SESSÃO N.º 38 DE 17 DE MARÇO DE 1902 17
O nosso país vae na vanguarda d'aquelles em que a contribuição e os tributos são mais pesados. Cada português, segundo as contas do Orçamento, paga nem mais nem menos do que cêrca de 9$500 réis.
Vou concluir, Sr. Presidente, no capitulo 2.°, deixando outros assumptos aos oradores que se me seguirem d'este lado da Camara.
Quero, agora, consignar que esse augmento de despesa é no valor de 5 contos e tanto; que os melhoramentos se diz que são importantes, mas parece me que o mais importante de tudo é que dentro em pouco havemos de possuir nas nossas bibliothecas alguns papyros escritos em
chinês.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado).
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Francisco Beirão: - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, a fineza de mandar fazer a contagem dos Srs. Deputados presentes, para se verificar se na sala ha numero sufficiente para a sessão proseguir.
Fez-se a contagem.
O sr. Presidente: - Estão na sala 54 Srs. Deputados; portanto, ha numero sufficiente para poder continuar a sessão.
O Sr. Clemente Pinto: - Sr. Presidente: não vou discutir o Orçamento, não obstante ter commigo as notas que me habilitam á discussão. E não estranhe V. Exa. esta affirmação estravagante, mas a verdade é que nem outro poderia ser o meu proceder, porque, desde que começou a discussão d'este diploma, ainda não ouvi que elle fosse discutido.
E para dar a V. Exa. a prova flagrante de quanto é verdadeira a minha affirmação, bastará que faça rapidamente a revista do que até agora se passou no decorrer da discussão de tão importante diploma, analyse de que muito logicamente derivará a minha orientação.
Abriu a discussão o Sr. Espregueira, cuja auctoridade é incontestavel em assumptos de fazenda.
Pois S. Exa., com a competencia que todos lhe reconhecem, em vez de bem aproveitar o tempo que lhe permittia o regimento, fazendo o estado reflectido e consciencioso d'aquelle diploma, bem ao contrario desperdiçou-o lamentavelmente, como se lhe minguasse o assumpto; e é assim que uma das principaes e mais enthusiasticas partes do seu discurso disse respeito aos attentados contra a liberdade de imprensa, exercidos pelo administrador de Estremoz sobre um jornal da localidade.
O Sr. Luiz José Dias, muito conhecedor de assumptos fazendarios, já uma vez relator geral do Orçamento do Estado, quando devia deixar registado um discurso á altura dos seus conhecimentos, procura obter o melhor effeito num vulgar erro typographico, esforçando-se em assegurar como legitimo o consorcio de um 7, que cairá de uma linha para outra, com um 50 da linha inferior, do que resultava o horrendo monstro de 750:000$000 réis para rendimento da Penitenciaria e Casa de Correcção.
Depois fala outro illustre orador, o Sr. João Pinto dos Santos, que mais fez augmentar a minha confusão.
No seu eloquente discurso disse, é certo, muitas verdades, mas o que de principio manifestou foi uma flagrante contradição com as palavras do proprio leader da opposição, o Sr. Beirão.
O Sr. Conselheiro Beirão, com aquella austeridade que o caracteriza, e que todos nós respeitamos (Apoiados), pede com enternecedor carinho ao Sr. Presidente que não dê para ordem do dia o Orçamento, senão depois de mediarem largos dias sobre a sua distribuição, para assim permittir que á opposição não escasseasse o tempo para estudar reflectida e conscienciosamente tão importante e complexo diploma. Foi feita a sua vontade, que representava sem duvida alguma o louvavel intuito de devidamente considerar o volumoso diploma, para a final o Sr. Pinto dos Santos o votar por tal forma ao desprezo, que, logo ao começar o seu discurso, francamente confessa que não se dera ao trabalho de o ler.
O Sr. Paulo de Barros, outro parlamentar experimentado e estudioso, apenas aproveita o Orçamento como ensejo para uma excellente divagação sobre auctorizações parlamentares e dictaduras, que opportunamente poderia ter produzido quando se discutiu o bill de indemnidade, ou ainda no decorrer da interpellação do Sr. Alpoim, mas ao presente sem aproposito que a recommendasse, para por fim terminar, regando o seu discurso com um copo de questão vinicola.
Não acompanho o illustre Deputado nas suas considerações, mas, já que S. Exa. se referiu a dictaduras, não me esquivo por minha parte a fixar doutrina, affirmando que os meus foros de representante da nação em nada seriam offendidos, se a acção do Parlamento se limitasse á discussão do Orçamento e das medidas tributarias, porque na verdade seria a proposito da discussão do Orçamento que o poder legislativo teria asado ensejo de apreciar devidamente as medidas dimanadas do poder executivo, restando-lhe sempre o pleno direito de reprovar aquellas que julgasse improprias, desnecessarias ou insufficientes, retirando, diminuindo ou augmentando as correspondentes verbas orçamentaes. Emfim, sou dictatorial, já que o termo teve a sua consagração neste Parlamento.
Como V. Exa. vê, Sr. Presidente, um documento de tal importancia tem sido discutido de animo leve, aproveitando-se impropriamente o ensejo para divagações varias, ou para prelecções sobre assumptos por completo alheios ao que está em discussão.
E para maior gravidade da situação que venho apontando, ainda os poucos oradores, que falaram sobre este documento, commetteram inexactidões que não posso deixar de levantar, para estabelecer a verdade dos factos e das intenções.
É assim que o illustre Deputado, o Sr. Espregueira, querendo em toda a sua evidencia pôr em foco a pobreza do Governo, que lançava mão de todos os recursos, quaesquer que elles fossem, a fim de fazer face ás suas desmedidas despesas, fez a affirmação de que o Governo estava tão pobre que até á Misericordia do Porto pediu dinheiro.
Dizendo assim, S. Exa, ao passo que procurava salientar a carencia de recursos do Governo, por certo que sem intenção malevola, lançava tambem a suspeição de que naquella benemerita instituição se não administrava bem o patrimonio dos pobres.
Ora, S. Exa., pela razão de não conhecer a verdade dos factos, não fez uma affirmação precisa, porque V. Exa. vae ver em poucas palavras que a operação realizada com a Misericordia do Porto é o que ha de mais legitimo em transacções d'esta natureza. (Apoiados).
A Misericordia do Porto possue titulos ao portador num banqueiro de Londres. Convindo-lhe fazer, a troca d'esses titulos por titulos portugueses, operação de vulto que importava em 300 e tantos contos de réis, e querendo para interesse proprio furtar-se á especulação do mercado, deliberou, e muito acertadamente, entender-se com o Sr. Ministro da Fazenda, a quem por seu lado a transacção conviria por lhe facilitar os seus pagamentos da occasião em Londres.
A operação ultimou-se a contento das duas partes contratantes, e, como acabo de expor, foi a Misericordia do Porto, e não o Sr. Ministro da Fazenda, quem solicitou a transacção, incontestavelmente legitima de um e de outro lado. (Apoiados).
Vê, portanto, V. Exa. Sr. Presidente, que nem a Misericordia do Porto faltou aos seus deveres, zelando menos cuidadosamente os interesses dos pobres acolhidos á sua protecção, nem o Sr. Ministro da Fazenda falseou o seu mandato, esquecendo-se da defesa do Thesouro Publico, confiado á sua guarda. (Apoiados).