O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 601

SESSÃO DE 5 DE MARÇO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios os exmos. srs.:

Francisco Augusto Florido de Monta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Apresentam representações: o sr. presidente, dos subditos portuguezes catholicos pertencentes á jurisdicção do arcebispo metropolitano de Goa, residentes em Eguipura; o sr. Alves Matheus, da irmandade de Nossa Penhora da Assumpção dos pescadores da Povoa de Varzim; o sr. Dias Ferreira, dos proprietarios de marinhas, situadas na ria de Aveiro: o sr. Sousa e Silva, da camara municipal da Ribeira Grande, districto de Ponta Delgada; o sr. Mendes Pedroso, da camara municipal do concelho de Benavente. - Tiveram secunda leitura: 1.º, uma proposto, do sr. Consiglieri Pedroso, alterando alguns artigos do regimento da camara; foi enviada á commissão do regimento: 2.º, uma proposta do sr. Mendes Pedroso, para que a camara nomeie uma commissão de inquerito parlamentar, que proponha o que mais adequado lhe parecer ácerca da crise cerealifera em que se acha o paiz. Esta foi admittida e ficou em discussão, em que trocaram observações os srs. Consiglieri Pedroso, ministro da marinha, o auctor, Carlos Lobo d'Avila, e Luiz de Lencastre, que propoz o adiamento da proposta até ser ouvido o sr. ministro das obras publicas. Sendo o adiamento posto á votação não teve vencimento, e por isso ficou ainda o assumpto pendente para a sessão seguinte. - Presta juramento o sr. Luciano Cordeiro, que é aggregado á commissão de fazenda, por um requerimento do sr. A. Carrilho; á commissão dos negocios externos, por um requerimento do sr. Tito de Carvalho; e á commissão de marinha, por um requerimento do sr. Pedro Diniz. Foi tambem agerregado á commissão de marinha o sr. Henrique de Mendia. - Procam-se explicações entre o sr. Luiz José Dias e o sr. ministro da marinha. - Entra em discussão, a requerimento do sr. Sebastião Centeno, o projecto n.º 16, que trata, do commercio de cabotagem entre as provincias portuguezas ultramarinas a leste do cabo da Boa Esperança, discussão em que entram os srs. Sousa Machado, ministro da marinha, Carrilho, que apresentou uma proposta, e Elvino de Brito, que ficou com a palavra para a sessão seguinte.

Abertura - Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada - 56 srs. deputados.

São os seguintes: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Garcia de Lima, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Alfredo Barjona do Freitas, Sousa e Silva, A. J. da Fonseca, A. J. d'Avila, Antonio Ennes, Pereira Borges, Cunha Bellem, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Sousa Pavão, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Poppe, Pereira Leite, Lobo d'Avila, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Elvino de Brito, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Monta e Vasconcellos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Frederico Arouca, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, José Arroyo, Sousa Machado. J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Laranjo, José Frederico, Pereira dos Santos, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luiz de Lencastre, Luiz Ferreira, Bivar, Luiz Dias, Luiz Osorio, Correia de Oliveira, M. P. Guedes, Guimarães Camões, Gonçalves de Freitas, Rodrigo Pequito, Sebastião Centeno, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram, durante a sessão os srs.: - Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Torres Carneiro, Lopes Navarro, Carrilho, Seguier, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Avelino Calixto, Barão de Ramalho, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Estevão de Oliveira, Guilherme de Abreu, Silveira da Motta, Melicio, Teixeira de Vasconcellos, J. J. Alves, Correia de Barros, Dias Ferreira, Elias Garcia, Lobo Lamare, Pinto de Mascarenhas, Lopo Vaz, Luciano Cordeiro, Reis Torgal, Manuel d'Assumpção, M. J. Vieira, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Martinho Montenegro, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Dantas Baracho e Tito de Carvalho.

Não compareceram á sessão os srs.: - Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Anselmo Braamcamp, Silva Cardoso, Antonio Candido, Pereira Corte Real, Antonio Centeno, Garcia Lobo, Fontes Ganhado, Jalles, Moraes Machado, Pinto de Magalhães, Augusto Barjona de Freitas, Neves Carneiro, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Conde de Villa Real, E. Coelho, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Correia Barata, Francisco de Campos, Wanzeller, Barros Gomes, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Costa Pinto, Baima de Bastos, J. A. Pinto, Ferreira Braga, Ribeiro dos Santos, Ferrão de Castello Branco, J. A. Neves, Teixeira Sampaio, Avellar Machado, José Borges, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Julio de Vilhena, Lourenço Malheiro, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, Aralla e Costa, Mariano de Carvalho, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Pedro Roberto, Pereira Bastos, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta. - Approvada.

Não houve expediente.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Dos subditos portuguezes catholicos, pertencentes á jurisdição do arcebispo metropolitano de Goa, residentes na cidade de Egulpura, pedindo que se sustentem illesos os direitos e prerogativas da corôa portugueza sobre o real padroado no oriente.
Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada á commissão de negocios ecclesiasticos.

2.ª Da irmandade de Nossa Senhora da Assmmpção, dos pescadoras da Villa da Povoa, do Varzim, districto do Porto, pedindo a revogação e modificação de algumas disposições do regulamento geral das capitanias, serviço e policia da portos do reino e ilhas adjacentes, approvado por decreto de 1 de agosto de 1884.
Apresentada pelo sr. deputado Alves Matheus, enviada á commissão de marinha e mandada publicar no Diario do governo.

3.ª Dos proprietarios de marinhas, situadas na ria do Aveiro, pedindo a extincto do imposto sobre o sal.
Apresentada pelo sr. deputado Dias Ferreira, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

4.ª Da camara municipal da Ribeira Grande, districto de Ponta Delgada, pedindo uma lei que declare a população de cada um dos concelhos d'este districto, a base da divisão das quotas do imposto a que se refere o artigo 126.º do codigo administrativo.
Apresentada pelo sr. deputado Sousa e Silva, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

38

Página 602

602 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

5.ª Da camara municipal do concelho de Benavento, adherindo ás representações em que a sociedade de Santarem, pede providencias com que seja combatida a crise por que está passando a agricultura cerealifera em Portugal e que seja convertida em lei a proposta de lei n.º 19, que cria as escolas praticas de agricultura.
Apresentada pelo sr. deputado Mendes Pedroso, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

O sr. Presidente: - Declarou que, tendo observado, pela leitura que hoje fez do Diario da sessão do sabbado, que o extracto do incidente tumultuoso occorrido no fim d'essa sessão, alem de incompleto, contém algumas inexactidões, achou conveniente providenciar para que logo que o sr. Elvino de Brito restituisse as notas tacnygraphicas do seu discurso, no qual devem ser incluidas as advertencias da mesa, fosse reproduzido na integra aquelle incidente, rectificando-se n'essa occasião as inexactidões que foram publicadas.
Leu-se na meza a proposta assignada pelo sr. Consiglieri Pedroso.
O sr. Presidente: - Esta proposta é para sw fazerem modificações ou alterações no regimento. Se for admitida pela camara, vae ser enviada á commissão de regimento.
A proposta é a seguinte:

Proposta

Artigo A. O direito de interpellação é, na maior latitude, prerogativa inalienavel da camara, tanto com relação aos negocios do politica interna como de politica externa.
Art. B. As interpellações sobre politica interna deverão verificar-se dentro do praso de um mez, a contar do dia em que tiverem sido annunciadas.
§ unico. Se, dentro d'este praso, o governo não se tiver dado por habilitado, realisar-se-ha, ainda assim, a interpellação.
Art. C. As interpellações sobre politica externa que se refiram a negociações pendentes poderão ser adiadas a pedido do governo, até que as respectivas negociações se ultimem.
Art. D. As interpellações sobre politica externa, que não se refiram a negociações pendentes, serão consideradas para todos os effeitos como interpellação sobre politica interna.
§ unico. Ainda n'este caso, porém, a discussão das interpellações a que se refere o presente artigo póde ser adiada se o governo, por declaração expressa e official, affirmar que tal discussão é n'esse momento prejudicial ou perigosa para os interesses do paiz.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 3 de março de 1885.= O deputado por Lisboa, Z. Consiglieri Pedroso.
Foi admittida e enviada á commissão do regimento.
Leu-se tambem na mesa a seguinte

Proposta

roponho que a camara, em harmonia com o disposto no artigo 14.º do acto addicional, nomeie uma commissão de inquerito parlamentar para propor o que mais adequado lhe parecer ácerca da crise cerealifera em que se acha o paiz, e sobre cujo assumpto têem sido dirigidas diversas representações ao parlamento. = O deputado, Antonio Mendes Pedroso.
Admittida á discussão.

O sr. Lencastre: - Sr. presidente, eu concordo absoluta, inteira e plenamente com a proposta apresentada.
Tenho a declarar a v. exa. e á camara que me é muito sympathica essa proposta, e não tenho duvida alguma em votal-a, mas pareceu-me que se deviam respeitar as praxes n'esta casa, pois, dizendo esta proposta respeito á agricultura, e pertencendo este negocio ao ministerio das obras publicas e da fazenda, entendo que se deve esperar pela audiencia do governo na pessoa d'estes dois ministros para se discutir esta proposta.
Estou convencido que o sr. Pedroso não terá duvida em que a discussão d'ella seja adiada para ámanhã, ou para quando o governo estiver presente n'esta casa, pois estou convencido que o governo ha de acceital-a como eu a acceito; mas parecia-me conveniente que houvesse para com elle uma attenção, para caminharmos de harmonia e com mais segurança.
Mando para a mesa a minha proposta.
É a seguinte:

Proposta

Proponho que a discussão da proposta seja adiada até ser ouvido o sr. ministro das obras publicas. = Luiz de Lencastre.
Foi admittida e ficou em discussão.

O sr. Carlos Lobo d'Avila: - Pedi a palavra para declarar a v. exa. e á camara que me associo completamente ao espirito da proposta apresentada pelo sr. Mendes Pedroso, e que a voto porque creio que o intuito do meu illustre collega foi contribuir para a rapida e sensata resolução d'este importante problema.
Sou o primeiro a reconhecer que a crise que atravessa a nossa agricultura é uma questão gravissima que deve ser profundamente estudada. Mas não devo occultar que este recurso aos inqueritos parlamentares não produz a maior parte das vezes entre nos grande resultado pratico, porque as commissões não têem ao seu alcance os meios necessarios para colherem os dados e os esclarecimentos indispensaveis.
La fóra, e principalmente em Inglaterra, os inqueritos parlamentares são altamente vantajosos e proficuos, mas as commissões não se limitam aos trabalhos a que forçosamente têem de circumscrever-se as nossas, por falta, de recursos. (Apoiados.)
Entre nós, em geral, as commissões de inquerito são um expediente dilatorio, que adrede se emprega para protrahir a solução de uma questão complicada e melindrosa. (Apoiados.) Repito, não posso crer que na hypothese de que se trata houvesse este proposito da parte do auctor da proposta. Se de tal estivesse convencido, votaria contra a proposta, e protestaria energicamente contra ella. Em todo o caso não e dispenso de repetidas vezes, perguntar n'esta camara pelos resultados d'este inquerito, e de pedir ao governo que declare se este disposto a providenciar urgentemente sobre este grave assumpto.
Por isso pergunto desde já ao sr. ministro da marinha, que vejo presente, e que, á moda ingleza, parece ser o representante especial do governo n'esta camara, porque é o unico ministro que aqui apparece, (Riso) pergunto a s. exa. se o governo está disposto a tratar seriamente d'esta questão importantissima, apresentando sobre ella algumas medidas ao parlamento.
Esta é a pergunta que formulo, esperando que se digne responder-lhe o sr. ministro da marinha, ao qual peço tambem a fineza de a transmittir aos seus collegas, a quem mais directamente compete tratar do assumpto.
E antes de concluir, seja-mo licito dizer que estranhei profundamente o adiamento proposto polo sr. Lencastre. Não me parece que a iniciativa parlamentar, mormente n'uma questão d'esta natureza, esteja dependente da opinião do governo. De resto, o gabinete está muito bem representado pelo sr. Pinheiro Chagas, o que torna para mim duplamente incomprehensivel a proposta do sr. Lencastre. Peço, pois, ao sr. ministro da marinha que tranquilize os escrupulos de ministerialismo miticuloso, manifestados pelo

Página 603

SESSÃO DE 5 DE MARÇO DE 1885 603

sr. Lencastre, a fim de que possa resolver-se hoje esta importante questão.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Pedi a palavra simplesmente para dizer ao illustre deputado o sr. Lobo d'Avila, que transmittirei ao meu collega as observações de s. exa., e para lhe affirmar, que o governo de certo toma muito a serio, nem póde deixar de tomar, uma questão tão grave, que affecta os interesses do paiz. É inquestionavel que o governo tem dado provas d'isso, e que ha de occupar-se urgentemente d'essa questão importantissima.
Aproveito esta occasião, para tambem declarar á camara e ao illustre deputado, que os meus collegas não têem podido comparecer ás sessões d'esta camara por isso que estuo empenhados, na outra casa do parlamento, n'uma discussão politica importante que não dispensa a presença da maioria do ministerio, e que hoje tambem não poderão comparecer, porque foram ao paço a despacho.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Não tinha hontem tido conhecimento, sr. presidente, da proposta do meu collega Mendes Pedroso e se n'este momento, quando entrava na camara, soube eu da sua apresentação e da sua discussão na sessão de hoje.
Parece-me desnecessario declarar que, em principio, me associo a todas as propostas analogas e que está sobre a mesa, e que tenham por fim estudar o colligir os elementos indispensaveis para que a camara possa discutir e resolver as questões que se apresentarem ao seu exame, com perfeito conhecimento de causa; antes, porém, de dizer mais algumas palavras ácerca da proposta de que se trata, permitta-me v. exa. que eu me admire, ou que manifeste á camara a minha surpreza, pela declaração do sr. Lencastre, pela resposta do sr. ministro da marinha, e até certo ponto tambem por algumas palavras proferidas pelo meu illustre collega o sr. Lobo d'Avila!
Estimarei saber que o governo, com relação a certos e determinados actos do parlamento, está de accordo com elle; mas não me parece, que para uma questão d'esta ordem, a annuencia ou não annnencia do governo haja de significar alguma cousa.
Sei que no meu paiz, as normas do regimen parlamentar estão completamente invertidas, e que as camaras, em geral costumadas a receberem todas as inspirações das cadeiras dos srs. ministros, perderam a confiança na sua propria iniciativa e julgam que nada podem levar a cabo, se porventura não tiverem a annuencia dos delegados do poder executivo.
É esta a triste theoria ácerca do governo parlamentar, a que chegam-se
Em todo o caso, permitta-me v. exa. que lhe diga, e que o diga aos meus collegas da maioria, que nos paizes onde o governo representativo é genuinamente executado, a acção do poder executivo tem certos e determinados limites, que as camaras não devem ultrapassar, é certo; mas a acção do poder legislativo tambem é muito vasta, e nada tem que ver com a acção d'esse outro poder do estado, toda a voz que exerce direitos proprios, sempre que usa de faculdades que só á representação nacional pertencem e que não lhe podem ser usurpadas. Ora a nomeação de uma commissão de inquerito está exactamente n'este caso.
De fórma que, se a camara entende que deve nomear a commissão de inquerito parlamentar para estudar a grave questão da crise cerealifera, ou melhor, da crise agricola do nosso paiz, nomeie essa commissão e trabalho. Acceite ou não acceite o governo os trabalhos e os resultados do estudo d'essa commissão, isso pouco importa: a camara cumpre o seu dever, sem para isso ter de alcançar o consentimento de ninguem; e tenha v. exa. a certeza, sr. presidente, de que no dia, na occasião e no momento em que as camaras do meu paiz souberem impor a sua vontade como é do seu direito e como cumpre ao seu prestigio n'esse dia, os governos hão de acceitar a supremacia de poder legislativo, e hão de curvar-se perante as suas resoluções.
Repito portanto, que me surprehendeu tristemente, com franqueza o digo, a observação feita pelo illustre deputado o sr. Lencastre , admirando-me tambem da declaração do sr. ministro da marinha, declaração, é verdade, em parte, provocada pelos reparos feitos pelo digno membro da maioria.
É com effeito estranho, srs. deputados, que seja um orador republicano, isto é, um membro da menos numerosa minoria d'esta casa, quem vos venha ensinar a zelar os vossos direitos, e a pugnar pelas vossas inalienaveis prerogativas. Tal dever corria principalmente á maioria. Como, porem, é ella propria que se exauctora, protesta quem estava em peiores casos de o fazer, para que ao menos não se diga que sem reclamação passam tão estranhas doutrinas de direito publico n'esta constituinte! Tratando agora propriamente da questão que se ventila da hypothese que está em discussão, direi que não receio que a commissão de inquerito possa deixar de dar resultados praticos e importantes para a solução do problema que nos occupa, porque o governo intervenha contra vontade, da mesma commissão no seu funccionamento; mas receio, sim e muito, sr. presidente, seja-me permittida a phrase, da indolencia d'essa commissão, ou da sua cumplicidade com a indolenia calculada dos srs. ministros!
Receio que seja realmente o parlamento que não queira ter conhecimento dos resultados de um estudo imparcial e sereno ácerca das causas verdadeiras da crise agricola, que começa a opprimir terrivelmente o paiz!
É d'isto que eu tenho medo, sr. presidente, e pelos precedentes parece-me que com rasão.
Não tenho, portanto, receio de uma intervenção mais ou menos violenta, mais ou menos declara-la do poder executivo, porque sei que o parlamento poderá sempre que quizer repellir essa intervenção; mas, repito, tenho tamboril receio, e n'este ponto estou de accordo com o illustre deputado, o sr. Lobo d'Avila, de que a camara se deixe arrastar n'este assumpto, pelos exemplos que infelizmente se têem dado em outras questões analogas; e que, em logar de nos proporcionar os elementos para podermos resolver com consciencia e segurança a importante questão da crise da industria agricola portugueza, pelo contraria se nos apresento com, importuno embaraço, fazendo com que mais tarde a questão não possa sor resolvida em harmonia com os legitimos interesses do paiz!
Com relação ao inquerito de que se trata, vou apresentar um additamento á proposta do sr. Mendes Pedroso, a fim de que a commissão que houver de nomear-se para estudar a crise cerealifera se occupe tambem e muito solicitamente de estudar as condições economicas das classes trabalhadoras agricolas, condições que tão intima relação têem com a actual depressão da nossa agricultura.
Entendo mesmo, srs. deputados, que esta commissão de inquerito, em vez de ter sido pedida pelo parlamento...
Mas digo eu que me parecia que esta commissão de inquerito poderia ter sido, sem quebra de dignidade do poder executivo, proposta pelo proprio governo.
Tal commissão póde auxiliar poderosamente o sr. ministro da fazenda no estudo que houver de fazer para a elaboração das differentes propostas que se diz, pelos menos em voz baixa, tenciona apresentar ao parlamento, com respeito á elevado de imposto sobre trigos e em geral sobre cereaes.
Tal commissão deve esclarecel-o ou obrigai-o pelo menos a seriamente reflectir em medida de tão grande alcance economico antes de tornar d'ella a iniciativa e de converter em questão ministerial, conforme aqui é uso, a sua approvação.
Mesmo porque é precisa, para decoro do governo o prestigio do parlamento, que não esteja-mos todos os dias a re-

Página 604

604 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

petir o vergonhosissimo espectaculo a que o paiz tem assistido a proposito do imposto do sal.
Como v. exa. sabe, sr. presidente, e como o sabe a camara, a proposta para ser tributado o sal foi apresentada por parte do gabinete regenerador, e tenazmente combatida pela opposição que se sentava nas cadeiras d'este lado (apontando para as cadeiras da opposição), e que é ainda a opposição de hoje, tendo até sido declarado por um dos cavalheiros que occupavam posição mais proeminente no partido progressista que, qualquer que fosse a resolução da camara com relação ao imposto de que se tratava, em nome d'esse partido se reservava o direito de abolir um imposto tão iniquo e tão vexatorio, logo que subisse ás cadeiras do poder.
Apesar d'essa declaração grave, como o é sempre uma declaração d'esta ordem, em materia financeira sobretudo, feita por um partido que na rotação constitucional deve mais cedo ou mais tarde ser chamado a governar, a maioria entendeu dever approvar o imposto do sal.
E o que resultou d'ahi?
O imposto foi effectivamente approvado; mas provou-se que elle era inexequivel o devia ser alterado ou abolido, levantando se por essa occasião nas classes populares as difficuldades que era de esperar e a justa resistencia e opposição que chamaria contra si necessariamente um imposto que ía ferir por um lado as classes menos abastadas e por outro lado uma industria importante e das mais auspiciosas do paiz - a industria da pesca!
Modificou-se então a primitiva lei. Ainda assim não bastou, e a camara sabe a crise horrorosa que o imposto do sal provocou na classe piscatoria.
Este anno já foi na sessão actual nomeada uma commissão de inquerito para attender ás reclamações dos pescadores portuguezes.
Foi mandada a essa commissão uma proposta para a suspensão do imposto do sal, até se ultimarem os trabalhos do inquerito a que se está procedendo, e outra para a abolição pura e simples do mesmo imposto, proposta esta com a qual eu estou de accordo, folgando de poder fazer, agora que se apresenta para isso o ensejo, tal declaração.
Aqui tem v. exa. a historia bem recente de um imposto e a mais recente ainda de um inquerito. É assim que se procede entre nós! Os ministros, os relatores, gastam o melhor da sua rhetorica e da sua erudição em provarem por todos os modos e por todas as fórmas que um certo e determinado imposto é o melhor e o mais equitativo de todos os impostos possiveis, negando-se uns e outros intransigentemente a acceitarem qualquer modificação que a opposição proponha. Approva-se integralmente a proposta ministerial, e ao outro dia, quando o paiz, que é quem tem a ultima palavra n'estas questões, se levanta a protestar, os mesmos que tinham sido os mais acerrimos defensores da medida condemnada pela opinião publica, vem com a maior sem ceremonia e com o mesmo despendio de rhetorica e de erudição sustentar exactamente o contrario do que com calor não vulgar haviam defendido precedentemente! Acceitam até commissões de inquerito, depois de terem legislado! É isto serio? É isto digno da parte d'aquelles a quem tão altos interesses estão confiados?!
Entendia eu, sr. presidente, que o primeiro passo que tinha a dar qualquer governo que emprehendesse lançar um novo imposto, era estudar cuidadosamente as condições da sua incidencia e da sua repercussão, não se abalançando a levar por diante o tal proposito, sem que o resultado das mais minuciosas investigações lhe tivesse dado os elementos indispensaveis para um trabalho consciencioso e
serio.
Estava enganado, porém, e singelamente o confesso. Entre nós decreta-se, e depois é que se estuda. O paiz que importa?
Por isso qualquer governo que succeda ao actual, quando tenha em conta as legitimas aspirações do paiz, deve começar por abolir esse imposto iniquo e vexatorio, que, segundo a opinião exposta pelo sr. Saraiva de Carvalho, quando pela primeira vez se tratou aqui d'esta questão, é o imposto que de ordinario apparece na tela do debate quando as instituições politicas, que a elle se soccorrem, estão decadentes e proximas da sua ruina!
Foram estas, pouco mais ou menos, as palavras que ouvi pronunciar ao fallecido estadista entre os applausos freneticos da minoria da camara de então.
Pois, novamente o repito, porque nunca é de mais insistir em tão extravagante incoherencia, é serio que a mesma assembléa, politicamente considerada, que tinha primitivamente approvado o imposto tal qual havia sido apresentado pelo governo, e que depois approvou a modificação d'esse mesmo imposto, é serio, digo, que essa mesma assembléa approve a proposta para se nomear a commissão de inquerito encarregada de estudar o assumpto, podendo em resultado d'esse estudo propor o que julgar mais conveniente, e, portanto, até mesmo a abolição do proprio imposto?!
De sorte que n'este paiz as questões sobre impostos estudam-se depois d'elles terem estado durante largo tempo em execução e de haverem completado a sua obra damninha de perturbação social e economica, porque o paiz soffre, e muito, com estas repetidas experiencias dos seus inhabeis administradores!
Eu entendia, pelo contrario, tambem novamente o repito, e commigo entendem-no todos aquelles que de boa fé olham para estes problemas, que nenhuma medida d'esta ordem devia ser tomada sem se ter procedido um inquerito muito minucioso e honestamente levado a cabo, que indicasse qual devia ser a fórma de resolver a questão, no sentido de não ferir nem as nossas industrias mais vivazes e mais cheias de futuro, nem as nossas classes menos abastadas, esmagadas todos os dias por novos impostos progressivos sobre a miseria, que são os impostos que eu vejo lançar com predilecção por este governo!
O que succedeu com o imposto do sal é um caso analogo ao que succedeu com o tratado de commercio com a França, em que vimos nomear-se uma luxuosa commissão de inquerito ao estado das nossas industrias, proferirem-se bonitas palavras, escreverem-se pomposos relatorios, apparente e theoricamente mostrarem-se os melhores desejos de obtemperar ás legitimas necessidades e aspirações da industria nacional, que nenhum governo póde abandonar a menos que não queira lançar o paiz numa crise terrivel, e depois... approvar-se o tratado antes de conhecido o resultado do inquerito, despresando-se assim acintosamente as suas indicações!
Não é isto triste, sr. presidente?
É triste, tristissimo! É sobre ser triste é vergonhoso!
É necessario, por credito nosso, que sáiamos d'estes precedentes, que por um lado nos desauctorisam perante o proprio bom senso, e por outro lado se servem para levantar entre o povo a crença, e justa crença de que não ha nada a esperar nem d'estes pequenos remedios, e d'estes paliativos nem mesmo d'aquelles que os propõem!
E para que o mesmo facto se não repita com este novo imposto, que se pensa em lançar sobre os cereaea, que eu me associo á proposta do sr. Mendes Pedroso.
E não me importa para isso saber qual será a attitude do governo.
Se a camara entende que deve nomear a commissão de inquerito resolva nomeal-a, mas nomeal-a desde já.
O governo não póde deixar de acceitar os resultados d'essa commissão.
Em todo o caso, acceite ou não o governo os resultados do estudo a que se proceder, o que é certo é que, quando n'essa camara for apresentado um circumstanciado relatorio sobre o assumpto, ninguem poderá allegar ignorancia das condições em que o imposto irá lançar-se, se porventura o governo persistir na sua idéa.

Página 605

SESSÃO DE 5 DE MARÇO DE 1885 605

Emquanto ao meu additamento poucas palavras bastam para o justificar perante a camara. É impossivel estudar conscienciosamente as causas da nossa actual crise agricola, sem estudar ao mesmo tempo, como parte integrante do problema, as condições economicas em que se encontram as classes trabalhadoras ruraes do nosso paiz. A miseria é muita; a falta de instrucção quasi geral; a tyrannia esmagadora dos impostos directos sempre crescente, perturbadora da nossa economia social; as condições da offerta e procura do trabalho deprimentes de todo o estimulo.
Entre a commissão nessa investigação; proceda corajosamente a esse estudo e verá que profundas chagas encontra no seu caminho, e certificar-se-ha da verdade das palavras levianamente proferidas pelos srs. ministros «que o paiz pode desafogadamente pagar mais». Attente na emigração rural cada vez mais desenvolvida; assista ao despovoamento dos nossos campos do norte e do centro do reino, emquanto os da sua metade austral continuam a estar desertos ou pouco menos. Trabalhe, inquira, pergunte, observe, e dirá depois se é possivel fazer-se um serio inquerito agricola sem se estudarem as condições economicas em que se encontram as nossas classes trabalhadoras ruraes.
Concluindo vou mandar para a mesa a minha proposta, que é do teor seguinte:
«Proponho, em additamento, que a commissão de inquerito parlamentar tenha por fim igualmente estudar as condições economicas das classes trabalhadoras agricolas.
Sala das sessões da camara, 5 de março de 1885.= O deputado por Lisboa. = Z. Consiglieri Pedroso.»
Disse.
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho, em additamento que a commissão de inquerito parlamentar tenha por fim igualmente estudar as condições economicas das classes trabalhadoras agricolas. = Consiglieri Pedroso.
Foi admittida e ficou conjunctamente em discussão.

Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. Luciano Cordeiro.

O sr. Mendes Pedroso : -Quando mandei para a mesa a minha proposta não imaginava que ella houvesse de dar logar a um debate tão levantado como aquelle a que estamos assistindo.
Se podesse suppor que a minha proposta, tão singela como era, havia de dar logar a este debate, que muito me lisongeia por ver o interesse que se lhe liga, creio que nem ainda assim teria procedido por outro modo.
Quando mandei para a mesa a minha proposta apresentei algumas considerações para indicar os motivos em que a fundamentava.
O motivo principal era que eu não concordava completam ente com as representações que têem vindo á camara a respeito deste assumpto.
N'essas representações pede-se apenas o augmento dos direitos sobre os trigos estrangeiros, e eu estou convencido de que esse meio não é sufficiente para se resolver a crise.
Creio que para se conseguir esse fim são necessarios outros meios, aliás muito importantes; e parece-me que a camara não póde tomar uma resolução justa a este respeito sem fazer um estudo minucioso de todas as circumstancias que devem esclarecer esta questão.
Foi para que se fizesse este estudo que apresentei a minha proposta.
Devo declarar que não consultei ninguem para mandar para a mesa a minha proposta.
A minha proposta não tem caracter algum politico; isto é, que tem apenas o caracter de indicar que desejo ser util ao meu paiz.
E se apresentei esta proposta foi por ver que, a respeito do imposto do sal, pela maneira por que a commissão nomeada se tem reunido e tem trabalhado, aquella questão póde esperar uma resolução mais facil e mais rapida do que a que teria se a mesma commissão não tivesse sido nomeada.
O sr. Luiz de Lencastre disse que seria conveniente ouvir o governo, e adiar por conseguinte esta proposta.
Devo dizer a esse respeito que estou persuadido de que não perdemos nada, e de que não corremos nenhum perigo adiando esta proposta por dois ou tres dias.
Não me opponho portanto ao adiamento, e só direi que, quando ella vier á discussão, procurarei sustental-a com mais alguns argumentos, se for preciso.
Acrescentarei ainda que não duvido concordar com o additamento proposto pelo sr. Consiglieri Pedroso, se bem que me parece que esse additamento vem complicar a questão, e, porventura, crear embaraços á resolução que pretendo para a crise cerealifera que afflige o paiz, sobre a qual têem sido mandadas á camara tantas representações.
Não me parece que deixe de haver analogia entre a minha proposta e o additamento: entretanto, não me parece que se deva deixar de resolver desde já sobre a proposta que eu mandei para a mesa, sem dependencia do additamento.
Era isto o que eu tinha a dizer á camara.
O sr. Lencastre:- Verdade, verdade, parece-me que não fui comprehendido pelos srs. Lobo d'Avila e Mendes Pedroso.
Parece-me que não devia levantar tamanha discussão o que eu disse.
Eu disse que concordava com a proposta do sr. Mendes Pedroso, que sympathisava com ella, que a achava boa, que entendia que ella era muito seria, como serio era o seu auctor; e tambem entendo que a camara, quando nomeava commissões de inquerito, é para que ellas se inspirem dos interesses publicos, para assim cumprirem com o seu dever.
E em verdade, a commissão nomeada para examinar a questão do imposto do sal está dando exemplo d'isso pela maneira por que trabalha. (Apoiados.)
Eu o que fiz?
Qual foi o erro que commetti, que levantou tantas exclamações ao sr. Consiglieri Pedroso, obrigando-o a fallar por tanto tempo, na iniciativa da camara, que o governo absorvia?
Eu não quiz tirar a iniciativa á camara; quiz apenas ter uma attenção com o governo, attenção que entendia que a camara devia dar, senão toda, pelo menos parte d'ella.
Parece-me que não se perde nada em ouvir o governo. Estando o governo de accordo com a commissão, que de certo ha de ser nomeada, póde dar esclarecimentos para que ella cumpra melhor com o seu dever.
Eu não me opponho, e estou convencido de que a camara não se oppõe á nomeação da commissão; mas, repito, que nada se perde, antes pode ganhar-se, em ser ouvido a este respeito o sr. ministro das obras publicas.
Feito isto fica salva a iniciativa, tanto do deputado como do parlamento, que em nada é offendida. É este o meu modo de pensar.
Não quero terminar sem dizer ao sr. Lobo d'Avila que ninguem tem mais consideração e respeito pelo sr. ministro da marinha do que eu; mas s. exa. gere outra pasta que nada tem com a pasta das obras publicas; embora a entidade governo tenha todos os ramos da administração, acham-se elles divididos pelos differentes ministerios. Acho, portanto, de toda a conveniencia que sobre este assumpto seja ouvido o sr. ministro das obras publicas.
O sr. Carlos Lobo d'Avila:- Apenas duas palavras. Eu pergunto ao sr. ministro da marinha, e desejava que elle me respondesse, para tranquillisar o sr. Lencastre, e

Página 606

606 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

n?o adiarmos este assumpto, qual a sua opinião. O governo tem conhecimento d'esta proposta desde terça feira em que ella foi apresentada, e por isso tem tido tempo de pensar se deve ou não acceitar o inquerito.
A maioria, essa não ha duvida que concorda com a proposta. Disse o sr. Lencastre, leader e porta-voz da maioria: «O que peço ao illustre ministro da marinha é que dê, em nome do governo, licença á maioria para votar segundo a sua consciencia.» (Riso.)
E já agora seja-me permittido responder a algumas observações que me dirigiu o sr. Consiglieri Pedroso.
Estranhou s. exa. que eu me preoecupasse com a opinião do governo, quando se ia nomear uma commissão de inquerito parlamentar. Concordo com s. exa. que á face dos principios a nossa iniciativa n'esta casa póde exercer-se completamente desassombrada da acção do governo. Mas, não vê s. exa. como os deputados da maioria, pela bôca do sr. Lcncastre, hesitam em votar de accordo com a sua opinião, só porque não sabem o que o governo pensa, não sobre uma lei, mas sobre uma commissão de inquerito? (Apoiados.) Os deputados não querem estudar sem licença do ministerio, (Riso.) o que fará legislar! (Apoiados.)
A verdade, a triste mas innegavel verdade, é que em Portugal, nos nossos parlamentos, em o governo, em o poder executivo não querendo que uma cousa se faca, ella não se faz.
É por isso que, a despeito de todas as commissões que a camara nomeie, eu não deixarei de instar repetidas vezes com o governo para que, sem prejuizo de todos os inqueritos possiveis, estude a questão e traga ao parlamento alguma medida a este respeito.
Tenho dito.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - A maioria não precisa que lhe dêem a liberdade de votar. Ella tem liberdade completa, absoluta e inteira, nem o governo podia ter a pretensão de lhe impor a sua vontade.
O que posso affirmar ao illustre deputado, ainda que este negocio não corre pela minha pasta, é que o governo não terá duvida em que se faça o inquerito parlamentar, o que é sempre bom para elucidar as questões, e qualquer que seja a resolução da camara empregará todos os esforços para estudar elle proprio o assumpto e trazer ao parlamento o resultado d'esse estado, de modo que possa satisfazer aos legitimos interesses do paiz. (Apoiados.)
O sr. Consiglieri Pedroso: - Duas palavras apenas, sr. presidente.
Disse D sr. Mendes Pedroso que o meu additamento veiu complicar a questão. É possivel que assim peja; mas attento s. exa. no que vou dizer-lhe.
De duas uma com effeito: ou o inquerito que vamos fazer é serio, ou vae ser mera apparencia para fazer crer ao paiz, que cuidamos nos seus males. Se é unica e exclusivamente um inquerito de effeito, para que se possa dizer que se nomeou uma commissão a fim de estudar alguma cousa com respeito á questão agricola, votem-no. Mas se pelo contrario, a camara quer fazer uma idéa completa da questão e attender a todas as faces d'este melindrosissimo problema, acceite o meu additamento e não se importe com a complicação que elle possa trazer á proposta inicial, não tenho eu culpa d'essa complicação, sr. presidente, é pr?pria ella da natureza do assumpto a que nos estamos referindo.
O que eu digo é que em face da questão como ella hoje se agita na maior parte dos paizes europeus, e como começa a levantar-se no nosso paiz, não me parece proprio do decoro e dignidade d'esta camara resolvel-a por metade.
Se a camara se decide a estudar a questão agricola sob todos os pontos de vista, ver? que não póde chegar a uma solução mais ou menos racional, se porventura não estudar igualmente as causas da crise do trabalho rural de que o producto agricola é em parte o resultado.
Com respeito ao que disse o sr. Lencastre, a proposito de delicadezas para com o governo, direi a s. exa. que nas minhas relações particulares procuro, quanto posso, cumprir com esses deveres de cortezia, que não só são triviaes, mas que devem ser exigidos sempre a todos aquelles que vivem em sociedade.
Mas o que se exige, e com rasão, de individuo para individuo, não me parece, todavia, que deva ser a norma de proceder entre os poderes do estado.
Cada poder tem uma funcção propria dentro da esphera da sua acção legal, e fóra não ha considerações de delicadeza que possam alterar as relações officiaes.
Normas de procedimento, puramente pessoaes, nada têem que ver com a entidade abstracta, governo ou camara.
Nada tenho, pois, que ver com essas delicadezas que ahi se invocam entre a camara e o governo.
Mas antes de terminar, seja-me licito alludir ainda a um incidente d'esta discussão.
A camara ouviu silenciosa, e sem contra ellas protestar, palavras que, embora, infelizmente, referindo-se a um facto verdadeiro, eu julgo attentatorias da sua dignidade.
O sr. Lobo d'Avila disse cruamente que o governo se bem não tenha que ver com a nomeação da commissão de inquerito, todos sabem no entretanto que na camara só se faz o que os ministros querem!
Eu, n'este logar, e na minha posição, podia bem levantar este repto, mas não o farei agora porque sou minoria da minoria, e a outros mais compete este dever; considero, porém, o facto a que o meu collega se refere como a verdadeira comprehensão dos seus direitos da parte d'este parlamento.
Entretanto, lastimo que n'esta altura em que vamos de regimen parlamentar, o paiz ainda possa ouvir palavras como as do sr. Lobo d'Avila, que mostram bem o nosso triste estado de decadencia.
Peço desculpa d'estas observações; mas não podia deixar de as fazer, em vista da insolita declaração.
(Interrupção.)
Não sou solidario, é verdade, mas por isso mesmo fica-me o direito de protestar aqui.
Se a camara tem liberdade plena de proceder, nomeie então a commissão de inquerito, sem esperar pela annuencia do governo. (Apoiados.)
O sr. Alves Matheus: - Mando para a mesa uma representação da irmandade de Nossa Senhora da Assumpção, dos pescadores da villa da Povoa de Varzim, em que se pede que sejam revogadas e modificadas algumas disposições do regulamento relativo ás capitanias dos portos do reino e das ilhas adjacentes e ao regimen dos barcos de pesca.
Farei para justificar esta representação algumas rapidas reflexões.
As disposições do regulamento, a que se refere a representação, são em parte justas e sensatas, mas ha outras que são verdadeiramente injustas e inexequiveis em relação á industria piscatoria, que é importante na villa da Povoa de Varzim, pois n'ella se occupa a companha porventura mais numerosa da pen?insula.
Este regulamento foi feito sem attenção ás condições especialissimas em que a industria da pesca é exercida n'aquella localidade. Nos artigos 202.º e 204.º encontram-se as disposições seguintes:
(Leu.)
É, portanto, obrigatoria a matricula para cada companha, e esta matricula deve ser feita nos primeiros tres mezes do anno e permanecer até o fim d'esse anno. Quem conhecer os costumes e os processos de trabalho, seguidos desde antigos tempos, pelos pescadores da Povoa comprehende a absoluta impossibilidade de executar-se tal disposição. As companhas não têem ali numero fixo e pessoal permanente. Cada pescador tem redes e apparelhos de pesca, que são propriamente seus, o peixe que pesca é tambem proprie-

Página 607

SESSÃO DE 5 DE MARÇO DE 1885 607

dado sua, e como tal é colocado, separadamente e com um signal dentro do barco.
Se o pescador se desavem com o mestre do barco ou o resultado do seu trabalho lhe é desfavoravel, procura outro barco, aonde espera ser mais feliz, succedendo muitas vozes transitarem os pescadores, quatro, cinco e mais vezes no decurso de um anno de uns para outros barcos. N'estas circumstancias é impossivel cumprirem-se as prescripções do regulamento, que obrigam os donos e mestres dos barcos a matricular individuos certos no periodo de um anno.
Entendo, que não deve coarctar-te nem tolher-se esta liberdade fundada em habitos antigas e inveteradas e que alem d'isso reputo completamente inoffensiva.
O regulamento determina n'um dos seus artigos, que os barcos que vão pescar no alto mar tenham a coberta corrida. Esta disposição não póde applicar-se nos barcos da Povoa de Varzim, que andam no serviço da pesca. Os bascos são ali, dos denominados de bêca aberta; navegam umas vezes á véla e outras a remos. Quando ha grande calmaria ou o vento não é favoravel, os barcos são movidos a remos, conseguindo assim os pescadores chegarem mais rapidamente á praia, conseguirem mais promptamente a venda do pescado e evitarem que elle se estrague e
corrompa como succederia se houvesse uma grande demora. Ora, tendo os barcos coberta corrida não podem, attenta a sua fórma especial de construcção e as suas dimensões, emprega-se os reinos. Mas ha ainda outro facto, que prova a impossibilidade de n'esta parte ser executado o regulamento.
Os barcos, depois de feita a descarga do peixe, são transportados para terra a poder de braços e pelos procesos primitivos. Ali não ha guindastes, nem rodizios, nem quaesquer instrumentos artificiaes que dispensem o emprego
da força humana.
Os pescadores das diversas companhas fincam os pés na areia, mettem hombros aos costados dos barcos, e assim os vão arrastando lentamente, trabalhosamente, sendo o esta pesada faina acompanhada, a intercadencias, de uma grita lamentosa, que lhes e ao mesmo tempo estimulo e direcção aos movimentos e empuchões
vão dando ao barco até elle ser varado em terra. É um trabalho rude, improbo, durissimo, que tenho visto muitas vezes. Nunca presenciei este triste espectaculo sem sentir uma impressa dolorosa.
Ora, se for imposta a esta pobre gente a obriga construir os barcos com coberta corrida, o peso augmentará consideravelmente; tornando-se impossivel transportal-os para terra, têem de ficar na agua. Mas a barra é má e é mais pequena agitação do mar levantam se ondas fortes e alterosas, e os barcos seriam fatalmente despedaçados uns contra os outros.
Julgo portanto inexequivel a applicação do artigo do regulamento, que determina que os barcos sejam de coberta corrida.
O mesmo regulamento exige varios emolumentos por licença, matriculas, amarrações do barcos em logar fixo, e tambem pela inspecção dos barcos depois de construidos. Reputo esta exigencia muito dura e vexatoria.
Os pescadores da Povoa de Varzim contribuem, pelo producto da sua industria, com uma collecta avultada para as receitas do estado.
Bem lhes basta a elles a vida trabalhosa e arriscada que levam jogando continuamente a existencia para ganharem o suado e escasso pão para si e para seus filhos. Bem lhes bastam as canceiras, os desconfortes e os perigos da sua labutação, tantas vezes esteril em lucros e compensações. Bem lhes bastam os frequentes e lastimosos naufragios, de que está infamada a barra, que é pessima, que é perigosissima e que podia e devia estar ha muito melhorada, se os governos d'este paiz não tivessem votado a completo desprezo aquella povoação e aquella infeliz classe, emquanto se despendem sommas enormes em outras obras hydraulicas de utilidade muito duvidosa. Em muitos dias do anno e especialmente no inverno, os pescadores não podem ir ao mar, e então a miseria é grande. Todos os que vivem nos districtos do Porto, Braga e Vianna, têem visto as levas de mendigos rotos e descalços, que, com a fome e a miseria estampada no rosto, percorrem as povoações, dizendo em voz lugubre: «Dae esmola ao desgraçado pescador da Povoa». E muito desgraçados são, porque o mau tempo os não deixa trabalhar e por que têem em casa oito, dez e doze filhos sem meios de subsistencia.
Lançar sobre uma classe tão desfavorecida uma rede do emolumentos, que equivalem a outros tantos impostos, não é justo nem humano.
Estimo bem que esteja presente o illustrado ministro da marinha, porque estou certo do que s. exa. dará ás minhas ponderações, fundadas em factos incontestaveis, a consideração, que ellas merecem. Peço a v. exa., que se digne consultar a camara sobre se consente que a representação seja publicada no Diario do governo.
Mandou-se publicar.
O sr. Dias Ferreira: - Mando para a mesa uma representação dos proprietarios das marinhas da ria de Aveiro contra o imposto do sal.
São grandes as difficuldades com que luctam os proprietarios de marinhas, não só do districto de Aveiro, como de todo o paiz, e a attenção do parlamento deve dirigir-se com muita seriedade para este assumpto.
Peço a publicação no Diario do governo d'esta representação.
Mandou-se publicar.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - O regulamento a que o illustre deputado o sr. Alves Matheus se referia, foi elaborado por uma commissão composta do homens competentissemos, mas desde que começou a existir, reconheceu-se logo que havia alguns inconvenientes na execução de algumas das suas disposições, assim como se reconheceu tambem que alguns dos inconvenientes mais graves não eram resultado de medidas regulamentares, mas sim de medidas de caracter legislativo que impunham a cobrança de certos emolumentos, e as quaes não podiam ser emendadas pelo governo.
Então nomeei outra commissão para propor as modificações indispensaveis que se deviam inserir na lei que o regulamento punha em execução; mas como o projecto organizado pela commissão fosso presente ás associações commerciaes para que ellas indicassem as alterações que entendessem dever fazer-se, o resultado é que estes trabalhos estão muito adiantados, mas não tenho podido até agora apresentar um projecto de modificação á lei de 1880: a fim de que se possam remover alguns inconvenientes que na execução d'essa lei se têem apresentado. Estou de accordo com o illustre deputado em que urge fazer na lei de 1880 algumas modificações, e portanto s. exa. vê que, estando de accordo com as suas observações, pelo monos em parte, eu hei de procurar satisfazer aos desejos do illustre deputado e aos justos clamores dos pescadores.
O sr. Adolpho Pimantel: - Por parte da commissão de fazenda, mando para a mesa o parecer sobre a proposta do governo n.º 16-E, relativa á caixa de depositos, e peço que se mande imprimir.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Luiz José Dias, que a pediu para quando estivesse presente o sr. ministro da marinha.
O sr. Luiz José Dias: - Sr. presidente, v. exa. e a camara recordam-se perfeitamente de que na sessão de 20 de fevereiro fallava com inclito aprumo o sr. Pinheiro Chagas, respondendo ás accusações que o meu nobre amigo e distincto collega, o sr. Elvino de Brito havia formulado contra este preclaro conselheiro.
O illustre ministro da marinha e ultramar lastimava profundamente o systema das insinuações; sentia em phrase

Página 608

608 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

alevantada que se lançassem suspeitas em todos os caracteres; reprovava com a força vibrante da sua eloquencia, que é muita, as accusações virulentas contra os nossos adversarios, porque, dizia s. exa., e note a camara, muitas vezes pelas vicissitudes da politica temos necessidade de militar e combater ao lado d'aquelles que ainda hontem melindravamos e cujos caracteres, susceptibilidades e melindres ainda ha pouco offendemos.
Mais dizia s. exa. que este systema desgraçado desconceituava na opinião publica os homens politicos mais importantes, desprestigiando-os pela perda da sua auctoridade moral, annullando-os e tornando-os inhabeis para occuparem os altos cargos do estado.
Eram estas, pouco mais ou menos, as palavras de que s. exa. se servia, se a memoria me não falha; pelo menos tenho a certeza de que foi esta a materia sobre a qual o sr. Pinheiro Chagas fazia aquelle seu discurso verdadeiramente quaresmal, debaixo do ponto de vista politico, (Riso.) mas se não era esta a idéa ahi está o sr. Pinheiro Chagas para fazer a correcção, podendo até jogar a arma do motejo e dizer que eu não fui tradutore mas traditore.
S. exa. é facil, é facilimo no emprego desta palavra; ainda outro dia a dirigiu ao meu distincto collega e amigo o sr. Ennes, e tão familiarisado está com ella que não ha muito tempo a applicou aos cavalheiros com os quaes está hoje em civica e pouco invejavel camaradagem. (Apoiados.)
Vozes: - Cynica?
O sr. Presidente: - O sr. deputado disse cynica?
O Orador: - Civica, civica, mas pouco invejavel camaradagem. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Em vista da explicação, e sendo civica, a palavra de que ousou, cessa a advertencia e póde s. exa. continuar.
O Orador: - A illustre maioria é que offende o nobre ministro com essa supposição.
Sr. presidente, eu escutava attentamente a catechese politica do sr. Pinheiro Chagas, e appello para a camara para que me diga se eu a não escutava religiosamente; ao mesmo tempo ia comparando com o pensamento e a memoria e as competentes subfaculdades da intelligencia o que elle dizia com o que elle fazia, confrontava as suas obras com as suas palavras e ia formando de s. exa. o conceito mais bem acabado typo de sr. Thomás o pregador. (Riso.)
Quando s. exa. nos fazia aquelle discurso em que reprovava a tal politica, o tal systema de insinuações, recordava-me da raposa a ensinar philosophia, e do diabo feito ermitão. (Riso.)
O sr. Pinheiro Chagas, como homem publico, como homem politico e como ministro de um partido a que não pertencia, ao qual não sei ainda hoje se pertence, não póde deixar de provocar os meus apartes, e os apartes de todos os que o conhecem.
E quando o vemos convertido em rata sabia de prestidigitações politicas, faz lembrar a fabula Un loup un loup, e excita logo a vontade de replicar à d'autres la leçon; por que ha procedimentos politicos que fazem recordar o celebre cavallo lazarento de Tolentino. (Apoiados. - Risos.)
O sr. ministro da marinha nos seus ultimos tempos de Casandra politica tem começado como Catão o Censor, tem virado como Camaleão o Variegado. (Apoiados.)
S. exa., com as suas theorias, oppostas ás suas obras, faz-me reviver na memoria a lembrança d'aquelle celebre usurario, que pedia ao orador sagrado invectivasse contra a usura para ficar mais desassombrado no campo das especulações; s. exa. fez uma oposição tal n'esta camara e lá fóra, tem uma vida politica tão tortuosa e collocou-se n'um plano tão inclinado, que não póde censurar ninguem, Bem se censurar a si proprio. (Apoiados.)
Eu; que conheço a sua vida publica o politica dos ultimos tempos, que o comtemplo com mágua, sobre este aspecto, ao passo que me alegro e estremeço de jubilo quando leio suas obras, nas quaes distilla uma alma candida e transborda um coração cheio de patriotismo e de aspirações generosas, eu que o conheço tambem debaixo d'esta phase, e que sou novo, que ainda ha pouco entrei na vida publica, não posso deixar de indignar-me quando confronto o homem politico com o escriptor publico, o ministro com o orador da opposição, porque sinto ainda no meu peito palpitarem-me os sentimentos da coherencia politica e do decoro publico.
Não posso deixar de indignar-me, repito, quando s. exa. vem ao parlamento prégar moralidade politica d'aquellas cadeiras (as dos ministros), quando é certo que o sr. Pinheiro Chagas infelizmente não póde convencer pela força do exemplo, porque s. exa. no campo da politica é, para me servir da phrase do nosso grande orador, catholico do credo e herege do mandamento. (Riso.)
Era, pois, n'essa occasião em que s. exa. fazia a sua cathechese, em resposta ao sr. Elvino de Brito, que eu lhe recordava, n'um aparte, como quem queria fornecer-lhe uma nova fonte de provas, para corroborar as suas asserções, um facto recente da sua vida politica de hontem, e estava no meu direito, e até lhe fazia favor.
Para que s. exa. podesse melhor confirmar a verdade de suas proposições é que lhe lembrava esse facto, ministrando-lhe assim, de boa mente, uma nova ordem de argumentos, tirados da sua vida publica, de provas onde abundam para justificar todas as evoluções e os casos das vicissitudes, a que se ia referindo; e o sr. ministro da marinha, em vez de me agradecer, o que fez?
Costuma dizer-se: assim paga o diabo a quem o serve. (Riso. - Protestos.)
O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado que retire essa phrase.
O Orador: - Isto é um dictado muito antigo, que não póde offender o sr. ministro; no entretanto se s. exa. se dá por offendido com elle, retiro-o. A idéa é que os mal agradecidos retribuem com ingratidões.
O sr. Presidente: - Dada essa explicação póde proseguir.
O Orador: - Continuando direi, que o que lamento, é que o sr. ministro da marinha, esquecendo-se do logar que occupa, não se lembre tambem de que eu n'esta posição, ainda que seja a personalidade mais insignificante que se senta n'estas cadeiras, sou um deputado da nação e que como tal, represento aqui, mutatis mutandis, e guardadas as devidas proporções dos principios e das praxes, um juiz pedindo contas e julgando os actos do gabinete; e s. exa. d'essas bancadas, quando responde a um representante do povo, seja elle grande ou pequeno orador, tenha muito ou pouco talento, illustrado ou não illustrado, deve fazel-o sempre, representando a serenidade da lei o a magestade do poder, porque s. exa. ahi desempenha um papel muito differente d'aquelle que lhe era commettido, quando se sentava n'estes logares. (Muitos apoiados.)
Um deputado póde e até tem restricta obrigação de tomar contas estreitas aos srs. ministros dos actos que praticam, do modo como governam os negocios da administração publica.
O governo é obrigado a prestai os conscienciosamente, escrupulosamente, com serenidade e exactidão. (Apoiados.)
São estes os direitos, são estes os deveres e as posições relativas; mas os srs. ministros, invertendo os termos e olvidando as proporções, levantam-se accesos em ira, inflammados em colera para responderem ás interpellações. (Apoiados.)
Fazem mais: refilam o dente áquelles, cujo procedimento lhes póde servir de exemplo severo e lição proveitosa.
(Riso, tumulto e protestos contra a phrase.)
O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado, pela se-

Página 609

SESSÃO DE 5 DE MARÇO DE 1885 609

gunda vez, que não profira phrases d'essas, que não são parlamentares.
O Orador:- Não sei porque deva causar estranheza uma phrase portuguesa tão usada pelos classicos e que eu empreguei de proposito para com a sua dureza melhor exprimir a rudez do procedimento dos srs. ministros. (Riso)
Camões, nunca imaginou que o parlamento portuguez st havia de rir ou havia de protestar um dia contra o emprego da sua phraso, como cousa desconhecida e desusada, como expressão mono a vernacula e pouco tersa.
Quanto vamos decaindo em costumes e letras!!
Mais dura e mais aspera era a phrase com que Cicero esmagava o adversario quando dizia em pleno senado, oppõe a cabeça, marrando.
Mas continuemos.
O sr. ministro da marinha e ultramar, antes de o ser, com o verbo inspirado da sua eloquencia esmagadora, verberava e fustigava severa, acre, e acerada mente os erros e os abusos do partido regenerador.
Chega ao poder e adopta-os e perfilha-os, mais correctos e augmentado.
O sr. Pinheiro Chagas stigmatisava cheio de indignação o systema das recriminações, reprovava com toda a energia de sua alma o methodo das retaliações, não admittia que os ministros viessem para aquelles bancos justificar seus actos com os erros dos seus antecessores.
Desejava vehentemente que aquelles que combatiam nestas cadeiras levassem para o poder a mesma bandeira, á sombra da qual tinham pelejado e que arvorassem ahi os mesmos principios, pelos quaes e em cujo nome tinham subido ao poder; porque, se ao tomarem emita das redeas da governação publica renegaram n'esse momento todo o passado, não merecia a pena terem combatido; para irem adoptar os erros e abusos, que tinham exprobado a seus adversarios, não valia a pena terem manejado a arma das accusações violentas com tanto denodo e valentia.
Para isso não valia a pena, como dizia s. exa. em phrase pitoresca, ter a nação mudado de governo.
S. exa. chega ao poder e depois do ter verberado o procedimento da regeneração, adopta-o, abraça-o e n'elle se enrosca como a hera ao tronco da arvore. (Susurro e impressão.)
Eu posso provar a v. exa. e á camara que quando interrompo qualquer orador com um aparte não o faço com o espirito zombeteiro com que o fazia n'estes Jogares o sr. Pinheiro Chagas; com a minha interrupção não tenho em vista provocar o riso, excitar a hilaridade, ou arrancar gargalhadas aos ouvintes, como fazia o illustre ministro quando atacava o sr. visconde de S. Januario, pretendendo cobril-o com a arma do ridiculo. (Apoiados.- Susurro)
Não admitto as manifestações das galerias, que devem assistir silenciosas, e este dever é mais indeclinavel para a tribuna da imprensa, se é que alguns cavalheiros que ali estão representam a imprensa. (Apoiados.) Parece que o regimento tambem deve merecer attenção, n'esta parte.
Dizia eu que o sr. Pinheiro Chagas verberava o systema das recriminações, não admittia que os ministros assentados n'aquellas cadeiras viessem defender-se com os actos alheios, e s. exa., que fustigou desapiedadamente o partido regenerador, batendo-o aspera e rudemente, senta-se ao lado d'elle no poder, e não quer que eu, e commigo o paiz inteiro, e ao lado d'elle todos os regeneradores briosos e honestos, se indignem por ver o sr. ministro da marinha e ultramar ao lado do sr. Fontes e junto do sr. Hintze Ribeiro, o D. Quichote da Salamancada.
(Susurro, protestos e agitação.)
(Interrupção do sr. presidente.)
A phrase não é minha, é do sr. ministro da marinha e ultramar.
(Silencio completo.)
E não quer s. exa. que nós nos indignemos, quando a maioria só pela simples repetição de suas palavras se agita e incommoda! E por isso que os meus apartes são epigrammas de conceito critico. (Riso.)
O sr. Franco Castello Branco: - Ah! São conceituosos?
O Orador: - São de conceito critico, e o illustre deputado deve saber bem o que isto quer dizer. Resumem um bello trecho da vida publica dos individuos a quem se referem, e em parte explicam uma pagina notavel da nossa historia politica dos ultimos tempos, principalmente das relações do sr. Pinheiro Chagas com o partido regenerador. São uma synthese, cuja significação é alta e profunda. Sob este respeito, medite-os e verá.
(Silencio)
Se os ministros sentados n'aquellas cadeiras não coram de vergonha quando apanhados em flagrante...
Vozes : - Isto não póde ser.
(Grande agitação na camara.)
O sr. Presidente: - Chamo á ordem o sr. deputado, e recommendo-lhe que não continue a usar de phrases tão inconvenientes.
O Orador:- Esta phrase não é minha, é do sr. ministro da marinha, pertence ao sr. Pinheiro Chagas.
(Impressão, silencio.)
O sr. Presidente:- A mesa adverte o pr. deputado e novamente lhe recommenda que não use de palavras, nem reproduza phrases, que não são proprias do parlamento.
O Orador: - Se v. exa. quer, eu retiro-a, não tenho duvida nisso, mas permitta-me v. exa. que eu lhe lembre que esta phraso se encontra nos annaes parlamentares; vejo-a ali no extracto dos discursos do sr. ministro da marinha, vem no Diario das sessões e será bom mandal-os trancar n'esta parte.
Eu pergunto ao sr. ministro da marinha se concorda com este principio e se ainda se recorda d'elle, é bom que numa discussão qualquer, os contendores assentem e concordem nos principios de que partem, porque eu queria tirar d'aqui argumento de menor para maior, o argumento denominado á fortiori.
O sr. Presidente: - O sr. deputado pode continuar mas em termos convenientes.
O Orador: - O silencio do sr. Pinheiro Chagas mostra a sua acquiescencia e por isso posso continuar.
Dizia eu, e não quero referir-me a ninguem, fallo em these genericamente, não individualiso para não provocar as iras da maioria e as intervenções da presidencia «se os ministros sentados nas cadeiras do poder o apanhados em flagrante contradição não coram, é porque já não têem vergonha».
Vozes :- Isto não póde ser.
(Nova agitação).
O Orador:- Isto disse o sr. Pinheiro Chagas, actual ministro da marinha, que a maioria segue e apoia com tanto calor! E eu apresento-o como principio em que s. exa. concorda, e do qual pretendo tirar conclusões genericas, deixando á cansara o cuidado de as individualisar e applicar como entender.
(Silencio completo.)
Ora, sendo verdadeiro aquelle principio, os ministros, quaesquer que elles sejam, achados em flagrante violação de lei, os que mandam alterar as tabellas de salarios e emolumentos judiciaes por simples portarias ou telegrammas, os que mandam pagar a funccionarios publicos ordenados mais avultados do que a lei permitte, já não só não têm vergonha, mas até perderam as noções de dignidade, extinguiram-se-lhes do espirito as idéas do honesto, apagaram-se-lhes na consciencia os principios do justo e varreram-se-lhes do coração os sentimentos de decoro e do pudor politico.
Isto é em geral, eu não individualiso.
Ha ainda, outro principio, que é tambem do sr. Pinheiro Chagas.

Página 610

610 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

E digo que é do sr. Pinheiro Chagas, para não provocar os protestos da maioria, e excitar a indignação de ninguem.
«Os ministros que uma vez se enganam sobre o calculo da despeza que póde acarretar uma certa medida, em obediencia ás regras do decoro e da dignidade devem levantar-se das suas cadeiras e seguir caminho do paço para deporem as suas pastas aos pés de El-Rei.»
Eu digo que os ministros que, não só foram encontrados em flagrante delicto de violação de lei, mas ainda rasgam a tunica da patria, mutilam a integridade da soberania nacional e se sobrepõem á lei fundamental do paiz, sem haver motivos que os justifiquem, devem ser coagidos urgentemente a largar os conselhos da corôa, já não em obediencia ou decoro, mas em homenagem aos mais caros e vitaes interesses do paiz. (Apoiados.)
Mas não é só isto, ha mais ainda.
O sr. ministro da marinha e do ultramar insurgiu se contra o systema das recriminações e das retaliações; fez retumbar como um trovão a sua voz no seio do parlamento por causa d'este estranho modo de defeza, e hoje, depois de ter sido severamente accusado pelos meus illustres collegas os srs. Elvino de Brito, Ferreira de Almeida e outros, limita se a justificar os seus erros e irregularidades com os actos dos seus antecessores, com a honesta e patriotica administração do sr. visconde de S. Januario e do sr. marquez de Sá, e não sei eu como não passou ainda pelo espirito do illustre ministro o receio de que a ossada do sr. marquez de Sá estremeça no fundo do tumulo ao ver o modo como hoje se administram as nossas colonias; não sei como não passou ainda pelo espirito de s. exa. o receio de que os restos funerarios de tão benemerito cidadão se levantem do sepulchro e corram pressurosos ao gabinete da marinha para protestar contra a sua gerencia, ainda com mais força do que o Christo contra os que desacatavam a casa de seu pae.
O sr. Pinheiro Chagas sentia, estranhava que o sr. Mariano de Carvalho se não penetrasse de admiração por ver sentado o sr. Adriano Machado ao lado do sr. Saraiva de Carvalho só porque este lhe tinha transferido os parentes; e hoje não quer que nós maravilhemos ao vêl-o sentado ao lado d'aquelles, que feriu com phrases as mais sangrentas e epithetos os mais pungentes.
E que são actualmente muito outros os tempos, muito diversas as circumstancias.
Por isso não posso deixar de me encher de indignação quando o contemplo como membro do gabinete regenerador, sem poder explicar a sua apparição no seio d'aquelle gabinete, a não ser por um principio formulado por Newton, que s. exa. aprendeu em creança, e de que de certo ainda se recorda, pelo menos explicava por elle as cambalhotas politicas da maioria, regeneradora em 1878.
É a lei das attracções; e por este principio o sr. Pinheiro Chagas deslocou-se do sr. Dias Ferreira e veiu encorporar-se como satelite no systema da política planetaria do sr. Fontes, que em política se póde considerar um grande planeta e até um grande cometa: como planeta emittindo luz reflectida, e haja vista o seu plano de reformas politicas; como cometa descrevendo arcos hyperbolicos, e fazendo movimentos irregularissimos no espaço infindo dos arranjos. (Grande hilaridade.)
O sr. ministro da marinha tambem consultou um dizidor da buena dicha e leu o Lunario perpetuo, onde encontrou o seguinte: «Todo o varão que nascer debaixo da subida d'este signo (o sr. Fontes) será muito feliz, gosará de grossa, pitança e desfructará á mesa do orçamento 4:000$000 réis, empregos conforme a sua compleição, e grau de parentesco. (Riso.)
Só este principio e aquella causa podem explicar a apparição do sr. Pinheiro Chagas no seio do gabinete.
Eu desejava que o sr. ministro da marinha me dissesse se em s. exa. impera mais a ambição do mando do que os dictames da lógica; se n'aquelle espirito póde mais a impaciencia do poder do que as regras do decoro, as soffreguidões pela pasta do que os sentimentos da coherencia. S. exa. sabe o que isto quer dizer e a passagem a que me refiro, recorda-se muito bem dos homens, a quem estas perguntas já foram feitas.
Tambem podia perguntar a s. exa. de onde veiu para o lugar de ministro. Se não saiu dos salões do sr. Fontes Pereira de Mio.
Podia interrogal-o para me dizer que tempo combateu e lactou pelas idéas do partido regenerador, quando e onde sentou praça e que tempo deu para aprender o exercicio; (Riso.) porque o vejo com a condecoração dos grandes generaes do partido regenerador: mas parece-me que essa condecoração representa, uma idéa bem menos lisonjeira do que a de muitos titulos da nossa vida recente, pois quer-me parecer que representa a troca dos principios o a venda das convicções.
Muito desejaria que o sr. conselheiro me declarasse se já gosta d'este systema de fazer ministros, se já se não insurge contra o desprezo que o sr. Fontes mostra pelas indicações parlamentares, tirando ministros de seus salões e não do parlamento. Se já lhe não desagrada o systema de ir recrutar transfugas aos arraiaes do sr. Dias Ferreira, respigar sabios á sociedade de geographia, ou fazer levas de espadas aos quarteis da guarda municipal.
Parece que aquelle celebre vento esterilisador do seculo XIX, que desbotou no espirito de s. exa. a fé, que era o apanagio e antemural de nossos maiores, desceu mais fundo e lhe varreu do coração os generosos sentimentos de tolerancia, já não para com as doutrinas, mas para com as pessoas, que as adoptem o professem. E foi por isso que o sr. Pinheiro Chagas, mostrando os sentimentos que no peito abriga com relação á classe sacerdotal, offendeu na minha humilde pessoa, não só essa classe, mas o decoro do parlamento, quando retorquiu ao meu áparte de um modo leviano e inconveniente.
Nem ao menos se lembrou de que e apoiado por essa respeitabilissima classe, tanto lá fóra como n'esta casa, onde se encontra o meu particular amigo o sr. Santos Viegas, sacerdote illustrado e digno a todos os respeitos.
Este facto prova a leviandade e falta de juizo e tino politico com que s. exa. se senta naquellas cadeiras, onde infelizmente para todos se annulla e inutilisa uma das glorias da nossa litteratura actual contemporanea.
Eu tenho factos colhidos em fontes puras para justificar os meus ápartes, e para provar que não calumnio, nem faço injustiças, e ao sr. Pinheiro Chagas corre o dever de ou justificar e provar a verdade do que disse e deu a entender no seu motejo com relação á classe sacerdotal, e n'este caso o sr. Santos Viegas e a classe sacerdotal em geral que lhe agradeça e registe o facto, e os bispos, como representantes do clero, que accudam á camara alta a votar moções de confiança para desaggravo do nós todos, ou não o fazendo corre o grave risco de passar por inconveniente e leviano, o que se não compadece muito com a gravidade das cadeiras do poder, que hoje se converteram do simples jangadas em fauteills de fino estofo, depois que o sr. Chagas n'ellas tomou assento. A mim é que s. exa. me não póde chamar com vantagem para o mesmo campo, pedindo-me a justificação de minhas interrupções.
O sr. Santos Viegas: - Peco a palavra.
O Orador: - Ha para mim um argumento capital contra o sr. ministro da marinha, e que póde resumir todas as considerações. Ou s. exa. sincera e convictamente verberava e stigmatisava com a sua eloquencia esmagadora as enxurradas das podridões pestilentas que escorrem das cumiadas do poder e indo atolar-se n'esse lamaçal de vicios e devassidões politicas ficou sujeito a uma prova bem triste, e a um conceito muito desfavoravel, ou não era sincero e convicto quando fustigava desabridamente esses erros, e em tal caso fazia-o por calculo, mentindo e calumniando,

Página 611

SESSÃO DE 5 DE MARÇO DE 1885 611

para se introduzir no seio das taes Messalinas e fazer parte de um gabinete, cuja politica classificou com o epitheto, que no meu áparte lhe lembrei, e ainda n'esta hypothese não merece a confiança do paiz, e é indigno de continuar nos conselhos da corôa.
Este dilema é fatal.
E já não sei onde param os falsos prophetas, os impenitentes, os renegados e perjuros, não vejo o que é feito d'esses que desacatavam a lei para a converter de Lucrecia em Messalina.
O que vejo é um transfuga no campo da politica e que não póde escapar pelos desfiladeiros do raciocinio, porque o argumento é de tal fórma cerrado e concludente que não deixa porta para sophismas, nem brecha para tergiversações.
Sr. presidente, o sr. Pinheiro Chagas representa no poder a synthese das contradicções mais pasmosas e mais revoltantes! Na opposição mostrava a fortaleza da Lucrecia, no poder ostenta o impudor e a audacia de Catilina; na opposição offerecia a formosura de Helena, mas no poder sustenta as negruras e as facilidades de Cieo... não o digo... N'estas cadeiras era o valeroso Graccho, onde se espelhavam as virtudes civicas da varonil Cornelia; n'aquellas é o foco, onde se concentram as evoluções politicas de Marco Antonio; na opposição era a heroina Judith, que arriscava a vida pela salvação da patria, decepando a cabeça de Holofernes, no poder assemelha-se áquella Celeno, que com suas consocias infestava o banquete de Encas. (Riso.)
S. exa. n'este logar fazia lembrar com seus discursos a heroica e sublime Debora, que sentada á sombra das palmeiras do monte Ephraim, excitava os seus concidadãos a combater pela patria a lucta valorosa e aguerridamente pela liberdade e pela independencia; no poder faz lembrar o renegado Eschines, que punha a sua eloquencia ao serviço de uma causa ruim e desgraçada.
Ah! quantum mutatus ab illo, e quanto s. exa. obriga e recorda o dito do classico, estava tão demudada e tão outra a formosa Helena! (Riso.) Sr. presidente, seria longa a serie de considerações, que podia fazer para mostrar as surprehendentes contradicções com que o sr. Pinheiro Chagas provoca as nossas interrupções, mas não o quero fazer, nem devo continuar.
Apenas lembrarei que é tal o conceito politico que o sr. ministro merece a todos que quando na sessão de 25 a que me referi, s. exa. fazia a sua homilia a respeito de insinuações e invectivas, um phenomeno importante se operou em muitos espiritos.
Todos viram n'aquelle discurso não uma oração pro Milone, mas a catechese pro domo sua, suppondo-se que estava preparando o terreno para premeditar a nova deserção politica. (Riso.)
Sr. presidente, levantei a phrase com que o sr. Pinheiro Chagas retorquiu, porque ella não me feria só a mim; se tocasse sómente a insignificancia da minha personalidade podia deixal-a passar silencioso e envolvido na pequena parcella do meu nada, da minha obscuridade; mas melindrava uma classe a que pertenço e que muito respeito pelo seu caracter e pelos serviços por ella prestados em todos os tempos á civiiisação e ao progresso, é religiso e é moral, e s. exa. sabe, porque é muito lido na historia, que a classe a que tenho muita honra de pertencer e de que sou o mais indigno e insignificante membro, é a que mais e melhores serviços tem prestado á humanidade e á evolução sociologica.
Cumpri um rigoroso dever a que não podia de fórma alguma faltar. (Apoiados.)
Peço desculpa á camara de lhe ter tomado estes poucos momentos, e determinadamente ao sr. Pinheiro Chagas se porventura o melindrei pessoalmente e como homem particular; não era essa a minha intenção. Unicamente levantei a phrase, como me cumpria; justifiquei a minha interrupção com alguns factos da sua vida publica, e se s. exa. quizer, ainda cá tenho mais o melhor para poder continuar. (Riso.)
Não fui eu o culpado de alguns periodos incisivos; as interrupções e exasperes da maioria é que me impelliram para esse terreno, indignando-se contra a dureza e inconveniencia de phrases que erradamente suppunha serem producto da minha elaboração.
Foram estes incidentes a causa do desalinho das idéas e cortado do discurso; acudi aonde me chamavam. Esforcei-me por desaffrontar a minha classe, e tambem desejei mostrar e dar a entender que quando me dirijo em áparte interrompendo algum orador, tenho rasão para o fazer; é que atraz da interrupção está alguma cousa, que a escuda, sustenta e justifica. (Apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado por alguns srs. deputados.)
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Duas palavras apenas, muito breves e muito rapidas, para responder á parte que é respondivel de discurso do sr. deputado Luiz José Dias. (Apoiados.)
O illustre deputado disse, no fim do sou discurso, com a hombridade que o honra, que pedia desculpa á camara e a mim de qualquer cousa que julgasse haver do offensivo n'esse seu discurso.
Acceito a desculpa de s. exa. porque realmente se não a desse eu teria a estranhar que s. exa. apresentasse um tão singular exemplo da magestade e do decoro que se devo guardar a uma assembleia parlamentar, que não impõe mais deveres aos ministros do que aos deputados; porque eu não conheço magestade superior á do homem que representa o seu paiz. (Apoiados.)
O homem que se senta na cadeira de deputado tem tanta obrigação de ser elevado e digno, como o que se senta na cadeira de ministro. (Apoiados.)
Se no dia em que eu respondi ao áparte de s. exa. o illustre deputado se tivesse levantado para dizer o que disse agora, oito ou dez dias depois, ter-lhe-ia dito que não havia no meu espirito a mais leve intenção de offender a s. exa., nem a classe a que pertence.
Eu estranho que s. exa. tendo occasião e ensejo de pedir a palavra para que eu explicasse a phrase que tinha soltado, o não aproveitasse então, e estivesse oito ou dez dias a resolver no seu espirito assumptos mythologicos para proferir aqui um discurso que não é proprio d'este logar. (Apoiados.)
Ha muito tempo que sou parlamentar e estou acostumado a este combates da palavra. Nada mais facil do que escapar no calor do debate uma palavra que esteja longe de exprimir o nosso pensamento. Mas todo aquelle que preza e respeita o seu logar, a sua propria dignidade e a dignidade parlamentar, dá immediatamente franca e desassombradamente todas as explicações á camara, para mostrar que essa palavra que lhe saiu dos labios foi apenas filha do ardor do debate. (Muitos apoiados.)
Devo confessar que até agora não tenho estudado os seus ápartes conceituosos e criticas; mas d'aqui por diante passo a estudal-os com mais esmero. Será bom que s. exa. n'esses ápartes tenha a prudencia habitual para não suscitar respostas que podem occorrer facilmente aos labios.
Tambem o illustre deputado, que é progressista, deve ter cautela quando falla em contradicções, quando estranha que eu esteja sentado ao lado do partido regenerador que combati franca, desassombrada e lealmente sem nunca macular nem por um instante a honra d'esse partido (Muitos apoiados.)
Desafio o illustre deputado a que me cite uma palavra em que eu atacasse a honra de alguem. (Apoiados.) Desafio-o a que m'a cite, a mim que me accusa de estar ao lado do partida regenerador, esquecendo-se de que o seu partido

Página 612

612 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tambem estava sentado ao lado d'elle, cabendo-lhe por consequencia a responsabilidade de muitos dos seus actos.
O illustre deputado sabe perfeitamente que eu não lanço esta accusação ao partido progressista, nem podia lançal-a, porque todos sabem que n'estas luctas ardentes da politica contemporanea os combates e as allianças succedem se a cada instante.
Mas s. exa. deve lembrar-se que foi necessario o baptismo da Granja para ligar partidos que se tinham degladiado ferozmente, e que se sentam ao lado uns dos outros honrosa e honradamente aquelles que se tinham dilacerado com as palavras mais violentas.
Eu podia lembrar ao illustre deputado que ainda ha dois dias... mas não quero lembrar cousa alguma, porque se me atropelam nos labios as palavras para lhe responder e não quero trazer no ardor do debate palavras que não sejam proprias d'este logar.
O illustre deputado teve aberto diante de si o debate sobre a resposta ao discurso da corôa, brevemente terá abertos outros debates, e ha de me encontrar sempre prompto para responder; mas tome cautela, porque as represalias podem ser sanguinolentas, e eu posso-lhe fazer notar a audacia com que vem accusar hoje o que achava bom na vespera.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Mendes Pedroso: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Benavente, em que se pede o augmento de direitos sobre o trigo exportado do estrangeiro, e que a proposta n.º 1-E sobre as escolas praticas de agricultura seja approvada, tendo em harmonia o que foi pedido nas representações sobre este assumpto, enviadas a esta camara pela associação agricola do districto de Santarem.
E peço a v. exa. que consulte a camara para que permitia que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Sr. presidente, acabo de saber que o conselho escolar do instituto agricola deu parecer favoravel ao projecto n.º 1-E, com algumas modificações, sendo uma a ellas que em cada districto onde ha quinta districtal se estabeleça uma distas escolas, o que, com menos despendio, se installará ali.
Congratulo-me com estes pensamentos, tanto mais que quando terça feira fallei sobre este assumpto declarei que desejava que estas escolas se multiplicassem para assim poder generalisar-se o seu benefico influxo.
Resolveu-se que a representaçao fosse ingressa no Diãrio do governo.
O sr. Tito de Carvalho: - Mando para a mesa uma proposta para que seja aggregado á commissão de negocios externos o sr. Luciano Cordeiro.
É a seguinte:

Proposta

Por parte da commissão de negocios externos, proponho que lhe seja aggregado o sr. deputado Luciano Cordeiro. = Tito de Carvalho.
Foi approvado.

O sr. Sousa e Silva: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho da villa da Ribeira Grande, districto de Ponta Delgada, pedindo que por meio de uma lei se declare a população de cada um dos concelhos do districto para base da divisão das quotas do imposto a que se refere o artigo 126.º do codigo administrativo.
Peço que vá á commissão competente, e requeiro que v. exa. consulte a camara sobre se permitte que seja publicada no Diario do governo.
Mandou-se publicar.
O sr. Sebastião Centeno: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que, dispensando-se o regimento, entre já em discussão o projecto n.º 16.
O sr. Elvino de Brito: - Peço a palavra sobre o modo de propor.
O sr. Presidente: - Não decorreram ainda as quarenta e oito horas do regimento, mas o sr. Centeno requer a dispensa do regimento para o projecto n.º 16 entrar já em discussão.
Como, porem, pediu a palavra o sr. Elvino de Brito sobre o modo de propor, dou-lhe a palavra.
O sr. Elvino de Brito (nobre o modo de propor): - Trata-se da discussão de um projecto que, se em si não contem medidas muito radicaes, envolve comtudo questões de principios que extremam escolas.
N'estas condições, não se tendo seguido as prescripções do regimento; não tendo eu tido tempo de pôr em ordem os meus apontamentos, que alias tenho já colligido; estando completamente desprevenido, porque nunca me passou pela idéa que projectos d'esta ordem fossem postos á discussão, sem serem dados previamente para ordem do dia, apenas me limito a deixar á consciencia da camara e do governo o tomarem a deliberação que julgarem conveniente, devendo comtudo desde já declarar que entrarei no debate se a camara entender que se deve ainda hoje discutir o projecto.
O sr. Presidente: - Lembro ao sr. deputado que pediu a palavra sobre o modo de propor.
O Orador: - Eu pedia que o projecto fosse adiado pelo tempo preciso para decorrerem as quarenta e oito horas marcadas no regimento...
O sr. Barbosa Centeno: - Eu não comprehendo a contradição do sr. Elvino de Brito.
S. exa. começou por dizer que não tem tempo para colligir os documentos e apontamentos de que carecia para discutir este projecto, e terminou dizendo que, se a camara decidir que se discuta o projecto, elle sem esses documentos e sem esses estudos vae entrar n'esta discussão.
Uma de duas: ou s. exa. está habilitado a entrar na discussão do projecto e n'este caso não o prejudicou o meu requerimento; ou s. exa. não está habilitado e n'este caso não comprehendo como quer o adiamento.
Se eu não tivesse outro argumento para sustentar o meu requerimento, e a necessidade de se discutir desde já o projecto, bastavam as declarações do illustre deputado para o fazer.
Este projecto é conhecido e já foi discutido na sessão legislativa passada e a camara tem d'elle o mais completo conhecimento.
De mais a mais s. exa. disse que era uma questão de principios; mas os principies estão na mente de todos e não carecem de ser explicados.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Pedi a palavra para me associar ao sr. Elvino de Brito no seu pedido de que não se entrasse já na discussão d'este projecto porque se refere a um assumpto importante. (Apoiados.)
É notavel que, sendo a camara tão morosa no que diz respeito ás questões de ordem politica que se passam sessões sobre sessões tratando de questões insignificantes; é notavel digo a morosidade da camara n'estas questões comparada com a pressa em querer discutir um projecto importante sem que os deputados estejam preparados com antecipação a fim de virem habilitados a discutir e a votar.
Eu não quero que se adie indefinidamente a discussão d'este projecto, mas desejo que se adie o tempo necessario para que estudemos o assumpto a que elle se refere, (Apoiados.) mas confesso a v. exa. que hontem, pelas nove horas da noite, recebi um projecto sem indicação de que era urgente, envolvido n'outros documentos para mais tardio exame.
Hoje, quando cheguei á camara, disseram-me que provavelmente o projecto sobre a cabotagem ia entrar em discussão.
Fiquei surprehendido.

Página 613

SESSÃO DE 5 DE MARÇO DE 1886 613

Procurei ler o projecto á pressa e declaro que ainda não tive tempo de o ler todo.
Se a camara entende que póde discutir este projecto sem a opinião conscienciosa de qualquer deputado faca o que quizer; mas eu entendo que é do seu interesse que n'uma questão que não é politica, mas puramente economica e administrativa, venham aqui todos com a sua opinião já feita, (Apoiados.) que venham aqui, não declamar, mas apresentar o resultado dos seus estudos e os seus principios. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Peço aos srs. deputados que occupem os seus logares para se votar o requerimento do sr. Barbosa Centeno.
Foi approvado.
Entrou em seguida o projecto em discussão.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º 46

Senhores. - Á vossa commissão do ultramar foi presente a proposta do governo n.º 4-D, no sentido de ser permittida a navegação de cabotagem por navios estrangeiros entre os portos do continente do reino e ilhas adjacentes e os portos de Moçambique, India, Macau e Timor.
Considerando que a navegação existente entre os referidos portos e a metropole quasi se póde considerar nulla, por isso que, actualmente, apenas um navio faz viagens entre Lisboa e Goa;
Considerando que, por esta rasão, e porque não tendo as praças de Goa, Moçambique, Macau e Timor navios destinados a viagens de longo curso, a proposta de que se trata não vae ferir interesses que, pela sua importancia, cumprisse salvaguardar:
É de parecer a vossa commissão do ultramar que convirá converter em lei o seguinte projecto de lei;

Artigo 1.º E permittido a todas as embarcações estrangeiras o commercio de cabotagem entre as provincias portuguezas ultramarinas a leste do cabo da Boa Esperança, isto é, Moçambique, India, Macau e Timor e os portos portuguezes do continente europeu e ilhas adjacentes, applicando-se as ditas embarcações estrangeiras os preceitos estabelecidos ou a estabelecer para as embarcações nacionaes, sendo por esta fórma alterado o artigo 1315.º do codigo commercial.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 12 de fevereiro de 1885. = A. C. Ferreira de Mesquita = Joaquim José Coelho de Carvalho = Pedro Guilherme dos Santos Diniz = Henrique da Cunha Mattos de Mendia = Tito Augusto de Carvalho = Antonio Joaquim da Fonseca = S. R. Barbosa Centeno = João Eduardo Scarnichia, relator.

Na parte em que é chamada a dar o seu parecer, a commissão de fazenda concorda com a illustre commissão do ultramar.
Sala da commissão, em 2 de março de 1885. = José Dias Ferreira = Manuel d'Assumpção = Filippe de Carvalho = Marçal Pacheco = Pedro de Carvalho = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Moraes Carvalho = Adolpho Pimentel = Augusto Poppe = A. C. Ferreira de Mesquita = José Maria dos Santos = P. Roberto Dias da Silva = Antonio M. P. Carrilho.

Proposta de lei n.º 4-D

Senhores. - Tem sempre manifestado o nosso paiz, na sua política ultramarina, uma tendencia notavel para seguir um caminho de liberdade, em que tem muitas vezes precedido os outros povos. Se caimos, como todos os outros povos europeus, nos erros do systema colonial, se tambem julgamos por muito tempo que as colonias eram umas herdades, que deviam ser exploradas pela metropole, não fomos dos mais remissos em quebrar com essas tradições, e em abrir os olhos á luz das novas idéas liberaes. Houve causas sagradas, como foi a da abolição da escravatura, em que não hesitamos um momento em sacrificar importantissimos interesses creados á victoria d'esse nobilissimo principio. Em outras questões caminhamos mais pausada e prudentemente, sem nos expormos a aniquilar de sabito industrias estabelecidas, e a passarmos sem transição de um regimen de protecçao para um regimen de absoluta liberdade. E esse o caminho que têem seguido as outras potencias coloniaes, e o que não podiamos tambem deixar de seguir.
A liberdade de navegação entre as colonias e os paizes estrangeiros foi o primeiro fructo immediato da extincção do systema colonial. Conservou-se, porem, por largos annos para os navios nacionaes o privilegio de cabotagem, mas esse mesmo já soffreu nos ultimos annos largos e profundos golpes. Em 1877 estabeleceu-se a liberdade de bandeira para o commercio de cabotagem entre os diversos portos da provincia de Moçambique, em 1880 o mesmo se decretou para os portos da provincia de Macau e Timor. Subsiste comtudo o privilegio da grande cabotagem, conservam os navios nacionaes o monopolio da navegação entre as colonias e a metropole. O anno passado teve o governo a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação uma proposta de lei para extinguir o privilegio de grande cabotagem entre a metropole e as provincias portuguezas da Asia. Essa proposta foi convertida pela vossa commissão em projecto de lei. Não houve porem tempo de ser discutido e approvado.
Os motivos que me levaram a dar esse primeiro passo para a extincção do monopolio de grande cabotagem eram a convicção que penetrava no meu espirito de que assim contribuiria para estabelecer entre as colonias asiaticas o a metropole communicações que hoje completamente escasseiam, e o facto provadissimo de que tem sido até hoje nulla ou quasi nulla a navegação nacional para essas remotas paragens.
Pensando em renovar este anno a iniciativa desta proposta de lei, entendeu o governo que podia, sem inconveniente, ampliar essa liberdade, estendendo-a tambem aos portos da nossa Africa oriental. O privilegio concedido pela lei não tem conseguido desenvolver e estimular a navegação nacional.
Os portos de Moçambique estão ermos constantemente de navios portuguezes. Não succede o mesmo na Africa occidental, cujos portos são demandados por bastantes navios em que tremula a bandeira portugueza. Na Africa oriental a hypothese é differente. A nossa legislação, impedindo os navios estrangeiros de estabelecerem communicações directas entre Moçambique e Lisboa, não conseguiu, comtudo, crear carreiras portuguezas. Para que havemos, pois, de manter um regimen prejudicial para a colonia, e que em nada aproveita a metropole, onde essa legislação prohibitiva não conseguiu crear uma industria que tinha por fim animar e fomentar? Não temos que attender a considerações de prudencia, e podemos entrar franca e ousadamente, com relação a esta parte do nosso dominio ultramarino, n'esse caminho liberal, que as tendencias do nosso espirito nos levam sempre a seguir.
Tenho a honra, por conseguinte, de submetter á vossa esclarecida apreciação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º É permittido a todas as embarcações estrangeiras o commercio de cabotagem entre as provincias portuguezas ultramarinas a leste do Cabo da Boa Esperança, isto é, Moçambique, India, Macau e Timor, e os portos portuguezes do continente europeu e ilhas adjacentes, applicando-se ás ditas embarcações estrangeiras os preceitos estabelecidos ou a estabelecer para as embarcações nacionaes, sendo por esta fórma alterado o artigo 1:315.º do codigo commercial.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Página 614

614 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 14 de janeiro de 1885. = Manuel Pinheiro Chagas.

O sr. Frederico Laranjo: - Declaro a v. exa. e á camara que não estou habilitado a entrar na discussão d'este projecto por um motivo muito simples, e é porque só agora mo foi distribuido e nem sequer tive tempo para o ler.
E é completamente estranho que n'uma camara, antes da ordem do dia, e quando está dado para discussão um projecto, se apresente de uma maneira subrepticia outro e se diga «discuta-se».
Como? Nem sequer tivemos tempo para o ler.
O sr. Barbosa Centeno: - Subrepticiamente, não.
O Orador: - Se s. exa. quer que retire essa palavra, substitua por outra qualquer que seja mais agradavel aos seus ouvidos ou aos ouvidos da camara; póde s. exa., se esse adverbio lhe soa mal, trocal-o por outro que lhe pareça melhor; o que disse, e repito, é que este procedimento é completamente fóra do regimento e fóra de todas as praxes parlamentares. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Peço licença ao illustre deputado para o interromper e observar-lhe que a camara, por uma votação, dispensou o regimento. (Apoiados.)
O Orador: - É verdade que a camara, por uma votação, dispensou o regimento, mas tambem me é permittido dizer quaes as rasões pelas quaes a opposição protesta contra essa votação da camara. (Apoiados.)
Por esta fórma por que a camara quer discutir o projecto, podem s. exas. discutir e votar tudo quanto quizerem em um dia e mandar-nos embora no dia seguinte; (Apoiados.) mas para a seriedade dos debates, para a legalidade e legitimidade dos documentos que daqui sairem, parece-me que é indispensavel tambem que não nos costumemos a pedir assim dispensa do regimento, e que todos os projectos que venham á discussão estejam antecipadamente marcados na tabella, da ordem do dia.
N'esta sessão legislativa, sr. presidente têem-se dado factos, que em sessão nenhuma, d'aquellas a que tenho assistido, tenho presenciado; passam-se dias e dias sem que haja sessão; passam se dias e dias som que se entre na ordem do dia, o que parece dar a entender que ha pouco que fazer e que discutir, e de repente, e em seguida a um incidente que devia ter a sua continuação natural, apresenta-se á discussão um projecto, que a muitos srs. deputados foi agora mesmo distribuido.
Diz o projecto.
(Leu.)
A rasão apresentada no relatorio da proposta e as rasões apresentadas no relatorio do projecto parecem-me pouco sufficientes para levarem ao convencimento de que por esse motivo se deva ir abolir um artigo do codigo commercial, que tem por fim proteger a nossa marinha; mas sufficiente ou demasiado que tudo isto fosse para determinar a nossa convicção, eu diria o que estou dizendo, porque mo parece completamente improprio estarmos a discutir projectos por está fórma.
Foi para me manifestar contra este modo de discutir projectos, que eu receio que se torne uso, que eu pedi a palavra; consignei assim o meu protesto.
Tenho dito.
O sr. Sousa Machado: - Pedi a palavra para declarar que, concordando com o pensamento geral do projecto em discussão, pretendo comtudo saber se o nobre ministro da marinha e ultramar tem alguma duvida de admittir a revogação completa do artigo 1315.º do codigo commercial, ou se pelo menos concorda em que o principio da abolição do privilegio de cabotagem, que pelo projecto é estabelecido para as provincias ultramarinas a leste do cabo da Boa Esperança, se torne extensivo ás provincias da Africa occidental.
É de todos conhecida a decadencia da marinha mercante portugueza, e dos inqueritos a que se mandou proceder não se deprehende claramente que haja uma convicção determinada nem fundamentos solidos de a poder regenerar
com vantagem.
A navegação com bandeira portugueza está quasi extincta, e a maior parte da que existe dirige-se para o Brazil e America do norte, isto é, para os paizes onde não gosa do privilegio de cabotagem.
Já se vê, pois, que a disposição do artigo 1315.º do codigo commercial não evitou a ruina da marinha mercante, mas tem servido para elevar os fretes para as provincias do ultramar, obstar ao augmento das suas operações mercantis, e consequentemente das receitas das suas alfandegas.
Para se avaliar o prejuizo enorme que está soffrendo o commercio com o privilegio de cabotagem, indicarei os fretes que se pagam pelas cargas destinadas á provincia de Cabo Verde, podendo por essas calcular-se o que succederá ás destinadas ás demais provincias.
Por cada metro cubico de carga paga-se de frete para Cabo Verde 10$800 réis, sendo o embarque feito nos vapores da empreza de Africa, que é privilegiada, e 6$500 réis em navios de véla.
Ultimamente diversos negociantes da praça de Lisboa, mais relacionados com a praça de Cabo Verde, entenderam ser do seu interesse estabelecer uma linha directa de vapores para algumas ilhas d'aquelle archipelago, annunciando desde logo que os fretes seriam iguaes aos exigidos para os navios de véla.
A empreza de Africa tambem estabeleceu logo nina linha directa com igual destino, sendo os fretes ainda mais reduzidos.
Deprehende-se, pois, do que acabo de expor que pesadissimos são os fretes para as provincias ultramarinas, e que com o principio de liberdade se poderá dar ao commercio elevadas vantagens, e ás industrias nacionaes muitos meios de concorrer com a estrangeira.
Se avaliarmos o frete que se pagaria nos vapores estrangeiros que fazem escala pela ilha de S. Vicente, pelo que exigem os agentes d'elles para Pernambuco, que é o duplo da distancia, veriamos que teriamos de pagar por cada metro cubico a quantia de 4$000 réis, guardada a devida proporção, se não existisse o artigo 1315.º
D'onde se infere que só a abolição do privilegio da cabotagem daria como resultado um grande desenvolvimento ás relações mercantis, crescimento das receitas publicas no ultramar, contribuindo talvez para a extincção do deficit dos seus orçamentos.
É possivel que o nobre ministro da marinha e ultramar não queira desprender-se de muitas e ás vezes injustificadas attenções havidas para com alguns negociantes da praça de Lisboa que mais influencia exercem na sua classe, para adoptar as medidas mais exigidas pelo publico, tanto do reino como do ultramar, em favor dos legitimos interesses do commercio e dos consumidores; porem eu não duvidaria votar qualquer somma rasoavel, embora não haja direito de exigil-a, que por equidade se julgasse dever dar ás companhias, para libertarmos a navegação para as provincias ultramarinas, e para os Açores e Madeira, de modo a baratear os fretes que oneram os productos agricolas e o commercio d'aquellas provincias.
N'estas condições poder-se-ia votar uma medida radical, mas em harmonia com os interesses dos consumidores e da maioria dos habitantes, que estão pagando sommas fabulosas em proveito do poucos, sem proteger nenhuma industria.
Tenho dito.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Tenho simplesmente a declarar ao illustre deputado, o sr. Sousa Machado, quo, achando muitissimo justa e muitissimo sensata a idéa apresentada por s. exa., ella me parece, comtudo, um pouco prematura.

Página 615

SESSÃO DE 5 DE MARÇO DE 1885 615

S. exa. sabe perfeitamente que n'este caminho da liberdade commercial em relação ás colonias temos andado passo a passo, e por isso mesmo talvez de um modo mais seguro e mais solido.
Se tentassemos dar de uma vez só todos os passos que de futuro se hão de dar para chegarmos á realisação da liberdade commercial, parece-me que encontrariamos graves difficuldades e que iriamos prejudicar interesses creados á sombra da legislação actual, interesses respeitabilissimos e que cumpro ainda favorecer.
O illustre deputado sabe muito bem que desde a lei de 1877, que permittiu a cabotagem estrangeira com relação á provincia de Moçambique, até a lei de 1880 que a auctorisou em relação ás provincias de Macau e Timor, e até á lei de 1881, que alargou ainda esse principio, todos os ministros dos differentes partidos se têem empenhado em fazer caminhar as nossas colonias pouco a pouco no sentido da liberdade commercial, que estou convencido de que ha de desenvolvel-as e fazel-as prosperar.
Acabar desde já com o privilegio da cabotagem para os portos da Africa occidental, onde se não dão as mesmas circumstaucias que o relatorio do projecto indica em relação a Moçambique e outros pontos, onde ha já uma navegação muito mais importante do que a que existe para os portos a leste do cabo da Boa Esperança, e ovule, como s exa. acaba de dizer, já essa navegação é bastante para que entre ella se tenha estabelecido uma concorrencia proveitosa aos interesses das colonias, parece-me realmente que seria prematuro.
Apresentar um projecto de lei que, pela sua demasiada amplitude, podesse matar interesses creados e perfeitamente legitimos, interesses que, por um systema de protecção moderado, cumpre ao governo favorecer por ora, seria prejudicar sensivelmente a idéa que o illustre deputado tem em vista.
Julgo portanto prematura a proposta apresentada por s. exa.
Se a camara se limitar á proposta que tive a honra de apresentar, e que a commissão achou digna de ser convertida em projecto de lei, já dará um psaao importante no sentido que o illustre deputado deseja, e dará ás colonias um beneficio que ellas reclamam urgentemente, beneficio que em nada prejudica os que de futuro mais larga e amplamente se lhes possam dar no ponto de vista que s. exa. encarou esta questão, ponto de vista que é tambem o meu pensamento e a minha convicção.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Sousa Machado: - Julgo que não fallei em libardade commercial, mas sim em liberdade de cabotagem.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Eu queria dizer, liberdade de cabotagem. Se disse liberdade commercial, foi equivoco. É uma simples questão de palavras.
O Orador: - Eu refiro-me á liberdade de cabotagem que favorece tanto aquelles que pugnam pelos principios de liberdade commercial, como aquelles que se empenham pelo das restricções.
A liberdade de cabotagem favorece a todos, e sobretudo a industria nacional.
Não receio que a liberdade de navegação prejudique a marinha mercante portugueza, porque as vantagens resultantes da approximação em que estamos das nossas colonias, as da legislação, lingua, e as immensas protecções existentes collecam a marinha mercante em situação de nada soffrer com a concorrencia estrangeira.
Existe um imposto pesadissimo sobre a navegação, e que é indispensavel modificar, qual é o de tonelagem.
Foi este imposto estabelecido pelo meu respeitavel amigo o sr. visconde de S. Januario, no intuito de augmentar as receitas publicas, mas desde logo o julguei pesado, e a pratica está demonstrando, porque os navios que aportam a Cabo Verde se esquivam, por todos os modos, a exercer a minima operação commercial com receio do pagamento do referido imposto, quando a sua chegada ali é sómente por escala e não com o fim único e exclusivo do commercio.
A verdadeira protecção á navegação nacional consiste em a libertar de enormes despezas consulares quando se dirige a paizes estrangeiros onde exista consul portuguez, em procurar adquirir em boas condições madeiras para construcções navaes, em premiar os constructores naves, em dispensar de direitos todas as madeiras destinadas ás construcções, em educar os operarios, em libertar de impostos os que se dedicam e fazem profissão da vida do mar, e muitos outros que por agora não mencionarei.
Mas conservar na nossa legislação uma disposição que não favorece a marinha mercante, que prejudica a patria e traz pesadissimos encargos ás provincias ultramarinas é que não comprehendo.
O sr. Lopo Vaz (para um requerimento): - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permute que seja dado para ordem do dia de ámanhã o projecto tendente a renovar o praso para o registo dos fóros.
Foi approvado o requerimento.
O sr. Carrilho: - Trata-se simplesmente de uma questão de redacção.
Pelo projecto que e se discute é permittido o commercio de cabotagem entre as provincias ultramarinas a leste do cabo da Boa Esperança, Moçambique, Macau e Timor e os portos portuguezes do continente europeu.
Quer dizer que por este projecto vamos permittir o commercio de cabotagem ás embarcações estrangeiras em todos os portos de cada uma d'aquellas provincias mas quanto á metropole só em relação a um unico ponto.
Não queremos portanto conceder por fórma alguma o commercio de cabotagem ás embarcações estrangeiras na metropole e nas ilhas adjacentes.
Para que não possa haver duvidas a esse respeito, mando para a mesa a seguinte proposta.
(Leu.)
Aproveito esta occasião para mandar para a mesa uma proposta para ser sr. Luciano Cordeiro.
Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

§ unico. O commercio de cabotagem entre os portos da metropole e ilhas adjacentes com os portos portuguezes da Africa occidental, continuará reservado á bandeira nacional, nos termos da legislação vigente. = A. Carrilho.
Foi admittida á discussão.

Por parte da commissão de fazenda requeiro que seja aggregado á mesma commissão o sr. deputado Luciano Cordeiro. = A. Carrilho, secretario.
Foi approvada.
O sr. Pedro Diniz (por parte da commissão da marinha): - Mando tambem para a mesa um requerimento, para que pejam aggregados á commissão de marinha os srs. Henrique de Meadia e Luciano Cordeiro.
É a seguinte:

Proposta

Por parte da commissão de marinha requeiro que sejam aggregados á mesma commissão os srs. deputados Luciano Cordeiro o Henrique de Meadia. = Pedro Diniz.
Foi approvada.

O sr. Scarnichia (relator). - Por parte da commissão declaro que acceito a emenda mandada para a mesa pelo sr. Carrilho.
O sr. Elvino de Brito: - Pede desculpa á camara por não poder fazer um discurso inteiramente methodico e bem conceituado. Mal cuidára que o projecto entrasse assim, tão de repente, em discussão. Faria a historia de todas as tentativas que desde 30 de julho de 1877 se têem feito para

Página 616

616 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

demolir, ainda que em parcellas tenuissimas, o monopolio a que se refere o artigo 1315.º do codigo commercial, decretado em 18 de setembro de 1833, e para abrir o campo do commercio á livre concorrencia de todas as bandeiras.
Teria occasião, no fim do seu discurso, de emittir a sua opinião, franca e lealmente, sobre o assumpto que se debate, mas deseja em primeiro logar tornar bem patente a serie de acontecimentos que resultaram da promulgação do decreto de 18 de agosto de 1881, e as providencias que então, a instancias da associação commercial de Lisboa, se tomaram no sentido de inquerir sobre o estado da marinha mercante portugueza. O orador narra as peripecias que n'aquelle anno occorreram, as promessas feitas pelo actual presidente do conselho á associação commercial, e refere-se detidamente ás doutrinas expostas na representação que aquella corporação dirigiu ao governo em 27 de outubro de 1881. Commenta-as, discordando de muitas d'ellas, mas fazendo sempre justiça ás rectas intenções d'aquella illustre corporação e á sua dedicação pela causa colonial.
Não via ainda publicado o trabalho da commissão de inquerito, mas admira-se de que o governo, que já deve ter d'elle conhecimento, não tenha até este momento opinião segura sobre se valerá a pena auxiliar e levantar a maior grau a nossa marinha mercante, adiando para mais longo espaço a abolição do referido artigo do codigo com respeito ás nossas possessões da Africa occidental, ou sobre se convirá, acto continuo, abranger, na doutrina do projecto aquellas possessões. Desejava que o governo tivesse uma opinião segura, embora ella fosse por um adiamento mais ou menos espaçoso. Mas, do relatorio da commissão, não se deprehende qual seja o modo de ver do governo, antes parece que ha divergencia entre o modo de ver de hoje e o de agosto de 1881; e todavia, tanto o projecto que se discute, como o decreto de 1881, são actos do gabinete regenerador.
O orador fez ainda largas considerações sobre o assumpto e ficou com a palavra reservada.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o devolver.)
O sr. Presidente: - A ordem, do dia para ámanhã é, alem d'este projecto e do mais que estava dado, a discussão do projecto para o registo dos fóros.
Está levantada a sessão.
Eram quasi seis horas da tarde.

Redactor. = Rodrigues Cordeiro.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×