SESSÃO N.º 38 DE 17 DE MARÇO DE 1902 9
O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - Sr. Presidente: brevissimas palavras em resposta ao discurso proferido pelo illustre Deputado o Sr. Albano de Mello, mas algumas palavras que a consideração e estima que tenho pelo illustre Deputado, amplamente justificam.
É S. Exa. um Deputado antigo, que se impõe á minha estima pelas qualidades do seu caracter e á minha consideração pela sinceridade com que sempre no Parlamento advoga as causas que se lhe afiguram mais justas e mais liberaes. (Apoiados}.
O illustre Deputado veiu discutir o Orçamento e, ao entrar nessa discussão, deparou com uma divergencia de calculos sobre o que seja o deficit, em comparação com o que no Orçamento se representa O illustre Deputado variou entre cifras de 2.000:000$000 a 6.000:000$000 réis e perplexo, pára, detem-se e não se pronuncia. Pois que o illustre Deputado tão sinceramente falou, permitta-me que, com igual sinceridade, eu lhe responda.
Esta discussão acêrca do deficit calculado no Orçamento, discussão em que as opposições atacam vehementemente o Governo porque calculam pouco, e as maiorias cobrem não só com o seu voto, mas com a sua palavra e a sua convicção os calculos do Governo, é já, permitta-me S. Exa. a phrase, uma discussão classica.
É eterna, portanto, a discussão do deficit no Parlamento Português e, que me lembre, nunca a opposição achou bem calculado um deficit orçamental. Mas comprehende-se, isso está na ordem natural das situações politicas e até, na logica do impulso das proprias convicções.
É até mesmo uma necessidade que a opposição discuta, combata, para que o Governo tenha o ensejo de se defender.
Esta é a vida constitucional, e o peor não está em que as opposições julguem que o Governo calculou mal; o peor é quando do Orçamento passamos á realidade dos factos e então, se consultamos, não o Orçamento mas as contas de gerencia, ahi é que nós encontramos a difficuldade do problema. Então eis que todos temos razão, porque, se volvemos os olhos ao passado e olhamos á realidade dos factos, encontramos, por exemplo, que num dado anno o Orçamento Geral do Estado dava um deficit de 965:000$000 réis e assim o votava o Parlamento; que a pouco espaço - por que então havia orçamentos ratificados - , uma lei subsequente retificava os calculos e dava um deficit de 1.693:000$000 réis; e que, finalmente, chegados ás contas de exercicio, esse deficit que primitivamente era de 965:000$000 réis, que depois passou a ser retificado em 1.693:000$000 réis, elevou-se mostrando que se gastaram 14.137:000$000 réis.
Ahi, sim; ahi é que está - o mal. (Apoiados}.
Mas isto passava-se em 1888-1889 e já o illustre Deputado vê que se volvemos os olhos para o passado, encontramos não differenças de quatro, de cinco ou de seis mil contos; mas differenças de cêrca de 14:000 contos entre o deficit computado e o deficit apurado na realidade dos factos.
E ahi é que está o mal.
Isto, repito, passava-se em 1888-1889; era o orçamento das aguas crystalinas das que tombam dos montes em torrentes claras e engrossam cheias e formam ondas.
Refiramo nos agora ás aguas que o illustre Deputado julgou menos crystalinas e limpidas, as que atravessam as campinas.
Ha um outro anno em que o deficit é calculado em réis 5.062:000$000 e assim apresentado ao Parlamento, sendo de responsabilidade da situação politica que então estava.
Mas entre a apresentação do Orçamento e o começo do anno economico mudou a situação politica, e o governo que estava, foi substituido por outro; pois onde no Orçamento figurava o deficit calculado de 5.062:000$000 réis, as contas de exercicio davam uma realidade de 74:000$000 réis.
Tinham sido as aguas que haviam transformado o deficit de 5.062:000$000 apenas em 74:000$000 réis. Todavia, as aguas nesse anno não eram claras nem se despenhavam dos montes. (Apoiados).
Escusado é dizer que se o primeiro Orçamento, o que dava o deficit de 965:000$000 réis, rectificado em réis 1 693:000$000 e transformado em 14.137:000$000 réis, era de 1888-1889, este em que elle se transforma de 5 062:000$000 em 74.000$000 réis, facto unico no regime dos nossos deficits (Apoiados), este era de 1893-1894.
O illustre Deputado, depois d'este ligeiro introito, passou a censurar, e a censurar vivamente, mas não com azedume, porque o seu espirito desprendido, e até affectivo, não o comportaria, mas com magua, aquella magua que resulta de ver que alguem que estimamos, procede por forma contraria ao nosso modo de pensar.
Foi a respeito da liberdade de imprensa.
Eu ouvi o illustre Deputado, na sua linguagem sincera, na sua convicção accentuada, levar o estigma da sua palavra convicta e sincera até ao ponto de dizer que elle proprio, como apostolo da liberdade, quisera passar pelos maiores rigores, e sujeitar-se aos mais arduos sacrificios em prol da causa da liberdade de imprensa.
Mas os martyres da liberdade, os seus apostolos, defendiam uma causa justa: a salvação da sua patria, a nobre e ardente acção desprendida dos povos que querem ser livres. Não se fala, portanto, nestes heroes, nestes aposto-los de uma santa idéa, para vir defender aquelles que exactamente, em liberdade de imprensa, o que querem é não convencer a opinião, mas, pelo contrario, compensar as intenções de todos; e em vez de se armarem paladinos e apostolos de uma nobre causa, pelo contrario são os instrumentos do descredito do seu país. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem).
Não se junte com esses taes o illustre Deputado, que lhes é muito superior, e possue um caracter muito digno e cheio de honestidade para o poder fazer, e uma penna que não o atraiçoou jamais no seu caracter. Não se abandeie com elles, porque, para esses, criaram-se a punição e a repressão perfeitamente adequadas.
Porque, emfim, é necessario que quem defende uma causa nobre, tambem tenha por seu lado o rigor da justiça para reprimir aquelles que, em vez de defenderem o seu país, procuram o seu descredito e forjam a sua ruina.
O illustre Deputado, ao defender aqui as suas idéas, ia buscar factos que lhe eram proprios para mostrar que, em assumptos de ordem publica, nem sequer consultava seu Governo, porque entendia que no artigo 251.° do Codigo Administrativo tinha faculdades para reprimir quaesquer abusos.
Dizia o illustre Deputado: «No artigo 251.° do Codigo Administrativo estão, para a auctoridade de um districto, faculdades que não estão em nenhuma outra lei».
Isto dizia S. Exa., não é verdade?
O Sr. Albano de Mello: - V. Exa. dá-me licença?
Quando a ordem publica está ameaçada, certamente que sim; mas no caso que se trata, não se dá essa circumstancia; a ordem não estava ameaçada.
O Orador: - Como é que o illustre Deputado sabe se a ordem publica estava ameaçada ou não? Pois quando um jornal publica um artigo em que proclama a revolta, em que incita o povo a pegar em armas, citando factos que jamais se deram, acha S. Exa. que para elle não deve haver severa repressão? Deve, e ha.
Diz o illustre Deputado que no artigo 251.º do Codigo Administrativo estão faculdades que não se acham em alguma outra lei; parece-me que o meio mais prompto para estabelecer a ordem publica, em que a acção dos tribunaes pode ser lenta e não pode surtir rapido effeito, é re-