8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
sumpto, homens de tamanha competencia, de tão educada intelligencia, habituados a versar esta materia, legitimo é concluir que o Orçamento, que deve ser a expressão da verdade, sobre a situação economica e financeira do país, falsea essa verdade.
Não desejando abusar da paciencia da Camara, o orador vae resumir, quanto possivel, as suas considerações.
A seu ver o documento, ora sujeito á apreciação da Camara, não é exacto, não é verdadeiro; isso demonstra-se pela maneira por que está elaborado.
Diz o Governo, e com elle a commissão de fazenda, que ao Orçamento do Ministerio do Reino, em vez de haver deficit, ha saldo positivo. Onde se encontra, porem, esse saldo? Ninguem o sabe.
Porque é, por exemplo, que o Governo augmentou a verba destinada á policia civil, determinando: para a policia repressiva mais 6 contos e para a do Porto mais 10?
Já no anno passado, a commissão de fazenda elevou a mais 20 contos essa despesa na cidade do Porto, e este anno elevou-se mais 10 contos. Para que quer o Governo tanta policia? Será para entrar nas redacções dos periodicos, que pugnam pelos principios de liberdade? É para isso que serve o dinheiro do contribuinte, nas mãos do Governo, que saiu do seio do partido regenerador?
Numa das sessões passadas o Sr. Ministro do Reino teve a coragem e o desassombro de defender o ataque feito, pela policia, á typographia de um periodico, que espalhou certos boatos e sustentou certas doutrinas. Sente, porem, elle, orador, que S. Exa. o fizesse, porque, assim faltou ao que deve á sua posição de homem de Governo, á sua qualidade de homem intelligente e ás responsabilidades do homem liberal.
Em que se fundou S. Exa. para, assim, rasgar a Carta Constitucional, o Codigo Civil e a lei de liberdade de imprensa?
Fundou-se, porventura, numa disposição inoffensiva, anodyna, que está escondida no Codigo Administrativo, e que nunca poderia significar da parte do legislador a intenção de confundir a lei fundamental do Estado com o Codigo Civil e com lei de imprensa?
Ainda se comprehendia que tal se fizesse; mas, o que não se pode comprehender é que o Sr. Ministro do Reino venha dizer á Camara que a policia não tinha cumprido o seu dever, porque devia ir muito mais alem do que fez.
Nada estranha elle, orador, que o Sr. Presidente do Conselho tivesse praticado esse acto, que bem pode ser classificado de despotismo; pode mesmo S. Exa. allegar que já, em epocas anteriores, actos semelhantes teem sido praticados, o que elle, orador, não applaude; mas o que S. Exa. não podia era, como Ministro do Reino, vir sustentar, um pleno parlamento, um principio de anarchia juridica, dizendo que a modesta e mesquinha disposição, occulta no artigo do Codigo Administrativo, podia substituir-se ás mais altas leis do país.
Assim, tambem, quem deu auctorização ao Sr. Governador Civil de Lisboa, para permittir que, nos tres dias de carnaval, ultimo, se lançasse pós de amido, papelinhos e outras cousas, rasgando, assim, as disposições do Codigo Penal?
Já no anno passado, elle, orador, notou que o actual Governador Civil de Lisboa, quando exercia igual cargo no Porto, tambem se fundou na disposição do Codigo Administrativo, para reprimir qualquer abuso, que se desse por parte da imprensa. Não o censuro por isso; mas este funccionario, que se julgou com direito proprio de publicar, no carnaval, aquelle celebre edital, faltou ao que deve ao seu proprio nome, quando disse que tinha ouvido o Governo para assim proceder contra a imprensa.
Não precisava ouvi-lo para reprimir qualquer attentado contra a ordem publica. Foi assim que elle, orador, procedeu, quando Governador Civil, em circumstancias analogas.
Entrando na analyse do Orçamento reputa-o elle, orador, mal elaborado, confuso, inexacto, pouco sincero e pouco feliz.
Nos pontos em que este documento não tem importancia, ha clareza e sinceridade; nos outros, em que ha contas de grã-capitão, só ha sinceridade, exactidão e verdade, quando por exemplo se trata dos mestres de musica da Guarda Municipal; mas nos outros a confusão é completa.
Quando se tratou de apreciar o procedimento do Governo, relativamente ás auctorizações parlamentares, discutiu-se o facto de faltar elle ao compromisso que tomou perante o Parlamento, augmentando as despesas publicas, sem poder justificar esse augmento. O mais que fez foi dizer que arranjou receita, para fazer face ás despesas promulgadas. Isso, porem, é augmentar a despesa, o que corresponde a faltar o Sr. Presidente do Conselho ao seu compromisso.
Por exemplo, se o Governo quisesse attender aos votos do país, teria feito uma severa economia na questão dos auditores administrativos. Porque razão quis manter nos seus logares, esses funccionarios que, em regra, teem dado deficientes provas da sua competencia? Basta ler o Diario do Governo, em que vêem os acordãos do Supremo Tribunal Administrativo, para se saber que é este Tribunal o unico que tem annullado eleições de corpos administrativos.
A seu ver, o Governo podia ter feito uma reforma simples, economica e boa, reforma que ainda ha de fazer-se, porque os governos que vierem não podem continuar neste caminho de desregramento, em que, infelizmente o Sr. Hintze Ribeiro e seus collegas se teem mantido.
A reforma a fazer-se é muito simples.
Se o Sr. Presidente do Conselho quisesse fazer um trabalho util, bastar-lhe-hia imitar o exemplo do Sr. Ministro da Justiça, na lei de 12 de julho de 1891.
O Governo que vier tem de fazer a reforma dos auditores administrativos, no sentido de serem os juizes de direito, das comarcas mais vizinhas, os que resolvam os pleitos que forem sujeitos ao contencioso.
É sua opinião que o Sr. Presidente do Conselho tem dotes de homem de governo, mas tem, na sua educação de estadista, um defeito: S. Exa. tem vivido sempre nas alturas.
Chegou á Universidade, e foi laureado; veiu para a politica e é um predestinado.
S. Exa. é audacioso; chegou ao cume da montanha, mas é possivel que o abysmo já escancare a sua boca para o receber.
S. Exa., no seu ultimo modo de proceder, em questões de liberdade de imprensa, faltou, como elle, orador, já disse, ao seu programma, ao seu passado, ás suas tradições, e faltou, até, á sua grande intelligencia.
Partido progressista e partido regenerador, são como irmãos; trabalham no mesmo sentido, seguem o mesmo pendão; ha todavia differenças e tão evidentes que lhe fazem lembrar o curso de dois rios da sua bella região, e que, em dado ponto, se unem até desaguar no mar.
Um despenha se das montanhas e corre limpido e branco, descobrindo areias preciosissimas; o outro atravessa campinas lodacentas da vizinhança dos arrozaes. O seu conjunto forma no mar alterosas ondas, mas a differença da lympha ainda lá se accentua.
O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que decorreu a hora regimental, tendo apenas um quarto de hora para concluir o seu discurso.
O Orador: - Agradece e pedindo desculpa á Camara do tempo que lhe tomou, dá por findas as suas considerações.
(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).
A moção foi admittida. O projecto da lei ficou para segunda leitura.