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N.º 18.
SESSÃO DE 28 DE FEVEREIRO.
1855.
PRESIDÊNCIA DO Sr. SILVA SANCHES.
Chamada: — Presentes 80 Srs. Deputados.
Abertura: — Um quarto de hora depois do meio dia.
Acta: — Approvada.
CORRESPONDENCIA.
Uma declaração: — Mandada para a meza pelo Sr. Bordallo, participando que o Sr. Affonso Botelho não pode comparecer á Sessão de hoje. — Inteirada.
Uma representação: — Da Direcção do Banco de Portugal, pedindo que a Camara approve a Proposta do Sr. Mello e Carvalho, para que, sem perda de tempo, seja nomeada uma Commissão de Inquerito, encarregada de proceder a todos os exames convenientes em relação ao estado e gerencia do Banco de Portugal, e designadamente ao que diz respeito ás arguições, pontos, e documentos alludidos pelo Sr. Ministro da Fazenda na Sessão de 25 do corrente, mez.
O Sr. Presidente: — Como a Proposta do Sr. Mello e Carvalho a que se refere esta Representação, vai ter segunda leitura; fica a Representação sobre a Meza, para ser considerada conjunctamente.
SEGUNDAS LEITURAS.
Proposta: — Proponho que se nomeie uma Commissão de Inquerito, composta de cinco Membros desta Camara, que nem directa nem indirectamente sejam interessados no Banco de Portugal, a fim de escrupulosamente examinar para instrucção 'desta mesma Camara e do Paiz:
1.º Se o Banco de Portugal em algum tempo ou occasião emprestou dinheiro a mais de 5 por cento na conformidade do seu Regulamento. —
2.º Se levou e pediu em algum tempo commissão superior áquella que é geralmente usada e licita no commercio, pelas corretagens de operações de que o Governo o incumbisse, e elle acceitasse.
3.º Quaes são os auxilios prestados ao Commercio e á Industria, segundo as suas forças, e que emprestimos tem feito ao Governo, e com que juro.
4.º Se o Banco de Portugal tem ou não cumprido por a sua parte todas as obrigações a que se comprometteu por contracto solemne com o Governo, e por Lei. — Antonio de Azevedo Mello e Carvalho.
Foi admittida e entrou em discussão.
O Sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Sr. Presidente, a Camara viu e ouviu, que na Meza foi lida a parte final de uma Representação que a Direcção do Banco de Portugal, usando do direito que lhe assiste, dirigiu a esta Camara, pedindo que seja effectivamente nomeada a Commissão de Inquerito proposta pelo illustre Deputado o Sr. Mello e Carvalho; mas como o Sr. Secretario não leu toda a Representação. (O Sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — É costume ler só a conclusão)
O Orador: — Muito bem. Eu não faço, nem levemente, censura ao illustre Secretario; mas permitta-me a Camara que eu a leia, (ella é muito curta) para poder fundamentar o que tenho a dizer sobre este facto. A Representação diz o seguinte. (Leu)
Desejei ler este documento, para que S. Ex.ª e a, Camara me permittissem, por esta occasião, fazer algumas considerações em abono do que proferi na Sessão a que allude a Representação do Banco, e que são taxadas de inexactas e injustas pela sua Direcção. Demais esta Representação da Direcção do Banco de Portugal, que está no seu direito fazendo-a, sem questão alguma, recae sobre uma Proposta, do Sr. Deputado Mello e Carvalho, e vejo pois que o meu illustre Collega e a Direcção do Banco estão neste ponto de accordo sobre a nomeação da Commissão de Inquerito, e o modo porque ella se deve realisar. Permitta-me por tanto a Camara que eu faça algumas rapidas considerações, para justificar o que eu disse, porque não pode o Ministro da Fazenda ficar debaixo da imputação de ter faltado á verdade ao Parlamento.
Sr. Presidente, o facto mais importante a que me referi, e a que se refere lambem a Representação do Banco de Portugal, contestando a sua exactidão e veracidade, exactidão que foi corroborada pelo meu amigo o Sr. Avila, foi a respeito da exigencia por parte do Banco de 17 (por cento de juros, e para justificar as reflexões que então fiz, peço licença á Camara para ler a integra daquella Portaria do Sr. Avila, quando Ministro da Fazenda e que além de ter sido impressa no Diario do Governo, vem junta tambem a um documento impresso á custa do Banco, em virtude de resolução unanime da sua Assembléa geral. (Leu uma Portaria do Sr. Avila, á Direcção do Banco de Lisboa, e que está impressa no Diario do Governo n.º 210 de 1850.)
Por este documento que acabo de lêr á Camara, e que é impresso, como disse, á custa do proprio Banco, já se vê que, nem vim enganar a Camara
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nem fiz asserções menos exactas e menos justas diante da, Representação Nacional. Não sou capaz disso. (Apoiados)
Tenho na minha mão os documentos que provam as relações que têem havido, ha muitos annos, entre o Governo e o Banco. Não quero fazer o seu processo; mas se os nobres Deputados quiserem examinal-os hei-de poder fornecer-lhes documentos, para mostrar que o Governo se tem recebido auxilios daquelle Estabelecimento, tambem os tem pago generosamente; (Apoiados) repito: tem pago mais doque generosamente esses mesmos auxilios. (Apoiados)
Sr. Presidente, o Sr. Mello e Carvalho propoz que se nomeie uma Commissão de Inquerito está no seu direito'; não hei-de ser eu, por parte do Governo, que venha dizer á Camara que não use dos meios que tem á sua disposição para se esclarecer como julgar mais conveniente sobre um objecto tão grave. Desejo que se faça o Inquerito, mas desejo muito que elle não se faça nó sentido restricto apresentado pelo Sr. Mello e Carvalho, porque esse Inquerito não dá o resultado, e os esclarecimentos precisos para resolver uni objecto tão grave e importante. Quereis um Inquerito ao Banco? Tambem eu o quero; mas é necessario que esse Inquerito verse sobre todas as relações que tem existido entre o Banco e o Governo; é preciso que se examinem as contas; é preciso que se saiba quem é o devedor, e quem é o credor. (Muitos apoiados) É preciso que se saiba quanto sé deve, como se deve, e porque se deve.
Vamos ao inquerito, visto que o nobre Deputado quer___ (O Sr. Mello e Carvalho; — Não sou eu que o quero, é o paiz)
O Sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Eu não ouvi fallar o paiz, ouvi fallar o Sr. Deputado, que representa sem duvida uma parte do paiz... (O Sr. Mello e (.'orvalho: — Eu represento uma parte do paiz)
Ò Orador: — 'O paiz representamos nós todos; eu tambem represento o paiz, e não penso como o illustre Deputado; e então já vê o nobre Deputado que o meu paiz não é o seu. Por isso digo, que o nobre Deputado representa uma parte do paiz. Eu sei bem qual é a theoria constitucional, de que os Deputados não representam as localidades por onde são eleito; mas são Representantes de todo o paiz.
Sr. Presidente, a Commissão de Inquerito ao Banco deve remontar a épocas mais affastadas. (O Sr. Mello e Carvalho: — Eu abraço qualquer Additamento que v. Ex. queira fazer á Proposta)
O Orador' — Eu não faço Additamento algum á Proposta; explico sómente o meu pensamento, e mostro a necessidade que ha de se fazer o Inquerito eu sentido mais lato. Não venho propôr o Inquerito. Tinha o direito como Governo, de o mandar fazer, e não abdico esse direito; porque ainda que a Camara! resolva que se faça o Inquerito pelos seus Membros, eu não abdico o direito que tenho por parte do Governo de mandar tomar contas ao Banco, quando intender, como intender, o por quem intender. Por consequencia isto não tolhe nada a minha acção; hei-de usar do direito do Governo, quando julgar que é conveniente fazel-o.
Não me opponho com tudo por parte do Governo] a que se faça Inquerito ao Banco, mas o Inquerito] deve remontar até aos emprestimos de 35; o inquerito deve remontar até esse processo escandaloso (permitta-se-me que uze desta expressão), pelo qual se pagaram ad Banco sommas na importancia de perto de 4 mil contos contra as opiniões dos Procuradores Fiscaes da Corôa, sem serem nunca legitimados por Lei! A Camara já sabe que quando eu assevero as cousas, tenho ria minha mão documentos para as provar.
E preciso, Sr. Presidente, que se saiba se o Banco tem cumprido as suas obrigações de Banco; se tem satisfeito aos fins da sua instituição, se, quando o illustre Deputado e meu amigo o Sr. Avila prendia as notas do Banco de Lisboa para diminuir o seu agio, se o Banco não as lançava por outra porta na circulação para as depreciar no mercado! (Sensação) Tenho aqui uma Portaria do illustre Deputado que então era Ministro, em que o diz claramente. O Banco então queria lucrar com a depreciação das suas notas, e não se contentando com isso, vem agora pedir ao Governo uma indemnisação de perto de 2:000 contos, porque acabou aquella calamidade publica. (Vozes: — Ouçam, ouçam) Querem Commissão de Inquerito? É preciso ter em vista todos os documentos. Aqui tenho na minha mão uma Representação dirigida, pela Direcção do Banco de Portugal a Sua Magestade já no tempo em que tenho a honra de estar exercendo o logar de Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Fazenda, em que o Banco diz. (Leu)
Quer v. Ex. saber quanto nesta Representação o Banco pede de indemnisação, porque se amortisaram as notas? 1,941 contos!... 1,911 contos porque se amortisaram as notas, porque se pagaram os emprestimos de 1835, porque a Camara sabe bem, que quando se decretou o imposto para a amortisação das no-las, não foi com o fim especial e determinado tanto de amortisar as notas do Banco, como de pagar uma correspondente quantia dos emprestimos de 35; a amortisação das notas era um meio, o fim era aquelle. O Governo amortisará uma certa somma de notas do Banco de Lisboa, e essa somma encontrava-a o Banco na correspondente quantia. O que se segue d'aqui é que o Governo com este imposto pagou ao Banco os emprestimos de 35. E quem havia de esperar que o Banco, depois do Governo lhe ler pago os seus emprestimos, viesse-pedir uma indemnisação pelo facto de lhe ter pago? (Apoiados) Como me pagaste, dá-me uma indemnisação!.. É uma cousa que custa a crer, e mais custa ainda a crer que o Banco de Portugal pedisse 46:421 $619 réis porque o Poder Judicial julgou contra elle!.*. (Riso) Isto é realmente uma cousa inconcebivel!.. (Apoiados) Sr. Presidente, eu repito: não me opponho ao Inquerito. No estado em que está a Camara, parece-me mesmo que o Inquerito é necessario (Apoiados). Talvez alguem pense que por eu fallar assim, que me inspira qualquer sentimento de odio contra os Directores do Banco de Portugal; já disse nesta Casa que até de alguns era amigo, fui seu collega muito tempo e não tenho motivo nenhum pessoal para ter indisposição com elles; mas eu na minha cadeira de Ministro tenho algumas obrigações mais a preencher de que estas de simples considerações. Cavalheirescas entre os homens da sociedade; eu tenho a cumprir os deveres, que me impõe o cargo que exerço neste logar, e intendo que faltaria ao meu rigoroso dever, e fallaria ao meu paiz, se acaso eu, quando se tracta de apresentar uma questão debaixo de um aspe
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cto que me parece não ser o mais conveniente no sentido da causa publica, deixasse de apresentar todo os factos que podem servir para esclarecimento da questão.
Concluo portanto, Sr. Presidente, dizendo, que a Camara pode nomear a Commissão de Inquerito se intender que a deve nomear; não sou eu que a proponho, não me parece isso conforme, porque já disse, que não abdicava o meu direito de o mandar fazer quando intendesse conveniente. Creio que ha muitos Srs. Deputados que pediriam a palavra de um e outro lado, e parece-me conveniente aguardar as suas reflexões, que hão de ser muito judiciosas, para dizer o mais que ainda se me offerecer, e, para comprovar o que, tenho diante de mim os documentos.
O Sr. Santos Monteiro Sobre a ordem) Estimei muitissimo ouvir o Sr. Ministro da Fazenda com quem não fallei depois que d'aqui saímos na Sessão de sabbado, e vejo que está perfeitamente de acordo comigo.
Eu pedi a palavra sobre a ordem para mandar para a Meza um requerimento que vou mandar, e pedirei primeiramente licença para dizer a razão porque o faço
Quando aqui se discutiram as eleições de Lamego, a Commissão de que fiz parte, lembrava o emprego de uma Commissão de Inquerito, e disse-se então, e estou persuadido que com muito bom fundamento, que aquelle meio não era exequivel, porque não se, sabia como havia de ser exercitado este Inquerito, porque apenas havia a disposição do artigo 14 do Acto Addicional, mas não havia Lei Regulamentar, sobre a forma de se executar. Eu quando ouvi ler a Proposta do Sr. Mello e Carvalho, reservei-me logo o direito de votar por ella, porque intendo que é justa e muito justa, mas o modo de a levar á execução e que me parece que precisa primeiramente ser considerado, e tambem intendo que a Commissão de Inquerito não se deve limitar simplesmente aos quesitos a que allude o Sr. Mello e Carvalho na sua Proposta. Nesse sentido redigi o seguinte Requerimento que mando para a Meza:
Requerimento: — Requeiro que a Proposta do Sr Mello e Carvalho, antes de votada, seja submettida ao exame da Commissão de Legislação:
1. Para declarar se o Inquerito proposto está comprehendido na regra do artigo 14.º do Acto Addicional á Carta.
2.º Na affirmativa, se a Proposta deve ser approvada, e até onde convem que chegue este Inquerito.
3. Para a mesma Commissão propôr o modo practico de se exercerem os Inqueritos, em ordem a evitar, que cada uma das duas Camaras proceda por methodo diverso. — Santos Monteiro.
O Sr. Presidente: — Verdadeiramente esta Proposta é um Adiamento da discussão principal, mas ao mesmo tempo tem outra redacção pela qual se póde considerar uma questão prévia; vou perguntar á Camara se a admitte á discussão.
Foi admittida á discussão.
Uma voz: — Não se discute conjunctamente com a outra questão?
O Sr. Presidente: — É uma questão que embaraça a outra, e devemos resolvel-a primeiro.
O Sr Santos Monteiro: — Se v. Ex. me dá licença, direi que não tenho idéa nenhuma nem intenção de demorar a resolução da Proposta do Sr-Mello e Carvalho. (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Mas demora). É necessario que sejamos coherentes. Eu ouvi, e todos nós ouvimos, objectar, quando a Commissão de que fiz parte, propoz uma Commissão de Inquerito ácerca das eleições de Lamego, que não era possivel nomear essa Commissão, porque ainda se não sabia como se havia de exercer esse Inquerito: o caso parece-me identico...
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado, não tem a palavra. Havia dois Senhores que tinham a palavra sobre a ordem, mas era sobre a questão principal; por consequencia agora, depois da questão prévia, não tem logar conceder-lha.
O Sr. Avila: — Sr. Presidente, eu queria ver se esta questão acabava agora, porque não me parece que seja este o logar competente para tractar deste assumpto. O illustre Deputado o Sr. Mello e Carvalho mandou para a Meza uma Proposta para que se nomeasse uma Commissão de Inquerito, e creio que o motivo que leve S. Ex.ª para este pedido, foi o facto que o Sr. ministro da-Fazenda citou no seu discurso. A Direcção do Banco de Portugal veiu hoje com uma Representação, por assim dizer, fazer seu o pedido do illustre Deputado, dar-lhe força requerendo á Camara que deferisse aquelle Requerimento; mas o Sr. Ministro da Fazenda desde o momento em que declarou que se não referia a nenhum outro facto senão áquelle que estava consignado em uma Portaria minha, parece-me que demonstrou que tal Commissão de Inquerito é completamente inutil, por que o que ha a examinar é se as razões que dou naquella Portaria para provar que effectivamente aquelle emprestimo trazia um encargo para o Thesouro de 17 I por cento, são ou não exactas; não acho necessidade nenhuma de uma Commissão de Inquerito para este facto.
Eu direi muito pouco a este respeito mas a Camara reconhecerá que citando p illustre Deputado um facto da minha administração, um -facto que é comtudo do dominio publico, porque não só eu o publiquei no Diario do Governo, mas trouxe-o á Camara em um Relatorio que eu aqui tenho presente, a Camara reconhecerá, que eu não posso deixar de explicar esse facto. Eu não disse na Portaria a que se allude, que o encargo da operação de que eu queria que o Banco se encarregasse, custava 17 ¼ é por cento: o que eu disse foi, que se essa operação fosse feita por um anno, custava 17 ¼ por cento, dos quaes 10, note-se bem, eram para o prestamista, e 71 ¼ páre o Banco.
Póde ser que me tivesse enganado no calculo que fiz, mas ainda estou convencido que me não enganei; e quando se tractar desta materia, direi as razões que tive para assim o intender. Ora declarando o Sr. Ministro da fazenda que se não referia a nenhum outro facto que não fosse este, parece-me que o Requerimento do illustre Deputado o Sr. Mello e Carvalho, e por consequencia o Requerimento da Direcção do Banco caíram, porque não ha que estabelecer Inquerito a este respeito.
Mas se o illustre Deputado o Sr. Mello e Carvalho insistir na nomeação da Commissão de Inquerito eu intendo que a Camara a deve votar; deve votar a Camara, esta Commissão por isso mesmo que a Direcção do Banco de Portugal a requer, e a requer em sua defeza; nós não podemos negar a unia Cor
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poração que se reputa atacada com razão ou sem ella, não lhe podemos negar, digo, o direito de propôr mais um meio de esclarecimento sobre um negocio que está affecto ao Corpo Legislativo. — Por consequencia sem eu querer que por estas simples considerações a Camara não continue este debate, eu desejava comtudo que os meus illustres Collega! que têem pedido a palavra se penetrassem bem destas circumstancias, e vissem que a Camara não está mesmo habilitada agora para entrar em uma discussão larga sobre as questões do Banco, não estão dadas para ordem do dia, não está nenhuma estudada, não ha Parecer de Commissão, não ha cousa nenhuma; por consequencia o que vamos aqui fazer? Vamos dizer necessariamente cousas pouco convenientes em relação á questão, vamos irritar o Sr. ministro da Fazenda que se julga offendido, vamos ferir o melindre do Governo que está em uma situação simelhanle a uma em que eu já estive relativamente áquelle mesmo Estabelecimento; mas por isso mesmo estou mais a sangue-frio agora para apreciar essa situação.
Intendo que o Sr. ministro da Fazenda estava no seu direito dando as explicações que deu, mas a Camara está ainda mais no seu direito não dando largas proporções a este debate, e votando a Commissão de Inquerito se o seu auctor insistir nella; mas eu julgava melhor que o seu auctor não insistisse, por que effectivamente não vejo agora motivo para la] Commissão de Inquerito. Já se vê que sendo esta a minha opinião, cabe tambem a Proposta do Sr. Santos Monteiro, para que vá este negocio á Commissão de Legislação; e digo mais: não sei a que deva lá ir, peço perdão, a não ser um Adiamento para lançar agua na questão. Tambem é regular isso, tambem podia o nobre Deputado vai propôr este Adiamento para deixar arrefecer uma questão que é um pouco melindrosa, não ha duvida: mas a não ser isso, peço licença para lhe dizer que o direito da Camara de nomear Commissões de Inquerito está estabelecido no Acto Addicional; mas antes de lá estar estabelecido já ella usava delle, porque já em 49 vieram 2 Cavalheiros Membros desta Camara e ao mesmo tempo da Direcção do Banco, e pediram a Commissão de Inquerito para fazer caír no opinião delles arguições que se faziam áquelle Estabelecimento, e esta Camara votou a Commissão de Inquerito, e fez muito bem, porque dos Trabalhos dessa Commissão resultaram esclarecimentos importantes para um objecto tão grave.
Por consequencia a minha opinião é, que seja rejeitada a Proposta do Sr. Santos Monteiro; porque não sei para que haja de ir á Commissão de Legislação este negocio: a Commissão de Legislação o que podia fazer era vir propôr um Projecto de Lei regulando o modo porque se havia de levar a effeito o direito que tem o Corpo Legislativo de nomear Commissões de Inquerito; mas se esperassemos para a nomeação dessa Commissão de Inquerito porque se votasse a Lei que regulasse o modo de exercer esse direito, parece-me que se não nomeava a Commissão de Inquerito tão cedo, e não era votado o que que ria o illustre Deputado.
Rejeito pois a Proposta do Sr. Santos Monteiro, e acabo dizendo que desejo que o Sr. Mello e Carvalho retire a sua Proposta, porque já hoje não ha motivo para ella em vista das explicações do Sr. Ministro da Fazenda; e no caso que S. Ex. insista no seu Requerimento, voto por elle.
O Sr. Cazal Ribeiro: — Sr. Presidente, eu não posso concordar com o illustre Deputado que me precedeu, por que nem vejo que o Sr. Mello e Carvalho retirasse a sua Proposta, nem mesmo quando o pedisse, existindo a Representação do Banco de Portugal que pede o Inquerito, a Camara póde decentemente nega-lo (Apoiados). E porém para notar que o Banco peça agora a nomeação d'uma Commissão de Inquerito, quando na Representação dirigida á Camara, datada de 14 de Fevereiro, julga desnecessaria essa Commissão de Inquerito para a apreciação da questão do Fundo de Amortisação.
Eu voto pela Commissão de Inquerito; mas é preciso que saiba, se a Camara votando o Inquerito, vota o Adiamento da resolução da questão do Banco (Vozes: — Não, não). Eu tambem intendo que não, mas é necessario que isto se faça sentir clara e terminantemente, e que a Proposta do Sr. Mello e Carvalho não sirva de pretexto para se adiar a questão do Banco (O Sr. Mello e Carvalho: — De forma nenhuma). estou plenamente convencido da franqueza e lealdade com que o illustre Deputado fez a sua Proposta; mas não pude deixar de fazer esta observação, porque hoje um Jornal da Opposição, que tem altamente tomado parte a favor do Banco, insinua que a Camara não póde deixar de approvar a Proposta do Sr. Mello e Carvalho, e de esperar pela sua resolução para que a questão do Banco seja decidida. E não é só o Jornal a que alludo, mas tambem a Representação do Banco, apresentada hoje, insinua essa idéa; e, se me não engano, parece-me que tambem o Sr. Deputado Avila a indicou decerto modo no seu discurso. (O Sr. Avila: — Não foi essa a minha intenção; até julguei desnecessario o Inquerito). Bem: estimo tanto mais ter posto a questão nestes lermos, por ter provocado as declarações dos nobres Deputados, e para que ninguem de boa fé possa argumentar da nomeação da Commissão de Inquerito para o Adiamento da questão do Fundo de Amortisação.
Tambem quero o Inquerito, mas não unicamente sobre os pontos indicados na Proposta, mas sobre todas as transacções entre o Banco e o Governo, e sobre as vantagens e prejuisos que o Banco tem exercido na economia publica...
O Sr. Presidente: — Eu observo ao Sr. Deputado que agora sómente se discute a Proposta do Sr. Santos Monteiro...
O Sr. Cazal Ribeiro: — Mas não é possivel separar na discussão uma Proposta da outra (Vozes: — Discutam-se conjunctamente).
O Sr. Presidente: — Eu consulto a Camara sobre se quer que se discutam conjunctamente. Assim se resolveu.
O Sr. Cazal Ribeiro (Continuando): — Sr. Presidente, é necessario considerar, se o Banco admitte a theoria dos factos consummados — se a da legalidade. Se admitte a theoria dos factos consummados, por que não acceita a do facto consummado do Decreto de 30 de Agosto, como acceitou o de 19 de Novembro de 18-16? Se, admitte a theoria da legalidade, por que considerou legal o Decreto de 19 de Novembro, e não o de 30 de Agosto? O Banco de Portugal apresenta-se sempre como legitimo successor do Banco de Lisboa e da Companhia Nacional, quando se
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tracta de reconhecer d irei los; e quando se tracta de imputações que possam caber áquelles Estabelecimentos, affasta-as de si, e diz — Não me compelem, eu sou o Banco de Portugal, nascido em 1846? (Apoiados)
Sr. Presidente, eu estou intimamente persuadido que da parte do Banco não ha acinte nesta questão, e tem procedido de boa fé. Quem escreve a Representação que o Banco dirigiu á Camara, não póde deixar de estar profunda e sinceramente convencido do bom direito, que lhe assiste; mas essa convicção não basta — É preciso saber, se ella pode ser partilhada pela Camara. Tambem os Crusados estavam convencidos de que faziam um grande serviço á Religião, quando derramavam sangue para hastear a Cruz; e Mahomet estaria talvez convencido que abria o caminho da felicidade eterna, pregando a Alcorão á ponta do alfange; e entretanto as convicções dos Crusados ou de Mafoma não eram mais do que o fanatismo: o fanatismo produz as convicções intimas, mas produz tambem grandes aberrações; e estou persuadido que o Banco nesta questão tem sido dominado pelo fanatismo dos interesses; e esse fanatismo tem levado o Banco a dizer cousas, que realmente não deviam dizer intelligencias tão illustradas, caracteres tão distinctos, como os que com põem a Direcção do Banco de Portugal. O Banco não se apresentou á Camara requerendo justiça, apresentou-se arrogante, apresentou-se ensinando aos Srs. Deputados o seu dever, ensinando-lhes direito constitucional, dizendo que o Governo tinha exorbitado legislando (forte novidade!) e lembrando-lhes a obrigação que tem de examinar no principio da Sessão, se o Governo transgrediu ou não as Leis!.. Mas é notavel que o Banco, filho de uma Dictadura venha representar perante a Camara contra as Leis da Dictadura?.. Pois qual foi o facto que deu vida ao Banco, que uniu a Companhia Confiança com o Banco de Lisboa,? Foi o Decreto de 19 de Novembro de 1846 — E desse Decreto que elle deriva todos os seus direitos; e esse Decreto foi de uma Dictadura
Agora porém vem o Banco firmado nos bons principios, e diz que não reconhece as Dictaduras que tiram, quando reconheceu as Dictaduras que dão. Esta opinião, embora o Banco levado pelo fanatismo dos seus interesses possa fazer esta distincção não a posso aceitar, porque para mim são tão illegaes as Dictaduras que tiram, como as que dão; mas se póde fazer-se distincção, é de certo em favor daquellas que tendem a acabar com o privilegio, e não das que tendem a applicar a proveito de alguns aquillo que era commum, as que restringem os direitos do maior numero sem beneficio real para o paiz. (Apoiados)
Sr. Presidente, falla-se muito em Credito; e quem é que não quererá o Credito? Perguntou-se a que escola economica pertence o Sr. Ministro da Fazenda; e eu perguntarei tambem a que escola pertencem os Economistas do Banco. Essa escola está definida pelos factos; e os factos são ião recentes que todos se recordam delles: são n'um dia os dividendos de 13 e 14 por cento, e logo depois a declaração da fallencia! (Apoiados)
E quando o Banco fazia esses dividendos, que repartia elle pelos seus Accionistas? Eram os capitaes do Banco que desfalcava, ou eram os lucros do usuras exorbitantes, centrarias ao espirito da sua instituição, e damnosas para o Estado e para o paiz? Veja o Banco qual destas hypotheses aceita.
Sr. Presidente, uma commoção politica no paiz, que não tinha ainda pronunciado o seu pensamento financeiro; que em nada tinha alterado as relações do Banco para com o Governo, bastou para fazer desabar esse Credito fantasmagorico, e trouxe a suspensão de pagamentos. As moratorias succederam-se umas ás outras; veiu o curso forçado das Notas; e veiu depois o Decreto de 14 de Novembro de 1846, Decreto tão notavel, que não posso deixar de apresentar á Camara algumas das suas disposições, e das palavras do seu Relatorio:
«Tendo chegado ao Meu conhecimento que.... se tem procurado illudir esta minha saudavel providencia (curso forçado), fazendo-se concertos e avenças, com clausulas fraudulentas, para se haver de exigir pagamentos em certa moeda, e assim se excluírem delles as referidas notas do Banco de Lisboa; chegando o abuso ao excesso de, em algumas loja. e mercados, se engeitarem as mesmas notas, e em outras se abriram preços diversos, em attenção á quantidade intrínseca da moeda, etc. Hei por bem Decretar:
Art. 1.º Toda a pessoa que, por qualquer modo, ou sob qualquer pretexto, engeitar as notas do Banco de Lisboa, em quanto tiverem curso forçado, e couberem em qualquer pagamento ou transacção', incorrerá, além da pena de degredo, que a Ord. do Reino Liv. 4.º Tit. 22.º, commina aos que engeitam moeda de El-Rei, na de uma multa de 50$ a 500$000 réis, a arbitrio do Juiz.
Art. 2.º incorrerá tambem nas penas declaradas no artigo antecedente, toda a pessoa que, publica ou particularmente, e sobre qualquer genero de transacção, de que possa resultar pagamento ou obrigação igual, Ou superior ao minimo do valor nominal das notas, estabelecer, ou exigir preços sómente a metal, ou os abrir, e estipular diversos, em attenção á qualidade da moeda.
Art. 4.º Nos crimes de que tracta o presente Decreto, não haverá concessão de fiança, nem intervenção de Jurados no seu julgamento.
Sr. Presidente, fez-se reviver a economia da Ordenação; fez-se mais — adulterou-se a Ordenação. A Ordenação falla em moeda com pezo e toque legal; e accrescenta que aquelles que não receberem moeda, que effectivamente não tenha o peso marcado na Lei, não estão sujeitos ás penas estabelecidas. Os Economistas da Ordenação eram superiores aos Economistas do Banco. —
Eu insisto nas disposições deste Decreto, porque a sua promulgação foi apenas cinco dias anterior á creação do do Banco de Portugal, pelo Decreto de 19 de Novembro, cujo Relatorio pomposo diz que elle vem salvar o Credito publico, e regularisar o meio circulante.
Tambem eu quero Credito; mas não esse Credito firmado nas penas da Ordenação, que substituiu á confiança o — Crê ou morre do Alcorão; porque para mim este Credito significa em theoria o desconhecimento completo de todas as maximas da sciencia; e -na practica o descredito, a ruina, e a banca-rota, mal descoberta e mal disfarçada, mas sempre a bancarota. E tanto isto é assim, que não durou muito que não se reconhecesse que as bases sobre as quaes se ti
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nha architectado o Banco de Portugal, eram impossiveis de sustentar. E para que se allegam agora tão alto as fallas de cumprimento do contracto, quando não d Só o Sr. Ministro da Fazenda, mas são todos os Cavalheiros, que se têem sentado naquelle logar, que tem reconhecido que era impossivel sustentar todas as regras que se estabeleceram, quando se organisou o Banco? O Banco, se não tem feito mais serviços ao paiz, é talvez porque não tem podido; se não tem ajudado as industrias, se não tem fomentado a riqueza publica não é talvez por falta de desejos, mas porque foi organisado sobre bases tão viciosas, que era impossivel corresponder aos verdadeiros fins para que serve fim Banco. Não se tinham passado muitos mezes — em 10 de Março de 1847, «elido ministro o Sr. Conde do Tojal, que não era suspeito, foi alterada a Lei que creou o Banco, que é o Decreto de 1!) de Novembro de 1846. E a opinião do então ministro da Fazenda se pronunciou claramente do modo que no Relatorio de 10 de Março se deixa vêr.
«O excessivo preço a que tem chegado o desconto das notas do Banco de Lisboa, constitue uma verdadeira calamidade publica a que é urgentissimo occorrer com todas as providencias imaginaveis capares de attenuar tão horrivel flagello.
Destas expressões ve-se, Sr. Presidente, a impressão que tinha feito no animo do Sr. Conde do Tojal o estado calamitoso a que o paiz tinha chegado. O Decreto de 19 de Novembro de 1816, longe de alcançar o fim a que se propunha, produziu o resultado contrario. Seguiram-se depois outros Decretos, e nas diversas medidas adoptadas reconheceu-se sempre os males e desastres innumeraveis, que provinham da circulação em larga escala das notas depreciadas. Veio mais tarde a Lei de 13 de Julho de 1818, que estabeleceu o imposto especial para a amortisação das notas; e veiu tambem a Lei de 16 de Abril de 1850, que alargou a base deste imposto. Eu já disse, e apraz-me de o repetir, que apesar das minhas opiniões politicas distanciarem muito das do lado direito da Camara, não tenho duvida em confessar, e fazer a devida justiça, affirmando que um grande serviço que o Sr. Avila fez ao seu paiz, como ministro da Fazenda, foi arrastar com a impopularidade, que dahi podia provir, sustentando esse imposto para acabar rapidamente com a calamidade do agio das notas.
A esta calamidade ainda hoje o Banco chama lucros cessantes: ainda hoje o Banco, em uma Representação de 14 de Fevereiro de 1853, levado de certo da melhor boa fé e sinceridade, mas demasiadamente possuido por essa obsecação do interesse, ainda vem calcular esses lucros em 15) 42 contos de réis, como Se vê de um periodo dessa mesma Representação; e isto quando se tractava de acabar com a maior das calamidades publicas; quando se tinham adoptado providencias para retirar da circulação uma. moeda depreciada. E a moeda depreciada, e o curso forçado, o que a depreciação da moeda arrasta sempre comsigo, dá sempre em resultado a miseria publica, a anarchia economica, a paralisação das transacções, e o transtorno de todas as relações sociaes. Não ha desgraça maior para um paiz qualquer, do que uma moeda fraca, e o curso forçado.' (Apoiados) O Credito proveniente deste meio tambem não o quero, nem o intendo.
Porém, Sr. Presidente, ainda hoje se repetem as queixas contra os Tribunaes; e tão certo é que no Banco ha mais allucinação de interesses, do que má fé ou acinte, que ainda ultimamente nesta sua Representação repele as suas extravagantes queixas contra os Tribunaes, por não terem intendido a Li a seu favor!.. Não sei o que o Banco quer que a Camara faça aos Tribunaes, nem se quer que se castiguem os Juizes, mandando-os processar por não intenderem as Leis como o Banco as intende. O Poder Judiciario não é Legislador, para fazer ou emendar as Leis; e tendo de se regular por ellas, fe-lo do modo que lhe pareceu mais conforme com o seu espirito.
Admira-me, Sr. Presidente, que ainda houvesse alguem que se levantasse contra os. Decretos que estabelecem a amortisação das notas, e contra a interpretação do Poder Judiciario, até ao ponto de se enumerarem em uma Representação!.. Queixumes tão insolitos não provam nada contra os Directores do Banco; provam pelo contrario, como já disse, que se elles não estivessem tão intimamente convencidos da sua razão, embora essa convicção parla do modo porque encaram os interesses do seu Estabelecimento, o Banco nunca allegada cousas que, além de absurdos, são visivelmente repugnantes, e collocando em peior situação o seu bom ou máo direito.
Nestas circumstancias embora o Banco de Portugal dissesse em 14 de Fevereiro que não carecia de Inquerito, e na Representação apresentada hoje contraria a sua primeira asserção, ainda assim não posso rejeitar o Inquerito proposto; intendendo-se porém clara e positivamente que o Inquerito não traz o adiamento do exame do Decreto de 30 de Agosto; e que esse exame ha de ser feito no terreno em que o Banco anteriormente o collocou — Carla e Justiça —, que é como o Banco termina a sua Representação. Carta e Justiça, mas para todos, mas para o paiz, o não só para o Banco. (Apoiados)
Desejo que o inquerito seja formulado de modo, que possa dar algum resultado real e positivo sobre o bem ou mal que possa Vir a esperar — se deste Estabelecimento; porque, como já disse, é convicção minha, que se o Banco não tem feito mais e melhor, é porque não leni podido, nem ha-de poder; é porque 0 seu peccado original é de tal natureza, que nascendo, como nasceu, não sei que baptismo o póde lavar. Emquanto a mim o Inquerito póde fazer-se em duas palavras, e são as seguintes: — O Banco de Portugal é ou não um Banco?
Intendo com tudo que não podendo a Camara rejeitar o Inquerito proposto, não póde tambem deixar de approvar, que a Commissão examine não. só os pontos marcados na Proposta do Sr. Mello e Carvalho, mas que o seu Inquerito deve estender-se tambem ao exame de iodas as transacções entre o (Governo e o Banco, ou os seus antecessores, e á appreciação do modo como o Banco funcciona, ou póde funccionar a bem dos interesses do paiz. (Apoiados)
O Sr. Cunha Sotto-Maior: — (Sobre a ordem). Limitando-me restricta e rigorosamente á ordem, e não querendo entrar em divagações, mando para a Meza uma Proposta; e peço licença ao Sr. Ministro da Fazenda, e ao centro da Camara para tomar a iniciativa sobre este objecto, porque era do Sr. Ministro da Fazenda, ou da maioria que esta Proposta devia partir; mas como não veiu, faço-a eu:
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PROPOSTA. — Proponho em Additamento á Proposta do Sr. Deputado Mello e -Carvalho, que a Commissão de Inquerito se estenda a toda e qualquer operação havida entre o Governo e o Banco desde 1835 até hoje. — Cunha Sotto-Maior,
Foi admittido, e ficou conjunctamente em discussão.
O Sr. Mello e Carvalho: — Eu-tinha, é verdade, pedido a palavra sobre a ordem, mas não me é possivel, fallando sómente sobre a ordem, dar um completo desenvolvimento aos motivos, que tive quando offereci a Proposta. (O Sr. Presidente: — Mas v. Ex.ª acha-se tambem inscripto sobre a materia, e então era mais regular, querendo fallar sobre a materia, que esperasse pela occasião de lhe caber a palavra). Pois se a Camara me dá licença fallarei sobre ambas as cousas. (O Sr. Presidente: — Porém agora só tem a palavra sobre a ordem). Sr. Presidente, a questão tem andado fóra da ordem, segundo eu intendo, mas todos os Sr. Deputados que tem fallado sobre a Ordem, tem aproveitado a palavra, e apresentado á Camara qual é o seu pensamento sobre a questão principal; e eu seguindo o mesmo exemplo, declaro que, Deputado da Nação, não venho aqui defender interesses individuaes, nem particulares, nem de corporação alguma. (O Sr. Presidente: — Mas lembro ao Sr. Deputado que só tem a palavra sobre a ordem). intendo; mas sobre a ordem tinha a palavra o illustre Deputado que acabou de fallar, e entrou na questão. (O Sr. Presidente: — Está enganado, o Sr. Casal Ribeiro tinha a palavra sobre a materia; sobre a ordem só fallou o Sr. Cunha, que mandou uma Proposta para a Meza) (Apoiados) Pois bem; sobre a ordem digo, que não me consta que seja permittido em paiz algum bem organisado, que um Estabelecimento, que não prehencha os fins da sua instituição seja tolerado; e se elle é necessario, n comtudo tem abusos, é necessario que esses abusos, ou vicios sejam removidos, para que se possa satisfazer convenientemente os fins para que foi creado. (O Sr. Presidente: — Mas eu não posso deixar de lhe advertir mais uma vez, que tendo pedido a palavra sobre a ordem, se deve restringir a ella, ou concluir por uma moção de ordem. E necessario que o Regimento valha de alguma cousa). Vale tudo, e basta V. Ex. dizel-o; mas v. Ex.ª consentiu que o Orador que acabou de fallar, tendo a palavra sobre a ordem fallasse sobre a-materia. (O Sr. Presidente — Já disse a v. Ex.ª que o Sr. Deputado a quem allude, tinha a palavra sobre a materia unicamente quem tinha a palavra sobre a ordem e fallou sobre a. ordem, foi o Sr. Cunha). Pois limitando-me á ordem: desejo ardentemente que esta averiguação se faça; que se colham todos os esclarecimentos precisos para se chegar a um resultado conveniente; desejo que, nesta averiguação se empreguem todos os meios necessarios, pára se chegar ao conhecimento da verdade. Ora se a Proposta do Sr. Santos Monteiro, é para que aquella que apresentei, vá á Commissão de Legislação, para formular o methodo porque se deve proceder a esse exame, eu sou homem de ordem, e desejo que na averiguação da verdade se sigam todas, as regras necessarias para esse fim; por consequencia não contesto a necessidade de se formular esse methodo; roas quero só dizer que, se os precedentes valem alguma cousa, já só viu que esta Camara nomeou em 1849 uma Commissão de Inquerito, e ella satisfez á sua missão, sem que com tudo fosse preciso estar a formular o methodo, porque ella havia de proceder.
O meu illustre amigo o Sr. Avila disse, que conviria que eu retirasse a Proposta, porque se referia a um facto; não é assim, refere-se a todos os factos, quantos são necessarios para se chegar ao conhecimento,: e se estabelecer a verdade; por isso sinto não puder concordar com S. Ex. mas não retiro a Proposta, atites pelo contrario sustento a, e quando me chegar a palavra sobre a materia, então expenderei as minhas idéas muito e muito conformes com as do Sr. Ministro da Fazenda, porque se S. Ex. quer a mais exacta e escrupulosa averiguação dos factos, é isso exactissimamente O que eu quero tambem.. O Sr. F. J. Maia: — Eu desejo que este incidente acabe, e receando que com o que eu disser elle se prorogue mais, cedo da palavra.
O Sr. Carlos Bento: — Sr. Presidente, farei quanto podér por ver se restrinjo a questão aos limites, que me parece que lhe devem ser marcados.
Sr. Presidente, o objecto desta questão, se me não engano, é uma Representação mandada pela Direcção do Banco, que, julgando-se aggravada por algumas expressões do Sr. Ministro da Fazenda, pede que esta Camara proceda á nomeação de uma Commissão de Inquerito para examinar o estado dos negocios daquelle Estabelecimento, approvando assim uma moção apresentada pelo Sr. Mello e Carvalho. Ora nesta Camara, onde existe uma Commissão de Fazenda, parece-me que a marcha mais regular a seguir, era ser remettida esta Representação á Commissão de Fazenda, afim de ella dar o seu parecer; porque é incontestavel que a discussão vagueia sem haver um ponto principal em que se funde, por isso que essa Representação é mais um pretexto do que um motivo de discussão, porque não é um facto official sobre o qual possa recair uma resolução da Camara.
Direi mais: não me parece proprio da conveniencia e dignidade da Camara ò resolver que sobre a Representação remettida por uma Corporação qualquer ao seio do Corpo Legislativo, haja uma Commissão de Inquerito, sem que primeiro essa Representação vá a uma Commissão já nomeada por esta Casa. Por consequencia eu intendo que isto não é mais que uma questão de methodo, e que a marcha ordinaria e regular a seguir neste caso é ser mandada á Commissão de Fazenda por ser este negocio exclusivamente das suas attribuições, a fim de que apresente um parecer, e depois decidir-se sobre este assumpto. A Camara já nomeou uma Commissão de Fazenda, e demais a mais se a não nomeou expressamente para objectos desta ordem, tambem é certo que não lhe definiu bem as suas attribuições. E eu, Sr. Presidente, não. posso ser suspeito, porque não tenho a honra de pertencer a essa Commissão.
Direi nesta occasião, que deploro sinceramente a direcção que a questão tem tomado, e peço perdão aos nobres Deputados que nella tem tomado parte e a quem possa parecer hostil este meu sentimento. Parece-me que houve muita impaciencia: tracta-se de um exame; tracta-se de uma historia, e parece-me que houve Impaciencia em querer desde já estabelecer a nossa opinião sobre este assumpto. Eu, Sr. Presidente, devo declarar que confio muito pouco da Politica retrospectiva. A que perigos não estão quasi
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sempre expostos os que fazem politica retrospectiva? Quantas vezes as accusações não vão recahir em pessoas que nós intendemos, que devem estar fóra do combate, e a quem não deviam ferir? De que perigos não está creio este ardor de querer fazer historia retrospectiva, e de querer retroceder sobre politica ou sobre finanças? Eu creio que ainda é pouco o que temos a tractar no presente para assim nos occuparmos do passado.
Sr. Presidente, eu tenho uma vantagem a respeito de alguns Cavalheiros que tem tomado parte nesta questão, e que devo ao acaso, que é a de não ter sido alvo de ataques, embora infundados, e neste ponto parece-me, que posso ler mais presumpção de imparcialidade; mas se assim não fosse, confesso que não haveria de terá resolução de encarar este negocio com a frieza que elle pede. Sinto que por occasião de uma investigação sobre determinados pontos de administração do Banco, e em que se recebeu uma Representação do mesmo Banco para se proceder a um exame ácerca desses pontos, se dissesse que era necessario saber, se o Banco de Portugal e verdadeiramente um Banco, e se corresponde a todas as indicações da sua instituição. Pois seria conveniente querer antes que se procedesse a este exame, se diga que temos Estabelecimentos que não representam o que são?
O nobre ministro da Fazenda analysou alguns dos fundamentos da Representação do Banco de Portugal, auctorizou-se com o testimunho do Sr. Avila, porque confessou que tinha as mesmas opiniões que S. Ex. Ora eu peço licença para declarar que apezar da consideração que tenho pelo Sr. Avila, votei contra S. Ex.ª na occasião em que intendeu que devia retirar o Fundo da Amortisação do Banco. Eu intendi que o Sr. Avila em retirar daquelle Estabelecimento o Fundo de Amortisação por causa da liquidação das Obras Publicas havia commettido um grave erro, e votei contra elle; porque de lêr o Sr. Avila uma questão com o Banco não se segue que a conservação de S. Ex. no Ministerio da Fazenda estivesse ligada a dignidade nacional.
Eu peço ao Sr. Ministro da Fazenda que não se auctorise com a opinião do Sr. Avila, para fazer o mesmo que elle fez. Eu já disse que fiz opposição ao Sr. Avila, e votei contra S. Ex.ª por convicção e espirito de justiça, e não por estar na opposição, que toda nessa occasião, me parece, sustentou as mesmas idéas. Pois agora que o Sr. Avila não está no Ministerio, hei de mudar de opinião? Hei de ter vergonha de defender o que me parece de justiça, porque estão no ministerio amigos meus? Por consequencia quaesquer que sejam as suspeitas que sobre mim se queiram lançar, posso com ellas, porque tenho a meu favor a coherencia de opiniões, e a minha consciencia, e posso com essa responsabilidade.
O Sr. ministro da Fazenda tem razão: pedem cousas que não se deviam pedir; fizeram-se cousas que não se deviam fazer. Mas perguntarei eu: ha alguma vantagem para esta Camara em suscitar estas questões? Parecer-me que não. Porque a historia não é um ponto dado, é uma historia completa que contem muitos e variados pontos. Porque se pedem hoje indemnisações? (que todavia eu não reputo fundadas) Porque se concederam noutro tempo e em outras cousas em que não se deviam conceder. E porque se concederam favores, outros intenderam que havia direito para pedir favores. Esta é que é a historia. Eu não renego das minhas opiniões. Todos nós podemos ter opiniões diversas; e todos podem sustentar as suas opiniões como melhor intenderem; mas eu intendo que desde que se concederam favores; desde que se concederam indemnisações que tambem não julgo devidas na sua totalidade, outros se podem julgar no mesmo direito para tambem pedirem favores, e é daqui donde provem todos estes desarranjos e inconveniencias. E perguntarei eu: será esta a occasião propria para se annullar o que se fez? E até que ponto se pode revolver o passado para por em duvida o que já se acha julgado?
Sr. Presidente, tracta-se da questão do Banco: tambem < fui Membro da Commissão de Inquerito que se nomeou em 1849 para o mesmo fim, e assignei esse parecer com declarações por isso que intendi que o Banco devia naquella occasião sujeitar-se a mais alguns sacrificios para a amortisação das suas notas. Tambem intendo como o Sr. Ministro, que o Banco não devia pedir indemnisações por se acabar mais cedo o curso forçado das notas; mas se porventura o Banco ganhou com o descredito das notas, outras Companhias e Estabelecimentos ha, e é preciso dizel-o, que tambem ganharam e muito com esse descredito. (Apoiados) Por tanto, se por este facto se censurou um Estabelecimento, a justiça pedia que se fizesse a mesma censura a outros Estabelecimentos ou Companhias que se achavam no mesmo caso. E, Sr. Presidente, a que vem tudo isto? Para que dizer estas cousas que não tem nada com a questão de que se tracta, e que não fazem senão accender paixões? Hade ser porventura com estas minhas considerações que se hade acabar o deficit e organisar a Fazenda? Hade ser com estas insinuações que se hade fazer alguma cousa a bem deste Paiz Eu peço perdão á Camara se acaso fui levado a este terreno. Esta Camara tem idéas moderadas e por conseguinte hade avaliar bem que eu tenho motivo para entrar neste terreno, e se, ainda que involuntariamente offendi alguem, peço desculpa, porque não é minha intenção fazel-o, e até mesmo porque intendo que não devo prejudicar o que reputo a vantagem das minhas idéas por quaesquer despeitos pessoaes. <
Mas, Sr. Presidente, a prudencia pede e reclama que não haja destas considerações retrospectivas, quando dellas não podem resultar bens nenhuns effectivos. Eu peço perdão para dizer ao illustre Deputado que se senta do outro lado, e que citou a opinião de um Ministro da Fazenda, o Sr. Conde do Tojal, sobre a questão das notas do Banco de Lisboa, que quem está ao facto da historia financeira deste Paiz, sabe que naquelle tempo umas poucas de vezes se alterou a proporção em que as no-las entravara nos pagamentos, o que era um incentivo para avultar o despacho nas Alfandegas, donde resultava um accrescimo de receita; e de certo se não podem considerar as vistas deste Ministro naquellas circumstancias, senão em relação ao augmento de receita, quaesquer que fossem com tudo as allegações dos Relatorios, porque os Relatorios nem sempre fallam verdade. Não sou advogado do Banco; no entretanto, hei-de pugnar fortemente por tudo quanto me parecerem elementos que promovam a prosperidade do Paiz. Mas diz um illustre Deputado — O nosso Banco não é Banco porque
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não satisfaz aos fins da sua instituição. — E o Sr. Ministro da Fazenda disse tambem n'uma das Sessões passadas que elle nenhuma protecção tinha dado á agricultura. Peço licença para dizer ao Sr. Ministro que foi demasiadamente geral na frase. Se o Banco de Portugal nenhum serviço tem prestado á agricultura, intendo que é porque os nossos Bancos divergem muito de outros Bancos estrangeiros, porque estes são creados para certos e determinados fins, como por exemplo a dar fomento á agricultura e ao commercio. Não quero prejudicar esta questão; no entretanto, não posso deixar de dizer que um Banco de descontos faz muita differença dê um Banco unicamente destinado a dar protecção ás industrias, e aos diversos ramos da riqueza publica. Peço pois perdão ao Sr. Ministro da Fazenda', mas os Bancos de desconto não podem transformar-se completamente em Bancos ruraes, porque não são feitos para isso. Desejo sinceramente que estes Estabelecimentos monetarios se tornem populares e prestem serviços ao Paiz: desejo que os Bancos especialmente concorram quanto puderem para o auxilio de Estabelecimentos ruraes de credito, mas o que ninguem me póde dizer é que elles se podem transformar completamente em Bancos desta natureza. Repugna a isso a indole dos Bancos de deposito, desconto e circulação. Um Banco de desconto, quando preenche bem os fins da sua organisação, tambem concorre para o augmento da agricultura, e como eu não sou absoluto nas minhas idéas, nem nas minhas proposições, não digo por isso que o Banco não preste serviços ao seu Paiz, como por exemplo se tomar um certo numero de Acções de um Banco rural que se estabelecer. Mas, Sr. Presidente, o que é certo, é que, se um Banco commercial quizer ser Banco rural; faz mal a si e ao seu Paiz. V
O Sr. Cunha Sotto-Maior. — Vamos á questão, que é a Commissão de Inquerito.
O Orador: — Peço perdão; mas se o illustre Deputado intende que eu estou fóra da ordem, eu sujeito-me voluntariamente, uma vez que o prove.
Sr. Presidente, é necessario reflectir numa cousa, e n'uma cousa em que eu não posso concordar — Lá fóra tudo é bom; cá dentro tudo é máo. Já se perguntou: se o Banco é um Banco, mas eu então perguntarei tambem se o Banco de Inglaterra é um Banco? Se as suas libras sterlinas se apresentarem, o Banco troca-as? O seu capital, todos nós sabemos que está todo em fundos publicos, e em depositos publicos, e já houve por ventura algum Ministro que dissesse que o Banco de Inglaterra assentava n'uma base falsa? Pois o credito da Gram-Bretanha é um credito fantástico? Pois porque o Banco de Inglaterra tem mais papeis doque dinheiro, em relação ao Banco de França, segue-se daqui que a Inglaterra está em peior posição do que a França? Pois não é assim. O credito tem o que quer que seja de methafisico, e por isso é preciso avalia-lo em todos os seus effeitos. — Não desejo precipitar o debate; porque esta Representação do Banco tem intima relação com Propostas que estão sobre a Meza, e quando estas Propostas vierem á discussão, quando houver um parecer que possa servir de thema á nossa discussão, então mais facilmente se poderá tractar deste negocio porque parece-me que desta discussão não se conclue nada, e que o debate não faz senão comprometter a solução do negocio; e portanto parece-me que se conciliavam todas as opiniões, mandando se corri urgencia á Commissão de Fazenda a Representação do Banco de Portugal, e todos os mais papeis conjunctos, para sobre elles dar o seu parecer. É isto o que me parece mais vantajoso.
O Sr. Avila: — Peço a v. Ex.ª que tenha a bondade de me dizer quem está inscripto.
O Sr. Presidente leu a inscripção. 1 O Sr. Avila: — Cedo da palavra, porque terei outra occasião de fallar sobre este assumpto.
O Sr. José Estevão (Sobre a ordem): — Peço a v. Ex. que faça restringir os Srs. Deputados á questão.
O Sr. Presidente: — O meu desejo é que todos se restrinjam aos pontos unicos da questão, que é a materia das Propostas do Sr. Mello e Carvalho, e Santos Monteiro; mas este fim não se póde conseguir, senão concorrendo os Srs. Deputados da sua parte para elle. Peço lhes portanto que se limitem aos pontos em discussão, não divagando para outras materias. (Apoiados)
O Sr. José Estevão; — Encarada a questão por esse lado, tambem peço a palavra.
O Sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Sr. Presidente, eu reconheço a necessidade e direito que v. Ex.ª tem de chamar a questão aos seus verdadeiros pontos: tambem desejava circumscrever-se a elle; mas v. Ex.ª, melhor do que ninguem, sabe, que desde que se abre a poria a certas divagações, é impossivel deixar de responder a alguns argumentos que se lançam no meio da Assembléa, e que carecem, pelo menos, de serem analysados.
Eu pedi a palavra por parte do Governo, porque a questão principal que se discute agora, não póde ser desligada das considerações que apresentei, quando me levantei pela primeira vez hoje nesta Casa, fallando sobre a materia. A questão da Commissão de Inquerito ao Banco veiu acompanhada de uma Representação da Direcção do mesmo Estabelecimento, em que se pede a approvação da Proposta do Sr. Deputado Mello e Carvalho; mas neste pedido da Direcção do Banco faz-se uma grande injuria ao Ministro da Fazenda, que é Membro do Gabinete; e eu intendi que não devia deixar ficar em pé essas accusações immerecidas, sem responder cathegoricamente a ellas, e sem mostrar que não tem fundamento algum, como mostrei já pelos documentos que li na camara, e que ella tem podido apreciar.
O illustre Deputado que acabou de fallar, concluir por desejar que a Proposta do Sr. Mello e Carvalho, a Representação da Direcção do Banco de Portugal, e todos os mais papeis correlativos, fossem remettidos á Commissão de Fazenda para dar sobre elles o seu parecer. Eu sinto dissentir completamente da opinião do illustre Deputado, e meu amigo; e dissinto pela natureza da propria Representação. Esta Representação, Sr. ‘Presidente, tem duas partes distinctas, e tem só duas partes, e nada mais. Na primeira diz-se que o Ministro da Fazenda não fallou verdade; e na segunda pede a approvação da Proposta para a Commissão de Inquerito, apresentada pelo Sr. Mello e Carvalho. Se fallei ou não verdade já o mostrei á Camara nos documentos que li, porque era sobre aquelle ponto que precisamente versava a censura feita pela Direcção do Banco de Portugal. Se por acaso a Commissão de Inquerito se deve no
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mear, como propõe o Sr. Mello e Carvalho, não me parece isso objecto, que mereça ir á Commissão de fazenda.
Sr. Presidente, desde que um Deputado se levanta nesta Casa, e pede que se nomeie uma Commissão de Inquerito, para esclarecer a Camara sobre um objecto grave; desde que as pessoas a quem diz respeito esse negocio, vem sollicitar da Camara que approve a Commissão de Inquerito, nem a/Camara, nem o Governo, nem eu mesmo podia deixar, nem por um momento de convir na nomeação da Commissão (O Sr. José Estevão: — Isso é que é o Systema parlamentar.) Ir á Commissão da Fazenda? O que hade dizer a Commissão Fazenda? Não ha, Sr. Presidente, consideração alguma, pela qual a Camara podesse mandar este negocio de grave importancia á Commissão de Fazenda. Não ha nada, Sr. Presidente, que faça mover a Camara do seu imperioso dever de votar a Commissão de Inquerito, para examinar tudo (O Sr. Cunha: — Apoiado; examinar tudo) O Orador: — Tudo.
Sr. Presidente, eu colloquei a questão neste terreno: o Governo quer o inquerito, deseja o inquerito; mas o que não quer, nem póde consentir é que elle se restrinja aos pontos que apresentou o Sr. Mello e Carvalho na sua Proposta. Nisso é que eu não posso concordar por parte do Governo. (Apoiados)
Declarei já, que por parte do Governo não abdicava o direito que tinha de mandar fazer o inquerito que me parecesse, sobre as contas do Banco de Portugal, e de mandar fazer esse inquerito por quem quizer, e quando quizer (O Sr. Cunha: — Quando quizer, não: ha de ser já.) O Orador: — Quando quizer, sim; porque o Governo mandando examinar as contas do Banco está dentro da orbita das suas attribuições.
Ora mandar uma Commissão de Inquerito ao Banco, unicamente para examinar, se elle fez emprestimos ao Governo a mais de 5 por cento, nisso concordo. (Apoiados) Esle é o primeiro ponto sobre que versa a Representação do Banco a esta Camara.
Sr. Presidente, eu não quero fazer a historia retrospectiva, perdoe-me o illustre Deputado, e sinto que nos desse uma lição severa pela historia retrospectiva que algum de nós fizesse, quando nós não fizemos mais do que defendermos e collocar a questão no terreno em que devia estar. Permitta-me porem o Sr. Deputado que lhe diga que foi contradictorio com a sua propria lição, porque se occupou numa parte do seu discurso em fazer historia retrospectiva; mas o illustre Deputado que já aqui nos fez a apologia da contradicção, que admira que se contradissesse agora mesmo durante o seu discurso.
Sr. Presidente, o nobre Deputado fez uma alluzão as votações que tiveram logar, quando eu era Membro da Opposição Digo ao Sr. Deputado que não esqueço nunca o que uma vez votei.
O Sr. Carlos Berilo: — Se a Camara, e o illustre ministro me dá licença, eu direi, que acredito na honra e caracter do Cavalheiro que propoz as indemnisações do Contracto do Tabaco, assim como na daquelles que as votaram.
O Sr. Avila: — Peço a palavra sobre a ordem; quero que o Sr. Deputado se explique a este respeito.
O Sr. Ministro da Fazenda (Continuando) — Cada um de nós tem direito de formar a sua opinião conforme a sua consciencia; o nosso primeiro dever é discutir e votar conforme intendemos; e nem todos podem vêr as questões do mesmo modo, nem somos obrigados a isso. Eu, quando era Membro da Opposição, intendi que devia votar as indemnisações do Contracto do Tabaco', e nunca declinei a responsabilidade que por isso me podesse pertencer. Posso ler-me enganado, mas não posso esquivar-me a essa responsabilidade; e não posso ser obrigado a mais; o que sinto é que o nobre Deputado, de certo sem intenção de offender, lançasse esta insinuação sobre mim. A que vem as indemnisações do Contracto do Tabaco? E porque o Banco pede uma indemnisação tambem? £ desde que se concede uma indemnisação a qualquer Estabelecimento, tem todos os mais Estabelecimentos, e todos os particulares direito a pedir indemnisações? Por ventura a primeira indemnisação que neste paiz se concedeu, foi ao Contracto do Tabaco? Pois na nossa historia financeira não se vê que por differentes motivos e circumstancias, se tem dado indemnisações em differentes épocas, e algumas de justiça, como se não pode negar? Não ha por tanto a concessão de indemnisações unicamente ao Contracto do Tabaco. E porque apparece uma indemnisação injusta, tem lodoso direito de pedir indemnisações absurdas? Parece-me que não. O illustre Deputado, sem o querer, foi arrastado pelo desejo de sustentar a sua opinião, a censurar os seus adversarios politicos, e fazer a historia retrospectiva do Contracto do Tabaco, dizendo por fim que não leve intenção de fazer insinuação alguma. Eu assim o creio, porque faço justiça ás suas intenções, e ao seu caracter.
Sr. Presidente, eu citei uma Portaria do Sr. Deputado Avila, quando Ministro, e o Sr. Deputado não julgou que a minha citação não tivesse auctoridade bastante para o fim a que me propunha. Eu quando citei aquella Portaria, citei um facto de pessoa que era insuspeita na questão de que se tracta, de pessoa que o nobre Deputado e a Camara reconhece como competente sobre este objecto; citei este facto: mas por ventura a questão do Fundo de Amortisação, a que o illustre Deputado alludiu, podia prejudicar o silencio desse mesmo facto? De certo que não. Ha um pequeno anachronismo nas idéas do Sr. Deputado na questão do Fundo de Amortisação, que é posterior á Portaria a que me referi. A Portaria é de 2 de Setembro, e a questão do Fundo de Amortisação é de Novembro; não podia portanto influir no animo do Ministro, e indispôlo pessoalmente para com o Banco; e já se vê que a questão entre o Sr. Avila e o Banco, por causa do Fundo de Amortisação é muito posterior á Portaria de que se tracta.
Sr. Presidente, o que nós devemos todos é fazer diligencias para que as questões não tomem o azedume, que é improprio dos negocios serios e graves, que somos chamados a tractar; o que nós devemos todos é fazer diligencias para não irmos buscar ao passado, sobre tudo referindo-se a pessoas certas, ou provaveis, a argumentos que podem tornar desagradavel a situação de alguns dos Cavalheiros que se acham nesta Casa, complicando se assim as questões de uma maneira desvantajosa para a causa publica. Eu referi-me ao passado, mas referi-me ao passado official, ao direito e ao dever que existe entre o Governo e o Banco, pelas contas que se devem ajustar entre aquelle Estabelecimento e o Governo. A este passado é que me referi. Se o Banco não tem direito
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a qualquer exigencia pelo pagamento de emprestimos, que se não fizeram, e por outros que se não deviam ter feito, intendo que devia recorrer ao passado, porque não é crivel, não póde ser da intenção da Camara, que o Paiz pague emprestimos que nunca se fizeram. (Apoiados) Foi neste sentido que me referi ao passado.
Sr. Presidente, cada uma das expressões que se proferem nesta Casa sobre esta questão, mostra mais a necessidade de nomeara Commissão de Inquerito. E quanto mais se adianta o debate, tanto mais se justifica o que eu disse ha pouco, de que não é preciso que este negocio vá á Commissão de Fazenda. O que ha e a votar uma Proposta, que a Camara não ha de rejeitar, mas não no sentido restricto em s que ella se acha, mas dando-se-lhe O maior desenvolvimento possivel.
Sr. Presidente, intendo como um illustre Deputado que já fallou nesta questão, que o resultado da Commissão de Inquerito não póde prejudicar de maneira alguma o andamento da discussão sobre os Actos da Dictadura, que hão de ser apreciados por esta Camara opportunamente.
O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, direi muito pouco, porque não quero tomar tempo á Camara, e hei de cingir-me stricta e rigorosamente ao objecto da discussão. O que está em discussão? Uma Proposta do Sr. Mello e Carvalho. Para que? Para se nomear uma Commissão de Inquerito. O Sr. Santos Monteiro fez uma Proposta para que a do Sr. Mello e Carvalho vá á Commissão de Legislação. Ha pois duas Propostas. Sr. Presidente, eu pensei, e pensava muito bem, que quando nesta Casa se levantasse alguem, e proposesse uma Commissão de Inquerito ao Banco, fosse approvada por acclamação, e não houvesse sobre ella discussão alguma. Mas enganei-me, porque se tem feito prelecções sobre as theorias do Banco... (Vozes: — Todos querem a Commissão de Inquerito). O Orador: — Todos a querem; mas tem-se discutido largamente. Eu pedi a palavra: em que altura me coube? Quantos fallaram adiante de mim? Olhai, Senhores, que estais em contradicção com os vossos factos! A Commissão sobre o Banco devia ser votada por acclamação; não devia a Proposta ter discussão; não o fizestes, e agora dizeis que a quereis — é tarde!...
O Sr. Ministro da Fazenda achou-se ressentido, porque o Banco, na Representação que mandou a esta Camara, diz que S. Ex.ª fôra menos exacto e justo para com aquelle Estabelecimento. E necessario que se intenda a questão; não ha injustiça, nem inexactidão da parte do Banco O Sr. Ministro da Fazenda, na Sessão de sexta-feira, disse que o Banco era um estorvo aos melhoramentos materiaes, era a usura desgrenhada, era devedor em logar de credor; disse que se saciava do suor dos pobres, e do trabalho dos operarios, injuriou, insultou, e vilipendiou o Banco! O Banco o que disse? Disse que estas asserções não são exactas: tinha direito para dizer mais. Eu, Director do Banco, formulava uma Representação muito mais forte, e muito mais vehemente, que aquella que aqui mandou.
O Banco disse que não era exacto o que o Sr. Ministro tinha dicto, e S. Ex. escandalizou-se; e fallando outra vez contra o Banco disse que tem todos os documentos para lhe fazer o processo. Pois bem; faça-se o processo ao Banco; porque eu, Sr. Presidente quero saber se posso como homem de bem continuar a defender o Banco, como tenho defendido, ou se e realmente exacto o que o Sr. Ministro da Fazenda diz, e se tem razão para injuriar aquelle Estabelecimento.
Sr. Presidente, a questão, no estado a que chegou, não póde deixar de concluir-se pela approvação da Proposta do Sr. Mello e Carvalho, ou de outra qualquer Proposta que tenda ao mesmo fim; mas no que não posso concordar, é com o que disse o Sr. Ministro da Fazenda, fallando nesta questão — que o Governo tem direito, quando quizer, e por quem quizer, de mandar examinar as contas do Banco. — Quando quizer, não; hade ser já; não hade ser quando quizer, não, Senhores: porque os principios absolutos levam, neste caso, ao absurdo. O Sr. Ministro levado pelo absolutismo das suas palavras intende que está no seu direito; e eu nego-lhe que o esteja; S. Ex.ª tem direito para examinar essa questão; concedo que o tem; mas não hade ser quando quizer, hade ser já. Pois que! Depois de maltratar o primeiro Estabelecimento monetario do paiz, diz que mandará examinar quando quizer? Não póde, hade fazel-o já.
Eu não quero tomar mais tempo á Camara, porque v. Ex.ª sabe que a ordem do dia é a continuação da discussão da Resposta ao Discurso da Corôa, e que o Sr. Avila e que tem a palavra. Eu declaro que voto pela Proposta do Sr. Mello e Carvalho, e voto pela minha, porque a do illustre Deputado, a quem me refiro, achou alguma repugnancia na Camara, em consequencia de estar muito limitada, e eu para tirar a Camara desta situação, que eu conheço que podia ser embaraçosa para ella, apesar de o não ser para mim, para obviar a isso, offereci um Additamento em que proponho o Inquerito lalo a respeito de todos os negocios do Banco, e é tão justa esta Proposta que fiquei assombrado com o que a Camara fez! Tal é a justiça que eu tenho, que pela primeira vez a Camara admittiu unanimemente á discussão uma Proposta minha! Por isso o que resta é votar sem dependencia de ir este negocio meu á Commissão de Legislação, nem á Commissão de Fazenda, como lembra o Sr. Carlos Bento.
O Sr. Nogueira Soares: — Sr. Presidente, creio que não ha mais que accrescentar ao que se tem dito, nem mesmo é preciso. O Sr. Mello e Carvalho quer a Commissão de Inquerito, e toda a Camara está concorde em a votar; por consequencia intendo que é absolutamente inutil continuar uma discussão que não serve para nada. Concluindo felicito a maioria da Camara, porque pela primeira vez o Sr Cunha Sotto-Maior vota com a opinião della.
O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Não sou eu que voto com a maioria, é a maioria que vota comigo.
O Sr. Roussado Gorjão: — Sr. Presidente, quando eu pedi a palavra, tinha noticia unicamente da Proposta do Sr. Mello e Carvalho, com quem eu tinha tido a attenção e deferencia que costumo ter com pessoas nas suas circumstancias, e não tive duvida em lhe expor qual era a minha opinião, que é exactamente aquella que o illustre Deputado e toda a Camara quer. Que propõe o Sr. Mello e Carvalho? Propõe que se nomeie uma Commissão de Inquerito. Não serei eu, que retarde por um momento, e com o meu voto, o apuramento da verdade. Mas ha outra cousa, não obstante parecer de méra consideração. No anno de 1849, tambem se pediu uma
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Commissão de Inquerito sobre o mesmo Estabelecimento, e sendo nomeada a 9 de Fevereiro, apesar de fazer parte della um illustre Varão, cuja perda será sempre lembrada com saudade pela Camara; (Apoiados) essa Commissão com toda a sua actividade e zelo, não pôde apresentar o seu Relatorio senão a 4 de Maio; e por consequencia e necessario attender á demora inevitavel que hade ter uma tal Commissão no desempenho dos seus deveres. Ora, o que eu acabo de ouvir prova, que sempre que se entra n'uma questão de grave importancia, ha sempre desejos de antecipar a materia. Não direi uma palavra a respeito do Banco, nem da questão financeira; e foi com muita satisfação que ouvi dizer ao Sr. ministro da Fazenda que não intendia de modo algum que a nomeação desta Commissão prejudicasse em cousa alguma o andamento da discussão, conhecimento e votação das medidas da Dictadura.
Depois disto, direi, que a minha opinião franca, sincera e leal, é, que se acaso se intende que com a nomeação da Commissão de Inquerito se não demora o andamento do exame e discussão das medidas da Dictadura, como convem ao Governo, ao Banco, e á fortuna do paiz, que se tracte com a maior brevidade possivel; sou eu quem desde já voto pela Commissão de Inquerito, pedindo que ella tenha uma amplitude tal que possa conhecer, não só d'aquillo que pede o illustre Auctor da Proposta, mas de tudo quanto possa ler ligação com a questão do Banco. Sendo assim eu desde já presto o meu voto, na certeza de que a nomeação desta Commissão, e a apresentação do resultado do seu Inquerito, não prende de modo algum a Camara de poder conhecer, discutir e votar sobre os Actos da Dictadura. Nesta conformidade, voto pela Commissão de Inquerito na maior amplitude.
O Sr. Mello e Carvalho: — A questão e simples; eu pedia a v. Ex. para conhecimento mesmo da Camara, visto que ella mais se tem occupado do artigo 1.º do que dos tres seguintes, e para que fique sciente de que esses quatro artigos satisfazem completamente os desejos da Camara, que mande lêr a minha Proposta: se ella não satisfizer completamente os desejos da Camara, que é o conhecimento exacto da verdade, eu voto tambem com a maioria, porque é aquillo mesmo que eu quero. Eu suppuz, quando fiz essa Proposta que ella satisfazia a todas as indicações, mas se ella não satisfaz a todas, se e necessario votal-a mais amplamente, eu submetto-me, porque é exactamente o que eu quero.
Por tanto pedia a v. Ex.ª que tivesse a bondade de mandar lêr novamente a minha Proposta, a fim de que os illustres Deputados, prestando-lhe attenção, resolvam, se ella está conforme aos desejos de todo', ou não. Se está conforme, vota se; e senão, parece-me que approvando-se com o Additamento do Sr. Cunha, com o qual me conformo completamente, ficam salvos todos os escrupulos. (Foi lida na Meza a Proposta do Sr. Mello e Carvalho).
Eu cedo da palavra á vista da leitura da minha Proposta: se ella satisfaz aos fins que eu desejo, e a que a Camara se mostra tambem inclinada, bem; se não satisfaz, qualquer Sr. Deputado póde fazer os Additamento que intender. Ora o que é preciso, é empregar todos os meios possiveis para que este negocio se resolva com a brevidade que toda a Camara parece desejar.
Repito, eu adopto tudo que seja no sentido de tornar mais facil o conhecimento da verdade, porque intendo que é necessario por todos os modos que -se chegue a um resultado. Se este Estabelecimento não serve, é necessario acabar com elle; se é util, conserve-se; se precisa de reforma, reforme-se; mas acabe-se com isto: conservar o Governo e o paiz numa collisão perpetua com um Estabelecimento qualquer, e cousa inadmissivel. (Apoiados)
O Sr. Cunha Sotto-Maior. — Peço a v. Ex. que consulte a Camara se a materia está discutida.
O Sr. Presidente: — Eu consulto a Camara, sobre se a materia está discutida; como por em alguns Senhores mostram desejos de mandar ainda para a Meza Additamentos á Proposta do Sr. Mello e Carvalho, consulto a Camara se julga a materia discutida, ficando salvo aos Srs. Deputados mandarem Additamentos para a Meza.
Julgou-se discutida nesta conformidade.
O Sr. F. J. Maia: — Mando para a Meza o seguinte
Additamento. — A Commissão de Inquerito será encarregada:
1.º De examinar todas as transacções e contas entre o Governo e o Banco de Portugal, por si, e como successor dos direitos e obrigações do Banco de Lisboa, e da Companhia Confiança Nacional.
2. Se tem sido cumpridas as Leis e Regulamentos do Banco de Portugal em todas as relações com o Governo, com os particulares, e com os fins da sua instituição. — F. J. Maya,
Foi admittida.
O Sr. Presidente: — A primeira votação que ha a fazer, e sobre o Requerimento do Sr. Santos Monteiro.
O Sr. Santos Monteiro: — Eu peço licença para retirar o meu Requerimento, por isso que o fim para que tinha proposto que fosse á Commissão de Legislação a Proposta do illustre Deputado, era para lhe dar mais amplitude; como esse fim está conseguido, torna-se desnecessario o Requerimento, e por isso peço licença para o retirar.
A Camara consentiu que fosse retirado.
O Sr. Presidente: — Então vai votar-se sobre a Proposta do Sr. Mello e Carvalho.
O Sr. José Estevão: — Eu desejo que a votação desta Proposta seja feita de fórma que se reconheça que a Camara nomêa esta Commissão pelo direito que tem, em conformidade com o Acto Addicional: e necessario reconhecer que chegou um tempo, o anno de 1853, em que n'uma Camara, composta de todos os Partidos, e com um Governo Parlamentar, o Sr. ministro da Fazenda declarou que não é possivel deixar de nomear uma Commissão de Inquerito, visto que ella e pedida e proposta por um Deputado; honra lhe seja! É necessario por tanto fazer uma votação, que bem designadamente mostre, que nós estamos no nosso plenissimo] direito de votar esta Commissão, e que ella tem um mandato da Camara, para desempenhar as suas funcções.
O Sr. Presidente: — O que esteve em discussão foi a Proposta do Sr. Mello e Carvalho com os Additamentos que vieram para a Meza. Ora no principio desta Proposta está a idéa do que todos os Srs. Deputados querem; eu vou propo-la á votação-em primeiro logar; e depois seguirei por quesitos o mais que ha a votar. A Proposta diz no principio. (Leu)
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O Sr. José Estevão: — Eu estou resolvido a não deixar correr á revelia a Proposta que. vou mandar para a Meza, que é a seguinte:
Proposta. — Proponho que v. Ex. proponha á Camara que nomeie uma Commissão de Inquerito para o Banco de Portugal, que examine, na maior latitude de tempo e objectos, todas as questões que lhe respeitam, e que o ligam com a Economia publica. — José Estevão.
(Continuando). A base em que, assento esta Proposta e sufficiente para desligar a Commissão de Inquerito de examinar unicamente as contas do Banco, porque a auctorisa tambem a examinar tudo quanto é relativo á doutrina, e objectos de Economia publica, porque se se puzerem algumas restricções, atraz de umas vem outras, e então receio que ella se occupe tão sómente da questão actual do Banco que para mim não é a de 1835 nem a de 1815, mas remonta á sua creação e á sua origem. entretanto,. Se a Camara intende que as minhas opiniões estão consignadas na Proposta do Sr. Maia, não tenho duvida em votar por ella; mas parece-me que não estão alli bem enunciadas, e se eu houvesse fallado sobre esta materia, ver-se-hia que eu não podia prescindir de explicações muito cathegoricas e explicitas a respeito da causa do Banco, que é para mim uma causa importantissima; porque a minha questão não e sómente saber, se o Banco cumpre ou não cumpre todas as suas obrigações; se offende ou não offende as Leis e Regulamentos, mas se transformado sobre as ruinas do que existiu, se póde resolver alguma cousa do que se chama Credito neste paiz. Por tanto, não se prejudique a questão economica com a questão fiscal, nem esta com aquella, e é para esse fim que mando a minha Pi oposta para a Meza, protestando solemnemente, se se quizer reduzir esta questão a uma simples questão de contabilidade. Concluo pois pedindo que esta minha Proposta seja considerada como um Additamento á do Sr. Maia.
Assim ficou considerada.
O Sr. Presidente: — Vou perguntar á Camara se ella intende que a votação deve ser posta pelo modo porque o Sr. Deputado José Estevão quer: para isso vai ler-se a Proposta que elle mandou para a Meza. (Leu-se)
O Sr. Justino de Freitas: — Eu sómente necessito de uma declaração. Necessito saber se no exame das contas se comprehende a revisão das operações que o-Banco tem feito com o Governo; se isto se comprehende, voto pela Proposta do Sr. Maia. Voto tambem pela Proposta do Sr. José Estevão para que o mandato da Commissão não seja só restricto á tomada das contas, mas a dar o seu parecer sobre a questão economica. Por consequencia parece-me que v. Ex.ª satisfazia, aos desejos da Camara, se propozesse á votação a Proposta do Sr. Maia com o Additamento final do Sr. José Estevão. (Apoiados)
O Sr. Presidente: — A Camara é que ha de decidir esta questão sobre o>modo de propôr e, votar; é a quem cumpre decidir quando ha duvidas sobre elle....
O Sr. José Estevão intende que o unico modo de propôr a questão é a sua Proposta para..
O Sr. José Estevão: — Ja não intendo isso; já intendo como o Sr. Deputado que acabou de fallar, porque retiro a minha Proposta a não ser considerada como Additamento á do Sr. Maia. O que mais quer v. Ex.? Se não se considerar assim, retiro-a; só nessa qualidade é que permitto que a minha obra permaneça em presença de v. Ex.ª e da Camara.
O Sr. Presidente: — Se a considera como Additamento, escuso de consultar a Camara.
O Sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Sobre o modo de propôr digo, que-póde resultar algum inconveniente da maneira como se vai propôr; parece-me que seria mais conveniente propôr tres quesitos á Camara: primeiro — ha de haver uma Commissão de Inquerito ao Banco? A Camara diz que sim ou não; provavelmente diz que sim pelo que se tem manifestado: segundo — a Commissão de Inquerito ha de occupar-se dos objectos que menciona a Proposta do Sr. Maia? A Camara approva ou rejeita: terceiro — esta Commissão de Inquerito além do que diz a Proposta do Sr. Maia, póde occupar-se de todos os objectos que dizem respeito á Economia publica, como propõe o Sr. José Estevão? Parece-me que propondo por quesitos, como lembro, V. Ex.ª satisfará a todas as indicações da Camara. (Apoiados)
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que intendem que, a votação seja por quesitos, queiram ter a bondade de se levantar. Resolveu-se que se procedesse á votação por quesitos.
O Sr. Presidente: — Vou propôr o primeiro quesito.
Os Srs. Deputados que intendem que se deve nomear uma Commissão de Inquerito composta de 5 Membros que nem directa, nem indirectamente sejam interessados no Banco para o fim de examinar o estado do mesmo Banco, tenham a bondade de se levantar.
Foi. approvado..
O Sr. Presidente: — Vou propôr o segundo quesito. Os Srs. Deputados que são de voto que esta Commissão de Inquerito se occupe do exame na conformidade do Additamento, que o Sr. Maia mandou para a Meza, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O Sr. Presidente: — Terceiro quesito: os Srs. Deputados que são de voto, que além dos objectos mencionados no Additamento do Sr. Maia, a Commissão examine ainda mais aquillo que propõe o Sr. José Estevão no seu Additamento, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O Sr. Presidente: — LI a alguns Senhores que estão inscriptos para antes da ordem do dia; a hora porém está tão avançada que, a não resolver a Camara o contrario, passaremos á ordem do dia.
O Sr. Ministro da Faixada (Fontes Pereira de Mello): — Se v. Ex. permitte, mandarei para a Meza um objecto que é necessario mandar hoje antes da ordem dia. (O Sr. Presidente: — Tem a palavra) Vou mandar, para a Meza as Contas de Gerencia dos annos de 50 a 51 e. de 51 a 52 do Ministerio da Fazenda, e as Contes de Exercicio de 48 a 49, e de 49 a 50 do mesmo Ministerio, em virtude da disposição do Acto Addicional. Nesta conformidade tenho a satisfação de declarar a v. Ex.ª e á Camara que ficam em dia as Contas do Ministerio da Fazenda.
Ficaram sobre a Meza para terem ámanhã o destino competente.
VOL – II – FEVEREIRO — 1853
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ORDEM DO DIA.
Continuação da discussão do Projecto de Resposta ao Discurso da Corôa.
O Sr. Presidente: — Tem o Sr. Avila a palavra para continuar o seu discurso.
O Sr. Avila; — Vou continuar as observações que for.im interrompidas na Sessão passada por ler dado a hora, apezar de muito desejo que me animava de acabar então o meu discurso, dizendo tudo o que tinha a dizer relativamente á Resposta ao Discurso da Corôa, não só porque é sempre desagradavel a situação de uni Deputado que não acaba o seu discurso na Sessão em que começou, mas porque o meu estado de saude não me permitte prolongar uma tarefa que é sempre penosa.
Mas antes disso a Camara me permittirá que eu dê em poucas palavras uma explicação relativamente V uma allusão que foi feita a um acto meu durante a discussão, que felizmente cessou agora.
Disse-se, Sr. Presidente, que se se pediram agora indemnisações, é porque indemnisações tinham sido já concedidas, e accrescentou-se, como meio de amaciar ou suavisar o que podia haver de furte ou áspero nesta expressão, accrescentou-se — que se acreditava tanto na honra e probidade daquelles que tinham proposto e votado essas indemnisações, como na daquelles que as tinham combatido. — Esta explicação não destruiu a idéa, que se quiz exprimir, nas frazes, que acabei de citar.
Sr. Presidente, se se intendesse que a concessão dessas indemnisações era um acto regular, era um acto justo, não se teria feito de certo a allusão que se fez hoje: intende-se por consequencia outra cousa; e então, Sr. Presidente, eu achava mais franco, e mais logico, que se viesse aqui propôr a annullação desse acto que se repilla injusto apezar de ter sido votado por uma Lei do Corpo Legislativo, Lei que todos nós temos obrigação de reputar em quanto não fôr revogada. (Apoiados)
Eu declaro, Sr. Presidente, que depois que saí do ministerio em 1851, a minha intenção era renunciar à carreira parlamental, de que intendia já ter bastante; porque tenho tido a honra de occupar uma cadeira no Parlamento desde 1831.; eu teria renunciado, e renunciado sem saudade a essa carreira; ainda que não desconheço que ella é muito honrosa, mas porque é bom, que chegue a todos. Teria renunciado, repito, a essa carreira, se por ventura não tivesse sido o alvo de graves accusações, algumas das (piães me feriram na minha honra: porém a respeito de nenhum acto meu fui ião violentamente atacado como no que teve por fim essas indemnisações, a que se referiu o illustre Deputado, e o illustre Deputado deve saber que fazendo a allusão que foz, por certo sem me querer offender, veiu tocar n'uma corda que para mim é muito sensivel. Quem como eu tem-consumido uma já longa existencia no serviço publico, e que procurou desempenhar sempre os cargos, de que foi revestido segundo os dictames da sua consciencia, não tem medo, não tem duvida nunca de I auctorisar o exame de todos os seus actos, quer seja feito pelos seus Amigos, quer pelos seus adversarios. Por isso não posso ouvir a sangue frio allusões desta ordem, e que ninguem, depois do que se tem pesado, devia vir revelir nesta Casa, o muito menos o illustre Deputado. (Apoiado)
Sr. Presidente, se o illustre Deputado, ou alguem, tem a convicção da injustiça desse acto, é mais logico, é mais franco vir aqui propôr, como já disse, a revogação delle. (Apoiados) Quero a guerra franca. (Apoiados) Venha esse negocio á discussão por meio de um Projecto de Lei, e então se verá quem tem razão. Sinto profundamente que o illustre Deputado fizesse a allusão que fez a este acto da minha administração: estou certo que o illustre Deputado fez essa allusão sem intenção de me offender, mas o illustre Deputado devia lembrar-se que essa referencia suscitava em mim uma recordação muito dolorosa — Fui eu, Sr. Presidente, que nesta Casa por mais de uma vez convidei os num adversarios que apresentassem a minha accusação a respeito desse acto ou de outro qualquer da minha administração que devesse ser accusado (Apoiados: — E verdade). Fui eu, Sr. Presidente, que não uma, mas mil vezes pedi que viesse esse negocio á discussão quando nesta Casa havia um Projecto que prepunha a annullação desse acto. (Apoiados: — É verdade) — E é nestes termos, é quando esse negocio devia reputar-se acabado, que o illustre Deputado ainda vem fazer allusões a elle!.. Se o illustre Deputado reputa que esse acto é injusto, então eu o convido, a que venha fazer nesta Camara o que fez o anno passada um Membro desta Casa. Proponha a revogação desse acto.
Aqui estou para responder por elle, e por todos os meus actos sem excepção de um só. (O Sr. Carlos Bento: — Peço a palavra, porque preciso dar uma explicação, eu não quiz offender o illustre -Deputado). estou disso convencido, estou certo que da parte do illustre Deputado não houve intenção de me offender.
Vou entrar na ordem do dia, no objecto principal da discussão, que é o Projecto de Resposta, o peço á Camara que tenha benevolencia para comigo; é difficil, e se o fizer é um acto de cortezia da sua parte, o prestar-me attenção nesta hora, e depois da discussão que acaba de ter logar. Eu de certo não occuparia por mais tempo a attenção da Camara se por ventura um Membro do actual Gabinete não me fizesse a honra de citar actos da Administração de que eu fiz parte, e a respeito dos quaes tenho absoluta necessidade de dar algumas explicações, e mostrar qual foi o espirito que os fez adoptar.
Disse o Sr. Ministro da Fazenda,» que os seus Antecessores se encontrariam nos mesmos embaraços em que S. Ex. se encontrou. Eu mostrarei que não me acharia nus mesmos embaraços, que as nossas situações são muito diversa, e que entre a minha saída do ministerio e a entrada de S. Ex.ª para a Pasta da Fazenda, note-se bem para á Pasta da Fazenda, ha actos, que concorreram muito para os embaraços era que S. Ex. se achou, mas que eu me não ucha- ia, porque esses actos não teriam tido logar.
Os actos a que me refiro, são — O movimento de Abril que augmentou a despeza no ministerio da Guerra occasionada por esse movimento e pela grande promoção, a que deu origem — Note-se que eu estou tractando unicamente de expor, debaixo do ponto de vista financeiro, o que concorreu para os embaraços financeiros em que se achou o Sr. ministro da Fazenda actual — O anno passado disse eu,
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quendo se entrou na discussão da Acto Addicional, que havia de procurar por todos os meios de não fazer allusões, n'-m de pronunciar uma só expressão que fosse abrir feridas que eu tanto desejava ver cicatrizadas. (Apoiados) — É este o mesmo espirito que me anima ainda hoje
Além do movimento de Abril, e da grande promoção, n que elle deu origem, ha o emprestimo de Junho de 1851, em que entraram 150 contos, em titulos; ha a reducção da siza de 10 a 5 por cento e o ponto nos pagamentos.
Nenhuma destas medidas pertence no Sr. Ministro da Fazenda actual, porque o ponto mesmo, apesar de ser medida adoptada por S. Ex.ª, pertence rigorosamente ao Antecessor de S. Ex. na Pasta da Fazenda por que de facto o ponto começou, quando se determinou o pagamento de um mez corrente e um mez atrasado, medida impossivel de continuar, porque nenhum Ministerio podia pagar n'um anno 24 mezes aos Empregado, e satisfazer a outras despezas do serviço. Depois dessa medida o ponto esteve feito; por que nenhum Ministerio podia deixar de preferir o pagamento dos mezes correntes aos mezes atrazados.
Sr. presidente, o ponto impoz ao Thesouro no anno economico de 1851 a 1852 uma despeza extraordinaria de 210 contos, importancia de 7 mezes, que a Companhia dos descontos havia pago aos officiaes arregimentados, e que o Governo pagou, apesar de pagar tambem nesse anno 12 mezes directamente aos mesmos officiaes. No emprestimo de Junho de 1851 entraram 150 contos em titulos, que foram pagos em dinheiro; e na reducção da siza houver no referido anno economico de 1851 a 1852 uma diminuição de receita de 180 contos de réis!
O Movimento d'Abril, e a promoção, a que deu origem, fiseram pesar sobre o Thesouro, no mesmo mino economico, uma despeza extraordinaria pelo menos, da importancia de 100 contos!
Todas estas despezas, que montaram a 910 contos, que pesavam sobre o actual Sr. Ministro, não pesariam sobre mim. Todas estas despezas extraordinarias são a verdadeira origem dos embaraços, em que S. Ex.ª. se tem encontrado.
Quanto á reducção da siza de 10 a 5 por cento, direi, que não intenda a Camara que eu não desejo igualmente reduzir e ainda eliminar de todo alguns impostos vexatorios; mas intendo, que o tributo mais vexatorio, mais esterilisador de todos é o deficit; (Apoiados) e em quanto elle existir, não intendia eu dever fazer experiencias sobre impostos, de que resultasse o aggrava-se o deficit.
Em logar de reduzir a siza de 10 a 5 por cento, segundo a auctorisação que para isso recebi do Corpo Legislativo, julguei melhor procurar, por todos os meios, melhorar a cobrança desse imposto, e verificar assim se a causa da sui diminuição era a sua elevação de 5 a 10 por cento, ou a sua má cobrança. E fui tão feliz nas medidas que adoptei a similhante respeito, que tendo a siza produzido no anno economico dê 1843 a 1849, 329 contos, já me anno de 1819 a 1850 produziu 398 contos, p no anno de 1850 a 1851, 432 contos E foi nestas circumstancias, que se reduziu aquelle imposto, tomando-se por fundamento desta medida as mais falsas permissas, como se póde ver pela leitura do Relatorio que precedeu o Decreto, que determinou aquella reducção. (O Sr. Ministro da Fazenda. — Não é meu).
Eu noto ao Sr ministro, que já decimei, que este -facto foi anterior á entrada de S. Ex. para o Ministerio. Do que S. Ex. póde ser accusado, é de não ler revogado o Decreto, que estabeleceu essa reducção; mas eu não lhe daria tambem esse conselho; porque uma tez feita a reducção, não julgo que se deva voltar atraz; (Apoiados) é preciso fazer a experiencia della, e soffrer-lhe todas as consequencias.
O facto é, Sr. Presidente, que no anno economico de 1851 a 1852 a siza só produziu, depois de adoptada n reducção, 259 contos, e o Sr. Ministro da Fazenda não ousou calcula-la em uma somma maior par o anno economico de 1853 a 1354.
Repilo, que não me opponho á reducção de impostos altamente contrarios ao desenvolvimento da prosperidade publica: mas em primeiro logar não ha imposto que não seja anti-economico e absurdo; a questão é escolher os que são menos anti-economicos e menos absurdos: e em segundo logar de todos os impostos o mais anti-economico, e o mais esterilisador, como já disse, é o deficit. O meu pensamento pois era não fazer experiencias sobre impostos, de que podesse resultar diminuição de receita, antes de acabar o deficit. Chegado a este ponto, ou restabelecido o equilibrio entre a receita, e a despeza, não leria duvida de fazer tambem experiencias. Esta lição nos acabam de dar, ainda não lia muito, os Estados-Unidos da America. Por uma Lei de 3 de Março de 1851 reduziu-se o porte das cartas a começar do anno economico ou final, como lá se chama, de Julho de 1851 a Junho de 1852. Quer a Camara saber qual foi o resultado desta medita? Foi haver nesse anno economico uma diminuição no mesmo imposto da importancia de 1.000:431:696 dollars porto de 1:400 contos da nossa moeda. Mas essa diminuição da receita não perturbou o equilibrio entre a receita e despeza, porque houve ainda um excedente de 3 000:720: 190 dolla rs. Esle exemplo prova tambem a sem razão, com que se sustenta que a reducção de impostos produz immediatamente augmento de receita: não e assim: nunca a produz logo: algumas vezes a produz dahi a muitos annos, outras vezes não a produz nunca. (O Sr. Carlos Bento: — Apoiado).
O Sr. Ministro da Fazenda para repellir as censuras, que S Ex. intendeu, que lhe haviam sido feilas com relação á conversão do Decreto do 18 du Dezembro de 1852, disse — que já em 1811 se tinha feito uma reducção no juro da divida fundada, impondo-se-lhe uma decima — e depois alludiu tambem ás duas decimas de 1845, e aos 25 por cento de 1818, chamando-lhes igualmente reducções do juro da divida Devo notar que me parece, que esta linguagem não é exacta, e desejo rectificar esta expressão do nobre Ministro. Intendo que esta expressão não é exacta, porque em 1811, 1816 e 1818 não houve uma reducção do juro: houve sim uma deducção temporaria exigida por circumstancias desgraçadas, que não admittiam outras medidas; mas não houve uma reducção permanente. Se eu quizesse escudar-me com exemplos de Inglaterra, aonde se intendem as questões de Credito, dizia que lá se faz o mesmo: porque as deducções feitas entre nós estão no mesmo caso da deducção de 3 por cento, sobre os juros da divida fundada que entra na Inglaterra no income-
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tax: e entretanto em Inglaterra ainda ninguem disse que aquelle imposto é uma reducção no juro.
O nobre Ministro poderá dizer, que para o effeito é a mesma cousa: para provar o contrario peço licença para fazer ainda algumas ponderações a este respeito.
As deducções nos juros foram sempre estabelecidas entre nós em circumstancias, que não permittiam que se adoptassem outras medidas: sem credito para intentar outras operações não havia remedio senão repartir com igualdade o que havia, Em 1841 não só o Governo dessa época, mas uma Commissão composta das pessoas as mais competentes deste Paiz, excepto eu, presidida por um dos homens mais notaveis entre nós, a cujas cinzas hei de sempre fazer justiça, o Sr. Duque de Palmella, esta Commissão intendeu que não se podia ir lançar uma deducção de 10 por cento sobre os ordenados dos Empregados, sem se lançar tambem sobre os juros da divida fundada. Ha mais, em Inglaterra mesmo, aonde se intende o quanto todas estas medidas são sempre desvantajosas para o credito publico, em Inglaterra se queixavam altamente os nossos credores de que nós estivessemos pagando integralmente o juro da nossa divida interna, ao mesmo tempo que exigiamos grandes sacrificios dos credores externos. A decima sobre os juros da divida interna satisfazia a todas estas exigencias, e não houve remedio senão lança-la. Em 1810 que se havia de fazer? — O Paiz acabava de saír de uma revolução: o Governo tinha sido obrigado a dar curso forçado ás notas do Banco; o futuro estava coberto de nuvens, o credito estava completamente perdido: em taes circumstancias quem havia de emprestar um real? O mesmo com pouca differença sedava em 1848. Mas aquelles, que estabeleceram essas deducções, intenderam porventura, que ellas seriam permanentes? Eu, que tive a desgraça de referendar o Decreto de 1841 para a deducção dos 10 por cento sobre os juros da divida interna; que em 1846 aconselhei as duas decimas, como Membro da Commissão de Fazenda; que em 1848 annui aos 25 por cento, declaro solemnemente que não. Todos o> homens, que aconselharam esses sacrificios, esperaram sempre, que da acção combinada do augmento da receita, da diminuição da despeza, e do restabelecimento do credito havia de resultar a possibilidade de dispensarmos essas deducções.
Sr. Presidente depois da dedução da primeira decima as Inscripções de 5 por cento chegaram em 18-15, a 75 por cento de valor; aqui estão muitos Cavalheiros que se devem lembrar disto. (Apoiado) Porque não haviam essas Inscripções chegar no par, se a tranquilidade pública se tivesse mantido, e tendo-se em vista o preço dos fundos nos outros Paizes? Se esta hypothese se verificasse como era muito possivel, essas Inscripções podiam ser trocadas por Inscripções de 4 ½ por cento, que era o juro, que ellas, effectivamente venciam; e ficavamos assim livres do descredito da deducção da decima, sem o menor encargo para o Thesouro. No ultimo mez da minha estada no Ministerio da Fazenda, a 31 de Março de 185.1, as Inscripções de 5 por cento estavam já a 49 ½, apesar da deducção de 25 por cento, quer dizer sem essa deducção podiam estar já a 66 por cento. Que razão havia pois para não se acreditar que se na Junta do Credito Publico se continuassem a pagar pontualmente os juros e amortisações que nos tinhamos obrigado a pagar, não haviam de ir os nossos fundos ao preço que tinham os fundos dos outros Paizes e podendo vir neste caso as nossas Inscripções de ò por cento, que de facto recebiam 3 5/4 quartos por cento, a 80 por cento, porque motivo não haviamos nós poder trocar essas Inscripções por Inscripções de 3 por cento dando 125 por cada uma? Haveria, e verdade, nesta hypothese um bonus no capital a favor do credor para o attrahir á conversão; mas o encargo era effectivamente o mesmo para o Thesouro; porque esses 125 rendiam 3 ¾, que era o que rendiam as Inscripções de 5 por cento, e acabava igualmente o odios) da deducção dos 25 por cento.
Eu já declarei por mais de uma vez nesta Casa que convem empregar todos o meios para-restabelecer o nosso credito na Praça em que nos é mais necessario que o tenhamos: e ouço com pasmo aquelles, que todos os dias nos estão a aconselhar, que promovamos por todos os meios os melhoramentos materiaes do Paiz, sem querer, acreditar no que disse o illustre Deputado o Sr. Carlos Bento, de que taes melhoramentos são impossiveis sem credito. (Apoiados) Para quem não quer crer nos milagres, que produz o credito apontarei o exemplo, que nos acaba de offerecer a Inglaterra que por meio do credito pôde reduzir o juro dos Exchequer Bills a 1 I por cento ao anno. Os capitaes estão baratissimos em toda a parte, e a sua abundancia cresce todos os dias: se tivermos credito, havemos de te-los tambem baratos, e ahi acharemos vantagens muito superiores áquellas que o Sr. Ministro da Fazenda obteve com as providencias, que adoptou. —
Apontarei mais um exemplo. Se nós pelo pouco credito que temos, fomos obrigados a offerecer-um minimo de 6 por cento para contractar a feitura do caminho de ferro, é evidente que se o nosso credito estivesse restabelecido, e se em logar desse juro-podessemos offerecer, como outros Paizes só 4 por cento, rezultava daqui uma economia de 270 na somma indispensavel para a construcção do caminho de ferro. Só no de Lisboa á fronteira de Hespanha esta economia é quasi igual á economia que o Sr. ministro da Fazenda fez pelo Decreto de 18 de Dezembro na convenção forçada, que levou a effeito. O que não seria nas outras emprezas, que temos necessidade de levar a effeito!
Eu tenho a convicção, Sr. Presidente, de que sem a revogação do Decreto de 18 de Dezembro não ha caminho de ferro, porque não ha possibilidade de se organisar nenhuma Companhia, que o leve a effeito, nem é tambem possivel nenhuma outra empreza de interesse material. O Sr. Ministro tem a convicção contraria. Faço votos para que S. Exª tenha razão, e que seja eu que esteja em erro..
O nobre ministro referiu-se tambem ás, observações que se fizeram ao Decreto de 30 de Agosto. Eu não analysarei essa medida. Nas observações que fiz, não tenho alludido senão a factos que me dizem respeito; mas quero que a Camara saiba que eu estou inteiramente de accôrdo com o Sr. Ministro da Fazenda em quanto diz — «Que não quer curvar o joelho ou a dignidade do Governo diante de-nenhum Estabelecimento. — 55 De accôrdo. S. Ex. não póde, nem deve fazel-o. (Apoiados) Mas eu estou convencido de que S. Ex. sem comprometter a sua dignidade de ministro poderá ainda com o auxilio do Corpo Legisla
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tivo dar a este negocio uma solução conciliatoria: S. Ex.ª ha-de reconhecer que a situação em que está a este respeito, é uma situação má, da qual o primeiro interessado em saír e S. Ex.ª E se S. Ex.ª achar um meio que sem comprometter a sua dignidade, sem comprometter os principios de justiça, e sem faltar á boa fé dos, contractos, resolva esta questão, estou persuadido de que S. Ex.ª o ha-de adoptar.
Mas torno a dizer: não é agora occasião de tractar deste assumpto, e o debate que acaba de ter logar, mostra bem que a Camara deseja que ella se discuta quanto antes.
O Sr. Ministro da Fazenda disse que a primeira declaração feita no Stoch Exchange tinha sido anterior ao Decreto de 18 de Dezembro. É verdade, e eu que estou sempre prompto a dar força ao Governo quando o Governo tem razão, digo que tambem estou de accôrdo nesta parte com o que disse o nobre Deputado o Sr. Carlos Bento — que essa declaração fôra altamente injusta — o Governo não se tinha compromettido a não lançar mais impostos sobre as Alfandegas: o Governo o que obrigara, foram os impostos então existentes, e não um imposto posterior, que tinha uma applicação particular. O Scoch Exchange fazendo uma tal declaração enunciou uma pertenção exaggerada. Mas esta mesma circumstancia devia-tornar o Sr. Ministro da Fazenda mais cauteloso para não empreender medida alguma que fosse aggravar a sua situação naquella praça: e por esta razão eu deplorei que o Decreto de 18 de Dezembro viesse tirar o Governo da boa posição, em que se achava; porque se a primeira declaração do Stoch Exchange foi injusta e exorbitante, não posso dizer outro tanto com relação á segunda declaração, a que deu origem o Decreto de 18 de Dezembro. Sinto profundamente que tal acontecimento tivesse tido logar, e intendo que é do interesse do Sr. Ministro da Fazenda; que é do interesse do Governo, que aquella declaração seja revogada quanto antes, ou que se levante, o interdicto, a que no Stoch Exchange deu causa a conversão ultimamente decretada.
Sr. Presidente, eu não tenho duvida, entrando agora na discussão da Resposta ao Discurso do Throno, em que devia já ter entrado ha muito mais tempo, do que peço perdão á Camara, em declarar que me enganei na Sessão de sabbado, quando sustentei que a moção do Sr. Mello e Carvalho era uma Emenda, porque examinando-a depois com mais attenção, verifiquei que é uma verdadeira e completa Substituição ao § 4.º do Projecto de Resposta.
Essa Substituição contêm duas idéas: 1. Uma censura ao Governo pelo facto de ter assumido a Dictadura; e a expressão de um desejo, de que nunca mais esse facto se torne a practicar.; 2.* É uma moção para que os Decretos da Dictadura sejam submettidos ao Corpo Legislativo, como qualquer Proposta de Lei offerecida em casos ordinarios.
Quanto á 1.º idéa estou de accôrdo com o illustre Deputado, mas intendo que não é esta a occasião de a votar; mas sim quando se tractar da apreciação do facto da Dictadura, e das medidas que esta adoptou. E quanto á 2, approvo-a, excepto se o Sr. Ministro da Fazenda acceitar um conselho que lhe vou dar. E uso-desta linguagem em conformidade com o que disse na Sessão passada, em relação á minha maneira de fazer opposição. Eu intendo que não devo fazer opposição ás pessoas dos Ministros, e se fosse esta a minha maneira de proceder, não fazia Opposição ao actual Ministerio, de algum dos Membros do qual sou amigo, e respeitador de todos. A minha opposição é só aos actos do Governo, que intendo que não são convenientes á causa publica.
Eu intendo que a missão de uma Opposição conscienciosa consiste em dizer ao Governo, qual é a sua opposição ácerca das Propostas que elle apresenta ao Parlamento, e substitui-las quando as não póde approvar: se o Governo acceita essa Substituição, ou apresenta Propostas que a Opposição leria apresentado, se fosse Governo, nesse caso a Opposição deve votar com o Governo (Apoiados).
Entre os Decretos da Dictadura encontra-se o do 31 de Dezembro de 1852, pelo qual o Governo substituiu ao methodo de lançamento para à contribuição directa o da repartição. Declaro que sou inteiramente a favor deste methodo; e intendo que O Sr. Ministro da Fazenda deu uma prova de coragem e dedicação civica, levando á execução uma reforma que serviu de pretexto em 1846 a uma revolução.
Sr. Presidente, eu apesar de ler esta opinião, não julguei conveniente levar a effeito a mesma reforma,. Quando entrei no Ministerio em 1849, por não querer expôr-o Partido que me sustentava a uma nova experiencia, igual á de 1816/ mas procurei por to. dos os meios remediar os principaes inconvenientes do systema de lançamento, já lixando prasos para começarem. as operações do mesmo lançamento, e para que os collectados os podessem examinar; já fixando prazos para a abertura dos Cofres.
Destas medidas resultaram grandes vantagens para a Fazenda Publica, porque se melhoraram os lançamentos, e se activou a cobrança com reconhecido proveito do Thesouro e do contribuinte, que se poupou assim ás despezas do pagamento pelos meios contenciosos.
O dia 2 de Janeiro foi fixado para começarem As operações do lançamento, recebendo-se as declarações dos collectaveis até ao dia 17: de 1 até 13 de Maio eram patentes os mesmos lançamentos aos Interessados para poderem reclamar, e estas reclamações deviam ser decididas pelas Juntas de 16 a 20 do mesmo mez, interpondo-se as reclamações para o Conselho de Districto até 1 de Junho: no dia 1 de Agosto se abriam os cofres para a cobrança voluntaria da primeira prestação, que durava 30 dias, findos os quaes começava a cobrança por avisos, á qual se seguia a cobrança contenciosa: e no dia 1.* de Fevereiro se abriam os cofres para a cobrança da segunda prestação.
Estas — medidas foram primeiramente consignadas na Carta de Lei de 23 de Julho de 1850, que eu tive a honra de propôr, e pela qual se poz termo ao principal inconveniente que offereciam os lançamentos, e que era a necessidade de vir todos os annos pedir auctorisação ás Côrtes para se fazerem esses lançamentos. Daqui resultava, que até que essa auctorisação fosse votada, se tinha perdido um tempo precioso', o que obrigava a fazer os lançamentos a correr, não sabendo os collectaveis nem quando estes se faziam, nem quando se abriam os cofres. A Lei de 23 de Julho separou o facto do lançamento do facto da cobrança: estabeleceu que o primeiro era um facto administrativo, e que só para o segundo era necessario o condenso do Poder Legislativo, quer dizer, que o Governo podia, por si só, mandar proceder aos lança
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mento, mas que não podia cobrar a contribuição sem estar auctorisado pelo Corpo Legislativo a cobrar a receita do Estado no respectivo anno economico. Aquella Lei fixou, pois, prasos pára todas as operações do lançamento e cobrança, e foi desenvolvida nos Decretos regulamentares de 4 de Dezembro de 1850, e 22 de Abril de 1851.
As vantagens que destas providencias resultaram, foram immensas. O Sr. ministro já as confessou, e, ainda que S. Ex. as não tivesse confessado, os seus documentos o provam, porque por elles se vê, que houve um augmento extraordinario na cobrança da decima, havendo Districtos, em que quasi toda a decima se cobra voluntariamente, como Braga, Santarem, Evora, e outros, a respeito dos quaes melhor podera informar o Sr. Ministro
Foi nestas circumstancias que o Sr. Ministro da Fazenda aliciou o systema do lançamento, e estabeleceu o systema de repartição; e se o nobre Ministro, em logar de estabelecer o systema de repartição para 1853, viesse á Camara com um Projecto pedindo ser auctorisado para estabelecer o systema de repartição para 1854, eu dava a S. Ex.ª todo o meu fraco apoio para que esse Projecto passasse. Hoje mesmo intendo que S. Ex.ª não póde fazer outra cousa, e vou dizer a razão porque.
Sr. Presidente, o systema de repartição, não havendo as matriculas permanentes, é muito mais complicado do que o systema de lançamento; porque o processo da repartição exige previamente as seguintes operações: que o Corpo Legislativo vote o quantum da contribuição que se ha de repartir pelo differentes Districtos do Reino, e que reparta esta contribuição por esses Districtos; que se convoquem as Juntas Geraes do Districto para que repartam o quantum do Districto pelos seus differentes Concelhos; que as Camaras Municipaes de Lisboa e Porto distribuam o quantum do Concelho pelos seus diversos Bairros; que as Camaras Municipaes do Reino tenham um praso para interpor recurso para é Conselho d'Estado, queixando-se da quota que lhe foi arbitrada, quando intenderem que essa quota foi exorbitante; e que se dê, finalmente, tambem um praso ao Conselho d'Estado para resolver essas reclamações.
O Sr. Ministro talvez diga, que as reclamações não demoram o processo, porque só serão attendidas no anno seguinte. Convenho; mas restam sempre todas as outras operações, as quaes cumpre levar a effeito antes de começar a repartição entre os collectaveis. Esta repartição póde considerar-se como correspondendo nos trabalhos do lançamento; porém é tambem ainda mais complicada, porque os lançamentos fazem-se entre nós por Freguezias, e o Sr. Ministro determina, que a repartição se. faça por Concelhos, que comprehendem, termo medio, cada um 10 Freguezias.
Eu sei bem que esta disposição está em harmonia com o que se faz em França; mas eu lembro á Cansará, que uma Municipalidade em França corresponde a uma Freguezia em Portugal, comparando os dois Paizes debaixo do ponto de vista da população; comparados debaixo do ponto de vista de extensão ainda é peior: uma Freguezia em Portugal corresponde a 2 Concelhos em França. Portugal está para França como, 1 para 5, debaixo do ponto de vista de extensão; e como 1 para 10, debaixo do ponto de vista da população. Na primeira hypothese, tendo Portugal, 4:000 Freguezias, a França devia ter 20:000
Concelhos, para que cada Concelho podesse corresponder a uma Freguezia; mas tem perto.de 40:000 Concelhos: logo, debaixo deste ponto de vista, cada Freguezia em Portugal corresponde a 2 Concelhos em França, debaixo do ponto de vista da extensão ou a um Concelho, debaixo do. ponto de vista da população, que é para a de França como de 1 para 10. Se a repartição se faz, pois, em p rança por Concelhos, pela mesma razão se devia fazerem Portugal por Freguezias e não por Concelhos, como ordenou o Decreto de 31 de Dezembro»;
Se se davam, pois, para os lançamentos por Freguezias 4 mezes, é preciso dar um espaço muito maior para o processo da repartição, que se faz por Concelhos, cada um dos quaes comprehende, como já disse, termo medio, 10 Freguezias.
Se os trabalhos do lançamento começavam a 8 de Janeiro, tem-se já perdido, debaixo deste ponto de vista, 2 mezes. Suppondo mesmo, que o Sr. Ministro manda já convocar as Juntas Geraes de Districto, é necessario que ellas trabalhem com a melhor vontade para que em 2 mezes esteja feita a repartição pelos Concelhos, e pelos Bairros de Lisboa e Porto. Ahi vão já 4 mezes. Supponhamos que bastam 6 mezes para a repartição entre os collectaveis, 3 mezes para as reclamações, entrega dos conhecimentos dos Recebedores, e abertura dos cofres, ahi fica provado, que só em Fevereiro de 1854 se poderá receber a primeira prestação da decima, não se recebendo, por consequencia, neste anno um só real dessa contribuição. (Vozes: — Já deu a hora.) O Orador: — Rogo a Camara, que me queira honrar com a sua benevolencia por mais uns minutos, porque desejo acabar.
Parece-me, Sr. Presidente, que o Sr. ministro da Fazenda deve desde já retirar este Decreto, e apresentar á Camara uma Proposta para ser auctorisado a substituir ao systema de lançamento o de repartição para o anno de 1854, fazendo-se este anno todos os Trabalhos preliminares para que a repartição possa começar logo no principio do anno seguinte, como se fazia com o lançamento. Se o Sr. ministro da Fazenda acceitar este alvitre, eu declaro que não votarei pela segunda parte da Proposta do Sr. Mello e Carvalho.
Sr. Presidente, como já deu a hora, e como prometti não abusar da benevolencia da Camara, ommitto muitas outras considerações que podia fazer, e vou referir-me a uma frase pronunciada hontem pelo Sr. Ministro do Reino. S. Ex.ª disse, que a Administração tem feito todos os esforços para a manutenção do Systema Parlamentar, e S. Ex.ª, fallando depois em seu nome, disse, com aquella eloquencia que lhe é propria, que o seu ultimo suspiro, ou antes o penultimo (porque o ultimo seria para Deos) seria pelo Systema Representativo. Eu não precisava desta declaração do nobre ministro, e estou convencido de que S. Ex.ª não precisava da-la, porque não ha ninguem que desconheça a alta intelligencia de S. Ex., o a sua dedicação as idéas liberaes. Eu posso discrepar, em alguns pontos, da politica do nobre ministro, sem deixar de lhe fazer a justiça que S. Ex.ª merece. Mas a expressão do nobre ministro tem. uma alia significação nas circumstancias presentes, em que o Systema Parlamentar está passando por grandes provas.
Sr. Presidente, os inimigos principaes do Systema Parlamentar são a funesta tendencia dos Governos para exorbitar das suas attribuições, e a d'algumas
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Opposições para aggravar os defeitos dos seus adversarios, não escrupulisando na escolha de meios para os fazer cair. Quanto á primeira tendencia, eu peço aos Srs. Ministros que reflictam, que uma Constituição violada e uma Constituição morta; e quanto á segunda, declaro que hei de desapprovar sempre o procedimento daquelles que julgam bons, factos praticados por certos homens, e que julgam máos, esses mesmos factos praticados por outros. Eu pela minha parte o que posso prometter, aquillo a cujo cumprimento me obrigo, e que não hei de cooperar como Membro da Opposição para que esse systema desgraçado continue; hei de combate-lo sempre, approvando todos os actos dos Ministerios que eu combater, quando a minha consciencia me disser, que eu praticaria esses mesmos actos sendo Ministro.
Não quero abusar mais da benevolencia da Camara. Acabo dizendo, que voto pela Substituição do Sr. Mello e Carvalho, só em relação á segunda parte, pela qual não votarei tambem, se o sr. Ministro da Fazenda reconhecer que deve retirar o Decreto de 31 de Dezembro, e vir pedir á Camara a auctorisação para no anno seguinte levar a effeito esse systema, e prometto desde já offerecer a S. Ex.ª as minhas debeis fôrças para que essa medida passe nesta Camara.
O Sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã e a continuação da de hoje. Está levantada a Sessão. — Eram quatro horas e um quarto da tarde.
O redactor
JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO
FIM DO VOLUME II.