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856 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tica portugueza continua girando dentro da mesma orbita constitucional, ou antes fóra d'ella, porque fóra d'ella já se achava o governo quando falleceu aquelle eminente estadista, (Apoiados.) como ainda o está hoje, pela decretação d'este acto eminentemente attentatorio dos direitos d'esta camara. (Apoiados.)
O deputado não representa hoje o circulo, representa o paiz; diz isto clara e expressamente a lei. Desde o momento que os deputados não estão aqui para representarem apenas uma parcella do paiz, segue-se que todos nós representamos o circulo de Faro, como o paiz é representado tambem pelos deputados que foram eleitos por aquelle circulo.
Se o criterio apresentado pelo illustre orador o sr. Antonio Candido é pois menos verdadeiro, a que principio deverá a camara subordinar á sua decisão?
Conheço apenas um, que é recommendado pelos publicistas, e aconselhado pelo bom senso. A suspensão do deputado deve ser subordinada á natureza do crime por elle commettido.
Se a natureza do crime é infamante e ignominiosa, é claro que o seu auctor perdeu a auctoridade moral, e não póde por isso ter assento n'esta camara.
Por exemplo. Um deputado commette um crime de furto, ou roubo.
E não parece mal que eu traga este exemplo, porque não ha muitos annos, em França, um senador foi encontrado em uma casa de jogo em flagrante delicio de escroquerie, que não é mais do que um furto.
Aqui está um caso em que a camara deve immediatamente impor a suspensão ao deputado, porque elle se torna indigno de continuar a fazer parte d'ella.
Outras hypotheses se podem figurar, em que a natureza do crime obriga á suspensão do deputado.
Assim, o crime de rebellião, ou outros quaesquer da mesma natureza, que offendem as instituições, ou ameaçam a independencia e a segurança da nação.
O deputado n'este caso não poderia continuar a fazer parte de um parlamento, cuja auctoridade e existencia elle fora o primeiro a desconhecer e desacatar. (Apoiados.)
Parece-me ser este o criterio seguro, e se o illustre deputado que ha pouco me interrompeu, quizesse antes ouvir-me do que atacar-me, conheceria agora a sem rasão das suas palavras. (Apoiados.) Vejamos pois qual a natureza, do crime praticado pelo nosso collega Ferreira de Almeida.
É para classificar a natureza d'esse crime que eu chamo á autoria o sr. conselheiro Emygdio Navarro, e vou ler as suas opiniões sustentadas na imprensa pela fórma mais publica e solemne, para em seguida, eu e a camara, perguntarmos ao sr. ministro das obras publicas o que fez d'essas opiniões, quaes os motivos porque hoje as contraria tão abertamente.
Ha alguns annos, em 1874, se bem me recordo, um soldado assassinou barbara e traiçoeiramente um official do seu regimento, e, note bem a camara, em serviço de guarnição. Esse official tinha a patente de alferes e chamava-se Palma e Brito; o soldado chamava-se Antonio Coelho.
Em volta d'esse facto levantou-se como hoje, uma questão acalorada, uma polemica, por todos os factos, por todos os motivos, por todos os respeitos interessante, em que se envolveram todos os homens publicos, e em especial todos os membros do partido progressista.
Discutia-se se esse soldado devia ou não ser fuzilado; se o crime por elle commettido era ou não militar.
O sr. Emygdio Navarro não tinha ao tempo voz no parlamento, s. exa. era então jornalista, e n'essa qualidade sustentou, que aquelle crime não era um crime militar; mas não julgando bastante a affirmação das suas opiniões feita por meio da imprensa periodica, s. exa. publicou um folheto que tenho presente, em que se lê a seguinte dedicatoria - A meu filho Armando Navarro - lição de dever - e em cujo prologo, exordio, ou como melhor se deva chamar, fazia a declaração mais peremptoria, mais solemne, mais compromettedora para o seu futuro.
Essa declaração é a seguinte:
«Vincular o nome á responsabilidade da opinião; prender o presente ao futuro n'uma solidariedade de doutrina, que para o auctor d'este opusculo se prende já tambem ao passado, tal é o fim principal d'esta publicação. Não se dirá que no jornal subordina as suas opiniões a transitorios interesses de partido, em questões d'esta ordem absolutamente inattendiveis, quem no livro as professa como dogma de crença firmissima, ensinado pelo estudo do gabinete e pela observação reflectida dos factos.»
E mais adiante acrescentava:
«Nunca é inconveniente a discussão nos paizes, que se regem por instituições livres; e, n'esta conjunctura, é ella tanto mais necessaria, quanto mais imperativas se mostram mal disfarçadas manifestações, de militarismo.»
Como se vê, sr. presidente, s. exa. não fazia essa publicação pelo prurido de ser conhecido como progressista; já então s. exa. o era suficientemente; s. exa. não o fazia tambem por qualquer motivo de ordem secundaria, levado pela paixão de momento; s. exa. fazia-o unica e simplesmente movido pela necessidade de affirmar as suas opiniões, em ponto tão momentoso e tão importante; s. exa. fazia a publicação d'este folheto para vincular o seu nome, para prender o seu presente ao seu futuro n'essas mesmas opiniões. E quaes eram essas opiniões que o sr. Emygdio Navarro, hoje ministro das obras publicas, quiz então vincular bem publicamente, bem solemnemente, nitidamente, claramente, como é costume de s. exa., quando escreve ou quando falla?
Vejamos. A paginas 13 do folheto, a que me refiro, formulou o sr. Navarro a seguinte pergunta:
«O assassinato praticado por um soldado na pessoa de um seu superior, e em serviço de guarnição, deve ser considerado crime commum ou exclusivamente militar?
«Eis o ponto principal a examinar.»
E depois dava esta resposta, que me parece que não póde ser mais terminante, mais clara nem mais precisa. Isto depois de ter analysado os artigos l5.° e 16.° do codigo penal de então que são ipsis verbis os artigos l5.° e 16.° do codigo penal actual. Eis a resposta:
«Por onde claramente se vê, que os crimes exclusivamente militares são só aquelles, que, sendo considerados como transgressões da disciplina, não se referem todavia a actos qualificados como crimes pelo codigo penal, pertencendo a estes a designação de crimes communs, cuja punição é regulada pelo § unico do artigo 16.° do mesmo codigo.»
Quer dizer, para s. exa. são só crimes militares, aquelles que não são classificados como crimes communs no codigo penal. Ora pergunto eu; o facto que hoje nos occupa, o crime por virtude do qual a camara quer suspender o sr. Ferreira de Almeida é da natureza d'aquelles que não são classificados no codigo penal como crimes communs?
Ha mais do que um jurisconsulto distincto n'esta casa, ha advogados eruditos, que conhecem melhor do que eu a legislação do paiz; elles que digam se no artigo 183.° do codigo penal se pune ou não a offensa corporal praticada contra um ministro, com a pena de até um anno de prisão correccional. (Apoiados.)
Torno agora pois a perguntar ao sr. Emygdio Navarro quaes foram as rasões, quaes foram os motivos porque nos conselhos da corôa, tratando-se do procedimento a adoptar para com o sr. Ferreira de Almeida, s. exa. não recordou aos seus collegas do gabinete que tinha a sua opinião completamente compromettida no sentido de que tal crime era um crime commum, e não um crime militar? Porque não lhes declarou que n'estas circumstancias não podia auctorisar a prisão illegal e arbitraria do sr. Ferreira de Almeida? (Muitos apoiados.)