12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
É de admirar que S. Exa., quando esteve no poder, não applicasse a doutrina por S. Exa. defendida, e a deixasse ficar de pé.
É que, como S. Exa. disse, cada um entende as questões de liberdade de imprensa conforme o seu criterio e alvedrio, e, não quero dizer, conforme a sua conveniencia.
O criterio do illustre Deputado quando está no Governo é de homem de Governo; e eis porque o illustre Deputado, quando está na opposição, pede a suppressão d'esse artigo, e quando está no Governo e applica conforme entende.
Posto isto, vou ter a honra de responder ás perguntas do illustre Deputado.
O illustre Deputado perguntou se o Governo conta tomar providencias relativamente ao saneamento das cidades de Lisboa e Porto.
A pergunta é muito simples, mas refere-se a um problema extremamente complexo.
Sr. Presidente: são muito do meu antigo conhecimento as taes perguntas simples que se formulam, quando se está na opposição e cujas respostas se acham muito complicadas, quando se está no Governo. (Apoiados}.
O illustre Deputado sabe bem que a questão do saneamento de Lisboa e Porto é gravissima e vem de muito longe; e sabe tambem que tem sido estudada sob varia dos pontos de vista, e que ainda hoje não está, permitta-me a Camara a phrase, madura bastante para lhe darmos uma solução.
Porque? Porque nós oscillamos entre a necessidade de não fazer largas despesas, visto que o Thesouro não as permitte, e a necessidade de sanear as cidades de Lisboa e Porto, porque varios factos nos estão mostrando, todos os dias, que esse saneamento é necessario. Mas não basta dizer que é preciso melhorar essas condições de saneamento para que as providencias sejam efficazes; é necessario que as comportem os recursos do Thesouro, é necessario aprofundar estudos que ainda hoje não estão feitos. Assim, para Lisboa havia idéa de construir um grande collector que fosse lançar todo os despejos para alem da foz do rio, mas o illustre Deputado sabe bem a enorme despesa que o collector traria. D'ahi, a necessidade de estudar um systema mais modesto e igualmente proficuo, que evitasse ao Thesouro a grande despesa que tinha de fazer com o grande collector.
O mesmo se dá no Porto. Nesta cidade a questão não se pode resolver com algumas dezenas de contos, e é preciso saber-se qual é o systema que melhor pode servir á cidade, e que ao mesmo tempo seja mais economico. É isto o que se está estudando, e é por isso que eu não posso pronnunciar-me hoje a tal respeito.
O illustre Deputado pediu a opinião do Governo, mas eu não sou um technico, e por isso não posso deixar de procurar todos os elementos necessarios de informação, para poder resolver com acerto.
Se o illustre Deputado perguntar se o Governo está preoccupado com esta questão, dir-lhe hei sinceramente que está, e muito; se me perguntar se tenciono tomar já alguma medida, dir-lhe hei então que não, porque não estão completos os estudos necessarios para se tomar uma providencia que ao mesmo tempo seja economica e acceitavel.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(O orador não reviu).
O Sr. Egas Moniz: - Mando para a mesa a minha moção, que passo a ler:
«A Camara, convencida dos maus processos administrativos, que o Governo tem seguido, exige a verdade dos documentos officiaes, para devidamente se poder apreciar o deficit orçamental. = Egas Moniz».
Sr. Presidente: ha numeros que substituem, com vantagem, as dissertações por mais completas que ellas sejam, sobre assumptos financeiros. Teem a sua eloquencia e por vezes tão sobria e tão cruel que dispensam todas as considerações. (Apoiados). Os numeros representativos da nossa divida fluctuante, indicam qual é a situação do nosso país, e evidenceiam na perante o estrangeiro.
Sr. Presidente: nós não podemos, pela simples apreciação d'estes documentos, que estão em discussão, fazer um juizo perfeito sobre qual o deficit do nosso Orçamento, porque, como tem sido demonstrado pelos illustres oradores que teem tomado a palavra sobre este assumpto, se o deficit segundo o Orçamento é de 959:000$000 réis, vae, depois de detida analyse d'este documento, a réis 14.000:000$000!
Entretanto, ha dois factos que nem o Governo nem aquelles que o antecederam teem pretendido contestar: é a progressão da divida fluctuante, que atemoriza os menos pessimistas, é a persistencia do deficit de todos os nossos Orçamentos de na alguns annos. Ninguem contesta estes dois factos, que são confessados pelos proprios Governos.
A divida fluctuante era em 30 junho a seguinte:
(Leu}.
Quero dizer, o actual Governo trouxe para o país, neste lapso de anno e meio, o encargo de 10.400:000$000 réis!
Sr. Presidente: disse ha dias nesta casa do Parlamento um orador, muito considerado como auctoridade em assumptos financeiros, que a nossa situação presente era inteiramente comparavel á situação que tinhamos antes da crise de 1892.
Sr. Presidente: é negra na verdade: a nossa situação é a mesma, se não é peor, porque os recursos vão faltando, como accentuou o Sr. Conselheiro Dias Ferreira.
Mas a situação é, pelo menos, a mesma; porque o deficit existe persistente e constante, e a divida fluctuante augmenta progressivamente, de forma que atemoriza a todos.
Ora se a nossa situação é, como disse um illustre orador, que nesta casa do Parlamento tem foros de auctoridade e de auctoridade justificada, se a nossa situação é comparavel á que precedeu a crise de 1892, justo é que rebusquemos uma vez ainda as causas do grande mal, para elucidação do país desgraçado que o soffre e para tranquillidade das nossas consciencias, de onde já parte um grito de dor revoltada.
Porque, Sr. Presidente, pode admittir-se a existencia de deficit num determinado Orçamento; pode admittir-se a existencia de deficit proveniente de medidas extraordinarias que se adoptem, pode admittir-se a existencia de um deficit quando um cataclismo sobrevenha a uma nacionalidade, ou quando hajam de adoptar-se grandes providencias de fomento, mas o que não pode comprehen-der-se é a persistencia, a constancia fatal d'esse deficit, que não pode ser devido assim senão á má administração publica. Este é que é o problema em toda a sua tragica simplicidade, e elle pode trazer ao nosso espirito o convencimento de que vamos cair num plano inclinado a que parece já nada poder oppor-se.
Antes de 1891, alguns financeiros illustres do nosso país presagiavam já, prognosticavam com certeza que a crise havia de sobrevir, e de uma forma violenta. Pois, Sr. Presidente, não se accreditou, e os arautos que defendiam o Governo, que se seguia na marcha rotativa, repetiam sempre as mesmas palavras de optimismo para responder a essas ameaças terroristas.
Havia a desculpa de se pensar que ha muito viviamos assim, e por consequencia podiamos continuar assim vivendo. É um erro, e d'esse erro tivemos a lição terrivel que devemos aproveitar, porque não passaram ainda tantos annos depois de declarada essa crise temerosa que pesou nobre nós, para que se possam considerar desvanecidos os seus vestigios. O nosso deficit não era devido