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604 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

petir o vergonhosissimo espectaculo a que o paiz tem assistido a proposito do imposto do sal.
Como v. exa. sabe, sr. presidente, e como o sabe a camara, a proposta para ser tributado o sal foi apresentada por parte do gabinete regenerador, e tenazmente combatida pela opposição que se sentava nas cadeiras d'este lado (apontando para as cadeiras da opposição), e que é ainda a opposição de hoje, tendo até sido declarado por um dos cavalheiros que occupavam posição mais proeminente no partido progressista que, qualquer que fosse a resolução da camara com relação ao imposto de que se tratava, em nome d'esse partido se reservava o direito de abolir um imposto tão iniquo e tão vexatorio, logo que subisse ás cadeiras do poder.
Apesar d'essa declaração grave, como o é sempre uma declaração d'esta ordem, em materia financeira sobretudo, feita por um partido que na rotação constitucional deve mais cedo ou mais tarde ser chamado a governar, a maioria entendeu dever approvar o imposto do sal.
E o que resultou d'ahi?
O imposto foi effectivamente approvado; mas provou-se que elle era inexequivel o devia ser alterado ou abolido, levantando se por essa occasião nas classes populares as difficuldades que era de esperar e a justa resistencia e opposição que chamaria contra si necessariamente um imposto que ía ferir por um lado as classes menos abastadas e por outro lado uma industria importante e das mais auspiciosas do paiz - a industria da pesca!
Modificou-se então a primitiva lei. Ainda assim não bastou, e a camara sabe a crise horrorosa que o imposto do sal provocou na classe piscatoria.
Este anno já foi na sessão actual nomeada uma commissão de inquerito para attender ás reclamações dos pescadores portuguezes.
Foi mandada a essa commissão uma proposta para a suspensão do imposto do sal, até se ultimarem os trabalhos do inquerito a que se está procedendo, e outra para a abolição pura e simples do mesmo imposto, proposta esta com a qual eu estou de accordo, folgando de poder fazer, agora que se apresenta para isso o ensejo, tal declaração.
Aqui tem v. exa. a historia bem recente de um imposto e a mais recente ainda de um inquerito. É assim que se procede entre nós! Os ministros, os relatores, gastam o melhor da sua rhetorica e da sua erudição em provarem por todos os modos e por todas as fórmas que um certo e determinado imposto é o melhor e o mais equitativo de todos os impostos possiveis, negando-se uns e outros intransigentemente a acceitarem qualquer modificação que a opposição proponha. Approva-se integralmente a proposta ministerial, e ao outro dia, quando o paiz, que é quem tem a ultima palavra n'estas questões, se levanta a protestar, os mesmos que tinham sido os mais acerrimos defensores da medida condemnada pela opinião publica, vem com a maior sem ceremonia e com o mesmo despendio de rhetorica e de erudição sustentar exactamente o contrario do que com calor não vulgar haviam defendido precedentemente! Acceitam até commissões de inquerito, depois de terem legislado! É isto serio? É isto digno da parte d'aquelles a quem tão altos interesses estão confiados?!
Entendia eu, sr. presidente, que o primeiro passo que tinha a dar qualquer governo que emprehendesse lançar um novo imposto, era estudar cuidadosamente as condições da sua incidencia e da sua repercussão, não se abalançando a levar por diante o tal proposito, sem que o resultado das mais minuciosas investigações lhe tivesse dado os elementos indispensaveis para um trabalho consciencioso e
serio.
Estava enganado, porém, e singelamente o confesso. Entre nós decreta-se, e depois é que se estuda. O paiz que importa?
Por isso qualquer governo que succeda ao actual, quando tenha em conta as legitimas aspirações do paiz, deve começar por abolir esse imposto iniquo e vexatorio, que, segundo a opinião exposta pelo sr. Saraiva de Carvalho, quando pela primeira vez se tratou aqui d'esta questão, é o imposto que de ordinario apparece na tela do debate quando as instituições politicas, que a elle se soccorrem, estão decadentes e proximas da sua ruina!
Foram estas, pouco mais ou menos, as palavras que ouvi pronunciar ao fallecido estadista entre os applausos freneticos da minoria da camara de então.
Pois, novamente o repito, porque nunca é de mais insistir em tão extravagante incoherencia, é serio que a mesma assembléa, politicamente considerada, que tinha primitivamente approvado o imposto tal qual havia sido apresentado pelo governo, e que depois approvou a modificação d'esse mesmo imposto, é serio, digo, que essa mesma assembléa approve a proposta para se nomear a commissão de inquerito encarregada de estudar o assumpto, podendo em resultado d'esse estudo propor o que julgar mais conveniente, e, portanto, até mesmo a abolição do proprio imposto?!
De sorte que n'este paiz as questões sobre impostos estudam-se depois d'elles terem estado durante largo tempo em execução e de haverem completado a sua obra damninha de perturbação social e economica, porque o paiz soffre, e muito, com estas repetidas experiencias dos seus inhabeis administradores!
Eu entendia, pelo contrario, tambem novamente o repito, e commigo entendem-no todos aquelles que de boa fé olham para estes problemas, que nenhuma medida d'esta ordem devia ser tomada sem se ter procedido um inquerito muito minucioso e honestamente levado a cabo, que indicasse qual devia ser a fórma de resolver a questão, no sentido de não ferir nem as nossas industrias mais vivazes e mais cheias de futuro, nem as nossas classes menos abastadas, esmagadas todos os dias por novos impostos progressivos sobre a miseria, que são os impostos que eu vejo lançar com predilecção por este governo!
O que succedeu com o imposto do sal é um caso analogo ao que succedeu com o tratado de commercio com a França, em que vimos nomear-se uma luxuosa commissão de inquerito ao estado das nossas industrias, proferirem-se bonitas palavras, escreverem-se pomposos relatorios, apparente e theoricamente mostrarem-se os melhores desejos de obtemperar ás legitimas necessidades e aspirações da industria nacional, que nenhum governo póde abandonar a menos que não queira lançar o paiz numa crise terrivel, e depois... approvar-se o tratado antes de conhecido o resultado do inquerito, despresando-se assim acintosamente as suas indicações!
Não é isto triste, sr. presidente?
É triste, tristissimo! É sobre ser triste é vergonhoso!
É necessario, por credito nosso, que sáiamos d'estes precedentes, que por um lado nos desauctorisam perante o proprio bom senso, e por outro lado se servem para levantar entre o povo a crença, e justa crença de que não ha nada a esperar nem d'estes pequenos remedios, e d'estes paliativos nem mesmo d'aquelles que os propõem!
E para que o mesmo facto se não repita com este novo imposto, que se pensa em lançar sobre os cereaea, que eu me associo á proposta do sr. Mendes Pedroso.
E não me importa para isso saber qual será a attitude do governo.
Se a camara entende que deve nomear a commissão de inquerito resolva nomeal-a, mas nomeal-a desde já.
O governo não póde deixar de acceitar os resultados d'essa commissão.
Em todo o caso, acceite ou não o governo os resultados do estudo a que se proceder, o que é certo é que, quando n'essa camara for apresentado um circumstanciado relatorio sobre o assumpto, ninguem poderá allegar ignorancia das condições em que o imposto irá lançar-se, se porventura o governo persistir na sua idéa.