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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tão compromettendo perante a opinião publica e imparcial.

Já se diz alguma cousa, e não é de estranhar que o paiz procure explicação para a contradicção manifesta que encontra entre as promessas da opposiçâo e o seu procedimento n'esta casa. No interregno parlamentar, especialmente durante o periodo eleitoral, levantaram-se contra o governo as accusações mais graves; prometteu-se guerra a todo o transe, cruel, sem treguas. São eleitos os melhores campeões, escolhidos os mais esforçados guerreiros. Em vez da guerra promettida e proclamada, temos a tranquillidade apparente; ao furor succede a immobilidade, e em vez da opposiçâo fica a condescendencia!

Este systema tem perigos, dá logar a beatos, mesmo a suspeitas que sobresaltam o espirito publico. Tenho ouvido dizer lá fóra, e nenhuma duvida tenho em repetil-o aqui, sem que por fórma alguma por isso acredite, e menos assuma a responsabilidade da exactidão ou da verdade de similhantes ditos ou boatos; diz-se, e corre com insistencia, que o nobre presidente do conselho de ministros a todos os grupos da opposiçâo tem declarado que se acha fatigado, que está procurando ensejo para entregar as redeas do poder, deixando entrever quanto a moderação habilita na herança em circumstancias difficeis! Diz-se que com esta simples quasi promessa, acenando com a successão a cada um e a todos os grupos, tem conseguido transformar as antigas iras, o os tão apregoados furores, n'uma benevolencia excepcional, em condescendencia tão extraordinaria, que pelo excesso faz suspeitar a combinação._

Não sei se o boato, posto que falso, convem a uma opposiçâo que não só é numerosa, mas tem rasões de ser vehemente, e, todavia, tem abatido as bandeiras n'esta casa do parlamento.

A mim não me convem, e protesto que o meu procedimento não ha de auctorisar taes boatos, nem alimentar similhantes suspeitas. Reconheço, porém, que emquanto aqui se respira, como disse, uma atmosphera de gelo, que, se não é artificia], é inexplicavel, na outra casa do parlamento accendem-se as paixões politicas, e a temperatura é tão elevada que parece estar ali concentrada toda a iniciativa e absorvida toda a politica actual.

N'estas condições, eu protesto contra a nossa indifferença, porque n'este paiz, onde as maravilhas e as raridades constitucionaes apparecem e se repetem (Apoiados.), eu sentiria muito que nós abríssemos exemplo para a queda d'este ou de qualquer outro governo na outra casa do parlamento, em divergencia ou antagonismo com os eleitos do povo.

Não estão, nem podem estar, entre nós, a tal ponto esquecidos, nem podem ser a tal ponto ignorados os principios rudimentares de direito parlamentar, que a camara electiva possa, sem se suicidar, sem se abater, transferir para a camara alta a iniciativa das questões politicas, o calor das paixões partidarias, a ponto de preparar a queda de um governo, não perante os eleitos do paiz, perante os quaes devo caír, mas perante os membros da camara alta, a qual pela sua organisação, pela sua especial constituição está não só distante, mas deve estar desviada de todos os excessos e das paixões partidarias ou politicas. (Apoiados.)

Opposição n'esta camara ha de havel-a; porque a haveria ainda que eu ficasse só em campo. A singularidade não me assusta, e eu não hesito um momento em sustentar e cumprir o meu dever e combater o governo em todas as suas propostas e em todas as suas medidas, sejam ellas de que natureza forem, todas as vezes que me convença de que ellas, em vez de satisfazerem uma necessidade publica, concorrem para a ruina do paiz ou para comprometter mais a sua fazenda ou a sua administração.

De que nos queixámos nós, a maior parte da opposiçâo ha muitos annos, e eu apenas desde o anno passado? Não é de que este governo compromette a fazenda nacional e concorre para a nossa ruina financeira? Uma parte importante da opposiçâo avança mais, e ahi me separo eu, que os dinheiros publicos, alem de mal applicados, são desviados da sua legitima e legal applicação a tal ponto, que este procedimento exige um inquerito immediato, de que necessariamente, diziam os illustres deputados, deve resultar a accusação do governo actual. Já disse que n'esse caminho não os acompanho eu.

O ponto em que eu estou de accordo é em que a administração financeira é pessima, e que as verbas legalmente votadas são arbitrariamente excedidas; é que nós somos chamados a votar emprestimos importantissimos, de réis 40.000:000$000 approximadamente, com o pretexto apparente, mas nunca real, de consolidar e extinguir uma divida fluctuante, nunca consolidada nem extincta, porque ella reapparece logo depois de nos prometterem a sua extincção, em proporções muito proximas do que ella era antes de nos exigirem os meios para a sua consolidação.

Perante um governo assim, que não dá contas, ou se o faz é do modo que não podem ser apreciadas, o que faz a opposiçâo d'esta casa? Recusa os meios ao governo? Não: presta-se não só a votar os meios ordinarios, mas ainda os extraordinarios, posto que condicional ou parcialmente, mas acceitando sempre as suas propostas de augmento de receita.

Ora isto é porventura modo serio de fazer opposiçâo a um governo que se encarrega de exceder arbitrariamente as verbas do orçamento, e que outros accusam de constantemente desviar da sua applicação legal e legitima as sommas votadas para determinada applicação? Se esta opposiçâo é boa, eu declaro a v. ex.ª que não sei fazer opposiçâo; mas faço-a e hei de fazel-a como sei, embora a faça só e contra todos.

Declaro a v. ex.ª que depois de uma experiencia longa, a par de todos os partidos que têem governado n'este paiz, adquiri a convicção profunda de que é, não só indispensavel, mas urgente, mudar quanto antes, não de ministros, mas de systema.

O orçamento do estado não é serio nem exacto, e ainda que o seja, com os meios que tem qualquer governo de illudir ou exceder as suas verbas, não só contra a vontade, mas sem conhecimento das duas casas do parlamento, o orçamento é completamente inutil todas as vezes que o governo quizer abusar.

Ha ou não ha meio, e esta é a questão unica, de obrigar um governo qualquer a não poder exceder por arbitrio proprio as verbas votadas no orçamento?

Não só ha esse meio, mas está em uso e pratica em paizes que se regem pelo systema parlamentar e que têem as instituições correspondentes a esta suprema necessidade de fiscalisar a gerencia e a applicação dos dinheiros publicos.

Na outra casa do parlamento, ouvi eu, ha poucos dias, um digno membro d'aquella casa lembrar ao nobre ministro da fazenda, que na Italia em vez de um ministro da fazenda havia dois; que se tinha creado um ministro do thesouro, que era uma especie de tribunal de contas em acção, visando e auctorisando as ordens de pagamento assignadas pelos ministros, e especialmente encarregado de não auctorisar pagamento nenhum cuja importancia excedesse a respectiva verba votada no orçamento. Em outros paizes é o tribunal de contas, que independente e altamente responsavel exerce esta fiscalisação.

Em todo o caso não ha, não póde haver paiz nenhum devidamente administrado, que não tenha, a par do governo e dos ministros, um tribunal inteiramente independente para a fiscalisação das ordens de pagamento, de fórma que nenhuma despeza possa exceder a verba respectivamente votada no orçamento do estado. Isto é cousa nova? E impossivel ou difficil?

Mas ha isso, porventura, entre nós? Nós temos estas disposições, ou outras analogas em todos os orçamentos