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N.º 38

SESSÃO DE 17 DE MARÇO DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azevedo

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Approva-se a acta. No expediente dá-se conhecimento á Camara de cinco officios e tem segundas leituras, sendo admittidos; um o projecto de lei que concede uma auctorização á Camara de Leiria e uma proposta de renovação de iniciativa, applicando certas disposições ao major reformado Sr. J. Higgs. - Não é considerado urgente o assumpto sobre que apresenta uma nota o Sr. Fuschini. - Refere-se o Sr. Vellado da Fonseca á reforma da Universidade e faculdade de philosophia. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho (Hintze Ribeiro) - O Sr. Frederico Ramirez pede providencias sobre as estradas do Algarve - Alguns Srs. Deputados instam por documentos pedidos. - Enviam para a mesa avisos previos os Srs. Antonio Cabral, Egas Moniz e Fuschini. - O Sr. santos Martins envia um projecto de lei sobre divisão judicial na Madeira. - O Sr. Augusto Louza apresenta o parecer das commissões reunidas de guerra e de fazenda, sobre o projecto n.º 73, de 1901.

Na ordem do dia, discussão do mappa n.° 2, na parte relativa á despesa do Ministerio do Reino, do projecto de lei n.° 12 (Orçamento Geral do Estado). Começa o Sr. Albano de Mello por mandar para a mesa um projecto de lei, justificando depois a sua moção. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho (Hintze Ribeiro). - O Sr. Dias Ferreira pergunta quaes as medidas tomadas sobre o saneamento de Lisboa e do Porto. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho. - É prorogada a sessão. - Justifica a moção que envia, o Sr. Egas Moniz; respondendo-lhe o Sr. Clemente Pinto. - Justifica igualmente a sua moção o Sr. Alexandre Cabral. - Mandam para a mesa, uma proposta o Sr. Alfredo Brandão, uma declaração o Sr. Joaquim de Sant'Anna e uma justificação de faltas o Sr. Anselmo Vieira.

Abertura da sessão - Ás 3 horas e 10 minutos da tarde.

Presentes - 58 Senhores Deputados.

São os seguintes: - Abel Pereira de Andrade, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Botelho, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Cesar-Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio José Boavida, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto Fuschini, Carlos Alberto Soares Cardoso, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Domingos Eusebio da Fonseca, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico dos Santos Martins, Guilherme Augusto Santa Rita, Henrique Matheus dos Santos, Ignacio José Franco, João Augusto Pereira, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos João Marcellino Arroyo, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Tavares, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim Faustino de Poças Leitão, Joaquim Pereira Jardim, José Caetano Rebello, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Coelho da Motta Prego, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim Mendes Leal, José de Mattos Sobral Cid, Julio Ernesto de Lima Duque, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel de Sousa Avides, Marianno José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marquez de Reriz, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio e Matheus Teixeira de Azevedo.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Affonso Xavier Lopes Vieira, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alvaro de Sousa Rego, Antonio de Almeida Dias, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Rodrigues Ribeiro, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Cesar da Rocha Louza, Augusto José da Cunha, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Belchior José Machado, Carlos e Almeida Pessanha, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Ressano Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Hypacio Frederico de Brion, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alfredo de Faria, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, José da Cunha Lima, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Maria de Andrade e Sousa, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz José Dias, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Rodolpho Augusto de Sequeira, Rodrigo Affonso Pequito e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Agostinho Lucio e Silva, Alipio Albano Camello, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Roque da Silveira, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Carlos Malheiro Dias, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Eduardo Burnay, Francisco José Patricio, João Joaquim André de Freitas, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, José Adolpho de Mello e Sousa, José Antonio Ferro de Madureira Beça, Josè Dias Ferreira, José da Gama Lobo Lamare José Gonçalves Pereira

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

dos Santos, José Mathias Nunes, Libanio Antonio Fialho Gomes, Manuel Homem de Mello da Camara, Manuel Joaquim Fratel, Marianno Cyrillo de Carvalho, Paulo Barros Pinto Osorio, Visconde de Mangualde e Visconde de Reguengo (Jorge).

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio do Reino, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado José Caetano Rebello, copia do processo disciplinar contra o secretario da administração do concelho de Gavião; não enviando o processo do concurso, a que se refere o officio n.° 149 d'esta Camara, por não se encontrar naquelle Ministerio.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Tavares Festas, copia dos actos de arrematação do fornecimento de vacca e vitella para 1901, e outros documentos a que se refere o officio n.° 274 do presente mês.

Para a decretaria.

Da Ministerio das Obras Publicas, remettendo em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Antonio Rodrigues Nogueira, copia dos documentos a que se refere officio n.º 71, de janeiro ultimo.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio, remettendo a nota das despesas com o pessoal da direcção e das construcções e reparação de estradas reaes e districtaes, em 1901, nos districtos do Porto e Braga, pedida pelo Sr. Deputado Alexandre Cabral.

Para a secretaria.

Da Masa da Misericordia de Montemor-o-Novo, agradecendo a promptidão com que foi communicado aos dignos Deputados por este circulo e pelo circulo de Beja, o telegramma que ultimamente Ihes fez enviar.

Para a secretaria.

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. - A cidade de Leiria, construida principalmente no fundo de um apertado valle da bacia do rio Liz, tem de anno para anno tudo prejudicada pelo assoreamento de leito do rio que foi neutro tempo a melhor fonte da sua prosperidade agricola e é hoje uma ameaça permanente aos seus predios urbanos ou ruraes, e a causa de prejuizos materiaes importantes, a origem de graves inconvenientes hygienicos.

Alguns edificios publicos, expostos á acção das cheias que entram na cidade, teem de abandonar-se, noutros ha reparações ou modificações inadiaveis.

Não cabe nos recursos ordinarios do municipio a execução d'estas obras e não pode appellar para o Estado pedindo- lhe auxilio, segundo o exemplo de tantas outras localidades, por conhecer aã circumstancias do Thesouro.

Força é realizar um emprestimo que permitta obtemperar ás necessidades de melhoramentos mais urgentes.

Os encargos, posem, d'esta operação não podem sair apenas do aggravamento dos impostos municipaes actualmente existentes. Cidade principalmente agricola, num concelho ha pouco tempo ainda assolado pela phylloxera, que lhe inutilizou a melhor fonte de riqueza, numa região que ao acabar com enormes sacrificios a replantação das vinhas, se encontrou dentro da temerosa crise da depreciação do preço do vinho; com os campos invadidos pelos que repetidas
Veses os invadem destruindo culturas e amanhos, cidade tão pouco affeita ao favor do poder central, que nem chega a esperar mudança proxima e favoravel na sua situação pouco animadora, tem de recorrer a um meio diverso, soccorrendo-se ao processo seguido já muita vez por outras camaras municipaes, pelo qual se destina uma verba do fundo de viação a estas obras não menos necessarias do que as estradas.

São estes os motivos por que os Deputados que teem a honra de representar em Cõrtes o districto de Leiria, vêem submetter á vossa esclarecida opinião o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorizada a Camara Municipal de Leiria a desviar annualmente a quantia de 1:400$000 réis do fundo especial de viação, para occorrer aos encargos de juro e amortização de um emprestimo de 30 contos de réis na Companhia Geral de Credito Predial Português, contraindo para se proceder á construcção e á reparação de alguns edificios publicos que reclamam obras urgentes.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 15 de março de 1902. = Alvaro de Sousa Rego = José Maria de Oliveira Símões = Joaquim Pereira Jardim = Carlos Augusto Ferreira = Alipio Albano Camello.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 109-A, apresentado na sessão legislativa de 1899, que diz respeito á melhoria de reforma do major reformado Jorge Higgs.

Sala das sessões, 15 de março de 1902. = Marianno Presado.

Foi admittida e enviada ás commissões de guerra e de fazenda.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É auctorizado o Governo a applicar ao major reformado do exercito, Jorge Higgs, as disposições do artigo 6.º e § 1.° do artigo 7.° da carta de lei de 17 de julho de 1855.

§ unico. Não lhe será abonado maior vencimento antes de na respectiva verba se ter dado vacatura correspondente.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Fuschini pediu a palavra para um negocio urgente, que a mesa não considerou como tal. Por esse motivo vae ler-se a communicação por S. Exa. feita, para a Camara se pronunciar sobre se concorda com a deliberação tomada.

Leu se. É a seguinte

Nota de negocio urgente

Desejo que o Sr. Ministro da Fazenda me responda ás seguintes perguntas, que julgo de decisiva importancia para a nação:

1.º Estão realmente encerradas as negociações com os comités para um novo arranjo da divida externa?

2.º Estando, quaes são as bases d'esse arranjo?

3.º Alguma d'essas bases comprehende qualquer modificação na actual constituição da Junta de Credito Publico?

4.º Alguma d'essas bases envolve a consignação dos rendimentos das alfandegas, com o direito reconhecido aos credores externos, representados pelos seus governos ou por quaesquer entidades officiaes estrangeiras, de reclamarem e darem a sua opinião, perante o Governo Portu-guês, sobre quaesquer alterações propostas na actual pauta das alfandegas? = Augusto Fuschini

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O Sr. Augusto Fuschini: - Peço a palavra sobre o modo de votar.

O Sr. Presidente: - Não posso dar a palavra a V. Exa. sobre o modo de votar, porque não se trata de uma votação; trata-se simplesmente de uma consulta.

O Sr. Augusto, Fuschini: - Peço a palavra sobre o modo de consultar.

O Sr. Presidente: - Não posso dar a palavra a V. Exa. para esse fim, porque o Regimento não m'o permitte.

Consultada a Camara, não é o assumpto considerado urgente

O Sr. Augusto Fuschini: - Peço a palavra para antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Vellado da Fonseca para realizar o seu aviso previo, annunciado na sessão de 1 de fevereiro ao Sr. Ministro do Reino, sobre a reforma da faculdade de philosophia.

O Sr. Vellado da Fonseca: - Recorreu á forma do aviso previo, não porque queira discutir a reforma da Universidade, como o Sr. Presidente do Conselho lhe chama, mas porque, querendo chamar a attenção de S. Exa. para alguns pontos d'ella, especialmente no que toca á faculdade de philosopha, a cujo corpo docente tem a honra de pertencer, não tinha outro meio de obter a palavra.

Disse o Sr. Presidente do Conselho, em resposta ao Sr. Egas Moniz, como consta do respectivo Summario, referindo-se ás faculdades de medicina e philosophia, que a sua reforma as satisfizera por completo. Não é assim, e protesta contra taes palavras.

Essa reforma não satisfez, nem podia satisfazer, porque a pouco se limitou, ás aspirações da faculdade de philosophia.

E que isto é assim, é S. Exa. o proprio a confessá-lo, como se pode ver do decreto de 24 de dezembro de 1901, publicado no Diario ao Governo n.º 294, de 28 do mesmo mês, e na proposta de lei 42-L, apresentada em 15 de abril do mesmo anno, diplomas estes em que S. Exa. é o primeiro a declarar que a deficiencia dos recursos do Thesouro não permittiam que se satisfizessem as aspirações dos corpos docentes, tendo a reforma que subordinar-se a esses recursos.

Essa reforma, confessou-o tambem S. Exa., era da iniciativa do Sr. Conselheiro José Luciano, que tinha mandado ouvir os estabelecimentos de ensino, para que lhe indicassem as necessidades mais urgentes de que careciam, convite que S. Exa. repetiu, por não terem ainda respondido ao primeiro, recommendando-lhes então que reduzissem os seus pedidos, porque os recursos do Thesouro eram poucos, embora fosse grande a vontade do Governo, em fazer uma reforma que satisfizesse por completo ás necessidades do ensino.

Por esta simples exposição já S. Exa. vê que foi menos apropriada a phrase - por completo - que empregou, quando respondeu ao Sr. Egas Moniz.

Posto isto, diz que os meios materias que a Universidade adquiriu por esta reforma, poucos foram; no pessoal é que houve um pequeno augmento. E os elementos praticos que na Universidade existem são tão poucos, que no primeiro anno que ali regeu a cadeira que tem a seu cargo, quasi despendeu todo o ordenado d'esse anno em os adquirir para bem poder desempenhar as suas funcções.

S. Exa. é certo, criou dois logares de preparadores; mas sabendo-se que ficam com dez cadeiras a seu cargo, uma das quaes com tres dias de aula por semana, pode-se bem avaliar o serviço que hão de prestar. É impossivel terem o tempo preciso para preparar e afinar os appareIhos para as experiencias.

Foi acanhada a nomeação d'esses preparadores; mas como, emfim, é uma melhoria, não quer deixar de juntar os seus agradecimentos aos que lhe foram dados pelas faculdades. O que deseja, porem, é que a nomeação dos preparadores não seja feita como as dos dois professores,
um dos quaes não conseguiu ser classificado nos dois concursos a que foi para professor do lyceu, e outro, que tendo de ensinar em português não sabe uma palavra da nossa lingua.

As aspirações da faculdade, quanto a ensino pratico, não são de hoje, vêem desde 1774, como se pode ver na Memoria, publicada por occasião do centenario da Universidade.

Com o que não pode concordar é com a forma estabelecida para a classificação das lições, em que o lente fica quasi reduzido ao papel de professor de instrucção primaria, pois que chama os meninos, á lição, ouve-os, vê se elles metteram bem a sebenta na cabeça e dá-lhes os valores correspondentes.

Este systema, a seu ver, não deve dar bons resultados, porque a disposição em que o lente for para a aula pode influir na classificação que der, o que muitas vezes poderá redundar em prejuizo dos alumnos.

E neste ponto deseja fazer um pedido ao Sr. Presidente do Conselho; é que tendo acabado para os bedeis as receitas que percebiam pelo transito de faculdades, lhe seja por qualquer forma compensada essa falta, porque se trata de antigos empregados, alguns, como o da sua faculdade, com sessenta annos de serviço.

Para um outro ponto ainda deseja chamar a attenção do Sr. Presidente do Conselho. Elle, orador, confessa ser leigo em questões de direito, mas ha, lhe parece, na reforma a que se tem referido, uma disposição que é contraria ás leis.

Dispõe-se na reforma que os alumnos que trabalhem no laboratorio teem de assignar um termo de responsabilidade e que teem de pagar os prejuizos que, por negligencia, causarem nos apparelhos. Ora sendo esses alumnos, na sua quasi totalidade, menores, pergunta como é que podem ser obrigados a esses pagamentos.

São estes os reparos que tinha a fazer em referencia ao que o Sr. Presidente do Conselho dissera em resposta ao Sr. Egas Moniz; mas antes de concluir quer ainda chamar a attenção de S. Exa. para o estado lastimoso em que se encontra o hospital de Coimbra, que constitue uma verdadeira vergonha para aquella cidade, onde ha uma faculdade de medicina, e tambem para a necessidade de se attender ao pedido do director do hospital para que se estabeleça o isolamento para os tuberculosos.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. o restituir).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - O illustre Deputado Sr. Vellado da Fonseca, que acaba de realizar o seu aviso previo, referiu-se a opiniões que eu aqui tive a honra de apresentar no meu discurso em resposta ao aviso previo do Sr. Deputado Egas Moniz.

Ha apenas uma divergancia, e essa é de palavras e não de pensamentos. Assim, o aviso previo do illustre Deputado assentou numa palavra que se diz ter eu então empregado, o que não contesto, mas de que me não recordo, e que S. Exa. diz achar-se no Summario das sessões d'esta Camara.

Foi o caso ter eu dito que a reforma, da Universidade, na parte que respeita á faculdade de philosophia, satisfaz completamente as reclamações d'aquella faculdade. Eu terminava a minha resposta ao aviso previo do iIlustre Deputado em pouquissimas palavras, dizendo-lhe o seguinte:

«Desde que o illustre Deputado reconhece que a reforma, chamemos-lhe assim, da Universidade representa um melhoramento para o serviço universitario e para a leccionação dos que frequentam aquelle instituto; e desde que, por outro lado, reconhece que se mais não fiz, foi porque a circumstancias tão attendiveis dos recursos do Thesouro m'o não permittiram, eu, perante estas affirmações do illustre Deputado, via applaudida a minha obra e não tinha

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realmente mais a fazer, na minha resposta, do que agradecer-lhe o seu applauso insuspeito».

Em todo o caso, pela muita deferencia que me merece o Sr. Vellado da Fonseca, não posso ficar só nesta resposta, e desejo que as minhas explicações sejam completas. Oxalá que, d'esta vez, as minhas palavras não soem mal ao ouvido do illustre Deputado, para que neste assumpto se não ergam mais duvidas.

Não tive o prurido de reformar; só tive o que todo o homem publico deve de ter: o desejo de attender a reclamações justas, e, em materia de ensino, o de o melhorar tanto quanto possivel, em harmonia com as forças do Thesouro.

Não se podem satisfazer as aspirações de todos; não se podem satisfazer totalmente as aspirações de um instituto de ensino; porque ás vezes essas aspirações vão alem da possibilidade, e quem legisla tem o dever de ficar nos limites que as circumstancias marcam. (Apoiados}.

O que eu fiz foi proceder nesse assumpto com absoluta e inteira boa vontade, não me inspirando em circumstacias de qualquer ordem, que não fossem orientadas pelos bons desejos de melhorar o ensino universitario.

A Camara sabe que apresentei no anno passado o projecto de lei da reforma da Universidade. Esse projecto, por circumstancias que não vêem a proposito discutir, não pôde ser approvado, e eu entendi dever sobreestar na publicação d'essa reforma, quando mais tarde tive auctorisação parlamentar para o fazer. E não a promulguei, porque entendi que em assumpto de tanta monta, que interessava de maneira tal ao ensino, eu devia proceder prudentemente, cuidadosamente, livre da suggestão perigosa do prurido de reformar. Mas, quando me detinha em meio das minhas intenções, o illustre Deputado, que é membro d'aquella Universidade, sabe muito bem o que se passou então.

Reuniu-se o Claustro Pleno, onde todas as faculdades se fazem representar e onde todos podiam, portanto, apreciar o pensamento da reforma e até o modo de a levar a effeito.

Não solicitei a reunião d'esse Claustro Pleno; elle reuniu-se por iniciativa propria. (Apoiados).

Fez-se a reunião; os professores discutiram e resolveram enviar-me uma delegação sua, composta de 1 lente de cada faculdade.

Por parte da faculdade de philosophia veiu um dos mais respeitados ornamentos do corpo docente da Universidade, o Sr. Dr. Julio Henriques.

Ora, note a Camara. Já antes de ter apresentado á Camara a proposta de lei relativa á reforma do ensino na Universidade de Coimbra, eu tinha, por meio de uma circular, convidado as differentes faculdades a dizerem quaes as modificações, os melhoramentos que mais instantemente se lhes afiguravam convenientes, para que o ensino pudesse acompanhar o movimento evolutivo da sciencia.

Nessa occasião, as differentes faculdades enviaram ao meu Ministerio as suas reclamações, indicando quaes eram os pontos respectivos á leccionação que poderiam ser com vantagem melhorados.

Se eu quisesse fazer questão de palavras com S. Exa., e se tivesse desejo de ficar com o adverbio que tão mal soou ao illustre Deputado, eu diria que a faculdade de philosophia, tendo sido convidada a indicar o que era indispensavel, pediu menos do que eu lhe fiz; e, podia, portanto, sustentar que tinha satisfeito completamente as reclamações d'aquella faculdade.

O Sr. Vellado da Fonseca: - V. Exa. deve lembrar-se da recommendação que fez áquella faculdade, de que fosse moderada nos seus pedidos.

O Orador: - Mas que outra recommendação lhe podia eu fazer que mais acommodada fosse não só aos interesses da Universidade, como aos interesses do Thesouro?

O illustre Deputado desejava a perfeição.

Se nenhum de nós é perfeito, como é que pode ser perfeita qualquer criação nossa?

Eu fui até onde as condições actuaes o permittiam.

Foi ouvida, portanto, a faculdade de philosophia, como o foram todas as outras, antes de apresentar a minha proposta de lei, ,e ella pediu aquillo que no seu criterio justo entendeu ser mais indispensavel, e mais do que isso lhe foi attendido.

Não passou nas Côrtes essa proposta pelas razões a que já, ha pouco, alludi.

Reuniu-se o Clautro Pleno, e cada uma das faculdades discutiu o assumpto e assentou numa resolução, que era a de me vir pedir que pusesse em discussão o projecto que apresentara ás Côrtes, com algumas modificações, que entretanto se tinham podido ajustar.

Veiu, como disse, por parte da faculdade de philosophia o Sr. Dr. Julio Henriques, assim como varios representantes, tambem dignissimos, por parte das outras Faculdades.

Ouvi-os, com a consideração e a deferencia que devia usar para com tão auctorizados representantes do primeiro estabelecimento de ensino do meu país, e tive o cuidado de, a cada um d'elle de per si, em relação á faculdade que representava, perguntar se, attendendo ás reclamações que estavam feitas, e publicada a reforma como estava redigida, eu satisfazia ás differentes faculdades no que ellas entendiam justo, necessario e conveniente para o ensino.

Cada um d'elles, a começar pelo Sr. Dr. Julio Henriques, disse-me que a sua faculdade ficava satisfeita, desde o momento em que publicasse a reforma nos termos em que estava redigida. (Vozes: - Muito bem).

Pode ter havido má interpretação minha em referencia ás reclamações que me foram feitas, e, publicada a reforma, pode ella não corresponder nos seus termos aos desejos manifestados pelas differentes faculdades?

Mas, se assim succedeu, o que era natural era que alguma reclamação sobreviesse, e não só nenhuma reclamação foi apresentada, como, em vez d'isso, tive a satisfação de receber de novo no meu gabinete os representantes das differentes faculdades, apresentando-se, por parte da de philosophia, por não poder vir o Sr. Dr. Julio Henriques, o Sr. Dr. Sousa Gomes, que é tambem um lente considerado d'essa faculdade, trabalhador, intelligente e que bem merece do conceito de todos.

E, porque já então eu tinha tido a honra de, nesta casa do Parlamento, responder ao Sr. Egas Moniz, e porque já então tambem, em virtude da minha resposta, o Sr. Vellado da Fonseca mandara uma nota de aviso previo para a mesa, vindo, por esta razão, uma duvida ao meu espirito, sobre se eu não interpretaria com justeza o sentido da faculdade de philosophia, perguntei ao Sr. Dr. Sousa Gomes se na reforma que estava publicada, cujos termos eram conhecidos, eu satisfazia effectivamente e por completo as reclamações que me tinham sido feitas, moldadas pelos limites das circumstancias de occasião; e o Sr. Dr. Sousa Gomes affirmou-me que sim.

Já S. Exa. vê que, neste assumpto, em que S. Exa. é mais entendido do que eu, porque é um lente intelligente, estudioso, dedicado da faculdade de philosophia, a que eu sou estranho, a reforma, no dizer auctorizado dos seus collegas, satisfez de facto ás mais instantes reclamações.

Não poderia ir mais longe? Quer isto dizer que as aspirações da faculdade de philosophia, no que toca á remodelação do ensino, á applicação das lições praticas, não podiam ser mais completamente satisfeitas?

Talvez, e eu sou o primeiro a reconhecê-lo; mas o que quis dizer é que, no momento, eu concedi mais de que me era pedido; e, em todo o caso, tanto quanto foi necessario para satisfazer ás reclamações que me eram dirigidas. (Apoiados).

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Posto isto, duas palavras apenas para responder a alguns pormenores que S. Exa. frisou.

S. Exa. referiu-se á nomeação de dois preparadores e desejou que essas nomeações fossem feitas conscienciosamente, em individuos habilitados.

A esse respeito posso dizer a S. Exa. que outro não é, nem podia ser, o meu proposito, porque S. Exa. comprehende, não é com os demonstradores da faculdade de philosophia, desde que a introducção d'esses elementos de trabalho e de applicação representam um melhoramento, que não é com isso que eu vou fazer politica partidaria.

Isss seria em menoscabo da minha propria reforma.

Pelo que respeita ás difficuldades que o illustre Deputado encontra no systema da classificação das lições, permitta S. Exa. dizer-lhe que effectivamente o methodo é novo e diverso d'aquelle que existia, quando eu tinha a honra de cursar a Universidade, mas é aquelle que hoje geralmente se recommenda como sendo o mais perfeito. (Apoiados). É a classificação por valores, que dá no fim do anno uma media que melhor habilita o discernimento da applicação ao estudo que teve o leccionando, para o effeito da sua prova final e apreciação de passagem para outro anno. Quanto ás circumstancias em que ficaram os empregados menores, o illustre Deputado disse - e disse bem - que a situação d'elles é attendivel, e, tanto quanto eu puder, o farei, e estimarei ter mesmo occasião de obtemperar ás observações que o illustre Deputado fez.

O illustre Deputado pôs uma duvida juridica.

Referiu-se S. Exa. á obrigação dos alumnos pagarem os prejuizos que, por negligencia, causarem nos laboratorios; e perguntou: «Mas se elles são menores, como se pode tornar effectiva a sua responsabilidade?»

De uma maneira muito simples.

Se elles são menores, estão sobre o patrio poder, e, estando sobre o patrio poder, a responsabilidade é dos paes (Apoiados). Se elles assignam o termo, auctorizados pelos seus respectivos paes, estando sob o seu patrio poder, quaesquer actos que praticarem na sua vida de alumnos, são evidentemente actos auctorizados pelos paes, em nome de quem assignam o termo de responsabilidade, e, portanto, essa responsabilidade torna-se effectiva nas pessoas dos paes; isto não soffre contestação. (Apoiados).

Agora, finalmente, um ponto em que o illustre Deputado falou com muita razão e em que estou inteiramente de acordo - e folgo de estar de acordo com S. Exa. - é no tocante ás condições em que se encontra o Hospital de Coimbra, que effectivamente são deficientissimas. (Apoiados).

E necessario evitar a repetição do facto apontado pelo illustre Deputado.

As condições d'aquelle hospital são incompativeis com a importancia de um hospital que está collocado num centro como é Coimbra, ao qual concorrem doentes de toda a parte, que não podem, por motivos de humanidade, ser despedidos, e que, desgraçadamente, não tem absoluta mente meios de os admittir. (Apoiados).

Eu espero que o Sr. Deputado Egas Moniz, que o acompanha com os seus apoiados, e espero que toda a Camara me darão força e os meios indispensaveis para que eu possa melhorar as condições do Hospital de Coimbra, porque não cabe só na nossa vontade o proposito; depende da realização pratica de melhoramentos materiaes, sem os quaes é inteiramente impossivel fazer uma boa hospitalização;

Mas o que é menos airoso - para não empregar outro termo - é que em Coimbra, onde funcciona a Universidade, onde existe uma. Escola Medica, onde ensinam as primeiras capacidades medicas que possuimos (Apoiados), sabios dos mais districto? (Apoiados), medicos e clinicos dos mais experimentados se ache um hospital, que é confrangimento de quem o vê porque chega a duvidar-se de como é possivel que, atraves de tanto tempo, se mantenham as condições de deficiencia e de abandono em que elle se encontra. (Apoiados).

Nessa parte, e tanto quanto me seja possivel, secundar o desejo que o illustre Deputado mostrou de que essas condições melhorem, eu farei o que estiver ao meu alcance, como o meu dever e a minha boa vontade me aconselham sempre em casos identicos a este. (Apoiados).

Posso dizer que isto não é proposito meu; não é um desejo abstracto, porque se vae concretizando com o decorrer do tempo, por isso mesmo que tenho trabalhado e continuo a trabalhar para que se possa construir um hospital, cujas condições sejam superiores ás do actual.

Emquanto ao mais, os illustres Deputados os Srs. Vellado da Fonseca e Egas Moniz, que vivem em Coimbra e que conhecem as circumstancias em que se encontra aquelle hospital, sabem que, na questão dos isolamentos, ha melindres que teem de poupar-se; mas hoje reconhece a sciencia a verdade dos factos, que não se pode negar, e qualquer que seja a deferencia devida a clinicos antigos, ha medicos e professores da maxima respeitabilidade. (Apoiados).

É certo que a sciencia tem conquistado verdadeiros lemmas, que são indiscutiveis e que é necessario observar, porque sendo a verdade provada pelos factos, são evidencias innegaveis.

Tenho pois, de cumprir o meu dever attendendo ás ponderações que me teem sido feitas, por espirito de humanidade e pela comprovada auctoridade da sciencia.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador não reviu).

O Sr. Frederico Ramirez: - Sr. Presidente: Pedi a palavra no intuito de chamar a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas, para o estado verdadeiramente deploravel em que se encontram as estradas do Algarve, na sua totalidade quasi intransitaveis, chegando mesmo muitas a offerecer grave risco aos passageiros que d'ellas se servem.

São instantes, repetidas e perfeitamente justificadas as reclamações d'aquelles povos, que vêem cair no mais completo abandono o unico meio de viação que lhes é dado usufruir.

Na estrada de Villa Real de Santo Antonio a Faro vêem-se, de espaço a espaço, covas enormes, de onde a brita desappareceu por completo. Garanto a V. Exa., Sr. Presidente, sem com isto querer fazer oratoria, que, quando ultimamente por ali passei, mais de uma vez temi soffrer qualquer desastre; e se não temos desgraças a lamentar, é devido á pericia dos cocheiros e á perda de tempo no trajecto que, devendo ser de quatro a cinco horas, tem chegado a sete.

No mesmo estado se encontram as estradas entre Loulé e Faro.

V. Exa., Sr. Presidente, sabe muito bem que entre estas duas povoações ha estradas outr'ora de grande movimento e que hoje estão completamente abandonadas, sendo de todo impossivel o transito de carros e carruagens, que preferem dar maior volta, augmentando o percurso e as despesas de transporte, a correr o risco de um desastre, como ha pouco ali ia succedendo.

Quem, como V. Exa., Sr. Presidente, conhece o grande movimento commercial do Algarve, uma das mais bellas e prosperas provincias do nosso país, apesar do abandono a que tem sido votada pelos Governos, comprehende o pesado encargo que isto acarreta ao commercio do districto, que muito me honro de representar nesta casa.

Pelas informações que tenho e que reputo fidedignas, pode com inteira justiça applicar-se a barlavento da provincia, quanto tenho referido relativamente ás estradas de sotavento.

Isto não pode, nem deve continuar assim.

O Governo tem (Illegivel).

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necessarios para a sua conveniente reparação, e por isso tudo tem chegado a um tão deploravel estado que, o que antes se fazia, com uma despesa relativamente pequena, terá hoje de absorver fatalmente capitaes de uma certa Importancia, se não quisermos ver paralysado o movimento commercial d'aquella, fertilissima região.

Consta-me que S. Exa. o Ministro das Obras Publicas tenciona realizar uma operação financeira, para fazer face á reparação das estradas, visto o Governo ter exhaurido todos os recursos do Thesouro, numa applicação bem diversa da que mereciam.

Se assim é, peço a S. Exa. o faça quanto antes e applique essa somma unica e exclusivamente na reparação das estradas, não acompanhando os seus collegas no pessimo systema administrativo, seguido até aqui, qual é o de antepor á dotação do material, o prurido de alargamento de quadros e augmento de vencimentos, sob pretexto de reorganização de serviços.

O mal que aponto é gravissimo, e, se se lhe não der remedio prompto, pode vir lançar uma maior perturbação no nosso meio economico, tão combalido no momento actual.

O que se dá no Algarve succede naturalmente no resto do país, e, a continuar tal desleixo, veremos em breve completamente inutilizados 11:000 kilometros de estradas, que tantos sacrificios custaram ao país.

Não regatearei louvores a S. Exa. se encarar este importantissimo problema com firmeza e vontade decidida de deixar assignalada a sua passagem pelas bancadas do poder, com uma medida de tão incontestavel alcance e valia.

O Sr. Presidente: - Faltam apenas 5 minutos para se entrar na ordem do dia.

O Orador: - Vou ser o mais breve possivel.

Raras vezes falo nesta casa, e quando o faço é sempre com pouco tempo, o que aliás é bom para mim e sobretudo para a Camara.

Passo agora a tratar de uma das grandes aspirações da região do sotavento do Algarve; refiro-me á construcção do caminho de ferro de Faro a Villa Real de Santo Antonio, linha que desde ha muito devia estar construida, para se poder considerar attingido o terminus natural do caminho de ferro do Algarve.

Infelizmente não succede assim, e foi necessario que Suas Magestades se dignassem honrar aquella provincia com a sua visita, para que o Governo de então mandasse proceder aos estudos do caminho de ferro a Villa ReaI de Santo Antonio, e construcção do pequeno troço de Tunes a Portimão.

O Governo mandou proceder a esses estudos, e em 16 de janeiro de 1898, o Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro apresentava dois traçados para a saida de Faro: um, contornando a cidade, em curvas apertadas de 250 metros de raio; outro que, partindo da estação de Faro, ia ao sopé do castello, deixando uma doca, e para o serviço d'esta, uma ponte movel de 6 metros de vão. O Conselho Superior de Obras Publicas, em consulta de 14 de março de 1898, foi de opinião unanime a favor d'esta ultima solução, e o Governo progressista, que então estava no poder, reconhecendo as vantagens que para o Estado adviriam do maior movimento que esta linha havia de ter logo que attingisse o seu terminus natural - Villa Real de Santo Antonio - deliberou dar começo immediato aos trabalhos, embora lentamente, devido aos poucos recursos que o Thesouro podia dispensar.

Caindo a situação, ficavam parados os trabalhos, com grande surpresa minha e de todos os que conhecem a importancia extraordinaria que d'esta linha adviria, não só ao Algarve em particular, mas ao Estado em geral.

Tratei, pois, de inquirir a causa, podendo averiguar que a Camara Municipal de Faro havia reclamado contra a directriz do caminho de ferro, porque ia perigar a hygiene da cidade! Era a corporação administrativa que intervinha nas condições technicas do traçado!!

Allegava a douta corporação as grandes despesas que acarretaria a ponte movel, e pedia estudo de uma variante que, obrigando a uma reversão, fizesse passar a linha ao norte da cidade.

E fazia estas indicações relativamente a uma obra, no estudo da qual estavam homens technicos de tão reconhecida competencia!

S. Exa. o Ministro, muito preoccupado, mandou ouvir o Conselho de Administração que, como era natural, respondeu que sem o estudo da variante, não podia fazer o confronto entre os dois traçados, embora a priori lhe repugnasse a reversão que difficulta extraordinariamente o movimento e esta condemnada em toda a parte.

A variante foi repudiada pelo Conselho Superior de Obras Publicas, porque não constituia nenhuma vantagem, visto que tinha uma rampa enorme e ia causar grande aumento de despesa! (Apoiados).

Mas o Sr. Ministro, como habil politico que é, não quis assumir a responsabilidade de uma prompta solução.

Como uns queriam a reversão, e outros a linha directa, lembrou-se S. Exa. da nomeação de uma commissão, composta de Pares, Deputados, e dos engenheiros os Srs. Justino Teixeira, Fernando de Sousa e Joaquim Pires de Sousa Gomes; os dois primeiros, membros do Conselho de Administração, e o ultimo, um dos mais distinctos algarvios.

Quando tive conhecimento d'esta commissão, desanimei, porque notei que representava apenas um expediente dilatorio da parte de S. Exa. o Ministro. A commissão era numerosa, era boa para embaraçar o serviço - E alem d'isso composta de algarvios, que tão conhecida fama teem de faladores.

Esperava S. Exa. que a naquella proverbial dos meus conterraneos fizesse com que as sessões se prorogassem e não se chegasse a uma solução definitiva! Não succedeu assim. O Algarve deu uma lição de moderação e de protesto!... Hora e meia depois de terem reunido, eram tão infundadas as reclamações da Camara de Faro e tão sem razão a sua argumentação, que, á vista de uma exposição erudita do Sr. Fernando de Sousa, se resolveu que a linha seguisse a directriz fronteira a Faro, direita ao sopé do castello, e, o que, é mais importante, para os povos de Sotavento, que a construcção se fizesse immediatamente, insistindo com o Governo para que a linha attingisse o mais rapidamente possivel o seu terminus natural - Villa Real de Santo Antonio. (Apoiados).

A commissão foi mais longe; avançou que era absolutamente inadiavel a construcção d'esta linha ferrea, que é uma das mais importantes do país, como S. Exa. o Ministro não ignora.

S. Exa. não o pode ignorar, porque alem de ser um engenheiro distinctissimo, tem o seu nome ligado ao estudo de um traçado de caminho de ferro do Faro a Villa Real de Santo Antonio, e hoje devo ter a mesma opinião que tinha então, de que este caminho de ferro, não só é de uma grandissima importancia, pela fertilidade da região que atravessa, mas pelo desenvolvimento que ha de trazer ao commercio externo, pois logo que esteja construido, far se ha a ligação de Gibraleon com Ayamonte, porto fronteiro a Villa Real de Santo Antonio, tornando se assim internacional e trazendo a esta linha o trafico da Andaluzia, que hoje se faz por Badajoz com muito maior dispendio de tempo e dinheiro. As despesas que se fizerem hão de ser bem compensadas, e é exactamente o caso em que se podem e devem aconselhar aos Governos porque são largamente reproductivas. Isto é de tal natureza que até o meu illustre collega o Sr. Oliveira Mattos, que vota contra todos os augmentos de despesa, não votará decerto contra este.

Esta é d'aquellas despesas que honram os Ministros que as propõem, e não será um encargo para o Thesouro,

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porque S. Exa. sabe muito bem que elle não só ha de melhorar as condições da provincia do Algarve, mas tambem as de toda a linha do sul, da qual o Governo está recebendo já receitas importantes e que mais avultarão, quando a linha terminar em Villa Real de Santo Antonio.

É a este porto, que offerece facil entrada a navios de todas as tonelagens, que ha de convergir o commercio do sotavento da provincia, em figo, alfarroba, amendoa, etc., augmentando assim o movimento da provincia do Algarve.

O que dará tambem a este caminho de ferro um trafico consideravel é a industria da pesca, que é importantissima. Feita esta linha facilitar-se ha o transporte de peixe fresco para as cidades hespanholas, que são as que mais largamente pagam estes productos.

Por consequencia, não só valorizamos esta importante industria, mas augmentamos o trafico do Caminho de Ferro do Sul. Se tivessemos uma estatistica completa, como deviamos ter, eu poderia provar com numeros que só o movimento actual da estrada de Faro a Villa Real de Santo Antonio e suas afluentes, é o sufficiente para remunerar o capital empregado na construcção; e S. Exa. sabe muito bem, que o movimento commercial augmenta extraordinariamente de anno para anno, com a viação accelerada.

S. Exa. conhece bem que não phantasio e que as aspirações do Algarve são fundamentadas. Aguardo a resposta de S. Exa., convencido de que ella ha de satisfazer-me e commigo a provincia do Algarve, que tem sido das mais abandonadas, quando aliás é ella das que mais concorre para o Estado, quer em dinheiro, quer pelo pesado imposto de sangue, pois ninguem ignora, que ainda ha pouco tempo foram os obscuros soldados de caçadores n.° 4, que lá fora, nos sertões africanos, levantaram bem alto a bandeira do país, que com tanta honra serviam. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia, e convido os Srs. Deputados que pediram a palavra e tiverem papeis a apresentarem, a mandá-los para a mesa.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Sr. Presidente, torno a instar pelos documentos que pedi pelo Ministerio da Fazenda e das Obras Publicas.

O Sr. Luiz José Dias: - Sr. Presidente, desejo saber se já vieram os documentos que pedi.

O Sr. Presidente: - Esses documentos não vieram ainda.

O Sr. Alexandre Cabral: - Mais uma vez insto pela remessa dos documentos que pedi pelo Ministerio do Reino, se é que não foram remettidos já.

O Sr. Presidente: - Ainda não foram remettidos.

O Sr. João Augusto Pereira: - Faço igual pedido a V. Exa.

O Sr. Antonio Cabral: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Pretendo interrogar o Sr. Ministro da Justiça sobre a falta de remuneração ou gratificação aos juizes de direito, quando saem das suas comarcas em serviço de julgamento de crimes de moeda falsa. = Antonio Cabral.

Mandou-se expedir.

O Sr. Egas Moniz: - Apresento o seguinte

Aviso previo

Desejo interrogar o Sr. Ministro das Obras Publicas, sobre o estado das estradas de Estarreja. = Egas Moniz.

Mandou-se expedir.

O Sr. Augusto Fuschini: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Peço a V. Exa. Sr. Presidente, se digne transmittir ao Sr. Ministro da Fazenda este aviso previo, porque desejo obter de S. Exa. resposta ás seguintes perguntas:

1.° Estão realmente encerradas as negociações com os comités para um novo arranjo da divida externa?

2.° Estando, quaes são as bases d'esse arranjo?

3.° Alguma d'essas bases comprehende qualquer modificação na actual constituição da Junta do Credito Publico?

4.° Alguma d'essas bases envolvo a consignação dos rendimentos das alfandegas, com o direito reconhecido aos credores externos, representados pelos seus Governos ou por quaesquer entidades officiaes estrangeiras, de reclamarem e darem a sua opinião, perante o Governo Português, sobre quaesquer alterações propostas na actual pauta das alfandegas? = Augusto Fuschini.

Mandou-se expedir.

O Sr. Frederico dos Santos Martins: - Mando para a mesa um projecto de lei que auctoriza o Governo a alterar a divisão judicial na Ilha da Madeira.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Augusto Louza: - Mando para a mesa os pareceres das commissões reunidas de guerra e de fazenda, sobre o projecto de lei n.° 73, de 1901, que conta, para os effeitos da reforma, aos capellães do exercito, João Manuel de Almeida Pessanha, Antonio Augusto Teixeira, José Antonio Rebello e João Cesar Pereira da Silva, o tempo que serviram as funcções parochiaes.

Foi a imprimir.

ORDEM DO DIA

Discussão do mappa n.º 2, na parte relativa á despesa do Ministerio do Reino, do projecto de lei n.º 12, Orçamento Geral do Estado

O Sr. Albano de Mello: - Começa mandando para a mesa um projecto de lei, auctorizando o Governo a conceder á Camara Municipal de Aveiro o edificio do extincto convento de S. João Baptista d'esta cidade.

Lê em seguida a sua moção, concebida nestes termos:

«A Camara affirma que, devendo ser o Orçamento Geral do Estado um perfeito systema de governo, o Orçamento que se discute não contém as normas simples e necessarias a uma regular administração. = Albano de Mello».

Vae demonstrar que esta sua moção é inteiramente justificada.

Sempre tem pensado que o Orçamento deve ser um diploma simples, claro e consciencioso.

Leu sempre, que elle era como que a Carta Constitucional do Estado; era um codigo de liberdades, era a verdadeira e legitima defesa do cidadão contra os excessos do poder.

Pensou sempre que o Orçamento devia ser lido por todos, quer pelos perfeitos estadistas, quer pelos homens versados nestes assumptos, com a simplicidade tocante com que uma criança lê o cathecismo da doutrina da sua crença.

Na actual sessão parlamentar, porem, e durante a discussão do Orçamento, elle, orador, tem visto apresentar-se affirmações tão oppostas, doutrinas tão divergentes, conclusões tão diversas, que não se sabe se o actual Orçamento corresponde ao juizo que d'elle se deve formar.

Affirmou o Sr. Ministro da Fazenda, no seu relatorio, que o deficit orçamental para o anno futuro é de 900 contos.

O illustre parlamentar, Sr. Moreira Junior, que versou esta questão com profundo conhecimento do assumpto, assegurou pela sua parte, que o deficit poderia chegar a 7:000 contos.

O Sr. Mello e Sousa, que é incontestavelmente uma competencia em questões d'esta ordem, disse que esse deficit pode ainda chegar a verba de 15:000 contos.

De maneira que, divergindo na apreciação d'este as-

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sumpto, homens de tamanha competencia, de tão educada intelligencia, habituados a versar esta materia, legitimo é concluir que o Orçamento, que deve ser a expressão da verdade, sobre a situação economica e financeira do país, falsea essa verdade.

Não desejando abusar da paciencia da Camara, o orador vae resumir, quanto possivel, as suas considerações.

A seu ver o documento, ora sujeito á apreciação da Camara, não é exacto, não é verdadeiro; isso demonstra-se pela maneira por que está elaborado.

Diz o Governo, e com elle a commissão de fazenda, que ao Orçamento do Ministerio do Reino, em vez de haver deficit, ha saldo positivo. Onde se encontra, porem, esse saldo? Ninguem o sabe.

Porque é, por exemplo, que o Governo augmentou a verba destinada á policia civil, determinando: para a policia repressiva mais 6 contos e para a do Porto mais 10?

Já no anno passado, a commissão de fazenda elevou a mais 20 contos essa despesa na cidade do Porto, e este anno elevou-se mais 10 contos. Para que quer o Governo tanta policia? Será para entrar nas redacções dos periodicos, que pugnam pelos principios de liberdade? É para isso que serve o dinheiro do contribuinte, nas mãos do Governo, que saiu do seio do partido regenerador?

Numa das sessões passadas o Sr. Ministro do Reino teve a coragem e o desassombro de defender o ataque feito, pela policia, á typographia de um periodico, que espalhou certos boatos e sustentou certas doutrinas. Sente, porem, elle, orador, que S. Exa. o fizesse, porque, assim faltou ao que deve á sua posição de homem de Governo, á sua qualidade de homem intelligente e ás responsabilidades do homem liberal.

Em que se fundou S. Exa. para, assim, rasgar a Carta Constitucional, o Codigo Civil e a lei de liberdade de imprensa?

Fundou-se, porventura, numa disposição inoffensiva, anodyna, que está escondida no Codigo Administrativo, e que nunca poderia significar da parte do legislador a intenção de confundir a lei fundamental do Estado com o Codigo Civil e com lei de imprensa?

Ainda se comprehendia que tal se fizesse; mas, o que não se pode comprehender é que o Sr. Ministro do Reino venha dizer á Camara que a policia não tinha cumprido o seu dever, porque devia ir muito mais alem do que fez.

Nada estranha elle, orador, que o Sr. Presidente do Conselho tivesse praticado esse acto, que bem pode ser classificado de despotismo; pode mesmo S. Exa. allegar que já, em epocas anteriores, actos semelhantes teem sido praticados, o que elle, orador, não applaude; mas o que S. Exa. não podia era, como Ministro do Reino, vir sustentar, um pleno parlamento, um principio de anarchia juridica, dizendo que a modesta e mesquinha disposição, occulta no artigo do Codigo Administrativo, podia substituir-se ás mais altas leis do país.

Assim, tambem, quem deu auctorização ao Sr. Governador Civil de Lisboa, para permittir que, nos tres dias de carnaval, ultimo, se lançasse pós de amido, papelinhos e outras cousas, rasgando, assim, as disposições do Codigo Penal?

Já no anno passado, elle, orador, notou que o actual Governador Civil de Lisboa, quando exercia igual cargo no Porto, tambem se fundou na disposição do Codigo Administrativo, para reprimir qualquer abuso, que se desse por parte da imprensa. Não o censuro por isso; mas este funccionario, que se julgou com direito proprio de publicar, no carnaval, aquelle celebre edital, faltou ao que deve ao seu proprio nome, quando disse que tinha ouvido o Governo para assim proceder contra a imprensa.

Não precisava ouvi-lo para reprimir qualquer attentado contra a ordem publica. Foi assim que elle, orador, procedeu, quando Governador Civil, em circumstancias analogas.

Entrando na analyse do Orçamento reputa-o elle, orador, mal elaborado, confuso, inexacto, pouco sincero e pouco feliz.

Nos pontos em que este documento não tem importancia, ha clareza e sinceridade; nos outros, em que ha contas de grã-capitão, só ha sinceridade, exactidão e verdade, quando por exemplo se trata dos mestres de musica da Guarda Municipal; mas nos outros a confusão é completa.

Quando se tratou de apreciar o procedimento do Governo, relativamente ás auctorizações parlamentares, discutiu-se o facto de faltar elle ao compromisso que tomou perante o Parlamento, augmentando as despesas publicas, sem poder justificar esse augmento. O mais que fez foi dizer que arranjou receita, para fazer face ás despesas promulgadas. Isso, porem, é augmentar a despesa, o que corresponde a faltar o Sr. Presidente do Conselho ao seu compromisso.

Por exemplo, se o Governo quisesse attender aos votos do país, teria feito uma severa economia na questão dos auditores administrativos. Porque razão quis manter nos seus logares, esses funccionarios que, em regra, teem dado deficientes provas da sua competencia? Basta ler o Diario do Governo, em que vêem os acordãos do Supremo Tribunal Administrativo, para se saber que é este Tribunal o unico que tem annullado eleições de corpos administrativos.

A seu ver, o Governo podia ter feito uma reforma simples, economica e boa, reforma que ainda ha de fazer-se, porque os governos que vierem não podem continuar neste caminho de desregramento, em que, infelizmente o Sr. Hintze Ribeiro e seus collegas se teem mantido.

A reforma a fazer-se é muito simples.

Se o Sr. Presidente do Conselho quisesse fazer um trabalho util, bastar-lhe-hia imitar o exemplo do Sr. Ministro da Justiça, na lei de 12 de julho de 1891.

O Governo que vier tem de fazer a reforma dos auditores administrativos, no sentido de serem os juizes de direito, das comarcas mais vizinhas, os que resolvam os pleitos que forem sujeitos ao contencioso.

É sua opinião que o Sr. Presidente do Conselho tem dotes de homem de governo, mas tem, na sua educação de estadista, um defeito: S. Exa. tem vivido sempre nas alturas.

Chegou á Universidade, e foi laureado; veiu para a politica e é um predestinado.

S. Exa. é audacioso; chegou ao cume da montanha, mas é possivel que o abysmo já escancare a sua boca para o receber.

S. Exa., no seu ultimo modo de proceder, em questões de liberdade de imprensa, faltou, como elle, orador, já disse, ao seu programma, ao seu passado, ás suas tradições, e faltou, até, á sua grande intelligencia.

Partido progressista e partido regenerador, são como irmãos; trabalham no mesmo sentido, seguem o mesmo pendão; ha todavia differenças e tão evidentes que lhe fazem lembrar o curso de dois rios da sua bella região, e que, em dado ponto, se unem até desaguar no mar.

Um despenha se das montanhas e corre limpido e branco, descobrindo areias preciosissimas; o outro atravessa campinas lodacentas da vizinhança dos arrozaes. O seu conjunto forma no mar alterosas ondas, mas a differença da lympha ainda lá se accentua.

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que decorreu a hora regimental, tendo apenas um quarto de hora para concluir o seu discurso.

O Orador: - Agradece e pedindo desculpa á Camara do tempo que lhe tomou, dá por findas as suas considerações.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

A moção foi admittida. O projecto da lei ficou para segunda leitura.

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O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - Sr. Presidente: brevissimas palavras em resposta ao discurso proferido pelo illustre Deputado o Sr. Albano de Mello, mas algumas palavras que a consideração e estima que tenho pelo illustre Deputado, amplamente justificam.

É S. Exa. um Deputado antigo, que se impõe á minha estima pelas qualidades do seu caracter e á minha consideração pela sinceridade com que sempre no Parlamento advoga as causas que se lhe afiguram mais justas e mais liberaes. (Apoiados}.

O illustre Deputado veiu discutir o Orçamento e, ao entrar nessa discussão, deparou com uma divergencia de calculos sobre o que seja o deficit, em comparação com o que no Orçamento se representa O illustre Deputado variou entre cifras de 2.000:000$000 a 6.000:000$000 réis e perplexo, pára, detem-se e não se pronuncia. Pois que o illustre Deputado tão sinceramente falou, permitta-me que, com igual sinceridade, eu lhe responda.

Esta discussão acêrca do deficit calculado no Orçamento, discussão em que as opposições atacam vehementemente o Governo porque calculam pouco, e as maiorias cobrem não só com o seu voto, mas com a sua palavra e a sua convicção os calculos do Governo, é já, permitta-me S. Exa. a phrase, uma discussão classica.

É eterna, portanto, a discussão do deficit no Parlamento Português e, que me lembre, nunca a opposição achou bem calculado um deficit orçamental. Mas comprehende-se, isso está na ordem natural das situações politicas e até, na logica do impulso das proprias convicções.

É até mesmo uma necessidade que a opposição discuta, combata, para que o Governo tenha o ensejo de se defender.

Esta é a vida constitucional, e o peor não está em que as opposições julguem que o Governo calculou mal; o peor é quando do Orçamento passamos á realidade dos factos e então, se consultamos, não o Orçamento mas as contas de gerencia, ahi é que nós encontramos a difficuldade do problema. Então eis que todos temos razão, porque, se volvemos os olhos ao passado e olhamos á realidade dos factos, encontramos, por exemplo, que num dado anno o Orçamento Geral do Estado dava um deficit de 965:000$000 réis e assim o votava o Parlamento; que a pouco espaço - por que então havia orçamentos ratificados - , uma lei subsequente retificava os calculos e dava um deficit de 1.693:000$000 réis; e que, finalmente, chegados ás contas de exercicio, esse deficit que primitivamente era de 965:000$000 réis, que depois passou a ser retificado em 1.693:000$000 réis, elevou-se mostrando que se gastaram 14.137:000$000 réis.

Ahi, sim; ahi é que está - o mal. (Apoiados}.

Mas isto passava-se em 1888-1889 e já o illustre Deputado vê que se volvemos os olhos para o passado, encontramos não differenças de quatro, de cinco ou de seis mil contos; mas differenças de cêrca de 14:000 contos entre o deficit computado e o deficit apurado na realidade dos factos.

E ahi é que está o mal.

Isto, repito, passava-se em 1888-1889; era o orçamento das aguas crystalinas das que tombam dos montes em torrentes claras e engrossam cheias e formam ondas.

Refiramo nos agora ás aguas que o illustre Deputado julgou menos crystalinas e limpidas, as que atravessam as campinas.

Ha um outro anno em que o deficit é calculado em réis 5.062:000$000 e assim apresentado ao Parlamento, sendo de responsabilidade da situação politica que então estava.

Mas entre a apresentação do Orçamento e o começo do anno economico mudou a situação politica, e o governo que estava, foi substituido por outro; pois onde no Orçamento figurava o deficit calculado de 5.062:000$000 réis, as contas de exercicio davam uma realidade de 74:000$000 réis.

Tinham sido as aguas que haviam transformado o deficit de 5.062:000$000 apenas em 74:000$000 réis. Todavia, as aguas nesse anno não eram claras nem se despenhavam dos montes. (Apoiados).

Escusado é dizer que se o primeiro Orçamento, o que dava o deficit de 965:000$000 réis, rectificado em réis 1 693:000$000 e transformado em 14.137:000$000 réis, era de 1888-1889, este em que elle se transforma de 5 062:000$000 em 74.000$000 réis, facto unico no regime dos nossos deficits (Apoiados), este era de 1893-1894.

O illustre Deputado, depois d'este ligeiro introito, passou a censurar, e a censurar vivamente, mas não com azedume, porque o seu espirito desprendido, e até affectivo, não o comportaria, mas com magua, aquella magua que resulta de ver que alguem que estimamos, procede por forma contraria ao nosso modo de pensar.

Foi a respeito da liberdade de imprensa.

Eu ouvi o illustre Deputado, na sua linguagem sincera, na sua convicção accentuada, levar o estigma da sua palavra convicta e sincera até ao ponto de dizer que elle proprio, como apostolo da liberdade, quisera passar pelos maiores rigores, e sujeitar-se aos mais arduos sacrificios em prol da causa da liberdade de imprensa.

Mas os martyres da liberdade, os seus apostolos, defendiam uma causa justa: a salvação da sua patria, a nobre e ardente acção desprendida dos povos que querem ser livres. Não se fala, portanto, nestes heroes, nestes aposto-los de uma santa idéa, para vir defender aquelles que exactamente, em liberdade de imprensa, o que querem é não convencer a opinião, mas, pelo contrario, compensar as intenções de todos; e em vez de se armarem paladinos e apostolos de uma nobre causa, pelo contrario são os instrumentos do descredito do seu país. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem).

Não se junte com esses taes o illustre Deputado, que lhes é muito superior, e possue um caracter muito digno e cheio de honestidade para o poder fazer, e uma penna que não o atraiçoou jamais no seu caracter. Não se abandeie com elles, porque, para esses, criaram-se a punição e a repressão perfeitamente adequadas.

Porque, emfim, é necessario que quem defende uma causa nobre, tambem tenha por seu lado o rigor da justiça para reprimir aquelles que, em vez de defenderem o seu país, procuram o seu descredito e forjam a sua ruina.

O illustre Deputado, ao defender aqui as suas idéas, ia buscar factos que lhe eram proprios para mostrar que, em assumptos de ordem publica, nem sequer consultava seu Governo, porque entendia que no artigo 251.° do Codigo Administrativo tinha faculdades para reprimir quaesquer abusos.

Dizia o illustre Deputado: «No artigo 251.° do Codigo Administrativo estão, para a auctoridade de um districto, faculdades que não estão em nenhuma outra lei».

Isto dizia S. Exa., não é verdade?

O Sr. Albano de Mello: - V. Exa. dá-me licença?

Quando a ordem publica está ameaçada, certamente que sim; mas no caso que se trata, não se dá essa circumstancia; a ordem não estava ameaçada.

O Orador: - Como é que o illustre Deputado sabe se a ordem publica estava ameaçada ou não? Pois quando um jornal publica um artigo em que proclama a revolta, em que incita o povo a pegar em armas, citando factos que jamais se deram, acha S. Exa. que para elle não deve haver severa repressão? Deve, e ha.

Diz o illustre Deputado que no artigo 251.º do Codigo Administrativo estão faculdades que não se acham em alguma outra lei; parece-me que o meio mais prompto para estabelecer a ordem publica, em que a acção dos tribunaes pode ser lenta e não pode surtir rapido effeito, é re-

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correr ao artigo 251.º, áquelle a que o illustre Deputado recorreu, sem ao menos consultar o seu Governo.

O Sr. Albano de Mello: - Então tratava-se de uma revelia; agora não apenas palavras.

O Orador: - Palavras? Mas diga-me o illustre Deputado qual é mais prejudicial para a ordem publica do seu país: aquelle que ao menos expõe o seu corpo, e faz perigar a sua vida quando sae para a rua provocar a desordem, ou pelo contrario aquelle que vem provocar a desordem publica por meio de um jornal, com uma propaganda perigosa e de effeitos graves, pondo-se em salvaguarda?

Com franquesa eu julgo que áquelle que deturpa os factos, o que faz uma propaganda dissolvente e provocadora da desordem é mais digno de castigo do que áquelle que numa encruzilhada, com uma arma qualquer, procura atacar alguem, e recae por isso sob a acção dos tribunaes. (Vozes: - Muito bem).

A propaganda pela, imprensa é salutar, é proficua quando se exerce devidamente na missão de esclarecer e elucidar o país; mas é tambem a mais prejudicial quando se exerce em termos que vão offender o decoro da nação e provocar á desordem aquelles que com o animo sereno deviam apreciar quaes eram as necessidades superiores do país. Pergunto, portanto: não é a este caso que se applica com justiça o artigo 251.° do Codigo Administrativo, com essas faculdades que o illustre Deputado disse, e disse bem, que não se encontram em nenhuma outra lei ? (Apoiados).

E note o illustre Deputado, que isto não é aggravo que eu faço; pelo contrario, porque o estimo, considero e respeito; mas não quero ter de presumir que o illustre Deputado viesse pôr a sua penna ao serviço de tão triste causa Nem S. Exa. era capaz de o fazer. Que V. Exa. se sacrificava-se por uma causa de liberdade, bella e alevantada nas intenções, comprehende-se; porque isso era proprio do seu caracter; sacrificava-se por uma causa bella. Mas não o supponho em companhia d'aquelles que, na sombra e revoltando-se contra a auctoridade, unicamente com intuito malfasejo, voem deturpar os factos, insinuar calumnias, desacreditar o país. Acima de tudo, acima do nosso proprio credito de politicos, é preciso que o credito do país que servimos e por quem sacrificaremos tudo, seja respeitado por todos. (Vozes: - Muito bem).

Pelo que toca a umas censuras que o illustre Deputado fez depois ao Governador Civil de Lisboa, a proposito de um edital publicado pelo carnaval, permitta-me o illustre Deputado que lhe observe que isso sempre se faz; é attribuição vulgar policial da auctoridade administrativa, nessa occasião. O Governador Civil não tem de consultar o Governo e eu não fui consultado para esse edital, o que não é para estranhar; mas defendo-o.

E, note o illustre Deputado, que nem o prestigio da auctoridade fica com isso abalado; porque se eu visse que podia ser abalado com os actos praticados pela auctoridade, essas culpas queria-as eu para mim só, e defenderia assim o meu proprio prestigio, quando fosse atacado.

A doutrina que sempre tenho visto seguir a este respeito, é a seguinte: no Parlamento não ha governadores civis; quem respondo é o Ministro do Reino, tenha sido antes consultado ou não consultado. Em todos os actos de administração, a responsabilidade por todos os actos praticados cabe ao Ministro do Reino, não ao governador civil. (Apoiados). Não ha, pois, governador civil com o prestigio abalado; para isso era necessario abalar a auctoridade representada pelo Ministerio do Reino. E essa, que a abale quem puder!

Dito isto, permitta-me o illustre Deputado que indique o ponto em que nós discordamos.

Eu acho muito digno, muito dedicado o procedimento do illustre Deputado, que, sendo funccionario superior de um districto, não consultou o Ministro do Reino numas questões de ordem publica para que podia haver interpretações diversas. V. Exa. queria pôr o seu superior, o seu Ministro a coberto de qualquer responsabilidade, assumindo-a para si. Mas isso não se dará commigo, se algum governador civil m'o fizesse, se fosse meu amigo, amigavelmente lhe diria que pedisse a sua demissão; e, se não fosse meu amigo, mandava-o demittir-se. Em assumptos de carnaval, ainda vá; mau em materia de ordem publica, se o governador civil me não consultasse para eu resolver e assumir as responsabilidades das instrucções que lhe desse, isso não. Cada um no seu logar; a cada qual a sua responsabilidade. (Apoiados).

O Sr. Albano de Mello: - Mas eu ia todos os dias, dando por escrito e pelo telegrapho notas do que se ia passando, e fazendo todas as requisições de força que me eram mandadas immediatamente. Resolvia por mim proprio, mas não me respondiam.

O Orador: - Isso então é evidentemente outra cousa; quando um funccionario superior de um districto informa o seu Ministro do que se passa e não vê reprovado o seu procedimento, então sim, a responsabilidade effectivamente é do Ministro; então, bem está.

Mas, d'esta discussão toda o que eu apurei é que, segundo o espirito esclarecido do illustre Deputado e segundo a sua auctoridade indiscutivel, o artigo 251.° do Codigo Administrativo contém faculdades que não estão em nenhuma outra lei. Desejo que isto fique registado.

Dito isto, vamos ao Orçamento, e quatro palavras apenas.

O illustre Deputado, propriamente a respeito do Orçamento do Ministerio do Reino disse pouco. Não discutiu as verbas, nem as reformas, nem os augmentos de despesa que resultam d'ellas; e apenas se limitou a fazer a affirmação vaga de que pelas reformas decretadas se tinham augmentado as despesas.

Simplesmente uma de duas: ou o que está no parecer da commissão é exacto, ou é inexacto. Se é exacto, contrabalançando todas as receitas com as despesas, o illustre Deputado vê que do Orçamento do anno passado, para este anno, longe de haver um augmento de despesa proveniente das reformas decretadas, ha pelo contrario, uma diminuição de despesa de 26:420$097 réis. Se não é exacto então é preciso que os illustres Deputados o provem; e como até hoje o não provaram, o que se apura é que das reformas decretadas pelo meu Ministerio, longe de haver esse augmento de despesa com que a opposição quer verberar-me, pelo contrario ha uma diminuição de despesa de 26:429$097 réis, diminuição quese impõe a todos. (Apoiados).

Quer dizer: se eu pude reformar a Direcção Geral de Instrucção Publica por forma que os serviços corressem convenientemente; se eu consegui reformar a Universidade de Coimbra de maneira a satisfazer as reclamações mais instantes; se eu reformei o Conselho Superior de Instrucção Publica, para tornar mais efficaz a sua acção na garantia e na defesa dos interesses da instrucção; se tive ainda a honra de reformar a Instrucção Primaria, com o fim de dotar melhor esse serviço, tornando mais pratica a acção da propaganda por meio das escolas primarias; se me coube tambem reformar o Curso Superior de Letras, transformando-o numa escola pratica; se remodelei o serviço das bibliothecas, que estava confuso; se, emfim, foi da minha iniciativa reformar tantos outros serviços, e se, ao cabo de tanta reforma, em que não fui um reformador completo, bem o sei, mas o mais esforçado e cheio de boa vontade; se, ao cabo de tanta reforma, longe de haver um augmento, ha uma diminuição de despesa, nesta diminuição creio estar o elogio perfeito da minha obra. (Muitos apoiados).

O illustre Deputado só tinha um meio de serio ataque ao meu Governo, mas de que não era facil usar: era convencer a Camara e o país de que não havia tal economia.

Posto isto, duas palavras apenas relativas ao assumpto

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a que S. Exa. se referiu, com relação aos auditores administrativos.

O illustre Deputado quer que se supprimam, e ataca a sua competencia, porque elles não teem annullado eleições de corpos administrativos. Não sei se teem ou não annullado qualquer eleição; o que sei é que os auditores administrativos são magistrados nomeados com todas as condições de aptidão e de intelligencia para o serviço publico e com as garantias de qualidades para o desempenho do seu cargo; o que sei tambem é que, quando tive de completar o quadro, completei-o com magistrados que tinham mais de dez annos de bom serviço.

Que se quer fazer? Supprimir os auditores, entregando aos juizes de direito os julgamentos dos pleitos?

É ahi que se quer chegar com essa reforma salvadora?

Então falemos com verdade.

Temos entendido sempre que a independencia do poder judicial deve estar numa esphera alheia do poder executivo e até ás Côrtes; tem-se entendido que devemos respeitar o julgamento dos tribunaes como o julgamento de uma entidade independente, que se impõe ao respeito e á consideração de todos; mas se lhe vamos entregar o julgamento de processos admistrativos, d'aqui a pouco, então, já os factos serão muito outros.

Deixe o illustre Deputado que assim viva o poder judicial.

O poder judicial move-se na esphera de acção que lhe é propria, com as missões que lhe incumbem, com as attribuições que lhe pertencem; mas não vão entregar-lhe esses processos administrativos que não lhe pertencem, e que prendem com os interesses locaes, prendem até com as eleições municipaes e outras; porque assim, em vez de contribuir para lhe augmentar o prestigio, pelo contrario, pode-se diminui-lo.

E nada mais direi a este respeito.

Eu desejo concluir como o illustre Deputado concluiu. S. Exa. dizia que eu tinha vivido sempre nas alturas; certamente não são aquellas de onde se despenham as aguas crystalinas, e não são as alturas da ociosidade nem as da folgança, nem as da despreoccupação, nem as do interesse.

Pelo contrario, são alturas onde se vive sobre espinhos, com cuidados a todas as horas, com responsabilidades de toda a sorte, com preoccupações de todos os instantes e de toda a natureza, sem quasi poder repousar-se numa hora em que o espirito esteja liberto e tranquillo. (Muitos apoiados).

Não sei se é bom viver nessas alturas; mas o que sei é que a vida se gasta depressa nellas.

Mas que as aguas que se despenham dos montes sejam claras ou não; que o illustre Deputado julgue que o seu partido é o das aguas crystalinas e o meu o não é, queira o illustre Deputado contribuir para uma obra no nosso país; é que, sem divergencia das nossas opiniões, nos respeitemos, para que possamos merecer tambem o respeito da propria nação. (Apoiados}.

Creia o illustre Deputado: a nossa missão dentro do Parlamento é eficaz, quando bem exercida; mas, como todo o sacerdocio quando é renegado se essa alta missão for illudida, longe de ser salutar será terrivelmente prejudicial.

O illustre Deputado, sincero como é, contribua para que os homens politicos, em logar de se abocanharem todos os dias deturpando os factos que praticam, as responsabilidades que assumem, pelo contrario, possam impor-se ao respeito de todos para que possam ser fecundos os seus trabalhos. Porque só pode bem servir um país quem merece, senão a admiração, pelo menos a consideração de todos.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas).

O Sr. Dias Ferreira: - Impõe a si proprio a condição de tomar pouco tempo á Camara; não pode, porem, deixar de dizer, em resposta ao que o Sr. Presidente do Conselho disse sobre auditores administrativos, que a Camara toda exerce o seu mandato, em virtude de um julgamento do poder judicial, e até as questões de recenseamento são julgadas por juizes.

É que a questão é outra.

É que, como não só de pão vive o homem, tambem o homem não vive sem pão, e os logares de auditor administrativo sempre são vinte e um!

Ficou tambem encantado ao ouvir S. Exa. falar no artigo 251.° do Codigo Administrativo; todavia sente ter de dizer que o seu pensamento a respeito d'esse artigo e de outros semelhantes, é de que elles precisam de ser completamente banidos da nossa legislação.

Nada mais, nada menos.

Não discute neste momento a questão de liberdade de imprensa, e se não discorda da idéa do Sr. Presidente do Conselho, que quer fazer do jornalista um homem bem falante, deve comtudo, dizer, que se o jornalista sae da linha em que deve manter-se, é para isso que existem tribunaes e juizes.

Disse, porem, que não quer discutir este assumpto e por isso se limita a notar que liberdade de imprensa, desde Costa Cabral até ao Sr. Presidente do Conselho, cada qual a interpreta a seu modo.

Dito isto vae ás perguntas que deseja fazer e para as quaes pediu a palavra.

Deseja que o Sr. Presidente do Conselho informe a Camara e o país das providencias que tenciona adoptar sobre saneamento, principalmente de Lisboa e Porto, mesmo porque ouviu que para tal fim se nomeou uma commissão, e em geral o país desconfia sempre de que quando se nomeiam commissões é porque se pensa em não fazer nada.

Quanto a Lisboa dois pontos ha que são capitaes: a necessidade de uma rigorosa fiscalização nos generos expostos á venda e o dever de attentar na canalização não tanto das ruas, como das proprias habitações, porque alem de ser pessimo o cheiro que muitas d'ellas exhalam, ainda quem for mais curioso, pode ver nas paredes dos predios que as canalizações não são impermeaveis.

As informações que pode dar do Porto são ainda peores; basta dizer que o Porto figura no numero das cidades da Europa em que a mortalidade é maior.

Pense pois o Governo nos meios de resolver este assumpto, de modo a evitar uma grandissima catastrophe possivel de dar-se com a approximação do estio, porque não é no meio de uma epidemia que pode pensar em tomar providencias.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Raposo Botelho: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que V. Exa. se digne consultar a Camara sobre se approva que a sessão seja prorogada até se votar o orçamento do Ministerio do Reino. = Raposo Botelho.

Foi approvado.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - O illustre Deputado, apesar de ter feito algumas considerações no que toca á questão da liberdade de imprensa, declarou que a punha por agora de parte, que não provocava replica minha e que o seu intento era outro: era fazer uma simples pergunta ao Governo. É dever meu acompanhá-lo.

O illustre Deputado não quis discutir a questão da liberdade de imprensa e eu tambem não entrarei nesse assumpto e apenas me referirei ao que S. Exa. disse acêrca do artigo 251.° do Codigo Administrativo.

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É de admirar que S. Exa., quando esteve no poder, não applicasse a doutrina por S. Exa. defendida, e a deixasse ficar de pé.

É que, como S. Exa. disse, cada um entende as questões de liberdade de imprensa conforme o seu criterio e alvedrio, e, não quero dizer, conforme a sua conveniencia.

O criterio do illustre Deputado quando está no Governo é de homem de Governo; e eis porque o illustre Deputado, quando está na opposição, pede a suppressão d'esse artigo, e quando está no Governo e applica conforme entende.

Posto isto, vou ter a honra de responder ás perguntas do illustre Deputado.

O illustre Deputado perguntou se o Governo conta tomar providencias relativamente ao saneamento das cidades de Lisboa e Porto.

A pergunta é muito simples, mas refere-se a um problema extremamente complexo.

Sr. Presidente: são muito do meu antigo conhecimento as taes perguntas simples que se formulam, quando se está na opposição e cujas respostas se acham muito complicadas, quando se está no Governo. (Apoiados}.

O illustre Deputado sabe bem que a questão do saneamento de Lisboa e Porto é gravissima e vem de muito longe; e sabe tambem que tem sido estudada sob varia dos pontos de vista, e que ainda hoje não está, permitta-me a Camara a phrase, madura bastante para lhe darmos uma solução.

Porque? Porque nós oscillamos entre a necessidade de não fazer largas despesas, visto que o Thesouro não as permitte, e a necessidade de sanear as cidades de Lisboa e Porto, porque varios factos nos estão mostrando, todos os dias, que esse saneamento é necessario. Mas não basta dizer que é preciso melhorar essas condições de saneamento para que as providencias sejam efficazes; é necessario que as comportem os recursos do Thesouro, é necessario aprofundar estudos que ainda hoje não estão feitos. Assim, para Lisboa havia idéa de construir um grande collector que fosse lançar todo os despejos para alem da foz do rio, mas o illustre Deputado sabe bem a enorme despesa que o collector traria. D'ahi, a necessidade de estudar um systema mais modesto e igualmente proficuo, que evitasse ao Thesouro a grande despesa que tinha de fazer com o grande collector.

O mesmo se dá no Porto. Nesta cidade a questão não se pode resolver com algumas dezenas de contos, e é preciso saber-se qual é o systema que melhor pode servir á cidade, e que ao mesmo tempo seja mais economico. É isto o que se está estudando, e é por isso que eu não posso pronnunciar-me hoje a tal respeito.

O illustre Deputado pediu a opinião do Governo, mas eu não sou um technico, e por isso não posso deixar de procurar todos os elementos necessarios de informação, para poder resolver com acerto.

Se o illustre Deputado perguntar se o Governo está preoccupado com esta questão, dir-lhe hei sinceramente que está, e muito; se me perguntar se tenciono tomar já alguma medida, dir-lhe hei então que não, porque não estão completos os estudos necessarios para se tomar uma providencia que ao mesmo tempo seja economica e acceitavel.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu).

O Sr. Egas Moniz: - Mando para a mesa a minha moção, que passo a ler:

«A Camara, convencida dos maus processos administrativos, que o Governo tem seguido, exige a verdade dos documentos officiaes, para devidamente se poder apreciar o deficit orçamental. = Egas Moniz».

Sr. Presidente: ha numeros que substituem, com vantagem, as dissertações por mais completas que ellas sejam, sobre assumptos financeiros. Teem a sua eloquencia e por vezes tão sobria e tão cruel que dispensam todas as considerações. (Apoiados). Os numeros representativos da nossa divida fluctuante, indicam qual é a situação do nosso país, e evidenceiam na perante o estrangeiro.

Sr. Presidente: nós não podemos, pela simples apreciação d'estes documentos, que estão em discussão, fazer um juizo perfeito sobre qual o deficit do nosso Orçamento, porque, como tem sido demonstrado pelos illustres oradores que teem tomado a palavra sobre este assumpto, se o deficit segundo o Orçamento é de 959:000$000 réis, vae, depois de detida analyse d'este documento, a réis 14.000:000$000!

Entretanto, ha dois factos que nem o Governo nem aquelles que o antecederam teem pretendido contestar: é a progressão da divida fluctuante, que atemoriza os menos pessimistas, é a persistencia do deficit de todos os nossos Orçamentos de na alguns annos. Ninguem contesta estes dois factos, que são confessados pelos proprios Governos.

A divida fluctuante era em 30 junho a seguinte:

(Leu}.

Quero dizer, o actual Governo trouxe para o país, neste lapso de anno e meio, o encargo de 10.400:000$000 réis!

Sr. Presidente: disse ha dias nesta casa do Parlamento um orador, muito considerado como auctoridade em assumptos financeiros, que a nossa situação presente era inteiramente comparavel á situação que tinhamos antes da crise de 1892.

Sr. Presidente: é negra na verdade: a nossa situação é a mesma, se não é peor, porque os recursos vão faltando, como accentuou o Sr. Conselheiro Dias Ferreira.

Mas a situação é, pelo menos, a mesma; porque o deficit existe persistente e constante, e a divida fluctuante augmenta progressivamente, de forma que atemoriza a todos.

Ora se a nossa situação é, como disse um illustre orador, que nesta casa do Parlamento tem foros de auctoridade e de auctoridade justificada, se a nossa situação é comparavel á que precedeu a crise de 1892, justo é que rebusquemos uma vez ainda as causas do grande mal, para elucidação do país desgraçado que o soffre e para tranquillidade das nossas consciencias, de onde já parte um grito de dor revoltada.

Porque, Sr. Presidente, pode admittir-se a existencia de deficit num determinado Orçamento; pode admittir-se a existencia de deficit proveniente de medidas extraordinarias que se adoptem, pode admittir-se a existencia de um deficit quando um cataclismo sobrevenha a uma nacionalidade, ou quando hajam de adoptar-se grandes providencias de fomento, mas o que não pode comprehen-der-se é a persistencia, a constancia fatal d'esse deficit, que não pode ser devido assim senão á má administração publica. Este é que é o problema em toda a sua tragica simplicidade, e elle pode trazer ao nosso espirito o convencimento de que vamos cair num plano inclinado a que parece já nada poder oppor-se.

Antes de 1891, alguns financeiros illustres do nosso país presagiavam já, prognosticavam com certeza que a crise havia de sobrevir, e de uma forma violenta. Pois, Sr. Presidente, não se accreditou, e os arautos que defendiam o Governo, que se seguia na marcha rotativa, repetiam sempre as mesmas palavras de optimismo para responder a essas ameaças terroristas.

Havia a desculpa de se pensar que ha muito viviamos assim, e por consequencia podiamos continuar assim vivendo. É um erro, e d'esse erro tivemos a lição terrivel que devemos aproveitar, porque não passaram ainda tantos annos depois de declarada essa crise temerosa que pesou nobre nós, para que se possam considerar desvanecidos os seus vestigios. O nosso deficit não era devido

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Causas extraordinarias, a causas passageiras, passadas as quaes se voltaria á nossa vida normal. Não devido a causas politicas, pois não soffremos luctas nem tivemos guerras que o justificassem. Tambem não gastamos com o fomento nacional e meios de communicação, no que diz respeito a obras publicas, quantias bastantes que nos desculpassem a existencia d'este enorme deficit. A existencia d'elle explica se apenas pelos processos administrativos seguidos até hoje por todos os Governos. Esta é que é a verdade nua, que não pode sequer pôr-se em duvida, por quanto vemos que nos ultimos 50 annos, de todo o augmento da nossa divida apenas se empregou no desenvolvimento da economia do país 30 por cento ou o maximo 40 por cento, do dinheiro que pedimos, se descontarmos a compra de navios, a indemnização de Berne e as expedições á Africa.

E mesmo que calculemos 10 por cento para a compra de navios, para a indemnização de Berne e para outros assumptos, o que é certo é que o que impende sobre os nossos Governos, é a má administração.

Desde 1852 para cá, 50 por cento do dinheiro que nos tem vindo de emprestimos tem-se gasto mal; e este facto é tão verdadeiro e a situação é tão triste que não ha ninguem que se não sinta apavorado com o dia de amanhã. (Apoiados).

Estes factos impõem-se pelos numeros, e são a verdadeira demonstração de como temos governado mal, e temos seguido um caminho diverso d'aquelle que deviamos seguir. (Apoiados).

Estamos á beira do negro abysmo, e sem mais demoras nem hesitações, devemos seguir já por outro caminho opposto.

A nossa situação, a situação de um Estado é como as condições economicas da vida de um individuo; se gasta mais do que tem, chega á conclusão de abrir fallencia.

Estamos em vespera de um convenio, e as bases d'esse convenio são hoje já mais ou menos conhecidas.

Não quero apreciar hoje esse convenio; elle virá ao Parlamento e merecerá approvação ou não merecerá. Mas o que desde já digo é que não considero que nelle haja qualquer clausula que directa ou indirectamente attente contra a nossa independencia, e digo isto desassombradamente porque confio ainda nos sentimentos do nosso povo português. (Apoiados).

O Ministro que apresentasse um convenio com taes bases, teria decerto de todos os portugueses o correctivo que merecia. (Apoiados).

Estamos em vesperas de um convenio, que não sei se já estará realizado; seja como for, o que é certo é que o Governo actual não prepara os espiritos, antes pelo contrario, gastando de mais, cria-lhe difficuldades.

Não é quando se augmenta assim a nossa divida que se preparam os espiritos para acceitar um convenio, e que se pode negociar em condições favoraveis.

Varios oradores d'esta casa teem dito que as despesas augmentam em todos os paises; que não é só em Portugal que se dá esse phenomeno.

É verdade que ha causas geraes que podem influir para que, no nosso país, o capitulo de despesas augmente.

Ninguem o nega; mas quando as despesas augmentam, augmentam as receitas, e o quantitativo em dinheiro de certo é augmentado em todos os paises, na Europa e na America.

A causa d'isso vem a ser uma causa geral que nada tem com o deficit.

A causa geral depende da administração publica, da maneira como o dinheiro se gasta, desenvolvendo determinadas industrias e as vias de communicação, e depende, alem d'isso, de que o dinheiro, o ouro e a prata, tem diminuido de valor, que segundo calculos scientificos, desce de 1 para 4 para o ouro, e na proporção de 1 para 6 para a prata.

Sendo assim, comprehende-se que o quantitativo do dinheiro augmente; mas isto não tem nada com o deficit.

Não devemos ir ao estrangeiro buscar os maus exemplos, mas os bons; não devemos ir ao estrangeiro procurar desculpas para os nossos actos; isso não se pode admittir, é um processo de administração que não se pode comprehender.

Uma grande parte do dinheiro que gastamos, e algum bom inutilmente, é innegavelmente gasto com os serviços publicos.

Nós gastamos mais com os serviços publicos do que nenhum outro país da Europa.

A França é uma das nações que despende mais em serviços publicos; pois Portugal gasta mais 30 por cento.

Este calculo precede as ultimas reformas dos differentes Ministerios, quer no uso ou abuso das auctorizações, como quiserem, quer nos decretos dictatoriaes.

Se nós julgarmos melhor a questão e quisermos apreciar quanto é que pagamos para os funccionarios, e quisermos fazer o calculo dos impostos que pagamos unicamente destinados aos funccionarios, chegamos a um resultado de numeros que nos apavora!

Quero eu fazer o calculo medonho, mas quero andar depressa porque a hora vae adeantada, e, numa sessão prorogada, os meus collegas agradecerão decerto a minha pressa de acabar.

Não posso deixar de fazer este pequeno calculo, para mostrar quanto paga cada português para o funccionalismo.

Refiro-me ao ultimo censo, publicado ha 10 annos, onde vejo que, nessa época, havia 50:466 empregados

Eu quero que existam ainda os mesmos, se bem que só o Governo actual augmentou esse numero em perto de 2:000. Se computarmos o ordenado medio de 250$000 réis a cada empregado, nós vemos que se gasta cêrca de 13.000:000$000 réis só com o nosso func-cionalismo, e dividindo esses 13.000.000$000 réis pelo numero de habitantes do continente, vê-se que cada individuo paga para o funccionalismo 2$800 réis.

Se isto não é phantastico, positivamente não sei então onde possam chegar os exageros.

A culpa será só dos Governos?

Desejo ser sereno na minha critica, e obedecer ao que me manda a minha consciencia:

Não é. (Apoiados).

A culpa é da ambição burocratica que temos, porque em cada português encontra se um candidato ao funccionalismo. Alguns que poderiam receber mais proventos em determinadas profissões que estão independentes do Estado, teem esta ambição, - especie de idiosyncrasia portuguesa, que é já um dos mais pittorescos symptomas da decadencia nacional dos espiritos.

É um mal de que enfermamos, e não sei bem como d'elle havemos de sarar. Se a culpa não é só do Governo, se impende tambem sobre nós, sobre a collectividade, país, o que é certo é que o Governo, em vez de remunerar bem a poucos funccionarios, como disse aqui o meu amigo o Sr. João Pinto dos Santos na sua ultima oração sobre o Orçamento, prefere alimentar este vicio despachando o mais que for possivel, fazendo o maior numero de funcionarios. Em Portugal, a percentagem dos funccionarios, por cada 100 individuos, é de 1/10, e como com o funccionalismo se gasta 23 1/2 a 24 por cento de todos os rendimentos a administrar, eu pergunto: se um individuo tivesse o rendimento de 1:000$000 réis, se gastasse só com os empregados da sua casa 230$000 ou 240$000 réis, se não lhe instituiam prudentemente um tutor? Decerto que sim, porque elle era um prodigo.

Pois assim é o Governo. Mas eu quero concretizar mais esta percentagem; quero demonstrar que mesmo que nós queiramos remediar esse mal immediatamente, pondo-se o Governo numa abstinencia cega de não empregar ninguem, não poderemos consegui-lo, e em parte pela nossa educa-

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ção, porque o Governo não tem attendido á maneira como se tem educado o povo, já fazendo uma larga derivação para ss nossas colonias, já criando, aproveitando e fazendo reviver differentes industrias que se podem fazer desenvolver no país. Se se quiser obstar a esse mal, é preciso fazê-lo Ientamente, mas fazê-lo: para bem de todos e do país. Eu direi que se, por um lado, se gastam 23 1/2 a 24 por cento dos rendimentos com os nossos funccionarios, por outro lado temos gasto, de 1852 para cá (apenas servindo-me da taxa de 8 por cento em todos os calculos, taxa que tem sido seguida por todos os oradores e que foi seguida por Oliveira Martins), temos gasto com as obras publicas uma parte tão insignificante e tão reduzida, como eu disse, entrando mesmo em linha de conta até com verbas auctorizadas dos emprestimos de 4 e 4 1/2 por cento, os emnprestimos que o Estado deve ao Banco e que sobem a 55.000:000$000 réis, que afinal se concluirá que esbanjamos por anno, e inutilmente, cêrca de 4.000:000$000 réis.

Pode admittir-se esta situação?

Pode viver-se assim? Não, e não!

Não faço uma accusação directamente ao Governo actual, nem tão pouco aos outros Governos que me são affectos, por isso que sou extremamente partidario para fazer essas accusações e não viria fazê-las áquelles que me pertencem.

Isto é um mal que não pertence ao país, é talvez um mal de todos ou paises.

O deficit, haja ou não melhoria de cambios, ha de ser extincto; do contrario desapparecerão as nossas colonias e, desaparecidas as nossas colonias, Portugal não tem razão de existir.

As nossas colonias são a ultima caução, e se o deficit continuar a avolumar-se chegará a proporções extraordinarias. Então perderemos as colonias e, perdidas as colonias, Portugal não tem direito a viver como nação independente.

Esta é a verdade incontestavel dos factos, desde que se queira pôr em these e não se transforme em questão politica.

Chegou-se a hora solemne demais para estarmos aqui a fazer retaliações partidarias; e por isso causou me uma triste impressão o Sr. Presidente do Conselho, em resposta ao meu amigo que muito estimo e considero, o Sr. Albano de Mello, ao vir dizer que realmente existiu deficit em al-gumas gerencias, mas tambem existiu nas gerencias progressistas e maior ainda.

Mas mesmo que o Sr. Presidente do Conselho apontasse um facto que fosse incontroverso, mesmo que o que disse o nobre Presidente do Conselho fosse uma verdade inabalavel, se o de-ficit existiu sempre, o que é certo é que o Sr. Presidente do Conselho culpado nisso tambem é, pois que S. Exa. pertence aos Governos que teem evolucionado no poder.

Mas o que é certo é que nós não podemos viver indefinadamente gastando mais do que possuimos. Não ha argumento, não ha philosophia por mais extraordinaria que seja, não ha razão social por mais intrincada que pareça, que logre demonstrar o contrario. Gastando mais do que temos, havemos fatalmente de cair na bancarrota como succedeu em 1892. Então não lhe chamámos bancarrota, empregámos euphemismo: medidas de salvação publica.

Mas o facto é que gastamos mais do que temos e, não mudando radicalmente de processos governativos, caimos fatalmente na ruina.

Precisamente agora, depois de feito o convenio que traz encargos extraordinarios, calculados pelo Sr. Fuschini em 900:000$000 réis em ouro, encargos que pouco poderão ser reduzidos pela alta do cambio, precisamos de mudar radicalmente de rumo em processos de administração publica.

De outra forma iriamos pouco a pouco afundando-nos, para nunca mais nos salvarmos.

Sr. Presidente: depois do convenio, quaes os recursos de que pode dispor o país?

O emprestimo dos Tabacos, talvez o contrato com o Banco de Portugal que um grupo de patriotas, e chamo-lhes assim, parece ter conseguido que se realize nas condições em que é formulado, porque seria desvantajosissimo para o Governo e para o país.

Teremos ainda o recurso ás companhias particulares; e uma d'ellas é a Companhia das Lezirias, apontada no livro do Sr. Anselmo de Andrade, Portugal Economico.

Convem aproveitar escrupulosamente estes recursos, visto que assim é necessario; e, sendo assim, nós precisamos de conseguir o equilibrio orçamental. Já não é de hoje esta phrase; ella tem sido tantas veses repetida no Parlamento que quasi caiu na vulgaridade; data desde Oliveira Martins, e ainda ha pouco tempo um illustre Ministro que precedeu o Sr. Mattozo Santos affirmava essa necessidade com a phrase custe o que custar, que ficou consagrada.

Desde que o equilibrio orçamental se fisesse custasse o que custasse, desde que se aproveitassem bem estes recursos, então veriamos realizada aquella aspiração sagrada de um homem politico que já não existe, mas cujo valor era incontestavel: refiro-me a Antonio Ennes, quando traçava essa aspiração num programma de um jornal politico que elle dirigia, e que hoje é distinctamente dirigido pelo meu illustre amigo o Sr. Conselheiro José de Alpoim. Dizia Antonio Ennes no programma d'este jornal, que devia ser lido muitas vezes pelos membros do Gabinete, para mostrar a nossa situação e para vermos o caminho que ha a seguir, dizia elle o seguinte:

(Leu).

É assim que nós precisamos de um homem, acabando-se de uma vez com estas distincções metaphysicas que hoje existem entre honradez politica e particular, fazendo-se da honradez uma especie unica; porque quando nos abeiramos do abysmo e vemos bem o que pode ser o dia de amanhã, temos obrigação de reflectir, pondo de parte armas de guerrilhas partidarias para cuidar do bem da patria, que é o que devemos querer acima de tudo e de todos.

Desejava fazer mais largas considerações sobre a parte geral do Orçamento. Nilo posso, não devo fazê-lo nesta altura da sessão; a Camara não m'o desculparia, e eu decerto não iria accrescentar nada aos oradores que me precederam.

Disse eu que não vinha a fazer um discurso politico. Para discursos politicos geralmente toma-se o Orçamento.

Eu não o tomo para esse fim, porque o considero muito superior ás retaliações partidarias; deixo isso para outro momento mais opportuno, e sobre este aspecto do problema, eu desejo seguir a orientação do Sr. Centeno, ao desejar que os partidos se unissem, mas solidamente, tomando como divisa commum, divisa que ninguem tivesse o direito de alterar; a economia e, acima de tudo, a honestidade em todas as questões em que se regulamentassem os processos de administração.

Esse acordo é que devia fazer-se, e não gastar força moral e energias em combatesinhos de politica pessoal; porque ha muitos pontos onde se podem terçar armas de guerrilhas, e onde podem combater os grupos partidarios, mas em questões tão graves como estas da administração publica, ou entendo e entendem todos na sua consciencia, embora o não digam, que nos deviamos unir sem distincção de partidos de maneira a ver se conseguiamos no futuro melhores dias, e melhor sorte para o nosso país, que bem a merece.

Ia eu dizendo, que me tinha detido muito nestas apreciações; mas eu falo pela primeira vez sobre o Orçamento e sou um novo e talvez cheio de illusões; e, por-

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tanto, desejava fazer uma resenha dos factos que observei nesse Orçamento, porque desejava apreciar os problemas que entendo mais necessarios e urgentes resolver, para o bem-estar do meu país.

Mas, tenho-me dilatado nas considerações geraes que apresentei, porque pedi a palavra unicamente para apreciar o orçamento do Ministerio do Reino. Eu disse que ha verbas falsas, verbas mal lançadas e assevero-o agora.

E para o demonstrar com factos, devo declarar que me guio nesta discussão, mais pelo orçamento do Sr. Ministro do Reino, do que pelo parecer da commissão. Considero o Sr. Ministro do Reino sufficientemente sincero para, no que diz respeito ao computo das despesas na parte geral, dizer a verdade ao seu país.

Refiro-me principalmente á proposta ministerial, comparando o Orçamento dos ultimos cinco annos, e não é ir muito longe.

Sr. Presidente: uma pequena divagação, comparemos os orçamentos dos ultimos cinco annos, e vejamos o que nos dizem:

(Leu}.

E vem dizer depois o Sr. Ministro do Reino, que no conjunto de reformas saidas do seu Ministerio, houve economia. Oh! Sr. Presidente, parece uma irrisão!... Mas esse ponto já foi apreciado devidamente, eu, por mim, estou convencido de que pelas medidas publicadas, se au-gmentou a despesa em quanto verba por verba, se não provar o contrario. Não era com palavras que me illudiam, desde que estudei o problema, desde as suas minudencias até aos factos mais insignificantes.

Sr. Presidente: dito isto, tomo as sommas pedidas para as despesas do exercicio do anno proximo, e as despesas de exercicio do anno passado; e começando a examinar capitulo por capitulo, teria muito que dizer á Camara...

Sr. Presidente: se não fôra a pouca demora, que a mim mesmo quero impor, teria a notar cousas verdadeiramente extraordinarias, que julgava que se não escreviam em diplomas officiaes; foi por isso que na minha moção exigi o Governo a verdade nos diplomas. O que é certo é que para o equilibrio do Orçamento é necessaria a verdade nos diplomas officiaes; e é ainda necessaria a reforma da contabilidade, que como está constituida e organizada, é um verdadeiro cahos, em que se perdem os inexperientes nestas habilidades numericas.

Comecemos pelo capitulo 1.°, Secretaria de Estado.

Sr. Presidente: ahi augmentaram as despesas publicas 6:687$680 réis, e logo me referirei a algumas verbas, comparando-as; agora assignado apenas que o facto de existir nesta Secretaria de Estado augmento tão extraordinario, é quasi todo, se não todo, devido ao pessoal. Creio que o funccionalismo é uma doença chronica, que de ha muito nos ataca! (Apoiados),

No Contencioso Administrativo criou-se um quadro especial. A este assumpto já proficientemente se referiu o Sr. Montenegro, a que nada poderei accrescentar, ficando sem resposta as accusações que S. Exa. fez, e que é preciso desfazer do lado da maioria e do Governo.

Preciso chamar a attenção do Sr. Ministro do Reino e da Camara especialmente para este assumpto.

A these que pretendo demonstrar é que na verdade ha verbas que não estão auctorizadas por lei, e este aspecto do problema já foi tratado pelo meu illustre collega o Sr. Dr. Montenegro.

Eu chamo mais uma vez a attenção da Camara e a do illustre orador que me seguir.

Tive cuidado de ver a tabella semelhante do Orçamento anterior e vi que a verba augmentou propositadamente, para depois a diminuição ser maior.

Sr. Presidente: desçamos agora á analyse d'este capitulo; comecemos pelo Instituto Central de Hygiene, e ahi vemos que está consignada no Orçamento uma verba que não era da lei de 24 de dezembro de 1901. Como V. Exa. sabe, o regulamento modificou aquelle decreto, alterando algumas das suas disposições, e em virtude d'ellas é que está esta verba no Orçamento.

No Real Instituto Bacteriologico de Lisboa, como já fez notar o Sr. Montenegro, ha uma verba de 500$000 réis para um veterinario, de que não se fala na lei. Faço notar agora este ponto, que não obteve resposta; e porque, segundo supponho, tenho a subida honra das minhas considerações serem respondidas por um illustre orador d'aquelle lado da Camara que é profissional neste assumpto, eu desejava saber qual era a lei que consignava junto do Real Instituto as funcções d'este medico veterinario.

No posto de desinfecção ha uma alteração profunda, extraordinaria já citada pelo Sr. Montenegro. Eu encontrei o seguinte:

Ao medico director uma gratificação de 200$000 réis, que não vem na lei, e ao medico ajudante outra gratificação.

Não sei porque esta verba ha de vir inscripta na dos vencimentos, e não debaixo de outro titulo.

No respectivo quadro temos as seguintes verbas.

(Leu).

Quer ver V. Exa. Sr. Presidente, e quer ver a Camara o resultado de tudo isto?

O resultado de tudo isto é que no Orçamento, no que diz respeito ás despesas de hygiene publica, a despesa é augmentada em 5:000$000 réis.

Sr. Presidente: esta é que é a verdade dos factos, e factos bem curiosos. (Apoiados).

Comtudo esta verba, por si só, tem pouco valor.

Mal imagina a Camara o trabalho que tive para achar no Orçamento a quanto subiram essas verbas que não estavam auctorizadas por lei, pois não só com hygiene publica se dão estes factos!

Sobre este assumpto e sobre estas verbas haveria muito que dizer; mas deixarei ficar isso na sombra e só direi que com a lei relativa á hygiene publica houve um augmento de verba de 5:000$000 réis. Tenho que olhar ao tempo e não posso prender-me com divagações, senão ainda sobre este ponto teria muito a dizer.

Segue-se o Conselho Geral de Instrucção e com esse Conselho dá-se um facto extraordinario.

Supponha a Camara que existe ahi um amanuense que ganha menos do que um servente.

O amanuense ganha 240$000 réis e o servente ganha 300$000 réis. A causa d'isto não a sei, mas que um empregado menor ganhe mais do que um amanuense, é realmente extraordinario, e eu, percorrendo os diversos serviços dos differentes Ministerios, dei-me ao cuidado de saber quanto ganham os continuos e serventes, e quaes as attribuições do servente ou continuo que está junto a este Conselho Superior de Instrucção Publica, e observando esses factos, vi que regulavam os ordenados entre 250$000 e 280$000 réis. O que achei sobretudo extraordinario é que um servente para o Conselho Superior de Instrucção Publica ganha 300$000 réis e o amanuense 250$000 réis.

A somma d'estas verbas dá certa.

Não ha aquelle celebre 7, que andou em bolandas de baixo para cima e de cima para baixo.

Chamo a attenção do illustre orador que me responder para este ponto especial.

São pequenas cousas, a cujo exame temos de descer, desde que queiramos apreciar as contas de determinados Ministerios; mas são contas pequenas, que depois de sommadas dão quantia grande.

Agora, e para não tirar muito tempo á Camara, desejo referir-me ligeiramente ao Conselho de Hygiene Publica.

Pergunto: Qual é a lei que auctoriza a remuneração aos empregados ou aos membros do Conselho de Hygiene, que não ficam em effectivo serviço, aquelles que existiam quando o Governo fez a reforma e que ficam com a gra-

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ificação de 200$000 réis? Isto não o auctoriza alguma lei.

Devo fazer notar um facto que me impressionou. No capitulo 8.°, instrucção primaria, ha uma differença para menos de 4:800$000 réis, e, mais abaixo, no capitulo bellas artes, vejo que ha uma differença para mais de 6 contos e tanto.

Isto, Sr. Presidente, parece verdadeiramente uma irrisão. De ora avante teremos talvez mais musicos no país, mais amadores de bellas artes, mas o que não teremos é menor numero de analphabetos, causa do nosso estado, porque se o povo português percebesse bem como está sendo administrado, poderia pedir severas contas ao Governo. Parece que ha o proposito de querer occultar, por todas as formas, as luzes da instrucção a todos aquelles que infelizmente as não possuem, talvez com o fim de se poder continuar a administrar da maneira como se tem administrado!

Sr. Presidente: este confronto deixou-me profundamente penalizado. Na instrucção primaria não houve uma differença para menos de 4:180$000 réis, mas uma differença para mais de 37:000$000 réis; pelo menos, já aqui apresentei as contas, dispenso-me de as apresentar novamente, porque tive a infelecidade de o illustre orador que respondeu, aliás num discurso muito brilhante, me não responder, verba por verba, como eu desejava, para me convencer do contrario, de que as reformas não trouxeram augmento de despesa. Não era com palavras, mas verba por verba, que eu queria que me affirmasse que eu estava em erro, que esta verba é falsa, que esta outra não era verdadeira.

Eu sei positivamente que não houve differença alguma para menos, e não venho argumentar com differenças especiaes no que diz respeito ao fundo de instrucção primaria, mas que houve augmento de despesa, nunca inferior a 37:000$000 réis.

Augmentou-se o ordenado aos professores das escolas districtaes, augmentou se o ordenado de differentes professores, e isto deduzindo as compensações, como o Sr. Ministro do Reino queria.

Eu segui nesta parte a forma apresentada por S. Exa., mas o resultado, no que diz respeito á instrucção primaria, apesar d'esse augmento de 37:000$000 réis e não diminuição de despesa de 4:180$000 réis, é exactamente a mesma cousa.

O país, no que diz respeito ao analphabetismo, é o mesmo, porque a unica verba que o Governo se não julgou auctorizado a consignar definitivamente na sua reforma da instrucção primaria, foi o augmento de 15$000 réis a cada professor!

Foram os unicos que ficaram ludibriados, pois o augmento de 15$000 réis está no projecto, mas não está em vigor emquanto não haja disposição legislativa que lhe dê essa força, e por outro lado tiraram-lhe o pequeno rendimento que elles tinham de 3$000 réis por cada exame que era feito. Cou a extraordinaria, o professor de instrucção primaria, o obreiro principal da instrucção, esse obreiro principal para quem acima de tudo deviamos olhar para que elle pudesse ensinar e preoccupar-se apenas com o ensino, não tendo que recorrer a outros processos para ganhar a vida, para obviar ás suas necessidades, eis que esse foi o unico que ficou esquecido, porque afinal de contas em vez de alcançar melhoria de situação, melhoria que eu achava de toda a justiça, e em que o Sr. Ministro do Reino nos teria a seu lado, para augmentar embora as despesas, mas para bem da instrucção, esse obscuro e primacial obreiro ficou esquecido, amarrado ainda á miseria dos seus proventos, com que mal pode viver a vida! Criam-se inspectores com o ordenado pomposo de 500$000 réis, quando em tempos idos tinham ordenado muito inferior, e a um professor de instrucção primaria dá se, quando muito, 15$000 réis mensaes.

Augmentaram-se as despesas publicas com a reforma de instrucção primaria, com exageros de despesas pelo que diz respeito aos professores districtaes e aos professores normaes, mas unicamente a disposição que não ficou com effectividade de lei foi a disposição referente aos pobres e infelizes professores de instrucção primaria.

Sr. Presidente: disse que me deixou contristado o confronto do que se gasta com a instrucção primaria e o augmento que houve no que se gasta com as bellas artes.

A despesa com as bellas artes é augmentada na gerencia futura, segundo as palavras do nobre Ministro do Reino, em 6:571$536 réis e o augmento com a instrucção primaria eleva se a 4:681$010 réis!

É symptomatico.

Vejamos qual foi esse augmento. Quero abreviar quanto possivel e não desejo fazer divagações.

Na Academia de Bellas Artes augmentou-se o numero de professores. Contratou-se um professor de gravura de talho doce.

Que necessidade urgente havia de se criar um professor de gravura de talho doce?

Só se é para tornar mais facil a obra da effigie do nobre Presidente do Conselho, se por acaso elle se der a esse trabalho, digno de si na verdade - isto sem offensa para S. Exa, cujas qualidades aprecio muito, sobretudo como parlamentar.

No Conservatorio de Lisboa ha cousas mais curiosas. A gratificação do inspector, que era de 300$000 réis, passou para 400$000 réis.

Não sei que necessidade havia d'isto.

O augmento total com o pessoal foi de 4:700$000 réis.

Augmentaram se as gratificações a todos os empregados.

A gratificação ao director passou de 50$000 a 100$000 réis.

Criou-se mais um logar de professor de 1.º classe com o ordenado de 500$000 réis.

É aquelle celebre professor de orgão, por causa de quem se criou a aula de harpa, segundo o exposto pelo meu amigo o Sr. José de Alpoim.

Por causa da aula de orgão teve-se de contratar um professor de harpa com o ordenado de 200$000 réis. Não ha nada mais necessario para o bem do país do que a criação d'este logar.

Havendo quem saiba tocar harpa, teremos muito menor numero de analphabetos, que são na proporção de 4.000:000 para 5.000:000 de habitantantes, o que pouco importa ao Governo, porque lhe convem que o povo não possa apreciar devidamente os actos administrativo?

Sr. Presidente: nomearam-se mais professores e ha aqui uma gratificação de 200$000 réis para um professor de italiano.

Veja V. Exa., Sr. Presidente, a necessidade que havia d'este professor com a gratificação de 200S000 réis.

Na Escola de Arte Dramatica consignaram-se verbas especiaes para differentes professores, e assim fica existindo um professor de declamação, um professor de gymnastica e um mestre de dança.

Esta reforma da Arte Dramatica tem dado resultado, porque da parte da maioria temos ouvido bellas declamações.

Nesta parte estou de acordo com o Governo, porque fez bem em attender a esta questão de declamações, de muita importancia para o Parlamento.

Deixando agora as verbas mais minuciosas e referindo-me a este confronto geral da differença que ha, do que se gasta a mais e do que se gasta a menos, vou apenas notar que isto é uma imprevidencia de tal ordem, no campo da administração publica, que não parece de um estadista que tem um passado bastante longo como o Sr. Presidente do Conselho.

Poder-se-ha dizer que amanhã podemos recorrer a outros processos de tributação. É possivel.

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O nosso país vae na vanguarda d'aquelles em que a contribuição e os tributos são mais pesados. Cada português, segundo as contas do Orçamento, paga nem mais nem menos do que cêrca de 9$500 réis.

Vou concluir, Sr. Presidente, no capitulo 2.°, deixando outros assumptos aos oradores que se me seguirem d'este lado da Camara.

Quero, agora, consignar que esse augmento de despesa é no valor de 5 contos e tanto; que os melhoramentos se diz que são importantes, mas parece me que o mais importante de tudo é que dentro em pouco havemos de possuir nas nossas bibliothecas alguns papyros escritos em
chinês.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Francisco Beirão: - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, a fineza de mandar fazer a contagem dos Srs. Deputados presentes, para se verificar se na sala ha numero sufficiente para a sessão proseguir.

Fez-se a contagem.

O sr. Presidente: - Estão na sala 54 Srs. Deputados; portanto, ha numero sufficiente para poder continuar a sessão.

O Sr. Clemente Pinto: - Sr. Presidente: não vou discutir o Orçamento, não obstante ter commigo as notas que me habilitam á discussão. E não estranhe V. Exa. esta affirmação estravagante, mas a verdade é que nem outro poderia ser o meu proceder, porque, desde que começou a discussão d'este diploma, ainda não ouvi que elle fosse discutido.

E para dar a V. Exa. a prova flagrante de quanto é verdadeira a minha affirmação, bastará que faça rapidamente a revista do que até agora se passou no decorrer da discussão de tão importante diploma, analyse de que muito logicamente derivará a minha orientação.

Abriu a discussão o Sr. Espregueira, cuja auctoridade é incontestavel em assumptos de fazenda.

Pois S. Exa., com a competencia que todos lhe reconhecem, em vez de bem aproveitar o tempo que lhe permittia o regimento, fazendo o estado reflectido e consciencioso d'aquelle diploma, bem ao contrario desperdiçou-o lamentavelmente, como se lhe minguasse o assumpto; e é assim que uma das principaes e mais enthusiasticas partes do seu discurso disse respeito aos attentados contra a liberdade de imprensa, exercidos pelo administrador de Estremoz sobre um jornal da localidade.

O Sr. Luiz José Dias, muito conhecedor de assumptos fazendarios, já uma vez relator geral do Orçamento do Estado, quando devia deixar registado um discurso á altura dos seus conhecimentos, procura obter o melhor effeito num vulgar erro typographico, esforçando-se em assegurar como legitimo o consorcio de um 7, que cairá de uma linha para outra, com um 50 da linha inferior, do que resultava o horrendo monstro de 750:000$000 réis para rendimento da Penitenciaria e Casa de Correcção.

Depois fala outro illustre orador, o Sr. João Pinto dos Santos, que mais fez augmentar a minha confusão.

No seu eloquente discurso disse, é certo, muitas verdades, mas o que de principio manifestou foi uma flagrante contradição com as palavras do proprio leader da opposição, o Sr. Beirão.

O Sr. Conselheiro Beirão, com aquella austeridade que o caracteriza, e que todos nós respeitamos (Apoiados), pede com enternecedor carinho ao Sr. Presidente que não dê para ordem do dia o Orçamento, senão depois de mediarem largos dias sobre a sua distribuição, para assim permittir que á opposição não escasseasse o tempo para estudar reflectida e conscienciosamente tão importante e complexo diploma. Foi feita a sua vontade, que representava sem duvida alguma o louvavel intuito de devidamente considerar o volumoso diploma, para a final o Sr. Pinto dos Santos o votar por tal forma ao desprezo, que, logo ao começar o seu discurso, francamente confessa que não se dera ao trabalho de o ler.

O Sr. Paulo de Barros, outro parlamentar experimentado e estudioso, apenas aproveita o Orçamento como ensejo para uma excellente divagação sobre auctorizações parlamentares e dictaduras, que opportunamente poderia ter produzido quando se discutiu o bill de indemnidade, ou ainda no decorrer da interpellação do Sr. Alpoim, mas ao presente sem aproposito que a recommendasse, para por fim terminar, regando o seu discurso com um copo de questão vinicola.

Não acompanho o illustre Deputado nas suas considerações, mas, já que S. Exa. se referiu a dictaduras, não me esquivo por minha parte a fixar doutrina, affirmando que os meus foros de representante da nação em nada seriam offendidos, se a acção do Parlamento se limitasse á discussão do Orçamento e das medidas tributarias, porque na verdade seria a proposito da discussão do Orçamento que o poder legislativo teria asado ensejo de apreciar devidamente as medidas dimanadas do poder executivo, restando-lhe sempre o pleno direito de reprovar aquellas que julgasse improprias, desnecessarias ou insufficientes, retirando, diminuindo ou augmentando as correspondentes verbas orçamentaes. Emfim, sou dictatorial, já que o termo teve a sua consagração neste Parlamento.

Como V. Exa. vê, Sr. Presidente, um documento de tal importancia tem sido discutido de animo leve, aproveitando-se impropriamente o ensejo para divagações varias, ou para prelecções sobre assumptos por completo alheios ao que está em discussão.

E para maior gravidade da situação que venho apontando, ainda os poucos oradores, que falaram sobre este documento, commetteram inexactidões que não posso deixar de levantar, para estabelecer a verdade dos factos e das intenções.

É assim que o illustre Deputado, o Sr. Espregueira, querendo em toda a sua evidencia pôr em foco a pobreza do Governo, que lançava mão de todos os recursos, quaesquer que elles fossem, a fim de fazer face ás suas desmedidas despesas, fez a affirmação de que o Governo estava tão pobre que até á Misericordia do Porto pediu dinheiro.

Dizendo assim, S. Exa, ao passo que procurava salientar a carencia de recursos do Governo, por certo que sem intenção malevola, lançava tambem a suspeição de que naquella benemerita instituição se não administrava bem o patrimonio dos pobres.

Ora, S. Exa., pela razão de não conhecer a verdade dos factos, não fez uma affirmação precisa, porque V. Exa. vae ver em poucas palavras que a operação realizada com a Misericordia do Porto é o que ha de mais legitimo em transacções d'esta natureza. (Apoiados).

A Misericordia do Porto possue titulos ao portador num banqueiro de Londres. Convindo-lhe fazer, a troca d'esses titulos por titulos portugueses, operação de vulto que importava em 300 e tantos contos de réis, e querendo para interesse proprio furtar-se á especulação do mercado, deliberou, e muito acertadamente, entender-se com o Sr. Ministro da Fazenda, a quem por seu lado a transacção conviria por lhe facilitar os seus pagamentos da occasião em Londres.

A operação ultimou-se a contento das duas partes contratantes, e, como acabo de expor, foi a Misericordia do Porto, e não o Sr. Ministro da Fazenda, quem solicitou a transacção, incontestavelmente legitima de um e de outro lado. (Apoiados).

Vê, portanto, V. Exa. Sr. Presidente, que nem a Misericordia do Porto faltou aos seus deveres, zelando menos cuidadosamente os interesses dos pobres acolhidos á sua protecção, nem o Sr. Ministro da Fazenda falseou o seu mandato, esquecendo-se da defesa do Thesouro Publico, confiado á sua guarda. (Apoiados).

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Tambem o Sr. Montenegro, no seu bello discurso sobre o Orçamento, fez affirmações menos exactas que me cumpre desfazer. S. Exa. accusou o Sr. Ministro do Reino por ter auctorizado o asylo municipal a fazer um emprestimo de 100:000$000 réis para construcção de edificio apropriado.

Ora, tal auctorização é o que ha de mais regular e correcto em administrarão publica, como o posso demonstrar a V. Exa. em breves palavras. (Apoiados}.

Em primeiro logar o emprestimo podia legalmente fazer-se, porque assim expressamente o auctoriza o artigo 425.º do Codigo Administrativo.

Por outro lado, era urgente que se fizesse, para assim attender repetidas reclamações do actual provedor d'aquelle estabelecimento de beneficencia, que mais de uma vez affirmara que o Asylo Municipal de Lisboa, tal como se acha organizado, está longe de satisfazer ao fim para que foi criada uma instituição d'aquella ordem, (Apoiados) e que o asylo repartido por 7 edificios não offerece as mais rudimentares condições de hygiene collectiva. (Apoiados).

Mas o Sr. Ministro do Reino, não se satisfazendo com esta informação do actual provedor do Asylo Municipal, faz informar essas solicitações pelo respectivo Director Geral de Saude e Beneficencia. E que informou o Sr. Director Geral de Saude e Beneficencia, o Sr. Conselheiro Ferraz de Macedo, que a todos merece incontestavel auctoridade e confiança?

Informou que merece approvação a proposta feita pelo provedor do Asylo Municipal de Lisboa, porquanto, sendo o emprestimo feito á custa dos proprios recursos do asylo, a operação vem remediar urgentemente o lamentavel estado em que se encontra aquelle estabelecimento de beneficencia.

O Sr. Ministro do Reino percorreu portanto todas as estacões, e só depois de sufficientemente esclarecido é que decretou. (Apoiados).

Não ha, pois, que censurar no proceder do Ministro, mas antes que applaudir na auctorização do emprestimo solicitado, de rosto louvavel pelas intenções e absolutamente legitimo, porque se contrahia á custa dos proprios recursos do asylo. (Apoiados).

Mas ha mais.

O Sr. Dr. Moreira Junior, que produziu um bello discurso, muito reflectido e eloquente, teve phrases de absoluta e flagrante injustiça, quando, referindo-se ás crises de que actualmente enferma o país, imputou ao Governo a responsabilidade das crises algodoeira, vinicola e metallurgica.

Ora não ha nada mais injusto do que a affirmação de S. Exa.

Pode, com effeito, em boa justiça, incriminar-se um homem, ou tornar-se a um Governo a responsabilidade de qualquer crise que num dado momento vem assoberbar um país?

Evidentemente que não.

As crises resultam da convergencia nefasta de um conjunto de causas variadas, muitas vezes antinomicas, cuja marcha nem sempre é dado sustar e que muitas vezes mesmo convem deixar seguir em todo o seu cyclo inevitavel, para que por fim a face dos acontecimentos mude e a solução resulte natural e espontanea. (Apoiados).

Ha crises de abundancia, como ha crises de carencia, dão-se crises por excesso, como as ha por defeito, mas, em qualquer caso, o que não é justo é attribuir a um Governo a responsabilidade de taes acontecimentos, quando a verdade esta em que essa responsabilidade, em grande numero de casos, não pertence a ninguem e a todos pertence. (Apoiados).

Sr. Presidente: depois de tão edificantes exemplos, não posso ter a pretenção de vir discutir o Orçamento, não obstante a minha qualidade de relator me habilitar naturalmente a fazê-lo. Não venho, o que faço contrariado, porque, como já confessei a V. Exa., reputo o Orçamento o mais importante documento que pode ser presente á apreciação parlamentar, tão fundamental que só por si justificaria a existencia do Parlamento. (Apoiados).

Nem mesmo nada me obriga a apreciar com profundeza o diploma em questão, porque a verdade é que raramente elle mereceu acertada discussão, nem mesmo o illustre Deputado, a que vou responder, o discutiu, como podia e devia.

Sr. Presidente: depois de ter assim traçado muito naturalmente a minha linha de conduta, não deixarei de seguir mais ou menos de perto o iIlustre orador que me precedeu, o Sr. Dr. Egas Moniz, meu distincto collega, cujas qualidades de talento muito aprecio, mas que, depois de considerações de ordem geral, se mostrou, descendo á especialidade, de uma absoluta injustiça e de uma flagrante inopportunidade.

S. Exa. confessou de principio que o Orçamento era effectivamente um documento inexacto, que não merecia as honras de uma demorada reflexão, mas logo depois desce a minudencias de verbas que, francamente, não deviam, um momento sequer, prender a esclarecida attenção do illustre Deputado, pela natureza da sua insignificancia e pela razão da sua propria existencia no Orçamento.

Assim V. Exa viu o Sr. Dr. Egas Moniz, muito vibrante e fluente, chamar á autoria o Sr. Ministro do Reino, porque no Orçamento se inseria uma verba para pessoal assalariado nas repartições de saude.

Ora, S. Exa. comprehende que esta verba pela sua natureza não tem descripção possivel, é uma verba a despender sem programma, não sei se com 3, 4, 5 ou mais serviçaes, mas, emfim, com aquelles que forem indispensaveis para o bom desempenho dos serviços. De resto, é esta a forma como nos orçamentos se consignam sempre taes despesas. (Apoiadas).

Mas, procurando de qualquer maneira synthetizar as considerações do illustre Deputado que me precedeu, poderei dizer que S Exa. se referiu principalmente ás reformas de saude e ás reformas de instrucção.

Antes de mais parece-me inopportuno discutir reformas de saude, porque, se não pode contestar-se que a proposito d'essas reformas podemos fazer considerações sobre a sua economia, a verdade é que essas reformas foram largamente discutidas e votadas no anno passado, e por isso não é conveniente, nem asizado, voltarmos atrás e repudiar o que recentemente foi posto em execução, sem sequer aguardar a lição da pratica, que, estou por certo, virá confirmar a excellencia das medidas decretadas (Apoiados); o que temos ao presente que apreciar é a legitimidade das verbas inseridas no Orçamento, se ellas são sufficientes, ou, pelo contrario, escassas, para occorrer ás despesas correspondentes.

Ora, o Sr. Dr. Egas Moniz, que é um medico distincto, um profissional intelligente o illustrado, que, pelos seus merecimentos será amanhã chamado a occupar um logar na Universidade, de que é filho muito distincto, faz-me a desagradavel surpresa de affirmar que é demasiado o que se gasta com a saude publica, o que, na boca de S. Exa. permitta-me o illustre Deputado que lhe diga sinceramente, reputo uma verdadeira heresia profissional.

Com effeito, ainda ha pouco ouvimos o Sr. Dias Ferreira dizer que era preciso e urgente gastar - gastar, o Sr. Dias Ferreira! - para collocar as cidades de Lisboa e Porto em boas condições de hygiene, visto que as actuaes deixavam a desejar. (Apoiados).

Estas palavras proferidas por S. Exa. chegam a ser um cumulo, por S. Exa. que decretou as medidas de salvação publica, por S. Exa. que se apresenta sempre como o feroz algoz de todos os augmentos de despesa, mesmo quando compensados e inadiaveis.

Para assim contrariar tão vivamente a sua inalteravel orientação, era por certo necessario que a isso o impellisse

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a mais profunda convicção, tão arreigada como a minha, razão por que, bem conhecedor das deploraveis condições hygienicas em que tristemente vae vivendo a cidade que tenho a honra de representar em Côrtes, me associo sinceramente ao appello feito, por S. Exa., pedindo por minha parte ao Sr. Ministro do Reino que não descure o assumpto, de capital magnitude para a vida d'aquella importante e laboriosa cidade. (Apoiados).

Assim dizia o Sr. Dias Ferreira, e o Sr. Egas Moniz, que é um profissional intelligente e illustrado, em vez de apoiar com calor aquellas palavras, veiu, pelo contrario, num mal entendido espirito de economia, refrear aquelle impeto humanitario.

Não podia por forma alguma acompanhar o illustre Deputado nessa orientação, que reputo errada e inconveniente. (Apoiados).

Referiu-se depois o illustre Deputado ás reformas de instrucção decretadas pelo nobre Ministro do Reino.

Com a sinceridade com que costumo fazer as minhas affirmações de principios, começo por confessar a V. Exa. que se apossa de mim um vivo enthusiasmo todas as vezes que se procura melhorar os serviços da instrucção publica.

Portanto, Sr. Presidente, um Ministro do Reino, que se solta das peias da administração politica e civil para se occupar de assumptos relativos á instrucção, não pode para mim merecer senão o mais ardente louvor, e é por isso que, sempre que vejo o Sr. Presidente do Conselho trabalhar pelo aperfeiçoamento da instrucção publica, o applaudo com grande satisfação.

Para mim, de entre todas as medidas promulgadas pelo Sr. Ministro do Reino, as relativas á instrucção são precisamente as que reputo mais valiosas, e por isso não lastimo a despesa que com ellas haja de fazer-se, no que de resto devo ser acompanhado pelo illustre Deputado, o Sr. Egas Moniz, que, no seu aviso previo sobre a reforma da Universidade, affirmou bem alto que, em materia de instrucção, se deveria até gastar com esbanjamento.

Eu não quero gastar de mais, quero só gastar bem. (Apoiados).

E no caso presente este bem está longe de ser o bastante, como é frisante, se compararmos o que entre nós se gasta com o que outros paises destinam á sua instrucção.

Em igual periodo de annos, emquanto em Portugal se gastavam 70:000$000 réis, dispendiam-se em França réis 146.000:000$000, o que, feitas as devidas proporções, redunda para o nosso país no mais lastimoso confronto.

Por outro lado as reformas da instrucção superior, tão justificadas e indispensaveis, deveriam por igual ter-se imposto á consideração de todos. (Apoiados).

E não se diga que com essas reformas exhorbitamos, porque, apesar de tudo, ficamos ainda um pouco áquem das nações que vão na vanguarda da civilização. (Apoiados).

O illustre Deputado mais uma vez tangeu a harpa e o orgão do Conservatorio.

Ora S. Exa. superiormente sabe que em questões de arte não pode regatear-se despesas. A arte é o reflexo da civilização, as suas manifestações são a revelação do estado de cultura de um povo, e por isso não querer o progresso da arte, não ser artista, é ser retrogado, é ser selvagem. (Apoiados).

Seguindo esta orientação, nem outra pode ser a de um espirito culto, devo applaudir a reforma do Conservatorio, como a da Academia de Beijas Artes, e não lamentar despesas que se me afiguram indispensaveis para a boa educação de um povo.

E este modo de ver devia por igual perfilhá-lo o illustre Deputado, para ser coherente com as suas proprias palavras, uma vez que no seu aviso previo bem alto affirmara que em instrucção devia gastar-se o mais largamente possivel.

De resto, Sr. Presidente, as despesas que S. Exa. affirma serem demasiadas, não o são realmente.

A proposito da reforma de instrucção primaria affirmou S. Exa. que se tinha augmentado enormemente a despesa, e tal asserção não é exacta, como posso rapidamente provar.

Não vou ler uma por uma as verbas da nota que tenho presente, mas o que posso affirmar a V. Exa. e á Camara é que houve uma perfeita compensação entre receita e despesa.

Se por um lado se gastaram 49:550$000. réis, por outro lado de igual quantia se podia dispor, para, sem augmento de dispendio orçamental, contrabalançar a despesa exigida pela reforma.

Accrescem, é certo, outras despesas, mas a essa far-se-ha face com o fundo de instrucção primaria, que se eleva a somma elevada, como pode presumir-se, attentando em que para elle concorrem todas as camaras municipaes com parte apreciavel, 15 por cento, das suas contribuições especiaes.

Esse fundo sobe realmente a quantia avultada, e tanto assim que, conforme a nota que tenho presente, no custeio das construcções escolares, para que se alvitrava um emprestimo de 400:000$000 réis, despenderam-se já réis 98:000$000, tornando-se talvez possivel levar a cabo a execução de todas essas edificações, sem necessidade de emprestimo e apenas com os recursos d'aquelle fundo.

O illustre Deputado, continuando nas suas apreciações, sobre o orçamento do Ministerio do Reino, referiu-se á reforma das bibliothecas e archivos publicos. É este mais um serviço que o país deve so Sr. Ministro do Reino. (Apoiados).

O estado das nossas bibliothecas e archivos era absolutamente lamentavel.

Centralizar estes serviços na pessoa de um bibliothecario-mor foi medida de grande alcance, de que hão de resultar incontestaveis beneficios, porque só assim se pode assegurar áquelles serviços a uniformidade de regime é exercer sobre elles a necessaria fiscalização.

Para enobrecer e tornar digno de louvor o Sr. Ministro do Reino bastava, de toda essa reforma, lembrar a criação de um archivo colonial, em que com methodo e proveito se hão de compendiar todos os documentos, e bem valiosos devem elles ser, que se referem á nossa historia colonial e sobretudo ao Brasil, cuja descoberta e colonização é uma das paginas mais brilhantes da historia nacional. (Apoiados).

De uma maneira repida, como não podia deixar de ser numa sessão prorogada, creio ter respondido ás considerações do illustre Deputado.

Vou terminar, mas não o farei sem confessar a V. Exa. a minha magua e até indignação ao ouvir, e foi mais de uma vez, a affirmação plena de que o Orçamento é falso.

Uma tal affirmação, tão insistente e categorica, sobre um documento tão importante como o Orçamento, sobre o mais importante dos documentos que podem ser presentes á apreciação do Parlamento, tem gravissimos inconvenientes. (Apoiados).

Se essa affirmação é verdadeira, confessemos todos as nossas culpas, porque o Orçamento de hoje é tão falso, como o de hontem, se essa affirmação é fundamentada, então façamos a refundição dos moldes que servem para a elaboração de tal documento e restabeleçamos a verdade, mãe não simplesmente por palavras, como ha pouco ouvi ao Sr. Dr. Egas Moniz e como na sessão passada ouvi ao Sr. Dr. Centeno, que nos chamava a um acordo para que se falasse verdade, não por palavras vans, mas pela demonstração positiva e segura de que effectivamente as verbas orçamentaes não são precisamente aquellas que estão em correspondencia com as leis e com as necessidades do serviço.

Pelo contrario, sendo falsa, uma tal affirmação é mais

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um elemento de desmoralizarão no nosso país, cuja acção nos cumpre entravar, porque, com esta tendencia meridional para o excesso, somos levados a acreditar em procedimentos menos regulares, quando na verdade não posso senão admittir que todos os Ministros ao sobraçarem aquellas pastas, que todos os homens publicos que se sentam naquellas cadeiras, se possuem da mais louvavel intenção de serem sempre proveitosos ao seu país. (Apoiados).

E pelo que diz respeito ao actual Governo affirmar-se o contrario, é absolutamente injusto, e para prova do que asseguro, basta que lembre a V. Exa. que a acção d'este Governo se synthetisa principalmente em cuidar da instrucção, em melhorar os processos de arrecadação das nossas receitas, e em attender ao nosso futuro colonial (Apoiados). Ora um Governo que assim procede, pode ter a consciencia serena de que bem cuida dos negocios do país. (Apoiados).

Com effeito, é a instrucção que nos tem de orientar no sentido de aperfeiçoarmos as nossas industrias, o commercio e a agricultura, e emfim, todas as fontes de riqueza, de que resultará o resurgimento da nossa vida economica e financeira. (Apoiados). Por outro lado, é por meio de medidas de fazenda, bem dirigidas e applicadas, pondo de parte planos sumptuosos, que por vezes podem ter o gravissimo inconveniente de fazer ruir de subito a economia de um país, é adoptando medidas economicas justas e sabias, de pequeno alcance apparente, mas que no fundo tem o resultado final de provocar o augmento das receitas publicas, que no momento actual se poderá attingir o almejado desideratum, o equilibrio orçamental. (Apoiados).

É, finalmente, cuidando das questões coloniaes, porque é já um pleonasmo irritante dizer-se que é do progresso, do florescimento das nossas colonias, que ha de derivar a melhoria do nosso estudo economico e financeiro, que se consegue continuar gloriosas tradições e assegurar o que nos pode ser mais caro, a integridade do nosso dominio ultramarino, cuja conquista nos deu inexcedivel gloria e de cuja conservação nos advirá abundante riqueza. (Apoiados).

Poderia até restringir-me mais ainda, lembrando somente duas medidas da iniciativa do nobre Ministro da Marinha, medidas que na apparencia poderão offerecer-se como de pequeno alcance, mas que na verdade revelam uma sabia orientação em assumptos coloniaes e representam um inestimavel beneficio para o país. Quero referir-me á reorganização do exercito ultramarino e á criação do ensino colonial. (Apoiados).

A reorganização das nossas forças ultramarinas não só assegura á metropole o dominio e a supremacia sobre as colonias, mas tambem poupa enormes despesas que dia a dia se estão fazendo com a remessa de expedições. (Apoiados).

A criação do ensino colonial representa uma larga previsão do futuro (Apoiados), porque com elle se pretende remediar o grave inconveniente, de que vinhamos fallecendo, de possuir colonias sem d'ellas curar por processos methodicos e racionaes.

Na verdade, estar na posse de dominios ultramarinos, nem que saibamos enviar da metropole colonos mais ou menos cultos e conhecedores dos preceitos hygienicos a respeitar para resistir ás inclemencias do clima, sem que instruamos devidamente os medicos a quem caberá vigiar pela saude d'aquelles, que vão longe buscar trabalho, ou defender a patria, não é ter colonias, é possuir apenas largos tratos de terreno inculto, onde as febres dizimam implacavelmente e a riqueza se não explora para compensação de tantos sacrificios de capital e de vidas. (Apoiados).

É por isso que applaudo sinceramente o Governo, consciente como estou de que cura com escrupulo e solicitude dos negocios da administração publica (Apoiados); é por que creio tambem que no país merece sympathia um Governo que tão dedicadamente zela os interesses nacionaes. (Apoiados).

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado).

O Sr. Alexandre Cabral: - Sr. Presidente: leio a minha moção:

«A Camara, reconhecendo que o estado da fazenda publica e a economia da nação exigem a reducção das despesas, e verificando que os decretos promulgados por virtude das auctorizações parlamentares influiram perniciosamente no Orçamento do Estado, e em especial no do Ministerio do Reino, recommenda ao Governo a mais severa economia e continua na ordem do dia. = Alexandre Cabral.

Cabe-me a honra, segundo creio, de encerrar o debate relativo ao orçamento do Ministerio do Reino. Confesso a V. Exa. que nesta altura da sessão, ás 7 1/2 horas da noite e em sessão prorogada, essa honra é para mim pesadissimo encargo. Alem d'isso tenho de responder a um distincto professor que manifestou mais uma vez os brilhantes dotes do seu talento, pelo que sinceramente o felicito. (Apoiados). Torna-se, por isso, para mim mais difficil a posição em que me encontro.

Ha poucos dias, e já na discussão d'este parecer, disse o Sr. Arthur Montenegro que iria fazendo uma viagem atraves do Orçamento; e na verdade fez neste vastissimo campo uma proveitosa viagem de estudo. Eu, que não tenho talento nem os recursos do illustre parlamentar, farei pelo orçamento do Ministerio do Reino uma simples viagem de recreio.

A tout seigneur, tout honeur...

Entro, portanto, nas direcções geraes; e vejo logo que na de instrucção Publica houve um augmento de despesa de 3:770$000 réis e na de Saude e Beneficencia de 2:867$680 réis.

Desde o momento em que o Sr. Presidente do Conselho declarou emphaticamente que no Ministerio do Reino ha uma economia de 26:000$000 réis, resultante das reformas promulgadas por virtude das auctorizações parlamentares, não se percebe como se dão estes augmentos!...

Passo adeante, e, transitando para a Direcção Geral de Administração Politica e Civil, vejo logo pendurado um quadro no qual se estampa a imagem muito minha conhecida de um respeitavel ecclesiastico.

O quadro é o do Contencioso Administrativo, que traz um augmento de despesa de 600$000 réis.

Refiro-mo a isto, porque, tendo o Sr. Clemente Pinto procurado responder a algumas affirmações do Sr. Arthur Montenegro, e especialmente ás censuras que dirigiu ao Governo por ter auctorizado o Asylo Municipal de Lisboa a contrahir um emprestimo de 100:000$000 réis sem as formalidades legaes, não houve ainda da parte de S. Exa. nem dos illustres oradores d'aquelle lado da Camara, que o precederam, uma unica palavra de resposta sobre a criação d'aquelle quadro de auditores administrativos sem exercicio e com vencimento, que nenhuma lei auctoriza.

É um quadro que lá fica illegalmente pendurado e que custa á nação 600$000 réis.

Depois, proseguindo na viagem, encontro dois quarteis: o das Guardas Municipaes e o da Policia Civil. Com as Guardas Municipaes augmentou-se a despesa em 2:132$900 réis e com a Policia Civil em 12:119$000 réis, não falando ainda da verba de 6:000$000 réis para accrescentamento da Policia Preventiva.

Com respeito ao augmento de despesa com a Policia e com as Guardas Municipaes sou de opinião de que esse augmento se faça, mas á custa do exercito, porque nós temos um exercito de officiaes distinctissimos e de solda-

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dos heroicos, mas o que não temos é meios para o sustentar nem d'isso temos necessidade. É certo que precisamos d'elle para a defesa das nossas colonias, e não para figurar em procissões e intervir em eleições. (Apoiados).

Apesar da nossa valentia militar, não nos poderiamos defender, se houvesse um ataque ás nossas fronteiras.

Em sessão de 30 de abril de 1901, o Sr. Hintze Ribeiro, em resposta a um notavel discurso do Sr. Francisco Beirão sobre as auctorizações, em que se comprehendia a da reorganização da Policia Civil, dizia que era indispensavel augmentar a Policia de Lisboa e do Porto, porque ella era tão pouca que não se podia destacar, sendo preciso recorrer ao exercito.

Todavia, nas eleições geraes e municipaes de 1900 foi destacada a Policia Civil para todas as assembléas eleitoraes do país onde havia candidatos da opposição a combater. S. Exa. sabe a maneira como a Policia interveiu nos actos eleitoraes, impedindo a entrada dos eleitores progressistas nas casas das assembléas, ou desviando violentamente a opposição de junto da urna. (Apoiados).

O Sr. Presidente do Conselho sabe isto muito bem, e não pode ignorar que havia policia de mais, sendo, portanto, desnecessario augmentar os corpos de Policia Civil.

Manifestando uma opinião meramente pessoal, concordo com a reorganização e augmento de todos os corpos districtaes de Policia, mas deveria reduzir-se o exercito, que é um dos maiores sorvedouros do Orçamento do Estado.

Bastaria que d'este se conservassem nucleos de instrucção militar e os contingentes precisos para as expedições coloniaes.

Outra verba augmentada com 200$000 réis, é a da despesa com os inqueritos e syndicancias aos corpos e corporações administrativas, e a isso já se referiu o meu illustre amigo o Sr. Albano de Mello. S. Exa. disse, e muito bem, que no futuro anno não serão ordenadas syndicancias ás camaras municipaes, porque são na sua grande maioria de feição governamental. É essa a verdade. Ha dois annos é que seria mister elevar esta verba; e, foram tantas as syndicancias, que talvez fosse ainda mesquinho o augmento de 20:000$000 réis.

As syndicancias fizeram-se, não com bons intuitos de corrigir erros de administração, mas somente porque o Governo queria obter as presidencias das mesas eleitoraes. (Apoiadas).

Deram-se casos curiosissimos. No concelho de Marco de Canavezes succedeu o que eu vou contar a V. Exa. e á Camara.

A Camara Municipal, cujos vereadores eram cavalheiros de incontestavel probidade, zelosos administradores do municipio, foi mandada syndicar.

Sabe V. Exa. o tempo que a illustre commissão de inquerito gastou no exame dos documentos, das actas, da escripturação, contas, etc.? 45 minutos!

Fez-se uma syndicancia á Camara Municipal em menos de uma hora, e depois foi dissolvida. Havia parecer da Procuradoria Geral da Coroa contrario á dissolução, mas o Sr. Ministro do Reino dissolveu-a, porque isso era indispensavel para os interesses politicos dos seus apaniguados.

Aquella commissão de syndicancia tinha, por certo a algibeira muito pouco provida, senão demorar-se-hia um pouco mais de 45 minutos na realização do inquerito. Talvez fosse por isso que o Governo propôs o augmento d'esta verba.

Continuando o passeio, paro deante de um predio, que deve ser magnifico, segundo a descripção que d'elle nos fez ha dias o Sr. Arthur Montenegro: é o palacio destinado ao Juizo de Instrucção Criminal.

A verba destinada ao aluguer da casa parece-me ser importante; mas alem d'isso ha dois serventes, quando, até aqui, havia só um. Augmentou-se outro. Serventes de mais, e juizes de menos!

Já outro dia, numa pergunta que fiz ao Sr. Presidente do Conselho, me referi a esse facto.

São dois os juizes auxiliares do Juiz de Instrucção Criminal. Por decreto de 24 de dezembro ultimo foi substituido um d'esses juizes, que era um integro magistrado, representando a substituição uma inqualificavel violencia.

Quando o novo juiz se apresentou a tomar posse, o Sr. Conselheiro Veiga dispensou-o do serviço!

Eu perguntei ao Sr. Presidente do Conselho se não havia serviço que fazer, ou se não era competente o funccionario nomeado, ou se o Sr. Juiz Veiga quisera favorecê-lo com a dispensa.

Respondeu-me S. Exa. que o Sr. Juiz Veiga dera posse áquelle funccionario, mas que, não havendo serviços a desempenhar, o dispensara. Pode admittir-se isto? Pois comprehende-se que, quando se estão a encher as repartições de empregados publicos, dizendo-se que são necessarios, porque ha mais serviços a desempenhar, aquelle funccionario não fosse admittido a tomar conta do seu logar?

A razão devia ser muito differente d'aquella que se allegou; mas é mais para estranhar que se vá augmentar o quadro d'aquella secretaria com um novo servente, quando diminuiu o numero dos juizes, com prejuizo do serviço e sem allivio do Orçamento.

Sr. Presidente: encontramos agora a policia de repressão da emigração clandestina. A este respeito eu direi que o Orçamento não está exacto. É certo que estava na occasião em que foi organizado; mas agora já não, porque o commissario aposentou-se; esta verba de despesa está mais sobrecarregada com o novo pessoal.

Este corpo de policia de repressão da emigração dá pouco resultado: emigram em geral os rapazes que fogem ao serviço militar; e o que deveria promover-se era que elles tivessem attractivos no país para não terem necessidade de sair. D'essa forma já não procuravam em país estranho aquillo que encontravam na sua terra.

Mas com a policia de repressão da emigração nada se consegue; e eu conto á Camara um facto que commigo succedeu, ha 14 annos, quando tive a honra de governar um districto do norte do país, com larga zona fronteiriça.

O vice-consul de Portugal em Verin, em Hespanha, communicou-me que tinham sido presos 8 rapazes, que parecia pretenderem seguir para o Brasil sem os documentos precisos para emigrar. Pedi-lhe que m'os fizesse apresentar, e mandei-os entregar á auctoridade judicial. Não se encontrou qualquer prova de culpabilidade, porque, em taes circumstancias, os emigrantes sabem acautelar-se e fingir que vão apenas a Hespanha procurar trabalho por um prazo curto. Portanto o juiz de direito deu-lhes a liberdade.

Recommendei aos administradores dos concelhos a que pertenciam que os tivessem sob a vigilancia da policia. Pois, passados 8 dias, tinham todos emigrado para o Brasil, saindo d'essa vez a salvo.

É verdade que nesse tempo não havia ainda a policia especial de repressão da emigração clandestina; mas, se a houvesse, succederia o mesmo. Sae sempre quem quer sair.

Encontramo-nos agora com o corpo de bombeiros de Lisboa.

O serviço de extincção de incendios é inteiramente novo no Orçamento do Estado, e custa a medica quantia de 85:735$000 réis.

Ha no pessoal uma verba nova de 61:506$000 réis, e no material e despesas diversas 24:229$000 réis.

Bem sei que o Sr. Presidente do Conselho, ou alguem que por acaso me respondesse, diria «que estas verbas veem da Camara Municipal!» É certo que veem, mas o decreto respectivo de 17 de agosto de 1901 determina o seguinte:

(Leu).

Portanto, a dotação do serviço de incendios na capital

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continua a ser encargo da Camara Municipal de Lisboa; mas essa receita será constituida por uma verba sempre igual á do anno corrente, com mais 20:000$000 réis em que são collectadas as companhias de seguros, segundo o artigo 6.° do referido decreto.

Note V. Exa. que a contribuição, que a Camara dá, fica sempre fixa, não dará mais do que dá hoje; mas com certeza, no anno futuro, o Sr. Presidente do Conselho ha de augmentar a dotação do servido, e assim successivamente; e o Thesouro é que dará o resto d'aqui para o futuro. (Apoiados).

Vamos agora, Sr. Presidente, á hygiene publica. Temos o augmento confessado, no pessoal, material e despesas diversas, de 51:620$376 réis.

Eu tenho vergonha effectivamente, depois de ter ouvido falar medicos tão distinctos, como são os Srs. Egas Moniz e Clemente Pinto, de occupar d'este assumpto, não tendo competencia technica; em todo o caso não deixarei de referir-me a cousas que me fizeram impressão.

Veja a Camara: encontrei algumas despesas que deixam de ser mencionados no orçamento, por exemplo: o regulamento de 24 de dezembro de 1901, no artigo 172.° determina que haverá até tres analystas com vencimento annual não excedente a 300$000 réis, e no orçamento não está inscripta verba para tal despesa.

O Sr. Montenegro já notou a circumstancia curiosa de haver em Coimbra um sub-delegado de saude auxiliar, que ganha mais do que o delegado: este ganha 200$000 réis e o auxiliar vence 400$000 réis!

Não encontrando explicação para este facto curioso, fui procurá-la ao relatorio que precede o decreto regulamentar de 24 de dezembro; e ahi se diz que o augmento do pessoal da delegação de saude de Coimbra se justifica, não só pela importancia da cidade, mas tambem pela grande população escolar derivada de todo o reino. O que, porem, não explica é o motivo por que o sub delegado auxiliar tem vencimentos superiores aos do delegado effectiyo. Ora, não se comprehende a excepção a favor de Coimbra, com esquecimento de outras cidades. Eu pergunto se Braga não é uma cidade de uma importancia igual, pouco mais ou menos, á de Coimbra, e se não tem uma população fluctuante muito importante, que ali concorre, não só para a frequencia dos institutos escolares, mas tambem para gosar os panoramas do formosissimo Bom Jesus, havendo a mais a que vão de passagem para o Gerez?

Quero, porem, conceder que a população fluctuante de Braga não seja igual á de Coimbra; mas ha outras cidadades, como é a da Figueira da Foz, em que ella é superior. Na Figueira, durante alguns meses do anno, passam milhares de pessoas. O mesmo acontece nas Caldas de Vizella, na Povoa de Varzim, em Espinho, no Gerez, e ainda em outras povoações onde nem sequer ha um subdelegado de saude, como, por exemplo, na ultima que citei.

Por consequencia, se em Coimbra havia já um delegado de saude, podia dispensar-se o auxiliar, e, sobretudo, com vencimento dobrado.

Continuando na minha viagem, passo agora junto de um edificio antigo, um pouco desmantellado, e enegrecido pelo tempo.

Faz-me lembrar um velho convento, ou antiga cathedral.

Num angulo de parede veio uma pequena cavidade encaxilhada em bordo de madeira. Por cima, cravado na parede, um velho ferro enferrujado, do qual pende uma lampada. Não me lembra o nome do pequeno retabulo que acabo da descrever. No centro d'este, em vez de uma imagem de santo ou symbolo christão, desenha-se a physionomia nutrida de um clinico e uma inscripção que diz: nspecção das aguas miserias - 1:2000$000 réis.

Não seria bem dispensada esta inspecção, que só tem por fim a criação de um logar largamente renumerado?

Não temos, pelo regulamento de 24 de dezembro, assegurada a inspecção das referidas aguas?

Diz esse regulamento nas alineas e f) do n.° 20.° do artigo 53.°:

(Leu).

Aqui está, pois, a inspecção commettida aos administradores dos concelhos e aos sub-delegados de saude.

A inspecção dos balneareos, a sua fiscalização, e a interferencia nos processos de licença para a exploração das aguas medicinaes, são attribuições dos sub-delegados e dos delegados de saude, segundo os artigos 74.° e 76.° do mesmo regulamento.

Alem d'isso, ha ainda os directores clinicos dos estabelecimentos hydro-medicinaes.

Se por esta forma estava assegurada a inspecção das agus mineraes, para que era preciso nomear um inspector?

Mandavam-se inspeccionar por quem tem essas funcções determinadas no regulamento, e já não era necessario o tal individuo cujo retrato se divisa no pequeno retabulo que descrevi, a 1:200$000 réis por anno. (Apoiados).

Acho tambem uma cousa curiosa na despesa dos serviços do Real Instituto Bacteriologico de Lisboa, e para a qual vou chamar a attenção da Camara.

No orçamento, no serviço de hospitalização anti-rabico, a verba para alimentação é de 1:840$000 réis, e a de combustivel para cozinha é de 72$000 réis; e no serviço anti-diphterico, a verba para alimentação é de 1:500$000 réis, e a de combustivel para cozinha sobe a 110$000 réis!

Estes comem menos, mas gastam mais em combustivel!

Isto mostra como é feito o Orçamento. Está cheio de erros e de falsidade. (Apoiados).

As despesas com a hygiene publica não são feitas só pelo Estado, sobrecarregam tambem as Camaras Municipaes e as Juntas Geraes dos districtos insulares.

Ha varias disposições no regulamento de 24 de dezembro que assim o determinam, e não as leis todas para não cansar a Camara.

Segundo o artigo 55.° do referido decreto, é obrigatorio para as camaras municipaes, alem de outros encargos, installar um serviço municipal de desinfecção publica, custear as despesas da inspecção sanitaria das meretrizes e o seu tratamento, quando não possam recebê-lo em hos-
pital da localidade, pagar a gratificação ao sub-delegado e saude, proceder á extincção dos ratos na canalização publica, e á destruição dos mosquitos nas regiões palustres, etc.

Devem ser curiosos de ver-se os pobres vereadores municipaes nesta engraçada faina de destruir mosquitos!

Tambem pelo § 2.° do artigo 145.° as camaras são obrigadas a pagar as desinfecções de domicilios e de objectos contaminados ou suspeitos, requisitadas pelos governadores civis; pelo artigo 161.° a installar um posto completo de desinfecção nas capitaes de districto, incumbindo esse encargo ás juntas geraes, onde as houver; e pelo § 1.º do artigo 191.° a contribuir com uma verba annual para as despesas do serviço vaccinogenico.

Alem d'estes, são muitos mais os encargos dos municipios com os serviços de hygiene publica; e, portanto, alem da verba que o Estado gasta, ha outras, e muito importantes que, se não constam d'este orçamento, sobrecarregam o contribuinte. (Apoiados).

Agora temos as verbas para a benificencia publica.

Segundo a proposta Ministerial a nova despesa com estes serviços subia a 119:865$100 réis. Com as alterações da commissão, desceu para a conta mais redonda de 100:661$165 réis.

Noto eu com certa estranheza, que ha aqui uma verba da 20:000$000 réis que o Estado dá como subsidio para o fundo especial destinado á defesa sanitaria contra a tubercalosa.

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SESSÃO N.º 38 DE 17 MARÇO DE 1902 23

Pois a Camara Municipal do meu concelho, que é um concelho pequeno, o de Baião, apenas com cêrca de 22:000 habitantes, deu ha dois annos 600$000 réis, que sairam do seu fundo de viação! Na proporção da collecta do meu municipio, a verba do Estado é verdadeiramente miseravel. (Apoiados).

A contribuição municipal para a tuberculose carece de ser remodelada, porque as camaras concorrem na proporção do fundo de viação, de maneira que aquellas que tenham augmentado esse fundo para poderem um dia fazer um bocado de estrada, vêem-no pouco a pouco esgotado pela Assistencia Nacional aos Tuberculosos, que lhes leva a maior parte, e aquellas que gastaram todo esse fundo nada dão, ou quasi nada, para a defesa sanitaria.

Sr. Presidente: infelizmente os tisicos abundam por todo o país. Não é justo que as localidades onde, pela conformação geologica, pela pureza do ar e das aguas e pela sua situação de montanhas, não haja tantos tisicos, paguem tanto, e ás vezes muito mais, do que aquellas onde mais abundam os tuberculosos. (Apoiados).

Sr. Presidente: encontro-me agora com o Conselho Superior de Instrucção Publica mais numeroso e crescido; mas não entro ahi, porque o Sr. Egas Moniz entrou primeiro, e tão minuciosamente tratou do assumpto que me deixou a porta fechada. Apenas notarei de relance que o augmento de despesa com a reorganização do Conselho Superior é de 2:120$000 réis.

Passo agora á instrucção publica; e, começando pela instrucção primaria, diz-nos o orçamento que ha uma diminuição de 4:680$000 réis! Ora vamos ver se realmente existe essa diminuição, que provém de se supprimir o subsidio de 14:000$000 réis para pensões e livros aos alumnos das escolas normaes de Lisboa e Porto.

Ha a fazer as seguintes correcções:

Segundo a nota preliminar do orçamento especial da instrucção primaria para 1902, a economia resultante da suppressão d'esse subsidio é apenas de 10.970$000 réis, o que dá uma differença de 3:030$000 réis. Segundo o mesmo orçamento especial, approvado por decreto de 24 de dezembro do anno findo, o subsidio com que o Estado ha de concorrer para as despesas da instrucção primaria é de 217:505$767 réis, e não de 214:075$767 réis, como erradamente se lê no capitulo 8.° da distribuição da despesa do Orçamento Geral.

Ha portanto já uma somma de 6:460$000 réis que vae alem da verba de 4:680$000 réis de pretendida diminuição de despesa; e, portanto, em logar de economia, fica já um augmento de despesa de 1:780$000 réis.

Vamos ver agora quanto augmenta a despesa com a nova reforma da instrucção primaria no país. Para encontrar este calculo recorro ao relatorio que precede o decreto n.º 8, de 24 de dezembro ultimo que fez a reforma, e vejo o seguinte:

(Leu).

Portanto, só o augmento confessado no proprio relatorio do Governo com os professores de ensino primario e com os ajudantes será de 49:476$000 réis!

Os vencimentos dos inspectores importarão em 3:000$000 réis, os dos sub-inspectores em 20:000$000 réis, o expediente em 2:500$000 réis, a despesa das secretarias em 3:120$000 réis, a da inspecção ás escolas e transportes em 7:500$000 réis.

Tudo isto somma já a pequenissima verba de 90:596$000 réis!

O augmento de vencimento dos professores e professoras das Escolas Normaes de Lisboa e Porto, de 50$000 réis, e dos professoras auxiliares, de 183$335 réis - pois que ficam todos equiparados - importa em 1:550$010 réis.

Nas escolas de habilitação para o magisterio primario eleva-se o ordenado dos professores a 400$000 réis e o das professoras a 340$000 réis, sem distincção de classe; e não trás um augmento em todo o país de 10:005$000 réis.

Surgem-nos ainda tres novas figuras: 2 inspectores sanitarios, a 700$000 réis cada um, - 1:400$000 réis; l director technico das construcções escolares 1:095$000 réis.

Felizes inspectores!

Mas eu ainda aqui não incluo as ajudas de custo que estes inspectores sanitarios e este director technico teem quando fazem viagens pelo país, que são 1$500 réis por dia, alem dos transportes, porque era impertinente fazer esses calculos. O que apurei basta, Sr. Presidente, para mostrar, com elementos colhidos no relatorio, que o augmento de despesa, proveniente da reforma da instrucção primaria, será de 104:646$010 réis!

Diminuindo, porem, 5:088$000 réis de despesa com os extinctos monitores e 13:910$000 réis com os commissariados e funccionarios da extincta inspecção, resta, para satisfação do país e gloria do Governo, a insignificantissima verba de augmento de despesa de 85:648$010 réis!

Temos ainda mais. Devemos contar com as escolas que se estão constantemente criando. O Sr. Ministro do Reino fez-me o favor de me mandar um mappa, que requeri, das escolas que se criaram no ultimo trimestre de 1901 e nos dois primeiros meses d'este anno; e por elle vejo o seguinte: em janeiro e fevereiro foram criadas as seguintes escolas, cuja despesa não podia ser levada em conta no orçamento especial da instrucção primaria, decretado em dezembro, nem nos calculos do relatorio, a que me referi, escrito no mesmo mês: 9 para o sexo masculino, 13 para o feminino, 2 mixtas. Total 24. Ora, só os vencimentos de 24 professores de 3.ª classe importarão em 3:960$000 réis.

No ultimo trimestre de 1901 foram criadas 64 escolas. Tomando uma media muito baixa, pode calcular-se que se criam por anno 210 novas escolas; e só os vencimentos dos respectivos professores importarão em 34:650$000 réis.

Eu sei que me podem dizer que, criadas estas escolas, depois se criarão menos; mas não é assim, porque ha muitas freguesias no país que ainda não teem escola ou teem apenas uma, e, pelo menos, emquanto este Governo estiver no poder, verá V. Exa. que ellas se vão criando, pelo menos 18 por mês, que é a media calculada.

Quero ainda notar uma cousa curiosa que não posso deixar de expor á Camara, apesar de ver que a estou incommodando, para que se veja o cuidado com que o Orçamento é feito. No concelho de Baião figuram 4 professores e 11 professoras.

Pois quer V. Exa. saber quantos lá existem? 14 professores e 12 professoras: diminuiram se l professora e 10 professores! Pode dizer se que é um erro de imprensa nos algarismos?

Não, porque na conta de ordenados joga certo com o reduzido numero dos professores. Ora, quando num concelho encontro um erro d'esta ordem, quantos haverá em todo este grosso volume?

Na instrucção secundaria passo muito pelo alto, porque o Sr. Presidente do Conselho não quis fazer reforma. Não deixou, todavia, de gastar mais dinheiro: augmentou-se a despesa d'este capitulo em 12:431$320 réis, no que tambem collaborou a illustre commissão do orçamento.

Na instrucção superior augmentou-se a despesa com mais 35:264$852 réis, e esse augmento dá-se em quasi todos os estabelecimentos de instrucção superior. Vamos primeiro á Universidade. Eu confesso a V. Exa. que me faz pena approximar-me d'aquelle edificio, porque vejo ao lado esquerdo as ruinas do Club Academico e do lado direito o monumento a Camões, que ajudei a erigir, num estado de abandono lamentavel. Lembro-me ainda de que, ha mais de vinte annos, numa tarde de verão, em que aquelle monumento foi inaugurado, tarde que ha de ser lembrada com saudade não só por mim, mas por mais alguns membros d'esta Camara, na occasião em que os professores e as auctoridades, o elemento official, toda a academia e o povo de Coimbra; assistiam áquella festa, quando

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as bandeiras tremulavam ao vento, os foguetes estralejam, augmentando o som dos hymnos marciaes, um rapaz estudante, pregou nas letras de bronze do monumento um impresso que dizia, pouco mais ou menos, o seguinte.

«A Academia de Coimbra protesta, perante o país, contra a inercia, dos Governos que ainda não annullaram o foro academico nos crimes communs».

O Sr. Presidente do Conselho, fazendo agora uma reforma da Universidade, esqueceu-se de estabelecer o principio liberal de que os estudantes, quando commettam algum delicto commum, não devem responder por elle perante a auctoridade judicial e perante a auctoridade universitaria ao mesmo tempo.

Tendo agora, a palavra no Parlamento do meu país, e lembrando-me ainda da commoção que experimentei nesse tempo, ao ver os applausos com que a Academia toda acclamou o estudante que pregara aquelle protesto no monumento da Academia ao maior dos nossos poetas, não podia deixar de referir-me a este assumpto, renovando aqui o protesto a que então me associei contra o foro academico em delictos communs.

Entrando no edificio da Universidade vejo os mesmos archeiros com as mesmas alabardas, os mesmos doutores com os mesmos capellos; e, sendo dia de auto solemne, vejo os mesmos charameleiros com as mesmas trompas de cabeça de serpente; mas o que não vejo igual é o numero de professores: ha mais cathedraticos e menos substitutos. No quadro do professorado ha mais 2 lentes cathedraticos na faculdade de theologia, mais 3 na de direito e mais l em cada uma das tres restantes faculdades. Os lentes substitutos diminuiram, 2 em direito, 2 em medicina e l em cada, uma das outras faculdades.

Não comprehendo como, havendo mais professores para substituir, haja menos quem os substitua. Não percebo isto.

Mas do que estou certo é de que realmente houve imprevidencia no modo como se organizaram os quadros do novo pessoal docente.

Podia referir-me a muitas cousas mais sobre a reforma da Universidade, como, por exemplo, ao novo curso colonial em que nada se estuda sobre colonias, ao desprezo que houve pelos hospitaes da Universidade, etc.; mas nem tenho competencia para tão levantada critica, nem o assumpto do debate a permitte. Noto, pois, apenas, que o augmento de despesa com a Universidade é de réis 9.607$500, o que a tanto não correspondem os beneficios da reforma.

Na Escola Polytechnica de Lisboa o augmento é de 1:970$000 réis, e na Academia Polytechnica do Porto houve um augmento de 8:240$000 réis.

Nada conheço da organização d'este importante estabelecimento do ensino, mas lembro-me de que, quando ha poucos annos a Academia Polytechnica do Porto foi reformada, se dizia que era para satisfazer as necessidades do ensino. Agora fez-se uma nova reforma que augmentou a despesa em 8:240$000 réis. Quando são tão tristes as circumstancias do Thesouro, parece-me que esta reforma podia esperar, dando-se de preferencia desenvolvimento ás obras indispensaveis da conclusão do edificio da Academia.

Relativamente pequeno foi o augmento da despesa com as escolas medicas: 1:000$000 em Lisboa e 500$000 réis no Porto.

No Curso Superior de Letras temos um augmento de 2:206$000 réis; com o serviço meteorologico dos Açores subiu a despesa 4:776$000 réis; o augmento com material e despesas diversas monta a 8:179$352 réis. Em todo o vastissimo capitulo 10.° da instrucção superior, apenas com a Academia Real das Sciencia se economizam 1:220$000 réis.

A Camara, decerto admira-se do augmento d'estas despesas que vou citando, quando o Sr. Presidente do Conselho disse, com rara coragem, que tinha com as suas reformas, diminuido a despesa do Ministerio do Reino em 26:000$000 réis!

Quer a Camara saber como essa diminuição se obteve? No Orçamento do anno passado figurava a verba de despesa extraordinaria de 98:160$000 réis para pagamento de um deficit do Hospital de S. João. O pagamento realizou-se, e, portanto, essa verba já não figura no actual Orçamento. A isto chama o Governo uma economia! Dá o mesmo nome ás receitas novamente criadas e que, apesar de insignificantes, deveriam ser applicadas á diminuição do deficit orçamental e não á retribuição de novos empregados publicos.

É certo que algumas economias proveem das reformas feitas em virtude das auctorizações parlamentares, isto é: houve umas pequenas redacções de despesas, que eu já citei á Camara, e 408$000 réis nas secretarias dos governos civis.

Mas, em compensação, quantas novas e grandes despesas se criaram! (Apoiados).

E ainda ha mais. No capitulo das Bellas Artes o augmento é de 6:57l$536 réis, e, só com o pessoal do Conservatorio Real de Lisboa ha um augmento de 3:264$000 réis.

Não quero agora deliciar a Camara com as melodias da harpa e do orgão (Risos); por isso deixo em paz o illustre Deputado, Sr. Clemente Pinto, com a sua formosa apologia da Arte e da sua influencia na civilização dos povos, e limito-me a apontar apenas a verba.

A despesa com as bibliothecas e archivos publicos teve um augmento de 5:710$000 réis, no qual tem um bom quinhão o illustre bibliothecario-mór, que saiu da Direcção Geral de Instrucção Publica para deixar um logar, e foi para a China... para não occupar outro.

Sr. Presidente, estou a chegar ao fim d'esta longa lista de desperdicios. O augmento de despesa com os empregados addidos, de repartições extinctos e jubilados, é de 3:590$385 réis, e muito maior seria, se a morte não alliviasse o Orçamento, pois que durante o ultimo anno falleceram funccionarios addidos que venciam 540$000 réis, e jubilados que ganhavam 2:166$665 réis.

Só com os addidos gastam-se 23:383$250 réis! E isto acontece, porque o Governo, remodelando os serviços, quis aproveitar todos os novos logares para os numerosos pretendentes da sua larga clientella. (apoiados).

O proprio ultimo capitulo, das despesas diversas tem o augmento de l:500$000 réis. E basta.

Do que tenho dito conclue se que o augmento de despesa pelo Ministerio do Reino é de 418:134$723 réis, sujeita ainda esta verba a correcções que a accrescentam, como em mais de um ponto tive a honra de expor á Camara.

É certo que o augmento de despesa com a instrucção primaria, por ora não pesa directamente sobre o Orçamento Geral do Estado.

Mas sabe V. Exa. sobre quem pesa? É sobre as contas do país que é quem ha de pagar estas despesas.

O Sr. Clemente Pinto disse que para o fundo da instrucção primaria concorriam as camaras municipaes. Pareceu-me que S. Exa. quis dizer que, logo que a despesa não seja paga pelos cofres do Estado, que nos importa a nós que outros paguem? Mas o que é certo é que o augmento de encargos dos municipios recae tambem sobre o contribuinte.

Alem d'isso, ha a notar que o limite estabelecido no artigo 57.° n.° l, da lei de 18 de março de 1897 para a percentagem do imposto municipal para a instrucção primaria já foi attingido. Essa percentagem já está elevada ao maximo em todos os concelhos, com excepção do de Lisboa. Ora eu já demonstrei que o augmento annual de despesa só com os professores de instrucção primaria.

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será de 34:650$000 réis, alem de outras despesas inherentes á criação de novas escolas. E sabe V. Exa., Sr. Presidente, de onde ha de sair esta despesa? Ha de sair do país, e, agora, especialmente do Thesouro, porque as Camaras já não podem dar mais. (Apoiados).

O Sr. Clemente Pinto tambem nos disse que a França gastava muito com a sua instrucção, e que esta reforma se impunha. Mas as nossas condições são extraordinariamente diversas das da França.

Os recursos d'aquella nação são muito superiores aos nossos; e, se nós não estivessemos em condições tão afflictivas como hoje estamos, alguma cousa podiamos fazer. Eu não sou contrario ao progresso da instrucção; pelo contrario, entendo que ella deve progredir, mas em certos limites, de harmonia com os recursos do país e com as circumstancias do Thesouro. (Apoiados).

Durante as considerações que tive a honra de expor á Camara, houve na minha palavra algumas notas de alegria. Pois confesso a V. Exa. que não fui sincero.

Quando fiz o estudo d'este documento, e vi os erros e as falsidades que contém, experimentei um verdadeiro sentimento de tristeza.

Eu ouvi fazer aqui a apologia do deficit; ouvi dizer que em todas as nações elle existe, e que é um signal de desenvolvimento de riqueza.

Eu sei isso: eu sei que o deficit em França existiu desde 1868, que foi o ultimo anno em que as contas se fecharam com saldo; eu sei que elle existe entre nós desde 1856, que foi tambem o ultimo anno em que as nossas contas tiveram saldo; mas tambem sei que na França, nos principios do seculo XIX, quando havia enormes despesas com as guerras napoleonicas, os orçamentos fecharam-se com saldo; sei que tambem na Franca, no periodo da restauração, a totalidade das receitas comparada com a das despesas, foi favoravel áquellas. Sei que na França houve um anno em que o deficit foi quasi igual á totalidade das receitas. Foi quando a guerra franco-allemã obrigou aquelle país a despesas enormes. Ha, pois, exemplos para tudo. Nós é que não podemos continuar com os deficits: é preciso que harmonizemos as nossas despesas com as receitas.

As despesas não podem crescer por mais tempo, sem perigo de irmos para a bancarrota; e eu sentiria tanto a insolvencia do meu país, como sentiria a minha propria.

Comprehendo, ainda que, em circumstancias de maior desafogo financeiro, se augmentassem despesas com o fomento, com a reparação e construcção de estradas, com a construcção de caminhos de ferro, isso sim; mas simplesmente para o funccionalismo, é que todas estas verbas do orçamento se escoam.

A minha opinião é de que os empregados publicos, deviam ganhar mais, mas deviam ser em menor numero.

A respeito de funccionalismo tenho esta opinião pessoal. Deve ganhar mais do que ganha, especialmente em alguns ramos de serviço.

V. Exa. que é juiz muito distincto, conhece a verdadeira miseria dos vencimentos dos juizes das relações!

Ganham apenas cêrca de 80$000 réis por mês!... Para a sua posição importantissima e para a isenção que devem ter, é perfeitamente miseravel. E, se compararmos estes vencimentos com os que teem, por exemplo os juizes no Egypto, que são de 6:000$000 réis, em ouro, não podemos deixar de reconhecer que estamos, nesse ponto, abaixo d'aquelle país! (Apoiados).

Parece-me que o funccionalismo deve ganhar mais, mas os funccionarios dever ser muitissimo menos; e os que ficarem, bem remunerados, devem trabalhar, porque neste país ha empregados que nada trabalham e que vencem! (Apoiados).

Ha muitos empregados do Estado que sabe Deus como elles podem acudir ás necessidades da sustentação da sua posição e ás suas necessidades proprias!... (Apoiados).

Sr. Presidente: eu vejo que, a começar por V. Exa., todos nós estamos cansados.

A maioria devia ter o castigo de eu levar as minhas considerações até ao fim da hora regimental, pela violencia que nos fez hoje, prorogando a sessão, pois que podiamos perfeitamente acabar a discussão do Orçamento do Ministerio do Reino na sessão de amanhã. Em todo o caso, considero tanto a V. Exa. a quem vejo já com um ar tão triste, que não posso levar a violencia até esse ponto.

Vou, pois, terminar, e, terminando, faço historia retrospectiva lendo á Camara as palavras do illustre Ministro da Marinha, na sessão de 27 de abril de 1900. Disse elle o seguinte:

(Leu).

Sr. Presidente: V. Exa. e a Camara ouviram estas palavras. Ouviram que o Sr. Teixeira de Sousa entendia, em 1900, que, em vista do estado de ruina da fazenda publica, era um crime augmentar as despesas.

E, depois, insurgia-se contra a nossa embaixada extraordinaria ao Brasil, contra a nossa representação official na exposição de Paris e contra as despesas com os serviços de hygiene.

E agora pergunto: - Se acaso são melhores as circumstancias financeiras do país para que nós, que não podiamos mandar, em 1900, uma embaixada ao Brasil, aonde as necessidades diplomaticas e os deveres de cortesia para com aquella nação exigiam a nossa representação official, possamos agora mandar essa faustosa embaixada á China, cuja despesa não está orçada - nem é conhecida?

A respeito da nossa representação na exposição de Paris a coherencia do Governo foi tamanha que, assumindo o poder, em contrario das declarações que tinha feito, conservou-a até ao termo da sua missão. Com relação aos serviços de hygiene, eu pergunto tambem se são melhores as condições do Thesouro para que essa despesa, que em 1900 se impunha, depois de uma grande calamidade publica, possa agora supportar o augmento de 51:620$370 réis?!

Sr. Presidente: realmente parece-me que a caridade é bem entendida quando começa por nós proprios.

Sinto-me fatigado, e ella aconselha-me agora a calar-me; e estou certo de que a Camara agradecerá que ponha termo ás minhas considerações. Por consequencia fico por aqui, dizendo que nunca se tinha visto um Governo, depois das declarações feitas por um dos seus membros, apoiadas por todos os oradores que então o acompanhavam e repetidas pelo proprio Sr. Presidente do Conselho na outra casa do Parlamento, fazer agora, em circumstancias muitissimo mais onerosas para o país, quando á porta está batendo o convenio com os credores externos, que ha de ser ruinoso para nós, um augmento das despesas publicas muitissimo maior do que o que fôra feito naquella occasião. (Apoiados).

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado por todos os deputados da opposição).

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo Sr. Alexandre Cabral.

Foi admittida á discussão.

O Sr. Alfredo Brandão: - Mando para a mesa uma proposta.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo Sr. Albano de Mello.

Foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo Sr. Egas Moniz.

Foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo Sr. Alexandre Cabral.

Foi rejeitada.

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26 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o orçamento do Ministerio do Reino para ser votado.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - A proxima sessão será amanhã de manhã, sendo a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 8 horas e 20 minutos da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Declaração

O Sr. Deputado Joaquim de Sant'Anna declara que deitou na caixa das petições um requerimento do capellão do exercito, Joaquim da Silva Porto Curado, pedindo que lhe seja contado para o effeito de reforma o tempo que serviu como professor do Seminario da diocese de Portalegre e tambem aquelle que serviu como parocho da mesma diocese.

Desejo que seja enviado á respectiva commissão.

Para a acta.

Justificação de faltas

Participo a V. Exa. que o Deputado Sr. Conselheiro Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, tem faltado ás sessões da Camara por falta de saude, e pelo mesmo motivo terá ainda de faltar a mais algumas. = Anselmo Vieira, Deputado por Villa Real.

Para a acta.

O redactor interino = Affonso Lopes Vieira.

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APPENDICE Á SESSÃO N.º 38 DE 17 DE MARÇO DE 1902 27

Discurso proferido pelo Sr. Deputado José Dias Ferreira, que devia ler-se a pag. 11 da sessão n.º 38 de 17 de março de 1902

O Sr. José Dias Ferreira: - Sr. Presidente: pedi a palavra, não para discutir o Orçamento, mas para dirigir ao Sr. Ministro do Reino e Presidente do Conselho uma pergunta sobre assumpto de grande importancia.

Antes de mais nada, porem, quero fazer os meus cumprimentos ao Sr. Presidente do Conselho pelas theorias novissimas que acaba de expor sobre liberdades.

Não quer S. Exa. entregar o julgamento d'estas questões aos juizes para não estragar a magistratura judicial.

Mas se os juizes se estragam com o julgamento das questões politicas, porque lhes commettem o julgamento das nossas proprias eleições?

Nós estamos aqui em nome do povo, mas por decisão do Tribunal de Verificação de Poderes, que é todo composto de juizes, que julgam os processos das eleições dos deputados.

Essencialmente politicas são as questões de recenseamento; e todavia as questões de recenseamento pertencem aos juizes.

Os auditores administrativos foram criados, porque emfim sempre nos dão vinte e um empregados a mais!

Não é só de pão que vive o homem, vive tambem dos empregos; e em Portugal não ha partido sem empregos.

O artigo 251.° do Codigo Administrativo, que parece ser o encanto do Sr. Presidente do Conselho, precisava, como muitos outros artigos de lei que por ahi ha similares e parallelos, da capitis diminstio maxima!

Taes preceitos devem ser condemnados a pena cruel e afrontosa, sendo riscados das paginas da legislação nacional!

A apprehensão e a repressão de jornaes, no sentido de obrigar todos os jornalistas a serem bem falantes, não é mais que uma utopia.

Em todo o caso se os jornalistas sairem fora das disposições legaes a competencia é dos juizes.

Deus nos livre de que o poder executivo assumisse tambem o direito de julgar!

Sei bem que na epoca que atravessamos e no logar onde estou não representará demasiada correcção falar em liberdades do povo.

Por isso não discuto o procedimento do Governo com a imprensa.

Mas não podia deixar em silencio a extraordinaria theoria do Sr. Presidente do Conselho.

Costa Cabral, que era um homem de governo ás direitas, e tambem adversario implacavel da liberdade de imprensa, fez em 1845 á opposição na Camara dos Dignos Pares a fineza de não lhe permittir a publicação dos discursos no Diario das Côrtes.

Interpellando um Digno Par a mesa pela falta da publicação dos discursos, Costa Cabral pediu logo a palavra e declarou que por aquella irregularidade só elle era responsavel, porque fôra elle quem dera a ordem á Imprensa Nacional prohibindo a publicação d'aquelles discursos, porque eram incendiarios, excitavam as paixões populares, e provocavam a desordem.

Mas Costa Cabral não se inculcava como liberal puritano, e punha francamente o que elle chamava a ordem acima das regalias populares.

Costa Cabral era dos taes monarchistas mais monarchicos que o monarcha, cujos actos deviam ser combattidos, e cujas convicções como sinceras, não podiam deixar de ser respeitadas.

Entrando no assumpto para que pedi a palavra, desejava que o Sr. Presidente do Conselho informasse a Camara e o país acêrca das providencias que tenciona adoptar com respeito á questão de salubridade publica, sobretudo em Lisboa e no Porto.

Annunciam os jornaes que foi nomeada uma commissão encarregador de propor ao Governo as providencias necessarias para evitar alguma epidemia, a que Lisboa está sujeita pela má canalização, sobretudo dentro dos predios particulares.

Como para falar nas questões de saude não é preciso ser technico, bastando ter senso commum, sempre direi que em Lisboa, como no Porto, são pontos capitães no interesse na saude publica o maior rigor na fiscalização dos generos expostos á venda e a canalização geral e particular.

Na falsificação dos generos alimenticios os abusos quasi não conhecem limites; e a canalização particular, sobretudo nos predios antigos, é em geral pessima.

Quem no verão viver fora de Lisboa, basta-lhe entrar na cidade para ao simples olfato perceber que a cidade está cercada de um pantano; e as paredes exteriores dos predios denotam desde logo que os canos não são impermeaveis.

É preciso pensar nos meios de evitar uma epidemia, que, depois de alastrada, não poderá, antes de ter feito muitas victimas, ser facilmente vencida.

Para o saneamento da cidade de Lisboa não basta o grande medico dos ventos do quadrante do norte.

É uma cidade onde ainda se conservam fossas ao pé de canalização que as podia evitar!

Do Porto tenho as mesmas, senão peores informações.

O Porto está comprehendido na categoria das quatro ou cinco cidades da Europa em que a percentagem da mortalidade é maior; e não é no meio de uma epidemia que se hão de tomar as providencias radicaes para o saneamento das duas grandes cidades.

Ora o publico, desde que vê nomeada uma commissão, por mais reconhecida que seja a competencia dos technicos, calcula logo que é para se não fazer nada.

Para tranquillidade da Camara e do país desejava, pois, que o Sr. Presidente do Conselho indicasse as providencias que tenciona tomar para o saneamento das duas cidades de Lisboa e Porto, e sobretudo, ou ao menos, para as primeiras necessidades da salubridade publica dos dois grandes centros de população.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

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