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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

38.ª SESSÃO

EM 30 DE JULHO DE 1909

SUMMARIO. - Approvada a acta e lido o expediente, em que foi lido o decreto de prorogação das Côrtes, o Sr. Brito Camacho, em aviso previo, trata da expulsão de um alumno da Escola do Exercito, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Guerra. - O Sr. Telles de Vasconcellos renova a iniciativa de um projecto de lei relativo ao Instituto Meteorologico, e apresenta um outro, respectivo á Camara Municipal de Gouveia, que é approvado, sendo concedida a urgencia. - O Sr. Ramalho Ortigão troca explicações com o Sr. Ministro dos Estrangeiros acêrca do atum adulterado que se diz ter causado intoxicações na Italia. - Apresentam requerimentos os Srs. Visconde de Coruche, Costa da Silveira, Pereira de Lima e Pereira Magalhães. - O Sr. Manuel Fratel manda para a mesa uma nota de interpellação.

Na primeira parte da ordem do dia, sem prejuizo das emendas, como é requerido pelo Sr. Conde de Azevedo, é approvado o projecto de lei n.° 45 (construcção de casas baratas), usando da palavra o Sr. Brito Camacho, Sergio de Castro, que apresenta um additamento, Pereira dos Santos, Abel Andrade e João de Menezes,
Na segunda parte da ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.° 8 (reorganização da Caixa Geral dos Depositos), falando os Srs. Rodrigues Nogueira (relator), Anselmo Vieira e Ministro da Fazenda (Paula Azevedo). A discussão fica pendente, marcando-se a proxima sessão para 2 de agosto.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim Mendes Leal

Secretarios os Exmos. Srs.

João José Sinel de Cordes
João Pereira de Magalhães

Primeira chamada: - Ás 2 horas da tarde.

Presentes: - 7 Srs. Deputados.

Abertura da sessão: - Ás 3 horas e meia da tarde.

Presentes: - 69 Srs. Deputados.

São os- seguintes: Abel de Mattos Abreu, Alfredo Carlos Le Cocq, Amadeu de Magalhães. Infante de La Cerda, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Maria Dias. Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Tavares Festas, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Azevedo, Conde de Mangualde, Conde de Penha Garcia, Duarte Gustavo de Reboredo Sampaio e Mello, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Henrique de Mello Archer da Silva, João Duarte de Menezes, João Joaquim Isidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João de Sousa Calvet de Magalhães, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim Mattoso da Camara, Jorge Vieira, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Augusto Moreira de Almeida, José Cabral Correia do Amaral, José Caeiro da Matta, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Julio Vieira Ramos, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, José Ribeiro da Cunha, José dos Santos Pereira Jardim, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Joaquim Fratel, Manuel Nunes da Silva, Manuel de Sousa Avides, Manuel Telles de Vasconcellos, Roberto da Cunha Baptista, Rodrigo Affonso Pequito, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomas de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Thomas de Aquino de Almeida Garrett, Visconde de Coruche, Visconde de Ollivã.

Entraram durante a sessão os Srs : Abel Pereira de Andrade, Abilio Augusto de Madureira Beça, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alberto Pinheiro Torres Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alfredo Pereira, Antonio Centeno, Antonio José de Almeida, Antonio Rodrigues Nogueira, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Conde de Castro e Solla, Diogo Domingues Peres, Ernesto Jardim de Vilhena, Francisco Miranda da Costa Lobo, João Carlos de Mello Barreto, João Henrique Ulrich, João Ignacio de Araujo Lima, João Pereira de Magalhães, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Soares Branco, José Antonio da Rocha Lousa, José de Ascensão Guimarães, José Bento da Rocha e Mello, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim da Silva Amado, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Malheiro Reymão, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Queiroz Velloso, Luis Vaz de Car valho Crespo, Miguel Augusto BombarcFa, Vicente de Moura Coutinho da Almeida d'Eça, Visconde da Torre.

Não compareceram a sessão os Srs : Adriano Anthero de Sousa Pinto, Affonso Augusto da Costa, Alexandre Braga, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Alberto Charulla, Pessanha, Antonio, de Almeida, Pinto da Moita, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio José Garcia Guerreiro, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Conde da Arrochella, Conde de Paçô-Vieira, Eduardo Burnay, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Cabral Metello, Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Augusto Pereira, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Correia Botelho Castello Branco, João José da Silva Ferreira Neto, João de Sousa Tavares, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Pedro Martins, José Caetano Rebello, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Oliveira Mattos, José Osorio da Gama e Castro, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luis Filippe de Castro (D.), Luis da Gama, Manuel Francisco de Vargas, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Paulo de Barros Pinto Osorio, Visconde de Reguengo (Jorge), Visconde de Villa Moura.

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SESSÃO N.° 38 DE 30 DE JULHO DE 1909 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do Ministerio do Reino, enviando, para conhecimento da Camara dos Senhores Deputados, o decreto pelo qual Sua Majestade El-Rei houve por bem prorogar as Cortes Geraes Ordinarias da Nação Portuguesa até o dia 14, inclusivamente, do proximo mês de agosto.

Para a acta.

O Sr. Presidente: - Lê á Camara o seguinte

Decreto

Hei por bem, tendo ouvido o Conselho de Estado, nos termos do artigo 110.° da Carta Constitucional da Monarchia Portuguesa, prorogar as Côrtes Geraes Ordinarias da Nação Portuguesa até o dia.14, inclusivamente, do proximo mês de agosto.

O Presidente da Camara dos Senhores Deputados da Nação assim o tenha entendido para os effeitos convenientes.

Paço, em 30 de julho de 1909. = REI. =Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Á mesa da Santa Casa da Misericordia de Viseu deliberou installar uma lavandaria movida a vapor na cerca do edificio do seu hospital, e a illuminacão a luz electrica e aquecimento a vapor das enfermarias e outros compartimentos do referido edificio. Para esses importantes melhoramentos, de que muito carece o hospital para poder aumentar os beneficios que está prestando, faltam áquella Santa Casa os meios necessarios para satisfazer as despesas mais urgentes.

É, pois, de toda a justiça que o Estado auxilie tão util emprehendimento com a dispensa dos direitos de importação das machinas e mais objectos necessarios para as referidas installações.

Temos pois a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É dispensado o pagamento de direitos de importação de todo o material, machinisino e mais objectos que forem necessarios para a installação de uma lavandaria movida a vapor na cêrca do edificio do Hospital da Santa Casa da Misericordia de Viseu e para a installação de illuminacão a luz electrica e do aquecimento a vapor das enfermarias e outros compartimentos do mesmo edificio.

§ unico. A mesa da referida Santa Casa fornecerá ás estações competentes, no prazo de tres meses depois da publicação d'esta lei, nota detalhada do que precisa importar para as mencionadas installações.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, 28 de julho de 1909. = Anselmo Vieira = Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque = Conde de Mangualde = José Victorino de Sousa e Albuquerque = José Bento da Rocha e Mello = Antonio Tavares Festas = Abel Mattos de Abreu.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - Em sessão da Camara Municipal do concelho de Gouveia, de 22 de abril de 1882 e de 6 e 27 de novembro de 1883, resolveu áquella corporação contratar, com a Companhia Geral de Credito Predial Português, a realização de dois empréstimos, cujo producto destinou e applicou á construcção de estradas, que muito engrandeceram o mesmo concelho, a ponto de não haver talvez nenhum municipio no país que o exceda no desenvolvimento dessa viação, e só muito poucos que possam igualar a extensa e bem distribuida rede das suas estradas.

A importancia do primeiro d'aquelles emprestimos foi de 19:980$000 réis por contrato com a referido companhia, de 11 de agosto de 1882, estipulando-se a sua amortização no prazo de sessenta annos, e garantindo-se o pagamento dos juros respectivos, e dessa amortização, pela parte correspondente da receita orçamental referente á viação.

O segundo emprestimo, ascendendo a 45 contos de reis, realizou-se com a mesma companhia, e nas mesmas condições, em 20 de julho de 1886, destinando-se aos juros e amortização as sobras das receitas da viação e mais 14 por cento de aumento da percentagem sobre as receitas, geraes do Estado, cobradas no municipio.

É certo que estes emprestimos, na importancia total de 64:980$000 réis, acarretaram sobre o municipio de Gouveia um pesado encargo, aliás bem compensado pelos enormes beneficios que a sua proveitosa applicação tem produzido: mas, apesar de onerosos, possuia então o municipio recursos mais do que sufficientes para lhes fazer face, sem faltar ás despesas obrigatorias da Camara, e ás facultativas que mais se recommendaram pela sua utilidade.

Diversas causas, porem, estranhas á acção das vereações municipaes, que desde então se succederam, teem aggravado por tal forma as finanças da Camara que se encontram numa crise de extremas difficuldades, se não da mais ruinosa penuria.

Quando a Camara de Gouveia se abalançou áquelle proveitosissimo emprehendimento de dotar o municipio com uma rede completa de estradas, quê o tornam invejado, contava com o subsidio que o Estado promettia, e nesse tempo ainda costumava dar sem difficuldade, de um terço das despesas, beneficamente destinado a estimular as camaras no desenvolvimento da sua viação; e, nestes termos, incluiu no orçamento das obras essa valiosa receita e, conforme ella, talhou as respectivas despesas.

Nunca foi possivel, porem, por maiores instancias que se fizeram, alcançar dos Governos que successivamente occupavam as cadeiras ministeriaes senão uma exigua parte do promettido e devido subsidio, resultando d'aqui ficar a Camara devendo ao empreiteiro constructor das suas estradas uma importancia aproximada de 12 contos de réis, que seria sobejamente coberta pelo subsidio em divida e injustamente negado, em vez de ficar, desde então, com um pesado encargo de juros, que tornou muito precaria a situação financeira do municipio.

Novas e asphyxiantes imposições, relativas á instrucção primaria, á beneficencia, á saude publica, ao aumento de ordenados, aos recenseamentos e a outras serviços, teem os Governos e as leis lançado sobre os orçamentos concelhios, sem que as receitas correspondentes tenham aumentado mais do que numa exigua proporção.

Poderiamos demonstrá-lo facilmente com os algarismos dos orçamentos municipaes de ha 25 annos, data dos emprestimos, comparados com os das ultimas gerencias; mas julgamos escusado esse trabalho desde que ninguem ignora

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4 DIAEIO DA CAMABA DOS SENHORES DEPUTADOS

os factos referidos, que são precisamente os mesmos que occorrem em todo o pais.

A administração parcimoniosa das successivas vereações, que teem chegado aos mais despiedosos côrtes na dotação dos serviços, e ás mais exageradas economias, a ponto dessa dotação ser em muitos casos illusoria, não obstou á ruina completa das finanças municipaes, vendo-se a camara forçada a deixar em grande atraso, as prestações referentes aos preditos empréstimos contrahidos com a Companhia de Credito Predial, que sobem á importancia annual de 3:701$000 réis e a deixar inteiramente de pagar nos ultimos cinco annos os juros da divida ao empreiteiro constructor das estradas, que se aproximam do 700$000 réis annuaes.

Tal situação é insustentavel, e carece de um remédio immediato, sob pena de uma lastimosa fallencia do municipio.

Só muito moderada e prudentemente se poderá recorrer ao aggravamento dos impostos, visto que as percentagens sobre as contribuições geraes do Estado já tiveram de autorizar-se com a excepção do artigo 456.° do Codigo Administrativo, para excederem o limite normal preceituado no artigo 69.° do mesmo codigo, e não se encontra nova materia collectavel para basear qualquer outro imposto não existente á presente data, sendo, pelo contrario, de recear uma perda sensivel nos rendimentos concelhios, desde que os habitantes das freguesias limitrofes dos baldios municipaes da Serra da Estrella se recusam a pagar, como fazem á presente data, ameaçando com resistencias tumultuarias, a que já vêem habituados impunemente, a capitação do gado lanigero que se aproveita das ferteis pastagens dos mesmos baldios, privando assim a Camara de importantes receitas que, ha bastantes annos, auferia dessa origem.

O unico recurso que ainda pode salvar a angustiosa e desesperada situação do municipio é a de um novo contrato de emprestimo com a Companhia Geral do Credito Predial Português, comprehendendo-se nelle a conversão dos dois emprestimos anteriores; e, se for possivel, aumentá-lo até a importancia necessaria para pagar a divida já referida ao empreiteiro das estradas construidas, de modo que a Companhia do Credito Predial fique sendo o unico credor da municipalidade.

Com a prorogação do prazo para a amortização do novo empréstimo não será preciso aumentar muito a sua importancia nem a das prestações anuuaes para liquidar todos os compromissos da Camara, resultantes das prestações em divida, e do capital e juros de que é credor o falado empreiteiro, ou quem actualmente o representa.

Para garantir esse aumento do emprestimo e das prestações annuaes, caso seja indispensavel, se recorrerá a uma pequena percentagem a mais sobre as contribuições geraes do Estado no municipio, procedendo neste assunto com criteriosa prudencia, e de conformidade com previa e afirmativa consulta aos quarenta maiores contribuintes do concelho.

Nada porem poderá fazer a Camara neste assunto só para isso não for autorizada pelo poder legislativo; e por isso temos a honra de apresentar-vos o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É a Camara Municipal do concelho de Gouveia autorizada a contratar com a Compahia Geral do Credito Predial Português uma nova operação de emprestimo em que se incluam, e convertam os dois empréstimos que, com a mesma companhia, contrahiu em datas de 11 de agosto de 1882 e 20 de julho de 1886, ambos estes na importancia total de 64:980$000 réis.

§ 1.° O novo emprestimo poder-se-ha-elevar á somma necessaria para liquidar e pagar as prestações annuaes em divida á companhia credora, bem como a divida documentada aos representantes do empreiteiro constructor das estradas a que se destinaram os referidos empréstimos.

§ 2.° O prazo para a amortização do novo emprestimo será por um numero de annos superior a trinta, prolongando-se o bastante para fazer baixar a importancia das prestações annuaes de juros e amortização a um limite que se harmonize com os recursos orçamentaes da camara, permittindo-lhe fazer face aos encargos com as receitas para elles dispensaveis.

§ 3.° Aos encargos da novação dos emprestimos serão consignadas as receitas da viação e as que já servem de garantia aos emprestimos actuaes, podendo reforçar-se com uma nova percentagem até o maximo de 8 por cento sobre as contribuições geraes do Estado, cobradas no municipio, mediante previa cunsulta affirmativa dos quarenta maiores contribuintes do concelho, que fixarão essa percentagem dentro d'aquelle limite.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 31 de julho de 1$Q$ .= Manuel Telles de Vasconcellos = José Osorio da Gania e Castro.

Projecto de lei

A mesa da Santa Casa da Misericordia de Viseu deliberou installar uma lavandaria, movida a vapor na cerca do edificio do seu hospital e a illuminação a luz eletrica e aquecimento a vapor das enfermarias e outros compartimentos do referido edificio. Para estes importantes melhoramentos, de que muito carece o hospital para poder aumentar os beneficios que está prestando, faltam áquella Santa Casa os meios necessarios, pois os seus rendimentos mal chegam para satisfazer as despesas mais urgentes.

É pois de toda a justiça que o Estado auxilie tão util emprehendimento com a dispensa dos direitos de importação das machinas e mais objectos necessarios para as referidas installações.

Temos pois a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É dispensado o pagamento de direitos de importação de todo o material, machinismo e mais objectos que forem necessarios para a installação de uma lavandaria movida a vapor na cerca do edificio do Hospital da Santa Casa da Misericordia de Viseu e para a installação de illuminação a luz electrica e do aquecimento a vapor das enfermarias e outros compartimentos do mesmo edificio.

§ unico. A mesa da referida Santa Casa fornecerá ás estacões competentes, no prazo de tres meses depois da publicação desta lei, nota detalhada do que precisa importar para as mencionadas installações.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, 28 de julho de 1909.= Anselmo Vieira = Alexandre Correia Telles de Araujo .e Albuquerque = Conde de Mangualde = José Victorino de Sousa e Albuquerque = José Bento da Rocha e Mello = Antonio Tavares Festas = Abel Mattos de Abreu.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores.- O projecto de lei que tenho a honra de submetter á consideração desta Camara é um dos ultimos trabalhos do nosso saudoso collega Alvaro Rodrigues Valdez Penalva.

Esse malogrado official de marinha, tão intelligente como corajoso, tinha pela sua profissão um verdadeiro culto, e por isso durante a sua curta carreira parlamentar consagrou o melhor dos seus esforços á organização e aperfeiçoamento da nossa marinha de guerra.

A morte implacavel veio infelizmente cortar o fio d'esses trabalhos feitos com tanto carinho e enthusiasmo, e assim vieram a ficar na sua maior parte apenas esboçados, ou incompletos; simples e pungentes destroços do naufrágio de uma vida.

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É um d'esses trabalhos que eu trago hoje a esta Camara com aquella emoção e aquelle carinho piedoso com que se cumpre uma disposição da ultima vontade de alguem que nos foi querido. = Conde de Penha Garcia.

Senhores.- A desigualdade em que se achem os individuos de uma classe é razão de descontentamento que prejudicam a eficiencia do serviço d'essa classe, dando constantemente logar a reclamações dos que justamente se julgam lesados.

Quando, porem, se trata de uma classe militar, mais pernicioso é ainda este effeito, porque então á má vontade no serviço traz, mesmo involuntariamente, a quebra da disciplina-o mais importante factor da efficacia de uma organização militar.

É por isso que se torna urgente remediar a desigualdade que existe entre os vencimentos dos officiaes inferiores das brigadas de manobra e outros sargentos do corpo, de marinheiros da armada.

Effectivamente não se pode dizer que seja digno de maior remuneração o sargento do que o contramestre, pois que se aquelle são exigidas maiores habilitações, o ultimo é obrigado a um trabalho violento, é exposto constantemente ás intemperies, o que bem compensa os esforços feitos para o conseguimento do curso de sargento, especialmente o do serviço geral, que é extremamente simples. Alem disso, chegando a praça de marinhagem ao posto de contramestre em idade muito mais avançada do que aquella com que se chega ao posto de sargento, justo é que os vencimentos sejam pelo menos iguaes, para que o primeiro que serviu por mais tempo o Estado não fique em condições de inferioridade relativamente ao segundo.

O decreto de 20 de junho de 1907, actualmente em vigor, não estabeleceu esta justa igualdade, pois, ao passo que, a exemplo do que já havia sido concedido aos sargentos do exercito sem excepção alguma, eram aumentadas as gratificações de readmissão aos sargentos das 1.ª e 5.ª brigadas do corpo de marinheiros, os officiaes marinheiros, cujos vencimentos são ainda regulados pela antiquissima lei de 13 de julho de 1863, nada beneficiaram com esse aumento, visto não receberem gratificação alguma de readmissão.

Ficou assim existindo grande desproporção entre os vencimentos da duas classes, que vamos comparar no quadro seguinte, notando previamente que não ha nenhum primeiro sargento que não esteja no quarto periodo de readmissão e que dos segundos sargentos quasi todos estão nesse mesmo periodo, não havendo abaixo de terceiro.

[Ver quadro na imagem]

Ha ainda a notar pela actual tabella de vencimentos uma anomalia deveras estranha, que é os cabos marinheiros, quando são promovidos a svegundos contramestres e estejam no quartel, passam a ganhar menos do que ganhavam como cabos. O quadro seguinte indica essa differença, havendo a notar que os cabos marinheiros estão em geral no 3.° e 4.° periodo de readmissão e nunca abaixo do 2.°

[Ver quadro na imagem]

Um outro argumento em favor da igualização dos vencimentos é que, tendo as praças das diversas brigadas (exceptuando os fogueiros) todos os mesmos vencimentos até ao posto de cabo inclusive, não ha razão para desigualdade quando passem á categoria de officiaes inferiores.

Não deixaremos tambem de falar na desigualdade que se dá quando as praças de estado menor baixam ao hospital e que se deprehende do quadro que segue:

[Ver quadro na imagem]

De onde se conciue que nesta situação se dá a flagrante injustiça dos oificiaes marinheiros receberem proximamente metade do que os sargentos de igual graduação.

Teem sido aumentados, os vencimentos de todas as classes militares e da maioria das classes, civis, continuando os officiaes marinheiros com p soldo que estipulava a lei de 1873 e tendo este diminuido o vencimento dos segundos contramestres, quando é fora de duvida que a vida é hoje muito mais cara do que naquella epoca.

Parece pois de justiça que os vencimentos dos mestres e contramestres sejam equiparados aos dos sargentos de igual graduação.

Ainda a outro ponto se propõe attender o presente projecto de lei.

Aos sargentos que a bordo teem o encargo de fiel de artilharia ou fiel de generos é dada a gratificação mensal de 40800 réis no Tejo e de 6$000 réis fora do Tejo. Como em geral os primeiros sargentos, desempenham qualquer destes dois cargos conforme a sua especialidade, essa gratificação mais vem aggravar as differenças que apontamos.

Aos segundos sargentos compete muitas vezes a gratificação do ensino primario, que é de 5$000 réis mensaes.

Porem a classe dos officiaes marinheiros, que desempenha cargos de responsabilidade, como são o de mestre de equipagem, que é o chefe de todo o estado menor de bordo, e o de primeiro contramestre, que é encarregado da beneficiação e limpeza de todo o navio, não tem gratificação alguma que sirva de compensação ao trabalho violento a que se vêem obrigados aquelles a quem são commettidas taes funcções para cabalmente as desempenharem, especialmente nos navios de maior tonelagem.

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6 DIARIO DÁ CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Por todas estas razões julgamos pois dever submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Os officiaes inferiores das 3.ªs e 4.ªs brigadas do corpo dê marinheiros da armada passam a ter prets e gratificações de readmissões perfeitamente iguaes aos das praças de igual graduação da 1.ª brigada e da classe dos sargentos do serviço geral.

Art. 2.° O vencimento mensal dos sargentos ajudantes e -equiparados das 3.ª e 4.abrigadas é fixado em 15$000 réis, quando no quartel, em serviço no Tejo ou desembarcados fora do quartel, em 16$500 réis quando embarcados nos outros portos do continente ou em viagem entre elles e em 18$750 réis quando fora dos portos do continente do reino.

Art. 3.° Os mestres ou contramestres que desempenhem o cargo de mestres de equipagem vencerão uma gratificação mensal de 4$000 réis no Tejo, e de 6$000 réis quando fora do Tejo.

§ unico. Os contramestres que exerçam as funcções de primeiro contramestre dos navios de mais de 1:000 toneladas terão a mesma gratificação.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

O Deputado, Alvaro Rodrigues Valdez Penalva.

Foi admittido e enviado ás ccmmissões de marinha e fazenda.

Projecto de lei

Senhores.- Convindo á Camara Municipal do concelho de Santarem transferir para a Caixa Geral de Depositos o seu debito á Companhia Geral de Credito Predial Português, no qual tem responsabilidades para com a mesma Camara a do concelho da Gollegã, temos a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É autorizada a Administração da Caixa Geral de Depositos a emprestar á Camara Municipal do concelho de Santarem a quantia de 90 contos de réis e á do concelho da Gollegã a de 34:922$000 réis ao juro de 5 por cento ao anno, pago aos semestres, com as prestações necessarias para que as operações fiquem amortizadas no prazo de 60 annos.

Art. 2.° O producto dos emprestimos será applicado a embolsar a Companhia Geral de Credito Predial Português e a Caixa Geral de Depositos da somma de que for credora á Camara Municipal de Santarem, devendo a da Gollegã contribuir para esse embolso com a quarta parte do credito da companhia.

Art. 3.° A Camara da Gollegã pagará integralmente o que deve á Camara de Santarem, encargos que provieram do arredondamento do respectivo concelho, nos termos do decreto de 4 de janeiro de 1896, e nesta divida comprehende o que. deve ao Credito Predial, e á Caixa Geral de Depositos, de identica proveniencia, com excepção da divida contrahida para a compra dos Paços do Concelho, cuja amortização termina em poucos annos.

Art. 4.° Os saldos dos emprestimos feitos e embolso indicado no artigo antecedente serão applicados a obras de utilidade municipal, approvadas pela estação competente se assim for necessario.

Art. 5.° O Governo fará separar do producto dos addicionaes pertencentes á camara a importancia das prestações semestraes que teem de ser entregues á Caixa Geral de Depositos.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, 21 de julho de 1909.= Manuel Antonio Moreira Junior = J. J. Isidro dos Reis = Antonio Rodrigues Ribeiro = Visconde de Coruche = Carlos Augusto. Ferreira.

Fui admittido e enviado ás commissões de administração publica e de fazenda.

Projecto de lei

Senhores.- O plano de instrucção naval de 5 de junho de 1903 no seu artigo 72.° diz que os demonstradores da Escola Auxiliar de Marinha ficarão ao serviço da escola até a sua promoção a capitães tenentes, bem como o ajudante instructor se tiver tirocinio para este posto; no § 1.° do artigo 32.° que um dos demonstradores de machinas é o demonstrador da Escola Naval e servirá de chefe dos serviços technicos. da ofiicina da escola.", e no quadro li que "a duração, do serviço de demonstrador de machinas da Escola Naval é até a promoção a maehinista sub-chefe".

Dá se o caso do maehinista demonstrador de machinas da Escola Naval ter sido promovido a machinista sub-ehefe por decreto de 28 de junho de 1909, e ter estado mais de 18 annos nessa commissão especial, pelo que lhe é applicavel o § 2.° do artigo 127.° do decreto de 14 de agosto de 1892.

Tendo de ser exonerado d'aquella commissão, não pode entrar no quadro e terá que ficar sempre como supranumerario.

E com a nomeação de outro maehinista, que ficará em commissão especial para desempenhar esse logar, dar-se-ha um aumento de despesa.

O serviço que este maehinista tem desempenhado na Escola Naval tem merecido do conselho de instrucção d'aquella escola as melhores referencias, e o ensino terá tudo a ganhar com a conservação d'este official naquelle logar.

Tenho a honra pois de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Ao actual demonstrador da Escola Auxiliar de Marinha e demonstrador da Escola Naval não é applicavel o disposto no artigo 72.° e quadro li do plano de instrucção naval de 5 de junho de 1903, não sendo limitado o tempo da sua commissão.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 28 de julho de 1909. = O Deputado, José C. Rebello.
foi admittido e enviado á commissão de marinha.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa dos projectos de lei n.ºs 77-A e 77-B que apresentei na ultima sessão: o primeiro concedendo á Camara de Santarem as ruinas do extincto Convento de Santa Clara para um bairro operario; e o segundo criando duas assembleias eleitoraes no Couço, Coruche, Casal do Ouro e Cartaxo. = Isidro dos Reis.

Foi enviado, o primeiro, á vommissão de administração, e o segundo á de fazenda.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Senhores. - É indispensavel garantir o Direito de votar aos eleitores, assegurando, por todas as formas, não só o exercicio desse direito como removendo as difficuldades que lhe possam servir de ofostaculo; a diminuição das distancias das assembleias eleitoraes e a sua multiplicidade contribuem efficazmente para esse resultado.

O circulo 18 (Santarem), um dos maiores do pais, pela sua enorme area, tem assembleias como a de Coruche, onde votam as freguesias de Santo Antonio de Couço, Santa Justa, Peso, Sant'Anna dos Matos e Lamarosa, que ficam na maior distancia a 42 kilometros e na minima a 24 kilometros.

Contam actualmente estas freguesias mais de 400 eleitores e portanto, nos termos da lei de 8 de agosto de 1901, em condições de constituir uma assembleia eleitoral, categoria que só em 1895 perderam.

No concelho do Cartaxo, onde as distancias são menores e a população muito mais densa, tambem a experiencia tem demonstrado, e as reclamações dos povos constantemente o exigem, que se façam duas alterações: a criação de uma assembleia eleitoral na freguesia ultimamente criada do Casal do Ouro e a transferencia da actual assembleia da Ereira para o logar da Lapa da mesma fre-

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guesia, ponto mais central, que já foi sede de freguesia, com "ampla igreja onde se podem celebrar os actos eleitoraes. A freguesia do Casal do Ouro tem igualmente perto de 400 eleitores e dista alguns kilometros, uns cinco, da sede do concelho.

Nestas circunstancias e por estes fundamentos, attendendo a que as alterações propostas não sacrificam legitimos interesses, antes satisfazem as aspirações dos povos da região ás que se trata, temos a honra de submetter ao vosso exame só seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São criadas duas novas assembleias eleitoraes no circulo 18 - Santarem - sendo uma no concelho de Coruche, em Santo Antonio do Couço, eomprehendendo esta freguesia e as de Santa Justa, Peso, Sant'Anna de Matos e Lamarosa; e a segunda no Casal do Duro, concelho do Cartaxo.

"Art. 2.° É transferida, no mesmo concelho, a assembleia eleitoral da Ereira para o lagar da Lapa, ponto muito mais centraL

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 26 de agosto de 1908. = Os Deputados, J. J. Isidro dos Reis = Manuel Antonio Moreira Junior = Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta.

Projecto de lei

Senhores.- Na cidade de Santarem, em um dos pontos mais culminantes, encontram-se, produzindo dolorosa impressão no animo dos seus habitantes é dos forasteiros que transitam por esta cidade os restos do Convento de Santa Clara, que a piedade de El-Rei D. Affonso em fundou no anno de 1259, e que actualmente se acha transformado em montes de caliças espalhadas pelo solo, tendo os materiaes de maior valor sido applicados a obras no quartel de artilharia n.º 3.

A camara municipal da mesma cidade, tendo em attenção as reclamações que lhe teem sido dirigidas, pretende fundar nos terrenos occupados por aquellas ruinas um bairro, de casas baratas e salubres para habitação das classes operarias ao alcance dos seus minguados salarios.

O alludido convento foi extincto pelo fallecimento da ultima religiosa, no anno de 1902, e cedido ao Ministerio da Guerra em 1903, para aproveitar os materiaes em obras no quartel militar, e acha-se demolido na maior parte, ficando de pé apenas a igreja, profanada e sem altares, servindo de deposito de forragens.

Nestas circunstancias pretende a mesma camara municipal que lhe sejam concedidas, e já entregues, as ruinas do convento, a fim de proceder brevemente aos estudos necessarios para a fundação do alludido bairro operario.

Em presença de tão humanitarios intuitos e com o fim de embellezamento da dita cidade, parece-nos inutil addicionar novos argumentos para justificar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São concedidas á Camara Municipal de Santarem as ruinas do extincto Convento de Santa Clara, com as suas dependencias, comprehendendo as cercas e edificios annexos, para ahi fundar um bairro de casas baratas e salubres para habitação de operarios.

Art. 2..° Fica revogada ,a legislação em contrario.

Sala das sessões, 27 de agosto de 1908. = J. J. Isidro dos Reis = Manuel Antonio Moreira Junior.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

O Sr. Presidente: - Vae realizar-se o aviso previo do Sr. Brito Camacho ao Sr. Ministro da Guerra sobre a expulsão da Escola do Exercito do alumno Eduardo Augusto Falle Ramalho, é se crescer tempo darei a palavra aos Srs. Deputados que ta pedirem para antes da ordem do dia para tratarem de assuntos de interesse geral.

Eu dou a palavra ao Sr. Deputado Brito Camacho, preterindo alguns Srs. Deputados em virtude do convite que

ha dias dirigi aos Srs. Deputadas quê tenham annunciado avisos previos aos Srs. Ministros da situação transacta.

O Sr. Brito Camacho: - Segundo o artigo 95.° do regulamento da Escola do Exercito, os alumnos d'aquella escola teem de dar provas da sua aptidão physica, moral e intellectual para o exercicio das funcções militares, o que muito bem se comprehende, mas tem o inconveniente de quando o alumno é ciscado d'essa escola nlo se saber por qual dos tres motivos o foi, o que lhe pode acarretar graves difficuldades depois na vida civil.

Reputa o facto da maior gravidade, por isso levanta á questão no Parlamento. Não quer irrogar censura ao conselho da Escola do Exercito, mas o que deseja é que esta iniquidade não continue a figurar no regulamento da escola.

Com o alumno Faller Ramalho, que foi riscado do quadro dos alumnos, dão-se as seguintes circunstancias. Foi alumno distincto em preparatorios, pois no Lyceu passou sempre com distinção e depois na Universidade fez com a maxima regularidade os seus exames de mathematica, ficando classificado o segundo do seu curso. Pelo que respeita portanto a capacidade intelleetual parece-lhe que deu sobejas provas d'ellas? E isto representa alguma cousa num alumno desprotegido, pois era fiiho de um major fallecido ha annos e fez o seu curso devido á benemerencia de uma senhora de Evora, a viuva do Sr. Eduardo Barahona, que na sua vida conta factos altruistas d'esta natureza.

Quanto á capacidade physica este alumno foi á inspecção a cavallaria 5, que o considerou apto para ,o serviço, e depois ajunta de inspecção da Escola do Exercito, que igualmente reconheceu as condições de robustez necessarias para o serviço militar.

Verificado portanto que este alumno reunia as condições de capacidade physica e intelleetual para o serviço militar, resta apenas ver se lhe faltavam as de capacidade moral.

Ora este alumno, tanto no regimento como na Escola do Exercito, e ainda nas aulas que frequentou, nunca soffreu um castigo, nem uma d'essas advertencias que, por se referirem a faltas de caracter leve, não são registadas. Não foi tambem por falta de capacidade moral que esse alumno foi riscado.

A que attribuir portanto á sua exclusão?

Pode dizer-se que teve uma classificação baixa em gymnastica, mas ainda assim obteve os valores sufficientes para passar, e não o minimo, porque alcançou 11 2/2 e o minimo é 10. Alem d'isso, tanto ha benevolencia neste ensino que ao alumno reprovado em gymnastica na primeira epoca é permittido repetir o exame em outubro, ficando no intervallo sujeito a um ensino especial, e repeti-lo ainda no anno seguinte, se tanto for necessario.

Não quer, como já disse, irrogar censuras ao Conselho da Escola; o que desejava apenas era que se reparasse o que reputa uma grave injustiça.

Este alumno já não pretende seguir a vida militar, o que não queria é que pudesse pesar sobre elle a suspeição de que fora excluido por falta de capacidade moral, porque na vida civil a que queira dedicar-se isso b pode prejudicar bastante.

Comprehende que o conselho da escola julgue das aptidões physicas, intellectuaes e moraes dos alumnos para as funcções de official, mas o que entende é que o conselho nos casos de exclusão devia passar um documento em que a motivasse.

Não sabe até que ponto este facto pode ser reparavel, mas, se o puder ser, está certo de que o Sr. Ministro da Guerra o fará, e no caso contrario providenciará para que de futuro estes casos se não possam repetir.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Ministro da Guerra (Elvas Cardeira): - O illustre Deputado Sr. Dr. Brito Camacho disse que o alumno Fallé Ramalho fora expulso da Escola do Exercito. A expulsão, quer seja temporaria, quer seja definitiva, é uma pena applicada pelo conselho de disciplina da escola.

Não foi o caso que se deu com o alumno Fallé Ramalho. Foi um jury constituido nos termos do artigo que S. Exa. citou e do qual faz parte o commandante, o segundo commandante, quatro lentes de cadeiras determinadas e o commandante da companhia do alumno. Esse jury verifica se o alumno tem ou não as condições precisas para ser official; pode ser muito intelligente, pode ter um physico magnifico, pode ter magnificas qualidades moraes, mas pode ser um indolente, não ter iniciativa para o commando ou faltar-lhe qualidades pelas quaes elle não deva ser um official.

Ora esse jury, tomando em conta a opinião do medico da escola, tem obrigação de passar mensalmente uma inspecção medica a cada um dos alumnos dos cursos militares, participar por escrito ao commandante o resultado desse exame individual e fazer todas as indicações que tenha por convenientes acêrca do regime e do trabalho a que os alumnos estão submettidos.

O jury tem ,que tomar em consideração o comportamento de cada alurnno, as provas escolares dadas durante o anno e mais...

(Leu).

Depois vota em escrutinio secreto sobre a aptidão do alumno para official.

É simplesmente sobre a aptidão militar que este jury tem que dizer da sua justiça; não vae dizer se o alumno não tem aptidões moraes ou physicas, se é ou não é intelligente, e diz somente que não tem aptidão militar, e, nestas condições, o conselho da Escola do Exercito, estou plenamente convencido, não terá duvida nenhuma em dizer que o alumno foi separado do serviço na escola por não ter aptidão militar. Isto parece-me que não envergonha ninguem.

Não será muito conveniente este artigo do regulamento; eu francamente não sympathizo com o escrutinio secreto (Apoiados); não sympathizo com isto e se puder modificá-lo, fá-lo-hei, mas o caso do alumno Fallé Ramalho parece-me que é uma cousa que está liquidada.

Com respeito á prova de gymnastica, ella não vem para o caso, e as considerações que S. Exa. fez referem-se ao segundo anno, e este artigo refere-se ao primeiro anno, antes de se fazer exame.

(Aparte do Sr. Brito Camacho).

O Orador: - Não conheço o alumno, não sei quem é, mas provavelmente não lhe encontraram aptidões para ser official; mas, repito, não sympathizo com este artigo.

O Sr. Presidente: - Como a hora vae um pouco adeantada, parece-me que não ha tempo para se realizar outro aviso prévio.

Vou portanto aproveitar este resto de tempo para dar a palavra aos Srs. Deputados que a pedirem para antes da ordem do dia.

Tem em primeiro logar a palavra o Sr. Telles de Vas-concellos.

O Sr. Telles de Vasconcellos: - Sr. Presidente: o Sr. Dr. José Osorio da Gama e Castro, que não tem podido comparecer ás sessões por falta de saude, pede-me que eu apresente a V. Exa. e á Camara um projecto de lei, que tambem subscrevo, em que a Camara Municipal do concelho de Gouveia solicita autorização para negociar com a Companhia de Credito Predial um emprestimo que, englobando os emprestimos por aquella camara municipal já feitos em differentes épocas com aquelle Banco, lhe permitta regularizar o seu orçamento, por circunstancias impossiveis de prever, desequilibrado.

As razões que a Camara Municipal de Gouveia tem para justificar este pedido vêem largamente expostas no relatorio que antecede o projecto e parecem-me de todo o ponto justas. Desilludida da esperança, que por muito tempo manteve, de que o Estado lhe pagasse o terço do dinheiro pela camara gasto em construcção de estradas; vendo-se repentinamente privada das receitas que as pastagens na Serra da Estrella lhe proporcionavam, porque os povos da serra recusam-se absolutamente a pagar as rendas á camara das pastagens que usufruem, e pela pobreza em que se encontram seria deshumano coagi-los a pagamento, a Camara Municipal de Gouveia viu assim diminuir sensivelmente por um lado as suas receitas e perdeu tambem a esperança de receber o dinheiro que do poder central esperava.

D'ahi o desequilibrio do seu orçamento, que o presente projecto visa regularizar, pois, alongando é prazo de amortização do novo emprestimo, diminuem em valor as quantias que annualmente tem a pagar ao Credito Predial como amortização. E isto bastaria para que no seu orçamento as receitas possam fazer face ás despesas;

Como V. Exa., porem, sabe, é sempre morosissimo o trabalho das commissões parlamentares; e tão moroso que certamente ellas não nos dariam ainda nesta sessão o seu parecer sobre o projecto que tenho a honra de enviar para a mesa. E a camara de Gouveia precisa absolutamente que elle seja convertido em lei para bem da administração regional.

Por esta razão, pedia a V. Exa. que consultasse a Camara sobre se dispensava o regimento, para que este projecto entrasse immediatamente em discussão.

Já que estou com a palavra, renovarei a iniciativa de um projecto de lei que foi apresentado á Camara em 1907 e subscrito por differentes Srs. Deputados, que diz respeito á reorganização do Observatorio Meteorologico Infante D. Luis.

Deve dizer, no entanto, a V. Exa. que o faço por descargo de consciencia e sem esperança alguma de que a respectiva commissão se digne sobre elle formular parecer.

Eu sei bem, Sr. Presidente, que nesta Camara não ha iniciativa individual, porque as commissões parlamentares sem estudo prévio, sem o menor criterio de selecção, sequestram todos os projectos pelos membros desta Camara apresentados, lançando indistinctamente sobre todos a ex-communhão maior do seu maior desprezo.

Eu sei, infelizmente, bem que assim é.

Antepõem se assim as commissões á Camara, porque são ellas que decidem dos projectos á Camara apresentados. (Apoiados). Mas a Camara supporta essa invasão dos seus poderes, e não serei eu que lhe negue esse direito.

Resta-me tambem o direito de protestar,, direito de que usarei sempre, para estigmatizar este proceder das commissões, que usam de processos pouco regulares invadindo de facto, antes que indirectamente, poderes que só á Camara competem.

As gavetas das illustres commissões estão pejadas de projectos que á Camara foram apresentados e que a Camara lhes enviou para sobre elles darem os seus pareceres, em conformidade com o regimento d'esta Camara.

As commissões recebem os projectos e nunca mais pessoa alguma os vê. (Apoiados).
Tornam-se assim as commissões parlamentares em simples chancellas da iniciativa governamental; e parecem muito satisfeitas com o papel que desempenham. (Apoiados).

E chama-se a isto regime parlamentar! E chama-se a isto soberania nacional! Que sarcasmo e que irrisão!

Ouço no entanto aqui falar muitas vezes no respeito e no prestigio em que é preciso envolver as instituições parlamentares. Não sei porem como se possa impor esse res-

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peito, se nos mesmo nos desrespeitamos. O respeito não se impõe, conquista-se. E não podemos pensar em querer o respeito dos outros sem a nós mesmos nos respeitarmos. (Apoiados).

Com certeza não é a melhor forma de conquistar para esta instituição o respeito do país, nem a melhor maneira de lhe aumentar o prestigio, estando constante e persistentemente as commissões parlamentares a passar attestados de incompetencia a cada um dos seus membros, pois de outras maneira se não pode traduzir, para o espirito publico, esta sequestracão feita pelas commissões dos projectos apresentados á Camara pelos differentes Srs. Deputados. (Apoiados). A Camara, porem, parece achar bem. Está no seu direito. Eu não me conformo e protesto contra este estado de cousas, que acho degradante para a dignidade individual dos membros d'esta casa do Parlamento. (Apoiados).

Lanço assim a agua do meu capote, não subscrevendo, com o meu silencio, a esta complacencia da Camara, que por todos os pontos de vista acho lamentavel. (Apoiados). Passando a falar do projecto de que renovo a iniciativa, eu devo dizer que elle devia merecer a attenção da respectiva commissão, se neste país a questão scientifica pudesse merecer alguma attenção dos poderes publicos.

Instituido por uma dotação particular em 1854, o Observatorio do Infante D. Luis ainda não teve uma lei organica.

Só esta circunstancia seria bastante para tornar o projecto attendivel, antes que não fosse senão em principio. É o arbitrio dos differentes homens que passam pela pasta .dos Negocios do Reino que governa aquella instituição.

Como poderia subsistir este instituto na situação que conseguiu, mercê dos esforços dos seus observadores, conquistar um logar primacial entre os seu congéneres estrangeiros, desde que quem nada conhece do assunto se permitte a ter opinião no que nada entende? A derrocada era inevitavel. Succedeu o que era impossivel não acontecer.

Emquanto foi vivo Brito Capello, o Observatorio do Infante D. Luis teve de facto, senão de direito fundado em qualquer diploma, uma verdadeira autonomia. Como seu dignissimo director que era, Brito Capello, pejo seu caracter, pelo seu saber, pela respeitabilidade do seu nome, impediu de facto a intervenção estranha. É por elle dirigido, o Observatorio do Infante D. Luis conseguiu uma situação primacial entre os seus congeneres no estrangeiro. Á sua morte foi o principio da decadencia d'este instituto scientifico. O que a respeitabilidade no nome de Brito Capello pode evitar em vida não o conseguhi o interesse scientifico sustentar depois do seu desapparecimento.

A questão scientifica foi. completamente desde então descurada. Direi a V. Exa., para seu pasmo e nossa vergonha, que desde o estabelecimento da tracção eléctrica em Lisboa os magnetographos não podem trabalhar, querendo isto dizer que quarenta annos de trabalhos constantes ficam coitipletamente inutilizados, vendo-se assim o observatorio na vergonhosa situação de não saber o que ha de responder ás perguntas que lhe dirigem os observatorios estrangeiros, porque os seus observadores ou teriam de dar uma resposta, que era vergonhosa para o nosso país - a de que os trabalhos magneticos se achavam paralysados por uma condemnavel incuria dos poderes publicos; ou, o que representava uma mentira e que feria os seus brios de funecionarios - que os trabalhos não se achavam feitos por negligencia sua.

E esta a triste e dolorosa situação em que nos collocamos perante o estrangeiro, que a estas questões presta attenções especiaes.

Para dar a V. Exa., Sr. Presidente, uma ideia do estado de desleixo com que assuntos d'esta ordem são trata

dos em Portugal, basta que eu diga a V. Exa. que. ainda não foi possivel no espaço de sete annos construir-se um barracão para onde se mandassem os apparelhes magneficos.

Para o que se olhou attentamente e com cuidado foi para os logares vagos no observatorio. O que se pretendeu desde a morte de Capello foi pôr o Observatorio, como uma dependencia da Escola Polytechniea - como e isso não fosse um contrasenso! O que se desejou e conseguiu é que o logar de director do observatorio ficasse apanágio do professor de physica da Polytechnica - orno se isso não fosse scientificamente uma deshonestidade.

Não vejo presente o Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino, porque eu queria perguntar-lhe a elle, que é professor de uma escola superior; a elle, a quem não são estranhos estes assuntos, se honestamente se pode commulativamente desempenhar o logar de professor de mysica numa escola polytechnica - dada a evolução desta sciencia, o que demanda um aturado estudo de todos os dias, a quem queira ser um verdadeiro professor - e o de director de um observatorio meteorologico e magnetico que, como elemento plástico de todos os trabalhos ali feios e como o responsavel por todas as conclusões a tirar desses trabalhos, é obrigado a um constante trabalho e uma assistencia, não direi só de todos os dias, mas com verdade se pode dizer de quasi todas as horas. (Apoiados).

Não está presente o Sr Ministro do Reino, mas nós falaremos, neste assunto, noutra qualquer occasião, que se1 me afigura não virá longe.

Sr. Presidente: vou terminar as minhas considerações accentuando mais uma vez o meu protesto contra o proceder das commissões parlamentares e o meu pesar por ver a sujeição da Camara a esta extorsão dos seus direitos- o que diga-se em verdade não lhe dá respeito, nem prestigio.

Disse.

O Sr. Presidente: - V. Exa. manda para a mesa o seu requerimento?

O Sr. Telles de Vasconceilos: - Vou mandar.

O Sr. Presidente: - Vou mandar ler o projecto de lei para ser consultada a Camara sobre a urgencia. Foi lido na mesa.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento mandado para a mesa pelo Sr. Deputado Telles de Vasconcellos.

Lido na mesa foi approvado.

O Sr. Presidente: - Em vista da deliberação da Camara, vae ler-se para entrar em discussão o artigo 1.° do projecto.

Lido na mesa é approvado sem discussão, assim como o artigo 2.°

O Sr. Rodrigues Ribeiro: - Peço a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente: - O pedido de palavra para requerimento não prefere os oradores inscritos.

Vae dar conta á Camara de ter recebido um officio da Presidencia da Camara, dos Dignos Pares do Reino, enviando a mensagem que acompanha a proposição de lei que autoriza a repetição de exames em outubro a alumnos reprovados em determinadas circunstancias.

Foi mandado enviar á commissão de instruccão secundaria.

Tem a palavra o Sr. Macedo Ortigão.

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10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Macedo Ortigão: - Como só agora me chega a palavra, só agora posso dirigir unias perguntas ao Governo acêrca de umas transcrições publicadas ha tempos pelo Século do jornal italiano Corriere della Sera, sobre uns casos ha tempos occorridos em Milão, provenientes de intoxicação pelo atum português.

V. Exa. vê bem a gravidade destas noticias, porque ou se trata de um caso de chantage, afim de desacreditar o atum português no mercado de Italia, ou, no caso contrario, recaem as suspeitas em todos os fabricantes, se o Governo não tomar as providencias que o caso requer.

Sr. Presidente: No Algarve a pesca do atum orça actualmente por quatrocentos e tantos contos de réis, e é quasi todo absorvido pela Italia.

V. Exa. vê bem quanto esta noticia, a ser verdadeira, pode prejudicar a economia da provincia e portanto a economia do país.

Logo que vi esta noticia publicada no Seculo, tratei de avistar-me com o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, e S. Exa., o que não era de estranhar, já tinha dado as suas ordens afim de apurar toda a verdade, mas não tendo tido occasião de avistar-me novamente com S. Exa., e sendo minha opinião que um caso de tanta gravidade deve ser conhecido pela Camara e pelo país, eu aproveito a occasião para fazer umas perguntas ao Governo.

Primeira: se as noticias publicadas no Corriere della Sera são ou não verdadeiras?

No caso contrario, quaes foram as medidas que o Governo adoptou para repellir este novo processo de chantage.

E sendo verdadeiras, qual o fabricante ou fabricantes, que enviaram para Italia esse atum avariado; e quaes as medidas que o Governo tenciona empregar para evitar que factos como este, que nos desacreditam lá fora, se repitam?

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Roma du Bocage): - Folgo muito em poder dar conhecimento a V. Exa. e á Camara das providencias que o Governo tomou.

Dias depois do actual Ministerio subir ao poder, veio publicado no Seculo que o Corriere della Sera, de Milão, se referia ao facto de ter havido intoxicações em mais,de um ponto, designadamente em estabelecimentos de caridade. O caso era grave e o primeiro ponto que era necessario averiguar era se fora verdadeiro ou não o facto da intoxicação; segundo, se era ou não português o atum a que se attribuia a intoxicação,; depois disso, qual a marca e qual a provincia de Portugal a que pertencia o atum a que se attribuia os casos de envenenamento.

Dei ordem á nossa legação para que fizesse a este respeito o mais apertado inquerito que os nossos meios permittissem, e as informações que obtivemos de Milão e de Roma não foram agradaveis para nós.

Não podia haver a mais pequena duvida de que as intoxicações se tinham dado, e de que tinha havido victimas devido ao atum de origem e proveniencia portuguesa.

É claro que, desde o momento em que não podia haver duvidas de que o facto se tinha dado, eu não podia de forma alguma protestar contra essa afirmação que era verdadeira, e assim qualquer reclamação seria da minha parte um contrasenso.

O que era, pois, necessario fazer? Era preciso conhecer exactamente as condições em que o facto se tinha dado; sé uma só ou mais de uma marca fabricadora de atum de conserva tinha dado Jogar ás intoxicações.

Ora, para apreciar exactamente as causas dessas intoxicações, pedi que, logo que o Governo Italiano tivesse todas as informações relativas á propria causa que dera logar a estes factos, nos fosse enviado, quer pela nossa legação, quer pela legação de Italia em Lisboa, amostras tanto quanto possiveis proximas do atum que tinha produzido aquelles casos.

Perguntou S. Exa. quaes eram as marcas a que pertencia esse atum.

Eu posso fornecer esses documentos, podia dizer os nomes que são citados, quer na correspondencia entre a legação de Italia em Lisboa, quer entre o nosso Ministro em Roma e o Ministerio; mas não quero citar de memoria, porque citando de memoria arriscar-me-hia a errar.

Porem, não tenho duvida nenhuma em fornecer ao illustre Deputado particularmente, ou mesmo publicamente, a lista completa d'essas marcas.

Teria trazido essa lista sé soubesse duas horas mais cedo que o illustre Deputado desejava interrogar-me sobre este assunto; mas só o soube quando parti para as Cortes, e assim nem tempo tive para pedir á Direcção competente que me facultasse essa lista.

O Sr. Macedo Ortigão: - Trata-se apenas de um ou dois fabricantes?

O Orador: - Posso dizer a S. Exa. que são varios.

O Sr. Presidente: - Previno S. Exa. que faltam 5 minutos para se passar á ordem do dia.

O Orador: - Creio que em 5 minutos posso dizer o que me resta.

V. Exa. e a Camara sabem quanto são morosos os trabalhos de investigação, mas. logo que eu receba as latas de atum que tanto pela legação de Italia como pela de Portugal me são enviadas eu as mandarei ás estações competentes.

Devo dizer que da legação de Italia em Lisboa, como do Governo Italiano, tenho recebido provas da mais completa deferencia, e encontrado o maior desejo de se pôr a limpo esta questão que interessa largamente a nossa industria.

Devo ainda declarar que uma remessa de 400 caixas de atum dirigida para a Italia encontrou difficuldades em ser admittida pelo publico; porem, segundo communicação, que recebi, essas difficuldades já foram removidas.

Pedi que se me communicasse o facto por meio de um documento, não um simples memorial, mas um officio que me pudesse esclarecer. Claro está que quando chegou o documento já o Governo Italiano tinha providenciado para se averiguar da veracidade do facto.

Não bastava isto. Necessario se tornava que nos desse-mos garantias aos importadores de atura de que elle em Portugal era fabricado com meticuloso e especial cuidado. Era necessario que, não pelo meu Ministerio, mas pelo Ministerio das Obras Publicas, se procedesse a rigoroso inquerito. Este inquerito era decerto muito agradavel para a industria.

Ha sem duvida occasiões em que pode dar-se uma deterioração do atum, que muitas vezes se manifesta sem conhecimento dos fabricantes e foi naturalmente o facto que se deu. Muitas vezes as deteriorações são estranhas ao fabrico. Seria devido a este facto o que se deu? Eu creio que sim.

Se as averiguações a que se procede fossem taes que nos pudessem esclarecer qual foi a origem do facto, isso seria muito para louvar, porque pode ser mesmo que o atum se deteriorasse na propria occasião em que foi apanhado, ou as latas ficassem expostas ao sol, ou, emfim, de qualquer maneira que excluisse proposito de illudir o commercio.

Mas por emquanto pouco se pode dizer a este respeito, porque eu não tenho ainda os resultados do inquerito offi-

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ciai a que se procede na Italia, e estou absolutamente convencido de que a legação d'aquella nação nos transmittirá, logo que as tenha, novas informações. É muito para agradecer e elogiar o proceder da legação italiana, que no espaço de vinte e quatro horas nos tem informado de tudo quanto se tem passado, com um zelo, com um meticuloso cuidado que é muito, para elogiar e agradecer.

O Sr. Ministro das Obras Publicas tem-se occupado d'este assunto activamente, e a inspecção industrial tem-nos affirmado que nos podemos dar todas as garantias de que somos meticulosos na preparação do atum.

Agradeço muito ao illustre Deputado o ter-me dado occasião de lhe responder immediatamente e é para mim muito agradavel fazê-lo, demais a mais tendo só a transmittir-lhe considerações que são da mesma maneira para agradar.

Direi mais ainda que estou convencido de que o inquerito a que se tem procedido ha de demonstrar que não era possivel evitar o facto que se deu.

É possivel que o atum não tivesse sido preparado em boas condições.

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. que faltam apenas dois minutos para passarmos á ordem do dia.

O Orador: - Vou terminar já.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, pode V. Exa. continuar o seu discurso.

O Orador: - Bastam apenas dois minutos ou mesmo um so.

De ordinario as latas do atum apresentam um sinal exterior, o que parece ser devido ao desenvolvimento de gazes, quando estão deterioradas. Eu procurei indagar se entre as latas apprehendidas, havia alguma nestes casos. A resposta foi que essas latas não apresentavam sinal nenhum exterior.

O que effectivamente se sabe é que foi o atum que determinou a intoxicação.

E tudo quanto posso dizer ao illustre Deputado.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Macedo Ortigão: - Simplesmente para agradecer ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros a resposta que acaba de dar-me.

O Sr. Presidente: - Declaro que se vae passar á ordem do dia e que os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa o podem fazer.

O Sr. Visconde de Coruche: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro me seja fornecida pelo Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria nota dos documentos, autos levantados ou quaesquer outros que porventura ali existam, e que digam respeito a transgressões á lei que se refere á suspensão da plantação, de vinhas. = Visconde de Coruche.

Mandou-se expedir.

O Sr. Costa Silveira: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que pelo Ministerio das Obras Publicas me seja enviada uma copia de qualquer despacho que, desde 1906, exista nos livros da porta sobre requerimentos de José Maria Parreira Junior, com indicação da pagina, mês e anno do respectivo lançamento do despacho no referido livro que serve para o conhecimento publico. = Antonio Rodrigues Costa da Silveira.

Requeiro que, com urgencia, pela Repartição de Expediente do Ministerio das Obras Publicas me seja enviada uma nota do numero de requerimentos, com data de entrada e expediente que tiveram, deitados na caixa d'aquella secretaria de Estado desde 1906 por José Maria Parreira Junior. = Antonio Rodrigues Costa da Silveira.

Requeiro que, com urgencia, pelo Ministerio das Obras Publicas me seja enviada uma copia do officio n.° 7984, presente ao Conselho Superior de Obras Publicas e Minas pelo Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro do Estado. = Antonio Rodrigues Costa da Silveira.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Manuel Fratel: - Mando para a mesa a seguinte

Nota de interpellação

Desejo inierpellar o Governo acêrca da projectada reforma do Ministerio dos Negocios Estrangeiros. = Manuel Fratel.

Mandou-se expedir.

O Sr. Pereira de Lima: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que me seja communicado para esta Camara se no inquerito á policia sanitaria realizado pelo Illmo. Sr. Almeida Serra foi ouvido o inspector geral da policia administrativa, como principal responsavel dos actos da sua repartição, e, no caso de ter havido contestações por parte deste empregado superior da policia, que me seja enviada copia da sua contestação nas respostas aos quesitos do referido inquerito. = O Deputado, José Maria Pereira de Lima.

Requeiro que me seja enviada, com urgencia, copia das instrucções que foram dadas aos commandantes dos navios de guerra actualmente encarregados de fiscalizarem a pesca da lagosta, desde, o Cabo da Roca até o Cabo Mondego, e outrosim, de fazerem respeitar, pelos barcos de pesca estrangeiros a linha das nossas aguas territoriaes. = José Maria Pereira de Lima.

Mandaram se expedir.

O Sr. Pereira de Magalhães: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, com urgencia, pelo Ministerio do Reino, me seja enviada copia dos éditos que se dizem ter sido affixados pela administração do concelho de Tavira, convocando todos os individuos que se acham com direito, a reclamar por falta de pagamento de jornaes, materiaes, adjudicações de obras e sua liquidação, dos Caminhos de Ferro do Estado.

Nota do dia em que esses editos foram affixados; copia da correspondencia trocada entre as autoridades com alçada para promover e effectuar o facto.

Nota das folhas do livro de entrada em que se acha o respectivo registo e nota do registo anterior e posterior.

Nota das reclamações apresentadas e satisfação que tiveram. = João Pereira de Magalhães.

Mandou-se expedir.

O Sr. Presidente: - Antes de passarmos á ordem do1 dia, vou pôr á votação a proposta de additamento mandada para a mesa pelo Sr, Deputado Lourenço Cayolla:

"Proponho que. ao artigo 28.° se acrescente o seguinte paragrapho:

As instituições de beneficencia, organizadas nos termos

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precisos da lei, e especialmente as misericordias, ficam autorizadas a collocar até a quarta parte dos fundos que de futuro vierem a adquirir em empresas ou companhias que se venham a constituir ao abrigo da presente lei. = O Deputado, Lourvnco Cayolla.

Foi admittida á discussão.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 45 Construcção de casas baratas

O Sr. Conde de Azevedo: - Manda para a mesa a seguinte

Requerimento

Requeiro que V. Exa. consulte a Camara sobre se permitte que sé vote este artigo e se discutam os seguinte e votem sem prejuizo das emendas que devem ir á commissão. = O Deputado, Conde de Azevedo.

Approvado ente, requerimento, foram successivamente lidos e approvados sem discussão os artigos 4.° a 27.° de projecto.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se para entrar em discussão o artigo 28.°

(Leu-se na mesa).

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Brito Camacho:-Para tranquilizar a Camara, declaro que não faço um discurso; o que havia a dizer sobre casas religiosas por parte da minoria republicana já foi dito pelo meu illustre collega Sr. João de Menezes, e o que havia de dizer sobre casas operarias foi dito, e muito bem, por todos os oradores que tomaram parte neste debate.

Sr. Presidente: o Sr. Caeiro da Matta, a primeira vez que falou sobre o projecto, foi um pouco da minha opinião, resalvando, é claro, todo o respeito que tenha pelo caracter de todos os membros que fazem parte da commissão. Em todo o caso S. Exa. concordou com a contextura do projecto, que tinha sido feito expressamente para fazer passar o artigo 28.°

Sr. Presidente: quasi me limito a fazer declarações. A minoria republicana considera subsistente toda a legislação que diz respeito a congregações religiosas anterior ao decreto de 1901 (Apoiados); quer dizer que, se amanhã constituirmos Governo, as congregações religiosas serão para todos os effeitos consideradas sem existencia legal, a despeito desse decreto, e, se a tivessem, deixariam de tê-la.

Estranhei muito que outro dia se falasse em tolerancia por parte dos elementos monarchicos da Camara e se falasse da intolerancia dos republicanos numa Camara que me obriga a mim, livre pensador, a fazer um juramento mentiroso por que hei de respeitar0 a religião do Estado, e me obriga a mim, republicano, a fazer um juramento mentiroso porque hei de respeitar o Chefe do Estado. De resto, Sr. Presidente, estou aqui por mera tolerancia da Camara? Não. Estou aqui para não prejudicar os meus eleitores queime mandaram ao Parlamento, e tive de desempenhar uma parte nessa comedia que se chama juramento.

Isto não resalta de uma interpretação habilidosa nem sequer intelligente d'este decreto.

Mas não se dá existencia legal a um documento que por si só representa uma illegalidade.

A Camara não pode reconhecer a legalidade do decreto de 1901.

A Camara conhece o relatorio d'esse decreto em que sé diz que estava em vigor toda a legislação que tinha abolido as congregações religiosas, e que se ellas existiam era contra a lei expressa e fora do conhecimento das estações officiaes.

Então o que se fez? Aquillo que não se devia fazer.

Devia constatar-se a existencia d'essas congregações religiosas, e applicar-se-lhe a lei em vigor. Mas fez-se o contrario.

Não era necessario esse decreto para beneficiar as associações e as misericordias. O beneficios existiam e estavam fora d'elles as congregações religiosas. Mas foram ellas que passaram a gozá-los com esse decreto.

Sr. Presidente: como posso eu, Deputado republicano, deixar passar, sem protesto, o artificio habilidoso deste artigo 28.° e deixar sem protesto que o decreto de 1901 é legal?

Dito isto, Sr. Presidente, permitta-me que ligeiramente traduza tudo que se tem passado com este projecto que discutimos.

Tem visto V. Exa. que ninguem se levantou para defender este projecto, que era da iniciativa do Presidente do Conselho, que ainda não ha muito estava á frente do Governo e que tinha maioria que o apoiava o Sr. Ferreira do Amaral, que tinha Deputados devotados da sua politica particular.

Pois V. Exa. vê que este projecto é de tal modo indefeso que ninguem o defendeu.
Não entendo como um projecto tão atacado, e sem ninguem o defender, possa ser approvado por esta Camara.

Eu não entendo nada de metaphysica parlamentar, mas quer-me parecer que, approvado o texto d'este projecto, fica prejudicada qualquer emenda que o altere substancialmente.

Ha tambem a notar, a proposito d'esta discussão, que ainda ninguem da parte do Governo se levantou para dizer qualquer cousa a respeito deste projecto.

Pode dizer-se que o Governo não tem responsabilidades neste projecto, que o encontrou na sua bagagem, mas é um enjeitado que o Governo adoptou por não ter filhos legitimos, pois que o Parlamento está aberto desde o dia 19 e não havia nada para discutir.

Se o projecto é mau pela sua doutrina, merece que se façam declarações.

Desejaria ouvir o que d'elle pensa em materia politica e social o Sr. Presidente do Conselho; desejaria ouvir o Sr. Ministro da Fazenda sobre o que pensa sobre o auxilio que pode prestar e desejaria ouvir o Sr. Ministro da Justiça sobre a interpretação que S. Exa. dá ao artigo 28.° e sobre a legalidade do decreto de abril de 1901.

Como V. Exa. vê, Sr. Presidente, os pontos de doutrina são estes, que não devem nem podem ser desdenhados por um Ministro da Coroa.

Ficaria muito bem que o Sr. Ministro da Fazenda dissesse, que, para o seu espirito liberal, tudo quanto representa uma habilidade ou uma trama para ferir os decretos liberaes não teria acquiescencia do seu voto.

Mas como se apenas de bagatelas se tratasse, como se tudo isso valesse cousa nenhuma, nem pela pasta da Fazenda, nem pela pasta da Justiça, á qual o projecto diz respeito no tocante a materia social, se diz cousa alguma.

Sr. Presidente: é sobretudo lamentavel que esta discussão, tão longa e esteril, proviesse de se não querer regular disposição do regimento (Apoiados), porque se a Camara, não considerando a minha qualidade de Deputado republicano, fizesse com que este projecto fosse retirado da discussão, nós não teriamos, perdido tantas sessões e evitariamos este desastre da Camara ter approvado um texto do projecto, que todos reconhecem como mesquinho.

É verdade que a Camara dessa maneira ganha alguma ousa, mas o Governo é que nada ganharia. (Apoiados). Esta é a historia d'este projecto. Com aprazimento do Governo e dos seus amigos, esta

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discussão tem-se protrahido, mostrando perante o publico a perfeita vacuidade dos trabalhos parlamentares.

(O orador não reviu).

O Sr. Sergio de Castro: - Sr. Presidente, quando pedi a palavra cuidava que já se estava na discussão do artigo 29.°, tão rapida, a vapor, tem decorrido a discussão. Mas, ouvindo o Sr. Brito Camacho, vi que me enganei: ainda se discute o artigo 28.°

Mas como se trata de um additamento, creio que não atropelo a discussão, apresentando o desde já. Serão muito poucas as palavras que pronunciarei, e essas mesmas provocadas pelo facto da mesa me interrogar se me inscrevia contra ou a favor. E eu disse a favor, unicamente para o facto de me seguir ao orador que estava falando; porque de resto, tanto me podia inscrever a favor coroo contra. Por outra, obedeci ao preceito regimental, que sempre ha de existir, como sendo mais um convencionalismo necessario, por não haver, neste caso, melhor forma de em regra geral regular as discussões.

É claro que em principio eu sou a favor da construcção das casas baratas, para aquelles que d'ellas verdadeiramente necessitem, e independentemente da classe que occupem na chamada sociedade (Apoiados); mas na hypothese do projecto em discussão, sou contra elle, porque é confuso, difuso, mal redigido, sem aquella precisão e clareza que seria para desejar em diplomas d'esta ordem.

Mas se na propria Italia, como aqui se disse, se na propria Italia, onde as leis revestem um grande caracter de perfeição, parecendo que ainda reflectem a precisão eternamente modelar da legislação romana, já hoje se considera deficiente o que a este respeito se considerou melhor, é caso para dizermos, fora de todo o espirito de politicas: legislemos alguma cousa, que é urgente, esperando do tempo e da experiencia o possivel aperfeiçoamento.

Isto posto, vou mandar para a mesa o meu additamento, que creio justificar-se plenamente pelos seus proprios termos:

É o seguinte:

Proposta

Art. 30.° Os proprietarios que, pelas matrizes em vigor nas cidades de Lisboa e Porto, tiverem o rendimento collectavel, por predios urbanos, de tres contos de réis em Lisboa e de dois contos de réis no Porto, pagarão respectivamente, por cada fracção de 500$000 réis a mais, o addicional de 10$000 réis, que será exclusivamente destinado ao saneamento dos chamados pateos ou ilhas nas referidas cidades.

§ 1.° No fim de cada anno economico a importancia cobrada, e respectiva a cada uma das duas cidades, será integralmente entregue ás suas municipalidades, que em cada anno civil, e no primeiro mês era que estiverem reunidas as Côrtes, darão conta, em officios dirigidos á Presidencia da Camara dos Deputados, da applicação documentada do dinheiro recebido.

§ 2.° Uma vez recebidos esses officios, e depois de se ter dado conta d'elles no expediente da mesa, serão publicados no Diario do Governo.

Art. 31.° O Governo decretará as medidas complementares para a execução desta lei.

Art. 32.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 30 de julho de 1909.= Sergio de Castro.

Consultada a Camara, foi admittida, ficando em discussão com o projecto.

O Sr. Pereira dos Santos: - Diz que pediu a palavra unica e exclusivamente para fazer uma declaração de voto, que fará nos termos mais precisos e claros.

Relativamente ao artigo 28.° levantou-se na Camara uma discussão sobre a questão religiosa a proposito do estabelecimento ou não estabelecimento das ordens religiosas no país, e parece-lhe indispensavel fazer neste momento uma declaração por parte do partido regenerador. Este partido não é reaccionario, nem em extremo radical, mas é respeitador de todas as crenças.

Em seguida, expõe o que se passou com a instituição das corporações religiosas que ficaram sujeitas á fiscalização absoluta do Estado para que não pudesse haver abusos de qualquer, ordem.

Declara mais que, existindo entre nos a religião catholica, apostolica e romana, o partido d'elle, orador, respeita essa religião como sendo a do Estado. Não quer isso, porem, dizer que não seja contrario ás congregações secretas e que o Governo deve supprimir.

De resto, quanto ao artigo em si, o partido regenerador considera-o aberto á discussão.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - Não havendo mais ninguem inscrito, vae votar-se o artigo 28.° Vae ler-se. Lê-se na mesa.

O Sr. Archer da Silva: - Peço a contagem dos Srs. Deputados que approvam e dos que rejeitam.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que occupem os seus logares.
Procede-se á contagem.

O Sr. Presidente: - Approvaram o artigo 28.° 48 Srs. Deputados e rejeitaram 17.

O Sr. Antonio José de Almeida: - Isto não é uma Camara de Deputados, é um seminario.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 29.°

Artigo 29.° Os bens das corporações ou associações que se extinguirem, e que pelo disposto no artigo 36.° do Codigo Civil deviam ser encorporados na Fazenda Nacional, serão applicados pelo Estado á construcção ou acquisição das habitações de que trata esta lei.

§ unico. O rendimento liquido d'estas habitações será applicado á construcção ou acquisição de novas habitações.

O Sr. Presidente:-Está em discussão é artigo 29.° Visto que ninguem pede a palavra vae votar-se. Os Srs. Deputados que approvam o artigo que acaba de ser lido, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Abel de Andrade: - É unicamente para dizer a V. Exa. que eu voto contra todo o projecto, e portanto contra todos os seus artigos.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 30.°

Lê-se na mesa. É o seguinte:

Artigo 30.° O Governo. decretará as medidas complementares para a execução d'esta lei.

O Sr. .Presidente: - stá era discussão. Visto que ninguem pede a palavra, vae votar-se. Os Srs. Deputados que approvam o artigo que acaba de ser lido tenham a bondade se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae lei o artigo 31.°

Lê-se na mesa. É o seguinte:

Art. 31.° Fica revogada-a legislação em contrario.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

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O Sr. João de Menezes : - Sr. Presidente : pedi a palavra para fazer nina pergunta a V. Exa. directamente e indirectamente á Camara. É a seguinte:

Está, ou não está, approvado pela Camara este projecto?

O Sr. Presidente: - Ainda não está.

O Orador: - Está ou não approvado este projecto até ao artigo que se tem votado? Este voto da Camara dá ou não força de lei a este projecto?

Pergunto a V. Exa. para que servem as emendas e como é que a Camara pratica esta violencia de estar a votar um projecto sem se importar com as emendas?

O Sr. Presidente: - A Camara é soberana nas suas deliberações (Apoiados); approvou o projecto sem prejuizo das emendas, que vão á cornmissão para ella dar o seu parecer e a Camara tomará conhecimento d'elle.

Visto que não ha mais ninguem inscrito, vae votar-se o artigo 31.° Os Srs. Deputados que approvam o artigo 31.° tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Está approvado o projecto e as emendas irão opportunamente á commissão e do seu parecer será dado conhecimento á Camara.

SEGUNDA PABTE DA ORDEM DO DIA

Projecto de lei n.° 8 (Reorganização da Caixa Geral de Depositos)

O Sr. Presidente: -Vae entrar em discussão o projecto de lei n.° 8, reorganização da Caixa Geral de Depositos. Vae ler-se.

Leu-se na mesa. É do teor seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 8

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda estudou, como lhe cumpria, a proposta de lei n.° 1-B, á qual tem por fim: reorganizar os serviços da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Providencia; e regularizar as relações financeiras entre o Thesouro publico e a mesma Caixa.

A legislação de todos os países, relativa a instuições analogas á nossa Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia, tem-se aperfeiçoado successivamente, sempre com o proposito de dar maior segurança aos capitães depositados e de torná-los productivos, tanto no interesse geral como no interesse particular dos depositantes, dando-lhes o juro remunerador.

a A lei que instituiu, e organizou a Caixa, diz o Conde Roy, teve por fim garantir os depositos que lhe são confiados não só contra a cubica e infidelidade dos depositarios particulares, mas ainda contra as vicissitudes do Thesouro. A sua independencia tem sido, em todos os tempos, a condição essencial da sua existencia".

E por estas razões, e pelas demitis, proficientemente expostas não só pelo conselho fiscal no relatorio que precede o seu projecto de reforma, mas tambem pelo signatario da proposta de lei, que a vossa commissão entende que esta merece ser approvada.

Mas, de acordo com o Governo, entendemos, tambem, que algumas modificações devem introduzir-se naquella proposta.

Estas modificações, sem alterarem essencialmente a sua doutrina, melhor concorrem, a seu ver, para a realização do fim desejado.

Na base 1.ª alargaram-se as attribuições conferidas á Caixa pelo n;° 2.° do artigo 1.°, permittindo os depositos das sociedades de soccorros mutuos, não só para aumentar, a prosperidade d'aquelle estabelecimento, mas ainda, e principalmente, para facilitar o desenvolvimento de tão uteis instituições.

Permittem-se tambem os depositos em papeis de credito de outras sociedades. Entendeu a vossa commissão que não podia levar mais longe esta concessão, sem graves riscos para a Caixa Geral de Depositos.

Reduziu-se a metade a commissão mencionada no § 2.° do artigo 1.° da proposta, por se julgar demasiada, tratando-se de depositos necessarios.

Acclarou-se a doutrina do § 3.° do mesmo artigo, no sentido da proposta.

Supprimiu se o § unico do artigo 3.°, por estar entregue á decisão do Parlamento uma proposta de lei sobre o mesmo assunto.

Eliminou-se o artigo 4.°, por causa das graves consequencias que poderia ter tal disposição. O proprio conselho fiscal da Caixa, no seu relatorio, reconheceu o melindre d'aquella faculdade e, por isso, a restringiu com a disposição especial contida no mesmo artigo.

A vossa commissão entende que é mais seguro supprimi-la.

Alargaram-se as attribuições conferidas pelo artigo 5.° da proposta de lei, permittindo a cobrança dos juros dos titulos depositados, o que é de evidente utilidade.

E, finalmente, addicionaram-se dois artigos novos, relativos aos depositos voluntarios dos corpos administrativos cuja utilidade é evidente.

Nas bases 2.ª e 3.ª, alem de pequenas modificações, facilmente justificaveis, alterou-se a composição do conselho fiscal e reduziram-se os seus vencimentos.

Parece á vossa commissão que a autonomia da caixa fica melhor assegurada com a nova composição do conselho.

Na commissão de fiscalização da Caixa Geral de Depositos Francesa, entram dois Senadores e dois Deputados.

Mas essa commissão compõe-se de dez membros. Na composição por nos proposta, estabelece se a proporção dos elementos legislativos da organização francesa; e assegura-se, ainda melhor que na proposta de lei, a independencia da Caixa em relação ao poder executivo.

Em vez do vencimento fixo de 600$000 réis, attribuido a cada um dos membros do conselho estabeleceu-se a remuneração por cada sessão a que assistirem, fixando-se o maximo de 300$000 réis para cada membro.

Parece á vossa commissão que, alem das sessões mensaes do conselho, poucas mais serão necessarias para bem cumprirem as suas funcções; e á verba fixada, attentas nas precarias circunstancias do Thesouro, que não permitte grandes generosidades, é tambem remuneração sufficiente.

Paizes ha em que estes serviços são gratuitos; mas, era geral, os serviços gratuitos são sempre maus serviços.

Na base 4.ª introduziram-se tambem algumas modificações nos artigos que se referem aos serviços da Caixa.

Assim, alem de outras pequenas modificações de menor importancia, reduziu-se o limite do valor dos espolios que podem ser entregues por despacho do administrador geral, mediante habilitação administrativa:

Entende a vossa commissão que o limite estabelecido no artigo 4.° da proposta de lei, não só era indeterminado, pois variava com o numero dos herdeiros, mas era tambem exagerado e poderia produzir graves consequencias.

Nesta base introduzimos tambem algumas disposições novas que reputamos da mais alta conveniencia.

Pelo artigo 5.° da proposta de lei, ficava o Governo autorizado a remodelar os serviços da Caixa, dentro dos limites ali fixados.

Embora a vossa commissão tenha toda a confiança no actual Governo, não pode deixar de reconhecer que é uma

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principio o dar autorizações para a remodelação dos serviços publicos.

A observação dos factos preteritos corrobora o nosso sentir.

Foi por isto que julgámos conveniente fixar o quadro do pessoal da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia, o vencimento respectivo e as normas da sua nomeação.

Ao mesmo tempo inserem-se algumas disposições de caracter transitorio, relativas a alguns dos actuaes funccionarios que nos parecem equitativas.

Como já dissemos no principio do nosso parecer, um dos objectivos da proposta de lei n.° 1-B é a regularização das relações financeiras entre o Thesouro publico e a Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia.

Para se proceder a essa regularização tem de attender-se á situação actual e ás regras que deverão observar-se no futuro para a definição das relações financeiras reciprocas, no sentido de robustecer o credito da mesma Caixa, sem prejuizo dos legitimes interesses do Thesouro publico.

Os relatorios do projecto do conselho fiscal e da proposta de lei dizem claramente qual a situação financeira entre o Thesouro e a Caixa:

Aquelle deve a esta o valor de 59:880 obrigações de 4,5 por cento e deve mais os juros daquellas obrigações, cuja importancia total será, em 30 de junho do anno corrente, de 3.089:576$697 réis;

A Caixa deve ao Thesouro a importancia das prestações não pagas desde 1889-1890, e que devia ter pago nos termos da lei de 30 de junho de 1887. Este debito attinge actualmente a somma de 1:900 contos de réis.

A proposta de lei de que nos estamos occupando propõe a consolidação do debito do Thesouro. Não é o nosso paiz o primeiro a adoptar este meio de liquidação. Para na citarmos outros exemplos diremos apenas que sé fizeram operações analogas, em França, nos annos de 1837, 1845 1846,1878, 1882 e 1886.

A vossa commissão, concordando, em principio, com a forma de liquidação proposta, em vista das difficuldade financeiras do Thesouro, entendeu, comtudo, que devi; introduzir algumas modificações na proposta ministerial. Todos os Estados, e nomeadamente o de Portugal, teem, nos ultimos tempos, procurado transformar a sua divida publica, tornando-a amortizavel.

Comprehende-se, é certo, o intuito da proposta ministerial, pretendendo pagar á Caixa com titulos da divida interna fundada; porque serão estes os de que 5 Governo mais facilmente poderá dispor, sem ter de recorrer á criação de titulos novos.

Mas o pagamento integral da divida do Thesouro á Caixa em titulos d'aquella espécie, tendo de criá-los, equivaleria um aumento da divida interna fundada, na importancia de mais de 15:000 contos de réis nominaes, o que não é para aconselhar.

A solução que propomos não só facilita o pagamento da divida com os titulos existentes na posse da Fazenda, pois se reduz a sua importancia a pouco mais de 8:500 contos de réis nominaes, mas tornando amortizavel parte da divida, obedece aos bons principios, sem graves encargos orçamentaes, nem prejuizo para a Caixa.

Com effeito, o debito de 3.089:576$697 réis, correspondente aos juros a liquidar era 30 de junho proximo, serão amortizados em vinte annos com a annuidade de 227:336$460 réis que passará a figurar, como despesa, no Orçamento Geral do Estado.

Em compensação, deverá tambem inscrever-se no mesmo orçamento a participação do Estado nos lucros da Caixa. Estes lucros, como se prevê no relatorio do conselho fiscal, deverão attingir, aproximadamente, a importancia annual de 500 contos de réis, dos quaes pertencerão ao Estado 400 contos de réis, quantia mais do que sufficiente para fazer face á annuidade acima fixada, havendo ainda um
excedente de receita superior á prestação fitada na lei de 30 de junho de 1887.

Á Caixa fica absolutamente garantido o pagamento do seu credito, pelo encontro com a parte correspondente da importancia dos lucros pertencentes ao Thesouro.

Todos os economistas estão de accordo em que os lucros liquidos das Caixas de Depositos, devem constituir receitas do Estado. Divergem apenas emquanto á forma porque esses, lucros darão entrada nos cofres do Thesouro, de modo que não haja quebra de autonomia d'aquellas, nem diminuições das garantias que as mesmas devem dar aos seus depositantes.

Parece á vossa commissão que a forma proposta satisfaz cabalmente a este fim, e que a percentagem dos lucros que é attribuida á Caixa assegura completamente o seu credito, e a põe ao abrigo de quaesquer prejuizos fortuitos.

Pelas razões expostas, a vossa commissão de fazenda, de acordo com o Governo, entende que deveis approvar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia reger-se-ha de futuro, em conformidade das bases annexas- a esta lei e que d'ella ficam fazendo parte integrante.

O Governo decretará as providencias regulamentares necessarias para a execução desta lei e melhor distribuição dos serviços, não podendo, porem, aumentar as despesas inscritas nos capitulos 1.° e 2.° do orçamento da Caixa, approvado para o presente anno economico.

Art. 2.° É o Governo autorizado a criar os titulos da divida interna fundada necessarios, não os tendo disponiveis, para liquidar o debito do Thesouro á Caixa Geral de Depositos, proveniente das obrigações de 4,5 por cento pela mesma Caixa entregues ao Thesouro.

Art. 3.° O debito do Thesouro á Caixa, proveniente do não pagamento dos juros das obrigações a que se refere o artigo anterior, será amortizado em vinte annuidàdes iguaes. correspondentes áquelle debito e respectivos juros, calculados pela taxa de 4 por cento ao anno.

§ unico. A liquidação será referida a 30 de junho de 1909, contando-se os juros até essa data e calculando-se o valor dessas obrigações e dos titulos de divida fundada pela cotação media do dito mês de junho.

Art. 4.° A contar de 1 de julho proximo futuro cessa a contribuição de 100 contos dê réis que, nos termos da lei vigente, a Caixa Geral de Depositos, tinha de entregar para a amortização da, divida externa, conforme o disposto na carta de lei de 30 de junho do 1887, devendo porem, a Caixa, logo que esteja feita a liquidação a que se refere o artigo anterior, pagar ao Estado as prestações em divida.

Art. 5.° A quantia que for paga pela Caixa Geral de Depositos, como se determina no artigo anterior, constituirá receita extraordinaria do Thesouro no anno economico de 1909-1910.

Art. 6.° Fica revogada a legação em contrario.

Sala das sessões, 27 de abril de 1909. = Conde de Penha Garcia = Alfredo Pereira = João Henrique Ulrich = José de Ascensão Guimarães = Francisco Miranda da Costa Lobo = Carlos Augusto Ferreira José Cabral Correia do Amaral = Antonio A. de Oliveira Guimarães = Anselmo Vieira (com declarações) = Antonio Rodrigues Nogueira, relator.

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Bases a que se refere a lei d'esta data

Base 1.ª

Attribuições da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia

Artigo 1.° A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia abrange os serviços relativos:

a) Á Caixa Geral de Depositos;

b) Á Caixa Economica Portuguesa;

c) Á Caixa de aposentações para as classes operarias e trabalhadoras.

Art. 2:° As attribuições da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia são:

1.ª A arrecadação e restituição de todos os valores em dinheiro, papeis de credito e espécies diversas, cujos depositos devam por lei constituir-se nos seus cofres;

2.ª A guarda e restituição de todos os depositos em dinheiro e em papeis de credito, effectuados pelos corpos administrativos nos termos do artigo 8.° d'esta base, pelos estabelecimentos de beneficencia, instrucção ou piedade, ou pelas caixas economicas populares legalmente constituidas, nas sociedades de soccorros mutuos e depositos em papeis de credito pertencentes a outras sociedades.

3.ª A arrecadação e emprego dos fundos pertencentes ás operações da desamortização ordenadas pelas leis de 4 de abril de 1861, 25 de junho de 1864, 22 de julho de 1866 e 26 de agosto de 1869, e bem assim o processo para o averbamento dos titulos comprados por virtude dessas operações;

4.ª A compra e averbamento de titulos para conversão de outros titulos, ou valores depositados na Caixa Geral de Depositos;

5.ª Contratar com o Governo a collocação de titulos de qualquer empretimo legalmente emittido, ou de outros valores fiduciarios na posse do Estado;

6.ª Administração e restituição de todos os depositos que se realizarem por intermedio da Caixa Economica Portuguesa;

7.ª A compra e averbamento de titulos para conversão de depositos effectuados na Caixa Economica Portuguesa, ou de quaesquer outros depositos voluntarios especialmente feitos com esse destino;

8.ª Administrar a Caixa de Aposentações para as Classes Operarias e Trabalhadoras, criada nos termos dos decretos com força de lei de 29 de agosto e 19 de dezembro de 1907;

9.ª Desempenhar quaesquer outros serviços que por lei lhe sejam attribuidos.

§ 1.° Pelos depositos em dinheiro, constituidos nos termos do n.° 1.°, será abonado aos depositantes o juro de 2 por cento ao anno, sessenta dias depois de entrarem nos cofres da Caixa e até o dia em que se apresentar o precatorio ou mandado legal de levantamento.

§ 2.° Pelos depositos necessarios constituidos em titulos que não forem ordenados pelas autoridades judiciaes, a Caixa cobrará a commissão annual de 1/2 por mil do seu valor nominal.

§ 3.° Pelos depositos voluntarios effectuados em dinheiro nos termos dos n.ºs 2.° e 6.°, abonará a Caixa o seguinte juro annual, capitalizado no fim de cada anno economico : 3,60 por cento aos depositos até 5 contos de réis, 2 por cento no excedente.

§ 4.° Pelas operações constantes do n.° 3.° a Caixa não paga juros, e pelo encargo da compra e averbamento dos titulos cobrará a commissão de 1 por mil do seu valor real.

§ 5.° Pelas compras e averbamentos de titulos, effectuados nos termos dos n.ºs 4.° e 7.°, cobrará a Caixa a commissão de 2 por mil do valor real dos mesmos titulos.

§ 6.° Pelas operações designadas no n.° 5.° receberá a Caixa a commissão que for combinada com o Governo.

Art. 2.° Não são permittidos depositos voluntarios de quantia superior a 20 contos de réis, salvo os effeotuados pelos corpos administrativos ou estabelecimentos publicos de instrucção, ou os que forem especialmente destinados á compra de titulos.

§ unico. A taxa de juro dos depositos voluntarios pode ser alterada pelo Governo, sob proposta do Conselho da Caixa e precedendo aviso publicado no Diario do Governo, com dez dias de antecedencia.

Art. 3.° Em todos os concelhos do continente e ilhas adjacentes deverão estabelecer-se delegações da Caixa Economica Portuguesa, á medida que as circunstancias economicas das localidades o aconselharem. Da mesma forma poderão tambem estabelecer-se delegações nos bairros operarios de Lisboa e Porto.

Art. 4.° No desempenho das suas attribuiçoes, a Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia está autorizada:

1.° A restituir todas as importancias depositadas e juros respectivos, mediante a apresentação dos documentos legaes e sem dependencia de outra qualquer ordem ou formalidade;

2.° A trocar titulos antigos, sujeitos á conservação, por novos titulos criados em virtude de conversões legalmente autorizadas, e quer pertençam ao fundo da Caixa, quer estejam constituindo depositos ou servindo de penhor de contratos, cobrando a Caixa, nestes ultimos casos, a commissão de 1/2 por mil sobre o valor nominal dos novos titulos;

3.° A receber o producto de titulos sorteados, fazendo a conversão do deposito e enviando novo conhecimento, cobrando a commissão de 1 por mil do valor nominal dos titulos;

4.° A proceder pela mesma forma em relação a quaesquer valores depositados, sujeitos a liquidação immediata, promovendo as respectivas cobranças e recebendo alem da commissão de 1 por cento as despesas que tiver sido obrigada a fazer;

5.° A receber por conta de quem de direito os juros dos titulos que se achem era deposito ha mais de tres annos, constituindo com a sua importancia novos depositos e cobrando sobre ella a commissão de 1 por cento;

6.° A cobrar directamente os juros dos titulos que garantam os seus creditos e a vender os mesmos titulos, quando se torne necessario para reembolso dos creditos vencidos e não pagos;

7.° A organizar o serviço de cobrança dos juros dos titulos depositados, quando os depositantes assim o queiram, mediante a commissão de 1/2 por cento dá importancia cobrada.

Art. 5.° A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia está igualmente autorizada a comprar e a vender titulos por conta propria e a levantar por emprestimo quaesquer quantias sobre o penhor dos mesmos titulos, sendo porem indispensavel, nestes dois ultimos.casos, prévia autorização do Governo.

§ unico. A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia só pode adquirir por conta propria titulos de divida publica portuguesa, ou que tenham a garantia do Governo Português.

Art. 6.° O. Estado assegura a restituição de todos os depositos, bem como garante todas as operações effectuadas pela Caixa Economica Portuguesa, mesmo em casos fortuitos ou de força maior.

Art..7.° A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia continuará a desempenhar os serviços relativos aos fundos de viação municipal e de instrucção primaria, e os demais constantes da legislação em vigor ou que de futuro lhe sejam incumbidos.

Art. 8.° Os corpos administrativos só poderão fazer os seus depositos de fundos na Caixa Geral de Depositos ou na Caixa Economica Portuguesa.

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SESSÃO N.º 38 DE 30 DE JULHO DE 1909 17

Art. 9.° A penalidade imposta pelo artigo 99,° do Codigo Administrativo, é applicavel aos thesoureiros que transgredirem as disposições do artigo anterior.

Base 2.ª

Operações para applicação de fundos

Artigo 1.° A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia pode effectuar as seguintes operações:

1.ª Fazer emprestimos sobre consignação, de juros de titulos de divida publica que não estejam immobilizados perpetua ou temporariamente;

2* Fazer emprestimos a curto prazo sobre penhor dos mesmos titulos;

3.ª Fazer emprestimos ao Thesouro Publico nos termos e condições que regularem para a divida fluctuante do mesmo Thesouro;

4.ª Fazer emprestimos em conta corrente, caucionados por titulos de divida publica e dentro de limites previamente estabelecidos;

5.ª Comprar titulos de divida publica;

6.ª Fazer adeantamentos de vencimentos a funccionarios e pensionistas do Estado, nos termos das leis vigentes.

7.ª Descontar letras das operações da desamortização;

8.ª Descontar, depois de devidamente acceites, as letras saccadas sobre os cofres dos Ministerios;

9.ª Fazer operações em conta de subsidios devidos por lei descritos no Orçamento Geral do Estado como encargo regular e effectivo do Thesouro, precedendo autorização - especial do Governo, e emprestimos a este, a longo prazo, desde que estejam devidamente autorizados e que os respectivos encargos figurem no Orçamento Geral do Estado, como encargo permanente;

10.ª Fazer emprestimos a estabelecimentos publicos, a corporações adminisirativas e a institutos de piedade, beneficencia e instrucção, nos termos dos n.ºs 2.° e 9.° d'este artigo;

11.ª Descontar warrants nos termos da lei de 18 de setembro de 1908;

12.ª Effectuar quaesquer outras operações permitidas por lei.

Base 3.ª

Administração superior da Caixa Geral de Depositos e Instituições do Previdencia

Artigo 1.° A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia é gerida por um administrador geral e por um conselho, o qual. se denominará Conselho da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia.

Art. 2.° Competem ao administrador geral as seguintes attribuições:

1.ª Superintender em todos os serviços dependentes d'esta instituição;

2.ª Inspeccionar e ordenar inspecções aos mesmos serviços;

3.ª Representar a Caixa em todos os actos em que esta tenha de intervir;

4.ª Determinar tudo o que seja conveniente para o bom funcciomento e regularidade dos serviços;

5.ª Distribuir o pessoal pelas diversas repartições conforme o respectivo regulamento e as conveniencias do serviço;

6.ª Exercer em relação ao mesmo pessoal as attribuições que lhe competirem pelo regulamento;

7.ª Presidir aos balanços, verificar mensalmente a Caixa, formular as contas e fazer o relatorio annual da gerencia da Caixa;

8.ª Despachar todos os processos e resolver todos os assuntos, ainda os de natureza contenciosa, que não sejam reservados ao Conselho;

9.ª Organizar e propor ao Conselho o orçamento da receita e despesa annual;

10.ª Levar ao conhecimento do Conselho todos os assuntos em que este tenha de intervir;

11.ª Propor ao mesmo conselho as providencias que julgue convenientes aos interesses da instituição e para os quaes seja necessaria á approvação do Governo ou das Camaras Legislativas;

12.ª Dar parecer sobre os assuntos relativos a esta instituição e em que o Governo entenda dever ouvi-lo;

13;a Desempenhar todas as mais attribuições que lhe competirem por esta lei e respectivos regulamentos, ou por outras leis especiaes.

Art. 3.° As attribuições do Conselho são deliberativas e fiscaes. No desempenho das funcções deliberativas compete-lhe:

1.° Resolver sobre a conveniencia de realizar quaesquer contratos com o Governo, corpos administrativos ou outras entidades, e estabelecer as respectivas condições;

2.º Deter minar no principio de cada anno economicos taxa do juro das diversas operações que o não tiverem fixado por lei ou contrato e alterar a mesma taxa em qualquer época do anno, quando as circunstancias assim o aconselharem;

3.° Estabelecer as condições geraes em que poderão fazer-se emprestimos a particulares, sobre penhor de fundos publicos, percentagem sobre as cotações e resolver sobre o reforço dos mesmos penhores quando se torne necessario, e bem assim determinar as quantias que devem ser applicadas a estas operações;

4.° Estipular, nos termos do artigo anterior, as condições e os limites em que poderão abrir-se contas correntes caucionadas;

5.° Resolver sobre a collocação dos titulos pertencentes ao Estado, nos termos do n.° 5.° do artigo 1.° da base 1.ª

6.° Resolver sobre a compra e venda de titulos por conta da Caixa e sobre o emprego a dar ás suas disponibilidades e ao fundo de reserva, bem como acêrca da conveniencia de realizar qualquer emprestimo sobre penhor de titulos que tenha em conta propria;

7.° Dar o seu parecer sobre os assuntos que lhe forem propostos pelo Governo ou pelo administrador geral;

8.° Propor ao Governo, de sua iniciativa, as medidas que julgue convenientes para o melhor funccionamento da Caixa;

9.° Deliberar sobre os mais assuntos que lhe sejam attribuidos por esta lei e respectivos regulamentos;

No desempenho das funcções de fiscalização compete-lhe:

10.° Dar o seu parecer sobre o projecto do orçamento ãnnual da Caixa, relatorio e contas annuaes da administração;

11.° Assistir á verificação da Caixa, fiscalizar toda a escrituração e movimento de fundos, podendo tambem assistir aos balanços e requisitar que estes se effectuim em qualquer epoca do anno.

Art. 4.° O Governo poderá mandar inspeccionar, sempre que o julgue conveniente, a escrita e o movimento de fundos da Caixa.

Art. 5.° As contas annuaes da gerencia e do thesoureiro da Caixa serão submettidas ao julgamento do Tribunal de Contas.

Art. 6.° O administrador geral é de nomeação do Governo e só poderá ser exonerado ou demittido do exercicio das suas funcções nos termos, e pela forma por que podem ser o vogaes do Tribunal de Contas.

Nos seus impedimentos será o administrador geral subso tituido pelo chefe de repartição mais antigo ou pelo que for indicado pelo Governo.

Art. 7.° O Conselho da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia compõe se de cinco membros: sendo quatro eleitos respectivamente, pela Camara dos

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18 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Dignos Pares, pela Camara dos Senhores Deputados, pelo Supremo Tribunal de Contas e pela Junta do Credito Publico, e o quinto será o Director Geral da Thesouraria.

Entre si elegerão o presidente e vice-presidente.

§ unico. Ha verá igualmente cinco substitutos eleitos pela mesma forma que os effectivos.

Art. 8.° Os membros do conselho funccionam por tres annos. A eleição deverá realizar-se na primeira sessão ordinaria anterior a cada triennio.

Art. 9.° O administrador geral assiste ás reuniões do conselho, quando nellas se tratem assuntos deliberativos, tem voto.

Art. 10.° As resoluções são tomadas pela maioria dos votos presentes, e, em caso de empate, o presidente tem voto de qualidade.

§ unico. Servirá de secretario do conselho um empregado do quadro da Caixa, designado pelo administrador geral.

Art. 11.° Das deliberações do conselho, negando a sua autorização a quaesquer contratos, não cabe recurso algum. Das deliberações concedendo autorização para qual quer contrato cabe recurso para o Governo, interposto pelo administrador geral, quando este entenda que dessa automação podem resultar prejuizos importantes para a Caixa ou para o Estado. Igual recurso lhe é permittido das resoluções do conselho sobre a applicação a dar ás disponibilidades e ao fundo de reserva da Caixa.

Art. 12.° O logar de administrador geral e o de membro do conselho é incompativel com as funcções de governador, director ou membro do conselho de administração de qualquer estabelecimento bancario e com a profissão de banqueiro.

Art. 13.° Os membros do conselho receberão 10$000 réis por cada sessão a que assistirem, até ao máximo de 300$000 réis em cada anno economico.

§ unico. No impedimento dos effectivos compete este vencimento aos respectivos substitutos.

Base 4.ª

Disposições geraes e diversas

Artigo 1.° O orçamento da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia será enviado ao Ministro da Fazenda até o dia 30 de novembro de cada anno, para ser incluido no Orçamento Geral do Estado, nos termos da lei de contabilidade.

O relatorio da administração da Caixa, relativo ao anno economico anterior, acompanhado do parecer do conselho será distribuido pelos membros das camaras legislativas, até o dia 15 de janeiro.

Art. 2.° A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia é equiparada ás Secretarias de Estado.

Art. 3.° As operações effectuadas pela Caixa Economica Portuguesa com os seus, depositantes são isentas de imposto de sêllo, e os depositos, até á importancia de réis 3:000$000, recebidos por esta repartição, para os effeitos de penhora e arresto, são equiparados ás pensões de que trata o n.° 9.° do artigo 815.° do Codigo do Processo Civil.

Art. 4.° Os depositos provenientes de espolios ultramarinos ou consulares, bem como os depositos constituidos por pessoas que vierem a fallecer, não excedendo réis 1:000$000, podem ser entregues por despacho do administrador geral a quem provar ter direito a esses depositos, mediante habilitação administrativa, nos termos das leis de 2 de agosto de 1845, 5 de agosto de 1854 e 1 de julho de 1886.

§ unico. As habilitações de que trata este artigo estão sujeitas ao pagamento de 1 por cento do seu valor real.

Art. 5.° A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia é representada em juisso pelos agentes do Ministerio Publico perante os respectivos tribunaes, e goza da isenção de sellos e custas nos mesmos termos em que a tem a Fazenda Nacional.

Art. 6.° O administrador geral, em despacho fundamentado, resolverá as duvidas que se suscitarem sobre a restituição de qualquel deposito necessario ou voluntario.

Do despacho do administrador geral cabe aos interessados recurso para a Relação de Lisboa e d'esta para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo estes recursos processados como de aggravo e com intervenção do Ministério Publico.

§ unico. Do accordão da Relação revogando o despacho do administrador geral, deverá sempre o Ministerio Publico interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Art. 7.° Os juros em divida de quaesquer quantias depositadas na Caixa Geral de Depositos que não forem reclamados no prazo de tres annos a contar da data do levantamento total do mesmo deposito, cessam de ser exigiveis e revertem a favor da Caixa.

Art. 8.° Pela mesma forma cessam de ser exigiveis e revertem a favor da Caixa todos os depositos voluntarios que no prazo de trinta annos, não tenham tido movimento por parte dos interessados.

Art. 9.° Todos os depositos necessarios que durante cincoenta annos não tenham tido qualquer movimento deixam igualmente de ser exigiveis e revertem a favor da Caixa, salvo mostrando-se quê ha processo judicial pendente.

§ unico. A disposição d'este artigo só principia a ter applicação decorrido o prazo de dez annos depois de vigorar esta lei.

Art. 10.° Os objectos depositados de ouro, prata, joias e outros objectos preciosos podem ser vendidos independentemente de precatorio, em leilão publico, passados dez annos sobre a data da constituição do deposito, não tendo havido reclamação em contrario dos interessados.

Do producto liquido da venda se fará novo deposito.

Art. 11.° Todos os fundos da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia serão centralizados num cofre geral embora haja contas especiaes.

Art. 12.° O administrador geral corresponde-se com todas as autoridades e fuhccionarios, e poderá ouvir, quando o julgar conveniente, e sobre negocios da sua competencia, a Procuradoria Geral da Coroa e Fazenda.

Art. 13.° Dos lucros auferidos pela Caixa Geral de Depositos sairão todas as despesas da sua administração e fiscalização.

Art. 14.° O saldo de contas de ganhos e perdas da Caixa Geral de Depositos, depois de deduzida a quantia a que se refere a ultima parte do artigo 4.° d'esta lei passará a constituir um fundo de reserva destinado a compensar prejuizos extraordinarios na liquidação de contratos feitos pela mesma Caixa ou a depreciação extraordinaria de titulos que lhe pertençam.

§ unico. A este fundo de reserva serão creditados 20 por cento dos lucros annuaes da Caixa, entrando em receita do Estado a parte restante dos mesmos lucros.

Art. 15.° O quadro do pessoal da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia será o indicado na tabella seguinte, onde vão tambem inscritos os vencimentos respectivos:

[Ver tabela na imagem]

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SESSÃO N.° 38 DE 30 DE JULHO DE 1909 19

[Ver tabela na imagem]

Art. 16.° Quando o desenvolvimento dos serviços da Caixa exija o aumento do quadro do pessoal, este só poderá fazer-se por proposta do Conselho da Caixa, e as nomeações só poderão effectuar-se depois de inscrita e approvada a verba respectiva no Orçamento Geral do Estado.

Art. 17.° É extincta a actual Repartição da Caixa de Aposentações e Monte de Piedade.

Os serviços da Caixa de Aposentações para as Ciasses Operarias e trabalhadoras ficam annexos á Repartição de Contabilidade da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia.

§ unico. O actual chefe de serviço da referida repartição conservará os seus vencimentos de categoria e exercicio, competindo-lhe no futuro desempenhar as funcções de visitador.

Art. 18.° O actual visitador, antigo chefe da delegação do Porto, continua com a sua categoria de chefe de serviços e com os seus actuaes vencimentos.

Art. 19.° Aos empregados temporarios, nomeados anteriormente á lei de 21 de maio de 1896, são mantidos os direitos de que trata o § unico do artigo 267.° do regulamento de 23 de junho de 1897.

Art. 20.° A nomeação do pessoal do quadro da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia será feita pelo Governo nos termos seguintes:

Os chefes de serviço, por concurso de provas praticas entre os primeiros officiaes da mesma Caixa;

Os primeiros e segundos officiaes, entre os da classe immediatamente inferior, alternadamente por concurso de provas praticas e por proposta do administrador geral, baseada na antiguidade e bom serviço;

Os de amanuenses e de primeiros praticantes, entre os da classe immediatamente inferior, por concurso de provas praticas;

Os de segundos praticantes, por concurso de provas praticas;

Os restantes empregados do quadro serão tambem nomeados pelo Governo sob proposta do administrador geral.

Art. 21.° Aos primeiros concursos para primeiros e segundos praticantes somente poderão concorrer os actuaos temporarios da Caixa.

§ 1.° Os temporarios, que forem approvados no concurso e não tiverem cabimento no quadro, ficarão addidos, sem vencimento, e preencherão as primeiras vacaturas occorrentes.

§ 2.° Todos os empregados temporarios que não forem ao concurso, e os que não forem approvados, serão dispensados do serviço.

§ 3.° Este concurso deve realizar-se dentro do anno economico de 1909-1910.
Art. 22.° A verba a inscrever annualmente nos orçamentos da Caixa Gera! de Depositos e Instituições de Previdencia, para remuneração de serviços extraordinarios e gratificações do pessoal da mesma Caixa e do das suas delegações, não poderá exceder a importancia de 3 por cento dos seus lucros liquidos no anho anterior.

§ unico. As remunerações e gratificações de que trata este artigo serão distribuidas sob proposta do Conselho da Caixa e nos termos da lei de contabilidade publica.

Sala das sessões, 27 de abril de 1909. = Conde de Penha Garcia = Alfredo Pereira = João Henrique Ulrich = José de Ascensão Guimarães = Antonio A. de Oliveira Guimarães = Francisco Miranda da Costa Lobo = Carlos Augusto Ferreira = José Cabral Correia do Amaral = Anselmo Vieira (com declarações) = Antonio Rodrigues
Nogueira (relator).

N.º 1-B

Senhores.- A reorganização da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia impõe-se não só pelas circunstancias em que se encontram nas suas relações com o Thespuro, mas ainda para se dar maior desenvolvimento ás operações que deve desempenhar para satisfazer o fim para que foi criada. Convem tambem modificar as bases em que assenta actualmente a sua administração, porque a experiencia tem demonstrado que as ultimas disposições legaes promulgadas a esse respeito não correspondem hoje aos multiplicados serviços que estão a seu cargo, e que podem ter ainda muito maior extensão. Para attender a essa necessidade é confiada a gerencia da Caixa, alem do administrador geral, a um conselho composto de cinco membros, sendo dois nomeados pela Camara dos Pares, dois pela Camara dos Deputados, e um pelo Governo, que escolherá de entre todos o Presidente.

Substitue-se desta maneira o actual conselho fiscal, cujas attribuições são mais limitadas do que aquellas que se conferem ao novo conselho, dando-lhe maior autonomia e ampliando as suas attribuiçoes e funcções para poder attender mais convenientemente ás necessidades dos serviços que lhe estão confiados, salvos os casos em que as suas deliberações ficam dependentes de approvação do Governo, no intuito de acautelar os interesses geraes do Estado.

Regulariza-se a situação do Thesouro para com a Caixa, liquidando-se a divida d'aquelle, proveniente da entrega, em 1890 de 60:000 obrigações de 4,5 por cento, pertencentes á mesma Caixa, das quaes sairam amortizadas 110, devendo, portanto, existir neste momento 59:885. Por outro lado o Thesouro tinha direito a receber, para a amortização da divida externa, 100:000$000 reis annualmente, tirados dos lucros da Caixa, pagamento que deixou de effectuar-se desde 1889-1890, por se reservar para a liquidação de contas, importando, portanto, em 1.900:000$000 réis a divida da Caixa ao Thesouro por esse motivo.

O Estado paga o seu debito entregando titulos de divida interna em substituição das obrigações, de 4,5 por cento, que eram propriedade da Caixa, e respectivos juros, como já se acha determinado no n.° 2.° do § 2.° do artigo 5.° da lei de 13 de maio de 1896; e recebe a importancia de 1.900:000$000 réis, de que é credor, visto que a Caixa não entregou desde 1889-1890 a prestação annual de 100:000$000 réis, destinada á amortização da divida externa, que continuará a cargo, inteiramente, do Thesouro.

Estipulou-se tambem que pertencessem de futuro ao Estado 80 por cento dos lucros da Caixa, applicando-se os restantes 20 por cento para aumento do fundo de reserva, que fica constituido pelo- saldo da conta de ga-

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20 DIAEIO DA CAMARA DOS SENHOBEB DEPUTADOS

nhos e perdas, depois de deduzida a parte da divida ao Estado, a que acima me referi. Este fundo ascenderá desde logo a cêrca de 900:000$000 réis, crescendo aios exercicios futuros da quantia aproximada de 100:000$000 réis por anno.

O pagamento -á Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia, do valor das obrigações de que o Thesouro tomou, posse em 1890, e dos juros vencidos desde essa data, foi autorizado, como disse, pela lei de 13 de maio de 1896, mas tendo decorrido perto de treze annos depois que essa lei foi promulgada, entendeu o Governo que devia novamente submetter este assunto á decisão das Cortes, procurando-se ao mesmo tempo remodelar aquella utilissima instituição de forma a satisfazer mais cabalmente aos fins da sua criação.

Os resultados immediatos da nova lei organica da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia podem resumir-se da seguinte forma:

Correspondendo a 16.500:000$000 réis nominaes em inscrições de 3 por cento internos, a divida do Thesouro pelo valor das obrigações, computado,em 3.581:123$000 réis, e de juros na quantia de 2.919:902$727 réis, teremos que o encargo geral para o Estado será de réis 346:500$000 por anno. Faz recebendo o Thesouro 80 por cento dos lucros liquidos da Caixa avaliados em réis 400:000$000, haveria ainda um saldo a favor de réis 53:500$000, se não fosse preciso eliminar do orçamento a contribuição de 100:000$000 réis para a amortização da divida externa. Feita essa deducção resultará finalmente para o Thesouro o encargo de 46:500$000 réis, sem contar com o progresso das receitas da Caixa por virtude da sua nova organização.

A receita extraordinaria a escriturar segundo a lei de contabilidade, como pertencente ao anno de 1909-1910, se nesse se realizar a Operação, é de 1.900:000$000 réis, mas, deduzindo o aumento de encargo para o Thesouro na importancia acima indicada de 46:500$000 réis, ficará o lucro de 1.853:500$000 réis, que virá attenuar de igual quantia o déficit orçamental.

No relatorio muito elucidativo do conselho fiscal da Caixa, que vae annexo, encontrareis todos os elementos para se apreciar o alcance da reforma que tenho a honra de propor, de acordo com o parecer do mesmo conselho fiscal. Melhorar-se-ha este importante serviço, liquidando-se a situação do Thesouro, e ficando a Caixa Geral de Depositos e instituições de Previdencia habilitada a desempenhar com vantagem publica as suas multiplices e utilissimas funcções. Termina por esta forma a questão sempre pendente por motivo da entrega ao Thesouro, em 1890, de 60:000 obrigações de 4,5 por cento, de cujo capital e respectivos juros tem a Caixa estado privada.

Convencido das vantagens que provirão da remodela cão da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia pela forma indicada pelo conselho fiscal da mesma Caixa, com que o Governo se conforma, tenho a honra de apresentar para esse fim uma proposta de lei, que julgo merecerá a vossa approvação.

Proposta de lei

Artigo 1.° A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia reger-se-ha de futuro em conformidade das bases, annexas a esta lei e que d'ella ficam fazendo parte integrante.

Art.: 2.° É o Governo autorizado a criar os titulos de divida interna fundada necessarios, não os tendo disponiveis, para liquidar o debito do Thesouro á Caixa Geral de Depositos, proveniente das obrigações de 4,õ por cento pela mesma Caixa entregues ao Thesouro e dos juros em divida das. mesmas obrigações.

§ unico. A liquidação será referida a 30 de junho de 1909, contando-se os juros até essa data e calculando-se

o valor das obrigações e dos titulos de divida fundada pela cotação media do dito mês de junho.

Art. 3.° A contar de 1 de julho proximo futuro cessa a contribuição de 100 contos de réis que, aios termos da lei vigente, a Caixa Geral de Depositos tinha de entregar para a amortização da divida externa, devendoporem, a Caixa, logo que esteja feita a liquidação a que se refere o artigo anterior, pagar aio Estado as prestações em divida.

Art. 4.° A quantia que for paga pela Caixa Geral de Depositos, como se determina no artigo anterior, constituirá receita extraordinaria do Thesouro no anno economico de 1909-1910.

Art. 5.° O Governo decretar á as providencias regulamentares necessarias para a execução d'esta lei e melhor distribuição dos serviços, não podendo, porem, aumentar o numero dos empregados actualmente existentes, nem as despesas inscritas no orçamento da Caixa, approvado para o presente anno economico.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Fazenda, aos de 6 março de 1909. = Manuel Affonso de Espregueira.

Bases a que se refere a lei d'esta data

Base 1.ª

Attribuições da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia
Artigo 1.° A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia tem por fim:

1.° A arrecadação é restituição de todos os valores em dinheiro, papeis de credito e especies diversas, cujos depositos devam por lei constituisse nos seus cofres;

2.° A guarda e restituição de todos os depositos em dinneiro e em papeis- de credito, effectuados voluntariamente pelos corpos administrativos, pelos estabelecimentos de beneficencia, instrucção ou piedade, ou pelas caixas economicas populares legalmente constituidas;

3.° Administração e restituição de todos os depositos que se realizarem por intermédio da Caixa Economica Portuguesa;

4.° A arrecadação e emprego dos fundos pertencentes ás operações da desamortização ordenadas pelas leis de 4 de abril de 1861, 25 de junho de 1864, 22 de julho de 1866 e 26 de agosto de 1869, e bem assim o processo para o averbamento dos titulos comprados por virtude d'essas operações;

5.° A compra e averbamento de titulos para conversão de outros titulos, ou valores depositados na Caixa Geral de Depositos;

6.° A compra e averbamento de titulos para conversão de depositos efectuados na Caixa Economica Portuguesa, ou de quaesquer outros depositos voluntarios especialmente feitos com esse destino;

7.° Contratar com o Governo a collocação de titulos de qualquer emprestimo legalmente emittido, ou de outros valores fiduciarios na posse do Estado;

8.° Administrar, a Caixa de Aposentações para as Classes Operarias e Trabalhadoras, criada nos termos dos decretos com força de lei de 29 de agosto e 19 .de dezembro de 1907:

9.° Desempenhar quaesquer outros serviços que por lei lhe sejam attribuidos.

§ 1.° Pelos depositos em dinheiro, constituidos nos termos do n.° 1.°, será abonado aos depositantes o juro de 2 por cento ao anno, sessenta dias depois de entrarem nos cofres da Caixa e até o dia em que se apresentar o precatorio ou mandado legal de levantamento.

§ 2.° Pelos depositos necessarios constituidos em titulos, que não forem ordenados pelas autoridades judiciaes,

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a Caixa cobrará a commissão annual de 1 por mil do seu valor nominal.

§ 3.° Pelos depositos voluntarios effectuados em dinheiro, nos termos dos n.ºs 2.° e 3.°, abonará a Caixa o seguinte juro annual, capitalizado no fim de cada anno economico: 3,60 por cento aos depositos até 5 contos de réis, 2 por cento nos de quantia superior.

§ 4.° Pelas operações constantes do n.° 4.° a Caixa não paga juros, e pelo encargo da compra e averbamento dos titulos cobrará a commissão de 1 por mil do seu valor real.

§ 5.° Pelas compras e averbamentos de titules, effectuados nos termos dos n.ºs 5.° e 6.°, cobrará a Caixa a commissão de 2 por mil do valor real dos mesmos titulos.

§ 6.° Pelas operações designadas no n.° 7.° receberá a Caixa a commissão que for combinada com o Governo.

Art. 2.° Não são permittidos depositos voluntarios de quantia superior a 20 contos de réis salvos os effectuados pelos corpos administrativos ou estabelecimentos publicos de instruceão, ou os que forem especialmente destinados á compra de titulos.

§ unico. A taxa de juro dos depositos voluntarios pode ser alterada pelo Governo, sob proposta do Conselho da Caixa e precedendo aviso publicado no Diario do Governo, com dez dias de antecedencia.

Art. 3.° Em todos os concelhos do continente e ilhas adjacentes deverão estabelecer-se delegações da Caixa Economica Portuguesa, á medida que as circunstancias economicas das localidades o aconselharem.

Da mesma forma poderão tambem estabelecer-se delegações nos bairros operarios de Lisboa e Porto.

§ unico. De acordo com o Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, poderão criar-se agencias da Caixa Economica Portuguesa nas estacões postaes.

Art. 4.º A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia poderá emittir e collocar de conta propria, e sob garantia do Governo, obrigações que representem emprestimos feitos ao Estado e ás corporações administrativas, com encargos não superiores aos dos mesmos emprestimos.

A emissão das obrigações será sempre autorizada pelo Governo em decreto publicado na Folha Official.

Art. 5.° No desempenho das suas attribuições, a Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia está autorizada:

1.° A restituir todas as importancias depositadas e juros respectivos, mediante a apresentação de documentos legaes e sem dependencia de outra, qualquer ordem ou formalidade;

2.° A trocar titulos antigos, sujeitos á conversão, por novos titulos criados em virtude de conversões legalmente autorizadas, e quer pertençam ao fundo da Caixa, quer estejam constituindo depositos ou servindo de penhor de contratos, cobrando a Caixa, n'estes ultimos casos, a commissão de 1 por mil sobre o valor nominal dos novos titulos;

3.° A receber o producto de titulos sorteados, fazendo a conversão do deposito e enviando novo conhecimento, cobrando a eommissão de 1 por mil do valor nominal dos titulos;

4.° A proceder pela mesma forma em relação a quaesquer valores depositados, sujeitos a liquidação immediata, promovendo as respectivas cobranças e recebendo alem da commissão de 1 por cento as despesas que tiver sido obrigada a fazer;

5.° A receber por conta de quem de direito os juros dos titulos que se achem em deposito ha mais de tres annos, constituindo com a sua importancia novos depositos e cobrando sobre ella a commissão de 1 por cento.

6.° A cobrar directamente os juros dos titulos que garantam os seus creditos e a vender os mesmos titulos, quando se torne necessario para reembolso dos creditos vencidos e não pagos.

Art. 6.° A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia está igualmente autorizada a comprar e a vender titulos por conta propria e a levantar por emprestimo quaesquer quantias sobre o penhor dos mesmos titulos, sendo porem indispensavel, nestes dois ultimos casos, previa autorização do Governo.

§ unico. A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia só pode adquirir por conta propria titulos de divida publica portuguesa, ou que tenham a garantia do Governo Português.

Art. 7.° O Estado assegura a restituição de todos os depositos, bem como garante todas as operações effectuadas pela Caixa Economica Portuguesa, mesmo em casos fortuitos ou de forca maior.

Art. 8.° A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia continuará a desempenhar os serviços relativos aos fundos de viação municipal e de instrucção primaria, e os demais constantes da legislação em vigor ou que de futuro lhe sejam encarregados.

Base 2.ª

Operações para applicação de fundos

Art. 1.° A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia pode effectuar as seguintes operações:

1.ª Fazer emprestimos sobre consignação de juros de titulos de divida publica que não estejam immobilizados perpetua ou temporariamente;

2.ª Fazer emprestimos a curto prazo sobre penhor dos mesmos titulos;

3.ª Fazer emprestimos ao Thesouro Publico nos termos e condições que regularem para a divida fluctuante do mesmo Thesouro;

4.ª Fazer emprestimos em conta corrente, caucionados sob titulos de divida publica e dentro de limites previamente estabelecidos;

5.ª Comprar titulos de divida publica;

6.ª Fazer adeantamentos de vencimentos a servidores e pensionistas do Estado;

7.ª Descontar letras das operações da desamortização;

8.ª Descontar, depois de devidamente acceites, as letras saccadas sobre os cofres dos Ministerios;

9.ª Fazer operações em conta de subsidios devidos por lei descritos no Orçamento Geral do Estado como encargo regular e effectivo do Thesouro, precedendo autorização especial do Governo, e emprestimos a este, a longo prazo, desde que estejam devidamente autorizados e que os respectivos encargos figurem no Orçamento Geral do Estado;

10.ª Fazer emprestimos a estabelecimentos publicos, a corporações administrativas e a institutos de piedade, beneficencia e instrucção, nos termos dos n.ºs 2.° e 9.° d'este artigo;

11.ª Descontar warrants nos termos da lei de 18 de setembro de 1908;

12.ª Effectuar quaesquer outras operações permittidas por lei.

Base 3.ª

Administração superior da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia

Art. 1.° A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia é gerida por um administrador geral e por um conselho, o qual se denominará Conselho da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia.

Art. 2.° Competem ao administrador geral as seguintes attribuições:

1.ª Superintender em todos os serviços dependentes d'esta instituição;

2.ª Inspeccionar e ordenar inspecções aos mesmos serviços;

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3.ª Representar a Caixa em todos os actos em que esta tenha de intervir;

4.ª Determinar tudo o que .seja conveniente para o bom funccionamento e regularidade dos serviços;

5.ª Distribuir o pessoal peias diversas repartições conforme as conveniencias do serviço;

6.ª Exercer em relação ao mesmo pessoal as attribuições que lhe competirem pelo regulamento;

7.ª Presidir aos balanços, formular as contas e fazer o relatorio annual da gerencia da Caixa;

8.ª Despachar todos os processos e resolver todos os assuntos, ainda os de natureza contenciosa, que não sejam reservados ao Conselho;

9.ª Organizar e propor ao Conselho o orçamento da receita e despesa annual;

10.ª Levar ao conhecimento do Conselho todos os assuntos em que este tenha de intervir;

11.ª Propor ao mesmo conselho as providencias que julgue convenientes aos interesses da instituição e para os quaes seja necessaria a approvação do Governo ou das Camarás Legislativas;

12.ª Dar parecer sobre os assuntos relativos a esta instituição e em que o Governo entenda dever ouvi-lo;

13.ª Desempenhar todas as mais attribuições que lhe competirem por esta lei e respectivos regulamentos, ou por outras leis especiaes.

Art. 3.° As attribuições do conselho são deliberativas e fiscaes. No desempenho das funcçÕes deliberativas compete-lhe:

1.ª Resolver sobre a conveniencia de realizar quaesquer contratos com o Governo, corpos administrativos ou outras entidades, e estabelecer as respectivas condições;

2.ª Determinar no principio de cada anno economico a taxa do juro das diversas operações que o não tiverem fixado por lei ou contrato e alterar a mesma taxa em qualquer época do anno, quando as circunstancias assim o aconselharem;

3.ª Estabelecer as condições geraes em que poderão fazer-se emprestimos a particulares, sobre penhor de fundos publicos, percentagem sobre as cotações e resolver sobre o reforço dos mesmos penhores quando se torne necessario, e bem assim determinar as quantias que devem ser applicadas a estas operações;

4.ª Estipular, nos termos do artigo anterior, as condições e os limites em que poderão abrir-se contas correntes caucionadas;

5.ª Propor ao Governo a emissão de obrigações, permittida pelo artigo 4.° d'esta lei, indicando os termos em que deve fazer-se;

6.ª Resolver, sobre a collocação d'essas obrigações ou de outros titulos pertencentes ao Estado, nos termos do n.° 7.° do artigo 1.º desta lei;

7.ª Resolver sobre a compra e venda de titulos por conta da Caixa e sobre o emprego a dar ás suas disponibilidades e ao fundo de reserva, bem como ácerca da conveniencia de realizar qualquer emprestimo sobre penhor de titulos que tenha em conta propria;

8.ª Dar o seu parecer sobre os assuntos que lhe forem propostos pelo Governo ou pelo administrador geral;

9.ª Propor ao Governo, de sua iniciativa, as medidas que julgue convenientes para o melhor funccionamento da Caixa;

10.ª Deliberar sobre os mais assuntos que lhe sejam attribuidos por esta lei e respectivos regulamentos;

No desempenho das funccoes de fiscalização compete-lhe:

11.ª Dar o seu parecer sobre o projecto do orçamento annual da Caixa, relatorio e contas annuaes da administração;

Fiscalizar toda a escrituração e movimento de fundos, podendo assistir aos balanços e requisitar que estes se effectuem em qualquer época do anno.

Art. 4.° O Governo poderá mandar inspeccionar, sempre que o julgue conveniente, a escrita e o movimento de fundos da Caixa.

Art. 5.° As contas annuaes da gerencia e do thesoureira da Caixa serão submettidas ao julgamento do Tribunal de Contas.

Art. 6.° O administrador geral é de nomeação do Governo e só poderá ser exonerado ou demittido do exercicio das suas funcções nos termos e pela forma por que o podem ser os vogaes do Tribunal de Contas, aos quaes é equiparado.
Nos seus impedimentos será o administrador geral substituido pelo chefe de repartição mais antigo ou pelo que for indicado pelo Governo.

Art. 7.° O Conselho da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia compoe-se de cinco membros: dois eleitos pela Camara dos Pares, dois pela Camara dos Deputados e um nomeado pelo Governo, que tambem de entre todos nomeará o presidente e vice-presidente.

§ unico. Haverá igualmente cinco substitutos escolhidos pela mesma forma que os effectivos.

Art. 8.° Os membros do conselho funccionam por tres annos. A eleição deverá realizar-se na primeira sessão ordinaria anterior a cada triennio e na mesma epoca deve o Governo proceder ás nomeações.

Art. 9.° O administrador geral assiste ás reuniões do conselho e tem voto em todos os assuntos deliberativos, e nas resoluções sobre assuntos de fiscalização tem apenas voto consultivo.

Art. 10.° As resoluções são tomadas pela maioria dos votos presentes, e, em caso de empate, o presidente terá voto de qualidade.

§ unico. Servirá de secretario do conselho um empregado do quadro da Caixa, designado pelo administrador geral.

Art. 11.° Das deliberações do conselho, negando a sua autorização a quaesquer contratos, não cabe recurso algum. Das deliberações concedendo autorização para qualquer contrato cabe recurso para o Governo, interposto pelo administrador geral, quando este entenda que d'ella podem resultar prejuizos importantes para a Caixa ou para o Estado. Igual recurso lhe é permittido das resoluções do conselho sobre a applicação a dar ás disponibilidades e ao fundo de reserva da Caixa.

Art. 12.° O logar de administrador geral e o de membro do Conselho é incompativel com as funcções de governador, director ou membro do conselho de administração de qualquer estabelecimento bancario e com a profissão de banqueiro.

Art. 13.° Os membros do Conselho teem o vencimento annual de 600$000 réis cada um, pagos pelos lucros da caixa, sendo-lhes descontada a quota parte correspondente ás sessões a que faltarem.

§ unico. No impedimento dos effectivos compete este vencimento aos respectivos substitutos.

Base 4.ª

Disposições geraes

Art. 1.° O orçamento da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia deverá ser enviado ao Ministro da Fazenda até o dia 30 de novembro de cada anno, para ser presente ás Camaras legislativas em annexo ao Orçamento Geral do Estado. Até o dia 15 de janeiro será publicado o relatorio da administração da Caixa, relativo ao anno economico anterior, acompanhado do parecer do conselho e distribuido pelos membros das camaras legislativas.

Art. 2.° A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia é equiparada para todos os effeitos ás Secretarias de Estado. Os contratos n'ella celebrados terão a

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mesma validade como se fossem lavrados por notario publico.

Art. 3.° As operações effectuadas pela Caixa Economica Portuguesa com os seus depositantes são isentas de imposto de sello, e os depositos recebidos pôr esta repartição, para os effeitos de penhora e arresto, são equiparados ás pensões de que trata-o n.° 9.° do artigo 815.° do Codigo do Processo Civil.

Art. 4.° Os depositos provenientes de espolios ultramarinos ou consulares, bem como os depositos constituidos por pessoas que vierem a fallecer, podem ser entregues por despacho ao administrador geral a quem provar ter a ellas direito, quando a quota parte respectiva a cada herdeiro não exceder 1:000$000 réis, mediante habilitação administrativa, nos termos das leis de 2 de agosto de 1845, ò de agosto de 1804 e 1 de julho de 1886.

§ unico. As habilitações de que trata este artigo estão sujeitas ao pagamento de 1 por cento do seu valor real.

Art. 5.° A Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia é representada em juizo pelos agentes do Ministerio Publico perante os respectivos tribunaes, e goza da isenção de sellos e custas nos mesmos termos em que a tem a Fazenda Nacional.

Art. 6.° O administrador geral, em despacho fundamentado, resolverá as duvidas que se suscitarem sobre a restituicão de qualquer deposito necessario ou voluntario. Do despacho do administrador geral cabe aos interessados recurso para a relação de Lisboa e desta para o Supremo Tribunal de Justiça, os quaes serão processados como de aggravo e com intervenção do Ministerio Publico.

§ unico. Do accordão da Relação revogando o despacho do administrador geral, deverá sempre o Ministerio Publico interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Art. 7.° Os juros em divida de quaesquer quantias depositadas na Caixa Geral de Depositos que não forem reclamados no prazo de tres annos a contar da data do levantamento total do mesmo deposito, cessam de ser exigiveis e revertem a favor da Caixa.

Art. 8.° Pela mesma forma cessam de ser exigiveis e revertem a favor da Caixa todos os depositos voluntarios que no prazo de trinta annos, não tenham tido movimento por parte dos interessados.

Art. 9.° Todos os depositos necessarios que durante cincoenta annos não tenham tido qualquer movimento deixam igualmente de ser exigiveis e revertem a favor da Caixa, salvo mostrando-se que ha processo judicial pendente, e que este não esteve parado por mais de um anno no cartorio do escrivão.

§ unico. A disposição deste artigo só principia a ter applicação decorrido o prazo de dez annos depois de vigorar esta lei.

Art. 10.° Os objectos depositados de ouro, prata, joias e outros objectos preciosos podem, ser vendidos independentemente de precatorio, em leilão publico, passados dez annos sobre a data da constituição do deposito, não tendo havido reclamação em contrario dos interessados.

Do producto liquido da venda se fará novo deposito.

Art. 11.° Todos os fundos da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia serão centralizados num cofre geral embora hajam contas especiaes.

Art. 12.° O administrador geral corresponde-se com todas as autoridades e funccionarios, e poderá ouvir, quando o julgar conveniente, e sobre negocios da sua competencia, a Procuradoria Geral da Coroa e Fazenda.

Art. 13.° Dos lucros auferidos pela Caixa Geral de Depositos sairão todas as despesas com a sua administração.

Art. 14.° O saldo de contas de ganhos e perdas da Caixa Geral de .Depositos, depois de deduzidas as prestações não pagas para a amortização da divida externa, passará a constituir um fundo de reserva para fazer face a futuros prejuizos extraordinarios na liquidação de contratos feitos pela mesma Caixa ou á depreciação extraordinaria de titulos a ella pertencentes.

§ unico. A este fundo de reserva serão creditados 20 por cento dos lucros annuaes da Caixa, entrando em receita do Estado a parte restante dos mesmos lucros.

Secretaria de Estado dos Negocios da Fazenda, aos 6 de março de 1909. = Manuel Afonso de Espregueira.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.° Estão inscritos os Srs. Rodrigues Nogueira, relator e Anselmo Vieira.

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Sr. Presidente: quando mandei o parecer para a Imprensa é claro que o revi, com todo o cuidado; mas depois adoeci e não tive occasião de rever as provas, que trouxeram alguns erros. Por isso apresso-me a mandar para a mesa as correcções que me pareceram mais essenciaes e que são as seguintes:

1.ª No § unico do artigo 3.° do projecto de lei e § unico do artigo 2.°;

2.ª No artigo 2.° da base 1.ª, attribuição 2.ª, "pelas" sociedades em vez de "nas" sociedades;

3.ª No artigo 7.° da base 3.ª "Supremo Tribunal Administrativo" em vez de "Supremo Tribunal de Contas";

4.ª No § unico do artigo 14.°, entre as palavras "serão" e "creditados" acrescentar "no futuro";

5.ª No § 1.° do artigo 21.° da base 4.ª supprimir as palavras "sem vencimento". = Antonio Rodrigues Nogueira.

Lidas na mesa e consultada a Camara, foram admittidas, ficando em discussão juntamente com o projecto.

O Sr. Pereira de Lima: - Sr. Presidente: V. Exa. pode fazer obséquio de me facultar essas propostas de emenda?

O. Sr. Presidente: - Vou enviá-las a V. Exa.

O Sr. Lourenço Cayolla: - Mando para a mesa a ultima redacção sobre o projecto de lei que diz respeito ao emprestimo da Camara Municipal de Gouveia.

O Sr. Anselmo Vieira: - Principia por afirmar que não contava usar hoje da palavra, todavia não desiste d'ella.

Lamenta a maneira como se consegue em Portugal administrar os negocios da Fazenda Publica e sente do fundo da sua alma que o nosso país está irremediavelmente perdido se nos não mudarmos o rumo que levamos.

Quando foram apresentadas as propostas de fazenda pelo Sr. Espregueira, Ministro da Fazenda de então, e entre ellas se incluiu a que actualmente está na tela do debate, levantou-se na imprensa e no Parlamento uma discussão viva, violenta, acalorada, contra esse Ministro da Fazenda, e procurou-se por todas as formas patentear e a gravidade da situação financeira deste desgraçado país, evidenciando se de modo irrefragavel que dentro de todos os espiritos portugueses a questão que mais se sobrelevava era a miseranda situação financeira. Elle, orador, enfileirou-se na ala dos que assim procederam. E na ansia implacavel de atacar os Ministerios Ferreira do Amaral e Campos Henriques, chegou até a dizer-se, sonoramente, em certa occasião, que o Sr. Espregueira nada mais sabia fazer do que vender os titulos da divida publica na posse da Fazenda, aumentar a divida fluctuante e empenhar os valores que encontrara na arca do Thesouro, sem nada fazer que resolvesse a negra situação financeira de tão angustiado país. Ainda aqui, apesar de

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fazer parte d'esse Ministerio, amigos pessoaes d'elle, orador, acompanhou os protestos que se ergueram, violentamente contra a rude marcha financeira do país.

De entre todas as questões que faziam palpitar de enthusiasma e febril ardor aquelles que só queriam e querem o bem da pátria, resaltava, como nenhuma outra, a questão de Fazenda.

O Ministerio Campos Henriques é violentamente atacado, o rudemente digladiado, porque a questão de Fazenda não encontrava solução pronta e cabal. Aqui, ainda elle, orador, recalcando no amago do seu coração affectos pessoaes que o prendiam ao nobre Presidente do Conselho, acompanhava com todo o calor da sua. pálida palavra e com a força da sua penna insignificante e desvaliosa, os protestos d'aquelles que entendiam que a questão financeira era um grave perigo para a decadente patria portuguesa.

Então, cae o Ministerio Campos Henriques, succedendo-lhe o Ministerio Sebastião Telles e perante as declarações inexpressivas, inequivocas, que nada significavam e nada queriam dizer, perante essas declarações que nada possuiam de bom, de util, para a resolução da questão financeira, continuaram ainda os mesmos clamores, os mesmos violentos e alarmantes protestos, porque era. necessario sem perda de um segundo, com a maxima celeridade, reorganizar-se a situação financeira do país para evitarmos um grave desastre, alguma bancarrota. E ainda aqui elle, orador, apoiava esses que erguiam clamorosamente a sua voz para acudir a tão instante perigo, que ameaçava o país.

Fazendo já por terra o Ministerio Sebastião Telles, organizou se o actual Gabinete, que fez a apresentação solemne á Camara ha poucas semanas: Ouvimos aqui, nesta Casa do Parlamento, essas palavras esphingicas, diplomáticas, mysteriosas, sybillinas, dos velhos tempos, com diversas interpretações. Toda a Camara escutou attentamente e avidamente as palavras do Sr. Presidente do Conselho e nem uma só frase, referencia, ou resquicio do seu pensamento, sobre o que architectara fazer o Governo na palpitante questão da Fazenda.

Mas, oh, estranha coincidencia! Os que então o acompanharam a elle, orador, e faziam repercutir por essa Camara fora os ecos dos protestos das nossas revoltadas consciencias, esses que o acompanharam a elle, orador, e que vociferaram contra as propostas do Sr. Espregueira, porque as reconheciam inuteis, estereis e prejudiciaes para os interesses do pais, esses agora calam-se, emmudecem, correspondendo á mudez do Gabinete. Estranha contradicção esta!

Deve elle, orador, entretanto, dizer que em tudo quanto acaba de proferir -e apressa-se a declará-lo lealmente - não vae uma sombra, sequer, de desprimor que seja para o nobre Ministro da Fazenda da situação actual. Não tem elle, orador, a honra de ser das relações de S. Exa., mas amigos pessoaes seus, dignos do maior credito, todos confirmam que S. Exa. possue um caracter crystallino de subida honradez e uma intelligencia lucida servida por vasta illustração. Isso tanto basta para que elle, orador, lhe enderece as homenagens do seu respeito e de sua sinceridade.

Continuando, observa o orador que, volvidos cinco meses depois da apresentação das propostas do Sr. Espregueira, dessas propostas inuteis, estereis, prejudiciaes, obsoletas, foram convidadas varias individualidades para assumir a melindrosa pasta das finanças, e o que se offe rece paradiscutir é ainda uma proposta do Sr. Espregueira. Ou não ha quem faça melhor, ou não querem fazer.

Leu elle, orador, attentamente, o projecto, prescrutou-o quanto podia, mas nada encontrou de revelação nitida e flagrante de alto plano financeiro, ou capacidade financeira.

Entrando, seguidamente, na analyse do projecto, diz que a ideia do seu autor não foi mais do que estabelecer em Portugal a criação de um Banco de Estado. Noutra qualquer parte, que não fosse Portugal, esse estabelecimento do Banco de Estado podia decerto ainda ter a sua quota parte de sympathia e a sua corrente de benevolencia, mas no nosso país é impossivel. Alem d'isso todos sabem o que acontece em França.

Por ultimo, diz que o projecto vae ser approvado, por a maioria o approvar, mas apprová-lo-ha virtualmente; allude aos grandes defaits que existem no orçamento, affirmando que as finanças jamais se tornarão prosperas émquanto não se equilibrar a receita com a despesa; declara que desde 1892 até hoje aumentamos a divida fluctuante extraordinariamente; aumentamos a conta corrente com o Banco de Portugal para 20:000 contos de réis; fizemos emprestimos para navios de guerra, classes inactivas; e recorremos ao credito com a somma espantosa de 130:000 contos de réis.

Falando incidentemente da religião, diz. que esta não é mais do que um facto subjectivo da consciencia individual de cada um, e que elle, orador, não se preoccupa com a questão da liberdade porque esta está perfeitamente assegurada; e reportando-se á lei de imprensa declara que essa lei não é tão má como parece.

Termina, pedindo para que todos nosnos congreguemos para num derradeiro esforço vencer as difficuldades financeiras para prosperidade da nossa pátria.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro da Fazenda (Paula Azeredo): - Sr. Presidente: cumpre-me responder a um orador que me recorda ter já ouvido celebrando enthusiasticamente as glorias adquiridas pelas nossas armas nas guerras de Africa.

N'essa occasião tinha S. Exa. um thema. que su prestava facilmente aos primores da sua linguagem e ao brilho da sua eloquencia, mas vejo que S. Exa. sabe tratar com a mesma elevação e com o mesmo brilho, quer as questões que animam a alma nacional, quer as varias questões financeiras.

Collocou-me S. Exa. mima situação ao mesmo tempo agradavel, mas ao mesmo tempo difficil; agradavel porque é sempre bom discutir com quem tão detidamente apresenta argumento a favor das ideias que expõe, e o seumodo de ver sobre esta arida questão, com tanta franqueza e lealdade; mas ao mesmo tempo é motivo de pesar o ter de responder a. um orador que dispõe de frases tão brilhantes como S. Exa.

Eu, que não disponho dos mesmos recursos nem tenho hábitos desta tribuna como S. Exa., não poderei tratar, certamente, a questão que se ventila por forma a interessar a Camara.

E certo que S. Exa. por vezes se afastou do assunto em discussão, mas fe-lo por uma forma tão cativante, que conseguiu prender a attenção da Camara, o que eu, com certeza, não posso fazer, dada esta differença.

É certo que S. Exa. se encarregou em grande parte de responder ou desculpar esta deficiencia, porque S. Exa. disse no final do seu discurso algumas palavras e alguns commentarios fez á marcha dos acontecimentos politicos em Portugal, e que se resumem na célebre frase do Barão Louis, Ministro da Restauração; que dizia: "Deem-me boa politica e eu darei boas finanças".

Os Ministros da Fazenda teem lutado contra uma grande diificuldade: uma politica que tem tornado impossivel a apresentação de medidas de importancia.

S. Exa. fez a critica da situação financeira e depois indicou qual seria a forma de a remediar. S. Exa. falou numa remodelação do systema tributario.

Sr. Presidente: certamente a Camara não exige de mim

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que depois de dois meses da minha enteada para o Ministerio da Fazenda eu possa apresentar desde já uma remodelação ao sistema, tributario. (Apoiados)

S. Exa. assustou-se com o deficit; a maneira, de o fazer desapparecer é criar receitas, mas na occasião presente, nos vemos que as grandes nações da Europa, todas ellas saldaram os seus orçamentos com deficits e os remedios de que lançam mão é criar impostos, medida, adversa a todos os Parlamentos, que seguem a mesma orientação que o nosso. O verdadeiro problema está, em se saber, escolher entre todos, os impostos aquelle que com menor difficuldade poderá receber aumento, mas, comtudo, será sempre imposto, e impostos apresentados n'uma Camara dividida como esta tem estado seria, lançar mais elementos de discordancia, elementos de perturbação que viriam criar difficuldades insuperaveis, ao actual Gabinete.

Entendo não poder atacarão problema financeiro por este lado, mas não posso deixar de dizer que o país tem que pagar mais, e não pode deixar de pagar mais, (Apoiados).

Não ha duvida que S. Exas. teem razão quando, dizem que é preciso fazer desapparecer o constante desequilibrio entre as receitas e as despesas do Estado mas esse pensamento não se impõe desde já, porque na vida das nações, um mês mais ou um mês menos, um anno mais ou um anno menos, tem uma importancia relativamente insignificante.

O deficit está sujeito a dois factores que, sobre elle exercem uma influencia importantissima, quaes são: o credito e o cambio.

Desde o momento em que o país conseguisse levantar o seu credito por forma, a obter o dinheiro que precisasse ao preço que corre nas praças estrangeiras, isto seria sufficiente para que, sem sacrificios do nosso pais, a situação melhorasse immediatamente.

Eu não tenho a pretensão de conseguir por nenhum projecto ou proposta de lei a obtenção de tal resultado, más o que posso e penso poder fazer é encaminhar as cousas nesse sentido.

Eu penso que em materia financeira, mais do que em nenhuma outra, a marcha das nações não se pode fazer por assalto. (Apoiados).

S. Exa. foi talvez impiedoso na critica dirigida a um dos ultimos Ministros da Fazenda. (Apoiados).

Eu não tomo aqui a defesa desse Ministro, mas quando S. Exa. o accusou de que as medidas, por elle apresentar das eram de todo estereis, eu penso que S. Exa. não se alheou do objectivo politico que tinha em vista.

Eu comprehendo que S. Exa. discorde profundamente da forma por que esse Ministro apresentou ao Parlamento as medidas que entendeu dever apresentar, mas não ha duvida de que em grande parte elle viu as difficuldades reaes do problema financeiro e apenas recuou deante dos grandes impostos. (Apoiados). S. Exa. não teve a coragem de apresentar á Camara uma remodelação do systema tributario. S. Exa. sob este ponto de vista limitou-se a apresentar medidas de alcance moderado, mas foi por isso mesmo que devia produzir no país e no Parlamento um abalo profundo a respeito da reducção dos impostos. Eu penso, pelo que me diz respeito, que tenho procurado fazer isso tanto quanto possivel; tenho trabalhado para esse fim na commissão do orçamento e qualquer dos membros dessa commissão poderá testemunhar as diligencias que eu fiz para não aumentar as despesas sem as justificar rigorosamente. (Apoiados). Mas eu penso ainda uma outra cousa; eu penso que a reducção das despesas não pode por forma nenhuma evitar o aumento dos impostos; eu penso, Sr. Presidente, que a reducção de certas despesas e mesmo o desenvolvimento progressivo dos impostos actuaes tem de ser fatalmente resolvido por causa de outras despesas tambem sempre crescentes.

Examine-se qualquer dos orçamentos dos Ministros transactos. Em qualquer d'elles se encontram, lacunas que é preciso remediar immediatamente.

Eu não queria referir-me agora, a um outro facto, mas a elle me vou referir visto ter defronte de mim a illustre director geral de instrucção publica.

Trouxe-me S, Exa. á ideia um facto.

Todos sabem; que a instrucção publica em Portugal, sobretudo a instrucção primaria, tem receitas mas ellas são insufficientes. O Estado vê-se obrigado a dispor para o fundo da instituição primaria de uma verba importantissima; essa verba alcança hoje já talvez mais de 30 por cento, e está crescendo, constantemente; a receita não cresce, o que cresce é o encargo.

O que ninguem pensa é que as receitas criadas para essas escolas são as mais minguadas.

E o que diria, meus senhores, ao pensar nas receitas das nossas colonias!

E é nestas condições que alguem pode ter illusões de que a reducção de despesas podia dar algumas centenas de contos de réis e que esses aumentos progressivos das receitas seriam sufficientes para dispensar novos sacrificios?

Eu não espero nem desejo ser o escolhido para apresentar esses projectos, de exigencia, de novos sacrificios ao Parlamento.

Não posso, senão ha ao Parlamento as propostas de fazenda que, tenciona apresentar e que o Sr. Anselmo Vieira, que, tanto se tem dedicado ao estudo d'estas questões, ha de apreciar.

Não tenho duvida de nesta altura me referir especialmente ao projecto de lei que trata de reorganizar os serviços da Caixa Geral de Depositos.

Devo dizer que não tenho responsabilidade nenhuma neste projecto. Não fui eu que o imaginei, não fui eu que o apresentei ao Parlamento, não fui eu que o discuti; já o encontrei na commissão de fazenda.

Devo dizer uma cousa mais. Qualquer proposta de lei que traga ao Parlamento, para remodelar algum serviço, não tenho a pretenção de o fazer por completo. Se por acaso a minha iniciativa se exercer, apenas procurarei reformar o serviço o melhor que possa.

Quando se tem de collaborar com muitos individuos, como succede em todas as corporações, a tarefa torna-se mais difficil e a grande difficuldade não está em encontrar uma solução; a grande difficuldade está em arranjaria de maneira que seja acceite pela maioria. Assim succede que as obras das collectividades são, em regra, inferiores ás obras individuaes, porque é necessario transigir com muita maneira de ver.

Ora eu encontrei o projecto de lei que havia sido elaborado por homens que conheciam o funccionamento da Caixa Geral de Depositos. Esses homens não eram desconhecidos na politica portuguesa, porquanto eram o Sr. Eduardo Villaça e Moraes de Carvalho.

Esses homens, de acordo com o administrador da Caixa Geral de Depositos, formularam este projecto de lei, que, ao ser submettido á commissão de fazenda, mereceu a sua approvação. Na commissão todos concordaram, excepto o illustre Deputado a quem estou respondendo, que ainda não assinou este parecer vencido.

(Interrupção).

Naturalmente, se tivesse assinado vencido, eu teria concluido que S. Exa. rejeitava em absoluto o projecto. Nestas condições, parecia que o projecto tinha já bastantes padrinhos para poder ser considerado bom, e, como eu entendo que elle representava um progresso sobre a situação actual, não tive duvida nenhuma em concordar com elle.

O projecto tem duas partes: uma financeira e outra propriamente organica.

Na parte financeira, S. Exa. disse que elle representava um expediente, não propondo disfarçar isso; mas não disse

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26 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

que esse expediente devia ser posto de parte e abandonado, e acho que fez muito bem em o não dizer, porque, á falta de melhor, deve ser um expediente que represente uma questão de primeira necessidade.

A origem desta solução financeira está numa operação que o Governo Português procura remediar; e eu entendo que o procurar remediar essa extorsão que se fez...

(Interrupção).

Não ha duvida nenhuma. A Caixa não podia recusar os titulos que lhe eram reclamados. (Apoiados).

Eu acho isto de boa fé e lealdade, e prova que o Governo procura cumprir honradamente os seus compromissos.

O Governo viu-se em uma occasião difficil obrigado a lançar mão de recursos que, em rigor, lhe estavam vedadas; mas fê-lo passados annos, e hoje procura remediar, esse mal, pelo modo por que o pode fazer.

Se por acaso o Governo pudesse indemnizar immediatamente a Caixa Geral de Depositos das quantias que lhe foram retiradas, isso seria muito melhor.

Como não é possivel faze-lo, fá-lo pela unica forma porque realmente o pode fazer. (Vozes: - Muito bem).

Por outro lado, isto permitte fazer uma operação de encontro que, se não tem uma grande importancia, e um grande alcance financeiro, sob o ponto de vista orçamental, como S. Exa. muito bem disse, concorre para attenuar sensivelmente o déficit; e, em um país que vive tão dependente do credito, como nos vivemos, essa questão do deficit é uma questão importante.

Portanto, eu penso que a Camara faria bem em approvar essa parte do projecto.

Quanto á outra parte, comprehendo que haja uma grande divergencia de opiniões.

Comprehendo que uns queiram que a Caixa tenha mais largas attribuições, outros que tenha menos.

(N'este ponto não se pode acompanhar a palavra do orador por não ser ouvido).

Portanto, as caixas economicas para poderem funccionar, precisam da garantia do Estado, e desde que assim succede, natural é que ellas dependam d'elle e desde que o Estado se encontre em situação angustiosa não admira nada que elle não abandone os proventos dessa instituição.

Eu entendo que é muito melhor a Camara approvar este projecto, tal como está, do que deixar as cousas no estado em que se encontram.

A Camara, pelo facto de approvar este projecto, não abdica do seu direito de o modificar quando entender.

O projecto que se está discutindo não é da minha responsabilidade, mas é um projecto que me é sympathico.

Se a Camara me perguntar se ao Governo é necessario este projecto, dir-lhei que não.

Não ha duvida que pode continuar a viver como até aqui tem vivido, mas certos abusos que poderiam ser corrigidos por esta forma continuam em aberto.

A Caixa precisa desta organização para continuar a auferir os ganhos que até agora tem auferido?

Da mesma forma, mas o que não ha duvida é que a Caixa ganhará com o systema que se propõe. (Muitos apoiados - Vozes: - Muito bem, muito bem).

(O orador foi muito cumprimentado).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Malheiro Reymão: - É outro projecto como o das casas baratas.

O Sr. Archer da Silva: - Requeiro a contagem.

O Sr. Presidente: - Estão presentes apenas 49 Srs. Deputados, numero insufficiente para a sessão poder continuar.

A proxima sessão é na segunda-feira, 2 de agosto, á hora regimental, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje e mais o parecer n.° 71 - tratado com a Allemanha.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e 10 minutos da tarde.

Documento mandado para à mesa nesta sessão

Representação.

Da Camara Municipal de Oliveira de Azeméis, expondo as vantagens que adviriam cem a compra de um prédio onde pudessem ser installadas todas as repartições publicas.

Foi apresentado pelo Sr. Deputado João Pereira de Magalhães e enviado á commissão de administração publica.

O REDACTOR = Sergio de Castro.

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