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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 24 DE FEVEREIRO DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

José de Menezes Toste

Chamada — Presentes 60 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Vidal, Braamcamp, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, Quaresma, Brandão, Seixas, A. Pinto de Magalhães, Mello Breyner, Lemos e Napoles, Pinheiro Osorio, Zeferino Rodrigues, Barão das Lages, Barão de Santos, Barão da Torre, Barão do Rio Zezere, Albuquerque e Amaral, Abranches, Beirão, Ferreri, Cesario, Claudio Nunes, Domingos de Barros, Poças Falcão, Barroso, Coelho do Amaral, Borges Fernandes,

F. L. Gomes, F. M. da Costa, F. M. da Cunha, Gaspar Teixeira, Henrique de Castro, Sant'Anna e Vasconcellos, J. A. de Sousa, Mártens Ferrão, J. J. de Azevedo, Nepomuceno de Macedo, Torres e Almeida, Mello e Mendonça, Neutel, Galvão, Alves Chaves, D. José de Alarcão, J. M. de Abreu, Costa e Silva, Frasão, Sieuve de Menezes, Silveira e Menezes, José de Moraes, Oliveira Baptista, Batalhós, Julio do Carvalhal, Camara Leme, Alves do Rio, Rocha Peixoto, Manuel Firmino, Mendes Leite, Sousa Junior, Murta, Pereira Dias, Miguel Osorio, Modesto Borges, Monteiro Castello Branco, Ricardo Guimarães, Lobo d'Avila, Simão de Almeida e Thomás Ribeiro.

Entraram durante a sessão — Os srs. Garcia de Lima, Annibal, A. B. Ferreira, Sá Nogueira, Eleuterio Dias, Gonçalves de Freitas, Gouveia Osorio, Ferreira Pontes, Arrobas, Fontes Pereira de Mello, Mazzioti, Antonio Pequito, Pereira da Cunha, Magalhães Aguiar, Lopes Branco, A. de Serpa, Freitas Soares, Almeida e Azevedo, Carlos Bento, Cyrillo Machado, Almeida Pessanha, Fernando de Magalhães, Fortunato de Mello, Bivar, Fernandes Costa, Gaspar Pereira, Guilhermino de Barros, Medeiros, Blanc, Silveira da Mota, Gomes de Castro, João Chrysostomo, Aragão Mascarenhas, Joaquim Cabral, Matos Correia, Rodrigues Camara, J. Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, Ferreira da Veiga, José da Gama, Sette, Fernandes Vaz, José Guedes, Luciano de Castro, Casal Ribeiro, Menezes Toste, Gonçalves Correia, Mendes Leal, L. M. Jordão, Pinto de Araujo, Charters, Fernandes Thomás e Visconde de Pindella.

Não compareceram — Os srs. Adriano Pequito, Affonso Botelho, Abilio, A. C. da Maia, Correia Caldeira, Antonio Pinto, David, V. Peixoto, Palmeirim, Barão do Vallado, Garcez, Oliveira e Castro, Pinto Coelho, Conde de Azambuja, Conde da Torre, C. J. da Costa, Drago, Abranches Homem, Diogo de Sá, Francisco Ignacio Lopes, Izidoro Vianna, Gavicho, Bicudo Correia, Pulido, Chamiço, Cadabal, Carvalho e Abreu, Mendes de Carvalho, Costa Xavier, Fonseca Coutinho, Sepulveda Teixeira, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Ferreira de Mello, J. Coelho de Carvalho, Simas, Faria Guimarães, Silva Cabral, Infante Pessanha, Figueiredo de Faria, Latinho Coelho, Alvarez da Guerra, Rojão, Camara Falcão, Freitas Branco, Affonseca, Martins de Moura, Alves Guerra, Pinto de Araujo, Vaz Preto, Sousa Feio, Placido de Abreu, Moraes Soares, Teixeira Pinto e Almeida e Silva.

Abertura — Ao meio dia e tres quartos.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.º Declaro que, se estivesse presente na sessão de hontem, teria votado a proposta do sr. Mártens Ferrão, sobre as suspeições politicas. José de Moraes Pinto de Almeida.

Mandou-se lançar na acta.

2.º Declaro que, se estivesse presente na sessão anterior, teria votado a proposta do sr. Mártens Ferrão, ácerca das suspeições politicas. = Rocha Peixoto.

Mandou-se lançar na acta.

3.º Uma declaração do sr. Bivar, de que o sr. Coelho de Carvalho não compareceu á sessão de hontem, nem comparecerá a mais algumas, por incommodo de saude. — Inteirada.

4. Do sr. Guilhermino de Barros, de que o sr. Vaz Preto não póde comparecer á sessão de hoje e a mais algumas, por incommodo de saude. — Inteirada.

5.° Do sr. Poças Falcão, de que o sr. Bicudo Correia não póde ainda concorrer ás sessões por existirem os motivos que o tem impedido, e que já communicou á camara; mas que o fará por todo o mez de março. — Inteirada.

6.º Um officio do ministerio da justiça, acompanhando o mappa demonstrativo das licenças que aos magistrados judiciaes e do ministerio publico foram concedidas desde 1 de janeiro até 31 de dezembro de 1863, satisfazendo assim a um requerimento do sr. Bernardo Francisco de Abranches. — Para a secretaria.

7.º Do mesmo ministerio, dando os esclarecimentos pedidos pelo sr. José Maria de Abreu, ácerca da despeza feita com o regulamento da lei do credito hypothecario. — Para a secretaria.

SEGUNDAS LEITURAS

PROJECTO DE LEI

Senhores. — Os acontecimentos que restabeleceram o regimen parlamentar nos paizes continentaes da Europa abriram tambem caminho ao desenvolvimento dos interesses materiaes, progresso economico, que é uma das condições impreteriveis de vitalidade para as instituições representativas. Entre nós cresceu devéras esse desenvolvimento ha poucos annos, mas desde então respondemos triumphantemente com a eloquencia dos factos a todas as accusações dos que ainda hoje professam o seu amor exclusivo á antiga organisação social. Ao passo que gosâmos a liberdade do pensamento, a discussão, a publicidade, as garantias emfim de um paiz livre, despeia-se a agricultura de usanças esterilizadoras, prospera a industria e o commercio, aperfeiçoam se os meios de transporte, e os poderes publicos associam se á opinião geral no glorioso empenho de dar ao renascimento economico do paiz um impulso fecundo e civilisador.

É necessario porém que n'esta familia que se reconstitue não haja morgados e filhos segundos, não haja provincias destinadas só a contribuir para o progresso das outras, sem alcançarem para si identicas vantagens. Seria isso injusto e prejudicial; injusto, porque supportando todos os cidadãos com igualdade proporcional os encargos sociaes, todos têem o mesmo direito aos gosos e commodos da sociedade, sem o quê esses encargos não têem rasão de existencia; prejudicial, porque nunca a prosperidade e a força poderão subsistir emquanto concessões mutuas não firmarem o equilibrio entre as diversas provincias do reino, convocando to-

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das a tomarem parte no movimento economico que o ha de juvenescer.

Uma das provincias que mais desprezada tem sido é sem duvida a do Algarve, comquanto de muito diversa sorte fossem dignas a fertilidade do seu sólo, a abundancia de população, e a reconhecida actividade e aptidão dos seus naturaes. Sem a minima sombra de encarecimento, parece-me pois ser licito lembrar-vos a urgente necessidade de pôr esta provincia em facil communicação com o resto do paiz, por meio de um caminho de ferro, que se prolongue desde Beja até Faro.

Não nos assustem se apparecerem as objecções banaes que costumam levantar-se, quando animos timoratos ou mesquinhos querem contrariar a idéa de alguma empreza util, ou receiam metter hombros a qualquer grande commettimento. Esses hão de fallar-vos em elevadas despezas de construcção e nos muitos encargos do thesouro.

Quanto ás despezas de construcção, se alguem as representar como exorbitantes, não faltará em contrario quem as julgue pouco avultadas. A directriz da linha ferrea que proponho á vossa esclarecida apreciação, apenas na serra se torna ardua a realisar, porque até ahi é o terreno perfeitamente plano, e o mesmo succede, com raras excepções, desde S. Bartholomeu de Messines até Faro. Basta reflectirmos comtudo em que, sem este prolongamento, a linha do sul já construida será de um interesse secundario, para, que não possamos recuar diante de custosos trabalhos e de grossas quantias, ainda quando as difficuldades para atravessar a serra sejam maiores do que se devem suppor.

Quanto aos encargos do thesouro responderemos que a riqueza de uma nação não consiste em não ter dividas, nem estradas, nem agricultura, nem mineração, nem industria fabril, nem commercio, mas sim em ter em actividade o maximo numero de forças productoras. Um simples exemplo patenteará melhor esta incontestavel doutrina do que longas dissertações.

O mendigo que nada deve não deixa por isso de ser um mendigo; emquanto que o proprietario que contrahe um em I prestimo para bemfeitorisar a sua propriedade não fica sendo menos rico te o valor d'essas bemfeitorias for igual ou superior ao do emprestimo contrahido. A historia porém vem ainda fortalecer esta verdade, aliás obvia e accessivel a todos os entendimentos, mostrando-nos como o credito publico tem crescido gradualmente entre nós, á proporção que a importancia dos emprestimos se tem applicado ás uteis emprezas do nosso adiantamento economico. Alumia í dos pois pelos verdadeiros principios do progresso desprezemos as vozes aterradoras dos que pretendem exagerar as difficuldades da situação que nos cercam, e consideremos o aperfeiçoamento da viação publica como um dos meios mais efficazes de combater essa difficuldade, e de evitar as procedas que, segundo alguns suppõem, assomam nos horisontes.

Por todas estas considerações, e outras que reservo para occasião opportuna, tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E o governo auctorisado a contratar a construcção de um caminho de ferro desde Beja até Faro.

Art. 2.° Os preços da tarifa dos transportes de passageiros e mercadorias não devem exceder os do caminho de caminho de ferro do sul.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 22 de fevereiro de 1864. — Ignacio Francisco Silveira da Mota.

Foi admittido, e enviado ás commissões de obras publicas e de fazenda.

PROJECTO DE LEI

Senhores. — Quando as sciencias se têem aperfeiçoado, quando as artes caminham na estrada do progresso e civilisação, quando as industrias se animam e se elevam no teu verdadeiro campo, quando da amena sombra da arvore da liberdade convem diffundir e espalhar os seus salutares effeitos a todos os angulos d'este paiz, que felizmente desde 1851 muito se tem engrandecido com os melhoramentos que tem emprehendido.

Desde essa epocha Portugal tem encetado uma nova vida, e apesar de ser pequeno em presença das grandes nações, no entretanto é grande e respeitado pelos melhoramentos que emprehende, pela iniciativa que toma nas grandes medidas, pela consideração com que é tratado, pelo credito que tem, e pela liberdade e paz de que gosa.

Sendo bem conhecidos todos estes beneficios e vantagens que têem os portuguezes, e sendo elles colhidos pelo feliz systema que nos rege, e tem a sua base nos verdadeiros principios constitucionaes de liberdade, não é muito que tenhamos a ousadia de pedir para a terra da liberdade, para esse inexpugnavel rochedo da ilha Terceira, uma das joias mais preciosas, da corôa portugueza, um beneficio a creação de uma instituição, que ali nos dê nova vida e concorra para o desenvolvimento da agricultura da mesma ilha, e que é a principal fonte da sua riqueza.

A agricultura tem sempre merecido a attenção de todos os governos, porque ella é a fonte mais solida da riqueza nacional, ministra alimento a todas as artes, e é a unica companheira e refugio que têem as nações na sua adversidade.

Occupando o primeiro logar em todos os ramos de publica administração, convem substituir as antigas praticas e methodos pelos novos, e por todos aquelles melhoramentos que as sciencias têem descoberto e aperfeiçoado, começando se pelo ensino profissional de tão grave assumpto.

Considerando todas estas rasões, e a obrigação que têem todos os governos de diffundir pelos povos que administram a instrucção que mais directamente lhes possa interessar;

Considerando que o estudo, theorico e pratico da agricultura na ilha Terceira, terra essencialmente agricola, será da maior vantagem, e concorrerá para o engrandecimento d'esta terra já tão notavel pelos seus fastos historicos;

Considerando que todos os poderes publicos não devem ter em pouca consideração os serviços que a ilha Terceira prestou na ultima luta civil, em que se debatiam os principios da liberdade e da oppressão, que felizmente terminou;

Considerando que a ilha Terceira, pela fertilidade do seu sólo e amenidade do seu clima é essencialmente agricola, e que convem ali desenvolver ainda mais o estudo e gosto pela agricultura, substituindo as antigas praticas e systemas pelos novamente descobertos, tenho a honra de apresentar-vos o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São creadas duas cadeiras no lyceu nacional de Angra do Heroismo, uma de agricultura em geral e culturas especiaes, outra de artes agricolas e chimica agricola.

Art. 2.° E creado o logar de horticultor junto á sociedade agricola de Angra do Heroismo.

Art. 3.° O governo fixará o vencimento e obrigações destes funccionarios.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, 22 de fevereiro de 1864. = José Maria Sieuve de Menezes, deputado pela Praia da Victoria da ilha Terceira.

Foi admittido, e enviado á commissão de instrucção publica, ouvida a de fazenda.

O sr. José de Moraes: — Não estava hontem presente na camara, por me achar na dos dignos pares, quando se votou a proposta do sr. Mártens Ferrão, e como desejo que se conheça sempre o meu voto, e que não fujo ás votações, mando para a mesa a seguinte declaração de voto. (Leu-a e vae transcripta no logar respectivo.)

O sr. A. J. Braamcamp: — Peço licença á camara para dizer algumas palavras antes de apresentar o requerimento que tenciono mandar para a mesa.

Hontem encerrou-se n'esta camara a discussão ácerca dos acontecimentos que tiveram logar por occasião das eleições municipaes em Villa Real, sem que eu tivesse occasião de tomar a palavra, ainda que estava inscripto sobre a materia.

Este silencio da minha parte sobre factos que dizem respeito á minha gerencia na pasta do ministerio do reino, pôde ser interpretado, por quem não me conhecer e quem não estiver ao facto dos motivos que lhe deram logar, de um modo menos favoravel para mim.

Poderá alguem acreditar que não tomei parte n'essa discussão, ou porque pretendia subtrahir-me á responsabilidade que me cabe, ou porque receiava que se esclarecessem aquelles factos. Nem a um nem a outro motivo se pôde attribuir o meu silencio.

Emquanto á responsabilidade, aceito toda a que possa resultar dos actos da minha gerencia. Embora o illustre presidente do conselho tenha declarado que toma a responsabilidade dos actos praticados pela administração anterior; acima d'essa responsabilidade politica está outra, a responsabilidade moral, a responsabilidade perante o paiz, que só pôde pertencer a quem então estava encarregado da pasta do reino.

Emquanto a conhecer-se dos factos, a syndicar-se dos actos do governo, ninguem mais do que eu o deseja, para que este assumpto venha novamente a discussão. Tenho a consciencia, tenho a convicção de que este exame servirá sómente para demonstrar que não deixei nunca de procurar, quanto pude, manter a liberdade da uma (muitos apoia dos.)

Nem outro podia ser o meu empenho. Bastará para prova-lo lembrar as diversas eleições politicas que tiveram logar durante a minha administração, em que houve a mais ampla liberdade, não só franqueando a uma a todos os partidos, mas respeitando a vontade dos eleitores na livre e espontanea escolha dos seus candidatos (apoiados).

Depois de vinte annos de vida publica em que, desde os bancos da universidade, me achei envolvido nas lides eleitoraes, pugnando sempre pelas idéas liberaes, não podia esquecer os principios de que nunca me afastei.

Sr. presidente, não quero entrar na apreciação dos acontecimentos da eleição de Villa Real. Quando o assumpto voltar á discussão, que espero seja breve, terei occasião de dar conta á camara de todos os meus actos, tanto anteriores como posteriores á eleição, e então poderá ella conhecer que procurei sempre conservar illesos os principios da verdadeira liberdade que o partido progressista sempre sustentou.

Sr. presidente, eram estas poucas explicações que desejava dar desde já á camara, e principalmente á maioria que me honrou com o seu voto emquanto estive n'aquellas cadeiras (apontando para as cadeiras dos srs. ministros), de quem recebi, quando as deixei, demonstrações de consideração e de benevolencia que não poderei mais esquecer.

Sr. presidente, como deputado estou prompto a dar todas as explicações a respeito dos actos que pratiquei quando ministro, e se não fosse certeza de que conservando um logar na camara eu poderia a todo o tempo responder por elles, talvez tivesse hesitado em dar a minha demissão, sem primeiro promover a resolução d'esta pendencia.

Nada mais acrescentarei, hoje só me cumpre aguardar os trabalhos da commissão que a camara hontem votou; porém cumpre que o voto da camara tenha prompta execução, e para esse fim mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).

O sr. Beirão: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento dos amanuenses da secretaria do conselho de saude publica do reino, pedindo, como todos, augmento de salario, attendendo não só á carestia da subsistencias, mas porque a estes funccionarios assiste uma rasão especial.

S. ex.ª e a camara sabem que a repartição de saude publica do reino foi creada por decreto de 3 de janeiro de 1837.

O progresso das industrias, o desenvolvimento da agricultura e as nossas relações commerciaes têem augmentado consideravelmente de então para cá, e com isso tem augmentado de uma maneira extraordinaria o trabalho d'aquella repartição. Invoco o testemunho do sr. Braamcamp que ha pouco deixou a pasta do reino, e s. ex.ª durante a sua administração contemplou extraordinariamente estes funccionarios, attentas estas rasões.

Elles não pedem senão uma remuneração condigna pelo augmento de serviço que têem em virtude, repito, do desenvolvimento d'essas industrias; pois se a riqueza publica tem augmentado, tambem a insalubridade do paiz, infelizmente, não tem diminuido! Fui nomeado para uma commissão, creada pelo governo no intervallo das duas sessões, a fim de apresentar um regulamento geral sobre as quarentenas dos portos do mar de Portugal, e de confeccionar um projecto de lei que o sr. ministro do reino trouxesse depois ao corpo legislativo para a reforma do serviço de saude publica.

E aproveito igualmente esta occasião para declarar á camara e ao meu paiz que o conselho de saude publica do reino e seus empregados subalternos constituem uma das repartições publicas mais intelligentes, mais zelosas, e que cumprem o seu dever da maneira a mais exemplar. E lisongeiro o ter occasião de fazer esta declaração sem medo de ser contrariado.

O conselho de saude publica do reino necessita, quanto a mim, de uma reforma radical; mas essa reforma não deve ter em vista senão revesti-lo de maior auctoridade, dar-lhe mais força, e fazer com que suas providencias sejam executadas promptamente em todo o paiz. Esta repartição deve ser para a saude publica o que o conselho superior de instrucção publica é para a mesma publica instrucção.

Eu desejava que estivesse presente o nobre presidente do conselho de ministros, para fazer algumas ponderações a respeito d'esses trabalhos que subiram á respectiva secretaria d'estado, e que eu supponho de um alto interesse. E assim que eu entendo a minha opposição. E digo com toda a franqueza que supponho esta situação extremamente inconveniente ao meu paiz, e faço votos para que não subsista por largo tempo; comtudo, todas as vezes que se trata de medidas de administração ou governança, não duvido jamais dar o meu fraco apoio no governo; foi assim que cooperei com os meus illustres collegas da commissão de saude publica, e dentro em curto espaço podemos dar o nosso parecer sobre o projecto do sr. Braamcamp ou do governo. N'esse projecto de lei ha effectivamente duas medidas (e posto que não esteja presente o sr. ministro do reino, eu sempre farei succintas considerações, de que s. ex.ª se pôde informar ou pela leitura dos jornaes ou pela communicação do seu collega das obras publicas); mas, dizia eu, que effectivamente n'esse projecto ha duas disposições de um alto interesse para a saude publica do reino, são ellas — o ser montado este serviço de modo que a tutela, que actualmente se exerce nos portos de mar, para que se não importem as epidemias para dentro do reino, seja exercida em igual escala dentro do paiz, onde tambem se desenvolvem consideravelmente e tornam este nosso Portugal menos salubre do que devêra ser, attentas as suas beneficas disposições geologicas e metercologicas.

As medidas apresentadas e referendadas ainda pelo sr. Anselmo José Braamcamp, relativas ás nossas relações externas, não fazem senão parte d'este systema, e emquanto não for completo não pôde effectivamente a nação ter a garantia de que, em assumpto tão importante, o governo do estado cuida incessantemente de a pôr a coberto desses flagellos, que de ora em quando a dizima e enluta. Este serviço assim montado traz effectivamente augmento de despeza.

Eu envergonho me de dizer á camara quanto vencem os meus collegas, quer sejam bachareis formados na universidade de Coimbra, quer sejam estudantes de qualquer das escolas medico-cirurgicas do reino, incumbidos da delegações do concelho de saude publica; não o digo, porque não quero rebaixar a classe a que me honro pertencer; mas é necessario pagar-se bem para se ser bem servido. No estado em que realmente está a fazenda publica, não ha homem nenhum consciencioso que se atreva a tomar a iniciativa sobre esse augmento de despeza indispensavel para remunerar condignamente tão util como desconsiderada classe!

Porém desde que nós, pelas nossas relações commerciaes, pagamos um imposto de saude na maior, parte dos portos onde é levada a nossa bandeira, parece-me que se deve tambem estabelecer igual imposto nos portos de Portugal aos navios estrangeiros, e esta fonte de receita, uma vez determinada, daria sufficiente margem para todas estas despezas.

Estas considerações não podem deixar de ser attendidas por um ministerio solicito pelo bem do seu paiz, sobretudo depois de ter assistido ás desastrosas e calamitosas epochas de 1856 e 1857.

Por isso mando para a mesa o respectivo requerimento, e espero que o nobre ministro do reino quando indirectamente souber que houve um deputado que levantou a sua voz n'este sentido, pelo menos saiba que da parte do deputado está cumprida a sua obrigação, falta o ministro cumprir a sua.

Aproveito esta occasião, já que estou de pé, para fazer um requerimento a v. ex.ª e á camara, porque tendo-se na sessão de hontem alludido a um facto pessoal, do qual, posto

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que me não coubesse responsabilidade alguma, não só pela liberrima declaração do orador, mas ainda porque as suas considerações tinham apenas relação com um acontecimento que me abriu as portas d'esta casa, comtudo como a allusão a similhante facto podesse ser interpretada de uma maneira differente e menos conforme ao meu caracter e situação no parlamento, por isso pedi a palavra para explicação d'esse facto. E não me cabendo a palavra para explicação do facto, por isso mesmo que a não tinha pedido sobre a materia, e v. ex.ª n'essa parte, justo como sempre, cumprindo as disposições regimentaes, não m'a concedeu, eu pedia agora a v. ex.ª que consultasse a camara se me concede a palavra para fazer essa explicação com relação a esse facto, esperando da sua benevolencia que me seja isso permittido, pois que não sou d'aquelles que abusem do pedido de palavra, porque, pedindo-a para fins diversos, usam d'ella de uma maneira espantosa. Vozes: — Falle, falle.

O sr. Presidente: — Attendendo á annuencia da camara, o nobre deputado pôde continuar a usar da palavra.

O Orador: — Sr. presidente, o illustre deputado a quem me refiro, o sr. José Luciano de Castro, que não ouço sem uma especie de orgulho nacional, porque ainda que esteja n'um campo opposto, vejo n'elle um portuguez que honra a tribuna, disse que = a opposição, sendo altamente severa com os acontecimentos eleitoraes das camaras municipaes do districto de Villa Real, não tivera sido tanto com a minha eleição por S. João da Pesqueira quando ella veiu ao parlamento em 1863 =.

Este facto desejo explica-lo, e parece-me que as minhas explicações hão de satisfazer completamente não só os meus escrupulos, mas tambem algumas pessoas que podem ter apprehensões sobre o modo menos regular por que tenha subido ao parlamento.

Sr. presidente, eu honro-me de pertencer a esta camara, amo o meu paiz, que me deu o berço, e que espero me dará algum palmo de terra para a minha sepultura: amo e honro-me pertencer a este paiz - porque é a patria de um Egas Moniz, porque é a patria de um D. João de Castro, porque é a patria de um Luiz de Camões; honro-me pertencer a este paiz, sr. presidente — porque descanso orgulhoso a minha cabeça á sombra dos louros colhidos por nossos antepassados (Vozes: —Muito bem.); e admira-me que um dos ornamentos da tribuna portugueza, cujas aspirações respeito, viesse declarar que se envergonhava de pertencer a esta mesquinha e pequena nação (apoiados).

O sr. Pereira Dias: — Isso já não é explicação.

O Orador: — O nobre deputado, que está lendo socegadamente no seu livro, diz que = isto já não é explicação! =

O sr. Pereira Dias: — Eu referia-me ao que estou lendo.

O Orador: — O nobre deputado foi levado a estas expressões pelo arrebatamento do seu genio; seus labios trahiram-n'o; porque, faço justiça ao seu coração, de certo não eram aquellas as suas intenções. Disse s. ex.ª que = se envergonhava de pertencer a um paiz onde as veleidades de um homem tinham podido agitar um districto inteiro; e mais do que isto, tinham feito consumir largas sessões ao parlamento da sua terra =.

Oh! sr. presidente, a historia não é esta (muitos apoiados); a historia é bem differente! (Apoiados.) É preciso ter extrema coragem para se proferirem essas palavras, e encarar a questão d'esse modo (apoiados). O parlamento não se occupa de veleidades.

Vozes: — Mas isso não é explicação.

O Orador: — Lá irei á explicação. Como disse, o parlamento não se occupou de veleidades de ninguem; o parlamento occupou-se unicamente de velar pelo systema representativo; por uma das suas mais solidas garantias — a liberdade da uma! (Muitos apoiados.) Esta é que é a verdade.

Em 1836, quando eu tive a honra de tomar o grau de bacharel em medicina pela universidade de Coimbra, tomou tambem então o grau de bacharel em direito um homem, que eu depois admirei na tribuna, e cuja prematura falta nós ainda hoje deplorâmos; e por essa occasião o maior tribuno d'essa epocha referendou a lei que concedeu pela primeira vez aos bachareis o direito de terem voto nas assembléas eleitoraes. N'esse momento eu e elle corremos aos comícios populares de Coimbra. Desde então andei sempre na vida militante constitucional; desde então fiz altos serviços á liberdade do meu paiz, conforme eu vou explicar, mas conservando sempre intacto o meu caracter (apoiados).

N'essa epocha ainda os campos belligerantes se guerreavam; ainda os homens da velha monarchia não acreditavam que o edificio de sete seculos baqueasse por tal modo; nas montanhas do Algarve, nas serranias de Trás os Montes e nas valias da Beira ainda havia uma guerra devastadora e fratricida. Fui eu então que levantei a minha voz, ainda que debil; eu, que não tinha precedentes! Eu, que nada tinha d'onde me viesse auctoridade entre os meus co-religionarios, e disse: «Largae as armas! E já que comprovastes no campo da batalha o vosso valor, vinde demonstrar que ninguem mais do que vós ama tanto esta nossa desditosa patria! E que assim como nunca recusastes a peleja, tambem não temeis vossos adversarios nas batalhas incruentas da palavra e da intelligencia!»

Sabe v. ex.ª o lucro que eu tirei em querer guiar aquella cruzada a favor da liberdade, a favor da união de toda a familia portugueza? Inscreveram-me sobre a cabeça o rotulo de... urneiro. Mas esse rotulo com que me queriam infamar tomei-o como o titulo da maior gloria a que eu podia aspirar. E n'esse tempo, mal podia a parcialidade politica a que eu pertencia apparecer no campo eleitoral sem ser unida com outra parcialidade politica, com a qual caminhasse parallelamente.

Quando V. ex.ª em 1843 era lançado fóra de Coimbra, como um homem perigoso á liberdade, era eu encarcerado no porão da fragata Diana, por ter concorrido para a revolta de Almeida! Vê-se pois que eu andei junto a esse partido popular, que hoje se intitula historico; acalentei esse partido no berço da sua infancia; admirei-o pelo seu valor e força na sua juventude e desconheço-o hoje na sua decrepitude! (Muitos apoiados.) Esse partido era extremamente popular, porque recrutava as suas gentes nas camadas mais cimentosas da sociedade; os homens d'esse partido, a que eu andava unido, ainda não tinham pisado as antecamaras recamadas de oiro dos grandes senhores da terra (apoiados). Eram eminentemente populares, porque eram eminentemente tolerantes, e a prova é que me receberam com os braços abertos.

E tem alguma d'essas feições o partido que hoje se intitula historico? Nenhuma! Eu não quero dizer com o que elle hoje se parece; mas só lembrarei á camara, e aos chefes dos diversos partidos politicos d'esta terra, que houve uma situação que se quiz sustentar pela intolerancia e pelo terror, e que a nação inteira lançou sobre os caudilhos d'esse partido um anathema, que ainda hoje subsiste!

Podem a corôa e o governo, por uma aberração de todos os principios, e por um fatal divorcio entre a opinião do paiz e a do gabinete, elevar esses homens aos mais eminentes logares do estado; mas o que elles não podem é torna-los chefes de uma situação politica, porque lh'o véda o anathema do povo (muitos apoiados). Aprendam todos n'estas eloquentes lições do passado o modo de se conduzirem no futuro (apoiados).

Em 1842 fui eu eleito deputado, e vim para aqui fazer parte da junta preparatoria. Quando se discutiram as eleições de Lisboa, na sessão de 28 de fevereiro de 1842, eu votei contra a minha propria eleição; porque nunca me persuadi, nem hoje mesmo acredito, que 74 votos seja metade e mais 1 de 147: e um homem, que entrou na camara votando contra a sua propria eleição em 1842, vinte annos depois, já encanecido, e com um nome mais ou menos respeitavel no seu paiz (apoiados), por muita vontade que tivesse de entrar n'esta casa, não o fará a custo de baixeza alguma (apoiados).

O processo eleitoral aqui veiu, e agora, sem que o illustre deputado, o sr. Coelho do Amaral, a quem me dirijo, entenda que eu o incenso com o thurybulo da lisonja, por que nunca o fiz, saiba s. ex.ª que eu, entre o povo, laquei-la galeria, ouvi pronunciar o discurso solemne com que s. ex.ª combateu a minha eleição.

E sabe s. ex.ª a impressão que esse discurso me fez? A de um voto desaffrontado de um velho liberal, de um homem de rija tempera, como eu tenho visto e admirado no antigo partido popular, com quem tenho andado unido.

Esse discurso nunca me excitou nem odio nem sequer indisposição alguma, mas grande veneração, respeito e consideração por s. ex.ª, pela manifestação do seu voto. Mas a par d'isto devo declarar, e empraso todos os srs. deputados, e empraso mesmo os meus amigos politicos, que digam se directa ou indirectamente solicitei um só voto para que o meu processo eleitoral fosse approvado n'esta casa (apoiados); foi a maioria que o resolveu; e tão diminuta, que um jornal, com uma sinceridade infantil, dizia que = eu não podia tomar assento n'esta casa, por que a maioria que me tinha aqui mandado era extremamente pequena =.

Fez me a honra de elevar-me á altura de um gabinete ou de uma situação politica que cáe, quando cáe... se porventura é sustentado por uma fraca maioria.

Eis aqui a questão dos meus precedentes! Cabe-me alguma responsabilidade ou censura por estes actos? Se alguma cabe é á parte da maioria que approvou o processo eleitoral de S. João da Pesqueira, porque, sem o voto de alguns srs. deputados da maioria, a camara sabe muito bem que as portas do parlamento se me não abririam.

Mas o illustre deputado, o sr. Coelho do Amaral, que eu fiquei respeitando profundamente desde essa discussão, e desde que combateu a minha eleição, no que não fez mais do que dar uma nova prova da rectidão do seu espirito; rectidão que já tinha tido occasião de respeitar n'um outro membro da sua familia, com o qual tive relações de amisade; a esse illustre deputado peço perdão para lhe notar, que não foi muito conforme a esses principios, que eu louvo e admiro, o procedimento de s. ex.ª para com as eleições camararias de Villa Real.

Sr. presidente, o nobre deputado, a que alludo, na discussão da eleição de S. João da Pesqueira levantou-se n'esta casa, com a indignação tão propria de um cavalheiro distincto e de um coração recto, e disse: «Pois a camara quer approvar uma eleição, na qual a uma foi guardada durante a noite em casa do presidente da mesa eleitoral? Pois não vedes quão suspeita fica a eleição, guardada a uma em casa de um dos interessados pela Victoria do candidato da opposição?» De accordo; as rasões adduzidas pelo illustre deputado são concludentes: eu mesmo, se tivesse voto n'essa questão, era mais que provavel que votasse no sentido do nobre deputado.

Mas, valha-nos Deus! Sejamos coherentes: sectarios de um bom principio, apliquemo-lo a todas as hypotheses possiveis, postas de parte as conveniencias partidarias, porque a verdade e a justiça é de todos e é para todos (apoiados).

Bem; não se approve tal eleição. Mas como mudaram as cousas! Pois a logica do districto de Vizeu não serve para o districto de Villa Real? Pois se a uma dava o vicio da eleição, porque foi para casa do presidente da eleição, não o dará n'essa que foi para casa do irmão do administrador do concelho? Lá ao menos havia livre accesso á urna, aqui nem isso; e comtudo eu não vejo os nobres deputados, que tanto estigmatisaram aquella eleição, virem com a sua logica e principios estygmatisarem as eleições de Villa Real! Por ultimo o illustre deputado, o sr. José Luciano de Castro, que sinto não estar presente, manifestou, ainda que involuntariamente, o sigillo do escrutinio, porque disse que = eu tinha entrado aqui, mas que não tinha sido com o seu voto =. Não sei com que votos entrei, entrei com os votos da camara (apoiados).

Sinto fazer esta declaração, porque moralmente fallando desejaria muito mais ter entrado por um voto tão auctorisado como o de s. ex.ª Mas a questão politicamente não mudou de modo algum; foi esta camara quem me admittiu; e mal de nós se um dia formos distinguir votações feitas d'este ou d'aquelle modo.

São estas as explicações que tinha a dar, para ficar socegada a minha consciencia e para tranquillisar escrupulos, se porventura podessem levantar se ácerca da minha entrada menos regular n'esta casa.

Agradeço aos illustres deputados a delicadeza e a maneira com que me attenderam e têem attendido sempre. Não é de certo porque eu mereça, mas effectivamente ha uma certa maneira de me escutar n'esta casa, que muito me penhora, e a que serei sempre agradecido.

Peço igualmente á camara que me desculpe se n'estes poucos momentos eu desviei a sua solicitude e o seu estudo de outros objectos, que são importantes e reclamados imperiosamente pelo paiz.

O sr. Sá Nogueira: — Tinha pedido a palavra a v. ex.ª para quando estivesse presente o sr. ministro das obras publicas, para pedir a s. ex.ª explicações relativamente á construcção de uma ponte sobre o Tejo, que deve ligar a estrada de Castello Branco com a estação do caminho de ferro no Rocio de Abrantes.

Desejava que s. ex.ª desse algumas explicações á camara a este respeito, declarando quaes são as vistas que tem sobre este objecto.

Sei que um distincto engenheiro foi encarregado de fazer o projecto para a construcção da ponte; sei que remetteu para o conselho de obras publicas ha muito tempo o seu projecto; mas não sei se o conselho já deu o seu parecer a este respeito. Pedia pois a s. ex.ª que fizesse adiantar este negocio, e que fizesse com que o conselho das obras publicas desse quanto antes o seu parecer.

Igualmente pergunto ao sr. ministro das obras publicas quaes são os trabalhos preliminares e estudos que ha feitos para a construcção do caminho de ferro do Porto a Braga (apoiados). Este objecto é importantissimo; é uma das linhas de mais importancia e de mais utilidade, que se pôde fazer no paiz. Escuso de fazer reflexões a este respeito para comprovar isto.

Peço a s. ex.ª que dê explicações a este respeito e que nos diga se ha já estudos e trabalhos preliminares para a construcção d'essa via ferrea; e se os ha, se s. ex.ª tem tenção de os mandar continuar quanto antes; porque o projecto que ha n'esta camara para a construcção d'esta linha ferrea foi approvado pela commissão de obras publicas; e ha n'ella uma clausula de não se dar esta obra a empreza alguma sem estarem concluidos os projectos das obras a fazer.

Estas são as duas perguntas que eu por ora tenho a fazer a s. ex.ª, e espero que terá a bondade de responder, porque tanto a ponte sobre o Tejo, como a linha ferrea do Porto a Braga, são dois objectos importantissimos para este paiz.

O sr. Ministro das Obras Publicas (João Chrysostomo): — Em resposta ao que acaba de annunciar o illustre deputado, tenho a dizer que, em relação á ponte sobre o Tejo, consta-me que ha estudos feitos a este respeito, não posso porém desde já declarar onde esses estudos estão. Actualmente creio que foram a consultar ao conselho das obras publicas, mas não sei bem se o conselho das obras publicas já deu algum parecer. Entretanto posso declarar ao illustre deputado, que reputo esta obra muito importante.

E já em outra occasião declarei que tanto a ponte sobre o Tejo, como a ponte sobre o Douro em frente da Regua, e a ponte de Coimbra, são tres obras importantissimas para o paiz; assas despendiosas é verdade, mas que é de necessidade que se levem a effeito quanto antes, porque ligam a viação do norte ao sul d'estes rios, onde ella converge em grande escala.

Agora pelo que respeita ao caminho de ferro do Porto a Braga — existem no ministerio das obras publicas os estudos feitos ha alguns annos do caminho de ferro para a fronteira do norte seguindo o litoral, mas estes estudos não foram completados ainda em relação á directriz do Porto a Braga.

Eu actualmente tenho pedido informações quanto aos estudos do caminho de ferro do Porto á Regua. Estes estudos estão muito adiantados, e espero poder encarregar algum engenheiro, talvez mesmo esse que está encarregado dos estudos do caminho de ferro do Porto á Regua, de completar os estudos da viação acelerada no norte, porque julgo muito importante que o governo tenha na sua mão os estudos que o devem habilitar para poder contratar qualquer linha ferrea, que se pretenda levar á execução. E o mesmo que pretendo fazer em relação á continuação do caminho de ferro de Beja para o Algarve e para a fronteira do sul (apoiados).

Por consequencia pôde o illustre deputado estar certo de que terei todo o cuidado em dar o maior desenvolvimento possivel a estes estudos, como se requer e é muito conveniente.

O sr. Sá Nogueira: — Dou-me por satisfeito com as explicações dadas pelo sr. ministro das obras publicas, visto que s. ex.ª se compromete a mandar continuar esses trabalhos immediatamente.

Agora o que peço a v. ex.ª é que dê quanto antes, se poder, para discussão o projecto para auctorisar o governo a contratar a construcção do caminho de ferro do Porto a

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Braga, que já tem parecer da commissão de obras publicas, e não sei se um dos membros d'esta commissão, que assignaram o parecer, é o actual sr. ministro das obras publicas.

Não o posso dizer, porque me não lembro, mas espero que s. ex.ª estará de accordo em que esse projecto se dê quanto antes para discussão.

O sr. Torres e Almeida: — Como está presente o sr. ministro das obras publicas, requeiro a v. ex.ª que dê a palavra de preferencia aos srs. deputados, que estão inscriptos para tratarem de negocios que dizem respeito ao ministerio que s. ex.ª dirige.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos (por parte da commissão de fazenda): — O illustre deputado, o sr. Beirão, a proposito de uma explicação pessoal, discorreu largamente por quantos assumptos lhe pareceu, e infelizmente para mim, porque me vejo ná obrigação de lhe responder, s. ex.ª resumiu a sua explicação pessoal n'uma injuria a um grande partido a que eu tenho a honra do pertencer (apoiados).

Tratava s. ex.ª de mandar para a mesa um requerimento dos empregados da repartição de saude, pedindo augmento de ordenados, e foi por essa occasião que eu pedi a palavra a v. ex.ª por parte da commissão de fazenda, para, com a consideração e respeito que tenho pelo caracter do illustre deputado, dizer-lhe que a commissão se occuparia do objecto com toda a solicitude, que lhe merecem todos os negocios que lhe são recommendados por qualquer sr. deputado.

Aproveito a occasião para declarar ao illustre deputado, que eu muito considero, porque reconheço n'elle uma illustração do corpo docente e do paiz que, comquanto eu tenha por s. ex.ª toda a estima de que as suas qualidades o tornara credor, comtudo não posso, quando vejo injustamente aggredido um grande e nobre partido em cujas fileiras milito, deixar de responder á aggressão gratuita que se lhe faz.

S. ex.ª começou por declarar que = guerreava esta situação politica, porque a reputara a mais obnoxia aos interesses d'este paiz. = Posso responder a s. ex.ª que situação politica, verdadeiramente obnoxia aos interesses do paiz, nunca conheci senão a que governou esta terra durante alguns annos, e que foi conhecida sob o titulo de usurpação (muitos apoiados); obnoxia era essa situação politica, porque os seus supremos argumentos eram as masmorras, os exílios, as forcas armadas nas praças publicas; obnoxia era essa quadra lutuosa, porque se respondia com o patibulo ás convicções dos cidadãos (muitos apoiados). Podia responder isto ao illustre deputado, podia dizer-lhe que n'esta terra muito se soffreu, muito se chorou, muito se padeceu durante essa epocha terrivel que, se me não engano, o illustre deputado apoiou; mas por isso mesmo que sou de opinião que é bom não fazer reviver odios nem irritar os animos, não prosigo n'estas recriminações.

O sr. Beirão: — Apoiado.

O Orador: — Apoiado; mas, eu que sou filho de um homem que soffreu toda a emigração, e que comeu o amargurado pão do exilio pelo crime de ter opiniões liberaes; eu, que sou filho de um homem que esteve no cerco do Porto, combatendo pelos principios que hoje defendo; eu, que sou filho de uma familia que padeceu muito pela liberdade, e que teve alguns dos seus mortos no exilio depois de encarcerados por longos annos, estou no meu direito, e cumpro um dever sagrado, quando, em justo desaggravo de uma injuria feita a um partido inteiro, levanto a voz para dizer que situação obnoxia, do conheço senão essa a que me referi (apoiados).

E será esse o partido juvenil? Respondo com esta antithese á accusação de decrepitude que o illustre deputado arremeçou ao grande partido progressista. Decrépita, sr. presidente, a situação que acaba de abolir os morgados! Será na decrepitude de um partido que elle pôde decretar a liberdade da terra (muitos apoiados), fazer uma lei hypothecaria, outra de instituições de credito, acabar com o monopolio do tabaco e abolir a pena de morte? Talvez seja este o ponto que mais ferisse o illustre deputado (apoiados).

Sinto ver-me obrigado a dizer lhe isto, porque respeito muito o seu caracter; isto é a verdade, não costumo enganar ninguem, o meu caracter é demasiadamente franco para illudir ou lisongear pessoa alguma; mas tenho convicções profundas, e magoou-me que o illustre deputado, que eu respeito, tão cordato e delicado na maneira por que sempre se apresenta em publico, viesse aqui offender, com tão manifesta injustiça, o grande e generoso partido a que tenho a honra de pertencer.

O illustre deputado sabe que eu fui dos primeiros que me levantei quando s. ex.ª, por um excesso de escrupulo, pediu ao ar. presidente que consultasse a camara para dar uma explicação pessoal; fui dos primeiros que disse ao illustre deputado que fallasse; mas o que eu estava longe de suppor era que s. ex.ª se levantasse para aggredir um partido que, de passagem seja dito, nunca tratou mal o illustre deputado (apoiados); por mim, repito, com toda a verdade, que pessoalmente o considero e respeito, e que não tenho nem o mais pequeno motivo para deixar de o considerar. Isto é um legitimo e justo desforço; nunca n'esta casa levantei a questão que levanto agora; podia te-la levantado, porque pertenço a uma das familias que mais soffreram com aquella situação. Queira Deus que nunca mais me obriguem a faze-lo; e peço ao illustre deputado, e a todos os meus collegas da opposição, que não dêem logar a estas justas represalias. Não digo mais nada.

O sr. Castro Ferreri; — Sr. presidente, a hygiene publica é um assumpto que merece do governo a mais seria attenção. (Apoiados. — Riso geral.)

Uma voz: — Isto é deitar agua fria na fervura, é um calmante.

O Orador: — Sim, é um calmante. As recriminações politicas não servem para cousa alguma, com ellas nada lucra o paiz (apoiados).

V. ex.ª e a camara sabem que eu tenho empregado os meus esforços para se discutir o projecto dos arrozaes, levado da idéa humanitária de me oppor a uma cultura que tão funestos effeitos tem produzido no paiz, reduzindo as localidades aonde ella tem logar ás paragens mais inhospitas da costa de Africa (apoiados).

Ha dias, na ausencia do sr. ministro das obras publicas, fiz algumas considerações ácerca de novos fócos de infecção que se vão multiplicando parallelamente aos caminhos de ferro e estradas ordinarias (apoiados), objecto que foi tambem tocado pelo meu amigo o illustre deputado o sr. José de Moraes.

S. ex.ª vindo á camara, julgo que por esquecimento, não respondeu aquellas minhas observações; hoje portanto lembro novamente a s. ex.ª a necessidade de providenciar que os desaterros praticados ao longo das estradas, tanto de movimento acelerado como das outras, sejam terraplanados ou preparados com escoamentos necessarios, para que as aguas das chuvas, não sendo represadas, não produzam os effeitos dos arrozaes ou dos pantanos naturaes (apoiados). Estas medidas são de pura administração, e assim o governo não tem mais a fazer que ordenar aos seus fiscaes que obriguem os empreiteiros ou emprezarios a satisfazerem a estas condições salutares. A não ser assim, o paiz, cheio de arrozaes, de pantanos, e com mais estes accessorios, se tornará de uma insalubridade funesta.

O outro objecto que toquei, e que renovo agora, é a necessidade da apresentação da proposta de lei permanente sobre a admissão de cereaes (apoiados).

Estou certo que a esta hora s. ex.ª terá sido já atormentado e perseguido pelos commerciantes ou especuladores para se abrirem os portos aos cereaes estrangeiros allegando a falta dos do paiz. Eu digo a s. ex.ª que é preciso ser muito cauteloso em um objecto d'esta ordem (apoiados). Eu confio na intelligencia de s. ex.ª e na sua prudencia. A prudencia é um dos quesitos mais importantes nos homens do governo. S. ex.ª sabe que as estatisticas da producção do paiz são inexactas, que os agricultores nunca declaram com precisão qual foi a sua colheita receosos do fisco (apoiados), de sorte que é preciso tomar ainda menos de metade do que realmente é o resultado que similhantes dados representam (apoiados).

S. ex.ª sabe igualmente a facilidade com que as camaras municipaes representam, lembrando-se só dos consumidores, e tendo em pouca conta a agricultura e os agricultores. O governo deve-se recordar do que aconteceu o anno passado. A admissão arruinou os lavradores n'aquelle anno, reflectindo no seguinte. Os nossos trigos não tiveram preço, não podiam competir, não na qualidade, que esta era mui superior, mas na barateza.

Nós consumimos tudo o que havia peior lá por fóra, e a baixa do preço convidava os especuladores a armazenarem todo o refugo dos cereaes estrangeiros, e a nossa producção ficou a lutar com as graves difficuldades de uma medida tão mal calculada. Eu desejo que o povo coma o pão barato, porém não quero ver arruinada a nossa agricultura (apoiados). Nós somos puramente agricolas, é a nossa unica industria (apoiados), é mister favorece-la com efficacia (apoiados), se se quer que ella se aperfeiçoe e que prospere (apoiados). O commerciante não olha senão para o seu interesse e quer a admissão, porque n'ella vê os lucros e volta as costas á agricultura, porque n'ella não tem interesses (apoiados). Interesses oppostos se debatem.

O agricultor quer obter um preço conveniente aos seus interesses, e o commerciante quer obter os lucros inherentes ás suas especulações. Para um ganhar, o outro ha de perder. A lei permanente assegura ao proprietario o preço dos generos, diz-lhe quando e como pôde vender, e ensina ao commerciante a occasião da conveniencia de especular com vantagem. No estado de incerteza, em que já se está, o negociante não compra, espera a baixa, e o lavrador vende pouco e com custo, e por preços inferiores.

A nossa viação publica tem distrahido muitos braços; a agricultura tem-se resentido. Os salarios têem subido consideravelmente, e não estão era relação com o valor dos generos (apoiados). Sendo pois o grangeio caro e os productos baratos, a ruina é certa para o agricultor. D'este estado provém outros não menos fataes para o paiz, abandono de melhoramentos, escassa cultura, difficeis roteamentos e minguadas colheitas.

Estimarei ouvir a opinião do governo a este respeito pela bôca do sr. ministro das obras publicas, para assim se definir este estado de incerteza, e a camara saber se tem a esperar, como é de urgencia, a proposta a que me referi. Ainda que o projecto dos arrozaes foi trazido á camara pelo sr. ministro do reino, debaixo de medidas de salubridade publica, entretanto entendo que este objecto pertence igualmente ao sr. ministro das obras publicas, porque diz respeito á agricultura; e assim pedia a s. ex.ª a sua opinião, se aquella cultura não podia com vantagem ser substituida por outra, e mesmo se aquelles terrenos reduzidos a prados artificiaes não dariam ao paiz vantagens mais consideraveis debaixo mesmo do ponto de vista de medida economica; sendo a grande producção d'aquella cultura a maior barreira que se oppõe á sua prohibição, não obstante todos os seus funestos effeitos, justo é que o governo se apodere com firmeza da idéa que a falta d'aquella producção em nada affecta os interesses do paiz. Aguardo pois as explicações de s. ex.ª

O sr. Ministro das Obras Publicas: — O illustre deputado referiu se a varios pontos a que eu vou procurar responder, começando pelo mais importante, que é sobre os cereaes.

A questão da alimentação publica é sempre um objecto de muita consideração, e não pôde deixar de ser para o governo um assumpto de serios cuidados.

Eu recebi algumas informações sobre escassez de cereaes, e algumas representações pedindo a abertura dos portos ao commercio de cereaes.

Conhecendo a importancia d'este assumpto, mandei ouvir 08 srs. governadores civis, e pedir-lhes informações sobre elle. Recebi essas informações, e ao mesmo tempo mandei convocar o conselho de commercio e agricultura, para me esclarecer sobre o objecto.

Pôde o illustre deputado estar certo de que o governo ha de proceder com toda a circumspecção (apoiados).

E verdade que com effeito ha sempre luta de interesses em questões similhantes.

Vozes: — É verdade; essa é que é a questão.

O Orador: — Entretanto o governo ha de colher todos os esclarecimentos, e ha de tomar as resoluções que forem convenientes.

Não tenho duvida em assegurar que uma lei permanente de cereaes é uma necessidade muito urgente (apoiados). O governo tem isso em attenção, e hei de esforçar-me para trazer ao parlamento, o mais cedo que possa, uma proposta de lei para definir e resolver esta questão por uma vez, porque certamente o estado actual é inconveniente, tanto para o commercio, como para a agricultura (apoiados).

Pelo que toca ás considerações que o illustre deputado fez em relação á hygiene publica, principalmente ácerca da construcção dos caminhos de ferro, devo dizer que pelo ministerio das obras publicas têem-se dado sempre ordens muito expressas para que os engenheiros fiscaes do governo tenham muito em consideração, que com essas obras se não vá prejudicar a salubridade publica. E possivel que n'uma ou outra localidade os aterros, que tem sido necessario fazer para construir os caminhos de ferro, vão accidentalmente prejudicar, ou dar motivo para receiar que a salubridade publica seja prejudicada. Entretanto não conheço actualmente nenhuma reclamação pendente no ministerio a meu cargo a este respeito; mas quando alguma appareça, hei de tomar muito cuidado em a resolver convenientemente.

Quanto á questão dos arrozaes, devo dizer ao illustre deputado que esse negocio está affecto á camara, e que é da iniciativa do ministerio do reino.

Reconheço que, em relação á salubridade publica, algumas medidas se podem tomar pelo ministerio das obras publicas que possam concorrer muito para o seu melhoramento; mas é principalmente em relação ao regimen das aguas correntes que essas medidas competem mais ao ministerio a meu cargo. Certamente que não deixarei de estudar esse assumpto, e desejarei muito poder apresentar á camara, em tempo opportuno, algumas medidas que concorram muito para o melhoramento da salubridade publica pelo melhor aproveitamento das aguas.

Nós temos legislação a esse respeito, mas é muito deficiente, e pôde ser melhorada com grande proveito geral (apoiados). (O sr. Quaresma: — Deve sê-lo.) O que ha de reconhecer a camara é que este objecto é muito serio, que tem merecido a attenção de muitos governos, e que mesmo em outros paizes não está resolvido. Ainda ultimamente em Hespanha se fez allusão á legislação sobre aguas, que ía ser presente ao parlamento. Em França tem-se tratado ultimamente d'esse objecto, e não pôde considerar-se inteiramente resolvido. Portanto é objecto que precisa muito estudo, que não pôde ser resolvido por medidas isoladas e sem muita circumspecção.

O sr. Presidente: — A hora está adiantada; passámos á ordem do dia.

O sr. Castro Ferreri: — Eu peço a palavra, mesmo para agradecer ao nobre ministro. Vozes: — Não é necessario.

O sr. Ministro ás Fazenda (Lobo d'Avila): — Mando para a mesa o relatorio e documentos do ministerio da fazenda a meu cargo. Apresento agora um exemplar, mas ainda esta semana será distribuido a todos os srs. deputados.

O sr. Barroso: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Vizeu, pedindo que se discuta e approve o projecto para a liberdade do commercio dos vinhos.

O sr. Castro Napoles: — Mando para a mesa uma representação dos subdelegados do districto da Guarda, pedindo que se lhes estabeleça um ordenado, fundando se no muito trabalho e responsabilidade que pésa sobre elles, sem que d'ahi lhes provenha provento algum.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DA PROPOSTA do SR. CASAL RIBEIRO PARA QUE A COMMISSÃO DE FAZENDA FOSSE ENCARREGADA DE EXAMINAS O REGULAMENTO GERAL DE CONTABILIDADE DE 12 DE DEZEMBRO DE 1863 E DAR SOBRE ELLE O SEU PARECER, NA PARTE EM QUE CARECER DA SANCÇÃO LEGISLATIVA.

O sr. Presidente: — Continua o sr. ministro da fazenda com a palavra reservada da sessão do dia 6 do corrente.

O sr. Ministro da Fazenda: —... (S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de se publicar n'este logar.) O sr. Casal Ribeiro: — Sr. presidente, não é facil, depois de tão larga e interessante discussão, como a que teve por muitos dias presa a attenção da camara, prender-lh'a agora e ligar as idéas sobre um objecto de administração publica, embora seja importante como o considero.

Farei o que poder por ser conciso; mas não posso sacrificar á concisão a clareza das idéas, porque o assumpto é grave; e se a camara quizer prestar-me a sua attenção, se compenetrará da importancia d'elle.

Antes porém de me occupar do que propriamente fórma o objecto da minha moção, permitta-me v. ex.ª que eu to

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que tambem na questão incidente que o sr. ministro da fazenda levantou na ultima parte do seu discurso, não em resposta á minha moção nem ás reflexões que eu tinha apresentado, mas como respondendo ou redarguindo ao relatorio da junta do credito publico que foi distribuido n'esta casa, e, não sei se diga, presuppondo ou prognosticando a apresentação de um projecto de reforma d'aquella repartição.

Eu não tenho a menor duvida em dizer com franqueza e lealdade a minha opinião, porque não me cega a posição politica a ponto de desapprovar os actos ou idéas do governo, quando com elles possa concordar. Na primeira parte das reflexões do nobre ministro da fazenda a este respeito estou inteiramente de accordo com elle, emquanto diz que = a junta do credito publico não pôde ser considerada mais do que qualquer dos ministerios, e que as contas da junta devem, fallando de jure constituendo e até certo ponto de jure constituendo, estar sujeitas ás mesmas regras que as dos outros ministerios =. Estou de accordo; e estes foram os principios que tratei de consignar na reforma de 19 de agosto de 1859. N'esta parte não tenho duvida em declarar que discordo das opiniões manifestadas pela junta do credito publico, em varias das suas consultas que estão juntas ao relatorio, embora respeite, como é dever meu respeitar, a sinceridade das convicções dos membros da mesma junta.

N'este ponto estou perfeitamente de accordo, e se alguma divergencia ha entre mim e o sr. ministro, direi logo qual é, quando me occupar da pequena questão do thesoureiro pagador; e chamo-lhe pequena, porque já ha um projecto de lei que revalida aquelle logar; e isto quereria eu que se fizesse a respeito de todos os pontos do regulamento que não estão auctorisados por lei (apoiados).

Mas esta é a questão da moção e eu não quero prejudica-la n'este incidente.

No que respeita á fórma que devem ter as contas da junta do credito publico, á fiscalisação que ao tribunal de contas incumbe sobre estas contas, ao julgamento do mesmo tribunal sobre as contas dos funccionarios ou agentes dependentes da junta do credito publico, as minhas opiniões são iguaes ás do sr. ministro da fazenda. Entendo que tudo quanto se fizer neste sentido é conveniente e vantajoso (apoiados).

Mas acrescentarei que sinto que o sr. ministro da fazenda aproveitasse a occasião para vir fazer, por assim dizer, um relatorio previo a respeito da reforma da junta do credito publico, lançar nos ares uma certa ameaça de reforma, reorganisação, substituição ou o quer que seja d'aquella repartição (apoiados). E direi tambem as rasões por que não posso applaudir que n'esta occasião viesse o sr. ministro tocar n'este ponto pelo modo como o fez.

Sou franco; não costumo occultar as minhas idéas nem as minhas opiniões. Direi o que penso a respeito d'esta instituição. Em these, em theoria estou de accordo com o sr. ministro. Tambem eu, como o sr. ministro, considero aquella instituição, tal como está organisada, uma instituição ex-crescente, anormal, que mal se coaduna com as boas regras de governo (apoiados). Em these, em theoria estou de accordo com o sr. ministro (apoiados), perfeitamente de accordo. Mas sinto que n'esta occasião se levantasse esta questão (apoiados). Parece-me que s. ex.ª não podia escolher occasião mais inopportuna para tratar o que se chama reforma á aquella instituição (apoiados).

Não é na occasião em que se fazem largos emprestimos, não é na occasião em que n'um anno se emittem 5.000:000 esterlinos de titulos de divida externa, e muitos contos de réis em divida interna, e no anno seguinte se repete outro emprestimo por metade d'aquella somma; não é quando as emissões se fazem umas por decretos, e outras por simples portarias, que nem publicidade têem no Diario de Lisboa (apoiados).

O sr. Ministro da Fazenda: — Peço a palavra.

O Orador: — Não é quando se dão estes factos, que convem levantar a questão de reforma da junta do credito publico (apoiados). Parece-me que o sr. ministro mal aproveitou esta occasião de tratar incidentalmente de uma questão tão grave como melindrosa (apoiados).

A junta do credito publico em theoria, como está organisada, não duvido dizer, que é uma instituição anomala (apoiados). Mas a creação da junta do credito publico em 1837, e a sua reforma em 1843, partiu do principio da desconfiança; não da desconfiança contra as pessoas dos que eram ministros da fazenda, mas da desconfiança sobre o estado das finanças do paiz (apoiados), e as garantias dos credores do estado (apoiados).

Esta era a verdadeira idéa que presidiu aquella instituição. É imprudente na occasião actual tratar de substituir esta especie de fiscalisação, embora imperfeita, por outra especie de fiscalisação, que nós não sabemos qual será (apoiados) e que poderá, porventura não inspirar-nos credores a mesma confiança que inspira a actual(apoiados), e por consequencia ser fatal essa medida ao credito do paiz (apoiados), que a todos nós cumpre manter e sustentar, no que estamos e devemos estar sempre empenhados (apoiados). Referiu-se o sr. ministro da fazenda ás lutas, que, em diversas occasiões, os ministros da fazenda têem tido com a junta do credito publico. E exacto; tambem eu as tive (apoiados), tambem lutei, tambem encontrei ali graves difficuldades. Entretanto não julguei que isso me auctorisasse a trazer n'aquella occasião, por motivos identicos aos que expendo agora, a reforma da junta do credito publico (apoiados). Preferi sustentar o direito do governo, soffrer contrariedades, adiar mesmo alguma resolução, tomar uma medida de similhante ordem, porque taes medidas não se tomam ab irat (apoiados). E não é, porque a junta se mostra em divergencia com o ministro, que se deve logo apresentar uma especie de relatorio nebuloso ao parlamento, como preparando-o para destruir essa instituição.

Voto desde já quanto tenda a fazer entrar a junta do credito publico nas condições de qualquer outra das grandes divisões da administração (apoiados). Pelo que respeita ás contas, entendo que não deve ter privilegio (apoiado). N'isto não pôde haver duvida alguma. Mas, repito, que sinto que o sr. ministro da fazenda aproveitasse esta occasião para fazer um relatorio que ninguem lhe pedia sobre a extracção da junta do credito publico, porque me parece que a occasião não é opportuna para o fazer, e porque a opportunidade das medidas deve influir muito na resolução d'ellas (apoiados).

Creio que tenho, sobre este incidente, dito bastante para expor á camara as minhas idéas e opiniões. No meu entender não é opportuna agora a reforma da junta de credito publico, como o não era em 1859 e em 1860, porque tinhamos que recorrer largamente ao credito (apoiados), e não o é agora, porque não é na occasião em que estamos recorrendo e continuaremos a recorrer largamente ao credito, que convem que o governo apresente n'esta casa, embora com boas intenções, arbitrios que alterem ou modifiquem o principio estabelecido pela desconfiança, mas, diga-se a verdade principio de fiscalisação dos seus actos.

Quando as circumstancias variarem; quando as emissões pararem; quando não forem necessarios grandes emprestimos; quando o paiz se convencer, não pelos orçamentos apresentados, mas pelas contas dadas, que o deficit desappareceu, então direi não só que se reforme a junta do credito publico, mas que se extinga (apoiados).

Em toda a arte se entendeu n'este assumpto que não basta a fiscalisação parlamentar que se exerça sobre as contas, quando se exerce mais de dois annos depois dos factos a que se referem...

O sr. Ministro da Fazenda: — Lá está o tribunal de contas, aonde as contas devem ir.

O Orador: — Lá está o tribunal de contas, sim; mas pelo tribunal de contas não correm as emissões de divida. Ao tribunal de contas vão as contas depois de encerrado o exercicio, o exercicio encerra-se dois annos depois de aberto; e depois de encerrado, o processo que correm antes de vir ao parlamento é tão longo, que nós não temos ainda impressas (embora ha muito poucos dias viessem para esta casa) as contas de 1859-1860 verificadas pelo tribunal. Emquanto isto se não aperfeiçoar, emquanto este processo não caminhar mais rapido, a fiscalisação do tribunal de contas, aliás muito util, tem até certo ponto apenas um interesse historico, porque as cousas passaram-se ha tanto tempo, que, se ao mal se quizesse oppor um remedio, não se poderia applicar.

Mas não confundamos o exame do tribunal de contas, sobre actos consumados, com as emissões da divida publica, em que a junta do credito publico exerce, para assim dizer, uma acção preventiva.

O governo não pôde fazer a emissão de um só titulo de divida publica, é necessario que a junta a faça; o governo não pôde crear uma inscripção nem um bond, é necessario que a junta o crie. A junta tem de o crear em virtude da ordem do ministro, mas a junta examina se a ordem do ministro está em conformidade com a lei.

Não estou dizendo que as condições da actual organisação da junta sejam as melhores possiveis; mas digo, e não por motivos politicos, mas no interesse do credito publico, que a occasião é inopportuna para se alterar estas condições, em que os credores bem ou mal têem tido confiança; que a occasião é inopportuna para se alterar estas taes ou quaes garantias, que têem um valor.

Para se reformar, para se alterar a organisação d'aquella repartição, que é composta de membros nomeados pelas duas casas do parlamento, pelo governo e pelo juristas; para se intentar uma reforma d'esta ordem quando se tem recorrido tão largamente ao credito, e quando ainda ha de ser preciso recorrer a elle, não julgo occasião opportuna. Por este motivo, repito, é que em 1859 e 1860 não propuz j a reforma d'aquella instituição; por este motivo é que se I occupasse hoje o logar de ministro o não faria, porque nem tudo o que é bom é opportuno. Cada cousa tem a sua occasião.

Mas isto é um incidente, se o projecto vier nós o examinaremos; o que sinto é que o sr. ministro incidentemente, n'uma questão que nada tinha que ver com esta que se discute, viesse deixar um assumpto grave n'um certo nebuloso que me parece inconveniente.

Posto isto, passo a occupar me do que propriamente faz o objecto da minha moção.

Uma boa parte do seu discurso levou o nobre ministro fazendo o elogio da regularisação da contabilidade publica, da simplificação d'ella, da uniformidade que n'ella deve existir, da vantagem que ha na fiscalisação do tribunal de contas e na fiscalisação parlamentar, í Nestes pontos de doutrina não ha nem pôde haver entre nós divergencia. Pois porventura eu disse ou podia dizer alguem que era mau que a contabilidade, se regularisasse, que a contabilidade se simplificasse, que a fiscalisação se estabelecesse prompta e efficaz?

Perfeitamente de accordo n'estes pontos de doutrina. E não serei, eu que censure ao nobre ministro o ter n'este particular consideravelmente modificado as suas opiniões, porque quando as opiniões se modificam para melhor, eu applaudo sempre esta modificação. Não serei eu que censure o nobre ministro quando hoje considerarão altamente importantes estes objectos que respeitam á contabilidade publica. Não serei eu que censure o nobre ministro quando no seu regulamento insere claramente a definição de quaes são, por exemplo, as contas de gerencia e de exercicio que o governo tem obrigação pelo acto addicional de prestar annualmente á camara; definindo-as segundo os verdadeiros principios, dizendo quaes são essas contas que devem vir aqui dentro do primeiro mez da sessão legislativa; declarando que as contas que o governo tem de apresentar á camara não são unicamente a chamada conta geral do estado ou conta do thesouro da receita e despeza, mas que são tambem as contas de cada um dos ministerios, da ultima gerencia e do ultimo exercicio.

Não censuro o nobre ministro por ter escripto no seu regulamento o contrario do que sustentou ha um anno, quando n'esta casa pretendia que a obrigação imposta pelo acto addicional ao governo se limitava unicamente ás contas geraes do estado e não comprehendia as contas de gerencia e exercicio dos ministerios. A conversão do nobre ministro n'este ponto applaudo-a, aceito-a e approvo-a. Não é portanto este o nosso ponto de divergencia, não é nem pôde ser.

Que o regulamento geral de contabilidade de 12 de dezembro fosse feito no intuito de melhorar as condições da nossa contabilidade, nem eu nem ninguem o duvida. Pois póde-se porventura suppor que outras fossem as intenções do nobre ministro? Que n'esse regulamento haja disposições conformes com esse intuito, não duvido tambem; já d'isso dei testemunho. A questão pois não é esta, a questão, a principal questão é se ha ou não no regulamento disposições que estejam em contradicção com as leis que os regulamentos não podem alterar; e n'esta parte na doutrina e na applicação eu discordo do sr. ministro da fazenda.

Discordo do sr. ministro da fazenda na doutrina, porque, se com elle reconheço que não é sempre facil marcar as raias entre lei e regulamento, reconheço tambem que ha principios e regras que attribuem á lei o que á lei pertence, e ao regulamento o que lhe pertence, e que não é conveniente ter tão pouco escrupulo como s. ex.ª disse, e mostrar tão pouco cuidado quando se trata de marcar essas raias entre a lei e o regulamento. Não é bom ter tão pouco escrupulo, não é bom deixar de tratar esta questão, porque não é bom confundir os poderes. E isto para mim tambem não são só doutrinas, são praticas.

Eu já disse que em 1859 um dos motivos por que não publiquei o regulamento geral de contabilidade, foi porque me não julguei habilitado para o fazer pela maneira pela qual estava concebido, porquanto havia alteração das leis vigentes. Assim pratiquei, e assim desejava que o sr. ministro praticasse.

Mas se é bom ter estes escrupulos, levantar estas duvidas, esta mesma discussão o mostrará.

O sr. ministro, na sessão anterior em que fallou sobre este objecto, reconheceu o intuito e a moderação com que eu tinha trazido esta questão á camara; e creio que ainda hoje dou d'isso testemunho. Entretanto rejeitou a fórma em que a questão tinha sido apresentada.

O que pedia eu á camara? O exame por uma commissão, nada mais do que o exame.

Eu peço o exame; o sr. ministro pede a accusação. Eu peço a commissão de fazenda; o sr. ministro pede a commissão de infracções.

Que empenho é este que tem o illustre ministro da fazenda de e sentar no banco dos réus, quando ninguem lá o chama? Podemos acreditar que é sincero? Pela minha parte não o acredito; é tactica, e tactica antiga e velha. Aggrava-se a questão; reveste-se de um apparato tenebroso, para influir na consciencia dos juizes e afastar d'elles a imparcialidade.

A questão não é de censura, nem eu a tratei como tal; porque, se ha prescripções que não estão de accordo com as leia vigentes, ou são contrarias a ellas, não creio que fosse intenção do sr. ministro violar as leis, altera-las a seu talante.

Não julgo que o caro seja de gravidade bastante para pedir censura; e, se entendesse que o era, havia de propo-la francamente, porque o costumo fazer sempre assim, e porque a minha posição politica é bem clara e definida n'esta casa.

í Não proponho censura, proponho exame, e nada mais; proponho que a varias disposições do regulamento geral de contabilidade de 12 de dezembro de 1863 se applique o principio que «e applicou á disposição que continha a creação do logar de thesoureiro pagador da junta. Reconhecendo o sr; ministro que este logar não podia existir sem lei; trouxe ás côrtes um projecto para que se interpretasse a lei (a fórma é curiosa, mas pouco importa ao fundo da questão) da junta do credito publico, declarando que existia já um thesoureiro pagador, presupposto, imaginario, mas que não era até agora uma entidade real.

A questão do thesoureiro pagador é hoje uma questão pequena, porque está pendente um projecto que cria o logar. Mas a respeito d'esta entidade que o ministro presuppoz e que na sua opinião eu presuppuz tambem, permitta-me que decline a honra de tão fertil e inventiva imaginação. Não posso aceitar as honras da associação que o nobre ministro quer formar comigo, sendo nós dois os Isaías e Jeremias d'esta especie de Messias da contabilidade, que se chama thesoureiro pagador. Para propheta nunca me achei com geito, nunca prophetisei nem mesmo um thesoureiro pagador. Guarde o nobre ministro para si só este distincto officio.

Citou se a decreto de 19 de agosto de 1859; e n'elle nem se presuppõe nem se adivinha esta entidade, que não estava na nossa legislação.

No decreto de 19 de agosto de 1859 diz-se o seguinte no artigo 11.°:

«Compete ao tribunal de contas julgar em unica instancia as contas dos thesoureiros, exactores, recebedores e pagadores de todos os ministerios, da junta do credito publico e de todas as repartições que tiverem a seu cargo a arrecadação, administração e applicação de rendimentos computados no orçamento geral do estado.»

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E uma disposição generica. Trata-se de todos os thesoureiros, todos os recebedores, todos os exactores e pagadores que houver em qualquer repartição do estado; não diz que na junta do credito publico ha um certo thesoureiro pagador geral.

Eu não presuppuz. As minhas faculdades imaginativas não são tão ferteis. Deixo a prophecia ao sr. ministro.

Mas a questão é pequena, é insignificante. Agora havemos de ter thesoureiro pagador, o que estimo; havemos de tê-lo, porque vamos interpretar as leis de 1837 e de 1843, declarando que tal logar estava na mente dos legisladores d'aquellas epochas, o que o sr. ministro diz que estava tambem na minha imaginação, tão pouco fecunda em inventar logares que não existem.

Mas, repito, para que é este empenho em aggravar a questão? Para que é este empenho em tornar politica uma questão que de sua natureza o não é? Para que é que se querem tornar politicas todas as questões, e em todas ellas se quer appellar para as paixões partidarias sem se querer attender senão ao individuo d'onde partem e aos intentos que n'elle se suppõem? (Apoiados.) Isto por a falta de argumentos com que se defendam, carencia absoluta de rasão (apoiados). Sempre appellar para a politica! Sempre contradizer a historia!

Tratava-se aqui do emprestimo Stern por occasião da resposta ao discurso da corôa. Dizia-se n'aquelle notavel documento que tinha sido o mais avantajado de quantos se haviam feito n'este paiz desde remotas eras. A historia sentia-se offendida e a arithmetica lesada. Mas era questão politica. A historia e a arithmetica foram victimadas em honra do emprestimo Stern (apoiados).

O regulamento geral da contabilidade invade attribuições do poder legislativo. É facil, facilimo prova-lo pela propria argumentação do sr. ministro. Mas a questão é politica!!... As leis queixam-se magoadas... Não importa. Vote-se contra a evidencia, porque o manda a rasão politica. Sempre questão politica em tudo e para tudo! (Apoiados.)

Bem disse o sr. ministro que = a maioria não estava aqui para tirar duvidas á opposição =. Entendido assim o officio da maioria, não é tirar duvidas aos deputados, mas decretar a infallibilidade dos ministros e a eternidade do poder (apoiados). Duro officio!

aos poderes não devem ser invadidos:!!» De accordo; nem o poder legislativo deve invadir as attribuições do executivo, nem o executivo deve invadir as attribuições do legislativo. Ao executivo compete fazer regulamentos, e isso está consignado na lei fundamental do estado. Mas é porventura essa a questão? A questão é se o regulamento contém disposições legislativas, e desde o momento que contenha disposições que não estão auctorisadas por lei, não podem ellas vigorar sem lei que as confirme. E quando se propõe que se examine, vem dizer o sr. ministro: «pois a camara quer invadir as attribuições do executivo? Pois a camara quer avocar a si o regulamento da contabilidade para que todos os seus artigos, todas as suas disposições sejam examinadas por uma commissão?» Oh! tremenda invasão das attribuições dos poderes!! Oh! terrivel consequencia que pôde ter este precedente funesto!! Avocar a si o regulamento! E não vedes que o regulamento ficava immediatamente suspeito e suspenso! Este argumento é serio?... Esta rasão póde-se allegar?... Pois examinar-se, por uma commissão d'esta casa, se o regulamento contém disposições legislativas, e se as contém confirma-las por lei ou altera-las, é porventura suspender a execução do regulamento?

Para que quero eu a suspensão do regulamento? Quando a pedi? Perigosa doutrina, e talvez mais temerario o exemplo com que se pretende justificar!

Alludiu se á reforma do exercito, e disse se: «Quereis fazer talvez com o regulamento geral de contabilidade o mesmo que aconteceu com a reforma do exercito». O caso não é o mesmo.

A reforma do exercito não era um regulamento, era um decreto com força legislativa, porque se fundava n'uma auctorisação dada pelo parlamento (apoiados). A reforma do exercito estava decretada segundo uma auctorisação legal; a reforma do exercito por consequencia, desde que foi publicada, era lei do estado (apoiados). Como pois podia ser suspensa a reforma do exercito? Só por uma lei (apoiados). Foi o que propoz o illustre deputado e meu amigo o sr. D. Luiz da Camara. O sr. D. Luiz da Camara entendeu que não era conveniente que a reforma do exercito continuasse em execução, porque n'aquella reforma havia disposições que convinha alterar urgentemente; propoz portanto a sua suspensão, e fez muito bem porque usou do seu direito, da sua iniciativa como deputado, e nem podia marchar por outro caminho. Pois havia de dirigir-se ao governo e pedir lhe que por um acto seu suspendesse a execução d'aquella reforma? Se acaso isso se fez e se aconselhou, não se diga que foi por pedido d'este lado da camara (apoiados). Se isto se fez, não quero anticipar esta discussão; lamento altamente que se fizesse, e lamento que a boa fé que reconheço no honrado nobre ministro da guerra, fosse surprehendida a ponto de o levar a commetter um acto altamente illegal e que esta camara não pôde approvar (apoiados), porque essa reforma já era lei do estado; a questão da conveniencia ou inconveniencia desapparece e cede o passo á questão das attribuições dos poderes; e todas as vezes que os poderes se confundem e o parlamento consente n'esta confusão, a liberdade periga (muitos apoiados).

Ora o caso que se trata não é este. Quanto ao regulamento geral da contabilidade, no que é precisamente regulamentar, o governo estava no seu direito de publica-lo; a camara não pôde pedir a sua suspensão. Não se trata de suspender, trata-se de avaliar se existem n'elle disposições que contenham materia legislativa. Este é o ponto em que ponho a questão.

Mas a suspensão do regulamento, que não peço, não pretendo e não quero, seria tão grave mal? (Apoiados.) Que grande confusão em que cairia a administração publica!... Em que cahos lançaríamos as finanças do estado com similhante iniquidade!!.. Mas quê?!.. Foi o proprio sr. ministro que declarou uma parte importantissima do regulamento suspensa por uma portaria sua! (Apoiados.) Até ao principio do anno economico futuro, em tudo que respeita á maneira de organisar as contas, suspenso o regulamento em relação a tudo que respeita á uniformidade das contas! E note-se que não censuro o sr. ministro; estava no direito de o fazer. Mas suspenso está o regulamento em uma grande parte das suas mais graves e importantes disposições, e por um acto do sr. ministro, como elle proprio acaba de dizer (apoiados).

Referiu-se tambem s. ex.ª á inversão de inscripções, á faculdade que o regulamento dá de se trocarem inscripções de coupons por inscripções de assentamento, e vice versa. A medida é boa, já em outra occasião o disse; mas tambem o regulamento não se executa...

O sr. Ministro da Fazenda: — Por causa da junta.

O Orador: — Nesta parte está suspenso e por que está suspenso? E porventura pela audacia de algum membro do corpo legislativo, que viesse propor o exame? Não; é por que houve difficuldades na execução, como o governo declarou. Folgaria que as remova.

Ora, sr. presidente, pôde dizer se seriamente o que o nobre ministro acaba de nos dizer ácerca da organisação do orçamento do estado? O regulamento geral da contabilidade prescreve que =as receitas publicas são em regra avaliadas pelas do ultimo anno, e quando isto se não possa fazer, pelo termo medio de tres annos anteriores. = O orçamento actual avalia a receita das alfandegas, que são as mais importantes, a contribuição de repartição e outras, acrescentando ao rendimento do ultimo anno, a media progressiva dos annos anteriores. Uma é a disposição do regulamento, outra é a fórma do orçamento feito pelo sr. ministro da fazenda.

Mas que nos diz, sr. ministro, como responde a isto? E eu n'esta parte nem defendo o regulamento nem o orçamento. Estou provando que n'esta parte, por acto do sr. ministro, está suspenso o seu regulamento (apoiados).

O sr. Ministro da Fazenda: — Mas suspendi o antes de existir o orçamento.

O Orador: — Não foi antes, porque o orçamento não foi apresentado á camara antes de ser publicado o regulamento...

O sr. Ministro da Fazenda: — Mas foi feito antes.

O Orador: — Eu bem sei como são feitos os orçamentos, tive a infelicidade de dirigir uma vez a sua confecção. A ultima cousa que se faz na organisação do orçamento é a avaliação da receita. Sendo esta a ultima parte o nobre ministro, se quizesse, podia muito bem reformar o seu orçamento e pô-lo de accordo com os preceitos do regulamento.

Mas ha mais. Não posso crer que s. ex.ª inventasse este principio da avaliação da receita precisamente no dia 12 de dezembro. O decreto não estava referendado senão no dia 12 de dezembro, mas é difficil de conceber que o nobre ministro só no dia ultimo, e quando estava para publicar o decreto, fosse quando concebesse o avaliar as receitas assim. Pois esta idéa não era intenção sua introduzi-la no regulamento? Não tinha nascido e amadurecido, como acontece com todas as concepções do espirito humano?

Se a idéa era boa, se a julgava tal para formular o preceito, porque não começou por executa-la? Quer o sr. ministro fazer-nos crer que no memoravel dia 12 de dezembro o regulamento nasceu, como Minerva da cabeça de Jupiter, de um só jacto?

A outra explicação do sr. ministro é mais notavel ainda. E que o regulamento n'esta parte não prescreve o que se ha de fazer; não estabelece regra para o futuro, historia as praticas.

Pois. o regulamento é isto? Não -é, não pôde ser, não o deve ser. Eu dou mais importancia ao regulamento geral de contabilidade do que lhe dá o seu proprio auctor. O regulamento estabelece regras, marca preceitos para o futuro. O regulamento deve ser uma collecção do preceitos serios que se devem cumprir e defender seriamente, e não um catalogo de variedades historicas para uso dos amadores (apoiados).

Como deu a hora, peço a v. ex.ª que me reserve a palavra pura a sessão seguinte, porque, mau grado meu, tenho de apresentar ainda algumas observações.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã são commissões, e para sexta feira é a mesma que vinha para hoje, e mais os projectos n.° 163 e 146 do anno passado.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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