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SESSÃO DE 6 DE MARÇO DE 1888

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
Luiz de Mello Bandeira Coelho

SUMMARIO

Dá se conta doa seguintes officios dois do ministerio da guerra, um remettendo esclarecimentos, em satisfação a um requerimento do sr. Dantas Baracho; outro, devolvendo uma representação da camara municipal de Villa Nova de Portimão, do ministerio das obras publicas, remettendo esclarecimentos, em satisfação a um requerimento do sr. Arroyo; do ministerio da fazenda, remettendo tres autographos de decretos das côrtes geraes - Tem segunda leitura um projecto de lei dos srs. Barroso e Maios, Alves Matheus, Menezes Parreira, Alves do Mouro, José Novaes e Pires Villar, com referencia aos logares de inspectores e sub-inspectores de instrucção primaria. - O sr. Silva Cordeiro refere-se á urgencia dos documentos que pedira e que ainda lhe foram remettidos, e rectifica uma noticia que lêra n'um jornal da localidade, dizendo que era tirada do Diario das sessões. O sr. Sousa Machado faz algumas considerações ácerca das companhias de navegação para a Africa occidental e oriental, desejando que na solução d'este assumpto se tenha em vista a questão das tarifas em relação ás passagens e aos fretes. - O sr. Arouca pergunta se a commissão de administração publica estava disposta a dar parecer sobre um objecto de lei que apresentára, assignado por outros srs. Deputados, auctorisando a camara municipal de Portalegre a desviar do cofre de viação uma quantia para reparação de uma escola. Por parte da commissão de administração publica respondeu-lhe o sr. Baptista de Sousa, que apresenta no mesmo o parecer da commissão de verificação de poderes, sobre o processo da eleição suplementar de um deputado pelo circulo n.º 70 (Lisboa)
Este parecer é approvado, sendo proclamado deputado o sr. Martinho Augusto da Cruz Temeiro. - O sr. José de Azevedo Castello Branco requer que seja consultada a camara sobre se permittia que se suspendesse a sessão até estar presente o sr. presidente José de Azevedo Castello Branco, porque era pratica nas duas camaras não se discutir a resposta ao discurso da corôa sem estar presente o chefe do gabinete. - N'isto entra o sr. presidente do conselho e passa-se á ordem do dia.
Ordem do dia: continua a discussão do projecto n ° 6 resposta ao discurso da corôa). - Lê se na mesa e é admittida a proposta do sr. Consiglieri Pedroso, apresentada na sessão anterior - Usam da palavra os srs. Eduardo Coelho, João Pinto, que apresenta uma moção de ordem, e Abreu Castello Branco, que ficou com a palavra reservada paru continuar na sessão seguinte. - Antes de se encenar a sessão o sr. Julio de Vilhena chama a attenção do sr. ministro dos negocios estrangeiros, sobre o relatorio do governo hespanhol, com respeito ás festas do centenario de Colombo, combinado com as palavras do mesmo sr. ministro na sessão de hontem, em relação ao mesmo assumpto. - O sr. Arroyo apoia as observações do si. Julio de Vilhena. Responde o sr. ministro dos negocios estrangeiros.
Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 45 srs. deputados. São os seguintes: - Serpa Pinto, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Antonio Villaça, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Eduardo José Coelho, Almeida e Brito, Francisco de Barros, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, Dias Gallas, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, - Correia Leal, Silva Cordeiro, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, José Castello Branco, Pereira de Matos, Eça de Azevedo, Abreu Castello Branco, Laranjo, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Júlio Graça, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Brito Fernandes, Matheus de Azevedo, Pedro Monteiro, Pedro Victor, Vicente Monteiro e Estrella Braga.

Entraram durante a sessão os srs.: - Albano de Mello, Moraes Carvalho, Alfredo Brandão, Mendes da Silva, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Campos Valdez, Antonio Candido, Antonio Centeno, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Augusto Ribeiro, Victor dos Santos, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Feliciano Teixeira, Fernando Coutinho (D.), Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Fernandes Vaz, Francisco Ravasco, Soares de Moura, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Sá Nogueira, Candido da Silva, Baima de Bastos, Cardoso Valente, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Alves Matheus, Joaquim da Veiga, Oliveira Valle, Oliveira Martins, Alves de Moura, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Ferreira de Almeida, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, José Maria dos Santos, Santos Moreira, Abreu e Sousa, Julio Pires, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Poças Falcão, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Marçal Pacheco, Marianno Prezado, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Pedro de Lencastre (D.), Visconde da Torre, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.

Não compareceram á sessão os srs.: - Alfredo Pereira, Oliveira Pacheco, Antonio Ennes, Tavares Crespo, Barros e Sá, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Barão de Corabarjua, Conde de Fonte Bella, Elvino da Brito, Elizeu Serpa, Góes Pinto, Mattoso Santos, Freitas Branco, Firmino Lopes, Francisco Machado, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Menezes Parreira, Alfredo Ribeiro, Joaquim Maria Leite, Jorge O'Neill, Barbosa Coelho, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, Alpoim, Oliveira Matos, Pinto Mascarenhas, Santos Reis, Vieira Lisboa, Manuel José Vieira, Pinheiro Chagas, Marianno de Carvalho, Sebastião Nobrega, Dantas Baracho, Visconde de Monsaraz e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da fazenda, remettendo os seguintes tres autographos dos decretos das cortes geraes, em virtude dos quaes se passaram as respectivas cartas de lei:
Approvando as bases por que deve ser regulado o lançamento e cobrança das contribuições de renda de casas e sumptuaria;
Auctorisando o governo a celebrar com o banco de Portugal ou com outro qualquer estabelecimento de credito, no caso de recusa da parte d'aquelle, um contrato, conforme as bases que fazem parte da mesma lei, e o auctorisa igualmente a reformar o serviço da divida publica, dentro e fóra do paiz;
Auctorisando o governo a declarar sem effeito a concessão feita á santa casa da misericordia da Guarda, do edificio do extincto convento de Santa Clara, e auctorisando igualmente a concedel-o á junta geral d'aquelle districto para fundação de um asylo.
Para a secretaria,

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Do ministerio da guerra, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Dantas Baracho, o mappa da força do exercito do continente, com designação de todas as situações em que as praças estavam no dia 31 de janeiro do corrente anuo.
Para a secretaria.

Do mesmo ministerio, devolvendo, informada, a representação da camara municipal de Villa Nova de Portimão, acerca da concessão de um predio na rua do Postigo dos Fumeiros na mencionada villa.
Para a commissão de administração publica.

Do ministerio das obras publicas, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Arroyo, copia da portaria de 3 de novembro de 1886, que auctorisou as obras necessarias para a illuminação do real theatro de S. Carlos.
Para a secretaria.

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores Os cargos de inspectores e sub-inspectores de instrucção primaria, creados pelas leis de 2 de maio de 1878 e 11 do junho de 1880, vieram satisfazer a uma necessidade, ha muito tempo reclamada por todos os que de perto se tinham occupado das negocios de instrucção publica.
As referidas leis iniciaram a reforma do ensino primario, dando-lhe ao mesmo tempo uma organisação manifestamente descentralisadora e em consequencia d'este principio estabeleceu-se a inspecção permanente
Esta providencia anterior o persistentemente aconselhada aos poderes publicos, tornou se indispensavel em face d'aquelle principio, a que a nova organisação obedeceu
São já bem patentes os resultados colhidos da inspecção permanente.
Aconteça, porém, que o artigo 53.º da lei de 2 de maio de 1878, creando a inspecção, com o disposto no seu § unico, mutilisou uma parto dos beneficios provenientes de tal instituição, quando preceitua, que os inspectores não devem residir mais do tres annos na mesma circumscripção.
A área bastante larga das circumscripções escolares não permitte aos inspectores as repetidas e proficuas visitas, nem lhes facilita o conhecerem com vantagem o pessoal docente no periodo restricto de tres annos, o que tudo redunda em desfavor do ensino.
Impossivel é ao inspector conhecer os elementos cooperadores no desempenho da sua missão, dos quaes deve utilisar-be em auxilio do ensino popular, quando a sua permanencia em cada circumscripção escolar esteja limitada a tres annos.
A frequente mudança de taes funccionarios enfranquece o amor das corporações locaes pela instrucção, pois que em geral pouco ou quasi nada fazem sem os pedidos e instantes diligencias dos inspectores.
Fundados n'estas rasões e de accordo com o governo ternos a honra de submetter ao vosso esclarecido exame, esperando que mereça a vossa approvação, o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A nomeação para o logar de inspector e sub-inspector de instrucção primaria será por seis annos: os actuaes, findo que seja o triennio da sua nomeação, serão reconduzidos.
Art. 2.° Ficam por este modo alterados o § unico do artigo 53.° da lei do 2 do maio de 1878 e o artigo 8.° da lei de 11 do junho do 1880.
Sala das sessões da camara electiva, aos 5 de março de 1888. = Os deputados, José Barroso Pereira de Matos = Joaquim Alves Matheus = José de Menezes Pereira = José Alves de Moura = José Novaes = J. A. Pires Villar.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de instrucção primaria e secundaria.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

Do alferes reformado Roque Landeiro Camisão, caserneiro dos quarteis de Vizeu, pedindo o subsidio de renda de casa, desde que entrou no exercicio do açu cargo até 30 de junho de 1869.
Apresentado peto sr. deputado Simões Dias e enviado d commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

O sr. Simões Dias: - Sr. presidente, mando para a mesa um requerimento de um alferes reformado que pede para que lhe seja abonada uma gratificação a que se julga com direito segundo as disposições do regulamento de 16 de agosto de 1864. Peço a v. exa. que se digne enviar o requerimento á respectiva commissão,
O sr. Franco Castello Branco: - Eu tinha pedido a palavra esperando que o sr. ministro da fazenda estivesse presente; mas, como s. exa. não está na camara, eu peço a v. exa. que me reserve a palavra para quando s exa. comparecer.
O sr. Silva Cordeiro: - (Quando s. exa. restituir o sen discurso será publicado em appendice a esta sessão.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes).- É simplesmente paru dizer ao illustre deputado que acaba de usar da palavra, que transmittirei ao meu collega da justiça as observações que s. exa. fez com relação ao negocio da creação de um julgado municipal em Mondim de Basto.
Como ainda não está resolvida a questão, é talvez este o motivo por que os documentos não têem vindo á camara.
E s exa. e a camara farão de certo a justiça de acreditar na veracidade das palavras que vou proferir e é que o meu collega, no exame das questões que lhe estão submetidas, mostra sempre uma tal consciencia, um tal empenho de acenar, que só esta qualidade póde ser garantia segura para s. exa. de que a lei será comprida.
Emquanto á remessa de documentos, o gabinete, se muitas vezes não envia logo a esta camara os documentos que lhe são pedidos, é porque outras rasões difficultam essa remessa. V. exa. tambem não ignora que ha certos documentos de alcance politico, e que não raro acontece remetterem se a esta camara os proprios originaes.
O governo, repito, não se nega a mandar os documentos que lhe são pedidos tanto pelos membros da opposição, como pelos da maioria que o honram com o seu apoio.
O sr. Silva Cordeiro. - Peço a v. exa., que consulte a camara sobre se permitte que eu use da palavra para agradecer ao sr. ministro dos negocios estrangeiros a resposta que acaba de me dar.
Consultada a camara foi-lhe concedida a palavra.
O sr. Silva Cordeiro: - (Quando s. exa. restituir o discurso será publicado em appendice a esta sessão.)
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Eu pedi a palavra porque esperava vê; presente o sr. ministro da marinha com quem desejava entreter alguns minutos n'esta sessão; mas visto que exa. não está presente, peço a v. exa. o obsequio de consultar a camara sobre se permitte que use da palavra quando chegar s. exa., porque, a não a usar d'este systema, quasi posso ter a certeza de não usar da palavra.
Chamado á autoria pelo sr. deputado e meu amigo o sr. Silva Cordeiro, devo dizer que é inteiramente exacto o que a exa. acaba de affirmar, o que com elle me associo a pedir ao governo que, com relação á crenção do julgado municipal do Mondim de Basto, do districto de Villa Real, use de toda a discrição, para que não succeda mais uma

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vez praticavem-se erros na melhor boa fé, como se praticaram na creação do julgado de Sabrosa e outros d'aquelle districto.
Não mais tenho a dizer sobre o assumpto, senão que convém attender ás reclamações de Mondim de Basto, por forma a não crear uma situação mais tensa, para não se ver mais uma vez o sr. ministro do reino obrigado a confessar a sua ignorância acerca dos acontecimentos de Mondim de Basto, ou tentar obscurecer esses acontecimentos.
Consultada a camara sobre o pedido d'este sr. deputado resolveu afirmativamente.
O sr. Sousa Machado: - Ao meu illustre amigo e dignissimo ministro da marinha desejava eu dirigir-me n'este momento para pedir-lhe alguns esclarecimentos relativos a um assumpto da maior gravidade; mas como s. exa. não está presente, recorro á benevolencia do nobre ministro dos negocios estrangeiros, certo de que s. exa. não duvidará dar-me as informações que peço.
Alguns jornaes que mais particularmente se dedicam aos interesses commerciaes affirmam que ao governo foram apresentados dois requerimentos, um da companhia denominada empreza nacional de navegação para a Africa occidental, e a outra da que se denomina mala real, que pretende fazer o serviço da communicação a vapor entre a metropole e a Africa oriental com diversas escalas pela occidental.
A primeira pede a prorogação do seu contrato por mais dez annos mediante certas vantagens, a segunda a prorogação do praso para começar o serviço a que se obrigou por meio de um concurso publico.
É desnecessario fazer á camara a declaração previa de que não vou discutir os pedidos das duas companhias, porque não é agora occasião propria para entrar em largos desenvolvimentos com referencia a taes pedidos, mas é certo que ao serviço d'essas companhias estão vinculados os mais altos interesses ultramarinos, o que corresponde a dizer os mais elevados interesses publicos.
Não póde ser indifferente ás provincias de alem mar o serviço de qualquer das duas companhias, nem a tonelagem, capacidade, solidez, marcha, commodos e alojamentos internos dos vapores, e menos ainda a tarifa dos fretes e passagens.
Só por este enunciado se póde avaliar bem a importancia que têem os requerimentos dirigidos ao governo.
Assim, pois, vou fazer uma pergunta ao governo, que espero será satisfeita pelo nobre ministro dos negocios externos.
Desejo saber se o governo examinou os pedidos das duas companhias, e se tomou já alguma resolução sobre elles.
Se o governo indeferiu os requerimentos, ás companhias cumpre recorrer ao parlamento, caso assim achem por conveniente; se, porém, o governo pretende estudar o assumpto e tomar qualquer deliberação no sentido de attender ao que foi requerido pela companhia, então espero que o não fará sem o concurso do poder legislativo.
Estou convencido de que o meu illustre amigo e honrado ministro da marinha, em cuja probidade e seriedade de caracter confio plenamente, não fará concessão alguma sem primeiro trazer a respectiva proposta de lei ao parlamento.
O deferimento de qualquer dos dois requerimentos não pôde ser feito pelo executivo por exceder as suas faculdades.
A respeito das intenções do governo nada pergunto, porque não tenho esse direito; entretanto o nobre ministro dos negocios externos dirá a situação em que se acha actualmente o negocio a que me referi.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros Barros Gomes): - Não posso por emquanto, na resposta que vou dar ao illustre deputado, afastar-me dos termos geraes.
S. exa. comprehenderá mesmo, por aquillo que vou dizer, as rasões graves que me obrigam a proceder por esta fórma.
O governo, que dá a maior attenção, como lhe cumpre, á gravidade dos interesses que andam ligados ás differentes resoluções da questão da ligação das colonias com a metropole, está maduramente estudando o assumpto a que se referiu o illustre deputado.
O governo ainda sobre este assumpto não tomou uma deliberação, e portanto não posso acrescentar mais nada.
Não só o meu collega o sr. ministro da marinha está estudando a questão; mas o proprio conselho de ministros, o gabinete a toma em toda a consideração para a examinar maduramente como é devido a um problema de tal alcance e de tamanha importancia para o ultramar e para a metropole.
Quando este assumpto esteja estudado, que ainda o não está, o governo poderá ir mais longe nas suas respostas ao Illustre deputado.
O sr. Sousa Machado: - Requeiro a v. exa. que Consulte a camara sobre se permitte que me seja novamente concedida a palavra.
Foi-lhe concedida a palavra.
O sr. Sousa Machado: - Agradeço á camara a sua benevolencia, permittindo que eu use novamente da palavra para agradecer ao illustre ministro dos negocios estrangeiros a resposta que me deu.
Não é para estranhar que o governo queira estudar o assumpto, porque elle é realmente gravissimo.
Não sou adversario das pretensões das companhias, porque tudo depende dos fundamentos d'ellas e condições que as justifiquem; estou persuadido, porém, de que o governo, que tanta importancia dá a este assumpto, ha de examinai-o maduramente, e ha de estudal-o com toda à consciencia, salvaguardando os grandes interesses que a questão envolve, isto é, os interesses das provincias ultramarinas, ou os do estado.
O que devo affirmar e que, se o governo trouxer alguma proposta de lei a este respeito, eu entrarei no seu exame e conhecimento com todo o desassombro e lealdade; não me preoccupando com outros interesses, que não sejam aquelles que temos por dever zelar e defender.
Portanto confio em que o governo, antes de tomar qualquer resolução, estudará maduramente a petição das duas companhias e que não deferirá nem indeferirá, sem que primeiro tenha grandissimo fundamento para proceder em assumpto de tanta gravidade e magnitude.
O sr. Arouca: - Pedi a palavra para perguntar á illustre commissão de administração publica, se está resolvida a dar parecer, sobre um projecto por mim apresentado na sessão passada assignado por mim e mais tres srs. deputados da maioria, os srs. Sousa Coutinho, Laranjo e Sá Nogueira, que tinha por fim auctorisar o desvio de uma certa quantia do cofre de viação municipal de Portalegre, com applicação á reconstrucção de uma casa para escola.
Desde o anno passado que a illustre commissão tem este projecto em seu poder e não me consta que tivesse dado ainda parecer sobre elle, nem sei se está a isso resolvida.
Abstenho-me de fazer largas considerações sobre este assumpto mas pedia a v. ex.ª; como digno presidente d'esta camara, se podia, interpor, já não digo a sua auctoridade, mas o seu muito valimento, junto da mesma commissão, para que os seus illustres membros se resolvam a dar parecer sobre aquelle projecto.
É evidente que não peço que de um parecer favoravel, peço que dê um parecer que possa ser discutido e votado por esta camara. (Apoiados.)
Estando com a palavra, desejaria fazer uma pergunta ao sr. ministro das obras publicas; mas como s. exa. não está presente e não desejo obrigar o sr. ministro dos estrangeiros a levantar-se com a sua muita amabilidade para dizer-me que ha de communicar ao seu collega das obras publicas o meu pedido, eu requeria a v. exa. que se dignasse consultar a camara, se permitte que eu use da palavra, quando chegue o sr. ministro das obras publicas, sem preterição de qualquer resolução que a camara já tomasse com

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relação a um requerimento identico feito pelo meu collega e amigo o sr. José de Azevedo Castello Branco.
Consultada a camara, assim se resolveu.
O sr. Serpa Pinto: - Na ultima sessão do anno passado o sr. deputado Marcai Pacheco pediu, pelo ministerio dos estrangeiros, que lhe fossem enviados uns documentos a respeito da demissão de um funccionario d'aquelle ministerio.
Esses documentos não foram mandados para a camara, e eu desejava que s. exa. o sr. ministro dos negocios estrangeiros me fizesse a honra de dizer, se effectivamente entende que esses documentos não podem ser enviados Eu tenciono fazer algumas considerações sobre essa demissão, e fal-as-hei, quer venham quer não, esses documentos
Em todo o caso, limito-me por hoje a perguntar ao sr. ministro dos negocios estrangeiros se com effeito os referidos documentos podem ou não ser enviados a esta camara.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Sr. presidente, n'este momento não posso precisamente responder ao illustre deputado, se haverá qualquer especie de inconveniente em remetter a esta camara os documentos que s. exa. pediu. Vou examinal-os novamente, o não existindo esse inconveniente, mandal-os-hei.
Desde já, porém, posso dizer ao illustre deputado, que o acto da minha responsabilidade foi praticado dentro dos termos da lei, precedendo consulta da procuradoria geral da corôa, relativamente á demissão do empregado a que s. exa. allude.
No entanto, repito, eu vou ver os documentos, o se entender que não na qualquer especie de inconveniente em remettel-os para aqui, mandal-os-hei, o que muito estimarei, mesmo para liquidar a minha responsabilidade e justificar o meu acto.
O sr. Baptista de Sousa (por parte da commissão de verificação de poderes): - Mando para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes, sobre o resultado da eleição realisada em Lisboa, no dia 26 de fevereiro ultimo. O parecer concluo por que seja proclamado deputado o cidadão Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, que apresentou o seu diploma em fórma legal.
Como o acto eleitoral correu regularissimamente, e nenhuma duvida offerece o resultado da eleição, eu, seguindo a praxe usada n'estas circumstancias, peço a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se permitte a dispensa do regimento para que o parecer entre já em discussão.
Como estou com a palavra, aproveito a occasião paru tambem lembrar, como acaba de fazer o illustre deputado e meu amigo o sr. Arouca, que eu tive por minha parte igualmente a honra de apresentar na sessão do anno passado um projecto de lei, para que as camaras municipaes de Villa Real e Sabrosa fossem auctorisadas, cada uma d'ellas, a retirar uma determinada quantia do fundo do viação, para lhe darem outro destino em utilidade manifesta dos concelhos respectivos.
Consegui que a illustre commissão de administração desse parecer sobre esse projecto, pelo qual tanto me empenho, mas sendo informado de que o governo pensava em propor uma providencia geral, que do uma vez para sempre faça cessar estas successivas pretensões das camaras municipaes, e que sempre constituem excepções ás leis existentes, tenho aguardado a cogitada providencia, cuja necessidade vae dia a dia augmentando. É claro, que me era muito agradável ver convertido em lei o meu projecto.
Tenho, porém, de me submetter a considerações superiores de administração publica, que têem impedido a discussão e talvez approvação d'esse e de outros projectos similhantes; mas peço que o mais brevemente possivel só resolva cio qualquer modo sobre o assumpto.
Consultada a camara pobre o requerimento do sr. Baptista de Sousa resolveu afirmativamente.
Foi lido na mesa o parecer.
É o seguinte :

PARECER

Senhores. - A vossa commissão de verificação de poderes, examinando cuidadosamente o processo da eleição supplementar de um deputado, a que no dia 26 de fevereiro ultimo se procedeu no circulo 70 (Lisboa), e tendo reconhecido que sendo o numero de votantes 8:020, o numero real de votos, por se abaterem 13 listas brancas e 31 inutilisadas, foi 7:976, e havendo obtido votos:
Martinho Augusto da Cruz Tenreiro 4:477 votos
Joaquim Theophilo Braga 3:418 »
Vicente Maria Pires da Gama 46 »
José Maria Latino Coelho 23 »

e ainda outros cidadãos, dos quaes, porém, os mais votados só o foram por 2 votos, não interessando, por isso, fazer d'elles menção especial:
É de parecer que seja approvada a eleição e proclamado deputado o cidadão Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, que apresentou o seu diploma em fórma legal.
Sala das sessões da commissão de verificação de poderes, 5 de março de 1888. = José Maria de Andrade - Dr. Oliveira Valle = Alves da Forneça = Alfredo Pereira = Pereira dos Santos = Baptista de Sousa, relator.
Foi approvado e seguidamente proclamado deputado o sr. Martinho Augusto da Cruz Tenreiro.

O sr. Presidente: - Passe-se á ordem do dia.
O sr. José Castello Branco (para um requerimento}: - Peço a s. exa. que consulte a camara sobre se quer que se suspenda a sessão até estar presente o sr. presidente do conselho.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - O governo acha-se representado, bem ou mal, n'esta camara. Creio, pois, que a discussão do projecto de resposta á mensagem da corôa póde continuar, mesmo porque estou certo de que o sr. presidente do conselho não póde tardar; e continuando o debate, s. exa. estará presente ainda a tempo de poder tomar parte n'elle, se as alternativas da discussão o obrigarem a pedir a palavra.
O sr. Eduardo J. Coelho: - Consta-me que o sr. presidente do conselho já está no edificio da camara, e deve chegar por momentos a esta sala. Pela minha parte, como sou eu que me sigo no uso da palavra, declaro que não tenho duvida alguma de começar desde já a fallar, visto que o governo está representado, e muito bem, pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros.
O sr. Arroyo: - O requerimento do meu illustre collega o sr. José Castello Branco é inteiramente conforme ás praxes seguidas. Parece que a demora do sr. presidente do conselho não será grande, e portanto não vejo rasão nenhuma para que se entre n'um debate d'esta ordem sem a presença de s. exa. (Apoiados.) A discussão da resposta ao discurso da corôa é uma discussão caracteristicamente politica, e nunca vi que fosse iniciada ou continuada na ausencia do chefe responsavel da politica. Nunca se fez similhante cousa, e não me parece que devamos entrar n'esse caminho. (Apoiados}}
(Entrou na sala o sr. presidente do conselho.}
Felicito-me sr. presidente, por ter evitado á camara que principiasse hoje a iniciar uma paxe, que era perfeitamente desprestigiosa para o parlamento. (Apoiados.}

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da coroa
Foi lido e admittido á discussão um additamento do sr. Consiglieri Pedroso, apresentado na sessão de hontem.

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É o seguinte:

Additamento

A camara sente que na mensagem da corôa só tenha esquecido o preceito constitucional de dar conta ao parlamento da reconstituição que soffreu o gabinete no interregno parlamentar. = Consiglieri Pedroso.

O sr. Eduardo José Coelho: - Sr. presidente, inscrevendo-me n'esta altura do debate, tomarei como fundamento das minhas considerações o discurso do illustre deputado Consiglieri Pedroso, que me precedeu. Verdade seja, que a resposta ao discurso da coroa se liga por tal fórma nos seus variados assumptos, que a resposta a um orador abrange, quasi sempre, a resposta a todos pontos tratados e discutidos. Seguirei, porém, quanto possivel o caminho que o illustre deputado republicano mo deixou traçado.
Antes de o fazer porém, quero referir-me a uma parte do discurso do sr. Lopo Vaz, que ainda não foi respondida. Refiro-me áquella parte do discurso, em que s. exa. disse, que o governo respondia ás queixas geraes do commercio, da agricultura e da industria propondo a creação de cinco penitenciarias.
O illustre deputado insistiu reiteradamente n'este ponto, e afigurou-se me um capitulo de accusação tão formidavel contra o governo, que foi por s. exa. escolhido para a peroração do seu discurso.
Todos sabem que a lei, ou reforma penal, e de prisões de l do julho de 1867, tornou-se principalmente conhecida dentro e fora do paiz pela abolição da pena de morte.
N'aquella epocha era contra a pena de morte tão extensa, tão reiterada, tão pertinaz a propaganda, quer na imprensa, quer nas academias, quer nos parlamentos, que os governos se viram obrigados a proceder a inqueritos, e os parlamentos a discutir propostas da sua suppressão.
O illustre estadista, o sr. Barjona de Freitas aproveitou esta conjunctura, e conseguiu que o parlamento portuguez votasse a lei de l de julho de 1867.
Não ignora tambem pessoa alguma, que o ministro portuguez foi mais feliz, que o ministro Belga, mr. Bara, que não conseguiu vencer a resistencia do senado n'uma tentativa igual.
A lei de l de julho de 1867, abolindo a pena do morte, pela primeira vez regulou e decretou entre nós o regimen penitenciario (prisão cellular com separado individual de preso a preso).
Não ignora por certo o distincto parlamentar, a que me refiro, que essa lei creou tres penitenciarias centraes, uma cadeia em cada districto.
Não julgo, agora, apropositado o ensejo de expor largamente os motivos por que o regimen penitenciario se não tem inteiramente executado entre nós.
E certo que, como já disse o sr. Mendes Leal n'um discurso celebre proferido no parlamento em 1867, temos sobre todos os povos da Europa uma preeminencia, que consiste na arte de crear obstaculos.
Gastâmos a nossa actividade e os nossos esforços a proclamar a necessidade de reformas, e gastâmos igual numero do annos em desacredital-as, depois de feitas, ou a cogitar obstaculos para que se não realisem. (Apoiados.)
A proposta de lei, devida á illustrada iniciativa do sr. ministro de justiça, altera algumas disposições da lei de l de julho de 1807, pede para elevar de tres já creadas, a cinco as penitenciarias centraes, mas desapparecem todas as cadeias districtaes.
Não posso acreditar, que haja n'esta casa quem não deseje, que se realise e complete o regimen penitenciario regulado e decretado pela lei de l de julho do 1867, e assiste-me a crença, de que o sr. Lopo Vaz será mais benevolo com a proposta ministerial quando elle se discutir.
Funda-se esta em dados estatisticos tão eloquentes, preenche uma necessidade social de tal ordem, e exige um tão diminuto augmento de despeza para já, que n'um futuro proximo desapparecerá, que, sinceramente o acredito, só por falta de culpas graves por parte do governo, o illustre deputado podia dirigir uma como apostrophe violenta contra o governo pela proposta de lei, que altera, no intuito de completar-lhe o pensamento, a lei de l de julho de 1867. (Apoiados.)
Comprehende v. exa., sr. presidente, e a camara, que não devo dar maior desenvolvimento a este assumpto, visto que a proposta lei, de que se trata, brevemente entrará em discussão.
Manifesto, comtudo, a minha surpreza, por ver um parlamentar tão distincto, como o sr. Lopo Vaz, fazer da proposta de lei sobre penitenciarias um capitulo de accusação contra o governo (Apoiados.)
Começando, agora, a resposta ao sr. Consiglieri Pedroso, confesso que fui surprehendido, como de certo devia sel-o toda a camara, com a affirmativa de que o discurso do meu amigo e distinctissimo correligionario, o sr. Carlos Lobo d'Avila, fora um discurso de verdadeira e franca opposição ao governo!
E tão sincero queria o illustre deputado republicano mostrar-se, que ato generosamente cedia a palavra para que algum deputado da maioria fallasse a favor do governo. Não sei explicar a illusão do illustre deputado e de outros que igualmente pareciam d'ella participar.
A não ser, que o illustre deputado vivesse sob o dominio da idéa fixa, de que o sr. Carlos Lobo d'Avila tinha de pronunciar um discurso de opposição ao governo, mal se comprehende a insistencia na affirmativa. (Apoiados.)
Só o illustre deputado, o os que participam de igual convicção, quizessem chegar a um accordo, por certo todos ficariamos satisfeitos. Consiste elle em pedirão nosso amigo e distinctissimo parlamentar, que faça muitos discursos, como aquelle que tivemos a fortuna de lhe ouvir na sessão de hontem. (Apoiados.) O governo e a maioria applaudiriam, o a opposição parece que gostaria. (Apoiados.) Tinhamos assim a paz universal. (Apoiados.- Riso.)
Disse o illustre deputado republicano, que uma parte do discurso do sr. Lobo d'Avila fôra uma verdadeira retaliação entre progressistas e regeneradores, e que, comquanto s. exa. não podesse receiar essas retaliações, cumpria-lhe declarar, que desadorava o systema. Devo declarar, que não comprehendo bem o que se pretende. Mais de uma vez tenho ouvido condemnar os precedentes e aquelles que os invocam como arma de defeza, ou como arma de aggressão; mas similhante pretensão, em absoluto, parece-me inteiramente insustentavel. Não ha, não póde haver parlamento algum, em que se não possam invocar os bons precedentes para os seguir, e os maus para os condemnar. (Apoiados.) Os registos parlamentares não podem constituir um archivo fechado. (Apoiados.) É impossivel, em grande numero de casos, confrontar os processos de governo, se os precedentes parlamentares não forem discutidos, comparados e criticados. (Apoiados.)
Desde que se não possa fazer isto, é evidente que ficâmos privados de um dos mais fortes elementos de critica. Não quero significar, que o mal de hoje se glorifique, ou desculpe com o mal praticado por outros no passado; uma affirmo que é preciso evocar o passado para o confrontar com o presente e assim discriminar os differentes processos de governo. (Apoiados.) E ainda necessario saber os precedentes e relembral-os, porque por elles podemos apreciar a sinceridade de muitas accusações de hoje, e aquilatar muitas indignações, que por ahi se manifestam e ostentam. (Apoiados.)
Em seguida, o illustre deputado, afinando pelo diapasão dos seus collegas opposicionistas, espraiou-se em largas considerações sobre a ordem publica, sobre a indignação, publica, e, inflammado em ira contra o governo, afigurou-se-lhe que o para atravessa uma d'essas crises supremas.

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que collocam em risco imminente cousas e pessoas, a segurança individual e a segurança publica, as proprias instituições!
Foi tão longe no seu pessimismo o illustre deputado, que não teve duvida em dizer, que Portugal atravessa exactamente um periodo igual áquelle, que no seculo passado produziu a grande revolução franceza.
Ouso dizer, que é sufficiente expor estes exageros para logo ficarem refutados. (Muitos apoiados.)
Não posso, porém, eximir-me de ponderar, que a questão de ordem publica, a questão de revolta da consciencia publica, a questão de todas as indignações patrioticas, têem sido aqui discutidas desde o primeiro dia que se constituiu a camará; eu tive a honra de fallar sobre este assumpto, terminando a discussão por uma moção de confiança ao governo. Parecia o assumpto esgotado, a não ser que tivessem sobrevindo novos acontecimentos (Apoiados.)
Mas esses novos acontecimentos não apparecem. Reproduz-se o que foi discutido, e então é licito responder, o que já foi respondido. (Apoiados,) Sendo, porém, compellido a fallar sobre ordem publica, quero ainda considerar a elevação dos fundos publicos e a permanencia d'essa elevação sob este aspecto.
Não fallarei, pois, da cotação dos fundos publicos pelo lado propriamente economico e financeiro. Não se póde admittir, que o credito do paiz dependa inteiramente d'este ou d'aquelle homem; o credito é propriamente do paiz. (Apoiados.) Mas tambem é indubitavel, que uma boa ou má gerencia dos negocios publicos não é indifferente para se elevar ou abater o credito publico. (Apoiados)
Considere-se, porém, pelo lado politico, e como symptoma de ordem publica, a subida dos fundos de um modo gradual, successivo e permanente; é argumento irrespondivel, de que o paiz está longe d'esse perigo revolucionario, que ameaça soterrar cousas e pessoas. (Apoiados.) Não ha, não póde haver illusões a tal respeito. N'estas crises angustiosas, o grito geral e unisono é o salve-se quem podér. (Apoiados.)
Se, pois, o paiz estivesse, como agora é moda dizer-se, n'uma d'essas crises violentas, que são pronuncio certo de revolução, o primeiro symptoma a verificar-se seria o retrahimento dos capitães, a depressão do credito publico. (Muitos apoiados.} Não ha patriotismo possivel, que leve os capitães a expandir-se e diffundir se, quando o paiz está seriamente ameaçado de uma tremenda revolução, quando a ordem publica corre risco certo e imminente de ser alterada. (Apoiados.} A elevação dos fundos publicos e permanencia d'ella, é pois symptoma seguro de que não ha perigo algum, proximo ou remoto, de que a tranquilidade publica se altere. (Apoiados.)
Ha outro facto, que tem ligação com este, e que não pôde escapar a uma justa apreciação. Refiro-me ás eleições parciaes, que ainda ha pouco se realisaram no paiz. Que todas as epochas e em todos os paizes, o resultado das eleições parciaes são elemento de grave ponderação politica. (Apoiados.) Actualmente o partido liberal inglez saiu victorioso da urna em tres eleições parciaes. E quer s. exa. saber, sr. presidente, o que foz o partido liberal inglez? Foi ao parlamento apregoar o seu triumpho, accusar o governo de lhe faltar já a opinião publica, e a provocal-o a que dissolvesse as camaras. (Apoiados.)
E sabe v. exa. o que acontece em Portugal? Todas as opposições se apavoraram só com a desconfiança, de que seria discutida e approvada n'esta sessão uma nova lei eleitoral, tendo por isso de consultar-se o paiz. (Apoiados.) Pois o paiz está revoltado contra o governo, a indignação é tão profunda, que, na phrase do sr. deputado Dias Ferreira, elle affronta as bayonetas deixando-se espingardear, e não concorre á urna para legal e pacificamente demonstrar o seu desagrado ao governo? (Apoiados.)
Pois ha independencia para morrer em frente da força e não ha independência para vencer na uma?
Talvez digam, que ninguem acredita n'este meio legal e pacifico, como prova de força politica. Mas isso é um erro. (Apoiado?.) As eleições parciaes são de uma qualificada importancia politica, quando se realisam depois de contrahidas pelos governos largas responsabilidades. (Apoiados.)
O governo actual tem dois annos de poder; é indubitavel que tem largas responsabilidades governamentaes. A derrota, ou a victoria, pois, n'estas condições, tem uma importancia que não póde occultar-se, nem mesmo ser dissimulada. (Muitos apoiados.} E se mo dizem que as eleições, n'este caso, não provam cousa alguma, não argumentem com a indignação do paiz e com os clamores da consciencia publica. O paiz que pelos meios pacificos e legaes não sabe tirar os negocios publicos das màos de quem lh'os gere mal, ou está ainda no periodo da infancia, ou no periodo opposto, o da decrepitude senil. (Apoiados.) Mas a verdade não é esta. A verdade é que o resultado da eleição coincidiu com a boa administração do governo, e por isso a opinião publica o não desamparou ainda. (Muitos apoiados.)
Julgo, pois, sr. presidente, mais uma vez completamente liquidada a questão de ordem e da chamada indignação do paiz.
E para tudo me parecer extraordinario, declaro que me causa verdadeira estranheza a affirmativa do notavel parlamentar e meu amigo, o sr. Marçal Pacheco, dizendo que a questão religiosa é um dos incitamentos da opinião publica contra o governo. Eu esperava ouvir tudo, menos isto.
A questão religiosa, no sentido que se attribue a estas palavras, não existe entre nós, não digo se feliz, ou infelizmente; mas o que é facto é que não existe a questão religiosa em Portugal, como existe na Belgica e em outros paizes (Apoiados.) E sendo assim, não posso discutir o que não existe. (Apoiados.) Não se póde mesmo dizer que em Portugal ha grandes luctas entre o poder executivo e os bispos, como ha pouco tempo aconteceu em Hespanha, ou que se manifestem graves conflictos por causa do despezas attinentes ao culto, como em França.
Temos, como pretexto de questão religiosa, o procedimento do governo em relação á circular do sr. arcebispo do Larissa. Não lhe chamarei propriamente um conflicto de attribuições. Tudo só reduz a saber se na circular alludida, e com o seu procedimento ulterior, áquelle prelado exhorbitou das suas funcções, e se o governo soube, como lhe cumpria, zelar as prerogativas da corôa, que melhor diriamos direitos de poder executivo. (Apoiados.}
Parece-me que o sr. Carlos Lobo d'Avila justifica o sr. ministro da justiça de um modo cabal; mas insistindo se na, accusação, devo tambem insistir na defeza. (Apoiados.) E trago gostoso á tela do debate esta questão, porque sem difficuldade espero mostrar que o procedimento do sr. ministro da justiça foi primorosamente correcto. (Apoiados.)
E sendo a primeira vez, que n'esta sessão me dirijo a s. exa., manifestarei a surpreza, que sinto quando noto um certo sorriso de desdem por parle da opposição, quando falia na tarefa da reforma dos codigos, a que o sr. ministro da justiça se dedicou. (Apoiados.)
Parece-me que este indefesso trabalho de remodelar a nossa legislação devia antes merecer os applausos sinceros de todos. (Muitos apoiados.)
Não sei, sr. presidente, se os codigos, que tão desdenhosamente são mencionados, chegarão a ser lei do paiz; peço votos ardentes para que isso aconteça. (Apoiados.)
Mas o que posso affirmar, o que asseguro á camara, é que jamais se fallará na reforma do codigo commercial e na reforma da organisação judicial n'este paiz som ir procurar nos notabilissimos trabalhos do illustrado ministro da justiça elementos de estudo para resolver estas questões. (Apoiados.) O desdem passa, e o relevante serviço prestado ao paiz fica, (Muitos apoiados.)

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Vejamos, porém, o procedimento do sr. ministro da justiça perante a circular do prelado de Lamego.
E, primeiro que tudo, façâmos a rapida historia d'estes acontecimentos. E talvez que, fazendo a historia dos factos, não sejam necessarios grandes commentarios.
A circular do arcebispo de Larissa levantou geraes clamores, é força confessal-o; e eram motivos de justos reparos o dizer-se n'aquelle documento 1.° que o prelado obedecia a ordens, de quem lh'as podia dar; 2 ° que o seu intuito era de mais vasto alcance, do que o governo e, administração da diocese; 3.° deduzir-se de uma parte da circular, que se pretendia resuscitar uma como devassa contra as leis do paiz, duvidando-se, ou podendo causar duvidas, se os trinta dias, a que a circular se referia, eram unicamente para as respostas aos quesitos, ou tambem para responder áquella parte da circular, que parecia resuscitar as, devassas de, outros tampos. Não ha, mas póde haver n'aquella circular, outros motivos de serio reparo. (Apoiados.) O que fez o illustre ministro da justiça? Dirigiu-se ao prelado, ou arcebispo de Larissa, exigindo informações circumstanciadas, e desde logo dando-lhe a entender, que o procedimento, seu, d'elle, não merecia, a sua approvação.
A resposta do sr. arcebispo não foi plenamente satisfactoria, e por isso o sr. ministro da justiça responde com a pontaria publicada no Diario do governo, de 10 de janeiro, d'este anno.
A esta portaria responde o prelado advertido com a provisão, que a camara conhece, a qual, diga se a verdade, está escripta em tom nada irritante, e em geral conciliador. A esta provisão responde o poder executivo com a portaria do 31 de janeiro d'este anno.
Não pede conselhos, ordena; não hesita, resolve. (Apoiados.) Peço a attenção da camara para a leitura da portaria, e desde já declaro que hei de transcrevel a n'esta parte do meu discurso. A portaria dia o seguinte:
«Foi presente a Sua Magestade El-Rei, pela secretaria do estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, um officio do reverendo arcebispo de Larissa, coadjutor e futuro successor do reverendo bispo de Lamego, com um exemplar de uma provisão que tem resolvido expedir aos parochos e fieis da diocese, explicando o sentido da circular de 17 de novembro do anno proximo preterito.
«Considerando, porém, que comquanto n'aquelle diploma se dêem explicações com as quaes, ato certo ponto, se podem julgar observadas as advertencias da portaria de 28 de dezembro, ultimo, não se mostrara, comtudo, estas inteira e positivamente cumpridas, como era mister.
«Considerando que especialmente se póde ainda, apesar do dito diploma, considerar subsistente, pelo menos em certos casos, a fórma adoptada na mesma circular para o prelado se informar do comportamento moral e religioso dos seus diocesanos, na parte em que se faculta e agradece a qualquer parocho, sacerdote ou mesmo a qualquer pessoa secular o enviarem ao mesmo prelado, sob confidencia que não será revelada, quaesquer esclarecimentos que pelo conhecimento da circular julgarem poder convir a esta, e se pede e manda a todos que por officio devam responder lhe, se desempenhem de tal encargo, recorrendo no que for necessario ao auxilio de outras pessoas, no que se lhes encarrega a consciencia, - ficando todos advertidos de que nas respostas aos respectivos quesitos, quanto for dito em desabono de qual pessoa, instituição ou Corporação ecclesiastica ou secular, será considerado secreto e confidencial.
«Considerando que a observancia e o cumprimento das prescripções da alludida circular poderia, sem embargo da mencionada provisão, importar, em alguns casos, violencia moral resultante da superior auctoridade do prelado sobre a consciência dos parochos e mais fieis, e constituir da parte d'aquelle excesso do jurisdicção, por a não haver para prescrever a qualquer o fazer cousa a que a lei não obrigue;
«Manda Sua Magestade El-Rei que sejam enviados ao conselheiro procurador geral da coroa e fazenda todos os documentos respeitantes ao assumpto, a fim de que este magistrado interponha, pelos fundamentos ponderados e ainda por quaesquer outros que em lista das circumstancias do caso considerar procedentes, o competente recurso á corôa de conformidade com o lei e louvaveis costumes do remo.
«Paço, em 31 de janeiro de 1888 a Está conforme. - Secretaria do estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, direcção geral dos negocios ecclesiasticos, em 10 de março de 1888.= J. E. de Brito Seixas.»
Ahi está a historia exacta, mas succinta dos factos. Agora a critica parece facil. Não hesito em declarar que conheço pessoalmente o sr. arcebispo do Larissa, que respeito as suas virtudes, e faço justiça á sua illustração; mas isso não obstante, exercerei o meu direito de critica parlamentar desafogadamente e sem tibrezas.
Ninguem, n'este caso, defendeu o procedimento do prelado arguido; tambem ainda ninguem accusou o sr. ministro da justiça de violento ou excessivo perante os proclamado desmandos do sr. arcebispo de Larissa. E como a violencia e o excesso teriam tão condemnaveis, como a fraqueza ou hesitação da parte do poder executivo, eu espero demonstrar, que o sr. ministro da justiça foi irreprehensivelmente correcto no seu procedimento. (Apoiados.)
O sr. arcebispo de Larissa dirigiu-se ao clero seu subordinado por meio da circular tantas vezes mencionada.
Essa circular provoca discussões acaloradas na imprensa; contém doutrina que parece contraria ás leis do reino e indole das instituições liberaes.
O poder executivo intervem, ouve o prelado arguido, e em seguida usa do direito de admoestação, ou advertencia contra o prelado. O poder executivo, pois, sem ostentação de rigor, mas com firmeza, usa do direito de advertencia, que as leis lhe conferem. Ficavam assim salvaguardadas as prerogativas da corôa, e a doutrina da circular, reputada offensiva das leis do paiz, censurada sem asperezas irritantes e desnecessarias.
E a primeira phase da questão, e já se vê que o procedimento do sr. ministro da justiça foi tão irreprehensivel como prudente. (Apoiados.)
Á portaria de advertencia responde o prelado com a provisão, a que já me referi. Não pareceu ao poder executivo, que a provisão contivesse inteiramente doutrina de receber, e é claro que, n'estas circumstancias, o poder executivo tinha de ir mais longe nas suas resoluções, e cumpria-lhe tomar uma attitude energica, sem espalhafato, se a camara me permitte a phrase. O que foi essa attitude dil-o a portaria de 31 de janeiro de 1888.
É evidente que o governo não podia manter já uma correspondencia official com o prelado sobre este assumpto, que poderia tomar uma fórma irritante, e que ao mesmo tempo seria esteril. (Apoiados.)
Ou o bispo se submettia á advertencia, e o incidente estava terminado ou o bispo insiste no procedimento reprehendido, e n'esse caso entrega-te ao tribunal competente para o julgar, como a qualquer outro funccionario, que commette violência ou excesso de jurisdicção. (Apoiados.) Foi o que se fez, e fez-se o que devia fazer se. (Apoiados.) Ninguem, por alta que seja a sua graduação, póde desobedecer ás leis do paiz; e quanto mais elevada é a posição official mais estricto lhe corre o dever de dar exemplo de respeitador das leis. (Muitos apoiados.)
O sr. arcebispo de Larissa commetteu violencia, excesso de jurisdicção, ou exercicio illegitimo de funcções? Cumpre ao tribunal decidir e julgar. E assim que o poder executivo responde ao procedimento, que reputo excessivo. (Apoiados.) Não julgo necessario demonstrar á camara, que o governo estava no exercicio do seu direito, ordenando

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ao procurador geral da corôa que instam asse o competente processo.
O recurso á corôa póde instaurar-se, deve mesmo instaurar-se, independentemente de queixa de parte, mas, como é evidente, o ministerio publico tem de cumprir as ordens que o governo lhe transmitte.
E assim parece indubitavel que o governo, ou antes o sr. ministro da justiça, procedeu com uma prudencia, e ao mesmo tempo com uma severidade superior a todo o elogio. (Apoiados.) Estou tão convicto, de que o sr. ministro foi primoroso e irreprehensivel no desempenho dos seus deveres, que reputo a questão esgotada. (Apoiados.)
Não posso, aliás, sem intuitos de retaliação, deixar de confrontar o procedimento do governo actual, com o procedimento do governo transacto em relação ao sr. bispo da Guarda. São necessarios estes confrontos, porque são os differentes processos de governo, que distinguem os partidos; são estes diversos processos de administração que constituem a tradição dos respectivos partidos. (Apoiados.) A questão do sr. bispo da Guarda é uma questão velha, o será sempre uma questão nova. (Apoiados.) Nunca deixará de vir á discussão, quando só discutirem as prerogativas da corôa, e quando for necessario citar exemplos de fraqueza do poder executivo perante a altitude dos arcebispos. (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, no tempo do governo transacto, e sendo ministro da justiça o sr. Lopo Vaz, foi advertido o sr. bispo da Guarda, como consta da portaria de 25 de setembro do 1884, publicada no Diario do governo n.º 245. Na sessão de 9 de março d'aquelle anno pedi eu, pelo ministerio da justiça, todos os esclarecimentos para realisar uma interpellação ao governo. O procedimento do governo foi tão severamente apreciado, o governo foi tão implacavelmente accusado por esto motivo, que talvez não fosse necessaria a minha interpellação. E sabe v. exa., sr. presidente, quem se impoz a missão patriotica de discutir o procedimento do governo? Foi o sr. Julio de Vilhena, um dos mais distinctos membros do partido regenerador, que, como agora o meu amigo Carlos Lobo d'Avila, tambem disse que não abandonava o seu partido, que não lhe faltaria com o seu apoio no momento do perigo, mas não podia ter servo da gleba ministerial para votar cegamente e abandonar o direito de critica era factos, que não exprimissem falta de confiança.
O sr. bispo da Guarda, distanciando-se do procedimento do sr. arcebispo de Larissa, respondeu ao sr. ministro da justiça, o publicou a resposta, em termos verdadeiramente irreverentes, attentatorios das leis do paiz e da dignidade do poder executivo.
Vou reproduzir a leitura de alguns periodos, e não lhe farei commentarios, porque d'isso se encarregou o illustre parlamentar o sr. Julio do Vilha.
Falla agora o sr. bispo da Guarda:
«Consinta-me v. exa. (dirige-se ao sr. ministro da justiça) que eu, accusando a recepção da portaria de 25 de outubro, signifique mui respeitosamente a v. exa. quanto estranhei o teor d'ella.»
A camara ouviu ? (Apoiados,)
Responde o sr. Julio do Vilhena:
«Não comprehendo como um bispo, que é um funccionario publico subordinado ao governo, subsidiado pelo estado, venha dizer ao ministro, seu superior, na ordem hierarchica civil, que estranha as suas portarias!
«Acho este facto de uma tal gravidado e importancia, que digo francamente, bem merece que se levante no parlamento um protesto solemne contra elle. (Muitos apoiados.)»
Na memoravel carta oficial, continua o sr. bispo da Guarda:
«Eu amo a publicidade e não declino a responsabilidade dos meus actos; e tanto que,, como sempre uso, remetti, em 29 de julho o V. exa. dois exemplares, e ao governador civil d'este districto um, da provisão publicada em 25; de modo que não sei bem explicar nem a demora na publicação da portaria, nem a declaração de que nessa secretaria só se tivera conhecimento da provisão pelo governador civil, nem o zelo serodio e muito culpavel d'este.»
A esta diatribe episcopal, responde o sr. Julio de Vilhena:
«E extraodinario!,
«Ha aqui uma accusação a um ministro, ha a negação de uma affirmação feita pelo ministro, na sua portaria, ha uma revolta completa do inferior paia com o seu superior!»
O sr. bispo da Guarda fecha a sua epistola de rebelhão com chave de oiro, ou antes, arremessa ao sr. ministro da justiça a seguinte apostrophe:
«Eu podia reconvir e perguntar quem é que n'este paiz e n'estes tempos, em que ha liberdade e até licença para tudo, cumpre as leis?»
Declaro que no genero de ousadia, é completo.
O sr. Julio de Vilhena critica assim:
«Pergunta-se ao poder executivo quem a que cumpre aã leis n'este paiz?!
«O poder executivo tinha uma resposta muito simples para lhe dar!
«Era esta: «Sou eu ».
«E não precisava dizer mais nada. (Apoiados.}
«Realmente, vir um bispo perguntar ao executor das leis, quem é que cumpre as leis, é um acontecimento de tal ordem, que carecia de uma acção energica da parte do governo.
«Pois se a energia do poder não ó para estes casos, para quando será?»
E qual a energia do poder n'esta conjunctura? É triste dizel-o. O governo, em frente d'este manifesto de rebelhão, pediu conselhos á procuradoria geral da corna! (Apoiados.) Perante estes actos de hostilidade directa por parte do sr. bispo da Guarda, o governo não conhece as leis do paiz, apouca-se e intimida-se. (Apoiados.) Limita-se a officiar á procuradoria geral da corôa, em 12 de novembro de 1884, para que este aconselhasse o procedimento a haver contra o Fr. bispo da Guarda.
E quer v. exa. saber o que acontece?
Segundo communicação, que recebi em 9 do mez de fevereiro proximo, a procuradoria geral da coroa ainda não respondeu.
E, todavia, a marcha do governo estava naturalmente indicada. N'este paiz ha leis e ha tribunaes, perante os quaes devem responder todos os cidadãos, sem excluir os bispos. (Apoiados.)
E portanto não eram necessarias grandes ostentações de força, bastava alguma firmeza, e uma verdadeira comprehensão, por parte do poder executivo, dos seus deveres.(Apoiados.)
Bastava que o ministro da justiça de então procedesse com a prudencia e energia do actual sr. ministro da justiça.(Apoiados.)
Ahi ficam os dois precedentes; um para se seguir, outro para se reprovar. Estes precedentes distinguem tambem as tradições do partido regenerador e do partido progressista.(Apoiados)
Sr. presidente, esta questão tem ainda outro lado gravo, pelo qual é preciso encaral-a O partido regenerador, apresentando a reforma da carta, incluia n'ella o artigo 75.° § 14.°
Não é meu intuito agora dizer, se este artigo carecia, ou não de ser reformado, ou pelo menos authenticamente interpretado. O que é certo é que no relatorio, que precede a reforma, se encarece sob o ponto de vista liberal, e como golpe certeiro contra a reacção religiosa, a reforma do artigo 75.° § 14.° da carta constitucional. (Apoiados.) E, apesar de tudo, todos sabem o que aconteceu. Esse artigo foi eliminado, e o partido regenerador teve de retractar-se das primeiras ousadias. (Apoiados.)
Não quero alongar o debate, e por isso não refiro o que

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disse a este respeito o sr. Julio de Vilhena na sessão de 24 de abril de 1885.
É preciso, porem, que conste dos annaes parlamentares a causa d'esta retractação.
Parece que alguns bispos fizeram causa commum com o sr. bispo da Guarda. Este ameaçara o governo com a sua palavra no parlamento e da seguinte maneira:
«Não entro propriamente no merecimento da causa; virá a sua hora, já que o governo entendeu opportuno lançar na téla na discussão, por occasião da reforma do codigo fundamental, a questão do beneplacito.»
O que é certo é que nem o arrogante sr. bispo da Guarda appareceu no parlamento, nem o governo se viu encommodado por este motivo, por parte dos srs. bispos. O triumpho, porém, coube a estes, porque o governo retractou a sua reforma, na parte respeitante ao beneplacito.
Fallou-se então muito n'uma conferencia de alguns bispos lá para as bandas do Pombal, mas não sei até que ponto o facto é verdadeiro. Certo e incontestavel é a retirada do governo de então. quanto á reforma do artigo 75.° § 14.° da carta constitucional; certa e incontestavel é a fraqueza do mesmo governo perante a attitude audaciosa do sr. bispo da Guarda. (Apoiados )
E para tornar bem saliente a má situação do partido regenerador ao retirar da discussão o artigo 75.° § 14.º da carta, responde por mim o sr. Julio de Vilhena, com as seguintes palavras:
«Pergunto, pois, n'estas circumstancias, devia ser retirado da discussão o § 14.° do artigo 75.° da carta?!
«Não será isto de um alcance prejudicial, não digo para o actual governo, mas para o poder executivo, para a administração, emfim?
«Pois não será inconveniente retirar esta disposição, dando assim força aos prelados desobedientes, dando assim força á reacção; a esse partido chamado catholico, que pretende formar-se com o intuito de atacar a liberdade e a dynastia e que nada tem podido fazer até agora, graças aos esforços de todos os partidos liberaes sem distincção de bandeiras politicas? (Apoiado?.)»
Não quero terminar esta parte do meu discurso, sem ler á camara o protesto do clero da diocese da Guarda, que chama á portaria de censura um titulo de gloria.
O sr. Consiglieri Pedroso, referindo se á decadencia d'este paiz, fallou das incompatibilidades parlamentares.
Não quero agora tratar d'esta grave questão, mas declaro que sou, em principio, contrario ao alargamento das incompatibilidades parlamentares. Se isso é impopularidade, acceito-a. Não quero dizer que a legislação actual não mereça sor em alguma cousa reformada; mas quero significar como systema, que sou adversario ás suspeições politicas. A doutrina liberal, democratica e individualista é que cada um responde pelos seus actos, e só em caso restricto é que legalmente podo ser suspeitado.
Conheço a historia politica de Inglaterra e de outros paizes, pelo que respeita a incompatibilidades parlamentares. O que tem acontecido em Inglaterra, a lucta da camara dos communs contra a camara dos lords e até contra o chefe do estado, excede as ousadias de hoje.
Tambem não desconheço que a theoria das suspeições se presta a grandes declamações nos momentos da lucta.
Estas idéas as manifestei no seio da commissão de legislação civil ao tratar-se das incompatibilidades applicadas á magistratura judicial. Appareça uma proposta de lei sobre incompatibilidades parlamentares, e veremos o que isso vale, applicado no nosso paiz.
Em todo o caso, n'este assumpto, ou teremos de ser em tudo radicaes, ou caminhar pouco, alem do ponto onde estamos. As incompatibilidades ministeriaes acarretam as incompatibilidades parlamentares, e d'estas chegâmos á exclusão de quasi todas as aptidões. (Apoiados.)
Insisto, pois, em dizer que a incompatibilidade parlamentar, ou ha de ser uma medida radical, e eu não sei sé será antes prejudicial que util ás instituições parlamentares, ou então ha de ser um modo de illudir a espectativa publica.
Se se levantar a questão das incompatibilidades, ella ha de ir tão longe, que eu não sei se poderá ser estabelecida de um modo efficaz. Ora eu pergunto ao illustre deputado: se vier á tela do debate uma lei de iniciativa do governo, tendente, por exemplo, a reformar a instrucção publica, eu pergunto se não póde tambem dar-se como suspeito o deputado que, sendo professor, venha discutir e apreciar o assumpto. E assim como isso se daria para este caso, dar-se-ia tambem para o caso de se tratar da reforma de qualquer outro serviço publico.
Portanto, ou havemos de ser logicos, declarando de um modo radical a incompatibilidade absoluta para todos os funccionarios do paiz, ou então havemos de ter mais cautela em levantar uma questão sem sabermos quaes as suas consequencias. Eu estou, pois, convencido de que não se podo tirar da lei de incompatibilidades as vantagens que se esperam.
Em todo o caso, não desadoro uma proposta de lei n'este sentido, porque convém que estes assumptos se discutam. E melhor discutil os a valer, do que fallar n'elles incidentemente, porque lhes dá isso caracter pessoal contra o desejo do todos. (Apoiados.)
Tambem o illustre deputado intima o governo a que deixe aquellas cadeiras, e para tanto invoca o argumento de que o governo está diffamado, e pouco importa que seja justa ou injustamente diffamado.
Ora esta declaração, sr. presidente, causou-me verdadeiro assombro. Entendia eu que em um paiz como o nosso, de instituições liberaes, onde os partidos se defrontam uns com os outros, os governos não podiam deixar o poder senão quando á sua propaganda honrada e leal se oppunha outra propaganda honrada e leal; quando ás suas idéas se contrapunham outras idéas. Proclamar, porém, que pouco importa que a calumnia ou diffamação não seja fundada; dizer que em nome d'essa diffamação o governo deve deixar o poder, é de tal modo assombroso que eu não esperava tal declaração por parte de s. exa. (Apoiados.) Nunca eu suppuz que a calumnia e a diffamação fossem elevadas á categoria de uma instituição. Porque até são mais do que uma instituição; a diffamação o a calumnia substituem então as luctas dos partidos; substituem a discussão pai lamentar. Então já é sufficiente isso para derrubar uma situação?! Eu não sei como o illustre deputado, tão cioso das prerogativas parlamentares e do bom credito do paiz, se abalança a sustentar no seio da representação nacional, e dar as honras do triumpho á diffamação o á calumnia, que, na minha opinião, só podem denunciar ruins caracteres e processos, que bem longe de intimar os governos a deixarem o poder, lhes impõem a restricta obrigação de mostrar que sabem sustentar o seu cargo, oppondo a essa propaganda a firmeza de homens honrados e de bem. (Apoiados.)
Se a theoria do illustre deputado republicano fosse verdadeira, ha muito tempo já as instituições republicanas teriam succumbido em França.
Não se duvida da campanha insistente da imprensa adversaria do regimen republicano. Não se ataca, não se diffama só as pessoas, os homens mais importantes do partido republicano; ataca-se e diffama-se a propria instituição.
Paulo Cassagnac, n'um artigo celebre, intitulado La gamelle, a proposito de uma pensão dada á viuva de Eugène Pelletan, diz que a republica não é uma convicção, nem sequer uma theoria, mas uma profissão, e de todas as mais lucrativas. A campanha de diffamação contra Julio Fabro não impediu que elle fosse senador; e não impedirá que Floquet, Ferri e outros estejam mortos para a vida política, (Apoiados.)

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Bem sei que Grevy caiu... mas quererão com isso significar que o impelliu á queda a campanha da diffamação? Terão os illustres deputados, que me interrompem, os intuitos de affirmar, que foi a diffamação, a campanha do descredito, justificada ou não, que derribou o presidente da republica franceza? n'esse caso, não me apresentem corno modelo instituições, que não sabem, ou não podem resistir aos impulsos da calumnia triumphante. (Apoiados.)
Não me parece, pois, que o governo tenha a preoccupar-se muito cora estas intimações, que todos os dias lhe silo feitas, para abandonar o poder. O governo, pelo contrario, devo manter-se no seu posto de honra, porque peior que a diffamação, peior que ti propaganda do descredito, seria a saneio do precedente. (Apoiados.)
O governo deve ficar, e ficará, porque é necessario desterrar, de uma vez, a lenda falsa ou verdadeira, que uma agitação artificial qualquer, um tumulto qualquer, é indicação constitucional para derribar situações e elevar outras. (Apoiados.)
O governo deve ficar, porque é necessario desenganar, que e impotente a politica da intimidação e da ameaça. (Apoiados.) O governo deve ficar, porque a historia convenceu a todos, quanto foi funesta a queda do governo progressista em 1881, por inopportuna e precoce. (Apoiados.)
O governo deve ficar, porque ninguem duvida quanto custou em atrazo financeiro e reorganisação administrativa e politica a queda da situação em 1881. (Apoiados )
E deve ficar, porque comprehende as suas responsabilidades, e porque a sua queda n'estas condições seria o triumpho da desordem, e na sua queda iria o desprestigio das instituições.
Tenho concluido.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados e pelos membros do governo.)
O sr. João Pinto dos Santos (sobre a ordem): - Pedi a palavra no projecto de resposta ao discurso da coroa, porque, tendo-se inscripto d'este lado da camara oradores de todos os partidos, e sendo ou membro do partido a que pertence o digno par do reino o sr. Vaz Preto, não queria que se suspeitasse que o silencio d'este partido n'esta camara podia significar que não estava de accordo com os outros na guerra à outrance ao governo. (Apoiados.)
As opposições, seja qual for o seu ideal, sejam quaes forem os seu principios, na guerra ao governo estão todas colligadas, e dão logo combate no projecto de resposta ao discurso da corôa, que, constitucionalmente, é a primeira questão a discutir-se e aquella em que se aprecia toda a responsabilidade politica do gabinete (Apoiados.)
Dito isto, tenho muito prazer em responder ao sr. Eduardo José Coelho, que é um orador distincto, e senti sómente que s. exa., que tinha grangeado no parlamento a fama de um orador enthusiasta o apaixonado, d'esta vez não quizesse pôr o seu enthusiasmo e o seu sentimento a favor do governo e preferisse fazer um discurso didactico e doutrinario, que realmente póde considerar se como a condemnaçãs dos actos ministeriaes. (Apoiados.) Se s. exa. pozesse a sua eloquencia apaixonada em defeza doa actos do governo ainda mostrava assim alguma fé, alguma crença na bondade das medidas decretadas pelo partido em que milita; mas criticando a frio c como um professor escalpellisando todos os actos do partido regenerador com respeito a bispos, parece que s. exa. procurou fugir á discussão da marcha governativa para fazer recriminações aos seus adversarios; parece que o seu intento visava a deixar no escuro os actos do governo que se propunha defender. (Apoiados.)
Respondendo ao distincto orador que me precedeu, começo pelo primeiro ponto em que s. exa. tocou.
O sr. Lopo Vaz, leader da opposição regeneradora, quando se referiu á creação de cinco penitenciarias, fel-o
incidentalmente, e nem por sombras quiz emittir uma opinião hostil a esses estabelecimentos: simplesmente ponderou que nas circumstancias que o thesouro atravessa não lhe parecia occasião opportuna para fazer essas penitenciarias. Nunca podia suppor-se que s. exa. hostilisasse quaesquer reformas das prisões, porque a nossa legislação deve lhe incontestavelmente a reforma do ultimo código penal que s. exa. promulgou. (Apoiados.)
Depois o sr. Eduardo José Coelho disse que o sr. Carlos Lobo d'Avila, meu amigo e antigo condiscipulo, tinha feito um discurso primoroso em defeza do governo. Eu concordo com a. exa. que foi primoroso, como é tudo que é obra d'aquelle illustre parlamentar, porque é um dos membros mais importantes da camara e dos oradores mais distinctos d'este paiz; (Apoiados.) mas o discurso de s. exa. foi de finissima opposição. (Apoiados.) Desde que o sr. Lobo d'Avila declarou que não hypothecava o seu voto a nenhum ministro, e desde que n'uma questão importante que o outro dia se discutiu, se retirou da sala para não votar, parece que não se collocou ao lado do governo. (Apoiados.)
Se todos os membros da maioria procedessem como s. exa. o governo n'aquella coujunctura tinha-se encontrado ao lado dos seus amigos, mas lá fóra nos corredores, (Riso.) Se isto realmente é ser ministerial, e se a attitude que a maioria tornasse em frente do governo fosse esta, então o governo via-se forçado a sair dos bancos do poder, porque não tinha nem se quer quem lhe votasse uma moção de confiança, nem quem sustentasse os actos que por parte da opposição provocavam algum debate.
Pois se os oradores ministeriaes fallarem e procederem como o sr. Carlos Lobo d'Avila, hão de fazer muito bem ao governo! (Apoiados.)
Mas não foi só n'este ponto que s. exa. foi amavel com o governo: foi-o em muitos outros.
S. exa. declarou que a situação financeira não era tão prospera, como a pinta o sr. presidente do conselho. (Apoiados.)
S. exa. não se mostrou muito admirado com todas as habilidades do sr. Marianno de Carvalho e disse muitas cousas que contrariam as affirmativas do sr. presidente do conselho, (Apoiados.) e as de muitos oradores da maioria. (Apoiados.)
Ora se chamam a isto ser ministerial, então o governo que se applauda por ter quem lhe dê assim o seu voto e ponha a sua palavra a defendel-o d'esta forma. (Apoiados.)
O sr. Eduardo José Coelho fallou depois nas retaliações dos partidos, e declarou que este processo não podia deixar de se pôr em pratica, porque era necessario conhecer as discussões parlamentares para bem se interpretarem as leis e era indispensavel estudar os precedentes dos partidos para bem se apreciarem as suas medidas.
Se o processo das retaliações significasse simplesmente isto, eu applaudiria s. exa., porque eu queria que aquillo que se affirmava quando se era opposição, fosse posto em pratica quando se fosse poder (Apoiados.) Queria que as investigações archeologicas feitas no Diario do governo servissem como arma de combate contra os que rasgassem os seus principios anteriormente sustentados; mas as retaliações, que se invocam, não são d'estas, são differentes. (Apoiados.)
Retaha-se, como retaliou hoje o sr. Eduardo José Coelho, quando, pretendendo defender os actos do sr. ministro da justiça, accusou os actos do sr. Lopo Vaz. (Apoiados.)
Os actos do sr. Lopo Vaz não estão em discussão; (Apoiados) já foram discutidos, e até por individuos pertencentes ao mesmo grupo, como foi o sr. Julio de Vilhena. (Apoiados.)
Portanto, o que se deve discutir agora são os actos do governo, e os precedentes dos regeneradores não poderá

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nunca servir para defender os actos do governo progressista. (Apoiados.)
Sc os progressistas censuravam na opposição os actos dos regeneradores, como é que vem agora defender os actos que praticam com os precedentes que elles combateram? (Apoiados.)
Passou depois o sr. Eduardo José Coelho a fallar na ordem publica.
Confesso que n'este ponto quasi que não pude ouvir o illustre orador sem um pequeno sorriso, porque s. exa. disfarçou completamente o estado de agitação cm que o paiz só acha!
Effectivamente não ha uma revolução, não ha um cataclismo; o que ha é uma manifestação da opinião publica contra o governo, a qual se traduz no parlamento, nos jornaes e em toda a parte. (Apoiados.)
Nós vemos na imprensa orgãos distinctissimos do jornalismo, que não militam na opposição, mas nas fileiras da maioria, e que todos os dias apreciam desfavoravelmente o procedimento do governo. (Apoiados.)
Nós vemos no parlamento o sr. Carlos Lobo d'Avila, querendo fazer um discurso em favor do ministerio, não poder deixar de proferir palavras em que mais ou monos transparece opposição aos actos governamentaes. (Apoiados.)
Nós vemos que oradores muito distinctos, e que são uma gloria d'este paiz, se conservam silenciosos para não terem de verberar com aspereza a marcha governativa. (Apoiados.)
Vemos em toda a parte uma agitação, que não será uma revolução, mas que é inquestionavelmente o annuncio do mal estar geral. (Apoiados.)
Vemos o povo convocar meetings, (Apoiados.) vemos representações ao chefe do estado contra a marcha administrativa do governo, (Apoiados.) vemos todos os dias estas manifestações, e, o que é mais, apparecem-nos de vez em quando acontecimentos corno os de Cantanhede o Pombal, em que são feridos muitos populares (apoiados.) o mortos alguns. (Apoiados.)
E o que eu sei é que esta agitação provém da continuação do governo no poder (Apoiados.) o do estado de desconfiança em que o paiz se encontra com relação á marcha governativa. (Apoiados.)
Póde dizer se que o paiz não atravessa uma crise accentuadamente revolucionaria, o que não póde é affirmar se que o paiz não está agitado, descontente e desconfiado do governo que dirige os seus destinos.
Esta desconfiança não é só da imprensa da opposição e de alguns parlamentares; esta desconfiança lavra até no seio do gabinete. (Muitos apoiados.)
O sr. presidente do conselho disse-nos uma vez aqui que na sua qualidade de chefe do gabinete intervinha nos negocios das outras pastas, o que tinha o cuidado do fiscalisar o procedimento de todos os ministros.
Assim foi que s. exa. muitas vezes interveiu nas pastas das obras publicas e da fazenda, praticando actos que de viam ser praticados pelos ministros respectivos.
O que significa isto? Não é desconfiança até no sr. presidente do conselho?
Se esta desconfiança chega a lavrar no seio do gabinete, não admira que lavre em todo o paiz.
E haverá motivo para essas desconfianças graves? Vou examinal-o.
Eu não quero referir-me agora ás promessas feitas pelo partido progressista, tanto quando subiu pela primeira vez ao poder, como quando subiu pela segunda vez. São factos que já passaram em julgado e hoje quasi ninguem falla no programma da Granja, sem- se rir, por ver que foi completamente calcado aos pés.
O que quero é tratar em parto da questão de fazenda, visto que o sr. presidente do conselho estranhou que nenhum dos oradores d'este lado da camara se tivesse occupado d'ella o dos grandes beneficios que tinham resultado para o paiz dos melhoramentos e das reformas do sr. Marianno de Carvalho.
Eu não tenho competencia nenhuma em assumptos financeiros; mas parece-me, com os meus pequenos recursos, poder demonstrar sem difficuldade que a nossa situação não é tão prospera, e que as medidas financeiras do sr. Marianno de Carvalho não se impõem tanto á nossa admiração como o sr. José Luciano nos quiz fazer ver.
Esta demonstração não carece de ser feita por nenhum economista ou financeiro; qualquer a póde fazer.
O sr. ministro da fazenda, quando subiu ao poder, prometteu na resposta ao discurso da coroa que não lançaria mais impostos.
Qual foi a maneira como s. exa. cumpriu a sua promessa?
Com a reforma das pautas das alfandegas, que s. exa. calculou em 750:000$000; com a remodelação dá contribuição industrial e decima de juros, calculadas em réis 230.000$000; com os addicionaes para os tribunaes administrativos e serviços dos districtos que ficavam a cargo do estado, na importancia de 555:000$000 réis ; com os tabacos, na importancia de 900:000$000 réis, e com a transformação do addicional aduaneiro para as obras do porto de Lisboa de 0,60 em 2 por cento, no valor de 438:000$000 réis.
E dizer s. exa. que não lançaria impostos novos, e lançar só de uma vez 2.837.000$000 réis! Isto para quem não queria recorrer a novos impostos, para quem não queria sobrecarregar o contribuinte, é realmente digno de admiração!
Ora, com estes impostos lançados de novo, e com o natural desenvolvimento dos outros, na importancia de réis 2.000:000$000, pouco mais ou menos, parecia-me que o deficit devia tender a extinguir-se.
E é assim que o sr. ministro da fazenda nos apresenta um deficit para este anno de 151:000$000 réis! Mas este calculo é tão extraordinario, que o distincto deputado e meu particular amigo o sr. Franco Castello Branco não póde deixar de rir-se, quando ouviu ler ao sr. Marianno. de Carvalho o seu relatorio, em que ti azia envolto um deficit tão minusculo!
Achou-o pequenino de mais, depois de tantas prodigalidades que se têem feito.
Verdade, verdade, quem póde acreditar n'um deficit tão insignificante? Se formos examinar as verbas que não figuram no orçamento, ha de ver-se que o deficit é approximadamente como o dos annos anteriores.
No seu computo não figuram 994:000$000 réis pagos pelo banco emissor para as classes inactivas, os quaes são despezas reaes do thesouro, porque os juros de amortisação d'esse emprestimo feito pelo banco são pagos pelo estado ainda que não figurem no orçamento
Não foram incluidos tambem l.500$000 réis de estradas, assim como não figuram n'esse calculo as despezas feitas com o porto de Leixões, com os caminhos de ferro do Alemtejo e Algarve, etc., etc , despezas que podem montar á quantia de 3 000:000$000 réis. Emfim todas estas verbas e a differença para mais que ha sempre entre o orçamento de previsão e o rectificado elevam o deficit a nada menos de 7.000:000$000 ou 8 000 000$000 réis. (Apoiados.) O deficit não póde ser de l5l.000$000 réis como o apresentou o sr. ministro da fazenda, mas sim como o do anuo anterior.
Qual é a conclusão que tiramos de tudo isto?
Se augmentaram as receitas, conservando-se o deficit no mesmo estado, a conclusão logica que se tira é que augmentaram as despezas. E na verdade as despezas cresceram consideravelmente.
Se compararmos os orçamentos de 1886-1887 o 1888 a 1889, vemos que as despezas proprias dos ministerios subiram de mais de 2.500:000$OUO réis,

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Lendo-se a conta geral da administração financeira do estado, encontra-se um mappa que nos mostra a despeza do serviço proprio dos ministerios durante nove exercicios, a começar no anno de 1877-1878 até ao de 1885-1886.
Do exame d'esse mappa concluo-se que, em alguns an-nos, a despeza não só não augmentou, mas ate diminuiu; que em outros o augmento foi de 625.000$000 réis e que só no exercicio do 1882-1883 para o de 1884-1885 é que o augmento foi de
l 012:000$000 réis.
N'esse periodo de nove annos, o augmento medio no ministerio da fazenda era do 62:000$000 réis por anno, emquanto que agora é de 333:000$000 réis.
No ministerio das obras publicas n'esse periodo o augmento foi de 97:000$000 réis e agora é de 280-000$000 réis!
E tudo isto só para despezas proprias dos ministerios!
Aqui tem o sr. presidente do conselho, exposta em largos traços por quem sabe muito pouco d'esta materia, uma idéa geral que denuncia a situação desgraçada da fazenda publica, e a situação mais desgraçada ainda do governo no que diz respeito á sua administração.
Realmente nenhum governo lançou tantos impostos, e fez tantas despezas e malbaratou assim os dinheiros publicos.
Sr. presidente, podiam as despezas ser muitas e o deficit conservar-se no mesmo estado, sem que fosse licito tirar d'esses factos conclusões contra o governo, por isso mesmo que podiam taes despezas ser feitas em obras necessarias e urgentes, o ser indispensavel o lançamento de novos impostos para o pagamento d'ellas.
Mas não é esta a hypothese. Se formos examinar a causa d'essas despezas, vemos que a maior parte d'ellas foram feitas com addidos ás repartições, com a creação de novos empregos nos ministerios, com aposentações, etc., etc.
No ministerio da fazenda nomearam-se mais 555 empregados a fóra os addidos, etc.; e no ministério das obras publicas 1:824 empregados!
Para ser justo, não devo occultar que se fizeram estradas, caminhos de ferro, reformas nos correios e telegraphos e outros melhoramentos importantes.
Mas a verdade é que se consumira n'essas obras mais dinheiro do que se devia gastar. E é por isso que o povo reage contra novos impostos, porque nem sempre os sacrificios exigidos satisfazem necessidades reaes e urgentes. O povo tambem tem a sua comprehensão dos negocios publicos.
O povo, quando lhe pedem impostos necessarios para a satisfação de necessidades urgentes, não se recusa a pagal-os, pois sabe que não se têem garantias nem commodidades sem fazer sacrificios; mas quando lhe pedem impostos para encher as secretarias de empregados c fazer repartições luxuosas e obras favoraveis aos concessionarios, o povo reage o não paga. Bem lhe basta a elle a crise dolorosa que está atravessando.
Supponhamos mesmo que era necessario fazer essas despezas; supponhamos que era indispensavel crear impostos para pagamento d'ellas. O plano financeiro do sr. ministro da fazenda será digno do nosso applauso?
Não me parece, porque s. exa. não tem feito mais que une expedientes, que tem modificado conforme as exigencias.
Examinemos as principaes medidas, d'onde s. exa. conta auferir grandes proventos.
A reforma da pauta das alfândegas, cujo rendimento foi calculado em 750:000$000 réis, não dará os resultados esperados, e ha de contribuir para a diminuição do nosso commercio, porque onerou immensos generos de primeira necessidade.
Segundo o Boletim estatistico das alfandegas, a importação do bacalhau e do assacar no mez de outubro, em que começou a vigorar a reforma, foi muito menor do que a de igual mez do anno anterior.
Emquanto ao rendimento; sendo os direitos muito maiores, e tendo-se augmentado o addicional aduaneiro de 0,66 para 2 por cento, devia ser muito mais consideravel.
Pois no mez de outubro, exceptuando o que se refere aos direitos dos cereaes e tabacos, o rendimento das nossas alfandegas diminuiu 18:000$000 réis.
No mez de novembro augmentou apenas do l.000$000 réis, quando o augmento mensal devia orçar por 90:000$000 réis, pouco mais ou menos.
A reforma da lei industrial manisfesta claramente a auseucia de idéas sobre o assumpto por parte do governo
O sr. ministro da fazenda defendeu a cobrança do imposto por meio de licenças obrigatorias, porque entendeu que era esta a mancha de acabar com o anarchismo existente no pagamento da contribuição industrial, e por fim fez seis ou sete edições da lei, eliminando a final completamente as licenças!
Na primeira edição, augmentou as classes dos contribuintes por entender de certo que estavam nas condições do poder pagar; nas subsequentes, supprimiu algumas classes em frente das reclamações populares! E revela isto um grande plano financeiro?!
A reforma da decima sobre juros tambem não é uma medida de grande alcance.
E uma contribuição que recáe sobre a pobreza, apesar de se estabelecer agora que será paga pelo credor.
Mas, como este tem a faculdade do elevar os juros conforme lhe convier, a contribuição vem a final a ser paga pelo desgraçado devedor.
O sr. ministro da fazenda, alargando a incidencia d'este imposto, veiu aggravar as circumstancias penosas da nossa agricultura, e ha de ver-se obrigado a reformar de novo a sua lei, se os lavradores souberem fazer valer os seus direitos.
Os addicionaes para pagamento das despezas dos tribunaes administrativos e de outros serviços que foram transferidos dos districtos para o estado, representam um importo novo.
O distincto pai lamentar o sr. Lopo Vaz tratou já d'este assumpto com toda a proficiencia e demonstrou que o governo ficava auctorisado a despender 555:000$000 réis com estes serviços, e que os contribuintes, alem d'essa quantia, continuavam a pagar para o districto tanto como anteriormente para pagamento dos encargos contrahidos.
£ o governo julga que fez uma grande equidade aos contribuintes, cobrando somente 325 000$000 réis, quando tinha auctorisação para receber 555:000$000 reis!
Parece-lhe pouco um imposto novo de 325:000$000 réis, continuando os contribuintes a pagar, como d'antes para os districtos?
Emquanto aos tabacos, o sr. ministro da fazenda apresentou primeiro uma proposta admittindo o monopolio, depois fez passar uma lei acceitando o gremio livre. Quando se começou a executar a lei, apresentou nova proposta, sustentando a régie ou administração por conta do estado!
Pois s. exa. ousa vir defender o monopolio condemnado entre nós ha mais de dois séculos, e agora vem declarar que um inquérito industrial lhe demonstra que a régie é que é boa?!
Quando se planeiam leis, estuda-se primeiro o meio para que se legisla, para se não defenderem successivamente theorias as maus contradictorias.
Estas hesitações constantes, estas mudanças repentinas, mostram, ou ausencia de plano financeiro, ou tergiversações calculadas para se satisfazer interesses particulares.
Parece me ter demonstrado com estas breves considerações, que o plano do sr. Marianno de Carvalho não é digno da admiração de ninguem, porque as medidas apresentadas por s. exa. são apenas de expediente.
Se as reformas financeiras, como vimos, não foram muito importantes, e possivel que nos outros ministerios se tenham adoptado algumas medidas de maior alcance,

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Com respeito ao ministerio das obras publicas, o que se tem feito ali?
O sr. José Luciano de Castro, no discurso que pronunciou sobre este debate, disse que d'este lado da camara só se fallava na reforma da engenheria, e que se admirava que não faltássemos de outros assumptos relativos á pasta das obras publicas.
O br. Luciano de Castro, com esta observação, parece admittir implicitamente que a, reforma da engenheria representa um grande erro de administração.
Se a considerasse bem feita, de certo nos mostraria as excellencias d'ella e não nos chamaria a attencão para outras obras importantes da mesma pasta.
Nós não fallamos das medidas do ministerio das obras publicas, porque sobre muitas d'ellas estão annunciadas interpellações particulares, e não se podem discutir na resposta ao discurso da corôa.
Quando essas interpellações forem dadas para ordem do dia, a opposição saberá cumprir o seu dever, emittindo aqui com desassombro os resultados das suas investigações.
No ministerio dos negocios estrangeiros o facto mais saliente é a concordata com a Santa Sé sobre o nosso padroado no oriente. Não discutirei agora se o sr. ministro dirigiu bem ou mal as negociações diplomaticas sobre o assumpto.
Sómente estranharei que, vindo ultimamente de Ceylão uma representação de 2:041 chefes de familia a pedir para ficarem debaixo do nosso padroado, o governo não tivesse consentido que se enviasse ao Summo Pontifico essa representação, como propunha o digno par o sr. Thomás Ribeiro.
Se o cardeal Rampolla affirmára que em Ceylão só 7 chefes do familia protestavam contra a concordata, porque não se havia de remetter para Roma um documento que provava o contrario? O Papa, que attendesse ou não os christãos reclamantes, mas que ao menos estes não podessem dizer com verdade que as camaras portuguezas não tinham feito caso das suas supplicas.
O procedimento da camara dos dignos pares, rejeitando a moção do sr. Thomás Ribeiro para ser agradavel ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, não é digno de louvor. Como muito bem notou um jornal ministerial, os nossos governos, quando negoceiam com quaesquer potencias, tomam uma attitude demasiada humilde e tolerante, receiosos sempre do levantar conflictos.
Não me parece isto de boa politica.
D'este exame rapido feito sobre as principaes medidas do governo, parece-me poder concluir se que não ha motivo para que o povo lhe esteja agradecido, visto que os impostos lançados foram empregados no desdobramento dos quadros do funccionalismo e em obras de questionavel utilidade e economia. Pelo contrario, o povo tem justificado motivo para odiar o ministerio, e tem já dado exuberantes provas dos seus sentimentos de indignação.
E, apesar de tudo, o governo teima em ficar!!
Com que fundamento? Com o fundamento no cumprimento do seu dever, diz o sr. presidente do conselho. Do seu dever?! Os progressistas foram sempre cumpridores dos seus deveres! .. Quando em 1879 levantaram a campanha, não só contra o partido regenerador, mas até contra a corôa, insultando o monarcha e querendo pôr escriptos no palacio da Ajuda, serviam-se de todos os recursos para subir ao poder, a fim de dotarem o paiz com a mais larga descentralisação, com a maior liberdade e com a mais economica e moral administração. Chegados lá, quando toda a gente esperava que cumprissem o seu dever, executando o seu programma de opposição, nada fizeram em beneficio do paiz, e cairam vinte e dois mezes depois, rasgando uma a uma as paginas d'esse programma. (Apoiados.)
Quando novamente, subiram ao poder, para cumprir o seu dever, o que fizeram? Elles, que não tinham discutido n'esta casa as reformas constitucionaes propostas pelos regeneradores, porque as achavam acanhadas e insignificantes, e que promettiam, logo que chegassem ao poder, fazer novas reformas politicos, de tal cousa não cuidaram, occupando-se apenas em desenvolver os quadros do funccionalismo. (Apoiados.)
Era este o seu dever patriotico e civico, pelo qual a patria se ha de confessar sempre agradecida. (Apoiados.)
O governo, permanecendo no poder, satisfaz somente um dever meramente egoista. Lucta pela vida, porque sabe que, quando caia, com elle se esphacela todo o partido; e, como quer existir por mais algum tempo, agarra-se ás cadeiras do poder, como um escalracho, e só de lá sairá quando vier um 19 do maio, como disse o sr. Marçal Pacheco, ou uma revolução. (Apoiados) O ministerio não quer sair d'aquellas cadeiras; mas, felizmente, e natural que alguem, vendo que isto não é governo, que não é mais do que o estrebuchar n'uma agonia lenta, lhe applique o golpe de misericordia.
Sr. presidente, vou tratar, em ultimo logar, de uma questão, para mim muito importante, e que já foi aqui levantada hontem pelo sr. Consiglieri Pedroso.
Quando s. exa. fallou das incompatibilidades parlamentares, eu applaudi-o vivamente, porque entendo que é do toda a urgencia a promulgação de uma lei sobre esse assumpto. (Apoiados.)
N'este ponto nada mais faço que sustentar as doutrinas de um homem publico, a cujo partido tenho a honra de pertencer, o sr. Vaz Preto.
No seu ultimo discurso, proferido na outra casa do parlamento, dizia s. ex.ª:
«Eu lembro-me, sr. presidente, e com saudade, do um digno par que já não existe, e cujas opiniões de seriedade, e de moralidade tinham n'esta occasião muito cabimento.
A constancia d'aquelle nobre caracter para a realisação das suas idéas revela a força da sua convicção. O par de que eu me lembro com saudade era o sr. visconde de Fonte Arcada, e vejo agora quanta rasão elle tinha em ser tão tenaz em certos principios.
«Elle queria uma lei de incompatibilidades parlamentares; eu julgo essa lei hoje uma necessidade urgente o impraterivel.
«Sr. presidente, eu, posto que não me lembro, quando discuto, se este ou aquelle ministro é director de .uma ou outra companhia, não posso deixar de concordar que só não póde ser bom ministro e bom administrador de emprezas particulares a um tempo, pois que os interesses do estado são contrarios aos d'essas emprezas.
«O estado quer obras feitas com economia e as que devam ser; e os empreiteiros querem muitos metros correntes a construir e bem pagos. Uma outra vantagem ha ainda com esta lei: havendo uma lei de incompatibilidades, não teriam logar essas suspeições que aviltam o parlamento e enlameiam o caracter dos homens publicos da todos os partidos. É necessario sair d'este lodaçal quanto antes. A lei de incompatibilidades ainda póde servir de dique por algum tempo a esta torrente caudal que ameaça tudo submergir.»
Effectivamente é urgentissima uma lei sobre incompatibilidades parlamentares. (Apoiados.)
O sr. Consiglieri Pedroso referiu-se hontem, n'esta casa á eleição do sr. presidente do conselho para governador do banco de credito predial. O sr. presidente do conselho, respondendo a essa accusação, disse que, se tinha acceitado esse cargo, foi porque o sr. Fortes tambem o tinha desempenhado. É preciso notar que o parallelo não é perfeito. O sr. Fontes fazia já parte do banco de credito predial como vice-governador; e quando foi nomeado governador não estava no ministerio emquanto que o sr. presidente do conselho foi nomeado governador quando não

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pertencia, creio em, áquelle banco, e sendo presidente do conselho. (Apoiados.)
Disse mais s. exa. que não tinha pedido votos para a sua eleição.
Mas nada importa isso, porque toda a gente sabe que são os amigos que fazem estas eleições, sem ser necessaria a nossa intervenção. O que é certo, porém, é que o sr. José Luciano foi eleito governador do banco por ser presidente do conselho.
Disse ainda s. exa. que era incapaz do atraiçoar os interesses do estado para favorecer companhias.
Nós não collocâmos a questão n'esse terreno pessoal. Simplesmente ponderâmos que s. exa. tem obrigação, como ministra, de zelar os interesses do estado, o que lhe compete, como governador, proteger os interesses do banco que dirige
S. exa. é honesto e capaz de não prejudicar nem o estado nem a companhia; mas a honestidade do seu caracter não póde obstar á promulgação de uma lei de incompatibilidades. Da mesma fórma que ha um regimento das camaras para dirigir os deputados nos seus trabalhos, apesar de se contar com a boa educação de todos; da mesma fórma que os deputados são inhibidos de votar nos assumptos que lhes digam pessoalmente respeito com o receio de que possam antepor os seus interesses ás conveniencias geraes, assim tambem é indispensavel que não possam os ministros exercer logares, cujos interesses possam ser contrarios aos do estado, seja qual for a honestidade e seriedade da pessoa collocada nos conselhos da corôa.
As leis repressivas da liberdade fazem-se para corrigir desmandos, não se contando com a honestidade de ninguem. Se se partisse da hypothese de que todos são honrados, eram inuteis os codigos penaes, e todas as leis prohibitivas.
E não basta ser-se honesto, é preciso tambem parecel o.
Em que posição fica o sr. presidente do conselho para a opinião publica, n'aquella hypothese hontem formulada pelo sr. Consiglieri Pedroso? Dentro em pouco está a terminar o exclusivo que o banco tem de emittir obrigações prediaes.
Suppondo que esse exclusivo é prejudicial á nação o só util para o banco, como o sr. Laranjo disse outro dia no congresso agricola, e como é facil demonstrar.
O sr. Laranjo: - Peço a palavra.
O Orador: - Não sei como s. exa. ha de zelar os interesses da nação e os interesses do banco.
Não sei como s. exa. ha de proceder para não desagradar a ambas as entidades que representa.
Se favorece o exclusivo, zela os interesses do banco, mas desagrada á nação; se o não favorece, zela os interesses do estado, mas desagrada á companhia. (Apoiados.)
E, ainda que se prove a justiça da concessão do exclusivo ao banco, sempre haverá quem malsino o procedimento de s. exa., dizendo que pediu á maioria e ao partido em que milita que fizesse tal concessão, unicamente com o fim de justificar o banco de que faz parto.
Vou confirmar esta minha supposição com um exemplo notavel, devendo declarar primeiramente que, citando-o no parlamento, não quero admittil-o como verdadeiro, mas pretendo somente adduzir mais um argumento em favor da lei das incompatibilidades que defendo.
Refiro-me é nomeação do sr. ministro da guerra para um logar do conselho fiscal da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes.
Sr. presidente, v. exa. não ignora que na outra casa do parlamento se tem discutido, na resposta ao discurso da corôa, a concessão da linha de Cascaes á companhia real, sustentando muitos dignos pares que tal concessão não obedece aos preceitos da arte da guerra, o accusando o sr. visconde de S. Januario por ter modificado as opiniões anteriormente emittidas com relação a essa linha.
Pois alguns jornaes, e nomeadamente o Seculo, já têem dito que a nomeação de s. exa. para director da companhia tinha muita relação com o seu procedimento a respeito da concessão do caminho de ferro de Cascaes.
Não me faço aqui echo de calummas. Apresento este facto para mostrar que é urgente, que é inadiavel tomar-se uma medida qualquer subiu este assumpto.
E não me diga o illustre deputado o sr. Eduardo José Coelho, que a lei de incompatibilidades é que dá origem a suspeições, porque é exactamente o contrario o que a pratica nos demonstra.
Se o sr. ministro da guerra não fosse director ou membro do conselho fiscal da companhia dos caminhos de ferro do norte e leste, ainda que s. exa. tivesse mudado de opinião acerca do traçado do caminho de ferro de Cascaes, com certeza que não ao lembrariam de malsinar o seu procedimento, com certeza que haviam de attribuir ás suas idéas estrategicas qualquer modificação que só fizesse n'aquelle traçado; mas como se dá essa circumstancia da compatibilidade, attribuem já ao sr. visconde de S. Januario um acto menos digno e menos nobre.
Ora, desde que isto assim é, visto que estas suspeições estão quotidianamente a pesar sobre os homens publicos, e urgente que se proveja de remedio, estabelecendo uma lei de incompatibilidades.
Se entenderem que é necessario tomar uma medida radical, estabelecendo incompatibilidades para deputados, pares, ministros, etc., etc., se entenderem que ha n'isso uma grande conveniencia, não tenho a menor duvida em subscrever para ella; o que e necessario desde já é que haja incompatibilidade para se exercer o logar de ministro distado e ao mesmo tempo o logar de director de companhias poderosas. Vejo n'estas accumulações um grande inconveniente, alem de muitos outros.
Amanhã um presidente do conselho de ministros, ou qualquer homem importante, conseguindo ser director das companhias dos caminhos de ferro, do gaz, das aguas, etc., etc , póde tornar-se um dictador, porque tem nas suas mãos os elementos mais poderosos que constituem a sociedade portugueza.
E portanto forçoso pôr um dique a tudo isto. E esta occasião é muito propicia, porque, como já disse o meu illustre collega o sr. Marçal Pacheco, nunca uma onda de lama alagou a sociedade portugueza, como actualmente. E visto que esta conjunctura é propicia, é necessario que se apresente qualquer medida de incompatibilidades; e se tanto for preciso, eleve-se o ordenado de ministro a 5:000$000 ou 6:000$000 réis; mas que não sejam governadores de bancos, nem estejam dirigindo ao mesmo tempo os interesses do estado e os interesses das altas companhias.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
Leu-se na mesa a seguinte.

Moção de ordem

A camara, considerando que o governo perdeu o apoio da opinião publica, convida-o a sair do poder, e continnúa na ordem do dia. = 0 deputado, João Pinto.
Foi admittida.

O sr. Barbosa de Magalhães: - Mando para a mesa, por parte da commissão de administração publica, um parecer sobre o projecto apresentado pelo srs. deputados Almeida e Brito e Poças Falcão.
O sr. Abreu Castello Branco: - Começo por ler a minha moção de ordem.
(Leu.)
Conheço a preciosidade do tempo, e por isso bem pouco roubarei á camara. Não tenciono fazer um discurso longo, não só porque não sei fazer discursos, mas ainda porque, se soubesse fazel-os, evitaria que fossem muito extensos,

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porque lembrar-me-ía certamente de uma regra que por muitas vezes tenho visto esquecida, que e aquella regra do esto brevis et placebis, e ainda porque tambem sei, que quanto mais tempo mo demorar faltando, mais ficaria provada a minha insufficiencia. Tomarei por isso pouco tempo á camara e tratarei simplesmente de fazer algumas considerações com relação ás aggressões que têem sido feitas ao governo, e ao modo como os illustres oradores da opposição parlamentar têem discutido o parecer da commissão de resposta á mensagem da corôa.
Alegra-me realmente ver em frente de nós uma opposição tão numerosa, illustrada e energica; o governo certamente ha de alegrar-se com isso, e deve tambem alograr-se o paiz, porquanto uma opposição assim, é um penhor de bom governo no presente o no futuro.
No presente, porque os ministros que hoje se assentam n'aquellas cadeiras, certamente serão mais cautelosos nos seus actos, e ao mesmo tempo seguirão os bons conselhos dos amigos; no futuro, porque esta opposição que ali está, ha de estar no poder amanhã, indo por consequencia dotar o paiz com um governo forte, e capaz de fazer aquillo que nós porventura não podemos fazer.
E para isso que s. ex.as estão na opposição, não estão para outra cousa.
Quando se está na opposição, não se está senão preparando para ser governo.
E, ao mesmo tempo que me alegro em ver uma opposição tão violenta, tão energica e tão illustrada, permittam-me s. ex.as que lhes diga que me entristeço ao ver que ella está possuida de uma certa inquietação e impaciencia, que lhe tem sido prejudicial.
Eu não sou um antigo parlamentar, mas sou um homem velho; e se a idade fosse por si bastante para dar direito a dar um conselho, eu diria á illustre minoria parlamentar que uma das maiores virtudes que póde ter um homem politico é saber esperar; e portanto direi á illustre opposição que espere, mas que saiba esperar; acceite as lições da experiencia e aproveite até mesmo os erros que o governo possa praticar, para, quando for governo, não cair em erros iguaes. Não aconteça o que aconteceu em 1881. V. exa., sr. presidente, lembra-se bem de que em 1881 a opposição parlamentar tambem foi inquieta e impaciento; e depois, o que lhe aconteceu?
O governo progressista demittiu-se; veiu um ministerio regenerador; quando nós lhe perguntavamos, não de onde vinha, porque bom o sabiamos, mas para que vinha, o ministerio respondeu pela boca do sr. Lopo Vaz que não tinham um pensamento collectivo, que não tinham systema algum, precisavam ir estudar, e por isso íam decretar o adiamento da camara.
Eu então disse lhes aqui: o paiz, não precisa de ministros que estudem, precisa de ministros que saibam.
Mas como não se tratava de dar ao paiz aquillo de que elle precisava, decretou-se o adiamento Depois, quando se abriu novamente a camara, apresentaram-se aqui sem terem estudado nada.
E o que fizeram?
Pediram-n'os a lei de meios para governar. Nós votava-mos ainda mais do que isso! Votava-m'os-lhes o orçamento, cuja discussão já ia adiantada, mas não quizeram.
Quizeram apenas a lei de meios, para d'ahi a poucos dias se constituirem em dictadura
Eu trago este facto porque vi os illustres deputados da minoria fazerem ainda da dictadura um ponto de accusaçção contra o governo
Trago para aqui tambem esta dictadura, porquanto a dictadura póde ser um grande mal e póde ser um grande bem.
Em todo o caso a dictadura justifica-se pela necessidade, justifica-se pelas circumstancias.
Têem havido dictaduras de conquistadores, dictaduras de restaurador es e dictaduras de pacificadores; mas aquella a que me refiro, a de 1881, foi, permitta-se-me a expressão usada nas academias, foi a dictadura dos cabulas. (Riso.)
Agora o governo foi accusado por ter feito dictadura j e accusado por quem?
Exactamente pelos dictadores anteriores: pelo sr. Dias Ferreira, que folgo de ver presente, e pelo sr. Lopo Vaz.
Ambos estes cavalheiros foram dictadores; mas em que circumstancias? That is the question. Esta é que é a questão.
Póde alguem justificar a dictadura de 1881? «Não póde. (Apoiados.)
As circumstancias não a justificam, emquanto que as circumstancias em que o governo actual fez dictadura, justificam-a completamente.
Eu pediria ao sr. Dias Ferreira, que me dissesse simplesmente, com aquella imparcialidade com que s. exa. só apresenta n'esta casa, ou pelo menos com que diz que se apresenta, pediria a s. exa. que me dissesse se, sendo chamado ao poder na occasião em que foram chamados os actuaes ministros, s. exa. acceitaria o poder sem a condição de fazer dictadura!
S. exa. conhece perfeitamente as circumstancias que se davam; sabe que o governo regenerador, já gasto e muito gasto, teve de deixar o poder; o em que circumstancias?
Qual era o estado da fazenda publica?
Qual era o estado da administração?
Era possivel a um governo qualquer, que não fosse regenerador, governar sem dictadura?
A um governo, que não fosse regenerador, era impossivel governar, não digo já um anno ou dois, mas alguns mezes, sem fazer dictadura. S. exa. ha de concordar com isto.
V. exa. ha de convir que ora inteiramente impossivel.
Mas estes dictadores depois o que foram? Uns despotas, e primeiro que tudo uns imprevidentes e uns esbanjadores; abusaram do poder e desperdiçaram os dinheiros publicos.
Não poderam reprimir a desordem, e os illustres deputados da opposição que encetaram o debate, principiaram até por intimar o governo a que saisse já d'aquellas cadeiras, porque não poderá manter a ordem, etc.
E é notavel que na occasião em que havia alguns tumultos no reino, estes cavalheiros apresentaram se aqui e diziam ao governo: «sáia d'ahi porque ha tumultos!» Mas é exactamente o contrario d'aquillo que deviam fazer. (Apoiados)
Os deputados da opposição, quando ha tumultos, unem-se ao governo para restabelecer a ordem e depois de restabelecida, chamam o governo á responsabilidade; assim é que tem feito, assim é que se faz em todos os outros parlamentos. (Apoiados.)
Houve tumultos, dizem os illustres deputados, e o paiz está agitadíssimo? Oh! senhores, eu olho para todo o paiz com muita attenção, e não diviso symptoma de agitação.
Pergunto, quem é que está agitado no paiz? Está agitada a opposição parlamentar, a imprensa, e nada mais: a opposição parlamentar está agitada aqui no parlamento, porque lá fóra os srs. deputados vivem muito tranquillos, sem inquietações, e cumprindo em santa paz os seus deveres civis e religiosos. (Apoiados.)
Não ha tal agitação.
Houve. Mas ,porque houve os tumultos? No Pombal, por exemplo, houve tumultos por causa do inquerito agricola. Mas então os illustres deputados viessem aqui e Dissessem: «O inquerito agricola é uma cousa muito má, o povo não póde soffrer o inquerito agricola, que é uma iniquidade, uma injustiça que ao povo se faz; o povo já reclamou contra elle, o povo já representou ao governo, ao parlamento e ao chefe do estado contra o inquerito agricola, mas foi desattendido e por consequencia revol-

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tou-se!» Então o governo seria culpado de motivar os tumultos.
Mas é sabido que os tumultos foram motivados pelo inquerito agricola em consequencia d'aquelles que se amotisaram não saberem o que era o tal inquerito, porque do ordinario o nosso povo, menos illustrado, apenas vê os agentes da auctoridade a olharem para as suas propriedades, já cuida que vão oneral-o com mais impostos. A este respeito lembra me um facto acontecido, não ha muito tempo, na ilha Graciosa.
Um sabio que chegou ali, amador de geologia, quiz observar uma cratera; foi vel-a e quiz medil-a. Pois o povo quando viu o homem medir a cratera, correu immediatamente ao logar onde elle estava, e as auctoridades tiveram muita difficuldade em lhe salvar a vida, porque o povo entendia que o homem ía medir o terreno para lhe augmentar as contribuições. (Riso.)
E assim o povo.
Tratou-se do inquerito agricola, e alguns entenderam que se fazia isso para onerar o povo com mais impostos, o não sei só houve quem aproveitasse esse pendor que tem o povo para acreditar que o querem onerar com mais impostos.
É possivel que houvesse e é tambem possivel que não houvesse.
Alguns illustres deputados hão de estar lembrados de que, quando estava no poder o sr. marquez de Thomar, mandou se proceder a um arrolamento Todos nós sabemos o que aquillo era, para que servia e que utilidade tinha
Pois o povo capacitou-se do que se fazia isso para inventariar todos os bens de Portugal e vendel-os aos inglezes.
E, não digo que não tivemos n'isso alguma culpa, (Riso.) aproveitou se, por parte do partido progressista, este falso juizo formado pelo povo para fomentar a revolta contra o governo d'aquella epocha.
Se hoje tambem se aproveitasse a disposição do povo, não me admiraria (Riso. -Apoiados.)
Houve tambem ora Cantanhede uns tumultos por causa da junta de parochia, em cujo acto o governo não interveiu, porque não pensava, nem mesmo podia pensar, no que lá ella estava fazendo.
Mas, em todo o caso, é certo que houve uns tumultos, e o que havia de fazer a auctoridade?
A auctoridade, conscia do seu dever, tinha de empregar os meios suasorios para que os tumultos cessassem; e no caso d'esses meios suasorios não produzirem o necessário effeito, tinha de recorrer então á força publica.
Foi exactamente o que o fez.
Mas o que fizeram os insurgentes? Resistiram á força publica. Para que resistiram? Já tinham esgotado porventura os meios legaes que as leis vigentes lhes garantia para fazer executar os seus direitos? (Apoiados.) Não tinham representado a ninguem. (Apoiados.) Revoltaram-se, e ficaram feridos uns, e outros mortos.
Eu lamento muito estes factos, mas não fossem lá. (Apoiados. ) Lamento que houvesse estes excessos, porque lamento as desgraças de todos os loucos.
Mas queria a illustre opposição que a auctoridade, devendo, como devia, restaurar a ordem, permittisse que a força publica fosse desconsiderada, e que a auctoridade ficasse desprestigiada? (Apoiados.)
Isso de modo nenhum se devia fazer; se tal se fizesse, a opposição bradaria, e com rasão, contra actos d'esta ordem, o bem sabem que, quando fosse ao poder, acharia um pessimo precedente se encontrasse a auctoridade desprestigiada e a força publica desrespeitada. (Apoiados)
Aqui está o que houve a respeito dos tumultos. Arguam o governo no caso de ter havido abusos do auctoridade, e não tendo o governo reprimido esses abusos; arguam-n'o então, mas antes foge-lhes todo o direito do arguil-o. (Apoiados.)
Vem tambem a opposição arguir o governo de onerar o povo com novos impostos; mas realmente ainda não disseram quaes são estios novos impostos. (Apoiados.)
O governo, longe de crear novos impostos, aboliu um imposto grave e vexatorio, que foi o imposto do sal. (Muitos apoiados.)
Dizem agora os illustres deputados da opposição, e eu alegro-me com isto, que o povo não póde nem deve pagar mais. Perfeitamente de accordo; mas houve tempo em que a regeneração dizia aqui pela boca do seu fallecido chefe que o povo podia e devia pagar mais. (Apoiados.)
Então o povo podia e devia pagar mais, e depois d'isto a regeneração tem estado no poder quasi sempre, e vem agora os illustres deputados d'esse partido dizer, e muito bem, que o povo não pode nem deve pagar mais! (Apoiados.)
Segue-se d'aqui que o povo podia e devia pagar mais; mas como a regeneração esteve quasi sempre no poder, o povo já não póde pagar mais porque ella o esgotou. (Apoiados.)
Vozes: - Deu a hora.
O Orador: - Como deu a hora, peço a v. exa. que me reserve a palavra para amanhã.
O sr. Presidente: - Os srs. Julio de Vilhena e Arroyo tinham pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão; como deu a hora, vou consultar a camara.
Foram auctorisados a usar da palavra.
O ar. Julio de Vilhena: - O illustre deputado o sr. Consiglieri Pedroso levantou hontem n'esta assembléa uma questão importante, citou urna resposta da parte do sr. ministro dos estrangeiros, resposta que não está em harmonia com a gravidade do assumpto, porque não resolve completamente a questão. (Apoiados.)
O illustre deputado, o sr. Consiglieri Pedroso, mostrou claramente, o eu tenho diante de mim esse documento, a Gazeta de Madrid, que, segundo o relatorio apresentado pelo governo hespanhol, Portugal foi consultado pelo governo da nação vizinha para saber se havia ou não de fazer os convites para a exposição que se ha de realisar em Madrid, conjunctamente com o governo portuguez. A asserção do sr. Sagasta, presidente do conselho de ministros no reino vizinho, é tão peremptoria e clara, que não admitte a mais pequena duvida. As palavras de s. exa. diziam claramente que os dois governos de Portugal e Hespanha convidarão as nações hispano-americanas e o imperio do Brazil; por consequencia, contem-se a asserção clara, precisa e categorica n'este documento, de que o governo portuguez foi consultado para o effeito de se saber se havia ou não de fazer os convites conjunctamente com o governo hespanhol para a exposição que se ha de realisar em Madrid.
O presidente do conselho de ministros de Hespanha affirmou claramente n'um documento official, que a resposta do governo portuguez foi favoravel, e que os dois governos vão conjuntamente fazer os convites.
O illustre ministro dos negocios estrangeiros, respondendo ao esclarecido deputado o sr. Consiglieri Pedroso, disse que, segundo o artigo 1.° do decreto, Portugal era convidado, mas não convidava. Supponhamos que é essa a interpretação do artigo l,°.
Ha motivo para duvidar d'esta interpretação, porque se não comprehende que o sr. Sagasta dissesse que o governo de Hespanha e o governo de Portugal haviam de convidar conjunctamente os governos hispanos-americanos, e ao mesmo tempo declarasse no artigo 1.° do seu decreto que o governo portuguez era convidado e não convidava, segundo a interpretação do sr. ministro dos estrangeiros; alem de que, Portugal póde ser convidado para fazer os convites conjunctamente com a Hespanha ás nações hispano-americanas.
Parece que é esta a interpretação que deve ter o artigo 1.°
Quer porém tenha ou não, o que é evidente é que são

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duas asserções inteiramente contrarias; uma proferida pelo gabinete hespanhol em que se diz que Portugal faz conjunctamente com a Hespanha convites para a exposição, e outra pelo gabinete portuguez, em que se diz que isso não é exacto, porque Portugal vae simplesmente á exposição como convidado, e não convidando as outras nações.
Pergunto : a questão póde ficar no terreno em que o illustre ministro dos estrangeiros a collocou, isto é, em frente de duas asserções completamente contradictorias, proferidas pelos dois governos da peninsula? De maneira alguma.
Qual é o acto praticado pelo illustre ministro dos estrangeiros, desde que s. exa. foi advertido pelo sr. deputado Consiglieri Pedroso, com relação a este assumpto?
Porque se o que s. exa. disse ó a verdade, isto é, que Portugal não convida, mas é convidado, é manifesto que a asserção do sr. Sagasta é infundada, provém de um equivoco talvez, ou pelo menos é contradictada pelo nobbre ministro dos estrangeiros
Veja o br. ministro dos negocios estrangeiros como sáe da situação em que se collocou.
Creio que ha um equivoco do sr. Sagasta, por quem tenho a maxima consideração, não só por ser um homem eminente, mas pelo conhecimento pessoal que tenho de s. ex.ª.
A asserção do sr. Sagasta, se representa um facto verdadeiro, eu não posso deixar do por elle increpar violentamente o governo portuguez.
Não comprehendo como Portugal vae fazer convite para uma casa que não é sua.
Mas ha mais; n'este decreto diz-se terminantemente o seguinte.
(Leu.)
Como é que se póde permittir que Portugal se una com a Hespanha para fazer convites para uma exposição em terra que não é portugueza, e essa exposição seja dirigida sob as vistas de diplomatas hespanhoes, e não d'elles e dos portuguezas conjunctamente?
É eminentemente grave esta questão, se o sr. ministro dos negocios estrangeiros não der as providencias diplomaticas necessarias para que se esclareça este assumpto do maneira a tirar todas as apprehensões ao espirito portuguez, que como elle está preocupado. (Apoiados.)
Nós precisâmos de viver sempre com a Hespanha nas melhores relações de cordialidade e amisado, mas v. exa. sabe que n'estas questões que affectam a dignidade nacional, somos ciosos e ás vezes exagerados no amor pela nossa independencia, mas é desculpavel esse sentimento de querer manter tudo quanto é necessário para affirmal a.
O governo devia comprehender que é este o sentimento do paiz e devia abster se de praticar todo o qualquer acto, embora nas melhoras intenções, d'onde podessem surgir apprehensões, embora bem fundamente, no espirito publico.
Eu exijo da parte do nobre ministro dos negocios estrangeiros um explicação clara, precisa e categorica a esto respeito.
A asserção proferida pelo sr. presidente do conselho do reino vizinho, e verdadeira ou não?
Portugal e convidado ou convida?
E se é convidado, desejo saber como é que s. exa. ha de obter uma explicação ás palavras proferidas pelo sr. Sagasta.
Vozes: - Muito bem
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Eu não posso senão corroborar o que disse hontem perante a camara; isto é, que o governo portuguez acerca da exposição e das festas no centenario de Colombo, projectadas em Madrid em 1892, não tem outro conhecimento, official senão o que resulta de uma communicação verbal que por duas vezes me foi feita pelo representante de Hespanha n'esta côrte, indicando apenas a intenção d'aquelle governo, de celebrar o referido centenario, uma intenção e mais nada. E da parte do governo portuguez, a quem foi communicada verbalmente, esta intenção, houve resposta tambem verbal em abril ou maio de 1886, isto é, ha dois annos, de que o governo portuguez; gostosamente se associaria a uma manifestação d'esta natureza dando a sua adhesão em principio, salva a apreciar a maneira como essa adhesão mais tarde poderia traduzir-se em factos. Não ha mais nada do que isto.
Portanto todo e qualquer convite em commum, todo e qualquer programma de festejos, toda e qualquer combinação dos dois governos em figurarem uma iniciativa em commum, não existe por parte do governo portuguez; poderá haver esse plano da parte do governo hespanhol, mas se assim e, nada nos foi a tal respeito communicado.
Assim d que eu interpreto aquelle decreto, que não me cumpre discutir nem defender n'esta camara.
Poderá haver alguma intenção d'aquelle governo em se dirigir a Portugal n'esse sentido; se assim for, nós resolveremos livremente o que nos cumpre fazer conforme dictarem as conveniencias publicas, e as justas deferencias para com o gabinete de Madrid.
E esto o desejo sincero que temos; queremos viver nas melhores relações com uma nação vizinha e amiga. (Apoiados.)
N'uma questão d'esta ordem cumpre ter sempre em vista que d'ella não resultem quaesquer attritos ou dificuldades, ou menos boa vontade, que venham preturbar as relações entre as duas nações.
E essas relações são hoje as mais cordiaes, o desejarei, pela minha parte, quanto em mim caiba, que se conservem com esse caracter ou ainda se acentue mais essa boa cordialidade que resulta, em parte, da convicção profunda que deve existir entre os dois governos, de que é possivel vivermos bom como bons vizinhos, cada um em sua casa.(Apoiados)
Eu supponho que esta convicção, que está gravada no cotação do todos os portuguezes, é profundamente respeitada pelo governo hespanhol, e que estas relações de cordialidade se hão de accentuar cada vez mais, que é o que todas nós desejâmos de um e outro lado da peninsula, sem que d'ahi resultem perigos ou ameaças para a independencia de cada um.
Encaremos, pois, a questão de que se trata independentemente do que possa dizer-se no relatorio, que não tenho de defender nem de atacar, consideremos antes as disposições do decreto que suo claras e parciaes, e vejamos ainda, e muito particularmente n'esse mesmo relatorio, o tem de amisade, respeito e consideração pela nossa nacionalidade, pelos serviços por nós prestados, que fazem com que aquelle governo manifeste, por uma ou outra fórma, o desejo de que quizessemos associar-nos aos seus esforços para se tornar mais brilhante a commemoração de um lacto que assignala uma data maravilhosa na historia da humanidade, commemoração que não é unicamente de uma nação, porque deve a camara notar, e não cereço chamar a attenção de um cavalheiro tão illustrado como o sr. Julio de Vilhena para este tacto, que este individuo gloriosissimo, cujo centenário se quer celebrar, nem sequer era hespanhol de nascimento. Trata-se de um facto de caracter o alcance universal como o que mais o tenha; e é natural que a nação portugueza, origem primordial de todas as grandes descobertas maritimas, e especialmente a Hespanha, que aproveitou os serviços d'aquelle grande homem, tomem iniciativa na glorificação d'aquelle facto que interessa á humanidade inteira.
Portanto, não esqueçâmos n'este momento, ao definir a posição clara e precisa em que o governo portuguez está collocado, e ao definil-a por fórma que me parece que deve satisfazer os illustres deputados, e é esse o meu anhelo, não esqueçamos, digo, uma vez restabelecida a verdade dos factos, não esqueçâmos que o espirito que predomina n'aquelle documento, é o espirito de consideração para com esta na-

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ção; é o espirito de estima e de respeito para com Portugal pelos grandes e inolvidaveis serviços que nós prestámos, confessando a Hespanha que a iniciativa d'esse periodo gloriosissimo pertence toda á nossa nacionalidade.
O presidente de conselho da nação vizinha é um homem eminente e é elle que assim commemora em phrase eloquente o que constituo a gloria, a honra e o brio da historia de Portugal.
Emquanto ao mais, o governo portuguez não tem outros compromissos com o governo hespanhol, senão os que resultam da simples conferencia verbal a que alludi, e era que nos foi annunciado pelo representante de Hespanha n'esta côrte o intuito do governo hespanhol celebrar brilhantes festas por occasião do centenario de Colombo e de nos perguntar se Portugal annuina a concorrer a essas festas, sem sequer se definir de modo completo o caracter dos festejos com que a Hespanha quer celebrar tão glorioso centenario.
O sr. Arroyo: - Pedira a palavra por que desejava tratar do mesmo assumpto a que só referiu o sr. Julio de Vilhena.
Vozes: - Ora, Ora!
Outras vozes: - Já deu a hora.
O Orador: - Pois um assumpo que o sr. ministro dos negocios estrangeiros disse que era de importancia universal, v. exa. nem ao menos o querem considerar de importancia?!
O sr. Laranjo: - É de importancia, mas não é urgente.
O Orador: - Continuando com as suas observações diz que as considerações apresentadas pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros não podem satisfazer, porque são perfeitamente contradictorias.
Em primeiro logar s. exa. estabeleceu uma norma na pasta da administração, que lhe está confiada, completamente excepcional.
S. exa., referindo-se ao relatorio do presidente do conselho de ministros do paiz vizinho, declarou que não tinha que intervir com a sua iniciativa propria no que se ha no relatorio do sr. Sagasta...
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Se v. exa. m'o permitte, dir-lhe-hei que, pelos meios communs, por meio da conversa que tive com o digno representante da nação vizinha, eu não deixei de accentuar a posição em que nos encontrâmos, mas não posso acrescentar mais nada, porque me não cumpre discutir aqui os actos do governo vizinho; mas não nego ao illustre deputado o valor que tem um documento d'esta ordem.
O Orador: - S. exa. não precisava introduzir novas praticas na secretaria dos estrangeiros; s. exa. pedindo, o que pediu o sr. Julio de Vilhena, isto é, uma retractação das palavras do sr. Sagasta, não pedia uma cousa que fosse contraria ás praticas diplomaticas.
Era legitimo o direito do governo portuguez de pedir explicações ao governo do reino vizinho acerca de algumas phrases do relatorio, e era dever de s. exa. desde que essas phrases destoavam d'aquillo que se passou entre os dois governos, como destoava da propria letra do artigo do decreto.
Que isto nada tinha com as relações que devem existir entre os dois governos, e pelas quaes fazemos votos completos, mas era um indicação de hombridade que deve assistir aos governantes de uma nação.
Era, pois, necessario que o sr. ministro dos negocios estrangeiros peça essas explicações o faça ver que Portugal não abdicou da sua individualidade nacional.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da que estava dada e mais o projecto n.° 254 do anno passado.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e vinte e cinco minutos da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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