SESSÃO N.º 38 DE 17 DE MARÇO DE 1902 19
a mais profunda convicção, tão arreigada como a minha, razão por que, bem conhecedor das deploraveis condições hygienicas em que tristemente vae vivendo a cidade que tenho a honra de representar em Côrtes, me associo sinceramente ao appello feito, por S. Exa., pedindo por minha parte ao Sr. Ministro do Reino que não descure o assumpto, de capital magnitude para a vida d'aquella importante e laboriosa cidade. (Apoiados).
Assim dizia o Sr. Dias Ferreira, e o Sr. Egas Moniz, que é um profissional intelligente e illustrado, em vez de apoiar com calor aquellas palavras, veiu, pelo contrario, num mal entendido espirito de economia, refrear aquelle impeto humanitario.
Não podia por forma alguma acompanhar o illustre Deputado nessa orientação, que reputo errada e inconveniente. (Apoiados).
Referiu-se depois o illustre Deputado ás reformas de instrucção decretadas pelo nobre Ministro do Reino.
Com a sinceridade com que costumo fazer as minhas affirmações de principios, começo por confessar a V. Exa. que se apossa de mim um vivo enthusiasmo todas as vezes que se procura melhorar os serviços da instrucção publica.
Portanto, Sr. Presidente, um Ministro do Reino, que se solta das peias da administração politica e civil para se occupar de assumptos relativos á instrucção, não pode para mim merecer senão o mais ardente louvor, e é por isso que, sempre que vejo o Sr. Presidente do Conselho trabalhar pelo aperfeiçoamento da instrucção publica, o applaudo com grande satisfação.
Para mim, de entre todas as medidas promulgadas pelo Sr. Ministro do Reino, as relativas á instrucção são precisamente as que reputo mais valiosas, e por isso não lastimo a despesa que com ellas haja de fazer-se, no que de resto devo ser acompanhado pelo illustre Deputado, o Sr. Egas Moniz, que, no seu aviso previo sobre a reforma da Universidade, affirmou bem alto que, em materia de instrucção, se deveria até gastar com esbanjamento.
Eu não quero gastar de mais, quero só gastar bem. (Apoiados).
E no caso presente este bem está longe de ser o bastante, como é frisante, se compararmos o que entre nós se gasta com o que outros paises destinam á sua instrucção.
Em igual periodo de annos, emquanto em Portugal se gastavam 70:000$000 réis, dispendiam-se em França réis 146.000:000$000, o que, feitas as devidas proporções, redunda para o nosso país no mais lastimoso confronto.
Por outro lado as reformas da instrucção superior, tão justificadas e indispensaveis, deveriam por igual ter-se imposto á consideração de todos. (Apoiados).
E não se diga que com essas reformas exhorbitamos, porque, apesar de tudo, ficamos ainda um pouco áquem das nações que vão na vanguarda da civilização. (Apoiados).
O illustre Deputado mais uma vez tangeu a harpa e o orgão do Conservatorio.
Ora S. Exa. superiormente sabe que em questões de arte não pode regatear-se despesas. A arte é o reflexo da civilização, as suas manifestações são a revelação do estado de cultura de um povo, e por isso não querer o progresso da arte, não ser artista, é ser retrogado, é ser selvagem. (Apoiados).
Seguindo esta orientação, nem outra pode ser a de um espirito culto, devo applaudir a reforma do Conservatorio, como a da Academia de Beijas Artes, e não lamentar despesas que se me afiguram indispensaveis para a boa educação de um povo.
E este modo de ver devia por igual perfilhá-lo o illustre Deputado, para ser coherente com as suas proprias palavras, uma vez que no seu aviso previo bem alto affirmara que em instrucção devia gastar-se o mais largamente possivel.
De resto, Sr. Presidente, as despesas que S. Exa. affirma serem demasiadas, não o são realmente.
A proposito da reforma de instrucção primaria affirmou S. Exa. que se tinha augmentado enormemente a despesa, e tal asserção não é exacta, como posso rapidamente provar.
Não vou ler uma por uma as verbas da nota que tenho presente, mas o que posso affirmar a V. Exa. e á Camara é que houve uma perfeita compensação entre receita e despesa.
Se por um lado se gastaram 49:550$000. réis, por outro lado de igual quantia se podia dispor, para, sem augmento de dispendio orçamental, contrabalançar a despesa exigida pela reforma.
Accrescem, é certo, outras despesas, mas a essa far-se-ha face com o fundo de instrucção primaria, que se eleva a somma elevada, como pode presumir-se, attentando em que para elle concorrem todas as camaras municipaes com parte apreciavel, 15 por cento, das suas contribuições especiaes.
Esse fundo sobe realmente a quantia avultada, e tanto assim que, conforme a nota que tenho presente, no custeio das construcções escolares, para que se alvitrava um emprestimo de 400:000$000 réis, despenderam-se já réis 98:000$000, tornando-se talvez possivel levar a cabo a execução de todas essas edificações, sem necessidade de emprestimo e apenas com os recursos d'aquelle fundo.
O illustre Deputado, continuando nas suas apreciações, sobre o orçamento do Ministerio do Reino, referiu-se á reforma das bibliothecas e archivos publicos. É este mais um serviço que o país deve so Sr. Ministro do Reino. (Apoiados).
O estado das nossas bibliothecas e archivos era absolutamente lamentavel.
Centralizar estes serviços na pessoa de um bibliothecario-mor foi medida de grande alcance, de que hão de resultar incontestaveis beneficios, porque só assim se pode assegurar áquelles serviços a uniformidade de regime é exercer sobre elles a necessaria fiscalização.
Para enobrecer e tornar digno de louvor o Sr. Ministro do Reino bastava, de toda essa reforma, lembrar a criação de um archivo colonial, em que com methodo e proveito se hão de compendiar todos os documentos, e bem valiosos devem elles ser, que se referem á nossa historia colonial e sobretudo ao Brasil, cuja descoberta e colonização é uma das paginas mais brilhantes da historia nacional. (Apoiados).
De uma maneira repida, como não podia deixar de ser numa sessão prorogada, creio ter respondido ás considerações do illustre Deputado.
Vou terminar, mas não o farei sem confessar a V. Exa. a minha magua e até indignação ao ouvir, e foi mais de uma vez, a affirmação plena de que o Orçamento é falso.
Uma tal affirmação, tão insistente e categorica, sobre um documento tão importante como o Orçamento, sobre o mais importante dos documentos que podem ser presentes á apreciação do Parlamento, tem gravissimos inconvenientes. (Apoiados).
Se essa affirmação é verdadeira, confessemos todos as nossas culpas, porque o Orçamento de hoje é tão falso, como o de hontem, se essa affirmação é fundamentada, então façamos a refundição dos moldes que servem para a elaboração de tal documento e restabeleçamos a verdade, mãe não simplesmente por palavras, como ha pouco ouvi ao Sr. Dr. Egas Moniz e como na sessão passada ouvi ao Sr. Dr. Centeno, que nos chamava a um acordo para que se falasse verdade, não por palavras vans, mas pela demonstração positiva e segura de que effectivamente as verbas orçamentaes não são precisamente aquellas que estão em correspondencia com as leis e com as necessidades do serviço.
Pelo contrario, sendo falsa, uma tal affirmação é mais