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SESSÃO DE 21 DE FEVEREIRO DE 1879
Presidencia do ex.mo sr. Francisco Joaquim da Costa e Silva
Secretarios — os srs. Antonio Maria Pereira Carrilho Augusto Cesar Ferreira de Mesquita
SUMMARIO
Continua a discussão do projecto de lei n.º 70.
Abertura — Ás duas horas e um quarto da tarde.
Presentes á chamada 51 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano Machado, Fonseca Pinto, Nunes Fevereiro, Alfredo de Oliveira, Alipio de Sousa Leitão, Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Pereira de Miranda, Emilio Brandão, Lopes Mendes, A. J. Teixeira, Carrilho, Mendes Duarte, Pinto de Magalhães, Victor dos Santos, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Bernardo de Serpa, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Conde da Foz, Diogo de Macedo, Eduardo Moraes, Emygdio Navarro, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Francisco Costa, Pereira Caldas, Sousa Pavão, Frederico Arouca, Palma, Paula Medeiros, Freitas Oliveira, Osorio de Albuquerque, Anastacio de Carvalho, Gomes de Castro, Brandão e Albuquerque, Barros e Cunha, João Ferrão, Sousa Machado, J. A. Neves, Ornellas de Matos, Pontes, Figueiredo de Faria, Namorado, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Sá Carneiro, Bivar, Luiz Garrido, Faria e Mello, Pires de Lima, M. J. de Almeida, Alves Passos, Manuel José Vieira, Aralla e Costa, Mariano de Carvalho, Miranda Montenegro, Miguel Dantas, Ferreira de Mesquita, Miguel Tudella, Jacome Correia, Visconde do Balsemão, Visconde do Rio Sado, Visconde de Sieuve de Menezes.
Entraram durante a sessão — Os srs.: Adolpho Pimentel, Osorio de Vasconcellos, Tavares Lobo, Rocha Peixoto (Alfredo), A. J. d'Avila, Barros e Sá, Telles de Vasconcellos, Augusto Fuschini, Saraiva de Carvalho, Carlos de Mendonça, Domingos Moreira Freire, Hintze Ribeiro, Francisco de Albuquerque, Mesquita e Castro, Mouta e Vasconcellos, Fonseca Osorio, Gomes Teixeira, Van-Zeller, Costa Pinto, Melicio, Scarnichia, Almeida e Costa, Sousa Gomes, Dias Ferreira, José Frederico, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Pereira Rodrigues, Sousa Monteiro, Barbosa du Bocage, Lopo Vaz, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Manuel d'Assumpçâo, Rocha Peixoto (Manuel), Pinheiro Chagas, Nobre de Carvalho, Marçal Pacheco, Visconde da Aguieira, Visconde de Andaluz, Visconde da Arriaga, Visconde de Moreira de Rey.
Não compareceram, á sessão — Os srs.: Carvalho o Mello, Gonçalves Crespo, Arrobas, Pedroso dos Santos, Pereira Leite, Santos Carneiro, Avelino de Sousa, Goes Pinto, Vieira das Neves, Guilherme de Abreu, Silveira da Mola, Jeronymo Pimentel, J..1. Alves, Laranjo, Teixeira de Queiroz, J. M. Borges, Taveira e Menezes, Julio de Vilhena, Almeida Macedo, Freitas Branco, Correia de Oliveira, M. J. Gomes, Souto Maior, Pedro Carvalho, Pedro Correia,.Pedro Barroso, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Rodrigo do Menezes, Thomás Ribeiro, Visconde da Azarujinha, Visconde de Villa Nova da Rainha.
Acta — Approvada.
EXPEDIENTE
Officio
Do sr. Gonçalves Crespo, participando que, por motivo justificado, não póde comparecer hoje e ámanhã na sessão da camara.
Representações
1.ª Da camara municipal de Villa Nova de Gaia, pedindo que seja prorogado o praso estabelecido na lei de 15 de março de 1877 para o registo dos onus reaes.
Apresentada pelo sr. deputado Carlos de Mendonça e enviada á commissão de legislação civil.
2.ª Das religiosas do real convento de Santa Maria de Arouca, pedindo que seja prorogado o praso estabelecido na lei de 15 de março de 1877 para o registo dos onus reaes.
Apresentada pelo sr. deputado visconde da Arriaga e enviada á commissão de legislação civil.
3.* Dos escripturarios da repartição de fazenda do concelho de Penafiel, pedindo que lhes sejam augmentados os ordenados.
Apresentada pelo sr. deputado Moreira Freire e enviada á commissão de fazenda.
4.ª Dos amanuenses do 2.ª classe da casa da moeda, pedindo que os seus vencimentos sejam equiparados aos dos empregados de igual categoria das secretarias d’estado.
Apresentada pelo sr. deputado Namorado e enviada á commissão de fazenda.
O sr. Carrilho: — Mando para a mesa a seguinte
Declaração de voto
Declaro que, na sessão de hontem, votei contra a eliminação do § unico do artigo 6.° do projecto de lei relativo ao novo governo da Guiné; e que votei a favor do pagamento, pela referida provincia, da somma de 14:000$000 réis, maximo do encargo dos 200:000$000 réis destinados a despezas extraordinarias da mesma provincia.: — Antonio Maria Pereira Carrilho, deputado pela Certa.
Mandou-se lançar na acta.
O sr. Melicio: — Mando para a mesa a seguinte Participação
Participo a v. ex.ª que não compareci ás ultimas sessões por motivo de doença. — João Chrysostomo Melicio. Inteirada.
O sr. Filippe de Carvalho: — Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que sejam pedidos ao governo, pelo ministerio da marinha, alguns exemplares do plano dos melhoramentos do Tejo, a que se refere a proposta de lei apresentada pelo governo n'esta sessão para aquelle melhoramento, a fim de que os srs. deputados que desejem estudar o assumpto possam ter conhecimento do referido plano. — Filippe de Carvalho.
Mandou-se expedir com urgencia.
O sr. Freitas Oliveira: — Hontem, quando v. ex.ª ía pôr á votação o requerimento feito pelo illustre deputado, vice-presidente d'esta camara, para se prorogar a sessão, retirei-me da sala e não votei.
Ora, como eu tenho sempre censurado em publico aquelles que se esquivam a manifestar as suas opiniões nas votações d'esta casa, preciso explicar o meu procedimento, para não caír em uma contradição.
Motivo grave, conhecido de varios illustres deputados, que têem assento n'esta casa, me obrigava a estar hontem depois das cinco horas em logar certo e determinado; por consequencia não podia ficar n'esta casa depois d'essa hora. E tambem não podia approvar o requerimento do sr. visconde de Sieuve de Menezes e retirar-me, porque não era procedimento serio. Tambem não quiz votar contra elle,
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para que se não desse ao meu procedimento uma interpretação differente do motivo que m'o inspirára.
A firmeza e lealdade da posição que occupo no ultimo logar da maioria d'esta casa, não se ha do avaliar senão pelo meu procedimento e nunca pelas vozes d'aquelles que julgam que a lealdade e a firmeza politica consiste na obediencia cega o servil a caprichosas indicações.
Eu tinha pedido a palavra quando se discutia, na generalidade, o projecto relativo á Guiné, e tinha-a pedido não.com o sentido do esclarecer a assembléa, porque ella só me podia caber em uma occasião em que muitos oradores a tinham já esclarecido, melhor do que eu o podia fazer,.mas unicamente porque, na minha qualidade de membro da commissão o signatario do parecer, me cumpria justificar o meu voto.
Deu-se a materia por discutida, e quando começou a discussão do primeiro artigo do parecer, e que eu novamente tinha pedido, a palavra foi exactamente n'essa occasião em que a materia foi tambem julgada discutida; por consequencia não me foi possivel fallar.
Ficando hontem na assembléa, ainda que por pouco tempo, teria pedido a palavra, e como me não podia demorar, pareceria que eu teria qualquer motivo para não fallar sobre este projecto, não obstante haver-me inscripto para esse fim.
O motivo por que pedi a palavra quando se discutia a materia na generalidade, e depois no artigo 1.°, era principalmente para rectificar um equivoco, que me parece ter ouvido ao illustre deputado e meu amigo, o sr. Navarro, no excellente discurso que pronunciou, quando se discutiu a generalidade do parecer. S. ex.ª referindo-se a uma concessão feita pelo governo portuguez á Hollanda de uma parte dos territorios ao norte de Timor, disse, que do ministerio que tinha feito essa concessão fazia parte, como ministro do reino, o sr. Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.
Suppuz isto um equivoco e não reclamei logo, e apesar de ver, no outro dia, em dois jornaes, de que são redactores dois illustres membros d'esta casa, que se insistia no mesmo equivoco, vi, porém, um jornal de que é digno redactor o illustre deputado o sr. Navarro, que não se repetia o equivoco, dizendo-se, apenas, que o sr. Fontes Pereira de Mello tinha sido o plenipotenciario, que tinha assignado o contrato com a Hollanda. Era isso exactamente o que aconteceu.
Se v. ex.ª e a camara me permittem eu digo em poucas palavras em que consiste o facto a que se referiu o illustre deputado.
Creio que em 1852, o governador de Timor vendeu á Hollanda, sem consentimento do governo portuguez, uma parte do territorio ao norte de Timor.
N'essa occasião era ministro da marinha e ultramar o actual sr. presidente do conselho, e s. ex.ª demittiu este governador e mandou-o vir preso para Lisboa, porém elle na viagem falleceu em Batavia...
Tempos depois, como os hollandezes reclamassem, teve o governo de fazer com aquella nação um tratado para tornar válido e cohonestar o procedimento d'aquella auctoridade.
Do governo que fez este tratado era ministro do reino e dos negocios estrangeiros o sr. duque de Loulé, e ministro da marinha e ultramar o sr. marquez de Sá da Bandeira; e esse governo nomeou o sr. Fontes para plenipotenciario n'essa questão.
Este é que é o facto, o por isso espero que o illustre deputado rectifique, o que se lê no seu discurso publicado no Diario das camaras, porque estou certo de que não foi sua intenção attribuir ao sr. Fontes responsabilidades que pertencem a outros cavalheiros.
O sr. Emygdio Navarro: — Eu não posso acceder á rectificação pedida pelo sr. Freitas Oliveira, porque tenho a certeza do que as apreciações, que fiz, foram apoiadas na verdade dos factos.
Estou procurando na collecção de legislação a prova do que disse, mas ainda a não achei, e por isso peço a v. ex.ª que me reservo a palavra para, quando eu a encontrar, dar explicações á camara a este respeito, ou então que me inscreva para uma explicação pessoal antes de se encerrar a sessão.
O sr. Gomes de Castro: — Dois são os motivos para que pedi a palavra a v. ex.ª
O primeiro é para mandar para a mesa uma declaração dos motivos por que faltei á ultima sessão, e o segundo é para mandar para a mesa uma representação, em que os escripturarios da repartição de fazenda de Espozende pedem a esta camara augmento do vencimento, e ao mesmo tempo que lhes seja permittido o uso de uniforme.
Qualquer d'estes pedidos é filho da exiguidade do seu vencimento. Realmente estes empregados, como em geral todos os empregados de fazenda, não são remunerados como devem ser; e não é do esperar que elles façam muito bom serviço, quando os seus ordenados são tão exiguos como os dos requerentes.
Estes empregados, que têem um trabalho arduo, muito prolongado e de muita responsabilidade, vencem apenas 10$000 réis por mez!
Ora, empregados com tão pequeno ordenado não podem servir bem; e por isso peço á camara, e sobretudo ao sr. ministro da fazenda e á illustre commissão, que tomem em consideração o pedido d'estes funccionarios.
Eu desejaria que a estes e outros funccionarios se augmentassem os ordenados, e melhor fóra isso do que estarmos a augmentar o pessoal, como estamos a fazer todos os dias.
A proposito do projecto do tabaco, que talvez hoje continue a ser discutido, terei occasião de dizer quanto convem mais que os empregados sejam melhor remunerados, do que augmentar o numero á elles do uma maneira extraordinaria.
Não é só n'este projecto do tabaco, mas em quasi todos os que o governo tem apresentado, que nós notamos este grande erro e esta grande falta.
Peço a v. ex.ª que dê a esta representação o devido destino.
Leu-se na mesa a seguinte
Declaração
Declaro que, por motivo justificado, deixei de comparecer nas ultimas sessões. = Gomes de Castro.
Inteirada.
O sr. Barros e Cunha: — Mando para a mesa a seguinte proposta para a nomeação de uma commissão de inquerito ácerca da administração das provincias ultramarinas.
(Leu.)
Eu não peço a urgencia d'esta proposta, porque sei muito bem que sobre este assumpto de certo a maioria quererá ter uma conferencia com o governo; e se a proposta foi, como julgo, considerada na importancia que tem, e que se baseia principalmente na discussão que teve logar aqui, e nos factos em que a maioria e a opposição estão de accordo; se for admittida á discussão e se acaso ella for impugnado, eu então direi á camara os motivos que me levaram a não adiar por mais tempo a apresentação d'ella á consideração da assembléa de que tenho a honra de fazer parte.
O sr. Presidente: —A proposta fica para segunda leitura.
O sr. Alves Passos: — Mando para a mesa a seguinte
Declaração
Declaro que, por motivo justificado, não pude comparecer nas ultimas sessões. = O deputado, Alves Passos.
Inteirada.
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Participação
Tenho a honra do participar a v. ex.ª que se acha constituida a commissão do instrucção publica, tendo eleito para seu presidente o sr. Bernardo de Serpa e a mim para secretario, com relatores especiaes. — Manuel Joaquim Aires Passos.
Inteirada.
O sr. Visconde do Rio Sado: — Mando para a mesa um requerimento em que Manuel Diniz de Oliveira, porteiro e apontador das officinas da administração da casa da moeda, o papel sellado, pede augmento de ordenado.
O sr. Visconde de Balsemão: — Declaro a v. ex.ª e á camara que não assisti á sessão de hontem por incommodo de saude, e que se tivesse estado presente teria votado a proposta de lei apresentada pelo sr. ministro da marinha.
E visto v. ex.ª ter-me concedido a palavra, permitta-me que ou proteste contra umas accusações gratuitas feitas na outra casa do parlamento contra os eleitores do circulo de Torres Vedras, que tenho a honra de representar n'esta casa.
O sr. Presidente: — Peço perdão. O sr. deputado não póde protestar contra as decisões ou contra o que se passa na camara dos dignos pares.
Vozes: - Mas elles podem occupar-se de nós. Era bom que lá fizessem o mesmo.
O Orador: — Mas lá podem accusar; podem fazer accusações directas! Parece-me que estava no meu direito defendendo os meus eleitores.
O sr. Presidente: — O sr. deputado póde dar explicações sobre o que propriamente lhe diga respeito, mas não as póde dar com relação a quaesquer outros individuos a que se referissem na camara dos dignos pares. Assim o prescreve o nosso regimento.
O sr. Visconde de Balsemão: — N'esse caso peço que se consigne na acta o meu protesto.
Leu-se na mesa a seguinte
Declaração
Declaro que não compareci á sessão de hontem por incommodo de saude, e que se estivesse presente teria votado a favor da proposta de lei apresentada pelo sr. ministro da marinha com relação á Guiné. = Visconde de Balsemão.
Inteirada.
O sr. Rodrigues de Freitas: — Estava procurando o artigo do regimento que se refere á prohibição de n'esta casa se alludir ao que se diz na camara alta.
Parece-me que, quando na camara alta, algum dos seus membros se refere a qualquer deputado, é permittido a este responder aqui. (Apoiados.)
0 sr. Presidente: — Peço licença ao sr. deputado para lhe observar que conheço essa disposição do regimento, e que em virtude d'ella só é permittido a qualquer sr. deputado dar explicações pessoaes, mas não á respeito de outros quaesquer individuos.
Explicações sobre arguições pessoaes, são os proprios termos do regimento.
O Orador: — Resta-me a declaração de v. ex.ª; confio n'ella plenamente.
Embora não esteja presente o sr. ministro das obras publicas, é possivel que o sr. ministro da fazenda, cuja attenção peço, saiba dos assumptos a que vou referir-me, e possa esclarecer a camara ácerca d'elles.
Está desde muito tempo construida uma estação commum aos caminhos de ferro do Douro e do norte.
Creio que essa construcçâo foi feita por ordem e á custa do governo.
A companhia do caminho de ferro do norte está fazendo uso d'aquella estação como se tivesse contribuido para as despezas que com ella se fizeram, ou porventura ella propria a tivesse mandado construir.
Desejo que o governo, agora representado pelo sr. ministro da fazenda, declare, se lhe é possivel declarar, quaes são as negociações que se tenham feito com a companhia do caminho de ferro do norte, ácerca das despezas feitas com aquella estação.
E conveniente que se saiba como é applicado o dinheiro que os contribuintes pagam, e principalmente n'esta conjunctura, que é grave e difficil.
Averiguemos se o dinheiro que a nação tem pago, tem sido bem ou mal empregado...
Desejo tambem saber se já foram cumpridas as ordens do governo, dadas em uma portaria de 1878, ordens segundo as quaes a companhia do caminho de ferro do norte e leste devia augmentar o numero dos trabalhadores empregados na conservação e guarda das linhas de norte e leste, bem como estabelecer cancellas em setenta pontos d'essas linhas.
Ordenava se tambem ahi, que sem perda de tempo completasse a largura dos aterros entre as estações do Carregado e de Azambuja, sensivelmente diminuídos pelas cheias de 1876. Havia dois annos que a largura dos aterros entre essas estações estava sensivelmente reduzida.
Desejo saber, repito, se o sr. ministro da fazenda póde esclarecer a camara a este respeito: se foram cumpridas as ordens dadas pelo governo; e peço a v. ex.ª que novamente me inscreva, porque talvez eu precise usar outra vez da palavra depois do sr. ministro da fazenda ter respondido.
O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): — A estação que foi construida no Porto, foi construida não só para servir aos caminhos de ferro do Douro e do Minho, mas tambem aos caminhos de ferro do norte, e a companhia do caminho de ferro do norte deve pagar a parte correspondente ao uso que fizer d'essa estação. Relativamente aos termos em que estão as negociações a esse respeito, permitta me o illustre deputado que eu tome nota para participar a pergunta de s. ex.ª ao meu collega, que é quem está ao facto d'esses promenores, e em que infelizmente não posso satisfazer o illustre deputado. Mas que a companhia ha de pagar, isso é com certeza. Dos termos em que estão as respectivas negociações, não estou eu ao alcance, e tomo nota, repito, para a entregar ao meu collega; assim como a respeito da maneira como tem sido observada uma portaria a que se referiu o illustre deputado sobre as cancellas e sobre outras medidas de segurança ou de conveniencia publica, que o governo julgou conveniente mandar executar á companhia.
Participarei, como disse, ao meu collega das obras publicas quaes são as perguntas do illustre deputado, para que elle possa dar a s. ex.ª e á camara todas as informações.
O sr. Rodrigues de Freitas: — A segunda parte das minhas perguntas parece-me que é unicamente do dominio do sr. ministro das obras publicas; apesar de que podia v. ex.ª ter conhecimento d'esse assumpto, embora não fosse natural o responder tão completamente como o sr. ministro das obras publicas. Mas a primeira pergunta parece-me que se refere tambem ao ministerio de v. ex.ª
O sr. Ministro da Fazenda: — Quanto á doutrina estou completamento de accordo, a companhia deve pagar; mas dos termos em que estão as negociações, repito, não posso dizer nada, porque esse negocio corro pela repartição das obras publicas.
O sr. Pires de Lima: — Mando para a mesa uma representação que me incumbiram de apresentar n'esta camara.
Esta representação é contra a proposta de lei n.º 61-E, apresentada pelo sr. ministro da fazenda, a qual tem por fim augmentar 10 por cento á contribuição predial a que estão sujeitos os predios rusticos e urbanos que constituem patrimonio ecclesiastico. -
Mando tambem outra representação, que me foi mandada, contra a proposta do sr. ministro do reino n.º 75-B,
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que tem por fim annexar no concelho de Ovar as freguezias de Esmoriz, Macedo e Cortegaça, pertencentes ao concelho da Feira.
Eu desejo que estas duas representações sejam conhecidas e apreciadas não só pelas commissões competentes que têem de dar o seu parecer, -mas ao mesmo tempo que sejam apreciadas pela camara; e n'este intuito peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se permitte a sua publicação no Diario das nossas sessões.
O sr. Luciano de Castro: — Eu tinha pedido a palavra a v. ex.ª já ha dias, mas infelizmente não me chegou, para mandar para a mesa o seguinte requerimento.
(Leu.)
A camara tem de discutir dentro de poucos dias o parecer da commissão do verificação de poderes, sobre a eleição de Moncorvo, parecer que propõe que seja proclamado deputado o cidadão que obteve o diploma.
Eu examinei esse processo eleitoral; pedi até a, v. ex.ª a bondade de m'o confiar, para em minha casa poder mais de espaço investigar todas as irregularidades que ali se deram, e posso assegurar a v. ex.ª, depois do («ame consciencioso a que procedi, que a camara não está habilitada a pronunciar a sua opinião sobre esta eleição, sem que sejam publicados os documentos, que por este meio requeiro á camara que sejam impressos na folha, official ou no Diario tia camara, como v. ex.ª melhor entender.
Estes documentos não são simplesmente os protestos mandados para, a mesa por parto da opposição, protestos que aliás vem acompanhados de documentos importantes que esclarecem de um modo notavel o assumpto; são, alem d'isso, documentos officiaes. São, por exemplo, como v. ex.ª verá, officios do presidente da mesa de Freixo de Espada á Cinta, que foi organisada depois que a, mesa primitivamente constituida abandonou o exercicio das suas funcções.
Portanto, parece-me que devem merecer toda a consideração, não só á opposição mas tambem á maioria.
Eu, requerendo a publicidade d'estes documentos, não peço senão que a camara, faça o que já tem feito umas poucas de vezes. Não peço excepções; peço que se applique a esta eleição, em que se deram irregularidades gravissimas, o mesmo principio de publicidade que a camara tem adoptado a respeito de outras eleições, onde não se commetteram as irregularidades, direi mesmo as illegalidades, que se praticaram n'esta.
Rogo a v. ex.ª que dê o expediente necessario a este requerimento, e atrevo-me tambem a pedir a v. ex.ª a urgencia d'elle, para não demorar a discussão do parecer a que me refiro, porque é evidente! que, emquanto não forem publicados estes documentos, hei de pedir o adiamento da discussão, ou. pelo menos hei de pedir que v. ex.ª os mando ler na mesa, o que produzirá demora o trabalho que a publicação dispensará.
Torno a dizer a v. ex.ª que careço para esta discussão dos documentos que pedi pelo ministerio da guerra, o que ainda, não vieram.
Peço mesmo a v. ex.ª que não sujeite, á discussão da, camara este parecer sem virem estes documentos, que reputo muito -importantes.
Já ha dias repeti as minhas instancias. V. ex.ª creio que mandou officiar novamente para, o ministerio da guerra para virem esses documentos, mas elles ainda não chegaram.
Agora torno a instar com v. ex.ª para que dê as suas, providencias, a fim de que se abrevie a remessa d'esses documentos.
Eu tinha tenção de fazer umas perguntas ao sr. ministro das obras publicas, mas s. ex.ª não está presente.
Quando eu preciso alguma vez do dirigir-me a s. ex.ª, não está elle presente; quando s. ex.ª está presente, não posso eu usar da palavra!
Por consequencia vejo-me obrigado, mesmo na ausencia de s. ex.ª, a, dizer algumas palavras sobre o assumpto para que tinha de chamar a sua attenção, e que é da mais alta gravidade.
Eu já disso ha dias n'esta camara que desejava chamar a attenção do governo para o estado da administração das obras publicas no Algarve.
O que se tem publicado em jornaes que d'ali tenho recebido e o que se diz em cartas que de lá têem vindo, tudo isso importa a maior responsabilidade para, o governo.
É absolutamente impossivel que os poderes publicos se conservem impassíveis diante de accusações tão frisantes, tão graves e de tal importancia como as que se fazem em publicações que cerrem as mãos de todos.
Accusam-se largas delapidações, accusam se grandes patronatos; accusam-se enormes desperdicios, que seguramente não são inferiores aos que se praticaram na penitenciaria central de Lisboa.
Em vista d’isto, eu desejo chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas, e espero que s. ex.ª me diga quaes as providencias que tem tomado ç quaes as medidas que está disposto a adoptar para se pôr cobro á grande o escandalosa delapidação dos dinheiros publicos, que vae na provincia do Algarve.
Já' em uma das ultimas sessões eu pedi ao sr. ministro da marinha, que estava presente, que prevenisse o seu collega, das obras publicas de que eu desejava chamar a attenção de s. ex.ª sobre este objecto, e não tendo ainda ouvido as explicações do sr. ministro das obras publicas, insto agora com o sr. ministro da. fazenda para que communique ao seu collega, que desejo dirigir-lhe, não ásperas censuras, mas algumas advertências em relação a este grave assumpto.
Em uns documentos, que me foram remettidos do Algarve, ha, accusações de tal fórma graves, que não me atrevo a fazer a, leitura d'elles á camara, e reservo-me para os entregar particularmente ao sr. ministro das obras publicas, a fim de que s. ex.ª faça proceder a minuciosas investigações, e que tome as providencias necessarias.
Note-se que eu não fallo agora em nome de nenhum partido politico; apenas desejo tratar do uma questão de moralidade, e pedir ao governo prompto remedio para os males, a que alludo, e efficaz correctivo para os abusos, que denuncio.
Agora vou mandar para a mesa. um requerimento, que diz respeito a outro assumpto, o que tem igualmente relação com o ministerio das obras publicas.
Formulei este requerimento na hypothese de que, estando presente o ministro respectivo, elle me responderia afirmativamente a uma pergunta que tencionava dirigir-lhe. O requerimento refere-se a um esclarecimento que eu preciso com respeito á publicação do decreto de 3 de janeiro de 1879, que revogou a portaria do sr. Barros e Cunha, de 3 de junho de 1877, pela qual foi rescindido o contrato feito com o empreiteiro Burnay.
Desejo eu saber se depois da, publicação do referido decreto, aquelle, empreiteiro tinha feito algum requerimento pedindo indemnisações.
Consta-mo que o sr. Burnay fez um requerimento pedindo indemnisações ao governo, em virtude d'aquelle decreto, e que o governo mandou informar sobre elle o conselheiro procurador geral da corôa.
Não sei se isto é verdade, mas, em hypothese de que o seja, peço me seja enviada copia do requerimento do sr. Burnay, porque preciso fazer uso d’elle por occasião do verificar a interpellação ácerca do decreto de 3 de janeiro de 1879
Mando para a mesa o meu requerimento.
Por ultimo pedia á mesa o obsequio de me informar se o sr. ministro das obras publicas já se deu por habilitado para responder á interpellação que eu lhe annunciei ácerca do decreto de 3 de janeiro passado, sobre os contratos do engenheiro Burnay para obras e fornecimentos á penitenciaria.
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O sr. Secretario (Carrilho): — Ainda não consta na mesa cousa alguma a esse respeito.
O sr. Luciano de Castro: — Então, quando o sr. ministro das obras publicas estiver presente, peço a v. ex. a bondade de me dar a palavra para lhe fazer uma pergunta a este respeito.
Leu-se na mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me seja enviada com urgencia copia, do requerimento (se o houver) do João Burnay, pedindo indemnisação ao governo em virtude da publicação do decreto do 3 de janeiro do corrente anno. — José Luciano.
Foi mandado expedir com urgencia.
O sr. Ministro da Fazenda: — Informo o illustre deputado de que o sr. ministro das obras publicas teve já conhecimento das accusações que se faziam a varios empregados das obras publicas do districto de Faro, o não só mandou ouvir o respectivo director geral, mas nomeou um empregado muito habil e competente, o sr. director das obras publicas do districto de Evora, para ir a Faro syndicar dos factos que são indicados não só nos jornaes como particularmente.
O sr. Paula Medeiros: - Na sessão legislativa de 1876 tive a honra de apresentar n'esta casa uma proposta para que a camara, de accordo com o governo, elaborasse uma lei sobre recrutamento, na qual se adoptasse as reformas e aperfeiçoamentos que este importante ramo de serviço ha tanto tempo está reclamando.
Foi então a dita proposta acceite pelo sr. presidente do conselho, e por unanimidade votada pela camara, alegando-se uma commissão especial, e o governo simultaneamente creou uma outra extra-parlamentar para o mesmo fim.
Sr. presidente, são passados tres annos, consta me que ha muitos trabalhos a tal respeito, e o governo tanto está no firme proposito de prover de remedio a esta necessidade, que consignou no discurso da corôa o seguinte:
«Entre as propostas que o governo tem de submetter ao vosso exame e approvação, chamo especialmente a vossa attenção para a reforma da instrucção secundaria, e para a da lei do recrutamento, que é urgente, no intuito de igualar o generalisar esta contribuição, e de a, subtrahir á acção de influencias nocivas, do qualquer natureza que sejam. De uma reforma sensata n'este importante ramo de serviço publico, resultará mais justiça na distribuição do encargo, e mais certeza o facilidade para o exercito poder elevar-se, quando convenha, á força que lhe corresponde.»
Sr. presidente, o requerimento que peço com urgencia tem por fim dar a conhecer a desigualdade com que é executado em varios districtos administrativos o preenchimento dos recrutas, e a maneira absurda e desigual como é executado, tornando-se d'este modo uma lei vexatoria, applicada ao tributo mais pesado que existe, alem de que tem servido do grande arma politica para todos os partidos praticarem os maiores abusos e arbitrariedades. Faço, pois, ardentes votos para que o governo, no desempenho da sua palavra, proferida no discurso da corôa, cumpra n'esta sessão a promessa solemne que fizera, no que prestará um relevante serviço.
Leu-se na mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro, pela secretaria d'estado dos negocios do reino, uma nota dos recrutas que tem deixado do dar cada um dos districtos do reino e ilhas adjacentes até ao ultimo de junho do anno passado. = Paula Medeiros.
Mandou se expedir com urgencia.
O sr. Namorado: — Mando para a mesa um requerimento, em que o capitão reformado, Marciano Augusto de Barros o Vasconcellos, pede a sua reintegração n'aquelle posto.
Peço a v. ex.ª que lhe dê o competente destino.
O sr. Mouta e Vasconcellos: — Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Abrantes, solicitando da representação nacional a prorogação do praso para o registo dos onus reaes do emphyteuse o sub-emphyteuses.
Em 15 de março do anno corrente acaba este praso, que ultimamente foi prorogado pela lei de 15 de março de 1877.
Uma nova prorogação é instantemente reclamada por motivos ponderosos de utilidade publica, a fim de se evitarem os gravissimos prejuizos que da falta d'ella adviriam para os particulares e para as collectividades que são possuidoras de avultados dominios directos.
Nestes termos, pois, peço a v. ex.ª que, com a maior urgencia, mando apresentar esta representação ás illustres commissões que sobre ella têem do dar parecer, ás quaes tambem peço que attendam aos serios e graves transtornos que devem provir do não ser resolvido, como é de conveniencia publica, um assumpto de tão manifesta importancia.
O sr. Alfredo Peixoto: — Participo a v. ex.ª, e á camara, que o nosso illustre collega e meu querido amigo, o sr. visconde da Azarujinha, não póde comparecer ás nossas sessões durante a grave enfermidade que sua ex.ma mão padece.
Vou escrever a participação, de que me encarregou o sr. visconde, com quem estive em sua casa ha pouco, o logo a remetterei para a mesa.
Feita esta participação, para mim de summo pezar, permittam-me v. ex.ª e a camara umas singelas declarações, que não posso demorar. São minhas sómente; não fallo por outrem, nem preciso que alguem tome a palavra por mim.
Quando hontem á noite fallava o nosso illustre collega e meu distincto amigo, o sr. dr. Adriano Machado, cujos vastíssimos conhecimentos eu quizera como valiosíssimo bem, tomei a liberdade de pedir a v. ex.ª a palavra para uma simples declaração, em virtude de considerações que s. ex.ª estava fazendo, e que me pareciam menos justas. V. ex.ª% ou por não ter-me ouvido, ou por excessivo escrupulo de prudencia, com certeza não tendo pensamento de magoar-me ou passar sobre os meus direitos ou ferir a minha consideração pessoal, não me concedeu a palavra, tendo-a aliás concedido aos meus collegas, os srs. Rodrigues de Freitas e Navarro, que a tinham pedido depois do mim.
Não reclamei então porque effectivamente não tencionava entrar na discussão da especialidade, que occupava as attenções da camara; julguei prudente em tal occasião não reclamar, pois poderia ir com uma reclamação irritar o debate; alem de que estava já convencido de que v. ex.ª não havia tido o pensamento menos digno do alto logar que v. ex.ª occupa dignamente n'esta casa.
Não posso, porém, deixar de fazer nina declaração, repito, que é unicamente minha, porque não tomo a responsabilidade de fallar por outro, assim como não permitto que alguem falle por mim sem minha especial auctorisação.
Ouvi hontem aqui phrases de menos respeitosa consideração por muitos srs. deputados, ouvi apreciações que podiam parecer censura a collegas nossos por uma decisão votada hontem mesmo; ouvi impor applausos á maioria d'esta camara, os quaes, embora proferidos por um sr. deputado opposicionista, podem ter sentido menos decoroso para a minoria, se não para os mesmos applaudidos.
Sou o primeiro a reconhecer, e com intima convicção, que taes phrases e apreciações não tinham intenção menos digna de quem fallava, que não eram inspiradas por espirito do offender alguem ou faltar ao respeito devido a cada um de nós, e emfim que eram apenas uma innocente e natural expansão de paixão partidaria em crise exaltada.
Em todo o caso, apesar d’esta minha sincera confissão, declaro a v. ex.ª e á camara que, como deputado, manto-
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nho o meu direito de votar como entender, sem reconhecer a qualquer dos meus collegas e negando-lhe até o direito de apreciar n'esta casa o meu modo de proceder, seja como for.
Lá fóra, 110 terreno de uma outra instituição, podem censurar-me, reconheço-lhes direito para isso, e até para mais, com inteira franqueza, e sentindo sómente que não mereça toda a consideração social essa instituição, que, embora não tenha apresentação official na constituição do estado, é uma necessidade publica; e reconheço esse direito ainda mais amplo do que o conferem as leis.
Mas n'esta casa ninguem tem o direito de louvar ou censurar os meus actos de deputado; e é superior a qualquer contestação o meu direito do votar como entender, com a verdade ou com o erro, emfim com a minha consciencia, da qual eu só tenho de dar contas a Deus, a meu pae e a mim.
Mantendo este direito, com o respeito de todos, nunca responderei a quaesquer censuras que alguns collegas me dirijam, qualquer que seja a intenção, quaesquer que sejam as circumstancias, nunca.
Declaro isto terminantemente e para sempre.
Defender-me contra censuras a actos meus de deputado, propostas ou affirmadas por um collega, ou explicar, em virtude d'essas mesmas censuras, o meu voto, em uma qualquer questão, sr. presidente, fóra reconhecer tacitamente uma attribuição que nenhum de nós tem, que a todos recuso e nego pela maneira mais explicita e decidida. Agora, haja o que houver, nem sequer repetirei esta declaração, que para todos os effeitos ficará no Diario das nossas sessões e para sempre.
Como vou em dia de declarações, deixo mais uma no Diario das nossas sessões; é ácerca do incidente que ha pouco, ía surgindo n'esta casa.
Se é certo que nenhum sr. deputado póde censurar outro, é tambem certo que os dignos pares do reino, na outra casa do parlamento, como todos os membros dos poderes do estado, no exercicio das suas funcções, têem de acatar a consideração pessoal de cada um do nós, sr. presidente, e de reconhecer a legitimidade dos nossos poderes. Se, porém, na outra sala das côrtes, se levantar um digno par do reino com phrases que possam ferir a consideração pessoal do qualquer de nós ou tocar sem veneração em nossos poderes, temos mais que direito incontestavel, temos obrigação de honra, de repellir a aggressão. Associo-me pois, sr. presidente, á declaração do meu muitissimo estimado amigo e nosso illustre collega o sr. Rodrigues de Freitas, mas de modo mais categórico.
Fallou v. ex.ª no regimento, mas que importa elle perante a respeitabilidade da nossa magistratura de eleitos do povo ou perante a nossa consideração pessoal? O verdadeiro regimento d'esta casa é o respeito a nós mesmos.
Não reconhece a letra do nosso regimento o direito, que temos, de repellir qualquer aggressão com que sejamos provocados na camara alta; é verdade. Mas tambem v. ex.ª sabe que esta camara póde dispensar o regimento, sempre que o julgar conveniente; e é necessario dispensal-o n'esta hypothese, que elle não considera em especial, naturalmente por ser havida como inverosímil.
Quando um sr. deputado, provocado por um digno par do reino na camara alta, requerer aqui a dispensa do nosso regimento, para repellir e castigar dignamente a provocação, seja quem for esse sr. deputado, o meu voto será promptamente para essa dispensa.
Por ultimo chamo a attenção do governo e particularmente dos srs. ministros que estão presentes, para as necessidades dos pescadores do districto de Vianna, e sobretudo dos pescadores das praias de Continhaes e do bairro da Ribeira na cidade de Vianna; e recommendo esta pobre gente á benevolencia dos poderes publicos.
Com o calamitoso tempo que tem havido, áquelles industriaes não têem tido trabalho; e portanto não têem podido occorrer ás necessidades do cada dia, não têem podido grangear o pão para suas mulheres e seus filhinhos. Sou infelizmente informado de que a miseria os ameaça com a fome ou com a urgente necessidade do mendigar esmolas.
Animado pela confiança que tenho no governo que presido aos destinos da nação e pelos precedentes dos srs. ministros, quando a nação tem soffrido desastres, especialmente com o que succedeu mais de uma vez no Algarve, concluo esta recommendação com a esperança do que serão attendidas as necessidades d'aquelles industriaes, tão infelizes nos terriveis invernos, como alegres, sóbrios e trabalhadores quando o mar lhes dá peixe em abundancia.
Leu-se na mesa seguinte
Participação
Participo a v. ex.ª e á camara que o nosso illustre collega o ex.mo sr. visconde da Azarujinha não póde concorrer ás nossas sessões durante a grave doença de sua ex.ma mãe. — Rocha Peixoto (Alfredo).
Inteirada.
O sr. Emygdio Navarro: — Pedi a palavra para dar uma explicação ao sr. Freitas Oliveira ácerca de umas phrases que ha dias proferi n'esta casa, quando me referi ao tratado celebrado entre o governo portuguez e o governo da Hollanda ácerca da venda das nossas possessões ao norte de Timor. Houve effectivamente nas minhas palavras um pequeno equivoco; mas a rectificação que vou fazer mais póde servir para condemnar o sr. Fontes Pereira de Mello, do que lhe diminuo a responsabilidade n'aquelle tratado.
Disse eu ha dias que a carta de confirmação e ratificação d'aquella venda tinha a data de 20 do abril de 1850. N'isto é que está o equivoco. Aquella data é a do tratado e não a da carta, que foi passada em 18 de agosto de 1860. Ora o tratado, e não a carta, é que foi ássignado pelo sr. Fontes Pereira de Mello, que n'elle interveiu como ministro plenipotenciario, e tambem como ministro do reino, que então era. O sr. Freitas Oliveira contestou que o sr. Fontes interviesse na venda d'aquellas possessões como ministro do reino, mas aqui está o proprio preambulo do tratado, transcripto n'aquella carta, que assim o declara. A verdade daquelle facto não póde ser posta em duvida em presença d'este documento authentico e official. Eu vou ler o preambulo do tratado. (Leu.)
É o proprio tratado que está indicando que o sr. Fontes Pereira de Mello foi plenipotenciario, não nomeado por outro ministro do reino, porque s. ex.ª n'essa epocha geria os negocios d’aquella pasta.
dá a camara vê que a responsabilidade do sr. Fontes' Pereira de Mello, longe de ficar attenuada, pelo contrario, torna-se mais grave, porque um governo qualquer não poderia talvez eximir-se a fazer ratificar e confirmar um tratado feito, mas o negociador d'esse tratado é que podia não ter assentido a clausulas humilhantes para a honra da nossa bandeira o offensivas para a dignidade do paiz.
A minha lealdade, porém, obriga-me a dizer que se me referi a este ponto, foi só para contrapor este facto ás observações do sr. ministro da marinha, quando s. ex.ª disse á camara que nunca assignaria um tratado de cedencia de territorios no ultramar.
Toda a gente sabe que a cedencia á Hollanda das possessões ao norte de Timor foi feita abusivamente por um governador, Lopes de Lima, e não por um governo. Os governos tiveram posteriormente de a ratificar para evitarem um conflicto internacional. Era esta uma consideração de ordem superior, que dobraria qualquer ministro, ou elle fosse o sr. Fontes, ou o sr. duque de Loulé, ou o sr. duque de Saldanha, ou o sr. duque d'Avila. E por isso -mesmo é que o sr. ministro da marinha não podia affirmar como dogma intransigente das suas crenças politicas, que nunca assignaria um tratado de cedencia.
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Eu quiz só provar-lhe com um exemplo insuspeito quanto era infundada uma tal affirmação de propositos.
A questão resolveu-se em 1859, e sabe v. ex.ª que começou muito mais cedo, creio que em 1852.
Em 1855, se a memoria me não falha, veiu a questão a esta casa do parlamento, estando então no poder o partido regenerador, e sendo approvado n'esta camara um tratado, passou á camara dos dignos pares, onde foi rejeitado. Depois foi de novo apresentada a questão, e veiu ao parlamento o tratado, a que me referi, e que foi definitivamente j confirmado, porque a Hollanda apoiou as suas reclamações n'uma demonstração naval, enviando ao Tejo dois ou tres vasos de guerra.
Dou estas explicações á camara para se ver que nas referencias, que fiz, não adulterei a verdade dos factos, e tambem para que ás minhas apreciações se não attribuam propositos, que não tive.
O sr. Freitas Oliveira: — Mando para a mesa os seguintes:
Requerimentos
1.° Requeiro que, pelo ministerio dos negocios da marinha e ultramar, se remetta a esta camara copia do decreto que demittiu o capitão do mar o guerra Lopes de Lima do logar de governador do Timor. = Freitas Oliveira.
2.° Requeiro que, pelo ministerio dos negocios estrangeiros, seja remettida a esta camara copia do tratado celebrado entro o governo portuguez e o hollandez para a cessão de uns terrenos do dominio portuguez ao norte de Timor. = Freitas Oliveira.
Foram mandados expedir.
ORDEM DO DIA
Continua a discussão do projecto de lei n.º 70 O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. visconde de Moreira de Rey.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: — O projecto
apresentado pelo nobre ministro da fazenda propõe, para elevar a receita publica, um addicional de 20 por cento sobre o imposto actual do tabaco.
Parece me, sr. presidente, que n'este momento chegou, ou não chega nunca, a occasião propria para tratarmos com todo o cuidado, e com o devido desenvolvimento, a questão de fazenda.
Esta questão, que principalmente deve preoccupar-nos, inspira ao paiz serios cuidados e, póde dizer-se, graves receios.
Todavia, sr. presidente, devo declaral-o com toda a franqueza, parece que a camara actual, e n'esta parte refiro-me tanto á maioria como á opposição, em vez do tratar com a attenção devida essa questão tão importante, cuida, dosamente a desvia dos debates, repetindo, a meu ver, operação muito similhante á evasiva que adoptou na discussão da resposta ao discurso da corôa.
Eu vejo com desgosto, que todos se limitam a tratar simples e singelamente a conveniencia, ou inconveniencia, d'este addicional sobre os direitos do tabaco, e parece que todos evitam cuidadosamente pronunciar-se sobre a questão principal e importante.
Sr. presidente, se por acaso ha alguma conveniencia ou se ha algum proposito de arrefecer até á temperatura do gelo as discussões principaes n'esta casa para as deixar assumir a temperatura de fogo na outra casa do parlamento, eu declaro desde já a v. ex.ª e ao paiz, que não quero, nem posso associar-me a similhante systema.
Eu entendo que é n'esta casa do parlamento que devem levantar-se as questões mais importantes, especialmente as questões politicas e de fazenda, que nos cumpre tratar com o cuidado, e mesmo com o calor que ellas exigem e reclamam.
O contrario é a perfeita inversão do regimen representativo, e a essa inversão creio eu estar assistindo com o assentimento tácito, ou pelo menos com a resignação apparente dos meus collegas n'esta casa. Que estamos nós presenceando?
Pareço que corre perigo a causa publica, se por acaso a camara dos deputados gasta alguns dias em discutir uma providencia importantissima em relação ás nossas provincias ultramarinas.
Ao mesmo tempo não corre o paiz nenhum risco em que uma discussão puramente politica, como a resposta ao discurso da corôa, na outra casa do parlamento se prolongue indefinidamente pelo tempo necessario, e mais do que o necessario, e desvie da camara dos deputados o nobre presidente do conselho, cuja presença aqui se declarou indispensavel para se discutir uma questão tão importante, qual é a interpellação sobre as concessões na Zambezia.
Realmente, constituiu-se uma situação politica, difficil de entende]- e muito difficil de apreciar!
Quem acreditar;!, que existindo partidos politicos que se dizem organisados, a opposição, nas duas casas do parlamento, esteja tão separada ou tão divergente, que não obedeça ao mesmo pensamento commum?
Seria, realmente caso unico, e politicamente inexplicavel.
E, porém, certo que depois da discussão dos pareceres eleitoraes a camara electiva parou, como assembléa politica!
Não sei se se prepara surpreza ou se se espera o imprevisto. Seja o que for, e talvez seja o excesso do trabalho que obriga ao descanso. O que partidariamente não póde ser é fazer a camara alta o que deixa de se fazer aqui, é cada camara seguir systema diametralmente opposto.
O que se faz parece obedecer a plano ou a combinação anterior. Eu creio que tal combinação não existe. E levantando a minha voz para tornar bem saliente o facto que reputo estranho e incomprehensivel, tenho principalmente em vista dar occasião aos interessados a que devidamente o expliquem, se assim o julgarem conveniente.
Poucas, rarissimas vezes, por occasião de umas eleições geraes, te tem annunciado a qualquer governo opposição tão numerosa, forte e vehemente como ao governo actual.
E taes eram os annuncios que eu, vindo disposto a ser exemplo de moderação e de cordura, já n'esta temperatura glacial cheguei sem esforço ao excesso da vehemencia, tal é a frieza que reina do todos os lados da camara.
Da força resulta um phenomeno tão raro que, a não ser por calculo, só pela fraqueza se explicaria. Não ha, ou deixam-se de parte as questões politicas; põe-se de parte a politica na discussão da resposta ao discurso da corôa; explica-se esta abstenção pela conveniencia e justifica-se pela necessidade de empregar toda a attenção na questão de fazenda: vem o primeiro projecto de fazenda; evita-se a questão e, deixe-me v. ex.ª dizel-o com a minha habitual franqueza, a opposição apparece mais ministerial que a propria maioria!
Nas circumstancias gravissimas que o paiz atravessa o que se espera e o que é urgente é que nós demonstremos, nós os eleitos do povo, se porventura estamos satisfeitos ou se resignados estamos dispostos a transigir com a actual administração financeira do governo.
A questão é saber se n'esta casa ha, ou não ha, quem possa e queira, quem se proponha e solemnemente se comprometia a. administrar de um modo differente a fazenda publica, collocando-a em condições inteiramente diversas d'aquellas em que a tem o mantem o actual governo.
Se não ha, deixemos durar o ministerio; opposição fictícia ou puramente nominal, o outra cousa não é a presença do pessoas fingindo ausencia do idéas, opposição assim é melhor nenhuma.
Se ha opposição verdadeira, que ás idéas e ás normas do governo queira o possa substituir idéas o principios diversos, é preciso mostral-o e proval-o; e para isso deixemo-nos de calculos ou de falsas contemplações, que já nos es-
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tão compromettendo perante a opinião publica e imparcial.
Já se diz alguma cousa, e não é de estranhar que o paiz procure explicação para a contradicção manifesta que encontra entre as promessas da opposiçâo e o seu procedimento n'esta casa. No interregno parlamentar, especialmente durante o periodo eleitoral, levantaram-se contra o governo as accusações mais graves; prometteu-se guerra a todo o transe, cruel, sem treguas. São eleitos os melhores campeões, escolhidos os mais esforçados guerreiros. Em vez da guerra promettida e proclamada, temos a tranquillidade apparente; ao furor succede a immobilidade, e em vez da opposiçâo fica a condescendencia!
Este systema tem perigos, dá logar a beatos, mesmo a suspeitas que sobresaltam o espirito publico. Tenho ouvido dizer lá fóra, e nenhuma duvida tenho em repetil-o aqui, sem que por fórma alguma por isso acredite, e menos assuma a responsabilidade da exactidão ou da verdade de similhantes ditos ou boatos; diz-se, e corre com insistencia, que o nobre presidente do conselho de ministros a todos os grupos da opposiçâo tem declarado que se acha fatigado, que está procurando ensejo para entregar as redeas do poder, deixando entrever quanto a moderação habilita na herança em circumstancias difficeis! Diz-se que com esta simples quasi promessa, acenando com a successão a cada um e a todos os grupos, tem conseguido transformar as antigas iras, o os tão apregoados furores, n'uma benevolencia excepcional, em condescendencia tão extraordinaria, que pelo excesso faz suspeitar a combinação._
Não sei se o boato, posto que falso, convem a uma opposiçâo que não só é numerosa, mas tem rasões de ser vehemente, e, todavia, tem abatido as bandeiras n'esta casa do parlamento.
A mim não me convem, e protesto que o meu procedimento não ha de auctorisar taes boatos, nem alimentar similhantes suspeitas. Reconheço, porém, que emquanto aqui se respira, como disse, uma atmosphera de gelo, que, se não é artificia], é inexplicavel, na outra casa do parlamento accendem-se as paixões politicas, e a temperatura é tão elevada que parece estar ali concentrada toda a iniciativa e absorvida toda a politica actual.
N'estas condições, eu protesto contra a nossa indifferença, porque n'este paiz, onde as maravilhas e as raridades constitucionaes apparecem e se repetem (Apoiados.), eu sentiria muito que nós abríssemos exemplo para a queda d'este ou de qualquer outro governo na outra casa do parlamento, em divergencia ou antagonismo com os eleitos do povo.
Não estão, nem podem estar, entre nós, a tal ponto esquecidos, nem podem ser a tal ponto ignorados os principios rudimentares de direito parlamentar, que a camara electiva possa, sem se suicidar, sem se abater, transferir para a camara alta a iniciativa das questões politicas, o calor das paixões partidarias, a ponto de preparar a queda de um governo, não perante os eleitos do paiz, perante os quaes devo caír, mas perante os membros da camara alta, a qual pela sua organisação, pela sua especial constituição está não só distante, mas deve estar desviada de todos os excessos e das paixões partidarias ou politicas. (Apoiados.)
Opposição n'esta camara ha de havel-a; porque a haveria ainda que eu ficasse só em campo. A singularidade não me assusta, e eu não hesito um momento em sustentar e cumprir o meu dever e combater o governo em todas as suas propostas e em todas as suas medidas, sejam ellas de que natureza forem, todas as vezes que me convença de que ellas, em vez de satisfazerem uma necessidade publica, concorrem para a ruina do paiz ou para comprometter mais a sua fazenda ou a sua administração.
De que nos queixámos nós, a maior parte da opposiçâo ha muitos annos, e eu apenas desde o anno passado? Não é de que este governo compromette a fazenda nacional e concorre para a nossa ruina financeira? Uma parte importante da opposiçâo avança mais, e ahi me separo eu, que os dinheiros publicos, alem de mal applicados, são desviados da sua legitima e legal applicação a tal ponto, que este procedimento exige um inquerito immediato, de que necessariamente, diziam os illustres deputados, deve resultar a accusação do governo actual. Já disse que n'esse caminho não os acompanho eu.
O ponto em que eu estou de accordo é em que a administração financeira é pessima, e que as verbas legalmente votadas são arbitrariamente excedidas; é que nós somos chamados a votar emprestimos importantissimos, de réis 40.000:000$000 approximadamente, com o pretexto apparente, mas nunca real, de consolidar e extinguir uma divida fluctuante, nunca consolidada nem extincta, porque ella reapparece logo depois de nos prometterem a sua extincção, em proporções muito proximas do que ella era antes de nos exigirem os meios para a sua consolidação.
Perante um governo assim, que não dá contas, ou se o faz é do modo que não podem ser apreciadas, o que faz a opposiçâo d'esta casa? Recusa os meios ao governo? Não: presta-se não só a votar os meios ordinarios, mas ainda os extraordinarios, posto que condicional ou parcialmente, mas acceitando sempre as suas propostas de augmento de receita.
Ora isto é porventura modo serio de fazer opposiçâo a um governo que se encarrega de exceder arbitrariamente as verbas do orçamento, e que outros accusam de constantemente desviar da sua applicação legal e legitima as sommas votadas para determinada applicação? Se esta opposiçâo é boa, eu declaro a v. ex.ª que não sei fazer opposiçâo; mas faço-a e hei de fazel-a como sei, embora a faça só e contra todos.
Declaro a v. ex.ª que depois de uma experiencia longa, a par de todos os partidos que têem governado n'este paiz, adquiri a convicção profunda de que é, não só indispensavel, mas urgente, mudar quanto antes, não de ministros, mas de systema.
O orçamento do estado não é serio nem exacto, e ainda que o seja, com os meios que tem qualquer governo de illudir ou exceder as suas verbas, não só contra a vontade, mas sem conhecimento das duas casas do parlamento, o orçamento é completamente inutil todas as vezes que o governo quizer abusar.
Ha ou não ha meio, e esta é a questão unica, de obrigar um governo qualquer a não poder exceder por arbitrio proprio as verbas votadas no orçamento?
Não só ha esse meio, mas está em uso e pratica em paizes que se regem pelo systema parlamentar e que têem as instituições correspondentes a esta suprema necessidade de fiscalisar a gerencia e a applicação dos dinheiros publicos.
Na outra casa do parlamento, ouvi eu, ha poucos dias, um digno membro d'aquella casa lembrar ao nobre ministro da fazenda, que na Italia em vez de um ministro da fazenda havia dois; que se tinha creado um ministro do thesouro, que era uma especie de tribunal de contas em acção, visando e auctorisando as ordens de pagamento assignadas pelos ministros, e especialmente encarregado de não auctorisar pagamento nenhum cuja importancia excedesse a respectiva verba votada no orçamento. Em outros paizes é o tribunal de contas, que independente e altamente responsavel exerce esta fiscalisação.
Em todo o caso não ha, não póde haver paiz nenhum devidamente administrado, que não tenha, a par do governo e dos ministros, um tribunal inteiramente independente para a fiscalisação das ordens de pagamento, de fórma que nenhuma despeza possa exceder a verba respectivamente votada no orçamento do estado. Isto é cousa nova? E impossivel ou difficil?
Mas ha isso, porventura, entre nós? Nós temos estas disposições, ou outras analogas em todos os orçamentos
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municipaes, em todos os orçamentos das juntas de parochia e em todos os orçamentos de irmandades e confrarias. Porque rasão não fazemos nós ao orçamento do estado aquillo que com tanto cuidado applicámos aos orçamentos municipaes?
Se o systema se não muda, póde o paiz mudar do ministros quantas vezes quizer; se o systema fica o mesmo, a administração não ha de produzir differença muito sensivel.
Portanto, a questão é saber se ha quem saiba, quem possa e quem queira, se ha quem se proponha a mudar o systema que nos leva directamente á ruina, e que nos approxima da bancarota.
Esta calamidade é que eu pretendo evitar, porque, se tiver de a soffrer, importa-me pouco soffrel-a com o nome do sr. Carlos Bento ou do sr. Antonio de Serpa. Para mim a questão não é dos nomes que assignam as diversas portarias e decretos; essa questão é insignificantíssima; o que me importa são os decretos, são os actos governativos. Em todos os que sou obrigado a ler, o que não leio, nem me importa, é o nome do ministro que os referendou. Não ha nome que torne boas disposições más, nem que por a assignar prejudique uma medida excellente.
E por isso que eu digo que nos cumpro apenas, como remedio unico, mudar de systema. Não faltam investe paiz homens; n'esta casa ha os primeiros e maiores talentos; e vejo-os tanto na opposição como na maioria. Não nos faltam competências para a execução; falta-nos talvez quem queira mudar o systema, e sem isso não vejo remedio possivel.
Logo que tivermos substituido o systema actual por outro mais legal e mais conveniente, teremos dado um grande passo. A questão não é de homens, é de idéas; o é em favor de idéas que eu me levanto. O meu desejo, todo o meu empenho seria que esta camara sé pronunciasse toda a favor da necessidade de se mudar, mais que de ministros, de systema de governar e de meios de governo.
Nós temos o tribunal de contas, que no nome corresponde perfeitamente ás instituições dos outros paizes. Não são os nomes que nos faltam.
Pelos nomes, nós temos todas as instituições legaes e necessarias, e talvez mais do que as necessarias; nominalmente temos tudo, mas de facto, quando se procura a realidade das cousas, pouco ou nada existe. Quando na organisação do tribunal de contas se procura a principal das suas attribuições, aquella por que se torna indispensavel a sua existencia em todos os governos constitucionaes, a disposição não se encontra, ou pelo menos o seu cumprimento falta completa e absolutamente.
Nós vemos a acção do tribunal de contas applicada a, insignificancias ridiculas, a julgar contas de irmandades e de confrarias, emquanto as contas dos ministerios, sempre em grande atrazo, ainda que sejam bem julgadas, não produz tal julgamento effeito algum, util ou apreciavel.
E ha emquanto a estas contas um caso phenomenal. O tribunal de contas, parecendo ter sido instituido para viveiro permanente de ministros, apresenta os mesmos homens juizes em causa propria, julgando as suas proprias contas e a sua propria gerencia. Isto não é serio.
Sr. presidente, eu resolvi e tomo apenas sobre mim a responsabilidade de similhante resolução, que emquanto este ou outro qualquer governo não quizer organisar a contabilidade da fazenda publica, de modo que a responsabilidade dos ministros possa tornar-se effectiva, e de fórma, que, a gerencia dos dinheiros publicos seja apreciavel ao primeiro momento, ou rapidamente; emquanto não podermos ler contas da gerencia, não com tres ou cinco annos de atrazo, mas sim com a, mesma brevidade com que tomos hoje as notas da divida fluctuante; e podemos tel-as, muito bem no fim de cada, mez; emquanto qualquer partido, este ou outro qualquer governo, não entrar no verdadeiro caminho, eu recuso não só o augmento do imposto, mas até o imposto antigo, o nego absolutamente todos os meios!.
E note v. ex.ª que eu não pretendo especular com esta recusa do meios a este ou a qualquer outro governo, procurando a falsa, popularidade de não votar augmentos de impostos e muito menos de não querer imposto algum. Contra taes idéas protesto ou protestam a intelligencia e ilustração que sou obrigado a reconhecer em mim mesmo, e protestam as minhas idéas ha longos annos expendidas n’esta casa.
Ao mesmo tempo que proclamo a necessidade de recusar o imposto antes do devidamente estabelecida a fiscalisação da sua applicação, logo que se estabeleça, proclamo a necessidade maxima, instante e urgentissima, de equilibrar o orçamento do estado, votando toda a receita necessaria para a despeza, que deve reduzir se ao indispensavel, mas que devo ser sempre coberta, pelos recursos ordinarios.
Mas eu penso, o um grande numero do pessoas com as quaes tenho relações são do mesmo parecer, que o aumento parcial e sempre insuficiente do imposto, longe de ser remedio, é o peior dos males. Muitos contribuintes recusam-se a este aggravamento de imposto, que não salda o deficit, porque a experiencia mostra que ao passo que se augmenta a receita, em 500:000$000 réis, augmentam-se as despezas em 1.200:000$000 ou 1.500.000$000 réis.
O augmento mais ou menos problemático da receita tem servido sempre como meio infallivel para levantar dinheiro a. credito e augmentar a despeza.
A verdade é esta.
Muitos contribuintes que não se recusariam a um sacrificio maior mas decisivo, que trouxesse o remedio completo, lêem toda e a mais justificada repugnancia no aggravamento dos encargos que, longe de trazerem a salvação do paiz, cada vez compromettem mais as nossas finanças. (Apoiados.) Essa repugnancia tambem eu a, experimento.
Portanto, não recuso o imposto em absoluto, mas recuso absolutamente todo o imposto, e nego todos os meios, emquanto não for reformada e fiscalisada a gerencia, que póde e deve ser sujeita ao maximo rigor.
Ao mesmo tempo que proclamo e reclamo os meios de fiscalisar a gerencia, e para esse caso affirmo instantemente a necessidade urgente e indispensavel de se equilibrar o orçamento; emquanto faço isto eu, em cujo animo não ha suspeita, que por fórma alguma possa ser desagradavel ou offensiva ao caracter dos membros do ministerio, o que vejo fazer?
Vejo, com grande admiração, que os que censuram, ha muito mais tempo do que eu, a má gerencia financeira do actual governo; os que propõem e reclamam inqueritos ás secretarias; os que procuram os elementos para a accusação criminal dos ministros da corôa; votam-lhes os meios, e n'este augmento de imposto, se recusam a elevação da percentagem a, 20 por cento, offerecem e até propõem o augmento de 10. Isto é realmente incomprehensivel.
Pois a quem assim administra e gere a fazenda publica, de que lhe serve o augmento da percentagem em 10 ou 20 por cento?
Vae por acaso o governo actual dar ao augmento de 10 por cento melhor ou mais legitima applicação, do que tem dado aos impostos antigos e á receita anterior?
Não é evidente e da primeira intuição que quanto mais se, augmentam os meios, sem se regularem as condições de fiscalisação da, sua gerencia, a um governo que tem dissipado ou applicado mal os rendimentos do paiz, maior arma se lhe fornece para fazer n'um campo mais largo o mesmo que tem 'feito n'um campo mais restricto?
Declaro a v. ex. A que a logica desappareceu, ou sobre esta casa paira um mysterio que a minha ignorancia ou a minha innocencia me não permittem decifrar.
Em todo o caso a atmosphera é a mesma, ou muito pa-
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recida com aquella que se respirava no dia da apresentação do ultimo ministerio do nobre duque d’Avila e de Bolama n’esta casa, onde levo um apoio espontaneo, sincero e quasi unanime, sendo eu o unico que contrariado por esta manifestação que me pareceu contraria não só á verdade, mas á possibilidade dos acontecimentos, desafinei no concerto geral de elogios e de applausos. (Riso.)
Ou a logica, como disse, desappareceu d'esta casa, ou é impossivel que a opposiçâo que não confia na gerencia do governo não só se preste a votar os impostos antigos, mas a auctorisar por qualquer fórma o imposto que este governo propõe pelo projecto em discussão.
Todavia as posições ficam definidas, e se eu entender dever dar mais algumas explicações e fazer outros commentarios para explicar mais detidamente o meu pensamento, a voz não me ha de faltar e não terei duvida em o fazer quando o julgar opportuno.
Pela minha parte recuso absolutamente este augmento ao actual governo, assim como todos' os meios de poder administrar, emquanto se não resolver a dotar o paiz com as leis, que não são invenção minha, que estão em pratica em outros paizes, e que asseguram á, nação a fiscalisação da gerencia financeira, seja qual for o ministerio, e que não consentem por fórma alguma que, sem a responsabilidade dos tribunaes ou das corporações competentes, se exceda um real qualquer verba votada no orçamento do estado.
Descendo propriamente á analyse do projecto não tenho duvida em declarar que me parece que o tabaco é um dos productos que mais facilmente se prestam ao augmento do imposto, e por consequencia devo ter um dos meios de receita aproveitados pelo primeiro governo que possa e queira administrar a fazenda publica com a responsabilidade devida. (Apoiados.)
Ha, porém, um ponto que em primeiro logar desejo ver explicado pelo nobre ministro da fazenda, e vem a ser como é que s. ex.ª auctorisa e comprehende a grande differença que se dá entre o direito do tabaco em rolo ou em folha e o tabaco em charutos, ou qualquer outra especie de t ábaco manipulado.
Eu creio que a não ser a protecção que me parece excessiva, e pouco justificada, a favor das fabricas nacionaes, ou o desejo de as habilitar a escapar ao augmento do imposto pela pessima qualidade de tabaco que ficam habilitadas a fornecer, não porá talvez facil encontrar outra rasão.
Segundo a declaração feita n'esta casa pelo nobre, ministro da fazenda, s. ex.ª reconhecendo que é mais facil o contrabando do" tabaco manipulado do que do tabaco em folha ou em rolo, e que o incentivo para o contrabando é tanto maior, quanto mais pesado for o direito protector que existir no paiz em que o tabaco houver de ser consumido, ha de se convencer do que a haver alguma differença no imposto entro o tabaco manufacturado e. o tabaco não manufacturado conviria que essa differença fosse a favor do tabaco manufacturado. (Apoiados.)
Não sei como poderá justificar se a differença que no actual projecto se nota a favor do tabaco para manufacturar dentro do paiz. (Apoiados.)
Era sobre isto que eu desejava chamar a attenção do nobre ministro. Ouvirei as explicações de s. ex.ª
É claro que divirjo completamente das opiniões expendidas n'esta casa em relação á vantagem da exiguidade do direito do tabaco, que desenvolve o consumo, augmentando ao mesmo tempo o rendimento do imposto sem vexar o consumidor, e divirjo muito mais quando a par da defeza d’estas idéas eu vejo que a conclusão que se tira é, em vez de reduzir o direito actual, o que me parecia logico, propor que o augmento em legar de ser de 20 por cento, como propoz o sr. ministro da fazenda, seja apenas de 10 por cento.
Resta a outra parte importante do projecto, que é a fiscalisação.
Desejaria que o sr. ministro da fazenda, ao mesmo tempo que pede uma verba importante para augmentar o pessoal da fiscalisação, podesse habilitar esta camara com uma nota exactíssima de quantos fiscaes e guardas das alfandegas se acham desviados dos logares em que devem exercer a sua fiscalisação, para estarem presentes não só em Lisboa e Porto, mas em outras localidades onde elles não vão auxiliar com certeza o serviço e este falta absolutamente nas localidades a que eram destinados.
Desejava saber tambem se por acaso o sr. ministro da fazenda deseja augmentar a fiscalisação nas terras da provincia ou nas cidades importantes do paiz, ou especialmente na raia secca que nos separa do reino de Hespanha.
Ninguem ignora que a Hespanha conserva e sustenta na sua. fronteira limitrophe da nossa uma fiscalisação que de certo excede mais de tres vezes a fiscalisação que nós exercemos em Portugal.
E ninguem ignora tambem que, apesar de ser ires vezes superior á nossa a fiscalisação que a Hespanha. exerce, entra em Hespanha todo o contrabando portuguez que quer entrar.
De contrabando hespanhol em Portugal, creio que é absolutamente inutil fallar. Entra quanto quer entrar, e não só quanto se póde consumir nas terras da raia mas ainda o sufficiente para apenas ser descoberto o apprehendido quando chega a Belem, isto é, quando chega ás portas do Lisboa!
Como se faz este contrabando? Posso affirmar a v. ex.ª que, com o nosso systema de fiscalisação, com a má encolha o pessima retribuição do pessoal, quanto mais se augmenta a fiscalisação, mais se augmentam os portadores ou os intermediarios do contrabando.
N'uma raia de enorme extensão e da natureza d'aquella que separa, estes dois paizes, é possivel evitar com uma fiscalisação qualquer o contrabando entre as duas nações?
E absolutamente impossivel.
Se nós temos de viver permanentemente no actual regimen, n'esse caso tratem os srs. ministros de encontrar. os convenientes, o precisos meios para levantar uma nova muralha da China que separe inteiramente Portugal de Hespanha, o então, e só então, será impedida a passagem do contrabando de um para outro paiz.
Mas imaginar que, com simples guardas fiscaes, mal encolhidos e pessimamente retribuidos, e que durante uma larga parte do tempo não podem absolutamente permanecer na raia que separa, os dois paizes, porque a intemperie das estações não consente que ali permaneça nenhum individuo, imaginar que d'este modo se supprime e prohibe o contrabando, é realmente imaginar o impossivel, é sonhar acordado.
Eu, sem ter ainda os elementos necessarios para poder affirmar a conveniencia da immediata adopção de uma medida de ordem tão superior, atrevo-me comtudo a lembrar ao sr. ministro da fazenda a conveniencia de pensar n'um systema diverso d'aquelle que actualmente existe para regular os direitos, os impostos e as communicações entre Portugal e Hespanha.
Lembro-lhe a conveniencia do pensar, e principalmente sendo s. ex.ª partidario da livre troca, na possibilidade do regular por tal fórma os direitos das alfandegas maritimas dos dois paizes, que, sem prejudicar a receita de cada um, ambos possam estabelecer em vez do uma fiscalisação insufficiente o ridicula na raia secca dos dois paizes, perfeita liberdade do commercio, a perfeita livro troca.
Essa medida, cujas difficuldades não desconheço em relação ao presente, e a respeito da qual declaro que não tenho os elementos precisos para poder proclamar desde já, a sua excellencia ou a possibilidade de applicação immediata; essa medida é de uma ordem superior, o quando depois apparecesse justificada pelos resultados, illustraria de um modo effectivo e duradouro a memoria do ministro
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que n'ella pensára e que linha lido illustração, meios e recursos suficientes para, levar á execução.
O sr. ministro da fazenda, defendendo a pretensão do querer augmentar o pessoal da fiscalisação, respondeu cem um livro muito acreditado o muito em voga, cujo auctor affirma que o augmento dos empregados dá muitas vezes um resultado superior á creação do um novo imposto.
S. ex.ª sentiu, e eu tambem, não poder apresentar ao sr. Braamcamp a leitura completa do respectivo texto; todavia referiu-se a elle com a clareza sufficiente para a camara poder fazer a respeito da theoria uma idéa tão approximada, que realmente póde considerar-se esclarecida em relação a este importante assumpto.
Sr. presidente, eu interrompi o nobre ministro, e n'essa occasião perguntei se acaso aquelle distincto auctor se referia aos empregados portuguezes S. ex.ª respondeu que não, que elle fadava em geral.
Ora, é occasião talvez de lembrar ao nobre ministro a, opportunidade de fazer uma experiencia definitiva. Se a. ex.ª podesse pôr em contacto aquelle esclarecido auctor com os nossos empregados, principalmente os da. nossa fiscalisação, eu tinha verdadeira curiosidade do saber, se o distincto auctor não substituiria o texto pela declaração contraria; principiando a pensar que a suppressão de alguns empregados equivalia ás vezes, ou muitas vezes excedia em conveniencia, a votação de unia, nova lei tributaria.
Atas, sr. presidente, esse systema não prova, nada; porque, ré por acaso nós pelo simples augmento do empregados podessemos dispensar leis de imposto, a gerencia do actual governo, e já de alguns que o procederam, feria sido sufficiente para transformar o deficit do nosso orçamento no maior e no melhor de todos os saldos positivos. (Piso e apoiados.)
Não são empregados que nos faltam; o que nos falta é organisação o simplificação de serviço. (Apoiados.) E quando eu affirmo esta proposição, não se penso que eu culpo ou censuro principalmente os empregados; o que eu censuro é o systema; porque elles estão empregados na maior parte das repartições exactamente como estão no tribunal de contas o nobre ministro da fazenda e o seu collega que está presente.
Ainda que queiram, não podem; são empregados nominaes, e effectivamente no nome são membros e distinctos conselheiros do tribunal de contas; mas as attribuições principaes que aquella repartição deve exercer, e exerce nos outros paizes, essas faltam completamente, não por culpados nobres ministros, mas por culpa da organisação, que nega ou difficulta, as attribuições proprias ao tribunal de que s. ex.ªs muito dignamente fazem parte.
Portanto, sr. presidente, do que se precisa é do reformar os serviços (Apoiados); e pessoal creia o nobre ministro, que longe de ser augmentado póde com grande conveniencia publica ser reduzido e melhor retribuido; porque o que nós temos é má organisação o pessima retribuição aos empregados que trabalham e queiram trabalhar. (Apoiados.)
Estas idéas sempre as sustentei; porque não pretendo de fórma alguma substituir á administração, ou ao systema do actual governo, a inconveniencia de reduzir apenas os ordenados dos empregados, nem do recorrer a. meios já mais de uma vez experimentados tanto aqui como n'outros paizes, e cujas consequencias são sempre pessimas pelas perturbações que trazem na ordem economica e na vida social.
Esses remedios empíricos perturbam o commercio, prejudicam o rendimento das alfandega, o affectam outras relações sociaes, a que se a, liam ligados ou de que dependem os meios de receita do estado. (Vozes: — Muito bem.)
Em relação a este ponto filiarei em outra occasião com mais largueza; em relação aos outros julgo ler dito o sufficiente.
O sr. Pereira de Miranda: — Eu tenho sempre difficuldade em usar da palavra n'esta caca, porque reconheço que lucro mais estando calado e ouvindo os meus collegas do que fallando, porque não posso illustrar o debate; e, se não fosse uma circumstancia especial e particular em que me encontro, não tomaria a palavra.
Quasi todos os oradores que têem tratado o assumpto em discussão se têem referido á lei do 1871, que modifico, o direito do tabaco. Nessa epocha eu tive a honra de occupar muito modesta o obscuramente o logar que hoje occupa com tanta distincção o meu collega e antigo amigo, o sr. Lopo Vaz: fui o relator do projecto, e essa, circunstancia, e ainda, outra me obrigam a dizer muito poucas palavras á camara.
Não me surprehendeu o achei até muito natural que o sr. ministro da fazenda trouxesse á camara este projecto; e não me surprehendeu e achei muito natural, porque reconheço haver necessidade de passarmos ao augmento da receita publica, o n'este caso ora de suppor que s. ex.ª escolhes e algum imposto, que, sem ser agradavel, porque não ha, imposto agradavel, podesse todavia ser recebido sem muita hostilidade e ser cobrado sem muita repugnancia.
A lei de 1871 teve em vista augmentar em termos rasoáveis os direitos do tabaco; e não foi um augmento nos termos do de que hoje se trata, isto é, não foi uma percentagem igual em todas as qualidades do tabaco; essa percentagem variava desde 7 1/2 por cento até 12 ou 12 1/2 segundo as diversa qualidade.
N'aquella epocha a necessidade de recorrer ao imposto era tão evidente como hoje; e eu creio, o aqui vem a pello dizer que estou plenamente de accordo com a opinião do meu illustre e antigo amigo, o sr. Dias Ferreira, e creio que ninguem vota. impostos por gosto; mas eu voto da melhor vontade qualquer imposto que faça desapparecer do orçamento o constante o permanente desequilibrio, que se tomou chronico, o que póde ter as mais serias consequencias no futuro. É de corto o mais grave e pernicioso' de todos os impostos o que resulta, do desequilibrio entro a receita e a despeza do estado, e póde não só concorrer para a perda da existencia de um governo, o que não vale nada, mas tambem trazer consequencias mais funestas; portanto eu voto qualquer imposto, procurando preferir aquelle que se póde receber sem grande repugnancia o produzir maior receita.
Mas, em 1871, havendo a necessidade do imposto como a ha hoje, tivemos em vista pedir um augmento rasoavel, acceitavel e que não trouxesse perigos de outra ordem para a receita, e por isso nos limitámos a um augmento que, em media, andava por 10 por cento.
Eu voto este artigo 1.°, e voto o ainda por outra rasão. Este projecto significa para mim uma compensação. Não estou auctorisado para dizer á camara qual a natureza d'essa compensação, mas é uma compensação, porque á sombra d'este acrescentamento no imposto do tabaco, é possivel que n'um futuro proximo tenhamos de eliminar ou diminuir direitos a materias primas, com o que algumas industrias se acham hoje não pouco oneradas.
Mas devo dizer que no logar do sr. ministro da fazenda, tendo, do recorrer a este imposto, eu talvez..tivesse procurado fazel-o na rasão em que o fez a lei de, 1871, e não fosse tão longe como s. ex.ª Não quer isto dizer que, eu entendo que o tabaco não poderia comportar o augmento de 20 por cento que se propõe.
Parecia-me mais conveniente, e era incontestavelmente mais digno, caminhar n'este assumpto um pouco pausadamente, e não dar um salto tão importante como é este de pedir um augmento de 20 por cento, não só sobre os direitos da legislação de 1861, mas tambem sobre Os 10 por cento do augmento pela legislação de 1871.
Eu julgava de grande vantagem que o sr. ministro da fazenda chegasse ao accordo que propoz o sr. Dias Ferrei-
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ra, e é de dividir-se este projecto em doas partes, o que é perfeitamente acceitavel.
Tratariamos agora do augmento da receita e deixávamos para depois a parte que se refere ao augmento da fiscalisação; e não havia n'isto o menor perigo, como eu vou explicar.
O resultado pratico d'este projecto esta quasi conseguido. Quando se approximar o termo d’elle ser convertido em lei, o sr. ministro da fazenda sabe que alcançou sobre o rendimento do tabaco uma antecipação importante sem juro, que se póde calcular igual pelo menos á receita total de um anno d'este imposto; quer dizer, se nós separássemos agora a segunda parte do projecto, não ti libamos grande perigo em que houvesse um contrabando extraordinario no resto d'este anno, porque as fabricas ficam abastecidas de tal modo, que não estariam habilitadas para entrar em novas compras nos mezes proximos. E mesmo o adiamento d'esta parte do projecto podia per muito limitado.
Eu sei e comprehendo a rasão por que o sr. ministro da fazenda faz questão d'esta segunda parte do projecto. S. ex.ª tem receio de que quando se apresentar ao parlamento a pedir simplesmente auctorisação para despender mais réis 150:000$000 na fiscalisação, o parlamento lhe levante difficuldades, que desapparecem ou se modificam, se simultaneamente propozer um augmento de imposto, cobrindo amplamente, segundo a sua opinião, o augmento da despeza.
Pela minha parte, o meu voto ficava compromettido. Não quero tirar ao governo os meios de fiscalisar os impostos.
Por consequencia, se o sr. ministro da fazenda tem no ministerio a seu cargo, e creio que tem, elementos bastantes para em poucos dias trazer á camara uma proposta pedindo auctorisação para reformar o serviço fiscal, em termos precisos, esse alvitro seria preferivel. E fallo em auctorisação, mas definida, porque reconheço que esse. assumpto não póde, com vantagem e conveniencia, ser discutido no parlamento em todas as suas partes.
D'este modo, ainda n'este anno s. ex.ª estaria habilitado a poder reformar o serviço da fiscalisação, como urge que seja reformado.
Quando mesmo s. ex.ª não podesse trazer a proposta de lei n'esta sessão, já deu a rasão por que, trazendo-a na sessão do anno que vem, não havia n'isso grande perigo.
E era tanto mais justo que viesse uma proposta de lei com principios definidos e claros, quanto, no meu modo de ver, a fiscalisação tem de soffrer, e importa que soffra uma transformação radical.
Não sendo essa transformação auctorisada pelo parlamento, receio muito que o sr. ministro da fazenda, apesar dos seus bons desejos, não tenha força para, a. levar a, cabo.
Em 1871 já eu tive occasião de dizer que não deviamos pensar sómente no augmento do imposto do tabaco, mas que deviamos pensar tambem em melhorar a fiscalisação, sem o que esse augmento era perdido, e lembrei então a necessidade de dar á fiscalisação terrestre a rigidez, a austeridade e a mobilidade do serviço militar.
O sr. Pinto de Magalhães: — Apoiado.
O Orador: — E isso, ainda hoje, o que julgo absolutamente indispensavel. Na minha opinião, sem tal transformação, póde o nobre ministro augmentar com 800 ou 1:000 homens o corpo de guardas da fiscalisação, póde elevar-lhes o vencimento, que não consegue um resultado que corresponda a esses sacrificios.
N'essa occasião, em 1871, lembrei eu tambem ao governo a necessidade do pensar no serviço da fiscalisação maritima, por isso que o material de que ella dispunha era. improprio para o trabalho que tinha a desempenhar.
Pois sabe v. ex.ª o que succedeu':' É que só no fim de seis ou sete annos é que se conseguiu a substituição do material da fiscalisação maritima que então existia.
N'essa occasião, como disse, já eu indicava a organisação militar para a fiscalisação de terra, mas nada se fez n'esse sentido, e por isso receio muito que, limitando-se a auctorisação aos termos que vem no projecto em discussão, o governo encontre taes difficuldades que as cousas continuem quasi no estado em que se acham.
E preciso pensar que o serviço da fiscalisação é hoje um serviço já muito importante.
Segundo a organisação estabelecida pelo meu digno chefe o sr. Braamcamp, quando esteve no poder em 18G9, o quadro propriamente da fiscalisação comprehendia, proximamente, 11:000 homens, e custava quatrocentos e tantos contos de réis; no orçamento para, 1870-1880 pedem-se cerca de 1:000 homens, que custam perto de 600:000$000 réis.
É esta já uma somma avultada, mas acrescida com a que agora se pede, torna se ella, importantissima; e mais uma rasão para pensar na modificação do serviço da fiscalisação, que não póde continuar como está, em ordem a que d'elle se tirem os resultados que ha a esperar.
Ora, vindo um pedido de auctorisação em termos definidos e claros, eu acredito muito mais na reforma da fiscalisação, do que acredito passando a auctorisação como está.
O sr. ministro da fazenda póde ter muito bons desejos, mas sabe perfeitamente as difficuldades que tem encontrado e ha de encontrar na resolução d'este problema, que não é muito facil.
Atrevo-me a mandar para a mesa duas propostas. Uma é para que ao artigo 3.°, onde se diz: «é o governo auctorisados reformar o serviço da fiscalisação, se acrescente: «dando-lhe quanto possivel a organisação militar».
Esta, proposta é para o caso em que o sr. ministro da fazenda se não preste a, separar o projecto em duas partes, o que me parecia extremamente rasoavel e sem perigo, e portanto muito acceitavel.
Introduzir no projecto a minha, proposta não me parece que tenha, inconvenientes; mas, bem ao contrario, é de uma grande vantagem, e a sua adopção será grande melhoramento para o serviço.
A outra, proposta que tenho a. apresentar, reputo-a de muita importancia, e se não houver, como creio que não haverá. da parte do sr. ministro da fazenda o da parte da commissão, o proposito firme de não a acceitarem, unicamente por partir dos bancos da opposiçâo, parece-me que ella. será muito aproveitável.
Disse outro dia o sr. ministro da. fazenda, que era um pouco indisciplinado em politica, e como s. ex.ª não tem o exclusivo, naturalmente parecer-lhe ha que eu padeço da mesma molestia.
Da, primeira vez que o sr. ministro da fazenda fallou, eu deprehendi que os 150:000$000 réis que s. ex.ª pede na sua proposta, de lei, eram não só para o augmento do numero de guardas, mas tambem para o melhoramento da sua posição.
Ora, emquanto á posição dos guardas, eu achava conveniente, e aqui se vê quanto era util o alvitre que ha pouco lembrei, que se augmentasse, o quadro dos guardas de l.!l classe, dando assim mais rapido accesso aos guardas de 2.ª classe, e melhorando assim a situação d'estes.
Podíamos mesmo modificar a legislação actual, como se -quer fazer provisoriamente agora pelo artigo 4.° do projecto em discussão, porque effectivamente os guardas quando entram no serviço fiscal, depois de terem prestado o serviço militar, lêem um trabalho violento, e nem sempre podem attingir o numero de annos que a legislação vigente exige para a. reforma com o vencimento por inteiro.
Approvado o projecto em discussão não se augmenta só em 150:000$000 réis a despeza com a fiscalisação.
Nós não sabemos o alcance da disposição que se lê no artigo 4.°, e parecia-me. que o sr. ministro se devia contentar em que a camara lhe votasse um augmento de despeza que em caso algum não excedesse aquella cifra de réis 150:000$000.
E isto que proponho na minha proposta.
(Leu.)
São estas as propostas que linha a apresentar.
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Não querendo demorar a discussão, vou referir-me unicamente ao artigo 2.°
A leitura do artigo 2.° fez-mo desagradavel impressão, porque não se justifica.
Em 1872 o sr. presidente do conselho actual, que então tinha a seu cargo a pasta da fazenda, veiu a esta camara o apresentou o seu relatorio a respeito do estado da fazenda publica, documento bem escripto, e com excellentes promessas, a que, infelizmente, não corresponderam os factos.
Diziam então o illustre ministro e a commissão de fazenda, que o imposto de licença para a venda de tabaco, creado pela legislação de 18G4, era um imposto obnoxio, vexatorio, desigual, e que levantava immensas difficuldades, e pediu pois, o sr. presidente do conselho, a eliminação d'este imposto; mas como as circumstancias da fazenda publica não permittissem essa eliminação, sem que fosse substituido por outro, lembrou s. ex.ª e propoz, que incluíssemos na tabella B da contribuição industrial, creio que nas 6.ª e 7.ª classes, os vendedores de tabaco por grosso e miudo; d'este modo, dizia s. ex.ª que conseguia duas cousas, era não prejudicara receita, e ao mesmo tempo substituir um imposto vexatorio, e que tinha mil difficuldades na cobrança, por um imposto perfeitamente acceitavel.
Essa disposição passou, modificando-se tambem a contribuição industrial em ordem a que o imposto pela venda do tabaco se pagasse conjunctamente com o que o contribuinte devesse pelo exercicio de outra industria.
Naturalmente, e digo naturalmente, porque nem no relatorio do governo, nem no da commissão se explica, pede-se o restabelecimento do imposto das licenças, para a vendado tabaco, porque a receita proveniente da substituição que se fez em 1872, não terá attingido a importancia d'aquelle imposto.
Mas isso não basta.
Pois se o imposto em 1872 era pelo actual governo e pelo parlamento considerado vexatorio, e difficil de cobrar, como é que tudo isso desappareceu?! Como desappareceram os perigos e inconvenientes d'este imposto?! (Apoiados.)
Portanto, restaurar um imposto vexatorio, que condemnámos ha pouco tempo, com rasões tão valiosas, não me parece conveniente nem rasoavel. (Apoiados.)
Tenho feito, o mais resumidamente que podia, as observações que desejava, e as quaes não apresentaria, se não fossem as circumstancias de que dei conta á camara.
Mando para a mesa a minha proposta.
Leram-se na mesa as seguintes:
Propostas
1.ª Proponho que no artigo 3.° e em seguida ás palavras « e do imposto do tabaco « se acrescentem as seguintes: «dando-lhe, quanto possivel, a organisação militar». = Pereira de Miranda.
2.ª Proponho que ao artigo 3.° se acrescentem as seguintes palavras: «comprehendendo a despeza resultante da applicação do artigo 4.° d'esta lei». = Pereira de Miranda.
Foram admittidos á discussão.
Leu-se e foi approvado a ultima redacção do projecto n.º 72.
O sr. Barros e Cunha: — Sr. presidente, tenho difficuldade, depois do discurso do illustre deputado, que se senta d'aquelle lado (o direitio), o sr. visconde de Moreira de Rey, em tratar de mostrar á camara a rasão por que não tendo confiança no governo, me proponho, comtudo, a votar impostos que elle propõe, quando esses impostos não sejam inteiramente offensivos para as classes menos favorecidas, para a industria e para os interesses do paiz.
E tenho essa difficuldade, porque me parecia desnecessario explicar como, não tendo confiança no governo, no modo por que administra os dinheiros publicos, não tendo, emfim, confiança de qualidade alguma, politica ou administrativa em s. ex.ªs, entendo que cumpro um dever em votar os impostos que, nas condições que enunciei, submette á consideração da camara.
Por annos e annos fiz n'esta casa opposiçâo ao actual gabinete. A maior parte das indicações apresentadas hoje pelo illustre deputado, o sr. visconde de Moreira de Rey, foram mais de uma vez trazidas por mim á tela da discussão.
Infelizmente eram poucos os illustres deputados, e meus collegas, que se associavam ás instancias que fazia para que se equilibrasse a receita com a despeza do estado, para que se coarctasse o arbitrio, para que se pozesse dique aos desperdicios, para que não se votasse despeza som que ao mesmo tempo se votasse o imposto que lhe correspondia, e, emfim, para que o governo fosse cohibido de exceder, como é das leis existentes, das leis votadas por esta camara, as auctorisações que o parlamento lhe tinha dado.
Portanto, não se póde attribuir a intuitos politicos, sejam de que natureza forem, e muito menos aquelle que o illustre deputado mencionou, de que o sr. presidente do conselho se diz fatigado e como que está reduzindo os differentes grupos da opposiçâo, de um dos quaes tenho a honra de fazer parte, com a herança d'essa fadiga; não se póde attribuir a intuitos politicos, digo, e muito menos a esse que o illustre deputado mencionou, o motivo que me leva a votar ao governo quaesquer impostos que elle propõe, ou qualquer lei no interesse do paiz, no meio de actos de administração, aos quaes não me posso associar, e no mesmo caso estão, creio eu, todos os grupos da opposiçâo, e muito especialmente o meu honrado amigo o sr. Anselmo Braamcamp, que, em todos os actos da sua vida publica, tem procedido sempre pelo modo como está procedendo na actual sessão.
Eu tenho visto constantemente o sr. Braamcamp tomar a serio todas as questões submettidas ao seu exame, e discutil-as, divergindo ou não, propondo alterações para as aperfeiçoar, e creio que não seria de certo qualquer seducção d'este ou de outro gabinete que fizesse demover aquelle meu honrado amigo do proposito em que está.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Visto que v. ex.ª se refere a um periodo certo e determinado, será bom que se refira tambem aquelle que diz respeito ao tempo em que v. ex.ª foi ministro, sob a presidencia do sr. duque d'Avila e de Bolama, então marquez, quando eu perguntava ao sr. ministro da fazenda de então, se entendia que o emprestimo que eu lhe votei, sem opposiçâo, era sufficiente para extinguir a divida fluctuante, e s. ex.ª me respondeu que sim, e mais tarde veiu provar que não.
O Orador: — Não me lembro d'esse facto.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Mas como havemos de ter occasião de fallar a esse respeito, será bom estudarmos esses dois pontos. V. ex.ª estuda um e eu estudo o outro.
O Orador: — Não sei mesmo a que o illustre deputado se refere. Mas estudaremos.
Este projecto divide-se em duas partes: uma, aquella que addiciona ao imposto 20 por cento sobre os direitos que já paga; outra, a que pede auctorisação para gastar 150:000$000 réis no aperfeiçoamento da fiscalisação.
A primeira vista, sr. presidente, parecia, pelo que o sr. ministro da fazenda nos disse, pelo relatorio e pelo contexto do projecto, que estes 150:000$000 réis eram destinados unicamente ao aperfeiçoamento da fiscalisação para cobrar os impostos do tabaco; e o sr. ministro da fazenda posteriormente explicou que não; que elle tinha por fim aperfeiçoar a fiscalisação em geral, augmentando o numero dos guardas — isso diz o projecto — e em parte para lhes augmentar os ordenados, que são escassos, opinião na qual estou de accordo com o sr. ministro da fazenda.
As objecções que se apresentaram são as seguintes: que
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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
existindo desde já um contrabando enorme em todo o paiz, mais 20 por cento addicionados sobre o imposto, viria augmentar esse contrabando o defraudar portanto os rendimentos do estado. O sr. ministro declarou que não; e o sr. relator da commissão apresentou á camara o argumento de que o imposto era já de si tão elevado, que 20 por cento mais não podia influir de maneira alguma nas invasões do contrabando.
Sr. presidente, a este respeito permitta-me v. ex.ª que eu cite uma opinião insuspeita, que é a do sr. director geral das contribuições indirectas, o sr. Heredia, que commissionado pelo sr. ministro da fazenda para estudar este assumpto, diz a pag. 12 do seu relatorio tudo quanto sobre este ponto theoricamente póde dizer um funccionario inteligente e honrado para esclarecer o seu ministro.
Essa opinião condemna a do governo. E condemna-a de um modo irrefutável.
O sr. ministro pertende que 20 por cento de augmento nos direitos não influo no contrabando, porque os direitos são de tal modo excessivos, que 20 por cento mais ou 20 por cento monos, não é que deve convidar o contrabando a exercer aquella industria, que vem muitas vezes corrigir as ilusões dos ministros da fazenda.
Ora, eu combato, sr. presidente, a exageração do augmento fundado em dois principios: o primeiro na diminuição do rendimento, o segundo na restricção do consumo.
Acerca da restricção do consumo tenho a opinião do sr. director geral das contribuições indirectas que já citei; ácerca da diminuição do consumo tenho nina opinião muito mais seria e muito mais fundada. E a dos factos.
V. ex.ª sabe que na Inglaterra é actualmente, chanceller sir Sttaford Northcote, o qual impoz aggravamento ao imposto sobre o tabaco; pois, sr. presidente, esse augmento de imposto nos nove mezes que decorreram no ultimo anno financeiro deu o seguinte resultado:
O consumo diminuiu 1.409:000 libras de tabaco, e o rendimento do imposto foi reduzido no progressivo acrescimo que tinha annualmente obtido de 140:000 libras a 100:000 libras.
Eu, porém, não creio que haja grande, inconveniente em que o consumo de um artigo que não é de primeira necessidade, porque todos podem fazer o mesmo que. fazem muitas pessoas que conheço, que é absterem-se de fumar ou fumarem menos, seja mais tributado.
Portanto, por este lado eu não tenho a considerar em relação ao consumidor a violencia que o augmento do preço do tabaco pede exercer sobre o consumidor; tenho, porém, de consideral-o pelo fim que se pretende conseguir, que é o equilibrio entre a despeza e a receita do estado, que, o sr. ministro e o parlamento inteiro desejámos conseguir.
Ora, o augmento do imposto vae recaír na parte consumida pela classe mais desvalida.
Uma voz: - Engana-se.
O Orador: — Engano-me; eu vou demonstral-o.
O tabaco do que o consumo produz maior receita para o thesouro é o tabaco em folha, o qual em 1806 a 1867 rendeu 1.199:000$000 réis, o em 1.877 a 1878 produziu 2.648:000$000 réis.
O tabaco em rolo no anno de 1866 a 1867, o eu não quero approximar-me muito da epocha em que se passou do systema de arrematação do monopolio para a liberdade, porque quero guardar uma certa linha de respeito, nos ultimos tres annos foi de í 28:000$000 réis; e foi diminuindo, que no ultimo anno foi do 26:000$5000 réis; os charutos que eram de 48:000$000 réis, diminuiram em 1870-1871; depois foram augmentando progressivamente e estão hoje em 73:000$000 réis.
O tabaco de varias especies que era. de 110:000$000 réis em 1870-1877 está reduzido a 19:000$000 réis.
Já v. ex.ª, portanto, vê que é o tabaco em folha aquelle que paga a principal parte da receita que o citado aufere (Apoiados.), a qual tem insensivelmente subido, de 1866-1867 que era de 1.830:000$000 a 2.837:000$000 réis, que foi o ultimo rendimento cobrado.
Em 1870-1871 e em 1871-1872 houve uma diminuição sensivel no rendimento do tabaco, e foi esse facto que levou o sr. ministro da fazenda d'aquella epocha a propor ao parlamento um augmento proporcional ao valor dá classe de cada um d'estes artigos do consumo para poder conseguir para o thesouro que a receita tornasse a atingir a verba, que tinha sido cobrada no anno de 1868-1869.
D'ahi para cá os factos provaram que os calculos do sr. Carlos Bento da Silva não tinham sido exagerados, porquanto o rendimento tem constantemente crescido, quando uma receita indirecta de um genero d'esta ordem de descaminho e contrabando tão facil, prova que vae acompanhando o consumo de todos os outros artigos, o offerecendo ao estado rendimento certo, e fazendo os estudos e comparando com o que acontece em outros paizes, vemos que ella segue quasi a mesma proporção; que o seu augmento segue a, mesma relação, não sei se é prudente ir do repente lançar 20 por cento.
E por isso que me parece rasoavel a indicação feita pelo sr. Anselmo Braamcamp, de que melhor seria imitar este augmento unicamente a 10 por cento. Se, porém, o sr. ministro da fazenda tem a certeza, de que nenhuma das objecções que todos os economistas e homens praticos fazem em relação ao resultado financeiro procedem, creio que s. ex.ª tanto póde augmentar 20 como 30 por cento. Se a sua, consciencia está formada a este respeito, peço ao sr. ministro que não se limite aos 20 por cento, que proponha 25 ou 30 por cento.
O que desejo, porém, é que se diga claramente ao parlamento em que funda s. ex.ª os seus calculos para julgar que este augmento de imposto virá unicamente a ser favoravel á receita, do thesouro.
S. ex.ª, convertendo em lei este projecto, faz uma operação financeira de subido alcance para a situação actual, mas desastrosa, para a situação que lhe deve succeder.
Os 2.000:000$000 réis sumir se hão na voragem das despezas do thesouro, e os homens que succederem no poder a, este governo, encontrarão diante de si os cofres do estado vasios e as difficuldades que elle lhe legar. (Apoiados.)
Annunciei uma interpellação ao nobre ministro da fazenda para tratar do estado da fazenda publica e do modo de equilibrar a receita com a despeza, e por isso não entro n'este momento em considerações financeiras, limitan-do-me a pedir a s. ex.ª que se preste a discutir largamente essa. questão, que de certo será muito proveitosa, como são sempre as discussões em que toma parte o nobre ministro. (Apoiados.)
Permitta-me entretanto a, camara que, sem de modo algum querer trazer para agora esta questão, assignale o facto resultante d'este projecto, o que diga, apenas que, se o nobre ministro da fazenda teve em vista obter uma antecipação sobre o futuro, conseguiu o fim que se tinha proposto.
Vozes: — Deu a hora.
O Orador: — Deu a. hora. Os meus ilustres collegas estão reclamando o meu silencio, e eu mesmo sei que é de fraco interesse para a camara o pouco com que eu possa contribuir para esclarecer o assumpto do que se trata.
Se não fosse a obrigação que tenho do demonstrar a segunda parte da minha proposição, de certo não levaria a palavra que v. ex.ª me concedeu, o visto que deu a hora peço a v. ex.ª que me permitta continuar na proxima sessão.
O sr. Presidente: — A ordem do dia de ámanhã é a mesma que vinha para hoje e mais o projecto n.º 74. Está levantada a sessão. Eram cinco horas da tarde.