692 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Lendo-se a conta geral da administração financeira do estado, encontra-se um mappa que nos mostra a despeza do serviço proprio dos ministerios durante nove exercicios, a começar no anno de 1877-1878 até ao de 1885-1886.
Do exame d'esse mappa concluo-se que, em alguns an-nos, a despeza não só não augmentou, mas ate diminuiu; que em outros o augmento foi de 625.000$000 réis e que só no exercicio do 1882-1883 para o de 1884-1885 é que o augmento foi de
l 012:000$000 réis.
N'esse periodo de nove annos, o augmento medio no ministerio da fazenda era do 62:000$000 réis por anno, emquanto que agora é de 333:000$000 réis.
No ministerio das obras publicas n'esse periodo o augmento foi de 97:000$000 réis e agora é de 280-000$000 réis!
E tudo isto só para despezas proprias dos ministerios!
Aqui tem o sr. presidente do conselho, exposta em largos traços por quem sabe muito pouco d'esta materia, uma idéa geral que denuncia a situação desgraçada da fazenda publica, e a situação mais desgraçada ainda do governo no que diz respeito á sua administração.
Realmente nenhum governo lançou tantos impostos, e fez tantas despezas e malbaratou assim os dinheiros publicos.
Sr. presidente, podiam as despezas ser muitas e o deficit conservar-se no mesmo estado, sem que fosse licito tirar d'esses factos conclusões contra o governo, por isso mesmo que podiam taes despezas ser feitas em obras necessarias e urgentes, o ser indispensavel o lançamento de novos impostos para o pagamento d'ellas.
Mas não é esta a hypothese. Se formos examinar a causa d'essas despezas, vemos que a maior parte d'ellas foram feitas com addidos ás repartições, com a creação de novos empregos nos ministerios, com aposentações, etc., etc.
No ministerio da fazenda nomearam-se mais 555 empregados a fóra os addidos, etc.; e no ministério das obras publicas 1:824 empregados!
Para ser justo, não devo occultar que se fizeram estradas, caminhos de ferro, reformas nos correios e telegraphos e outros melhoramentos importantes.
Mas a verdade é que se consumira n'essas obras mais dinheiro do que se devia gastar. E é por isso que o povo reage contra novos impostos, porque nem sempre os sacrificios exigidos satisfazem necessidades reaes e urgentes. O povo tambem tem a sua comprehensão dos negocios publicos.
O povo, quando lhe pedem impostos necessarios para a satisfação de necessidades urgentes, não se recusa a pagal-os, pois sabe que não se têem garantias nem commodidades sem fazer sacrificios; mas quando lhe pedem impostos para encher as secretarias de empregados c fazer repartições luxuosas e obras favoraveis aos concessionarios, o povo reage o não paga. Bem lhe basta a elle a crise dolorosa que está atravessando.
Supponhamos mesmo que era necessario fazer essas despezas; supponhamos que era indispensavel crear impostos para pagamento d'ellas. O plano financeiro do sr. ministro da fazenda será digno do nosso applauso?
Não me parece, porque s. exa. não tem feito mais que une expedientes, que tem modificado conforme as exigencias.
Examinemos as principaes medidas, d'onde s. exa. conta auferir grandes proventos.
A reforma da pauta das alfândegas, cujo rendimento foi calculado em 750:000$000 réis, não dará os resultados esperados, e ha de contribuir para a diminuição do nosso commercio, porque onerou immensos generos de primeira necessidade.
Segundo o Boletim estatistico das alfandegas, a importação do bacalhau e do assacar no mez de outubro, em que começou a vigorar a reforma, foi muito menor do que a de igual mez do anno anterior.
Emquanto ao rendimento; sendo os direitos muito maiores, e tendo-se augmentado o addicional aduaneiro de 0,66 para 2 por cento, devia ser muito mais consideravel.
Pois no mez de outubro, exceptuando o que se refere aos direitos dos cereaes e tabacos, o rendimento das nossas alfandegas diminuiu 18:000$000 réis.
No mez de novembro augmentou apenas do l.000$000 réis, quando o augmento mensal devia orçar por 90:000$000 réis, pouco mais ou menos.
A reforma da lei industrial manisfesta claramente a auseucia de idéas sobre o assumpto por parte do governo
O sr. ministro da fazenda defendeu a cobrança do imposto por meio de licenças obrigatorias, porque entendeu que era esta a mancha de acabar com o anarchismo existente no pagamento da contribuição industrial, e por fim fez seis ou sete edições da lei, eliminando a final completamente as licenças!
Na primeira edição, augmentou as classes dos contribuintes por entender de certo que estavam nas condições do poder pagar; nas subsequentes, supprimiu algumas classes em frente das reclamações populares! E revela isto um grande plano financeiro?!
A reforma da decima sobre juros tambem não é uma medida de grande alcance.
E uma contribuição que recáe sobre a pobreza, apesar de se estabelecer agora que será paga pelo credor.
Mas, como este tem a faculdade do elevar os juros conforme lhe convier, a contribuição vem a final a ser paga pelo desgraçado devedor.
O sr. ministro da fazenda, alargando a incidencia d'este imposto, veiu aggravar as circumstancias penosas da nossa agricultura, e ha de ver-se obrigado a reformar de novo a sua lei, se os lavradores souberem fazer valer os seus direitos.
Os addicionaes para pagamento das despezas dos tribunaes administrativos e de outros serviços que foram transferidos dos districtos para o estado, representam um importo novo.
O distincto pai lamentar o sr. Lopo Vaz tratou já d'este assumpto com toda a proficiencia e demonstrou que o governo ficava auctorisado a despender 555:000$000 réis com estes serviços, e que os contribuintes, alem d'essa quantia, continuavam a pagar para o districto tanto como anteriormente para pagamento dos encargos contrahidos.
£ o governo julga que fez uma grande equidade aos contribuintes, cobrando somente 325 000$000 réis, quando tinha auctorisação para receber 555:000$000 reis!
Parece-lhe pouco um imposto novo de 325:000$000 réis, continuando os contribuintes a pagar, como d'antes para os districtos?
Emquanto aos tabacos, o sr. ministro da fazenda apresentou primeiro uma proposta admittindo o monopolio, depois fez passar uma lei acceitando o gremio livre. Quando se começou a executar a lei, apresentou nova proposta, sustentando a régie ou administração por conta do estado!
Pois s. exa. ousa vir defender o monopolio condemnado entre nós ha mais de dois séculos, e agora vem declarar que um inquérito industrial lhe demonstra que a régie é que é boa?!
Quando se planeiam leis, estuda-se primeiro o meio para que se legisla, para se não defenderem successivamente theorias as maus contradictorias.
Estas hesitações constantes, estas mudanças repentinas, mostram, ou ausencia de plano financeiro, ou tergiversações calculadas para se satisfazer interesses particulares.
Parece me ter demonstrado com estas breves considerações, que o plano do sr. Marianno de Carvalho não é digno da admiração de ninguem, porque as medidas apresentadas por s. exa. são apenas de expediente.
Se as reformas financeiras, como vimos, não foram muito importantes, e possivel que nos outros ministerios se tenham adoptado algumas medidas de maior alcance,