SESSÃO DE 6 DE MARÇO DE 1888 687
Vejamos, porém, o procedimento do sr. ministro da justiça perante a circular do prelado de Lamego.
E, primeiro que tudo, façâmos a rapida historia d'estes acontecimentos. E talvez que, fazendo a historia dos factos, não sejam necessarios grandes commentarios.
A circular do arcebispo de Larissa levantou geraes clamores, é força confessal-o; e eram motivos de justos reparos o dizer-se n'aquelle documento 1.° que o prelado obedecia a ordens, de quem lh'as podia dar; 2 ° que o seu intuito era de mais vasto alcance, do que o governo e, administração da diocese; 3.° deduzir-se de uma parte da circular, que se pretendia resuscitar uma como devassa contra as leis do paiz, duvidando-se, ou podendo causar duvidas, se os trinta dias, a que a circular se referia, eram unicamente para as respostas aos quesitos, ou tambem para responder áquella parte da circular, que parecia resuscitar as, devassas de, outros tampos. Não ha, mas póde haver n'aquella circular, outros motivos de serio reparo. (Apoiados.) O que fez o illustre ministro da justiça? Dirigiu-se ao prelado, ou arcebispo de Larissa, exigindo informações circumstanciadas, e desde logo dando-lhe a entender, que o procedimento, seu, d'elle, não merecia, a sua approvação.
A resposta do sr. arcebispo não foi plenamente satisfactoria, e por isso o sr. ministro da justiça responde com a pontaria publicada no Diario do governo, de 10 de janeiro, d'este anno.
A esta portaria responde o prelado advertido com a provisão, que a camara conhece, a qual, diga se a verdade, está escripta em tom nada irritante, e em geral conciliador. A esta provisão responde o poder executivo com a portaria do 31 de janeiro d'este anno.
Não pede conselhos, ordena; não hesita, resolve. (Apoiados.) Peço a attenção da camara para a leitura da portaria, e desde já declaro que hei de transcrevel a n'esta parte do meu discurso. A portaria dia o seguinte:
«Foi presente a Sua Magestade El-Rei, pela secretaria do estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, um officio do reverendo arcebispo de Larissa, coadjutor e futuro successor do reverendo bispo de Lamego, com um exemplar de uma provisão que tem resolvido expedir aos parochos e fieis da diocese, explicando o sentido da circular de 17 de novembro do anno proximo preterito.
«Considerando, porém, que comquanto n'aquelle diploma se dêem explicações com as quaes, ato certo ponto, se podem julgar observadas as advertencias da portaria de 28 de dezembro, ultimo, não se mostrara, comtudo, estas inteira e positivamente cumpridas, como era mister.
«Considerando que especialmente se póde ainda, apesar do dito diploma, considerar subsistente, pelo menos em certos casos, a fórma adoptada na mesma circular para o prelado se informar do comportamento moral e religioso dos seus diocesanos, na parte em que se faculta e agradece a qualquer parocho, sacerdote ou mesmo a qualquer pessoa secular o enviarem ao mesmo prelado, sob confidencia que não será revelada, quaesquer esclarecimentos que pelo conhecimento da circular julgarem poder convir a esta, e se pede e manda a todos que por officio devam responder lhe, se desempenhem de tal encargo, recorrendo no que for necessario ao auxilio de outras pessoas, no que se lhes encarrega a consciencia, - ficando todos advertidos de que nas respostas aos respectivos quesitos, quanto for dito em desabono de qual pessoa, instituição ou Corporação ecclesiastica ou secular, será considerado secreto e confidencial.
«Considerando que a observancia e o cumprimento das prescripções da alludida circular poderia, sem embargo da mencionada provisão, importar, em alguns casos, violencia moral resultante da superior auctoridade do prelado sobre a consciência dos parochos e mais fieis, e constituir da parte d'aquelle excesso do jurisdicção, por a não haver para prescrever a qualquer o fazer cousa a que a lei não obrigue;
«Manda Sua Magestade El-Rei que sejam enviados ao conselheiro procurador geral da coroa e fazenda todos os documentos respeitantes ao assumpto, a fim de que este magistrado interponha, pelos fundamentos ponderados e ainda por quaesquer outros que em lista das circumstancias do caso considerar procedentes, o competente recurso á corôa de conformidade com o lei e louvaveis costumes do remo.
«Paço, em 31 de janeiro de 1888 a Está conforme. - Secretaria do estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, direcção geral dos negocios ecclesiasticos, em 10 de março de 1888.= J. E. de Brito Seixas.»
Ahi está a historia exacta, mas succinta dos factos. Agora a critica parece facil. Não hesito em declarar que conheço pessoalmente o sr. arcebispo do Larissa, que respeito as suas virtudes, e faço justiça á sua illustração; mas isso não obstante, exercerei o meu direito de critica parlamentar desafogadamente e sem tibrezas.
Ninguem, n'este caso, defendeu o procedimento do prelado arguido; tambem ainda ninguem accusou o sr. ministro da justiça de violento ou excessivo perante os proclamado desmandos do sr. arcebispo de Larissa. E como a violencia e o excesso teriam tão condemnaveis, como a fraqueza ou hesitação da parte do poder executivo, eu espero demonstrar, que o sr. ministro da justiça foi irreprehensivelmente correcto no seu procedimento. (Apoiados.)
O sr. arcebispo de Larissa dirigiu-se ao clero seu subordinado por meio da circular tantas vezes mencionada.
Essa circular provoca discussões acaloradas na imprensa; contém doutrina que parece contraria ás leis do reino e indole das instituições liberaes.
O poder executivo intervem, ouve o prelado arguido, e em seguida usa do direito de admoestação, ou advertencia contra o prelado. O poder executivo, pois, sem ostentação de rigor, mas com firmeza, usa do direito de advertencia, que as leis lhe conferem. Ficavam assim salvaguardadas as prerogativas da corôa, e a doutrina da circular, reputada offensiva das leis do paiz, censurada sem asperezas irritantes e desnecessarias.
E a primeira phase da questão, e já se vê que o procedimento do sr. ministro da justiça foi tão irreprehensivel como prudente. (Apoiados.)
Á portaria de advertencia responde o prelado com a provisão, a que já me referi. Não pareceu ao poder executivo, que a provisão contivesse inteiramente doutrina de receber, e é claro que, n'estas circumstancias, o poder executivo tinha de ir mais longe nas suas resoluções, e cumpria-lhe tomar uma attitude energica, sem espalhafato, se a camara me permitte a phrase. O que foi essa attitude dil-o a portaria de 31 de janeiro de 1888.
É evidente que o governo não podia manter já uma correspondencia official com o prelado sobre este assumpto, que poderia tomar uma fórma irritante, e que ao mesmo tempo seria esteril. (Apoiados.)
Ou o bispo se submettia á advertencia, e o incidente estava terminado ou o bispo insiste no procedimento reprehendido, e n'esse caso entrega-te ao tribunal competente para o julgar, como a qualquer outro funccionario, que commette violência ou excesso de jurisdicção. (Apoiados.) Foi o que se fez, e fez-se o que devia fazer se. (Apoiados.) Ninguem, por alta que seja a sua graduação, póde desobedecer ás leis do paiz; e quanto mais elevada é a posição official mais estricto lhe corre o dever de dar exemplo de respeitador das leis. (Muitos apoiados.)
O sr. arcebispo de Larissa commetteu violencia, excesso de jurisdicção, ou exercicio illegitimo de funcções? Cumpre ao tribunal decidir e julgar. E assim que o poder executivo responde ao procedimento, que reputo excessivo. (Apoiados.) Não julgo necessario demonstrar á camara, que o governo estava no exercicio do seu direito, ordenando