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SESSÃO DE 28 DE MAIO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.:
Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Dá-se conhecimento de um officio do ministerio do reino, acompanhando uns documentos requeridos polo sr. Julio de Vilhena. - Requerimento de interesse publico apresentado pelo sr. deputado Consiglieri Pedroso. - Requerimento de interesse particular mandado para a mesa pelo sr. Matheus de Azevedo. - Justificações de faltas dos srs. Urbano de Castro e Victor dos Santos.
Na ordem do dia continua em discussão o parecer da commissão de legislação criminal, relativo ao processo do sr. deputado Ferreira de Almeida. - Usa largamente da palavra o sr. Franco Castello Branco, sustentando uma moção de ordem e combatendo o parecer. Responde-lhe o sr. Eduardo José Coelho, que apresenta tambem uma moção. - A requerimento do sr. Antonio Maria de Carvalho, approvado em votação nominal, resolve-se prorogar a sessão até se votar o parecer. - O sr. Marianno Prezado manda para a mesa um parecer da commissão de fazenda. - O sr. Consiglieri Pedroso toma parte no debate, impugnando o parecer relativo ao sr. Ferreira de Almeida, sustentando uma moção de ordem e respondendo ao sr. Eduardo Coelho. - A requerimento do sr. Francisco Matoso julga-se a materia discutida. - O sr. Arroyo requer e a camara approva, que a votação sobre a primeira conclusão do parecer seja feita por escrutinio secreto. - Os srs. Dias Ferreira e Ruivo Godinho mandam para a mesa as moções que apresentariam se lhes tivesse chegado a palavra. - Retiram as suas moções os srs. Lopo Vaz, Franco Castello Branco, Eduardo José Coelho e Consiglieri Pedroso. - É approvado o parecer da commissão, sendo a primeira parte, em escrutinio secreto, por 75 espheras brancas contra 42 pretas, e a segunda parte pela fórma ordinaria. - Consideram-se prejudicadas as substituições. - Usa da palavra para explicações, sobre assumpto diverso, o sr. Serpa Pinto. Responde-lhe, quanto a uma referencia, o sr. Lobo d'Avila.

Abertura da sessão. - Ás duas horas e vinte minutos da tarde

Presentes á chamada 61 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Oliveira Pacheco, Antonio da Fonseca, Gomes Neto, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Simões dos Reis, Augusto Pimentel, Miranda Montenegro, Victor dos Santos, Bernardo Machado, Eduardo José Coelho, Emygdio Julio Navarro, Firmino Lopes, Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Candido da Silva, Franco de Castello Branco, Izidro dos Reis, João Arroyo, Rodrigues dos Santos, Correia Leal, Oliveira Valle, Barbosa Collen, José Castello Branco, Pereira e Matos, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, José de Napoles, Alpoim, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Pinto de Mascarenhas, Santos Moreira, Santos Reis, Julio Graça, Julio Pires, Vieira Lisboa, Bandeira Coelho, Manuel d'Assumpção, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Marianno de Carvalho, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas, Pedro Victor, Dantas Baracho, Vicente Monteiro, Estrella Braga, Visconde de Monsaraz e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Antonio Candido, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Fontes Ganhado, Pereira Carrilho, Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Goes Pinto, Madeira Pinto, Feliciano Teixeira, Matoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Matoso, Francisco Ravasco, Soares de Moura, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Baima de Bastos, Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Alves de Moura, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Guilherme Pacheco, Simões Dias, Abreu e Sousa, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Luiz José Dias, Manuel Espregueira, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno Prezado, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Tito de Carvalho, Visconde da Torre e Consiglieri Pedroso.

Não compareceram á sessão os srs.: - Tavares Crespo, Jalles, Estevão de Oliveira, Freitas Branco, Lucena e Faro, Sá Nogueira, Casal Ribeiro, Pires Villar, João Pina, Cardoso Valente, Scarnichia, Dias Gallas, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, Ferreira de Almeida, Vasconcellos Gusmão, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, José Maria dos Santos, Mancellos Ferraz, Pedro Diniz e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio do reino, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Julio de Vilhena, os documentos ácerca da transferencia da séde do concelho de Arruda para Sobral de Mont'Agraço.
Á secretaria.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que seja enviada com urgencia a esta camara a ordem de captura contra o deputado Ferreira de Almeida passada pelo conselho de ministros, reunido no edificio das côrtes na tarde de 7 do corrente. = O deputado, Consiglieri Pedroso.
Mandou-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

De Alfredo Antonio Ghira, primeiro tenente da armada, pedindo que os officiaes da armada, em quanto desempenham as funcções de capitães de porto nas provincias ultramarinas, não sejam contados no respectivo quadro.
Apresentado pelo sr. deputado Matheus de Azevedo e enviado á commissão de marinha.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Participo a v. exa. que por motivo justificado tenho deixado de comparecer a algumas sessões. = Urbano de Castro.

Participo á camara que o sr. deputado José Novaes falta á sessão de hoje e faltará a mais algumas por motivo justificado. = Victor dos Santos.

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ORDEM DO DIA

Continua a discussão ácerca do parecer da commissão do legislação criminal, relativo ao processo instaurado contra o sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida.

O sr. Franco Castello Branco (sobre a ordem): - Cumprindo a prescripção do regimento, começo por ler a minha moção de ordem.
É a seguinte:
«A camara convida o sr. ministro das obras publicas a honrar os compromissos solemnemente contrahidos, o a respeitar as opiniões com a maior firmeza expendidas pelo sr. Emygdio Navarro, e passa á ordem do dia. = Franco Castello Branco.»
Antes de entrar no desenvolvimento d'esta moção, é meu dever, que eu cumpro muito gostosamente, felicitar o illustre orador, a quem tenho a honra de me seguir no uso da palavra, pela sua estreia, que foi brilhante, calorosa e enthusiastica.
A nota predominante do breve, mas eloquente discurso de s. exa., foi a manifestação de uma qualidade, que eu desejava ver em todos os politicos, a da mais profunda, a mais completa, e a mais desassombrada sinceridade (Riso). Eu que me honro de ter tambem essa qualidade, pela qual não poucas vezes terei incorrido na censura dos meus amigos politicos, mais do que ninguem estimei
vel-a tão nobremente manifestada, desde logo, por um orador na sua estreia. (Riso).
Nunca a sinceridade prejudicou as discussões, nem o orador que mira principalmente a expor francamente, lealmente, desassombradamente as suas opiniões o as suas idéas.
Não foi pois s. exa. indiscreto quando disse á camara, com uma grande e apaixonada sinceridade, que não admirava absolutamente nada, que nós não podessemos estar de accordo quanto á interpretação, a dar ao artigo 4.° do ultimo acto addicional, por isso que nós o interpretavamos do um modo, e a maioria em nome da qual s. exa. fallava n'essa occasião, o interpretava de outro, porque assim lhe convinha! (Riso).
Dizendo isto, o illustre deputado não commetteu indiscrição, porque não veio revellar um segredo, ou dar ao paiz novidade de especie alguma. (Apoiados.)
Toda a gente que tem assistido ás discussões, levantadas sobre este incidente, já hoje conhecido pelo nome Ferreida de Almeida, toda a gente digo, tem a certeza de que a conveniencia politica, e nem de outra eu podia fallar n'esta camara, tem sido o unico criterio pelo qual o governo e a maioria se tem guiado em similhante assumpto.
(Apoiados.)
Eu disse que sendo sincero, como sou, estimava ver que s. exa. tambem tivesse dado uma prova tão completa da sua sinceridade, e agora acrescento que por isso mesmo estou convencido de que havendo entre os nossos espiritos este ponto de contacto, em mais de um ponto nos encontraremos de accordo.
Já estamos, realmente, de accordo no ponto principal em que eu desejava que o estivessemos. Também s. exa. se encarregou de nos patentear a falta de seriedade do governo, e ainda n'isso eu apoio o illustre deputado.
Pois não disse s. exa., com aquella sinceridade que não me canso de louvar, não disse s. exa. até com ares de troça, voltando-se para a minoria: «Que ingenuos! Pensam, porventura, que se vae cortar a cabeça ao sr. Ferreira de Almeida?!»
Ora não havia muitos dias, que da bancada do ministerio, pela boca de pessoas tão pouco importantes, parlamentar e politicamente fallando, como o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da justiça, se dissera, que o motivo principal da prisão do sr. Ferreira de Almeida, fôra o de de corresponder ao seu delicto a pena mais grave da escala penal, a pena de morte.
E s. exa. estava em tal maré de sinceridade, que se não fosse uma interrupção do sr. Pinheiro Chagas, estou convencido de que tinha posto tudo em pratos limpos, e assim como disse que não se tratava por fórma alguma de applicar a pena capital ao sr. Ferreira de Almeida, nem a ninguem, mas sim de satisfazer a uma conveniencia partidaria, diria até que não houvera crime; que se o houvera não fôra militar; que não havia flagrante delicto; que o processo não devia correr pelo tribunal de marinha, etc. (Apoiados.)
Se s. exa. não disse tudo isto, estou convencido, repito, foi unica e simplesmente porque a interrupção do sr. Pinheiro Chagas lhe cortou a sua sinceridade. (Riso = Apoiados.)
E naturalmente a maioria achava que era sinceridade de mais, ao contrario do que eu estava achando, porque gosto de ver manifestações d'essas, principalmente da parte de um deputado que se senta pela primeira vez no parlamento. (Apoiados.)
Cumprido este meu dever para com s. exa. que tão brilhantemente se estreiou na sessão passada, e a quem tenho a honra de me seguir no uso da palavra, vou entrar agora propriamente na sustentação da moção que tive a honra de mandar para a mesa, e que compendia a rasão principal por que me inscrevi n'este debate, e a ordem de idéas que vou desenvolver.
De fórma alguma venho levantar uma questão pessoal nem com o sr. ministro das obras publicas, nem com pessoa alguma.
S. exa. sabe muitissimo bem, que entre nós nunca se deu facto algum que de leve, sequer, podesse melindrar-me.
Pela minha parte, nunca pratiquei tambem para com s. exa. qualquer acto, que podesse, nem de longe, ficar na sua memoria como uma lembrança menos agradavel a meu respeito.
Alem de que, não seria este o campo proprio para dirimir tal genero de questões, quando ellas se tivessem dado.
Nem a indole, nem a natureza do parlamento são de molde a trazerem-se para aqui desaffrontas ou desagravos a pertendidas injurias ou aggravos pessoaes. (Apoiados.)
Não venho tambem empregar uma ardileza ou habilidade politica. Os que me conhecem e os que me têem feito a honra de me ouvir no parlamento, sabem bem, que não é a ardileza a qualidade dominante do meu espirito, nem o conceito de habil aquelle a que realmente aspiro.
Digo as cousas francamente, tendo só em vista os principios e as conveniencias publicas, e submettendo sempre a estas qualquer interesse partidario.
Não procuro, portanto, crear difficuldades politicas ao sr. ministro das obras publicas; e ainda mesmo que eu tivesse similhante pretensão, por certo a não conseguiria, porque o talento de s. exa. é para muito mais do que para vencer qualquer difficuldade que eu procurasse levantar-lhe.
Alem d'isso, seria sobre impossivel, tambem inutil.
Ainda que o sr. ministro das obras publicas, ou outro membro do ministerio, ou mesmo todo elle, por um qualquer compromettimento parlamentar, se visse obrigado a abandonar aquellas cadeiras, a actual situação politica pertence ao partido progressista, e eu nada ganharia em ver substituidos os homens que ali se sentam por outros do mesmo partido; tanto mais que com quasi todos elles mantenho relações de sympathia pessoal, nascidas, creadas e avigoradas por esta camaradagem, por este convivio diario na camara e nas luctas da politica.
A que miro eu, pois? Unica e simplesmente ao seguinte:
Este momento é solemne. (Apoiados.) Quer-me parecer que a camara vae confirmar todos os actos, illegalidades, prepotencias e arbitrariedades que o governo tem praticado n'este incidente, nascido de um grande erro, filho de

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uma grande precipitação, que nenhum esforço ainda se empregou para remediar (Apoiados.)
Repito, pois, que o momento é solemne, por não se tratar só da liberdade, mas do futuro de um homem - e logo demonstrarei porque - entendendo por isso do meu dever intimar o sr. Navarro, a que diga, perante a camara, quaes foram as rasões que imperaram no seu espirito, e por que se não oppoz a deliberações que contrariavam abertamente os solemnes compromissos tomados por s. exa. na imprensa, pela fórma mais solemne e respeitavel, a fórma de uma lição dada por s. exa. a seu filho, que é seguramente a pessoa mais querida e amada pelo seu coração e pelo seu espirito. (Apoiados.)
É necessario que n'esta questão tomemos todos a responsabilidade que nos compete; é necessario que n'esta questão, que tanto tem concitado a opinião publica, como nenhuma outra nos ultimos tempos da politica portugueza, fique cada um e para sempre com a responsabilidade dos actos que praticou.
Já duas victimas, e qual d'ellas mais lamentavel, fez o acto do governo, o sr. Ferreira de Almeida, e o sr. Henrique de Macedo. E agora que se trata de pôr remate aos desatinos do governo é preciso que cada um tome o logar que lhe compete.
Eu não posso admittir a opinião, hontem sustentada pelo sr. ministro da justiça, de que na questão que agora se ventila não devem os ministros tomar parte.
Os ministros hão de tomar parte n'ella, quando seja necessario assumirem as responsabilidades das opiniões que tenham manifestado e sustentado, quer na imprensa por uma fórma publica, quer no parlamento, e do mesmo modo pelos actos que tacitamente tem apoiado. (Apoiados.)
Pois o governo prende illegalmente um deputado, manda organisar contra elle um processo tumultuario, em que figura de juiz um homem que ainda não ouviu da boca dos deputados da maioria, que têem tomado parte n'este debate, senão accusações graves pelo seu desconhecimento do direito, e o governo não se julga obrigado a fallar? (Apoiados.)
O sr. Albano de Mello, relator, observou que no despacho do commandante geral da armada se citava um artigo de lei fora de proposito; e por parte do sr. Antonio Candido tambem se fizeram accusações graves a esse juiz, inventado pelo governo, e que sabe tão pouco de leia, de direito e do processo que, como s. exa. notou, tinha mandado á camara um processo que nem era preciso para as nossas deliberações, nem a lei tal ordenava.
E agora, quando se trata de resolver em ultima instancia, por parte d'esta camara, o governo cruza os braços e diz á maioria: «A obra foi minha, mas o julgamento e a responsabilidade ha de ser vossa!» Não pode ser, e não ha de ser. (Apoiados.)
Pois não estão os srs. ministros todos os dias, quando são increpados pelos actos que praticaram no intervallo da sessão, a declarar á camara com uma grande firmeza que tomam a responsabilidade dos seus actos? Pois se a tomam é para darem explicações á camara sobre esses actos, é para se justificarem perante a camara e o paiz das accusações que se lhes fazem.
(Interrupção.)
O illustre deputado interrompe-me sem saber a ordem de considerações em que vou entrar. Nem me parece discreto fazendo-o, nem eu lhe consinto o uso, de um direito que só cabe ao presidente d'esta camara. (Apoiados.) Vou pois continuar.
Eu tenho esta opinião, que me parece ser a mais orthodoxa, a mais verdadeira, quanto ao papel que ao governo cumpre desempenhar n'esta discussão, muito mais quando um dos seus membros é deputado da nação e tem direito a entrar nas discussões sem que esteja compromettida a entidade governo. Vou pois demonstrar que o sr. Emygdio Navarro ou não devia estar sentado n'aquellas cadeiras, ou
devia ter obrigado os seus collegas a darem a este negocio uma solução, em harmonia com as doutrinas por s. exa. sustentadas e publicadas na imprensa, por uma fórma tão solemne, como a que eu terei occasião de mostrar á camara.
Hei de fallar com cordura, e com cordura fallo sempre n'esta camara.
O meu querido amigo o sr. Antonio Candido, que sinto não ver presente, esse eminente orador a quem a camara, não sabe que admirar mais, se as galas incomparaveis da sua eloquencia, se os profundos pensamentos, que brotam d'aquelle espirito privilegiado, o sr. Antonio Candido recommendava-nos a maior cordura n'esta discussão.
Se s. exa. com isto queria dizer, - e supponho que não seria outra a intenção de s. exa. - que os oradores que se inscrevessem n'este debate e que fallassem vigorosa ou vehementemente, conforme o seu temperamento, deviam entrar n'este debate tão sómente para affirmar as suas opiniões e combater pela causa que lhes parece a mais justa e a mais santa, s. exa. pode ter a certeza de que eu hei de satisfazer a sua indicação, e não me hei de afastar dos principios de cordura, como até hoje nunca me afastei. (Apoiados.)
Ha tres annos que me sento aqui; tenho tomado parte em quasi todos os debates politicos mais apaixonados e poderei dizer mesmo os mais irritantes, e honro-me de nunca ter sido chamado á ordem pela presidencia, e do nunca ter levantado com as minhas palavras questão alguma pessoal com os ministros ou com os deputados. (Apoiados.)
Mas se s. exa. queria que nos, n'este momento que, repito, é solemnissimo, por ser o ultimo acto d'este deploravel incidente em que temos de intervir, nos abstivessemos de empregar todos os nossos esforços, todos os nossos recursos em prol de um homem que é uma victima, antes do que um criminoso depois dos actos do governo, então permitia s. exa. que o não acompanhe n'esse caminho, porque hoje estou aqui como estava no primeiro dia, em que se levantou esta questão. Caminho á minha vontade, sem estar sujeito a accordos de nenhuma especie. (Apoiados.)
Sr. presidente, no parecer que se discute, o que se propõe? Quaes são as suas conclusões? A primeira conclusão é que seja ratificada a suspensão das funcções parlamentares do sr. deputado Ferreira de Almeida, e a segunda é que o processo siga no intervallo da actual sessão legislativa á sessão annual seguinte.
Vejamos o primeiro ponto, porque é este para mim o mais importante, e porque com relação ao segundo já hontem os oradores da opposição, que tomaram a palavra, demonstraram por uma maneira que ainda não soffreu refutação qual devia ser a norma de conducta ou o caminho em que a camara devia entrar para o resolver com acerto. (Apoiados.)
Em relação ao primeiro ponto, não ouvi ainda pronunciar-se senão um illustre orador, o sr. Antonio Candido sustentando que a camara ao resolver sobre a suspensão de um deputado, deve sujeitar-se simplesmente a este criterio: saber se o deputado faz falta no parlamento para defender os interesses do circulo que o elegeu.
Este criterio parece-me falso, não só em face das leis, mas em face dos principios. Em face das leis, porque hoje nenhum deputado pode fazer falta n'esta casa, aparte os seus talentos e qualidades politicas. Em face dos principios porque não ha homens necessarios, como não ha homens providenciaes.
O maior homem da politica portuguesa desappareceu ha poucos mezes, e nem por isso deixou de haver parlamentarismo, nem os negocios publicos deixaram de ter quem os tratasse. (Apoiados.) É muito para lamentar a sua falta. (Apoiados.) A sua gloria e a sua capacidade é hoje confessada por todos, (Apoiados.) talvez porque já não faz affronta a ninguem; mas o paiz continua vivendo; a poli-

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tica portugueza continua girando dentro da mesma orbita constitucional, ou antes fóra d'ella, porque fóra d'ella já se achava o governo quando falleceu aquelle eminente estadista, (Apoiados.) como ainda o está hoje, pela decretação d'este acto eminentemente attentatorio dos direitos d'esta camara. (Apoiados.)
O deputado não representa hoje o circulo, representa o paiz; diz isto clara e expressamente a lei. Desde o momento que os deputados não estão aqui para representarem apenas uma parcella do paiz, segue-se que todos nós representamos o circulo de Faro, como o paiz é representado tambem pelos deputados que foram eleitos por aquelle circulo.
Se o criterio apresentado pelo illustre orador o sr. Antonio Candido é pois menos verdadeiro, a que principio deverá a camara subordinar á sua decisão?
Conheço apenas um, que é recommendado pelos publicistas, e aconselhado pelo bom senso. A suspensão do deputado deve ser subordinada á natureza do crime por elle commettido.
Se a natureza do crime é infamante e ignominiosa, é claro que o seu auctor perdeu a auctoridade moral, e não póde por isso ter assento n'esta camara.
Por exemplo. Um deputado commette um crime de furto, ou roubo.
E não parece mal que eu traga este exemplo, porque não ha muitos annos, em França, um senador foi encontrado em uma casa de jogo em flagrante delicio de escroquerie, que não é mais do que um furto.
Aqui está um caso em que a camara deve immediatamente impor a suspensão ao deputado, porque elle se torna indigno de continuar a fazer parte d'ella.
Outras hypotheses se podem figurar, em que a natureza do crime obriga á suspensão do deputado.
Assim, o crime de rebellião, ou outros quaesquer da mesma natureza, que offendem as instituições, ou ameaçam a independencia e a segurança da nação.
O deputado n'este caso não poderia continuar a fazer parte de um parlamento, cuja auctoridade e existencia elle fora o primeiro a desconhecer e desacatar. (Apoiados.)
Parece-me ser este o criterio seguro, e se o illustre deputado que ha pouco me interrompeu, quizesse antes ouvir-me do que atacar-me, conheceria agora a sem rasão das suas palavras. (Apoiados.) Vejamos pois qual a natureza, do crime praticado pelo nosso collega Ferreira de Almeida.
É para classificar a natureza d'esse crime que eu chamo á autoria o sr. conselheiro Emygdio Navarro, e vou ler as suas opiniões sustentadas na imprensa pela fórma mais publica e solemne, para em seguida, eu e a camara, perguntarmos ao sr. ministro das obras publicas o que fez d'essas opiniões, quaes os motivos porque hoje as contraria tão abertamente.
Ha alguns annos, em 1874, se bem me recordo, um soldado assassinou barbara e traiçoeiramente um official do seu regimento, e, note bem a camara, em serviço de guarnição. Esse official tinha a patente de alferes e chamava-se Palma e Brito; o soldado chamava-se Antonio Coelho.
Em volta d'esse facto levantou-se como hoje, uma questão acalorada, uma polemica, por todos os factos, por todos os motivos, por todos os respeitos interessante, em que se envolveram todos os homens publicos, e em especial todos os membros do partido progressista.
Discutia-se se esse soldado devia ou não ser fuzilado; se o crime por elle commettido era ou não militar.
O sr. Emygdio Navarro não tinha ao tempo voz no parlamento, s. exa. era então jornalista, e n'essa qualidade sustentou, que aquelle crime não era um crime militar; mas não julgando bastante a affirmação das suas opiniões feita por meio da imprensa periodica, s. exa. publicou um folheto que tenho presente, em que se lê a seguinte dedicatoria - A meu filho Armando Navarro - lição de dever - e em cujo prologo, exordio, ou como melhor se deva chamar, fazia a declaração mais peremptoria, mais solemne, mais compromettedora para o seu futuro.
Essa declaração é a seguinte:
«Vincular o nome á responsabilidade da opinião; prender o presente ao futuro n'uma solidariedade de doutrina, que para o auctor d'este opusculo se prende já tambem ao passado, tal é o fim principal d'esta publicação. Não se dirá que no jornal subordina as suas opiniões a transitorios interesses de partido, em questões d'esta ordem absolutamente inattendiveis, quem no livro as professa como dogma de crença firmissima, ensinado pelo estudo do gabinete e pela observação reflectida dos factos.»
E mais adiante acrescentava:
«Nunca é inconveniente a discussão nos paizes, que se regem por instituições livres; e, n'esta conjunctura, é ella tanto mais necessaria, quanto mais imperativas se mostram mal disfarçadas manifestações, de militarismo.»
Como se vê, sr. presidente, s. exa. não fazia essa publicação pelo prurido de ser conhecido como progressista; já então s. exa. o era suficientemente; s. exa. não o fazia tambem por qualquer motivo de ordem secundaria, levado pela paixão de momento; s. exa. fazia-o unica e simplesmente movido pela necessidade de affirmar as suas opiniões, em ponto tão momentoso e tão importante; s. exa. fazia a publicação d'este folheto para vincular o seu nome, para prender o seu presente ao seu futuro n'essas mesmas opiniões. E quaes eram essas opiniões que o sr. Emygdio Navarro, hoje ministro das obras publicas, quiz então vincular bem publicamente, bem solemnemente, nitidamente, claramente, como é costume de s. exa., quando escreve ou quando falla?
Vejamos. A paginas 13 do folheto, a que me refiro, formulou o sr. Navarro a seguinte pergunta:
«O assassinato praticado por um soldado na pessoa de um seu superior, e em serviço de guarnição, deve ser considerado crime commum ou exclusivamente militar?
«Eis o ponto principal a examinar.»
E depois dava esta resposta, que me parece que não póde ser mais terminante, mais clara nem mais precisa. Isto depois de ter analysado os artigos l5.° e 16.° do codigo penal de então que são ipsis verbis os artigos l5.° e 16.° do codigo penal actual. Eis a resposta:
«Por onde claramente se vê, que os crimes exclusivamente militares são só aquelles, que, sendo considerados como transgressões da disciplina, não se referem todavia a actos qualificados como crimes pelo codigo penal, pertencendo a estes a designação de crimes communs, cuja punição é regulada pelo § unico do artigo 16.° do mesmo codigo.»
Quer dizer, para s. exa. são só crimes militares, aquelles que não são classificados como crimes communs no codigo penal. Ora pergunto eu; o facto que hoje nos occupa, o crime por virtude do qual a camara quer suspender o sr. Ferreira de Almeida é da natureza d'aquelles que não são classificados no codigo penal como crimes communs?
Ha mais do que um jurisconsulto distincto n'esta casa, ha advogados eruditos, que conhecem melhor do que eu a legislação do paiz; elles que digam se no artigo 183.° do codigo penal se pune ou não a offensa corporal praticada contra um ministro, com a pena de até um anno de prisão correccional. (Apoiados.)
Torno agora pois a perguntar ao sr. Emygdio Navarro quaes foram as rasões, quaes foram os motivos porque nos conselhos da corôa, tratando-se do procedimento a adoptar para com o sr. Ferreira de Almeida, s. exa. não recordou aos seus collegas do gabinete que tinha a sua opinião completamente compromettida no sentido de que tal crime era um crime commum, e não um crime militar? Porque não lhes declarou que n'estas circumstancias não podia auctorisar a prisão illegal e arbitraria do sr. Ferreira de Almeida? (Muitos apoiados.)

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Nem s. exa. é um espirito apoucado, antes pelo contrario, o seu talento é reconhecido e admirado por todos nós, (Apoiados.) nem é um homem tão pouco pensado nos seus actos, e tão irreflectido na manifestação das suas opiniões, que tivesse passado de leve sobre um assumpto tão grave e tão importante como este. Certamente devia ter motivos serios e rasões concludentes para se decidir.
São esses motivos e essas rasões que eu entendo que nós temos o direito de conhecer, obrigando o sr. Emygdio Navarro a expol-os á camara. (Apoiados.}
Pois se o crime era commum, se pela legislação commum a esse crime não corresponde senão um anno de prisão correccional, como é que o sr. ministro das obras publicas ouviu tranquillo, mudo e sem protesto as affirmações aqui feitas pelo sr. presidente do conselho e pelo sr. ministro da justiça, absolutamente contrarias á opinião por elle sustentada? (Apoiados.)
Seria porque os famosos artigos de guerra tivessem para s. exa. um valor até então desconhecido?
Seria porque s. exa. ignorasse a existencia d'esses artigos?
Nem uma, nem outra cousa.
A paginas l5 do folheto dizia o sr. Emygdio Navarro o seguinte:
«Os chamados artigos de guerra, contidos no regulamento geral militar de infanteria, sanccionado por alvará de 18 de fevereiro de 1763; e os regulamentos de 21 de outubro de 1763, de 15 de dezembro de 1763, de 21 de fevereiro de 1816, e outros, se ainda vigoram, em parte, para a constituição dos conselhos de guerra, de nada valem com relação á penalidade, que n'elles se estatuiu, e nada n'elles se encontra que aproveite para regular classificação dos crimes propriamente militares.»
Dizia mais ainda o sr. Navarro na mesma pagina:
«Promulgaram-se os artigos de guerra, e promulgaram-se muitos outros regulamentos para o exercito e marinha em separado, não porque elles formassem legislação, especial penal da classe militar, mas porque a esse tempo, em que a vontade do principe fazia a lei, e em que não existiam codificações regulares, não havia outra fórma de providenciar para as necessidades occorrentes, senão publicando resoluções particulares, adequadas ás urgencias do momento. Assim acontecia na sociedade civil para todos os ramos da publica administração. Mas todas essas providencias particulares foram successivamente derogadas com a promulgação de diversos codigos e novos regulamentos. O codigo penal, e o regulamento disciplinar militar de 14 de julho de 1856, que tem a mesma força que o antigo regulamento dos artigos de guerra, estabeleceram bases diversas, e as unicas hoje attendiveis, para se julgarem e punirem os crimes praticados por militares fóra do serviço de campanha.
«Nenhuma lei, nenhum regulamento ha, que considere o assassinato de um official por um soldado, em serviço de guarnição, como crime meramente militar.»
Ora se os artigos de guerra para o exercito de terra, mereciam a s. exa. esse conceito e esse criterio; se s. exa. entendia então que elles podiam vigorar unicamente para os conselhos de investigação, mas que de fórma alguma constituiam uma collecção de penalidades, applicadas aos crimes praticados pelos militares; como tem hoje uma opinião contraria tratando-se dos artigos de guerra para a marinha, que estão exactamente nas mesmas circumstancias, que foram publicados na mesma epocha, subordinados ás mesmas intenções e que todos obedeceram apenas ás idéas e ás opiniões mantidas sobre o exercito e marinha pelo conde de Lippe? (Apoiados.)
Mas s. exa. anda tão esquecido, importa-se tão pouco com as suas opiniões sustentadas na imprensa, que nem mesmo se lembrou de avisar o seu collega da justiça, quando este accusava o sr. Lopo Vaz, por ter chamado aos artigos de guerra uma legislação obsoleta.
O sr. Lopo Vaz, qualificando de legislação obsoleta os artigos de guerra, não fazia mais do que repetir textualmente as palavras e as opiniões da sr. Emygdio Navarro. É ver o que se acha a paginas 26 do mesmo folheto. Ahi se lê o seguinte:
«Aquella circular, de que o Diario de noticias, talvez intencionalmente, deu este extracto, é eloquentissima. Contem uma resposta concludente aos que exigem, voz em grita, o rigor das leis, o exacto cumprimento dos regulamentos militares, a applicação inflexivel dos artigos de guerra, ou de qualquer outra disposição obsoleta, em que possa fundamentar-se a condemnação á morte do soldado Antonio Coelho.»
Como se vê, para s. exa. eram já os artigos de guerra uma legislação obsoleta; agora para o seu collega da justiça são uma legislação novissima, a actual, a unica que havia a applicar, porque era a unica que servia para salvar o governo da precipitação e do erro que havia commettido. (Apoiados.)
Pois não parece á camara que tão flagrante contradicção merecia uma explicação? Não acha a camara que me encosto a uma boa opinião, adoptando a do sr. ministro das obras publicas?
Não acha que faço bem em soccorrer-me ás interpretações dadas ás leis penaes e do processo por um talento tão robusto, tão vigoroso, e tão lucido como o do sr. Emygdio Navarro, quando venho sustentar as mesmas opiniões que s. exa. já sustentou?
E de certo que, para a maioria d'esta camara, as opiniões do sr. Emygdio Navarro devem merecer o maior acatamento; porque ella, alem de ter por s. exa. a consideração pessoal e a admiração do seu talento, que eu tenho, dispensa-lhe tambem a sua confiança politica. (Apoiados.)
Não me cançarei pois de perguntar, qual foi a rasão de estado que levou s. exa. a mudar tão facilmente de opinião?
Seria a grandeza da questão que agora se levantou, ou as consequencias gravissimas que ella podia ter, se fosse resolvida n'outro sentido? Não foi.
Seria porque se tratava de uma offensa corporal contra um ministro da corôa, contra um membro do poder executivo, para com quem é preciso manter o acatamento a que elle tem direito?
Também não póde ser isto, porque então, em 1874, tambem se levantava um grande principio ao qual os homens publicos d'este paiz deviam ter subordinado o seu criterio, com tanta circumspecção em com tanto cuidado, como agora.
Hoje trata-se de um attentado commettido contra um ministro d'estado; então tratava-se de um facto em que era offendida gravemente a disciplina e organisação do exercito. (Apoiados.)
E note-se, s. exa. é tão previdente, para elle tem tão poucos segredos o futuro, que no opusculo o que me tenho referido já alludia a todas as circumstancias e a todas as consequencias do incidente que se deu agora!
S. exa. dizia então no principio do seu opusculo:
«Se a lei não auctorisa esse fuzilamento, a sentença não póde impor a morte, embora d'ahi provenha a desorganisação total do exercito, e um perigo eminente para a segurança dos cidadãos.»
E esta é a boa doutrina.
Se o crime commettido pelo sr. Ferreira de Almeida é um crime commum, e não um crime militar, como é opinião do publicista Emygdio Navarro, que eu acato e perfilho, que me importa que o ministerio se desorganise, ou venha mesmo a demittir-se, se acima de tudo está a lei, e a segurança e direitos individuaes dos cidadãos? (Apoiados.)
Desde que homens que têem a sua opinião compromettida por uma publicidade tão completa e tão solemne como esta, saltam a pés juntos por cima das suas proprias opi-

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niões, praticando uma arbitrariedade d'esta ordem, qual é a segurança com que nós todos podemos contar?
É unica e exclusivamente a da confiança na boa vontade dos srs. ministros e da politica que s. exas. façam?
Duvidará alguem de que se ha alguma differença entre o caso succedido em 1874 e o de hoje, essa differença é toda em favor d'este e contra o primeiro?
Aqui trata-se de um deputado que offende corporalmente um ministro, é uma offensa corporal; ali tratava-se de um soldado que matara um official dentro do quartel: era um assassinato.
Se aqui existe um superior, ali tambem havia uma superioridade que ninguem póde desconhecer, porque se tratava de um official de patente.
Aqui o facto passava-se conforme vem narrado pelo proprio conselho de investigação, que diz o seguinte:
«1.° Que está provado que no dia 7 do corrente, na sala das sessões da camara dos senhores deputados da nação, depois de encerrada a sessão e em acto continuo ao seu encerramento, o primeiro tenente da armada e deputado, José Bento Ferreira de Almeida, aggrediu corporalmente o sr. conselheiro Henrique de Macedo Pereira Coutinho, então ministro da marinha;
«2.° Acha-se igualmente provado que essa aggressão não foi commettida em acto de serviço, nem em rasão do mesmo serviço, mas pelo contrario em seguida a uma discussão de caracter politico, occorrida durante a sessão d'esse dia, e na qual o accusado tomou parte na sua qualidade de deputado da nação.»
É assim que o facto aqui se passou. Alem, o assassinato commettia-se em serviço de guarnição, como s. exa. diz no seu opusculo.
Mas o que é mais grave é que alem o assassinato foi commettido traiçoeira e aleivosamente; aqui o facto deu-se em virtude de uma provocação, conforme só vê no processo do conselho de investigação. (Apoiados.)
Alem a victima, e é este o nome incontestavelmente bem cabido, era assassinada traiçoeira e aleivosamente; aqui o réu, cuja suspensão de funcções se quer votar, foi provocado, ou julgou-se provocado pelo acto praticado pelo sr. Henrique de Macedo, (Apoiados.) como se vê do parecer do conselho de investigação.
E falla-se em prestigio de poder, quando, todos os dias, nas questões aqui levantadas o que encontramos simplesmente são contradições entre as opiniões de hoje e as opiniões de hontem, entre os actos praticados como ministros e as doutrinas sustentadas como deputados! (Apoiados.)
Prestigio do poder! Pois é prestigio do poder o que se quer levantar, fundado na violencia e na illegalidade? (Apoiados.)
Pois isto póde dar prestigio ao poder?
Se isto assim fosse, podia dizer-se que nunca ninguém teve tanto prestigio n'este paiz como D. Miguel! (Apoiados.)
Pois s. exas. não sabem qual é a maneira de manter o prestigio do poder? Julga por acaso o sr. ministro das obras publicas que elle se mantém vindo aqui o sr. ministro da justiça dar a definição que deu, de flagrante delicto que infelizmente ha de ficar ligado á sua memoria, como a ella hão de ficar tambem ligados todos os actos os bons, que tenha praticado. (Apoiados.)
Pois mantem-se o prestigio do poder quando os srs. ministros incorrem em contradicções não de doutrinas, o que seria desculpavel, mas de factos palpitantes de actualidade, como aqui succedeu ha pouco entre o sr. ministro da guerra e o sr. presidente do conselho? (Apoiados.)
É assim que s. exas. imaginam que se ha de levantar esse prestigio, rebaixado pelos actos occorridos n'esta camara? (Apoiados.)
O prestigio do poder depende principalmente do prestigio dos homens que se sentarem n'essas cadeiras, e esse prestigio mantem-se por meio de uma grande auctoridade moral, de uma inconcussa probidade politica, (Muitos apoiados.) de uma grande firmeza de convicções e por uma coherencia de opiniões tão completa que ninguem possa dizer que as doutrinas sustentadas na opposição são unicamente armas de combate empregadas pelos que pretendem conquistar o poder, e que depois de lá chegados as lançam fóra com desdem. (Apoiados.)
Póde, porventura, levantar-se o prestigio do poder, quando, tendo dito o governo que o sr. Ferreira de Almeida está sujeito á primeira pena da escala penal, vem depois um deputado da maioria e exclama: «Cuidam que se lhe quer cortar a cabeça? Ora adeus! Historias! Ninguem pensa n'isso. O peior que poderá succeder-lhe á soffrer alguma dor de cabeça!» (Apoiados.)
É com similhantes leviandades que se levanta o prestigio do poder? Repito, esse prestigio mantem-se por actos de grande austeridade moral e tambem por uma grande firmeza de convicções, e não sustentando hoje uma cousa e amanhã outra.
Reduzido, pois, aos seus precisos e simples termos, o crime de que é accusado o sr. Ferreira de Almeida, resta saber se elle traz tal ignominia a quem o praticou, se aquelle nosso collega tem hoje menos auctoridade e respeitabilidade do que ao tempo da sua eleição.
Pergunto pois aos srs. deputados da maioria:
Ha ahi algum que recusasse apertar a mão aquelle cavalheiro com a mesma affeição e cordialidade com que o fazia até agora?
Julgam-no indigno de se sentar nos bancos em que nós nos sentâmos?
Julgam-no incapaz de continuar a tomar parte nos trabalhos da camara?
É deshonroso o acto por elle praticado, e acarreta o desprestigio e a ignominia do seu auctor?
Se é esta a opinião da maioria, suspendam-no; mas se não é não votem a suspensão, e o governo fará o que lhe cumpre se não preferir fazer amende honorable á sua dignidade por essa prisão que s. exa. deveria ter ordenado.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos deputados de todos os lados da camara.)
Leu se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara convida o sr. ministro das obras publicas a honrar os compromissos solemnemente contrahidos e a respeitar as opiniões com a maior firmeza expendidas pelo sr. Emygdio Navarro, e passa á ordem do dia. = Franco Castello Branco.
Foi admittida, ficando em discussão.
O sr. Eduardo José Coelho (sobre a ordem): - Disse que em obediencia ás prescripções do regimento, começava por ler a sua moção, que é do teor seguinte:
«A camara, considerando que só lhe compete deliberar nos termos do artigo 4.° da lei de 24 de julho de 1885, passa á ordem do dia.»
Declarou que não comprehendia as apostrophes violentas do illustre orador que o precedeu; é s. exa. sempre eloquente, porque é sempre sincero e convicto; a eloquencia da verdade será sempre a eloquencia mais estimada e apreciada (Apoiados.)
Parecia-lhe, porém, que o illustre deputado deslocara a questão; comprehendia que se desencadeassem todas as tempestades contra o governo - quando se discutiu aqui a sua responsabilidade; comprehendia todas as accusações, ainda as mais frementes, quando se arguiu o governo de attentar contra a constituição de estado; mas renovar estas accusações todos es dias, ostentar sempre grandes
coleras contra o governo n'um debate, em que elle não póde entrar, sinceramente não póde ser comprehendido pelo espirito d'elle orador. Sobre tudo não comprehendia como, a proposito da discussão d'este parecer, é chamado ao de-

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bate o illustre ministro das obras publicas por causa das opiniões que sustentou na imprensa como jornalista.
Que nem se quer se tratava de arguir o governo de faltar ás promessas exaradas no programma do partido; arguia-se um membro do governo pelas tuas opiniões individuaes.
Que não comprehendia este modo de pôr a questão. (Apoiados.)
Que o illustre ministro das obras publicas pôz as faculdades extraordinarias do seu extraordinario talento, como polemista ardente, ao serviço de uma causa sympathica, fascinadora: a inviolabilidade da vida humana (Apoiados.)
Que, chamado ao governo, o polemista ardente não se póde lembrar das suas opiniões individuaes quando se trata de applicar as leis a um caso occorrente; se a lei existe, o dever do governo é respeital-a, cumpril-a, e fazel-a cumprir e respeitar. (Apoiados.)
Póde comprehender-se que o governo seja arguido por não usar da sua iniciativa para revogar leis reputadas más, o que não póde é arguir-se, porque as respeita e cumpre quando as leis existem e são claras nos seus preceitos. (Apoiados.) Fez largas considerações sobre este ponto.
Que ousava lembrar á camara, que a sua missão era hoje muito restricta. Não tinha competencia para discutir o processo, as suas formalidades, e a classificação do crime feito no despacho da auctoridade militar, (o commandante geral da armada). N'outro tempo, a camara electiva podia legalmente discutir isso, porque geralmente se entendia que a faculdade de denegar a licença para seguir o processo equivalia á não ratificação da pronuncia; agora essa faculdade desappareceu, porque o artigo 4.° da lei de 24 de julho de 1885 não o permitte.
Que não comprehendia pois a insistencia por parte dos illustres deputados, quando continuavam a arguir a fórma do processo, e até a competencia da auctoridade instructora do processo.
Que estas discussões eram inopportunas e inconvenientes; que não podiam mesmo chegar a resultados praticos.
Que o processo enviado a esta camara ha de fatalmente seguir os devidos termos; o despacho do commandante geral da armada não póde aqui ser alterado, e quasi diria que não póde ser discutido. Se a divisão dos poderes é a base fundamental do systema representativo, a esta camara cumpre o dever de respeitar os outros poderes do estado. A auctoridade instructora do processo cumpriu o seu dever como soube, e só o tribunal que julgar a final póde alterar, modificar ou annullar o que fez a auctoridade instructora.
Que isto era rudimentar, e todavia parecia muito esquecido. (Apoiados.)
Que não queria com isto dizer que o processo não devia ser enviado a esta camara; que, n'este ponto, divergia do auctorisadissimo parecer do seu illustre amigo, o sr. Antonio Candido; que o processo, n'outro tempo, era enviado, porque a camara tinha o direito de negar a licença para o proseguimento do processo, e é claro que não podia exercer o seu direito e cumprir o seu dever, se não lhe fosse permittido o exame do processo. Agora o processo devia ser enviado por outra ordem de considerações. Não póde negar-se que o conhecimento das circumstancias, que antecedem e acompanham o facto reputado criminoso seja cousa indifferente para a camara resolver se o deputado deve ou não ser suspenso do exercicio de funcções. Fez muitas outras considerações sobre este ponto.
Que o parecer da commissão lhe parecia devidamente fundamentado. A prisão do deputado, de que se trata, foi realisada nos casos excepcionaes previstos na lei.
Que não podia discutir este facto, porque não póde renovar uma discussão finda; que esta discussão era o mesmo que negar a auctoridade moral e legal das deliberações d'esta camara. (Apoiados.)
Que a auctoridade, que captura, não póde impor-se á auctoridade instructora do processo.
A auctoridade que instrue tem ampla faculdade na elas classificação do crime, ou, mais propriamente, a auctoridade instructora é que tem os verdadeiros elementos para classificar o crime. No caso de que se trata, acontece_que a auctoridade instructora do processo classificou o crime do mesmo modo que a auctoridade que ordenou a prisão.
Que, assim, se confirma que o facto, reputado crime, tem uma certa gravidade, que esta camara tem de acceitar como ponto de partida para deliberar, sobre a suspensão de funcções.
Ora bem ou mal classificado o crime, é certo que elle se impõe fatalmente á nossa apreciação. Não póde negar-se que o facto, segundo a classificação feita pela auctoridade competente e que nós não podemos alterar, exclue a fiança.
Que, fallando em these, não tinha duvida em affirmar, que a pronuncia, com exclusão de fiança, importa, ou deve importar sempre, a suspensão de exercicio de funcções. Não lhe parece serio, que um deputado esteja preso, e ao mesmo tempo gose a liberdade apenas necessaria para exercer o seu mandato.
Que a regra geral era esta. Não é elegivel o individuo, que está iniciado com pronuncia passada em julgado; não lhe pareçe que o deputado iniciado possa, com o devido prestigio, desempenhar-se bem do seu mandato.
Que os magistrados judiciaes, os magistrados do ministerio publico, e os funccionarios de justiça, são suspensos apenas pronunciados; que a mesma sorte têem os magistrados e funccionarios administrativos.
Que esta era a regra geral, e não lhe parece que o deputado deva ser uma excepção.
Que não ignora, que a camara póde agora, ou em casos analogos, resolver o contrario; mas elle, orador, expira e o seu modo de ver em these, e deseja deixal-o consignado. Fez muitas outras considerações sobre este facto.
Que, dada a classificação do crime, não póde estranhar-se o parecer da commissão. Quanto á epocha do julgamento, não parece que possa haver duas opiniões a este respeito.
Que o artigo não se presta á interpretação, que se lhe pretende dar.
O artigo 4.° citado não distingue; é claro que abrange o deputado preso e o deputado iniciado, embora com fiança. Que não lhe parece que se possa argumentar com a disposição expressa da lei, com quaesquer inconvenientes que resultem da sua applicação. A culpa não é do interprete no do julgador; as leis claras não se discutem, applicam se. (Apoiados.)
Que é grave, alongar a epocha do julgamento ao deputado preso; mas a commissão é de parecer que o julgamento se faça em seguida ao encerramento das camaras, e não podia interpretar a lei de um modo mais favoravel ao iniciado. E ella tão clara nos seus preceitos, que não auctorisa qualquer arbitrio. Também da letra e do espirito da lei resulta, que o deputado iniciado póde estar três annos sem ser julgado. Tal disposição contraria todos os principios da sciencia, e ataca os principios individuaes. O que d'ahi se segue é que o legislador foi imprevidente, e, querendo estabelecer uma immunidade parlamentar, collocou o deputado em condições de inferioridade a qualquer outro cidadão. É o resultado de só fazerem leis precipitadas, e sem o devido exame. Fez largas considerações sobre este ponto.
(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)
(O seu discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
Leu-se na mesa a seguinte
Moção de ordem

camara, considerando que só lhe compete deliberar nos termos do artigo 4.° da lei de 24 de julho do 1885, passa á ordem do dia. = Eduardo José Coelho.
Foi admittida ficando em discussão.

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O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Requeiro a v. exa. consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até se votar o parecer.
(Sussurro.)
Foi approvado.
O sr. José Guilherme: - Requeiro que haja votação nominal sobre o requerimento do sr. Antonio Maria de Carvalho.
Vozes: - Está approvado.
Outras vozes: - Não está.
(Agitação.)
O sr. José Guilherme: - Aqui não se ouviu pôr á votação. Tenho duvidas e insisto por isso no meu requerimento.
Vozes: - Faça se a votação nominal.
O sr. Presidente: - Depois de estar approvado, como está o requerimento do sr. Antonio Maria do Carvalho, a mesa não tem que apresentar á votação o requerimento do sr. José Guilherme, dando-se de mais a mais a circumstancia de o haver feito sem ter para isso a palavra. No entanto, parecendo-me, pelo que observo, que a camara se presta a emittir o seu voto sobre o requerimento de s. exa., não tenho duvida em consultal-a a este respeito.
Resolveu-se que houvesse votação nominal sobre o requerimento do sr. Antonio Maria de Carvalho..
Feita a chamada:

Disseram approvo os srs.: Albano de Mello, Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Eduardo Villaça, Ribeiro Ferreira, Antonio José Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Chaves Mazziotti, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Santos Crespo, Augusto Montenegro, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Emygdio Navarro, Goes Pinto, Madeira Pinto, Feliciano Teixeira, Matoso dos Santos, Fernando Coutinho, Francisco Beirão, Coelho e Campos, Castro Monteiro, Matoso Côrte Real, Fernandes Vaz, Francisco José Machado, Lacerda Ravasco, Soares de Moura, Gabriel José Ramires, Guilhermino de Barros, Izidro dos Reis, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Correia Leal, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Heliodoro da Veiga, Oliveira Valle, Oliveira Martins, Alves de Moura, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, Pereira e Matos, José Dias Ferreira, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Frederico Laranjo, Lemos e Napoles, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, D. José de Saldanha, Pinto de Mascarenhas, Santos Moreira, Santos Reis, Julio de Abreu, Faria Graça, Julio José Pires, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Espregueira, Manuel José Correia, Brito Fernandes, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Pedro Antonio Monteiro, Vicente Monteiro, Estrella Braga, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Visconde de Silves, Alpoim, Medeiros, Rodrigues de Carvalho.

Disseram rejeito os srs.: Serpa Pinto, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Joaquim da Fonseca, Fontes Ganhado, Arthur Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Cunha Pimentel, Augusto Maria Fuschini, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Baima de Bastos, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Marcellino Arrojo, João Pinto, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Guilherme, Pinheiro Chagas, Matheus Teixeira, Miguel Dantas, Pedro Victor, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Consiglieri Pedroso.
O sr. Presidente - Está portanto approvada a prorogação por 86 votos contra 27.
O sr. Marianno Prezado: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre a proposta de lei n.° 93-A, auctorisando o governo a adquirir um edificio apropriado para a installação da caixa economica portugueza.
A imprimir.
O sr. Consiglieri Pedroso (sobre a ordem): - Mando para a mesa a minha moção de ordem, que é do teor seguinte:
«A camara, concordando com a doutrina do parecer da minoria da commissão de legislação criminal, passa á ordem do dia.
«Sala das sessões da camara, 28 de maio de 1887. = Consiglieri Pedroso.»
Faço uso n'este momento da palavra, sr. presidente, debaixo de uma dupla impressão, produzida no meu espirito por coincidencias que se deram hoje no decurso do actual debate e que me trouxeram á memoria a recordação de tempos que já vão longe! A primeira impressão, que no meu animo pesa, obrigando-me quasi que a fallar, se não com repugnancia, pelo menos com esforço, é a circumstancia de após uma tão fraternal camaradagem passada nos bancos da opposição com o meu particular amigo o sr. Eduardo José Coelho, ver chegado o momento de pela primeira vez ter de me encontrar em campo opposto ao de s. exa., e demais n'uma questão como a que agora infelizmente nos divide e nos separa! (Apoiados.)
Com effeito, quando eu ouvi a voz auctorisada, a palavra eloquente e por vezes até irrequieta do meu illustre collega levantar-se n'este debate, lastimei sinceramente no meu intimo, que em logar de se sentar d'esse lado da camara, s. exa. não estivesse aqui ao nosso lado; lastimei commigo mesmo, que a palavra do jurisconsulto eminente, sempre tão acatada e com tão grande respeito ouvida n'esta camara, não viesse mais uma vez pôr-se ao serviço da justiça e da verdade! (Apoiados.)
E involuntariamente me recordei d'essas apostrophes vehementes com que s. exa., estendendo d'esse lado da camara a mão quasi de correligionario para mim, que me sentava na extrema esquerda, fulminava com isenção nobilissima os que, representando os altos poderes do estado n'este paiz, se esqueciam dos deveres e até das conveniencias mais triviaes da responsabilidade da sua elevada posição!
Lembrei-me que se hoje, como então, o sr. Eduardo José Coelho, em vez de ser o defensor de uma má causa, fosse o estrenuo campeão de uma causa justa, embora pela força dos votos irremediavelmente perdida, teriamos ouvido, não esse longo arrasoado de subtilezas em que s. exa., diga-se para honra sua, se achava tão pouco á vontade, mas a energica invocação, celebre nas discussões d'esta casa, que s. exa., a proposito de um acto muito menos grave do que aquelle do que agora nos occupamos dirigia ao chefe do estado - «para Villa Franca, Real Senhor! porque é só d'ali que taes processos de governo podem partir»! (Apoiados.)
«Para Villa Franca, Real Senhor! porque só ali é que jurisprudencia assim póde ter fóros de cidade! Em Lisboa ainda não!» (Apoiados.)
Mas como infelizmente a causa da justiça perdeu no parlamento portuguez um dos seus mais esforçados defensores, as palavras, que acabo de proferir, em vez de serem ditas por quem tinha para isso toda a auctoridade, sáem descoloridas e pallidas dos meus labios, sem prestigio para convencer a camara e sobretudo a maioria! (Vozes: - Não apoiado! não é assim!)
A segunda impressão, que n'este momento actua no meu animo, a segunda coincidencia que n'esta occasião faz reviver no meu pensamento um periodo distanciado do actual por um intervallo já de treze annos, foi occasionado pelo thema do discurso do illustre deputado o sr. Franco Castello Branco.
S. exa., dirigindo-se ao sr. ministro das obras publicas, apontava-lhe qual o caminho que a coherencia pedia que o sr. Emygdio Navarro seguisse n'esta grave conjunctura,

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tendo o sou passado compromettido e o seu futuro vinculado ao eloquente folheto intitulado os fuzilamentos. A proposito do referido folheto, e para que bem se comprehenda a minha commoção n'este momento, peço licença para contar á camara uma particularidade que ella de certo ignora.
Em 1874 perpetrára-se na cidade de Lisboa um crime que, pelas circumstancias especiaes, em que se tinha praticado, concitara contra si geral animadversão e horror!
Um soldado assassinára á traição um seu superior em serviço e sem que attenuante alguma podesse explicar tão monstruoso attentado. A opinião publica unanime e os poderes do estado sobresaltaram-se com este acto criminoso de indisciplina e voz em grita e como que allucinados, todos pediam a applicação rigorosa dos artigos da lei, sem que o proprio poder moderador podesse commutar o castigo que devia ser a pena ultima!
N'aquella occasião, porém, e em meio do vozear dos quarteis, que reclamavam a vida do delinquente, houve dois jurisconsultos que ousaram com nobre coragem contrariar a opinião geral, vinculando o seu nome a um commovente protesto contra a applicação severa da justiça que nas altas regiões se preparava. Um d'esses jornalistas era o sr. Antonio Ennes; o outro era o actual sr. ministro das obras publicas. Ao lado d'estes dois homens, já aureolados nas lides da imprensa, surgia então pela primeira vez um escriptor obscuro, quasi uma creança, e assim como o sr. Emygdio Navarro tinha levantado a sua voz potente e posto a sua penna vigorosa ao serviço da inviolabilidade da vida humana, dedicando como delicadissima homenagem ao mais caro penhor das suas affeições, dedicando a seu filho este folheto, esse jornalista humilde, esse estudante que ainda se sentava nos bancos das escolas, publicava tambem outro folheto que só a este se podia comparar pela sinceridade das intuições, e dedicava-o também, não a um filho, porque o não tinha, mas a seu pae, porque era essa a homenagem mais querida, que elle podia prestar a quem muito devia e amava! (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Quer a camara saber agora, quem era esse jornalista obscuro? Era eu! (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
E aqui está, sr. presidente, como uma fortuita coincidencia, trouxe n'este momento á minha recordação tempos já separados do dia de hoje por treze annos de intervallo! Mas se tal recordação póde para mim ser saudosa, o confronto com a actualidade é bem pungente, (Apoiados.) porque os gloriosos companheiros que então se levantaram a meu lado na defeza da mais nobre das causas, não se recordam hoje, um sentado no banco dos ministros, o outro sentado nas cadeiras da maioria, - do que devia estar sempre presente á sua memoria! (Muitos apoiados.) Apenas o que de longe os seguia na sua modesta humildade permaneceu -fiel aos principios, que, para eterna gloria da imprensa portugueza, n'essa solemne conjunctura os srs. Emygdio Navarro e Antonio Ennes com tanto calor advogaram! (Muitos apoiados.)
O sr. Franco Castello Branco abrindo, por assim dizer, um parenthesis na discussão, tal como hontem fôra iniciado pelo sr. Marçal Pacheco, pediu ao sr. ministro das obras publicas, que, em nome da coherencia de principios e das affirmações solemnes que estão aqui n'este folheto, dissesse á camara quaes as rasões de força maior, quaes as causas de excepcional gravidade que tinham actuado no seu espirito, para que s. exa., não se importando com os mais terminantes compromissos do seu passado, auctorisasse com a sua presença nos conselhos da corôa e até com a sua assignatura, todos os actos do governo n'este desgraçado incidente, actos que estão em contradição manifesta com a que em 1874 s. exa. havia affirmado! (Muitos apoiados.)
Nunca esperei, é verdade, que o sr. ministro das obras publicas, apesar do seu talento de habilissimo parlamentar, podesse dar a esta camara explicações cabaes que desculpassem o seu procedimento; mas, se não esperei isto, sr. presidente, esperei que s. exa. se levantasse e procurasse, bem ou mal, ao menos defender-se! (Muitos apoiados.)
O pedido, ou antes a intimação do sr. Franco Castello Branco exigia, no entanto, uma categorica explicação! (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Com espanto de todos, porém, foi ao sr. Eduardo José Coelho a quem competiu a defeza do sr. ministro das obras publicas. (Muitos apoiados.)
Mas de que modo defendeu o illustre deputado a incoherencia do ministro? Defendeu-a, dizendo que o folheto escripto pelo sr. Emygdio Navarro, como simples jornalista, não podia vincular as responsabilidades nem o procedimento do ministro das obras publicas! Porque?! Porventura os homens publicos, quando chegam áquellas cadeiras, têem obrigação de lançar para traz de si, como bagagem incommoda, os principios que affirmaram na opposição? (Apoiados.- Vozes: - Muito bem.)
Sei que infelizmente assim têem praticado quasi todos os politicos na nossa terra; mas tão lamentavel fórma de proceder, se explica muitas apostasias, não as póde justificar, invocando-se como precedente! (Apoiados.)
Não insisto mais n'este assumpto, sr. presidente, em primeiro logar, porque a questão, tal como a collocou o sr. Franco Castello Branco, e como a deixou ainda melhor collocada o silencio do sr. ministro das obras publicas, (Muitos apoiados.) deve estar resolvida já para a camara; (Muitos apoiados.) em segundo logar, porque tendo sido a sessão prorogada, e estando depois de mim inscriptos alguns oradores dos mais eminentes da opposição, não desejava, alongando-me demasiadamente, privar a camara de os ouvir.
Dito isto, passarei muito rapidamente a responder aos pontos principaes do discurso do sr. Eduardo José Coelho.
S. exa., que de ordinario é tão modesto, julgando-se sempre muito abaixo d'aquillo que é e do que merece, foi hoje de uma immodestia extraordinaria, (Apoiados.) quando nos disse que tinha estudado cuidadosamente e a fundo esta questão! Pois s. exa. prepara-se cuidadosamente para este debate e esqueceu-se da existencia de uma lei que é capital para o assumpto que tratâmos, ordenança geral da armada, de 3 de maio de 1866, affirmando que para a marinha não existia lei especial, mas unicamente se praticava por analogia o que o codigo militar estatue para o exercito de terra...
(Interrupção do sr. - Eduardo José Coelho.)
Lá chegaremos; mas antes d'isso repetirei ao illustre deputado, o que s. exa. ha pouco disse, pôr bem uma questão é resolvel-a. (Apoiado.) E é exactamente porque o governo poz esta questão desgraçadamente, que para elle tal questão é insoluvel, não podendo sair d'ella a não ser pela violencia e pelo atropelo de todas as praxes e usando d'estes processos que estamos vendo! (Apoiados.)
Disse tambem o sr. Eduardo José Coelho, e n'esse momento eu estava quasi suppondo que s. exa. tinha voltado aos bons tempos a que ha pouco me referi: «Deus nos livre, porque então retrocediamos ao tempo do mais ominoso absolutismo. Deus nos livre que nos processos d'esta ordem, em que está em jogo a vida, a honra e o futuro de um collega nosso, do um deputado da nação portugueza, o governo podesse intervir de qualquer maneira no que deve ser unica e simplesmente da alçada do poder judicial!»
Oh! sr. presidente, eu acceito completamente similhante modo de ver, e tomo boa nota d'esta declaração, visto que dentro em pouco estará s. exa. ao meu lado a pedir por todas as fórmas, não direi que se corrija, porque já é tarde, mas que se ponha ponto n'esta torrente de irregularidades que se têem succedido com vertiginosa rapidez no processo do sr. Ferreira de Almeida, desde o primeiro acto do governo até este, que parece ser na camara dos deputados o epilogo de tão triste e desgraçada questão! (Apoiados.)

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862 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

«Deus nos livre que o governo interviesse, ainda que fosse de uma maneira indirecta, no decurso d'este processo», disse o sr. Eduardo José Coelho! Pois infelizmente Deus não nos livrou d'esse mal! (Muitos apoiados.)
E quer v. exa. saber porque?
Vou já dizer-lh'o.
O despacho de pronuncia é lançado pelo sr. commandante geral da armada, em vez de o ser pelo conselho de investigação!! (Apoiados.)
Em primeiro logar, não ha lei alguma n'este paiz, que preceitue a intervenção do commandante geral da armada n'esta altura do processo, isto é para classificar um crime. E digo isto, sr. presidente, e affirmo-o porque tenho aqui a prova. (Apoiados.)
O sr. Eduardo José Coelho, que desconhecia a ordenança geral da armada não citou tambem outro documento importante para o caso, e por isso, e apesar de s. exa. ter estudado cuidadosamente este assumpto, não sei se tem conhecimento d'elle. Refiro-me ao decreto de 28 de outubro de 1869, organisando o commando geral da armada e firmado pelo sr. Rebello da Silva, antigo ministro da marinha e membro dos mais distinctos do partico historico.
N'este decreto leiu eu o seguinte:
«Artigo 1.° É creado o commando geral da armada.
«Art. 2.° O commando geral será exercido por um oficial general do corpo da armada.
«§ unico. Este cargo é amovivel e da confiança do governo.»
Não está mau juiz! «amovivel e da confiança do governo!!» (Muitos apoiados.)
Mas diz mais o artigo 3.°:
«O commandante geral recebe directamente as ordens do ministro e secretario d'estado dos negocios da marinha e ultramar, ao qual se dirige, pela direcção geral da marinha».
Não está mau juiz este, nem está má independencia do magistrado que lavra o despacho de pronuncia n'este julgamento!! (Apoiados.) Não está mau juiz, amovivel, da confiança do governo e recebendo ordem directamente do ministro da marinha!! (Muitos apoiados.)
E ainda dizia o sr. Eduardo José Coelho, que Deus nos livrasse de que o governo tivesse intervindo! Pois então o que fez o ministerio, arvorando em juiz, que pronuncia, um seu delegado, um seu subordinado, a quem directamente transmitte ordens, que é um funccionario amovivel, que se não obedecer ao que lhe mandam, está sujeito a ser transferido?! (Apoiados.)
(Interrupção que não foi ouvida.)
Eu estou argumentando com a lei, e se o illustre deputado me demonstrar que o decreto de 28 de outubro de 1869 está revogada ou substituida por outro, então confessarei que estou em erro, porque não tenho duvida em fazer tal confissão! O illustre deputado, porém, não poderá provar que este decreto está revogado. (Apoiados.) Mas, sr. presidente, isto tudo é monstruoso! (Muitos apoiados.) Pois ha porventura palavras no vocabulario da indignação parlamentar, que possam fulminar uma monstruosidade d'este quilate?
Pois então é o magistrado amovivel e de confiança do governo, que recebe ordens directamente do sr. ministro da marinha, aquelle que, evocando illegalmente a si as funcções mais delicadas, que pertencem ao poder judicial, como a classificação de um crime, lança n'este processo o despacho de pronuncia e nas condições em que nós já vamos ver que foi lançado!! (Muitos apoiados. Vozes: - Muito bem.)
Estamos acaso no tempo em que a confusão dos poderes aniquilava completamente as garantias do cidadão, que só na separação d'esses mesmos poderes encontrava a sua melhor salvaguarda?! (Muitos apoiados. Vozes: - Muito bem.)
Disse um jornal estrangeiro bastante conceituado, que o triste incidente que se tinha dado n'esta camara no dia 7 de maio, ecoára por toda a Europa.
Pois se esse incidente ecoou por toda a Europa, o que com certeza ha de ter ecoado tambem e em bastante lamentavel tom é a jurisprudencia estabelecida por este parlamento, (Apoiados.) são as doutrinas defendidas por esta maioria, (Apoiados.) são os actos praticados com plena absolvição por este governo! (Muitos apoiados.)
É isto o que a estas horas está sendo commentado pela Europa, não contribuindo de certo para nos collocar perante ella sob a perspectiva mais favoravel dos nossos bons creditos de paiz civilisado. (Apoiados.)
O commandante geral da armada, repito, não póde ter intervenção n'este assumpto, e eu digo á camara porque. Em primeiro logar, porque nós temos a lei cuja existencia o sr. Eduardo José Coelho ignorava, a ordenança geral da armada, de 3 de maio de 1866, na qual se estabelece preceptivamente qual o formulario que devem seguir os conselhos de investigação. Ora n'esse formulario diz-se que a ultima conclusão do conselho de investigação deve ser do teor seguinte:
«Vendo-se n'este conselho de investigação a parte accusatoria e depoimentos das testemunhas, declaração do réu e sua defeza, julga o conselho uniformemente ou pela maior parte que o réu é suspeito (ou não suspeito) do delicto de tal... prohibido pela lei.. . (ou artigo) porque é accusado perante este conselho.»
Aqui está, sr. presidente, a classificação do crime por quem póde legalmente fazel-a!
Esta lei é a que vigora na marinha; (Apoiados.) e a argumentação por analogia que empregou o illustre jurisconsulto, o sr. Eduardo José Coelho, não colhe, porque no fôro de que se trata existe uma lei especial (Apoiados.)
Pelo novo codigo de justiça militar, é verdade que o general da divisão lança o despacho de pronuncia, mas ouvindo o auditor, e sendo representadas as testemunhas.
Na marinha porém, não houve uma reforma analoga á de 1875, e por isso não existe nova legislação que substitua a antiga, subsistindo de pé este decreto de 1866, que não foi rasgado por lei alguma posterior. Comtudo e apesar da disposição expressa do artigo 678.° da Ordenança geral da armada, quem organisou este processo de nada quiz saber!
E assim tudo isto que se está passando é monstruoso, é anomalo! (Apoiados.) Por mais que os illustres deputados da maioria digam e clamem que não devemos chamar á autoria o governo, nós não podemos deixar a todos os momentos, e por todas as fórmas, de trazer aqui para o debate os verdadeiros responsaveis d'este estado de cousas! São esses os unicos criminosos e criminosos do delicto de lesa-nação e de lesa-liberdade!
O banco dos réus, não é aquelle onde terá de sentar-se o nosso collega; o banco dos réus são aquellas cadeiras onde estão os srs. ministros, que são accusados e nem sequer respondem a nenhuma das nossas accusações! (Apoiados.)
Porventura a argumentação do sr. Marçal Pacheco já teve resposta alguma? (Apoiados.) Porventura alguém destruiu as rasões de todo o ponto concludentes apresentadas pelo sr. Lopo Vaz? (Apoiados.)
Disse-se que não podiamos discutir o processo, porque importava qualquer discussão a esse respeito uma usurpação de jurisdicção, visto que pela carta é á camara dos dignos pares que compete julgar este caso. Mas nenhum de nós discutiu aqui o processo, sr. presidente! Nenhum de nós o discutiu para apreciar qual a penalidade, que deve ser applicada ao delinquente. E sómente a discussão, sob tal aspecto, é que nos póde ser vedada.
Se não discutimos, porém, o processo para apreciar juridicamente os termos do julgamento, devemos discutil-o para podermos analysar a doutrina do parecer que sobre esse documento se funda.

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SESSÃO DE 28 DE MAIO DE 1887 863

A propria maioria assim o comprehendeu, votando, por requerimento meu, e por unanimidade, que o processo fosse impresso; ora, do momento em que foi impresso, ficou implicitamente reconhecido o direito de elle ser discutido por nós. Alem do que, a camara não póde ter direito inferior ao direito de qualquer das suas commissões, que são meras delegações d'esta assembléa. (Apoiados).
Que fez a commissão de legislação criminal?
Discutiu e estudou o processo, conforme se deprehende das suas proprias palavras; logo tambem nós o podemos discutir! (Apoiados.)
Com effeito lê-se logo no começo do parecer da referida commissão: «Senhores. A commissão de legislação criminal examinou o processo instaurado por ordem do sr. commandante geral da armada, contra o sr. deputado e primeiro tenente da armada José Bento Ferreira de Almeida, etc.» E mais adiante: «Considerando que pelo referido processo se prova que o mencionado deputado é accusado do crime de offensa corporal, etc.»
Sr. presidente, aquillo que a maioria permittiu que se fizesse, auctorisando a impressão, aquillo que a propria commissão fez, será porventura defezo a esta camara? Pois acaso n'este debate nós já proferimos qualquer proposição attentatoria dos direitos da camara dos pares como tribunal de justiça?
Se eu quizesse usar de retaliações, se quizesse desviar a discussão do curso que tem seguido na sessão de hoje, poderia dizer que quem commetteu essa grave offensa ás praxes parlamentares, e que deu o exemplo d'essa indelicada ingerencia nas prerogativas da outra casa do parlamento, foi um deputado da maioria, o sr. Oliveira Matos, o qual, não só discutiu o processo, mas antecipou até o julgamento, quando nos disse que o sr. Ferreira de Almeida não soffreria mais do que alguma simples dor de cabeça e isto mesmo no caso de não estar bem disposto! (Apoiados.)
Eu pergunto: não é similhante declaração uma asserção gravissima, e uma quasi incomprehensivel imprudencia, depois de ter vindo aqui o sr. presidente do conselho affirmar com ares solemnes que ao delicio commettido era applicavel a pena capital, e que só por isso ordenara, sem licença da camara, a prisão do sr. Ferreira de Almeida?
Então, depois de o conselho de ministros no dia 7 e a maioria no dia 9 do corrente terem invocado a pena capital para o delicto do nosso collega, levanta-se um deputado da maioria também, e que não póde por consequencia deixar de consubstanciar em si no actual momento a opinião dos seus collegas d'esse lado da camara, e vem dizer-nos que tudo isto foi um mero espectaculo ou antes uma mera especulação, e que ao sr. Ferreira de Almeida, depois de ter soffrido toda esta perseguição, depois de ter estado preso todo este tempo ás ordens do governo, não lhe acontecerá cousa alguma, a não ser que lhe da a cabeça, se não estiver bem disposto? (Apoiados.)
Isto é serio? isto é decoroso? (Apoiados.)
Não são imprudencias e leviandades d'estas, que podem prejudicar o julgamento da outra camara? (Apoiados.)
Aqui está o que eu poderia dizer e sobre o qual apenas não insisto, por considerar a affirmação do illustre deputado como uma simples e inoffensiva flor de rhetorica.
O sr. Oliveira Matos: - Muito obrigado!
O Orador: - Não tem que me agradecer, é justiça! (Riso.)
O commandante geral da armada não póde alem d'isso lançar despachos de pronuncia, porque ainda que a «Ordenança geral da armada» não indicasse a quem compete tal funcção, o decreto de 28 de outubro de 1869 preceptivamente estabelece o que incumbe a este funccionario, e nada a similhante respeito no referido decreto se diz.
Ora s. exa. sabe que as leis administrativas especiaes, não podem ser interpretadas como as leis geraes, que regulam os direitos dos cidadãos; n'estas é licito fazer tudo aquillo que a lei não prohibe, n'aquellas, pelo contrario, o
funccionario sómente póde fazer o que a lei expressamente declara que é sua funcção. Supponha-se por um momento que se invertia este salutar principio, o que acontecia?
Uma completa anarchia nas relações dos differentes poderes do estado!
Appliquemos então o principio ao caso sujeito.
O que estatue o decreto de 28 de outubro de 1869 com respeito ás attribuições do commandante geral da armada? Peço licença para o ler á camara:
«Artigo 6.° Ao commandante geral incumbe:
«7.° Nomear officiaes, que hão de compor os conselhos de investigação, de disciplina e de guerra, para o julgamento dos crimes, ou delictos commettidos por individuos pertencentes á armada, e fazer executar as sentenças, logo que forem confirmadas pelo supremo conselho de justiça militar.»
Onde se diz aqui que ao commandante geral da armada incumbe lançar despachos de pronuncia, substituindo-se ao juiz competente? (Apoiados.)
E note v. exa., e note a camara, que foi o sr. ministro da justiça, e o sr. presidente do conselho, que sustentaram que o conselho de investigação era o tribunal competente, a que estava entregue o réu! Agora esse tribunal competente já nem sequer classifica o crime, e os srs. ministros mandam classifical-o por um official que recebe directamente ordens do ministro da marinha, isto é, por um funccionario de confiança, absolutamente sujeito ao governo!
É um delegado do governo, nunca será de mais repetir, é um empregado amovivel, que pronuncia, e não querem que se diga que este processo é em tudo monstruoso! (Apoiados.)
Assim, o governo é o queixoso n'esta causa, porque faz as vezes de parte accusatoria o officio do commandante geral da armada, mandando reunir o conselho de investigação, e é ao mesmo tempo juiz, porque é elle quem pronuncia por intermedio de um seu subordinado!
E por esta occasião, e como no officio a que me refiro se allude a ordens superiores, em virtude das quaes o commandante geral da armada mandou instaurar o processo, ordens que devem ser o mandado de captura assignado por todos os ministros, inclusive pelo ministro offendido, conforme no dia 9 confessou o sr. presidente do conselho, eu noto que similhante documento não se encontra no processo.
Pergunto: porque é que não apparece aqui a ordem de captura? Por que rasão se occultou essa peça tão importante do proces o?
Para remediar esta falta, sr. presidente, leio o requerimento, que vou mandar para a mesa, e do qual peço a urgencia.
É o seguinte:
«Requeiro que seja enviada com urgencia a esta camara a ordem de captura contra o deputado Ferreira de Almeida, passada pelo conselho de ministros, reunido no edificio das côrtes na tarde de 7 do corrente.
«Sala das sessões da camara, 28 de maio de 1887. = O deputado, Consiglieri Pedroso.»
Quero ver essa ordem de captura e vel-a no original, para me certificar se a mão dos srs. ministros não tremeu no momento em que mais uma vez estavam rasgando a carta e violando as mais sagradas immunidades da camara, mesmo com o parlamento aberto e na propria sala das sessões! (Muitos apoiados.)
Quero ver esse documento porque tenho direito de o ver como representante da nação. (Apoiados.)
Torno a repetir, sr. presidente, que é monstruoso e anomalo o procedimento do governo, a um tempo parte, porque manda instaurar o processo, fazendo o seu delegado as vezes de ministerio publico, e juiz, porque o mesmo delegado vem fechar com um despacho de pronuncia este circulo, não direi vicioso, mas criminoso, de nunca vistas irregularidades! (Apoiados.)

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Só resta agora que ainda o governo encontre meio de se substituir ao tribunal especial que ha de julgar o sr. Ferreira de Almeida e que depois de o ter prendido e pronunciado o condemne tambem e até o execute, porque ao menos assim fica tudo em familia, e o processo correrá mais expedito e mais simplificado! Bem disse o sr. Fuschini, no outro dia, que o governo, alargando, ao sabor das suas conveniencias, e conforme quadra aos maus passos que vae n'esta questão successivamente passando, a moção de confiança que lhe deram no dia 9, dentro em pouco julgar-se-ha auctorisado a decretar a pena de morte para este réu de alta traição, ao que parece, pela sanha com que o perseguem!
E já que mais uma vez me refiro ao nosso collega Ferreira de Almeida, peço á camara que não esqueça a seguinte circumstancia.
Emquanto que, scelerados, malfeitores, homens que a todo o coração bem formado repugna consideral-os como pertencentes á nossa especie; andam passeando pela cidade, temporariamente livres, ao abrigo da nova lei de fianças, um militar brioso e cavalheiro, um official que sempre que foi necessario lançar mão da sua espada para manter intacta a honra da bandeira portugueza, o fez com o pundonor de um bravo, está preso sem homenagem sequer fóra do seu quarto, não podendo nem passear no corredor do seu quartel, e ainda ha pouco tinha sentinellas á vista, como se se tratasse de um criminoso da mais baixa esphera, como se se tratasse de um perigoso malfeitor, que a sociedade tivesse, por motivo de salvação publica, de sequestrar ao seu convivio! (Muitos apoiados.- Vozes: - Muito bem.)
Até aqui, srs. ministros! seria justiça! Mas agora não será isto uma repugnante vingança ou uma odiosa perseguição?! Não será similhante procedimento para com um deputado uma violencia das mais mesquinhas? (Apoiados.)
Digam-me em que lei se fundam para este attentado sem precedentes, quasi de lesa humanidade?
Em que lei se fundam para deixar andar em liberdade os malfeitores, que só são encarcerados hoje, depois do poder judicial os julgar, e ter affrontosamente preso sem homenagem um representante da nação, digno da estima de todos nós? (Muitos apoiados.)
Diz-se e repete-se lá fora, sr. presidente, que se quer arrancar daqui, a todo o custo, um deputado a quem se teme.
Eu, emquanto não tiver provas positivas para confirmar tão grave accusação, que seria mais do que deshonrosa para os poderes publicos d'este paiz, não acredito n'ella; mas, para decoro dos homens que se sentam n'aquellas cadeiras, (as do governo) é preciso que se esclareça tal boato, de modo que a prisão do sr. Ferreira de Almeida não pareça uma vindicta pouco digna de quem quer que seja!
E preciso dizer-se n'este caso, que não basta que a mulher de Cesar seja honesta, mas que deve parecel-o! Não basta, com effeito dizer-se particular ou publicamente que as intenções do governo são as mais puras e que os seus propositos são os mais honestos; é sobretudo necessario que elle mostre pelos seus actos estar o seu procedimento conforme com taes declarações! (Apoiados.)
Por isso mais valia que, em vez de toda essa triste defeza a que temos assistido, os srs. ministros confessassem que num momento de perturbação de animo tinham ultrapassado a orbita constitucional dos seus deveres. (Apoiados.)
Esta confissão franca e sincera perante a representação nacional contribuiria para que a camara os absolvesse das suas culpas.
Mas o expediente que se tem empregado, de confundir aquillo que para todos é claro, só serve para dar vulto e corpo a boatos, que eu, apesar de estar muito longe d'aquellas cadeiras, (as dos ministros) não queria ver adquirir consistencia, porque ali, sr. presidente, podem estar representadas opiniões diametralmente oppostas ás minhas, mas deve sempre conservar todo o prestigio e toda a dignidade o poder! (Apoiados.- Vozes: - Muito bem.)
Não quero alongar-me mais.
Como disse, a sessão está prorogada e devo por todos os motivos concluir.
Vou, pois, resumir o mais que possa, as considerações que ainda me resta a fazer.
Não entro na apreciação da interpretação do artigo 4.° do segundo acto addicional á carta, tal qual a fez o sr. Eduardo Coelho, respondendo ás considerações que tinham sido feitas, na sessão de hontem, pelo sr. Marçal Pacheco.
Admittindo, por hypothese, como igualmente fundadas as duas interpretações, acceitando que ambas se podem plausivelmente sustentar de um e outro lado com ponderosos argumentos, n'este caso eu digo ainda que a interpretação do sr. Marçal Pacheco é aquella que deve ser adoptada. (Apoiados.)
E repetindo que é essa interpretação a que deve ser adoptada, eu nem preciso lembrar á camara o tocante aphorismo árabe citado pelo sr. Serpa Pinto.
Quem pede misericordia deve, com effeito, dizer: na duvida, perdôa sempre!
O que eu peço, porém, á camara, n'esta questão, é justiça e equidade. (Apoiados.)
Não lhe digo, por isso, que, na duvida, perdoe. Digo-lho que, na duvida, interprete a lei no sentido mais humano, mais liberal e mais consentaneo com as boas praxes; no sentido que menos conduza a absurdos e a violencias! (Apoiados.) Não lhe digo que perdoe, que cubra com a sua benevolencia alguem, que deve ser julgado pela justiça estricta. Mas digo-lhe que, dando-se ao artigo 4.° do segundo acto addicional duas interpretações, que podem uma á outra contrapor-se, opte por aquella que offerece mais garantias ao accusado, por aquella que menos fere os sentimentos que são communs a todos nós, por aquella que está mais de accordo e mais em harmonia com os principios da sã hermeneutica juridica! (Apoiados.)
E depois, sr. presidente, o que se perde, se porventura a camara, seguindo a interpretação do sr. Marçal Pacheco, se tiver porventura enganado? O que pede o sr. Marçal Pacheco, e o que peço eu na minha moção? Que o processo seja immediatamente remettido á camara dos dignos pares. Admitiamos a peior das hypotheses, que é a de ser a verdadeira, e mesmo a unica, a interpretação dada pelo sr. Eduardo José Coelho á lei, isto é, que nós simplesmente podemos decidir se o processo deve continuar no intervallo das sessões, ou depois de findas as funcções do accusado.
A camara dos dignos pares, no caso sujeito, exerce duas funcções. É um ramo do poder legislativo e um tribunal especial para poder julgar o accusado. Como ramo do poder legislativo, tem tambem direito de interpretar a lei. Tem o mesmo direito que a camara dos deputados. Mas como tribunal de justiça, tem o direito de conhecer dos termos em que lhe é remettido o processo.
Ora se este processo não lhe for enviado, conforme a lei preceitua, isto é, se lhe for enviado antes de tempo, a camara dos dignos pares declara-se incompetente para o julgar n'este momento, e espera pelo fim da sessão actual para lhe dar andamento, exactamente para quando tenha chegado o praso defendido pelo sr. Eduardo José Coelho. De maneira que nada se perde, enviando o processo desde já para a outra camara.
De duas, uma. Ou a camara o acceita ou não acceita. Se o acceita, poupou-se ao accusado alguns mezes mais de prisão preventiva, e a camara dos deputados só tem a regosijar-se por este resultado, visto haver a maioria já aqui declarado que todo o seu desejo é abreviar o processo; se o não acceita, segue-se o caminho indicado por esse lado da camara, mas fez-se uma tentativa generosa! (Apoiados.)

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Alem d'isso, note a camara uma circumstancia a que ainda se não alludiu.
O segundo paragrapho do parecer da commissão deixa uma larga margem ao arbitrario de quem continua pesando sobre este processo.
O paragrapho a que me refiro diz que o sr. Ferreira de Almeida deve ser julgado no intervallo das sessões.
Ora v. exa. sabe que a actual sessão legislativa termina no dia 2 do proximo julho e que portanto o intervallo das sessões começa a decorrer em 2 de julho e vae até 31 de dezembro.
O sr. Ferreira de Almeida está preso preventivamente emquanto o processo não for julgado. Mas como este processo póde ser julgado logo que seja encerrado o parlamento, nos primeiros dias de julho, ou pelo contrario, póde ser deferido o seu julgamento até 31 de dezembro, segue-se que são mais seis mezes de prisão, que á vontade se podem acrescentar á pena que tenha de soffrer o nosso collega!
E este ponto é da mais alta importancia, e deve merecer a maior consideração á camara.
Como se sabe, o sr. Ferreira de Almeida é primeiro tenente da armada. Embora que o caso sujeito, e na epocha em que commetteu o delicto, não deva considerar-se senão como deputado, entretanto a sua carreira é a militar, e como tal segue o nosso collega os postos na escala da promoção.
Ora v. exa. sabe também, sr. presidente, que depois de uns certos dias de prisão, e á medida que estes dias forem augmentando, o sr. Ferreira de Almeida, primeiro tenente da armada, vê passar successivamente á sua direita todos os officiaes que estavam á sua esquerda.
De maneira que o governo, unica e simplesmente por uma ordem sua, e antes do julgamento, póde ir castigando antecipadamente o sr. Ferreira de Almeida, fazendo-o alem d'isso perder a sua carreira militar. (Apoiados.)
Pergunto eu, poderá ser para a camara indifferente esta circumstancia?
Não deve pesar no espirito da maioria a grave responsabilidade em que vae incorrer?
É preciso, portanto, que seja explicado pelo sr. relator da commissão este segundo paragrapho do parecer.
Termino aqui sr. presidente. Ainda bem que chegamos, nós os deputados, ao ultimo acto d'este tristissimo drama, e ainda bem que chegamos, porque, ao menos arreda-se d'esta camara um incidente irritante, que todos os dias aqui estava levantando o nosso protesto n'um brado de justificada indignação! Ainda bem que se tira das nossas discussões um assumpto que, tendo começado pelo expediente, violento e tulmultuario de uma prisão illegal, termina pelo epilogo monstruoso d'este processo, ao qual hão de ficar eternamente agrilhoadas as responsabilidades dos srs. ministros. (Apoiados.)
É já tempo, que o parlamento portuguez entre na sua vida normal! (Apoiados.) Mas, se ainda bem que se arreda da camara este debate irritante, ainda mal que elle sé arreda por esta fórma, ainda mal que até ao ultimo dia, tendo tido tanto tempo para pensar e reflectir, podendo ter tanto ensejo para emendar o erro da primeira inadvertencia eu da primeira leviandade, o governo tivesse persistido na sua imprudentissima teimosia!
Bem poderoso é o chanceller allemão, bem grande é a influencia que elle exerce sobre o parlamento germanico, e n'uma questão identica, n'um caso de infracção constitucional, tambem como este, o reichstag, soube collocar-se no unico campo, que lhe consentia a sua dignidade.
É conhecida a historia da prisão dos dois deputados socialistas, Frohme e Vollmar em 1883, por terem ido assistir a um congresso demagogico, que se realisára em Copenhague. Apesar das circumstancias excepcionaes em que se encontravam estes dois deputados perante o direito commum, e apesar da sua posição isolada em meio das outros partidos da camara, o reichstatg obrigou o principe de Bismark a desculpar-se diante do parlamento n'uma mensagem.
Na Allemanha, que por ahi alcunham de auctoritaria, procedesse assim para com as camaras, e procede assim o orgulhoso chanceller de ferro; aqui ministros e parlamento têem procedido da maneira que se viu n'esta famosa questão! Mais palavras para pôr em relevo tão eloquente confronto sómente serviriam para enfraquecer a pungente realidade do contraste! Deixo por isso as considerações que o caso suggere, hoje á consideração da camara e amanha á consideração do paiz! Tenho dito. (Muitos apoiados.)
Vozes : - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, concordando com a doutrina do parecer da minoria da commissão de legislação criminal, passa á ordem do dia.
Sala das sessões da camara, 28 de maio de 1887. = Consiglieri Pedroso.
Foi admittida.
O requerimento teve o destino indicado a pag. 853.
O sr. Francisco Matoso: - Requeiro a v. exa. consulte a camara, se julga a materia sufficientemente discutida.
O sr. Arroyo: - Peço a palavra sobre o modo de porpor.
O sr. Presidente: - Segundo as disposições do regimento, a palavra sobre o modo de propor, só é concedida depois do presidente indicar a maneira porque vae propor. Eu vou propor á votação da camara o requerimento do sr. Matoso, consultando-a sobre se julga a materia sufficientemente discutida, e os srs. deputados que não se conformarem com este modo de propor, podem usar da palavra unicamente para o effeito de impugnarem a minha indicação.
Tem a palavra sobre o modo de propor o sr. deputado Arroyo.
O sr. Arroyo: - A observação do sr. presidente, na parte que me cabe, era perfeitamente escusada. Não pedi a palavra para demorar a discussão, nem para discutir o projecto; pedi simplesmente a palavra sobre o modo de propor, e não tenciono nem desejo abusar dos justos limites em que se devem conter as minhas considerações.
Portanto, rejeito a observação de v. ex., pela parte que me diz respeito, era escusada.
Creio que todos os membros d'esta camara têem perfeito conhecimento do acatamento que devem á mesa presidencial e ao regimento d'esta casa.
Eu pedi a palavra sobre o modo de propor, unicamente para lavrar um protesto vehemente, não pelo tom em que o faço, mas pelas expressões que vou proferir.
É a primeira vez que no parlamento portuguez se proroga uma sessão, para se abafar a discussão cinco minutos depois de dar a hora. (Apoiados.)
Unicamente direi que este facto serve de natural termo, pelo seu caracter de excepção, ao que se tem passado d'esde a prisão do sr. Ferreira de Almeida.
É o digno fim de tal obra.
Talis vita, finis ita.
Vá a responsabilidade a quem compete; a maioria, votando este requerimento, não faz mais do que corresponder a todas as tropelias, illegalidades, abusos e actos dictatoriaes praticados pelo governo! (Apoiados.)
Vozes : - Ordem, ordem.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Peço a v. exa. que consulte a camara, sobre se quer votação nominal sobre o requerimento, para se julgar a materia discutida. (Apoiados.)
Consultada a camara resolveu affirmativamente.

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866 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Presidente: - Vae proceder-se á chamada para se votar nominalmente o requerimento do sr. Francisco Matoso.
Os srs. deputados que entenderem que o parecer está sufficientemente discutido, dizem approvo. Os que entenderem o contrario, dizem rejeito.
Feita a chamada
Disseram approvo os srs.: Albano de Mello, César Brandão, Alfredo Pereira, Assis Andrade, Pereira da Fonseca, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Eduardo Villaça, Ribeiro Ferreira, Antonio José Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Chaves Mazziotti, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Victor dos Santos, Homem Machado, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Goes Pinto, Madeira Pinto, Feliciano Teixeira, Matoso dos Santos, D. Fernando de Sousa Coutinho, Francisco de Barros, Castro Monteiro, Castro Matoso, Fernandes Vaz, Francisco José Machado, Lacerda Ravasco, Francisco Pinto Coelho Soares de Moura, João Joaquim Izidro dos Reis, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Correia Leal, Alves Matheus, Heliodoro da Veiga, José Maria de Oliveira Valle, Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Alves de Moura, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, Pereira e Matos, Dias Ferreira, Abreu Castello Branco, Frederico Laranjo, Lemos e Napoles, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, D. José de Saldanha, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Santos Moreira, Santos Reis, Abreu e Sousa, Faria Graça, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Affonso Espregueira, Manuel José Correia, Brito Fernandes, Silva Prezado, Pedro Monteiro, Rodrigues Monteiro, Estrella Braga, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Visconde de Silves, Alpoim, Medeiros, Rodrigues de Carvalho.
Disseram rejeito os srs.: Serpa Pinto, Sousa e Silva, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Joaquim da Fonseca, Fontes Ganhado, Urbano de Castro, Cunha Pimentel, Fuschini, Firmino João Lopes, Correia Arouca, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Jacinto Candido da Silva, Baima de Bastos, Franco Castello Branco, João Arroyo, Rodrigues dos Santos, Avellar Machado, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Guilherme Pacheco, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Azevedo Pacheco, Teixeira de Azevedo, Miguel Dantas, Pedro Victor, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Consiglieri Pedroso.
O sr. Presidente: - Está, portanto, approvado o requerimento do sr. Francisco Matoso por 85 votos contra 32.
Agora vae proceder-se á leitura das moções que foram mandadas para a mesa, e que têem de ser votadas antes do parecer da commissão.
O sr. Dias Ferreira: - Não me tendo chegado a palavra e conforme o regimento, peço licença para mandar para a mesa uma moção de ordem, que tencionava apresentar á camara.
Peço tambem a v. exa. que mande ler os nomes dos deputados que ainda se achavam inscriptos.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que só no plenario da accusação podem ser apreciados os termos do processo, competindo agora a esta assembléa apenas decidir se o deputado deve ou não ser suspenso do exercicio das suas funcções, e se o julgamento ha de ter logar finda a actual legislatura, ou finda a legislatura, e n'estes termos
Considerando que o crime por que o deputado está processado, em presença das circumstancias que precederam, acompanharam, e se seguiram ao facto, segundo mostram os autos, e nomeadamente a declaração do offendido, qualquer que seja a gravidade da pena, não fere de indignidade ou infamia o arguido para se lhe impor desde já a suspensão do exercicio das funcções legislativas sem esperar pelo julgamento final, que ha de fixar e determinar a posição do accusado;
Considerando que, em seguida á deliberação da assembléa, é indispensavel remetter logo o processo á camara dos dignos pares, para o arguido ficar immediatamente á disposição do juiz da sentença, e poder desde logo requerer o que lhe convier, comquanto só depois de finda a presente sessão legislativa deva ter logar a audiencia de julgamento:
Resolve:
1.° Não suspender o arguido do exercicio de suas funcções.
2.° Enviar, logo em seguida á deliberação da assembléa, o processo á camara dos dignos pares do reino para os effeitos legaes;
e continua na ordem do dia. = Dias Ferreira.
Foi admittida.

O sr. Ruivo Godinho: - Pelo mesmo motivo, apontado pelo sr. Dias Ferreira, mando para a mesa a minha moção.
Leu-se na mesa.
É do teor seguinte:

Moção de ordem

Considerando que o simples facto de uma accusação mais ou menos grave não basta para produzir a suspensão do deputado accusado, e que esta depende da gravidade do crime imputado e do maior ou menor fundamento ou procedencia da accusação;
Considerando que da propria declaração do queixoso (que faz prova plena), a fl. 3, resulta que não chegou a haver offensa corporal e apenas tentativa, pois que o proprio queixoso, mais competente que ninguem, põe em duvida a effectividade da offensa corporal, dizendo que não sabe se o attingiu o murro que lhe era dirigido, o que aliás não está contrariado por qualquer exame directo, nem pela declaração do accusado, que tambem não assegura, que attingisse o ministro contra quem levantara mão violenta;
Considerando que a declaração do queixoso é que determina a extensão e alcance da accusação, maxime quando esse queixoso tem a illustração do de que se trata, e a sua declaração não é modificada por qualquer exame directo, como aqui succede;
Considerando que a classificação do crime feita pelo despacho de folhas ou por outro qualquer de pronuncia de similhantes, se não póde impor á camara, o que aliás dispensaria a remessa do processo, que qualquer instructor do processo tem de enviar exactamente para que a camara possa avaliar os fundamentos de tal classificação;
Considerando que a propria incriminação do facto no artigo 1.° dos de guerra da armada não determina por si só a classificação, e gravidade do crime, pois que, referindo-se esse artigo a varias penas, a simples invocação geral d'elle não dispensa, antes impõe, a necessidade de ver as circumstancias que o acompanham, para se ver em que parte do referido artigo está comprehendido esse crime;
Considerando que na mesma invocação generica do citado artigo mostra a difficuldade ou incerteza na classificação do crime, e porventura que é menos grave, á vista dos autos, do que a principio parecia;
Considerando que a suspensão das funcções parlamentares só pela camara póde ser decidida nos termos do artigo 4.° do segundo acto addicional;
Considerando que fazer resultar tal suspensão do simples facto do prisão seria o mesmo que dar o direito de suspender os deputados a quem tem o direito de os pren-

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SESSÃO DE 28 DE MAIO DE 1887 867

der, que póde ser qualquer do povo, o que é absurdo e contra direito;
Considerando que, em harmonia com estes principios, o proprio artigo 4.° do segundo acto addicional já citado, quando remette á camara a decisão sobre a suspensão do deputado accusado ou pronunciado, não faz distincção alguma sobre ter, ou não, havido prisão;
Considerando que a camara não confirmou a prisão do sr. deputado Ferreira de Almeida, nem a podia confirmar, porque não é das suas attribuições confirmar a prisão de qualquer deputado, mas simplesmente ordenal-a em certos casos, e que nem mesmo uma moção de confiança votada ao governo importa a confirmação de uma prisão, que aliás os autos mostram não ter sido feita á ordem do governo, mas do commandante do corpo de marinheiros da armada;
Considerando que a esta, camara pertence exclusivamente decidir se qualquer deputado, accusado ou pronunciado, deve ser suspenso, e não sobre ratificação de suspensão, que nenhum outro poder ou auctoridade póde impor; e, que á mesma camara, pertence tambem decidir se o processo deve continuar no intervallo da sessão ou no fim da legislatura;
Considerando que só em casos muito graves se deve privar um circulo de algum de seus representantes em côrtes, o que aqui felizmente se não dá, como os autos mostram, limitando-se o caso á uma tentativa de offensa corporal a que o queixoso correspondeu in continenti, como elle mesmo confessa, com igual tentativa:
Proponho que a camara decida que o sr. deputado Ferreira de Almeida continue no exercicio de suas funcções parlamentares, não obstante a accusação que lhe é feita, e que o respectivo processo siga no intervallo d'esta sessão á seguinte. = Ruivo Godinho.
Foi admittida.

O sr. Presidente: - A proposta do sr. Dias Ferreira é uma substituição que tem de ser votada depois do parecer, caso não fique prejudicada com a votação d'este, e nas mesmas condições estão as propostas dos srs. deputados Marçal Pacheco e Ruivo Godinho.
Vão ler-se as outras para se votarem. A primeira é do sr. Lopo Vaz.
Leu-se a seguinte

Moção de ordem

A camara entendendo, que o processo deve seguir immediatamente para a camara dos dignos pares do reino, passa á ordem do dia. = Lopo Vaz.

O sr. Lopo Vaz: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha moção.
Assim se resolveu.
Leu-se a seguinte

Moção de ordem

A camara convida o sr. ministro das obras publicas a honrar os compromissos solemnemente contrahidos, e a respeitar as opiniões com a maior firmeza expendidas pelo sr. Emygdio Navarro, e passa á ordem do dia. = Franco Castello Branco.

O sr. Franco Castello Branco: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha moção.
Assim se resolveu.
Leu-se a seguinte

Moção

A camara, considerando que só lhe compete deliberar nos termos do artigo 4.° da lei de 24 de julho de 1885, passa á ordem do dia. = Eduardo José Coelho.

O sr. Eduardo José Coelho: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha moção.
Assim se resolveu.
Leu-se a seguinte

Moção

A camara, concordando com a doutrina do parecer da minoria da commissão de legislação criminal, passa á ordem do dia.
Sala das sessões da camara, 28 de maio de 1887. = O deputado, Consiglieri Pedroso.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Peço a v. ,exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha moção.
Assim se resolveu.
Leu-se a seguinte

Proposta

Senhores. - A vossa commissão de legislação criminal estudou, com todo o cuidado e imparcialidade, o processo verbal e summario feito, em conselho de investigação, por ordem do commandante geral da armada, ao primeiro tenente da armada José Bento Ferreira de Almeida, processo que foi enviado a esta camara, nos termos do artigo 1:003.° da reforma judicial; e
Considerando que a esta camara não compete julgar do crime attribuido ao sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida, por ser esse julgamento attribuição exclusiva da camara dos dignos pares do reino, como está estabelecido no § 1.° do artigo 41.° da carta constitucional, e, n'esta conformidade, sómente lhe pertence deliberar para os effeitos do artigo 4.° do acto addicional de 24 de julho de 1880, e não nos termos do artigo 1:003.° da reforma judicial, como erradamente se affirma no despacho ou resolução do commando geral da armada de 23 de maio do corrente;
Considerando que, para esta camara poder decidir da suspensão ou continuação das funcções parlamentares do sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida, fôra mister que, em qualquer dos casos, se cumprisse a sua decisão, o que, nas actuaes circumstancias, não póde ter logar em presença da prisão, a que está sujeito, sem fiança, o mesmo sr. deputado, e por ser essa prisão, embora illegal e arbitraria, um facto impeditivo do exercicio d'aquellas funcções;
Considerando que, quanto á continuação do processo em que esteja accusado ou pronunciado qualquer deputado, compete a esta camara decidir se tal continuação deve ou não ser adiada para o intervallo das sessões, ou para quando findarem as funcções do accusado ou indiciado:
É de parecer:
1.° Que a camara não póde deliberar sobre a suspensão das funcções parlamentares do sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida;
2.° Que a camara resolva que não deve adiar, nem para o intervallo das sessões, nem para quando findarem as funcções do sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida, a continuação do respectivo processo e, consequentemente, que seja o mesmo processo enviado desde já á camara dos dignos pares do reino para discussão e julgamento.
Sala das sessões, 27 de maio de 1887. = O deputado, Marçal Pacheco.

O sr. Presidente: - Esta proposta é uma substituição ao parecer, e por isso é este que deve ser votado primeiro, como já disse.
Leu-se o

PARECER N.° 102

Senhores. - A commissão de legislação criminal examinou o processo instaurado por ordem do sr. commandante geral da armada, contra o sr. deputado, e primeiro tenente

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868 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

da armada, José Bento Ferreira de Almeida, que foi enviado a esta camara para os effeitos do artigo 4.° do acto addicional de 24 de julho de 1885;
Considerando que pelo referido processo se prova que o mencionado deputado é accusado do crime de offensa corporal, commettido contra o então ministro da marinha, conselheiro Henrique de Macedo Pereira Coutinho, no dia 7 do corrente mez, na sala das sessões d'esta camara, depois de encerrada a sessão; e que, no despacho lançado sobre o auto de investigação respectivo, o facto é incriminado no primeiro dos artigos de guerra da armada de 15 de outubro de 1799;
Considerando que a suspensão das funcções parlamentares do sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida, resulta virtualmente da prisão do mesmo sr. deputado, já confirmada por esta camara por fundamentos que subsistem ;
Considerando que a camara dos senhores deputados, nos termos do artigo 4.° do acto addicional de 24 de julho de 1885, só tem que deliberar sobre a suspensão do accusado do exercicio de suas funcções, e sobre se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções parlamentares do accusado, não podendo, por isso, resolver que o processo continue immediatamente:
E de parecer:
1.° Que seja ratificada a suspensão das funcções parlamentares do sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida;
2.° Que o processo siga no intervallo da actual sessão legislativa á sessão annual seguinte.
Sala das sessões da commissão, 24 de maio de 1887. = José Maria de Andrade = Antonio Candido Ribeiro da Costa = Eduardo José Coelho = A. Fonseca = Antonio Carvalho de Oliveira Pacheco = V. Santos = F. de Medeiros = Marçal Pacheco (vencido) = Albano de Mello, relator.

O sr. Arroyo: - Requeiro que sobre a primeira conclusão do parecer recaia votação por escrutinio secreto, porque tem sido esta a praxe constante n'esta casa quando têem de ser votados pareceres d'esta natureza.
O sr. Presidente: - O regimento não auctorisa, no caso presente, a votação por escrutinio secreto; mas, em vista do requerimento do sr. deputado Arroyo, eu vou consultal-a sobre se, dispensando o regimento, permitte a votação por espheras.
Umas vozes: - A camara não dispensa o regimento.
Outras vozes: - Está já dispensado.
(Susurro.)
Consultada a camara, foi dispensado o regimento para que a votação sobre a primeira conclusão do parecer tivesse logar por espheras.
O sr. Presidente: - Os srs. deputados que approvarem a primeira conclusão do parecer, lançam uma esphera branca na urna que está do lado direito da presidencia, que é a que exprime voto, e a esphera preta na urna que está do lado esquerdo; e os que rejeitam lançam a esphera preta na urna da direita e a esphera branca na urna da esquerda.
Procedendo-se á chamada, estabeleceu-se alguma confusão por se terem accumulado junto ás urnas muitos srs. deputados.
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Peço a v. exa. que faça cumprir o regimento, mandando que todos os deputados estejam sentados nos seus logares.
O sr. Presidente: - Peço aos srs. deputados que occupem os seus logares.
Eu vou ler á camara a disposição do regimento sobre esta votação.
«Artigo 153.° Os deputados, na occasião das votações secretas, não deverão deixar os seus logares senão á proporção que forem chamados para lançarem nas urnas as espheras ou listas, e é absolutamente prohibido que proximo á urna esteja mais do que o deputado votante.»
Por consequencia, os srs. deputados têem de ser chamados, e só quando o forem é que poderão levantar-se para votar. (Apoiados.)
Vae proceder-se á votação da primeira conclusão do parecer.
Feita a chamada e tendo se procedido ao escrutinio, verificou-se ter sido approvada a primeira conclusão do parecer por 75 espheras brancas contra 42 pretas.
O sr. Presidente: - Vae votar-se, por levantados e sentados, a segunda parte do parecer.
Foi approvada.
O sr. Presidente: - Com a approvação do parecer consideram-se prejudicadas as substituições dos srs. Marçal Pacheco, Dias Ferreira e Ruivo Godinho.
Tem agora a palavra o sr. Serpa Pinto, que a tinha pedido para antes de se encerrar a sessão.
O sr. Serpa Pinto: - Eu pedi a palavra para acrescentar algumas considerações ao que hontem disse, tambem antes de se encerrar a sessão, o meu correligionario e amigo o sr. Azevedo Castello Branco, a proposito de uns boatos que se espalharam lá fora em referencia ao que se passou aqui na quarta feira á noite, quando o sr. Teixeira de Vasconcellos se referiu ao exercito, mas sem usar de palavra alguma que podesse considerar-se offensiva. (Apoiados.)
É evidente que ninguem diria aqui uma palavra offensiva ao exercito na minha presença, ou na dos meus collegas militares que fazem parte, quer da minoria, quer da maioria da camara, sem que protestassemos immediatamente. (Apoiados.)
No entretanto, lá fóra, onde a calumnia não poupa ninguem, fez-se-me uma insinuação directa, e é esta insinuação que eu quero levantar hoje.
É absolutamente falso que eu tivesse apoiado o sr. Teixeira de Vasconcellos nas idéas theoricas de economia politica, que s. exa. aqui expendeu; como é falso que elle tivesse soltado alguma phrase ou palavra que podesse melindrar o exercito portuguez.
É esta a verdade; mas como a calumnia lá fora só atacava os membros do partido regenerador, estou auctorisado a dizer que, se alguem aqui offendesse por qualquer fórma o exercito, os chefes d'esse partido, que fazem parte da camara, não deixariam de levantar immediatamente a offensa. (Apoiados.)
E não póde deixar de proceder assim o partido regenerador, que vive e viverá sempre com as tradições do nosso chorado chefe (Muitos apoiados.), um dos que mais soube respeitar o exercito portuguez. (Muitos apoiados.)
A calumnia a que me refiro appareceu num jornal muito lido e conhecido, e um dos seus redactores politicos é meu particular amigo. D'esse direi eu que pela sua figura gentil, pelo seu elevado talento e reconhecido brio póde alguma vez vir a ser um Almaviva, mas nunca póde ser um D. Basilio.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Carlos Lobo d'Avila: - Agradeço á camara o ter permittido que usasse agora da palavra, e vou ser muito breve, para não abusar da sua benevolencia.
A allusão que me fez o sr. Serpa Pinto obrigou-me a pedir a palavra.
V. exa. sabe que não é uso discutir aqui os jornaes. Apesar de eu collaborar n'um jornal da capital, nem tudo o que lá apparece é escripto por mim. Não é, porém, n'esta casa, que eu posso assumir ou declinar a responsabilidade do que ali escrevo, assumo-a ou declino a n'outra parte. No entretanto vou já responder ao appello feito pelo sr. Serpa Pinto.
Estou convencido que o sr. Serpa Pinto não apoia, de certo, a doutrina expendida n'esta casa pelo sr. Teixeira de Vasconcellos, na parte em que censurava os exerci-

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SESSÃO DE 20 DE MAIO DE 1887 869

tos permanentes; mas confesso que essa doutrina era puramente theorica. Não só faço justiça aos sentimentos do sr. Serpa Pinto, mas tambem aos do sr. Teixeira de Vasconcellos, acreditando que não estava no seu animo offender o exercito. O sr. Serpa Pinto, esse escusava de nos dizer a nós, nem de dizer ao paiz, que nunca estaria no seu pensamento offender, ou associar-se a qualquer offensa feita ao exercito, porque s. exa. é, como todos sabemos, sem distincção de partido, um dos homens que mais têem engradecido o exercito portuguez, e mais serviços tem prestado ao paiz. (Apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira, é a continuação da que estava dada e mais os pareceres nos. 100 e 101 da commissão de fazenda.
Está levantada a sessão.
Eram sete horas e meia da noite.

Redactor = S. Rego.

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