencia condemna a sua logica.

S. ex.ª apontou tambem inconvenientes resultantes do modo por que se têem tratado aqui as questões que dizem respeito ao privilegio que nos occupa, e por esta occasião pareceu-me que s. ex.ª, seguindo o exemplo do seu illustre pae, parecia disposto a deixar a vida publica.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não disse similhante cousa.

O Orador: — Estimo muito por todos os motivos ter-me enganado, e ver o illustre deputado decidido a não trocar as lutas tempestuosas do parlamento pelo remanso bucolico de Fafe.

A respeito porém dos privilegios, permitta-me a camara que lhe diga a minha opinião a tal respeito.

Sou sectario fervoroso, e talvez fanatico, do principio de igualdade. Sou contra todos os favores, privilegios e excepções que considero como outros tantos parasitas que corroem o tronco d'esta arvore magestosa, cuja sombra deve protecção a todos sem excepções nem restricções. Felizmente o cyclo dos privilegios pessoaes acabou. Hoje nenhum cidadão póde levantar a sua cabeça acima da dos outros, ninguem ha que possa lançar na balança social o falso peso da sua posição, da sua influencia, ou da sua preponderancia. Se o individuo não gosa de privilegios, corporações ha que desfructam immunidades extraordinarias. Se não ha favores concedidos a pessoas, privilegios ha vinculados a encargos publicos. Um d'estes é o de fôro especial concedido a certas pessoas e aos membros do corpo legislativo. Eu sou contra tal privilegio.

Está em poder da commissão de legislação um projecto apresentado pelo sr. Rodrigues Sampaio a este respeito. Não sei qual é a opinião da commissão, mas posso dizer que a minha é a favor d'esse projecto, com certas modificações que julgo necessarias.

Condemno o privilegio do fôro em nome da igualdade, porque nós que somos os primeiros na hierarchia politica, devemos ser os primeiros a respeitar as leis que fazemos; condemno-o em nome da rasão politica, porque lança um certo desfavor sobre nós o usarmos do nosso direito para nos subtrahirmos aos nossos deveres; condemno-o em nome da historia, pois a experiencia tem mostrado que estes favores, por maiores que pareçam, não acrescentam um dia, uma hora de vida ás corporações cuja existencia o tempo ou as revoluções minaram.

Sei que muitos publicistas defendem tal privilegio, e dizem: «Pois não hão de gosar de favores, de honras, e dos esplendores do poder aquelles que a eleição popular ou o decreto real investiu na magistratura suprema de um povo livre? Não convirá isolar do commum dos cidadãos aquelles a quem a patria fiou os seus destinos, para lhes conservar a inviolabilidade da palavra e a independencia do voto? Quereis n'um dia arrancar esses homens do tribunal augusto onde funccionam para os obrigar a comparecer n'um juizo ordinario, perante o cidadão humilde a quem a sorte, n'um dos seus caprichos, confiou o encargo de julgar da vida, da honra e da liberdade do commum dos cidadãos?»

Não me convencem estes argumentos. Desgraçados os poderes publicos que não têem outro direito á consideração publica que não seja o que lhes provém dos esplendores do poder! Tristes os corpos politicos em que o povo só vê as insignias do poder sem descortinar as rasões d'elle! O prestigio, a independencia e a inviolabilidade fundam-se não no privilegio, mas na illustração e na hombridade dos que exercem funcções publicas. E porque não ha

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de o legislador ser julgado pelo jurado? Para mim o legislador que legisla e o jurado que julga exercem funcções inteiramente independentes, mas igualmentes honrosas. Um representa a intelligencia, o outro a consciencia, um a liberdade, o outro a justiça.

Conservaria porém sempre, sr. presidente, o direito do parlamento conceder licença para a continuação do processo, ou de a denegar, mas só para o tempo da legislatura.

Em direito constituido entendo que a denegação da licença, n'este caso, não faz mais que suspender a acção da justiça até ao fim da legislatura.

Esta é a minha opinião que exponho, não como relator, mas unicamente como membro do parlamento.

Mas dizem os srs. deputados, visconde de Moreira de Rey e Luciano de Castro, é necessario que a commissão decida este ponto, e diga qual a sua opinião a tal respeito.

Já disse em outra sessão, que a commissão, pensando sobre este ponto, tinha decidido que não era da sua competencia explicar quaes as consequencias do seu voto, isso pertencia a outro poder, e por isso entendeu dever limitar-se a cumprir o que manda o artigo 27.° da carta constitucional.

E perguntava n'este ponto o sr. visconde de Moreira de Rey: se o partido reformista tinha esquecido os principios constitucionaes? A carta no § 6.° do artigo 15.° diz que «ás côrtes pertence fazer e interpretar as leis», logo era necessario declarar qual a interpretação que se devia dar á denegação da licença.

Não admirava que a commissão, embora composta de jurisconsultos, esquecesse o § 6.º do artigo 15.° da carta, quando s. ex.ª, que é um jurisconsulto distincto, uma das intelligencias mais robustas do paiz, se não lembrou do principio do artigo 15.°

O artigo 15.° confere ás côrtes differentes attribuições, e entre ellas a de interpretar as leis.

Ora, quando é que este parecer recebe a sancção das duas camaras? Quando é que sobe á camara alta?

Pois esta camara póde interpretar as leis só por si? Não póde (apoiados). É tão incompetente para interpretar as leis isoladamente, como para as fazer (apoiados).

Portanto, se este parecer não tem de subir á camara dos pares, como é que se quer que nós interpretemos as leis?

Mas esta tem sido uma das partes mais combatidas do parecer, não pelo que lá está, mas pelo que lá deixa de estar.

Ao sr. visconde de Moreira de Rey já respondi.

O sr. Luciano de Castro pediu que a commissão dissesse a sua opinião sobre este ponto. Não diz, tenha s. ex.ª a certeza d'isso.

E sabe o illustre deputado com que precedentes a commissão se auctorisa para proceder assim? Com os precedentes do sr. Luciano de Castro.

Eu já contei na ultima sessão esta historia. O sr. Luciano de Castro declarou em 1869, que tinha idéas iguaes ás que eu hoje pronunciei a este respeito; que a concessão da licença não era equivalente á ratificação da pronuncia, e que a denegação da licença não era equivalente á extincção do processo; e sustentou isto, mas entendeu que a commissão de legislação era competente para ver o processo e aprecia-lo, e propoz um adiamento para que fosse examinado aquelle processo para conceder ou negar licença. São estas as palavras do seu discurso e da sua proposta...

(Interrupção do sr. Luciano de Castro, que se não percebeu.)

Estamos na proposta. Já vamos ao parecer. Não tenha pressa. Iremos a tudo (riso).

Por ora estamos na sua proposta, feita em 5 de julho; depois iremos ao parecer que veiu á discussão em 9 de julho.

Quer a camara saber quaes as palavras da proposta do sr. Luciano de Castro? Eu as leio;

«Proponho que o parecer volte á commissão, para que esta, em face do processo, dê novo parecer sobre se se deve ou não conceder licença para a continuação do processo, nos termos do artigo 27.° da carta constitucional». Simplesmente isto, mais nada.

Foi o processo á commissão, a opinião da commissão dividiu-se, e o parecer da minoria, assignado pelo sr. Luciano de Castro, concluiu que não devia ser auctorisada por inopportuna a continuação do mesmo processo.

Este parecer tem mais duas palavras, e n'esta parte a defeza do sr. Luciano de Castro está nessas palavras por inopportuna.

Eu vi estas palavras, e, se outro dia, quando me referi a este parecer, disse que elle concluia do mesmo modo que o que se discute agora, foi porque na minha limitada inteligencia não acreditava que estivessem differentes.

Por dizer á camara isto... quer dizer que o processo continua finda a legislatura?

O sr. Luciano de Castro: — Não quer dizer que o processo fica extincto.

O Orador: — Qual foi o tribunal que entendeu que o processo não ficava extincto?

V. ex.ª já foi julgado, sr. Santos e Silva?

(Gesto negativo do sr. Santos e Silva.)

Não foi.

A commissão occupou-se d'este grave assumpto, e decidiu em questão previa que se devia conceder ou negar licença, sem curar dos effeitos que essa deliberação tivesse.

(Interrupção do sr. Luciano de Castro, que não se percebeu.)

Lá iremos á analyse de todos os considerandos, porque o parecer é tirado de todos elles, e não de um só (apoiados).

Mas, sr. presidente, não é a primeira vez que n'esta camara se levanta a questão aqui apresentada pelo sr. Luciano de Castro. E permitta-me a camara que repita as palavras aqui pronunciadas por um homem que não póde ser suspeito a s. ex.ª nem á camara; de um homem, que dedicou toda a sua vida á defeza da liberdade; de um homem, que foi liberal tão convencido, orador tão eloquente, que só póde exceder-se a si proprio quando teve de defender, alem da liberdade, a honra da patria ultrajada; do homem...; mas para que accumular elogios, se o maior que a tal homem se póde fazer é pronunciar o seu nome. Fallo de José Estevão (apoiados). Invoquemos o testemunho d'este homem illustre, cuja sombra, como a de outro orador, parece vaguear ainda hoje em torno d'esta tribuna, e vejamos quaes as idéas d'este distinctissimo tribuno a respeito da questão que se agita aqui.

Esta questão não é nova, o tem sido muitas vezes trazida ao parlamento.

Em 1860 apresentou-se n'esta camara um parecer sobre se se devia dar ou não licença para continuar um processo contra um deputado. Quando esse parecer foi submettido á discussão, o sr. deputado Pinto Coelho propoz, como questão previa, que a camara decidisse se o artigo 27.º continha só uma garantia politica, ou se, pelo contrario, deferia á camara attribuições do poder judicial para confirmar ou revogar a pronuncia.

Depois levantou-se o grande orador, e fallando a este respeito disse...; não tenho aqui transcriptas as palavras que pronunciou, mas posso asseverar á camara que emittiu a seguinte opinião: «A camara nada tem a resolver senão, se o processo deve continuar ou não.» E exactamente a opinião que segue esta desgraçada commissão!!

A camara de então creio rejeitou a proposta do sr. Pinto Coelho.

Ora, sr. presidente, em vista da opinião do grande tribuno, parece-me que a commissão de legislação cumpriu estrictamente com os seus deveres, sendo de parecer, que não devia conceder licença para a continuação do referido processo, e isto sem emittir juizo sobre as consequencias d'essa denegação de licença (apoiados).

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Mas diz o sr. Luciano de Castro que, se não temos a reconhecer senão a opportonidade ou importanidade da licença, podemos concede-la até ao fim da legislatura, ou até ao fim da sessão...

O sr. Santos e Silva: — É uma questão de dias...

(Interrupção do sr. Luciano de Castro.)

O Orador: - Bem. Então nada direi a tal respeito.

Passaram depois os differentes oradores que me procederam a examinar os considerandos d'este desgraçadissimo parecer, e um que o fez com mais proficiencia, foi o meu illustre e distincto mestre o sr. Barjona de Freitas. S. ex.ª pegou nos considerandos um por um e tratou de tirar de cada um d'elles isoladamente conclusões que não continham.

(Interrupções do sr. Barjona de Freitas que se não perceberam.)

A conclusão resulta de todos elles combinados, não de um ou de outro, ou só de parte de alguns d'elles.

Disse s. ex.ª que logo que houvesse um facto que não fosse premeditado, concebido, preparado de antemão e executado com firme proposito, n'esse caso devia ser denegada a licença, para continuar o processo contra qualquer deputado. Mas o parecer da commissão não diz só isso. Acrescenta logo que o facto foi antes devido a excessos momentaneos e inesperados, muito para lamentar, provocados pelo zêlo com que o queixoso e o querelado pretendiam sustentar os seus direitos como auctoridades; portanto a commissão, attendendo na hypothese a tudo isto, tirou conclusão de que o crime não tinha sido praticado com o firme proposito e offender a auctoridade, o que muito diminue a gravidade d'elle.

Mas o sr. Luciano de Castro censurou este considerando, porque a commissão commetteu o grave erro constitucional de chamar ao presidente da camara municipal auctoridade. Por mais que me recorde dos meus antigos estudos de direito administrativo, não sei onde está a heresia constitucional em chamar auctoridade a um presidente da camara municipal. (Apoiados.) Pois não é o povo que pelo acto da eleição delega n'elle uma parte dos seus direitos, uma parte da sua auctoridade? (Apoiados.) Não é este um principio muito mais liberal, muito mais democratico? Póde ser que no sentido restricto se não possa chamar auctoridade a um presidente da camara municipal; mas no sentido natural, no sentido lato da palavra, não me parece que fosse commettido erro algum constitucional, chamando-lhe auctoridade.

Outras accusações fez s. ex.ª e peço licença ao illustre orador para lhe dizer sem animo de o offender, que, trazendo na lembrança o discurso de s. ex.ª de 1869, e ouvindo com toda a attenção o seu discurso de hoje, não pude conceber qual era a conclusão a que o illustre deputado queria chegar. Não comprehendi qual a idéa de s. ex.ª a respeito de competencia da camara quanto ao processo (apoiados); s. ex.ª fallou em aggressão á auctoridade, e depois disse que não sabia quem era o aggressor nem o aggredido; de maneira que eu não sei bem qual era a conclusão a que o illustre deputado queria chegar (apoiados). As suas idéas que estão escriptas são as seguintes: que a camara funcciona apenas como corpo politico, concedendo ou negando a licença; mas hoje disse s. ex.ª que estas idéas não eram seguidas na pratica; o n'esta confusão que ha entre as idéas de s. ex.ª e o que se tem seguido na pratica, não conclui bem o que queria o illustre deputado; mas como tomei alguns apontamentos das palavras de s. ex.ª, permitta-me a camara que eu trate de responder como poder.

Diz-se que isto foi um crime contra a auctoridade, no exercicio de suas funcções ou por occasião d'ellas, e tanto o sr. Luciano de Castro considerou o governador civil no exercicio das suas funcções, que censurou acremente o sr. ministro do reino por o ter transferido depois para outro districto.

Portanto, parece dar-se por averiguado que o governador civil estava no exercicio das suas funcções, e que a offensa foi feita a elle, n'esaa qualidade.

Disse mais o illustre deputado, para prova d'isto bastava ler no processo a declaração do sr. Pinto Bessa.

Já que se tratou d'isto, peço licença á camara para pegar tambem no processo e dizer o que d'elle consta. Eu não faço a apreciação do direito nem do facto, porque essa pertence a outro tribunal; conto só o que consta do processo.

Este facto passou se entre dois cavalheiros, e eu declaro a v. ex.ª e á camara que ambos me merecem igual respeito (apoiados).

Como se verificou entre elles, não houve mais ninguem que o presenciasse ou d'elle desse fé; portanto, quaes são as principaes pessoas cujos depoimentos nos devem servir para a apreciação dos factos? São sem duvida estes dois cavalheiros, visto que o caso se passou só entre elles.

Cada um conta o facto de sua maneira. O governador civil diz que tinha mandado pôr fóra de casa o sr. Pinto Bessa, e que depois d'este crescer sobre elle lhe deu a voz de preso.

Já se vê que, segundo a declaração do governador civil, este cavalheiro estava no exercicio das suas funcções pois que deu a voz de preso.

Mas o illustre deputado, o sr. José Luciano, disse, e o sr. Pinto Bessa confessou no processo, que sacudira o sr. governador civil, porque este lhe arrancára os botões do collete. Logo, desde que s. ex.ª fez obra pela declaração do sr. Bessa, ha de aceita-la na parte que citou, e sustentar então que um governador civil que arranca os botões do collete a um cavalheiro exerce funcções administrativas (riso).

S. ex.ª diz que o proprio sr. Pinto Bessa confessa o facto, e quer fazer obra pela declaração d'este cavalheiro; logo aceite-o ao menos na parte que s. ex.ª extractou e recitou n'esta camara. E note s. ex.ª que o facto declarado pelo sr. Bessa é tão verdadeiro, que uns mestres alfaiates procedendo a um exame, no pleno exercicio das suas funcções, acharam no collete do sr. Bessa signaes de terem sido arrancados botões! (Riso.)

Se pois as declarações são contradictorias, se ellas são a base do processo, porque vem s. ex.ª insurgir-se contra nós em apostrophes vehementes, e pedir-nos que deixemos a justiça seguir os seus termos contra o sr. Bessa, que se acha já pronunciado sem admissão de fiança? Pois desde quando é a pronuncia prova provada do crime?

Eu não quero entrar de maneira nenhuma na apreciação do processo, não quero dizer cousa alguma a respeito dos differentes termos e autos que examinei muito minuciosamente. No parecer faz se a narração dos factos, não a apreciação d'elles, o que é differente, e com isto respondo ao sr. Barjona, que me pareceu censurar a commissão por apreciar o processo.

Nos autos existem as declarações do sr. governador civil e as do sr. Pinto Bessa, as testemunhas não foram presenciaes, na moção da querela pede-se a pronuncia do accusado por offensas ao governador civil, e ao exercicio de suas funcções ou por occasião d'estas, o juizo pronunciou o sr. Bessa.

S. ex.ª entendeu depois que era dever seu desaggravar-se e intentar um processo contra o governador civil.

Sobre este ponto ponderou o sr. Barjona de Freitas (e referiu-se a elle tambem, se bem me lembro, o sr. Luciano de Castro), os injustos resultados da denegação da licença, não continuando o processo intentado contra o sr. Pinto Bessa, e seguindo o outro os seus termos. Pois nós, disse s. ex.ª, vamos negar a licença para a continuação d'este processo, quando não podemos fazer com que se suspenda tambem o processo que o sr. Pinto Bessa intentou contra o governador civil?

Eu não quero saber se o sr. Pinto Bessa intentou ou não, um processo contra o governador civil. Nós somos chamados a decidir em relação ao processo intentado contra o sr. Pinto Bessa, e nada mais. Nem eu sei quaes as idéas do sr. Pinto Bessa a tal respeito.

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O que posso dizer é que, se elle entender que a sua honra precisa ser desagravada, ha de proseguir com o processo; se entender que não, elle o suspenderá. Aqui está a opinião que eu faço do nosso collega.

Que o sr. Barjona de Freitas fizesse esta pergunta não me causa estranheza, mas admirar-me-ía que o sr. Luciano de Castro se referisse ao facto do processo que está intentado pelo sr. Pinto Bessa contra o governador civil.

O sr. Barjona de Freitas estava completamente no seu direito, e eu respondi-lhe como entendi; o sr. Luciano de Castro estava tambem no seu direito, mas eu podia responder-lhe que na questão que se debateu n'esta camara nas sessões de 5 e 9 de julho de 1869, quando se negou licença para proseguir o processo intentado contra o sr. Santos e Silva, havia não só o processo intentado por um jornal, contra o sr. Santos e Silva, para cuja continuação a camara negou licença, mas tambem havia um processo intentado pelo sr. Santos e Silva contra o jornal; e tinha o direito de perguntar ao sr. Luciano de Castro, que negou a licença para a continuação do primeiro processo, em que posição se collocou s. ex.ª, e em que posição se collocaram os seus collegas da commissão, em relação ao processo intentado pelo sr. Santos e Silva contra o jornal?

O sr. Luciano de Castro: — O parecer que a camara approvou não fazia mais do que suspender temporariamente a continuação do processo. O processo, segundo eu entendia, devia continuar depois.

O Orador: — Isso não está dito claramente. Pois as palavras por inopportuna, querem dizer isso? Não póde ser.

Pois dizer que a camara nega a licença por inopportuna, significa que o processo continua depois? Não póde ser. E se s. ex.ª o entendia assim, parece me que seria uma interpetração que não estava em harmonia com a deliberação da camara, porque o que a camara approvou foi a proposta para que a commissão dissesse se o processo devia ou não continuar, e se s. ex.ª quiz no parecer, com as palavras por inopportuna, pronunciar-se sobre outra questão, fez uma cousa que julgo em desharmonia com a decisão da camara.

O sr. Luciano de Castro: — Não posso contar tudo quanto se passou; mas a minha opinião foi sempre a mesma. Já em 1865 eu sustentei as mesmas idéas por occasião da licença que se pediu á camara para continuar o processo contra o sr. deputado Antonio de Gouveia Osorio.

O Orador: — Ora isso é que não está no tal parecer, e invoco o testemunho de toda a camara.

O sr. Luciano de Castro: — Leia o illustre deputado o parecer da commissão, e verá se lá não tem mais nada.

O Orador: — Vejamos o parecer. Mas note-se que a resolução da camara foi para que a proposta fosse de novo á commissão de legislação, para ella decidir sobre se o processo devia ou não continuar, e a proposta foi feita por s. ex.ª que no seu discurso tambem disse que a commissão devia dizer se o processo continuava ou não.

Diz o parecer (leu).

Eu pergunto á camara, se isto está n'este parecer? Respondam todos, amigos e adversarios politicos!!

Appello para a consciencia do nobre deputado, para que diga se a idéa de s. ex.ª era que o processo continuasse? Se assim era, dissesse o francamente (apoiados), e não quizesse s. ex.ª deixar duvidoso, atrás de uma palavra, o seu verdadeiro pensamento (apoiados).

O sr. Luciano de Castro: — Eu disse-o francamente.

O Orador: — Disse o como opinião sua, mas não está aqui como opinião da commissão.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Pois a dos outros era mais clara ainda.

O Orador: — O parecer da maioria da commissão, como a camara sabe, era para que se não desse licença emquanto a sessão estivesse aberta, e invoco o testemunho do sr. visconde de Moreira de Rey, para confirmar isto que digo. O sr. Luciano pedia que o parecer voltasse á commissão para ser de novo examinado, e lá negou a licença por inopportuna. Esta é que é a questão.

Repito, s. ex.ª devia ter a franqueza de dizer mais claramente a sua opinião, e não deixar duvidoso o seu verdadeiro pensamento atrás d'essa palavra.

Na minha limitada intelligencia não entendo que aqui esteja representada essa idéa, e então pergunto a s. ex.ª porque a não disse francamente!! (Apoiados.) Tão francamente como a exige hoje?!

O sr. Luciano de Castro: — Pois o illustre deputado queria que eu ainda o dissesse com maior franqueza?!

O Orador: — Com a maior franqueza não o disse!! (Riso.) E se o disse, e se n'essa palavra está a idéa de se pronunciar sobre a continuação do processo, s. ex.ª deu parecer em desharmonia com a decisão da camara, porque esta deliberára apenas que a commissão desse ou negasse licença. Mas essa idéa de opportunidade está no nosso parecer, não n'uma só palavra, mas n'um considerando que é o ultimo e que leio a camara (leu). Aqui tem, pois, a opportunidade expressa sem a tal palavra, mas com mais idéas (apoiados).

A camara está cansada, mas desejava responder ainda a um argumento do sr. Barjona de Freitas.

Vozes: — Falle, falle.

Era a respeito do illustre deputado dizer, que a camara tinha só a decidir e a ver se havia propriamente atrás d'este processo um ardil politico para afastar um deputado, e se o não havia, a camara tinha de se decidir pela continuação do processo.

Eu digo a s. ex.ª que, apesar de ser respeitador sincero dos principios da carta, não entendo que a camara tenha só a ver se ha ardil politico ou não.

Eu entendo que a camara deve comparar o facto incriminado com as circumstancias politicas. Se aquelle é leve, pouco importante, devido a excitações momentaneas que não provem ou denunciem perversidade, e se a presença do deputado é indispensavel na camara, eu entendo que esta póde negar a licença, pois que a urgencia do estado n'este caso exige a presença do deputado com mais força do que a justiça social exige o julgamento do accusado. E na minha ordem de idéas isto é tanto mais aceitavel quanto eu entendo que finda a legislatura, a acção da justiça, interrompida e não extincta, segue o seu curso.

Em conclusão a commissão entendeu não dever declarar quaes os effeitos da negação da licença, porque isso compete a outros poderes.

A commissão entendeu que devia propor á camara que negasse a licença pedida, não só tendo em vista o facto de que se trata, mas porque não faz mais do que tem feito as camaras anteriores em casos identicos (apoiados).

Não tenho mais nada a dizer em defeza d'este desgraçado parecer; mas se se apresentarem outras considerações contra, tomarei novamente a palavra. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem, muito bem.)

(Muitos srs. deputados foram comprimentar o orador.)

O sr. Barros e Cunha: — Depois dos discursos com que a questão tem sido illustrada devia calar-me, e ceder da palavra, e teria mesmo cedido d'ella se por acaso um pequeno incidente não tivesse tido logar n'este debate, e me não obrigasse a fazer uso do direito que v. ex.ª acaba de me conceder.

Estou inteiramente fundido nas idéas apresentadas á camara pelo meu illustre amigo, o sr. Barjona de Freitas. Não faço mais considerações a este respeito, porque ninguem por certo poderia apresentar os principios constitucionaes, e o que significa a garantia expressa no artigo 27.º da carta constitucional com a maior clareza do que o fez o illustre professor que tomou a palavra n'este debate.

Para nós é absolutamente indifferente saber se o sr. bispo de Vizeu, transferindo o governador civil que tinha tido um conflicto com o presidente da camara municipal, conflicto sobre o qual se deu um processo criminal, para conti-

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nuação do qual nos é pedida licença, o fez por ceder ás conveniencias partidarias e á influencia da politica local, ou se o fez para usar do seu direito como parte do poder executivo.

N'uma ou n'outra qualidade a questão sobre a opportunidade ou inopportunidade da censura do meu illustre collega, o sr. José Luciano, e da reivindicação, da pureza e imparcialidade do caracter politico e partidario do illustre prelado não merece grandes esforços da minha parte para chegar a affirmar ou negar uma ou outra proposição, porque ambos ficaram de certo satisfeitos com as explicações que cada um d'elles procurou dar n'este gravissimo assumpto.

Estando na opinião em que está o meu illustre collega, o sr. Barjona de Freitas, creio que estou tambem na opinião apresentada pelo illustre relator da commissão, quando citou o nome do sr. José Estevão Coelho de Magalhães, para esconder o alcance juridico da questão que a camara vae resolver.

Eu tambem sou da opinião do sr. José Estevão Coelho de Magalhães. Entendo que a camara concede ou nega a licença, mas que não entra na apreciação do processo; e isso foi exactamente o que não fez o nobre relator da commissão no parecer que foi apresentado, como mostrou á camara o illustre deputado e meu amigo, o sr. Barjona de Freitas.

N'este parecer e n'estes considerandos ha quasi como que um julgamento final, e ha considerações que attenuam e desculpam antecipadamente uma resolução que a camara, na sua infallibilidade e na sua independencia, podia perfeitamente tomar sem que tivesse de dar satisfação do seu acto.

A garantia concedida aos representantes da nação, pelo artigo 27.° da carta constitucional, funda se nas antigas lutas que havia entre os que defendiam o systema absoluto e os que sustentavam a independencia do parlamento nos seus primeiros tempos.

Eu sou contra a opinião dos que pretendem que essa garantia é inutil nos tempos actuaes. Eu entendo que a representação nacional a deve manter, sustentar e defender, para usar d'ella, porém, quando casos identicos se possam repetir, quando o poder absoluto, ou a força, pretenda exercer pressão sobre o corpo legislativo.

N'esse caso o deputado deve ser salvaguardado, porque é sobre elle, é sobre a sua independencia que se baseia a segurança das instituições. Porém, cobrir a camara com um principio santo, necessario e efficaz para manter a inviolabilidade das instituições, um crime pessoal de que só é competente para conhecer e julgar outro poder tambem independente. O poder judicial, quando certo cidadão está sujeito á responsabilidade que lhe é imposta pelos codigos criminaes, essa opinião não posso eu partilhar de maneira alguma. E por consequencia rejeito o parecer da commissão (apoiados).

Da mesma maneira creio que me não será necessario entrar na analyse da competencia do governador civil para arrancar botões, nem da competencia do presidente da camara para sacudir os governadores civis. Estas questões passaram-se creio que entre as pessoas que se trata; e quando for ao tribunal competente para ser julgada, ahi é que hão de ser apresentadas as provas de que se effectivamente o governador civil tinha a competencia e sciencia necessaria para arrancar botões, e o illustre deputado de que se trata, exerceu um direito inherente à sua auctoridade, sacudindo o governador civil.

Sinto muito que esta questão viesse para um assumpto que da sua natureza é simples, e que se recommenda a consideração da camara no intuito de tornar bem patente, que a camara dos senhores deputados como parte do poder legislativo mantem a sua independencia n'este ponto; mas que respeita tanto quanto deve ser respeitada a independencia do poder judicial, e deseja que todos os cidadãos d'este paiz fiquem sujeitos à acção da justiça (apoiados). Emquanto á opportunidade de separar ou não separar de entre nós um membro d'esta casa, a minha opinião era que comquanto fosse importante o voto dr. sr. deputado não estavam as cousas do parlamento collocadas de maneira que o seu voto de mais ou de menos podesse influir na resolução das questões ácerca do orçamento. No entretanto depois do que disseram os meus amigos volvo ao meu logar e termino declarando a v. ex.ª e á camara que rejeite o parecer da commissão.

O sr. Pereira de Menezes (para um requerimento): — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.

Julgou-se discutida.

O sr. Presidente: — É preciso notar que o artigo 87.° do regimento determina que a votação sobre pessoa certa seja por espheras.

O sr. Candido de Moraes (sobre o modo de propor:) — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se, dispensando o regimento, permitte que a votação seja nominal.

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado que mande o seu requerimento por escripto, visto que elle envolve dispensa do regimento.

O sr. Adriano Machado (sobre o modo de propor): — Eu tinha uma moção para mandar para a mesa, e não me tendo chegado a palavra, e não podendo desistir de a apresentar, peço a v. ex.ª que a aceite segundo as praxes d'esta casa.

A minha moção é a seguinte (leu).

Leu se na mesa a seguinte

Proposta

A camara permitte que o processo continue, sem que todavia o deputado fique suspenso no exercicio das suas funcções, nem privado da liberdade para as desempenhar.

Sala das sessões, 5 de maio de 1871. = Adriano Machado.

Foi admittida.

O sr. Beirão: — O sr. Adriano Machado acaba de mandar para a mesa uma proposta que, se bem ouvi, é para que a camara conceda licença para continuar o processo, não ficando o deputado incriminado suspenso do exercicio das suas funcções.

Esta questão tambem se levantou no seio da commissão, e eu devo dizer alguma cousa, quando mais não seja, para mostrar que ella estudou o processo em todas as suas partes.

Vozes: — A materia já se julgou discutida.

O Orador: — Então limito-me a declarar, em nome da commissão, que não posso aceitar a emenda do sr. Adriano Machado.

O sr. Visconde de Moreira de Rey (sobre o modo de propor): — Preciso que v. ex.ª me informe se o requerimento, apresentado pelo meu amigo o sr. Candido de Moraes, vae ser posto á votação.

O sr. Presidente: — N'este momento acaba de vir para a mesa, e vae ler-se.

É o seguinte:

«Requeiro que v. ex.ª consulte a camara se permitte que dispensando-se o regimento seja a votação nominal.

«Sala das sessões, 5 de maio de 1871. = João Candido de Moraes.»

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Requeiro que sobre a votação do requerimento, apresentado pelo sr. Candido de Moraes, haja votação nominal.

Consultada a camara, admittiu à discussão a proposta do sr. Candido de Moraes.

O sr. Presidente: — Vae votar-se a proposta do sr. visconde de Moreira de Rey, para que seja nominal a votação sobre a proposta, e que acabou de ser lida e admittida á discussão, e em que se pede a dispensa do regimento.

Sendo o requerimento do sr. visconde de Moreira de

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Rey posta á votação, pareceu approvado pelo numero de srs. deputados que se achavam de pé. (Susurro.)

Vozes: — Não se ouviu nada, não se sabe o que se votou.

O sr. Luiz de Campos: — Uma votação nominal para se decidir se outra votação tambem ha de ser nominal não tem logar nenhum (apoiados).

O sr. Falcão da Fonseca: — Peço a v. ex.ª que mande proceder á contraprova da votação, porque alguns senhores estão em duvida sobre o que se votou pelo susurro que ha na sala.

O sr. Presidente: — Vae propor-se outra vez.

Repetida a votação do requerimento do sr. visconde de Moreira de Rey, foi rejeitado.

O sr. Presidente: — Vae votar-se a outra proposta. Os srs. que entendem que a votação sobre o parecer da commissão seja nominal, segundo a proposta do sr. Candido de Moraes, queiram levantar-se.

Votaram que a votação fosse nominal 25 srs. deputados.

Vozes: — Está vencido que seja nominal.

O sr. Ornellas: — Desejava que v. ex.ª me dissesse se, para dispensar uma disposição do regimento, é sufficiente um terço dos votos dos srs. deputados presentes.

O sr. Presidente: — Effectivamente tratando-se de uma dispensa do regimento, não basta a terça parte dos votos da camara, e vae renovar-se a votação.

Os senhores que entendem, que se deve dispensar o regimento, que manda que a votação n'este caso seja por espheras, para se votar nominalmente o parecer...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Peço a palavra sobre o modo de propor. Sobre isso quero requerer votação nominal.

O sr. Presidente: — O sr. deputado obriga-me a lembrar um facto, que vi praticar a um cavalheiro muito digno n'este logar, ao sr. Gaspar Pereira da Silva. A presidencia está aqui para dirigir os trabalhos de modo que os negocios tenham andamento (muitos apoiados). A presidencia tem esse dever, e por isso tem o direito de praticar o que já aqui se praticou, que foi, negar se a palavra a um sr. deputado, quando quiz embaraçar por todos os modos a resolução de uma questão. O sr. deputado quer outra vez a palavra para requerer votação nominal, não póde ser, só se a camara o determinar. É necessario que os negocios caminhem (apoiados).

O sr. Santos e Silva (sobre o modo de propor): — Eu, para saber como hei de votar, pedia a v. ex.ª que mandasse ter a disposição do regimento applicavel ao caso sujeito, porque é a leitura d'essa disposição que ha de esclarecer-nos sobre o assumpto.

Leu-se na mesa o primeiro periodo do artigo 87.º do regimento, que diz o seguinte:

«O escrutinio de espheras tem logar em todas as votações sobre pessoas certas, e sobre a approvação do projecto de resposta ao discurso real de abertura das camaras.»,

O sr. Santos e Silva: — À vista d'isso creio que não póde haver duvida nenhuma para a camara, de que as resoluções devem ser tomadas por maioria de votos, excepto nos casos que estão determinados no regimento, e este não vem lá exceptuado.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Requeiro que sobre a proposta do sr. Ornellas, que v. ex.ª vae pôr á votação, haja votação nominal. Eu quero uma votação nominal sobre qualquer cousa.

O sr. Presidente: — Queira mandar por escripto o seu requerimento para a mesa.

O Orador: — Não é para dispensa do regimento.

O sr. Presidente: — Não ha votação sobre a duvida do sr. Ornellas, e por isso não póde ser attendido o seu requerimento.

Vou agora consultar a camara sobre o requerimento do sr. Candido de Moraes para que se dispense o regimento; mas devo lembrar-lhe a disposição do artigo 87.°, que diz (leu-se).

Foi rejeitado o requerimento do sr. Candido de Moraes.

O sr. Presidente: — Agora vae proceder-se á votação por espheras. Os senhores que approvam o parecer deitam a esphera branca na urna da direita, e os senhores que o rejeitarem a preta na urna da esquerda.

Entraram na urna 77 espheras, sendo 56 brancas e 21 pretas.

Foi portanto approvado o parecer.

O sr. Arrobas: — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o requerimento de uma senhora viuva que pede uma pensão. A commissão é de parecer que se envie ao governo.

Aproveito a occasião de mandar tambem duas representações, uma dos proprietarios de botequins da cidade de Setubal contra o projecto da contribuição industrial, e a outra da camara municipal de S. Thiago de Cacem, pedindo a revogação do decreto que creou a engenharia districtal.

Parecem-me fundados os motivos que os supplicantes allegam nas duas representações, e peço ás commissões respectivas que as tomem na consideração devida.

O sr. Mexia Salema: — Desejava que v. ex.ª me fizesse constar quaes os srs. deputados que estavam inscriptos para tomar parte na questão que acaba de ser votada.

O sr. Presidente: — Estavam inscriptos os srs. Mexia Salema, Almeida Queiroz, Alberto Carlos, Visconde de Moreira de Rey, Adriano Machado, Mello e Faro, Mendonça Cortez, Luiz de Campos, Bernardino Pinheiro, Saraiva de Carvalho, Gusmão, Alves Matheus, e Luciano de Castro.

Agora tem a palavra para explicações o sr. Luciano de Castro.

O sr. Luciano de Castro: — Pedi a palavra, porque algumas expressões pronunciadas pelo sr. relator da commissão, me constituem na obrigação de dar algumas explicações à camara.

Não venho novamente levantar a discussão, que já está encerrada, nem quero discutir o voto da camara; tenho obrigação de o respeitar e hei de respeita-lo. O que quero unicamente é levantar uma das asserções do sr. relator da commissão, e que entendo não poder passar sem correctivo.

S. ex.ª referindo-se á discussão de um parecer elaborado por mim sobre um processo instaurado contra o sr. Santos e Silva, accusou-me de falta de franqueza, insinuando que eu tinha inserido uma palavra de proposito no parecer para illaquear a camara, e fazer com que ella votasse uma cousa que não queria em sua consciencia votar.

Declaro à camara que o parecer da commissão era exactamente o resumo das opiniões que sempre tenho sustentado, e as mesmas sustentei quando se discutiu ha annos o parecer sobre a licença para continuar um processo instaurado contra o sr. Gouveia Osorio.

A minha opinião foi sempre que a camara exerce n'este assumpto uma attribuição politica. Conhece da conveniencia ou não conveniencia da concessão da licença, e nada mais. E foi por isso que se encontra no alludido parecer a palavra inopportuna.

Creio que esta palavra diz clara e verdadeiramente qual foi a minha intenção.

Mas se ainda ha alguem na camara que não comprehenda a rasão por que ali se acha essa palavra, lamento-o, mas não posso explicar-me melhor, nem mais claramente.

Posso ser accusado das minhas expressões não serem tão clara, como o meu pensamento; mas o que não podem e arguir-me de ter enganado a camara. É contra isto que eu me revolto e protesto.

Devo agora declarar muito resumidamente que nas palavras que proferi em relação ao sr. bispo de Vizeu, na questão da transferencia do governador civil do Porto, se quiz apreciar um facto de responsabilidade do governo d'aquelle tempo, devendo ainda acrescentar que não são só os ministros os responsaveis pelos actos que praticam, mas tambem

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os cavalheiros que os apoiam. Portanto, eu não posso ser condemnado por ter então guardado silencio e haver hoje alludido a um acto praticado por um dos ministros, por isso que, como todos sabem, estão presentes muitos cavalheiros que apoiavam este governo, alguns até que d'elle faziam parte, e que têem a responsabilidade dos actos então praticados. Alem de que, eu não posso ser inhibido de apreciar a todo o tempo e em todo o logar os actos que os ministros praticaram (apoiados).

Accusou-me ainda o sr. Beirão por eu não ter feito uma accusação ao sr. ministro do reino então, e vir levantar hoje essa questão. Eu não fiz essa accusação, porque o partido a que pertenço tinha feito o proposito de não levantar aqui questões politicas, a fim de não embaraçar a discussão das questões financeiras que estavam na téla parlamentar.

Mas discutindo-se este parecer da commissão, e tendo de examinar os motivos que levaram a commissão a denegar a licença pedida, veiu a proposito durante o debate, referir aquelle acto que tinha sido praticado depois do conflicto o governador civil do Porto e o sr. Pinto Bessa. Creio que não póde ser taxada de impertinente a allegação de tal facto n'esta occasião.

Não guardei até hoje silencio por qualquer consideração que tivesse com o sr. bispo de Vizeu, porque eu estava em opposição manifesta e clara a s. ex.ª; mas sim pelo proposito em que estavamos de não trazer aqui questões politicas que podessem difficultar a discussão das questões financeiras.

Portanto, repillo a accusação que o illustre deputado fez de que eu tinha deixado de accusar o sr. ministro do reino quando elle estava no poder, para vir occupa lo quando saíu do ministerio. Se s. ex.ª estivesse presente hoje fazia o mesmo.

Nós faziamos ao governo opposição politica, mas nas questões de fazenda não lhe queriamos levantar difficuldades, pelo contrario estavamos dispostos a auxiliar o governo.

Não quero seguir o discurso do sr. Beirão, nem foi minha intenção levantar a este respeito uma larga discussão; o que desejei foi repellir de mim as arguições que o illustre deputado me fez e a significação de algumas palavras que podiam ser desairosas ao meu caracter.

O Sr. Francisco Beirão: — Serei brevissimo nas explicações que tenho a dar á camara, que se referem a dois pontos sobre que fallou o sr. Luciano de Castro.

Creio que nas differentes discussões em que tenho tomado parte n'esta camara, nunca fiz a minima insinuação desairosa para nenhum membro d'esta camara, porque respeito todos os cavalheiros de que ella se compõe. E ao sr. Luciano de Castro, menos do que a ninguem, eu dirigiria insinuações, porque s. ex.ª sabe que temos vivido nas melhores relações, e não era possivel que eu aproveitasse este momento para lhe dirigir insinuações que não estavam no meu espirito.

S. ex.ª disse que eu o tinha accusado de falta de franqueza, e de querer illaquear a camara com aquella palavra inopportuna que vinha consignada no seu parecer.

Eu comecei por me accusar a mim mesmo, pois que não entendia a palavra no sentido que s. ex.ª lhe dava; naturalmente por falta de intelligencia da minha parte.

S. ex.ª pediu à commissão que fosse tão franca n'este ponto que eu soccorri-me ao seu parecer de 1869, e pareceu-me em vista d'elle, e sobretudo da proposta que s. ex.ª tinha mandado para a mesa, que a idéa não estava lá expressa tão claramente que todos a percebessem. E se estava parecia-me que se tinha ido alem da votação da camara.

Portanto analysei a palavra inopportuno que s. ex.ª dizia conter idéa de continuação do processo, e disse eu que n'esta parte, segundo a minha humilde opinião, n'essa palavra não se continha tal idéa, pelo menos claramente.

Entendo hoje em minha consciencia que essa palavra não diz claramente isso; entendo que a palavra inopportuno não quer dizer não ficar cancellado o processo. Com isto porém não disse nem quero dizer que o sr. Luciano de Castro pretendesse illaquear a camara. Não lhe faço esta injuria. A camara votou o parecer e interpretou-o como quiz, eu faço o mesmo, analysando-o segundo a minha intelligencia.

Agora quanto ao outro facto, s. ex.ª póde accusar o sr. bispo de Vizeu; tem todo o direito de levantar a questão politica todas as vezes que quizer, reconheço que tem esse direito. Estranhei só que s. ex.ª a levantasse agora. Reconhecendo porém em s. ex.ª este direito, reconheça tambem o illustre deputado nos amigos do sr. bispo de Vizeu o direito de o defender quantas vezes for accusado. E assim como s. ex.ª aproveitou esta accasião para vir accusar o nobre prelado eu aproveitei a occasião para o vir defender (apoiados).

{Interrupção.)

Lá vamos. Não estranhei, não censurei que o illustre deputado levantasse a questão politica, estranhei que a levantasse hoje. E não podia deixar de estranhar, porque estando o sr. bispo de Vizeu no ministerio alguns mezes não a suscitou, para a vir levantar hoje (apoiados).

Diz s. ex.ª não podemos levantar a questão politica. Pois não levantaram a questão politica no bill?

O sr. Luciano de Castro: — Essa sim.

O Orador: — Ah! Essa sim!? Pois bem; reconheço o direito de fazer a accusação, mas estranho o uso que d'ella se faz só hoje.

O sr. Saraiva de Carvalho: — Não farei largas considerações, porque a hora não m'o consente.

É a segunda vez que peço hoje a palavra para fazer algumas considerações sobre o incidente levantado, na discussão, que correu n'esta casa, pelo sr. Luciano de Castro.

O sr. Luciano de Castro irrogou censura a um homem que esteve no ministerio do reino, que foi meu collega, e de cujos actos publicos sou solidario, irrogou-lhe uma censura dizendo que tinha praticado um acto que envolvia um escandalo; e lavrou outra censura a um funccionario publico, a um delegado do poder executivo, o actual governador civil de Coimbra; e eu fui obrigado a tomar a palavra e faço uso d'ella não só em defeza do sr. bispo de Vizeu, ministro do reino, n'aquella epocha, mas tambem em defeza do governador civil.

Não comprehendo a accusação feita ao ministro do reino de então, nem sei que se possa arguir um ministro do reino por usar das suas attribuições, nem que se possa dizer que houve um escandalo porque foi transferido um empregado de confiança.

Deve haver para esta affirmativa algumas informações particulares, algum conhecimento mui recente que determinou o sr. Luciano de Castro a arguir aquelle acto de escandaloso, arguição que não fez ha alguns mezes, porque certamente não tinha essas informações.

E a rasão allegada pelo sr. Luciano de Castro de que elle e o partido a que pertencia não queriam levantar questões politicas nos assumptos de fazenda não me parece colher, porque esta não era questão de fazenda, era de administração.

Alem d'isso, se for por essa ser questão politica que não se levantem, a verdade é que se debateram por esse tempo questões politicas n'esta casa, como ha pouco foi lembrado por um illustre deputado.

Parece-me que se deve formular a accusação, visto quererem accusar; e eu usarei da defeza politica que me assiste como solidario d'aquelle ministerio; compete-me defende-lo, e a camara e o publico interponham o seu veredictum n'essa accusação.

Isto pelo que diz respeito ao acto praticado pelo ministro do reino.

Agora, pelo que diz respeito ao delegado do poder executivo, o actual governador civil de Coimbra, digo que lhe

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foi feita igualmente uma censura, porque se fosse uma punição a transferencia da cidade do Porto para a cidade de Coimbra, não era nem do brio, nem da dignidade, nem da estima no caracter d'esse funccionario aceitar essa transferencia (apoiados).

Isto é uma accusação gratuita aquelle funccionario, que foi da confiança d'aquelle ministerio. E cumpre-me defender a honra, a dignidade e o pundonor d'aquelle funccionario, cujas qualidades vejo pôr em duvida, n'uma casa onde elle não teve assento.

Concluo estas observações, repetindo o que já disse. Se ha fundamento para se fazer uma accusação, formule-a o sr. deputado...

O sr. Luciano de Castro: — Está claramente formulada.

O Orador: — Formule a por meio de uma moção.

Não é dizer algumas palavras, fazer uma ou outra insinuação, apresentar um facto e qualifica-lo de escandalo, tem dizer qual o fundamento, qual a rasão que ha para assim o qualificar...

O sr. Luciano de Castro: — Eu classifiquei como escandalo o conflicto entre o governador civil e o presidente da camara.

O Orador: — O escandalo é o conflicto entre essas duas auctoridades?

Permitta-me que me sirva agora, da palavra auctoridade em relação ao presidente do municipio do Porto.

Que conflicto é um acto estranho ao ministro do reino, e não é possivel arguir o ministro do reino de um acto em que elle não tomou parte. Se porventura se diz que o escandalo está no conflicto, não comprehendo ainda qual a rasão por que se accusa o ministro do reino de então!

(Interrupção do sr. Luciano de Castro, que se não percebeu.)

O escandalo ha de estar por força em alguma parte, ou ha de estar no uso das funcções do poder executivo, ou ha de estar nos motivos que determinaram a transferencia (apoiados). Porventura abusou o ministro do reino das suas attribuições?! Porventura os motivos que determinaram essa transferencia são conhecidos de s. ex.ª? A coincidencia dos dois factos importa porventura que um seja causa do outro? É supposto, mas não concedido que os motivos da transferencia fossem precisamente para applacar as iras e irritações que havia n'esse momento, porventura isso póde servir de fundamento a uma arguição?!

Se n'esta materia ha assumpto sufficiente para se formular uma accusação, formule-se e fundamente-se; porque eu, respeitando o principio de solidariedade e não declinando a parte de responsabilidade que me pertence, desejo usar da defeza politica que me compete perante esta camara e perante o supremo tribunal da opinião publica.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Francisco Mendes: — Como se passou á ordem do dia e não me foi possivel usar antes da palavra, aproveito esta occasião para declarar a v. ex.ª e á camara que tenho faltado ás duas ultimas sessões por motivo justificado.

O sr. Luciano de Castro: — Não appliquei a palavra escandalo senão ao conflicto que houve entre o sr. governador civil e o sr. presidente da camara municipal do Porto; porque, sem querer d'ahi tirar nenhuma qualificação odiosa para qualquer dos dois cavalheiros, pareceu me que o facto em si era um escandalo (apoiados).

Mas quando me referi ao sr. ministro do reino de então, disse que o acto da transferencia por s. ex.ª praticado antes do poder judicial ter dado a sua opinião a esse respeito, era censuravel, porém não o qualifiquei de escandalo.

O sr. Saraiva de Carvalho: — Então não entendi bem.

O sr. Mariano de Carvalho: — Peço a palavra.

Uma voz: — Já não ha numero.

O Orador: — Para se dizerem duas palavras não é preciso haver na sala numero sufficiente de srs. deputados.

Participo a v. ex.ª e á camara que o sr. Francisco de Albuquerque não compareceu á sessão de hoje, e não comparecerá a mais algumas por motivo justificado; e em relação a mim tambem tenho a participar que não comparecerei ás sessões de sabbado e segunda feira.

Aproveito esta occasião para declarar que se houvesse numero apresentaria uma moção, louvando o governo que esteve á testa dos negocios publicos até 19 de maio de 1870, por ter demittido o sr. governador civil da Madeira antes do poder judicial ter pronunciado a sua opinião a respeito dos deploraveis acontecimentos que se deram n'aquella ilha (apoiados).

O sr. Presidente: — Como não ha mais nenhum sr. deputado inscripto para dar explicações, vou levantar a sessão.

A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Rectificações

O sr. deputado Antonio José Teixeira esteve presente na sessão de 2 de maio.

No discurso do sr. deputado José Tiberio pronunciado na sessão de 3 de maio, e publicado no Diario da camara, a pag. 490, lin. 27, aonde se lê «Só o meu concelho, que rende dois contos e tanto para estradas municipaes, teve de pagar a terça parte d'esta quantia, ou 707$000 réis para aquella repartição» deve ler-se «Note v. ex.ª e a camara, que importando a verba dos ordenados dos engenheiros districtaes da Guarda em dois contos e tantos mil réis, só o meu concelho concorreu com 707$000 réis para o seu pagamento, quasi a terça parte.

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PARECER

Senhores. — A vossa commissão de fazenda, conformando-se com o parecer da illustre commissão do ultramar, ácerca do requerimento de D. Eulina Maria Amelia de Figueiredo Soares, que pede ás côrtes uma pensão pelos serviços de seu marido José Maria Soares, segundo tenente de artilheria de Cabo Verde, que morreu de febres n'aquella provincia, adquiridas em Bissau e Cacheu, é de parecer que, em vista do artigo 75.°, § 11.° da carta constitucional, e lei de 11 de junho de 1867, seja remettido ao governo o referido requerimento para o attender como for de justiça.

Sala da commissão de fazenda, em 1 de maio de 1871. = Anselmo José Braamcamp = Alberto Osorio de Vasconcellos (com declarações) = Mariano Cyrillo de Carvalho = Henrique de Barros Gomes = Antonio Augusto Pereira de Miranda = Augusto Saraiva de Carvalho = João Antonio dos Santos e Silva = Antonio Maria Barreiros Arrobas = Alberto Carlos Cerqueira de Faria.

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