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N.º 39

SESSÃO DE 7 DE MARÇO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Antonio José da Costa Santos

Secretarios - os exmos. srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Eduardo Simões Baião

SUMMARIO

Lido o expediente, tem segunda leitura um projecto de lei do sr. Carlos Braga e outro dos srs. Manuel Fratel e Cabral Moncada. - Os srs. Santos Viegas e Teixeira de Vasconcellos apresentam representações, aquelle dos negociantes de gado suino o salchicharia, estabelecidos em Lisboa e Aldeia Gallega, e este dos ex-arbitradores judiciaes da comarca de Baião. - O sr. Moraes Carvalho (Sobrinho), apresenta um projecto de lei, tornando obrigatoria a vaccinação, e faz varias considerações sobre serviços de saude publica. Responde-lhe o sr. ministro do reino, a quem o sr. Moraes Carvalho (Sobrinho) agradece. - O sr. Antonio de Campos apresenta varios requerimentos de officiaes do exercito, ácerca do decreto de 10 de janeiro de 1895 - O sr. Abilio Beça manda para a mesa uma representação dos guardas do gabinete de physica e da bibliotheca do lyceu central do Porto - O sr. presidente participa que a commissão de redacção não fez alteração no projecto n.° 10.

Na ordem do dia discutem-se, e approvam-se, os seguintes projectos de lei: n.° 15, confirmando o decreto de 5 de julho de 1894, que auctorisou a creação dos syndicatos agricolas, que é approvado sem discussão; n.º 13, confirmando o decreto de 15 de dezembro de 1894, relativo aos criminosos reincidentes, á mendicidade e á vadiagem, tomando parte no debate os srs. Amadeu Pinto, Abilio Beça (relator), Teixeira Gomes e ministro da justiça (Antonio d'Azevedo Castello Branco): n.º 14 (que não teve discussão), que trata da revisão dos processos para rehabilitação dos réus. É approvado na generalidade, ficando pendente a especialidade, o projecto de lei n.° 18, sobre a criminalidade dos alienados. - O sr. presidente declara que a commissão de redacção não fizera alteração alguma aos projectos n.º 152 e 16.

Abertura da sessão - Ás tres horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada, 45 srs. deputados. São os seguintes: - Aarão Ferreira de Lacerda, Abilio Augusto de Madureira Beça, Alberto Antonio de Moraes Carvalho (Sobrinho), Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alfredo de Moraes Carvalho, Antonio Adriano da Costa, Antonio de Almeida Coelho de Campos, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio d'Azevedo Castello Branco, Antonio Hygino Salgado de Araujo, Antonio José da Costa Santos, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Velloso da Cruz, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Dias Dantas da Gama, Carlos de Almeida Braga, Conde de Pinhel, Conde de Valle Flor, Conde de Villar Secco, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Francisco Rangel de Lima, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jeronymo Osório de Castro Cabral e Albuquerque, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Marcellino Arroyo, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim José de Figueiredo Leal, José Adolpho de Mello e Sousa, José Antonio Lopes Coelho, José Joaquim Aguas, José dos Santos Pereira Jardim, José de Vasconcelos Mascarenhas Pedroso, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz de Mello Correia Pereira Medello, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel de Bivar Weinholtz, Manuel Joaquim Ferreira Marques, Manuel Joaquim Fratel, Manuel Jose de Oliveira Guimarães, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Thomás Victor da Costa Sequeira, Visconde do Banho, Visconde da Idanha, Visconde de Leite Perry e Visconde de Tinalhas.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Agostinho Lucio da Silva, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Teixeira de Sousa, Augusto Cesar Claro da Ricca, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Jacinto José Maria do Couto, João Alves Bebiano, João da Mota Gomes, Joaquim do Espirito Santo Lima, José Dias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, José Gil Borja Macedo e Menezes (D.), José Mendes Lima, José Teixeira Gomes, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel Pedro Guedes, Miguel Dantas Gonçalves Pereira e Theodoro Ferreira Pinto Basto.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adolpho da Cunha Pimentel, Amandio Eduardo da Mota Veiga, Antonio Barbosa de Mendonça, Antonio Candido da Costa, Antonio de Castro Pereira Corte Real, Antonio José Boavida, Antonio José Lopes Navarro, Augusto Victor dos Santos, Bernardino Camillo Cincinnato da Costa, Conde de Anadia, Conde do Jacome Correia, Conde de Tavarede, Diogo José Cabral, Diogo de Macedo, Fidelio de Freitas Branco, Francisco José Patrício, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio José Franco, Jacinto Candido da Silva, Jayme Arthur da Costa Pinto, Jayme de Magalhães Lima, João José Pereira Charula, João Lopes Carneiro de Moura, João Maria Correia Ayres de Campos, João Rodrigues Ribeiro, José Bento Ferreira de Almeida, José Coelho Serra, José Correia de Barros, José Freire Lobo do Amaral, José Joaquim Dias Gallas, José Luiz Ferreira Freire, José Marcellino de Sá Vargas, José Maria Gomes da Silva Pinheiro, José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa Junior, Julio Cesar Cau da Costa, Licinio Pinto Leite, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Maria Pinto do Soveral, Luiz de Sampaio Torres Fevereiro, Manuel Bravo Gomes, Manuel Francisco Vargas, Manuel de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Quirino Avelino de Jesus, Romano Santa Clara Gomes, Visconde do Ervedal da Beira, Visconde de Nandufe, Visconde de Palma de Almeida e Wenceslau de Sousa Pereira de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

De D. Guilhermina de Battaglia Ramos, agradecendo á camara as manifestações de condolencia prestadas á memoria de seu marido João de Deus, assim como a votação da pensão que lhe foi concedida.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Considerando que os direitos de aposentação e reforma noa serviços publicos determinados por lei,
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não podem nora devem ser postergados com prejuizo do jus que pertence a quem transita de uma para outra ordem de serviços, desde o momento em que ambos tenham a devida aposentação, e, achando-se n'este caso o reverendo Alexandre José de Carvalho, que exerceu o logar de professsor official de instrucção primaria na freguezia de Luso, concelho da Mealhada, districto de Aveiro, desde 25 de agosto de 1869 a 31 de outubro de 1871, logar que tem aposentação, e sendo actualmente o referido ecclesiastico capellão do exercito por decreto de 21 de novembro de, 1871, a exemplo do que tem sido reconhecido em casos similhantes, legalisada a contagem do tempo de professor, temos a honra do propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É contado ao reverendo Alexandre José de Carvalho, capellão do regimento de infanteria n.° 6 para o effeitos da reforma, o tempo de serviço que tem como professor official de instrucção primaria na freguezia do Luso concelho da Mealhada, desde 25 de agosto de 1869 a 3 de outubro de 1871.

& unico. Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 6 de março de 1896. = O deputado Carlos de Almeida Braga.

Lido na mesa, foi admittido e enviado às commissões de fazendo, de instrucção primaria e secundaria.

Projecto de lei

Senhores. - Os operarios e artistas de Portalegre fundaram em 1888 uma associação denominada: "Associação de SOCCOITOB mútuos, monte pio operário artístico portale grense" cujos primeiros estatutos foram approvados por alvará de 24 de abril de 1889 e os ultimos por alvará de 24 de acosto de 1893.

Os fins d'esta associação, conforme consta do artigo 1.° dos sem estatutos, são soccorrer os socios temporária ou perpetuamente, impossibilitados de trabalho, creando para os que estiverem nas ultimas condições pensões que lhes garantam a subsistencia, concorrer para as despezas do funeral dos que fallecerem e dar às viuvas d'estes pensões; e finalmente estabelecer para uso dos socios uma escola, bibliotheca e salas de estudo.

Pelo exposto se vê que o fim da associação consiste em melhorar a sorte dos associados, em regra tão desvalidos da fortuna, já fornecendo-lhes e ás suas pobres familias garantias de uma modesta subsistencia, que de outro modo lhes faltaria por completo, já contribuindo para a sua maior moralisação por meio do ensino; e porque este e o seu fim, não póde a referida associação deixar de impor-se a vossa attenta consideração e de recommendar-se ao vosso humanitario sentimento.

Os recursos ordinarios d'esta associação são modestissimos, como facil é de ver, por derivarem das jóias e das quotas de associados, umas e outras de insignificante valor, visto serem pagas por individuos que só mediante grave sacrificio podem soffrer nos seus acanhados salários o encargo de qualquer deducção; e porque assim é, se vê ella obrigada a tentar por vezes fontes extraordinarias de receita, taes como recitas, festas e outras diversões, cujo producto reverte a favor dos seus cofres.

Para angariar recursos lembrou-se a associação em 1893 do effectuar uma rifa de alguns objectos, que recebeu como donativos dos protectores seus, e, para levar a termo a sua idéa, procurou vender bilhetes, que fez em numero de 6:000, a 500 mais cada um mas dos quaes apenas conseguiu vender 4:000 aproximadamente. Succede, porém, que n'esta altura interveiu a fazenda nacional, exigindo-lhe, nos termos das leis, o pagamento de um imposto de sêllo, que já seria bastante grave para a, associação se incidisse sobre o producto dos bilhetes realmente vendidos, mas que, pela forma por que é exigido, se converte em gravissimo, visto dever incidir sobre a totalidade dos bilhetes emittidos, e ainda sobre o valor, relativamente grande, dos objectos rifados. Ora, considerando que se é certo que a falta de pagamento deste imposto não lesará por modo apreciável as receitas publicas, não é menos certo que aquella associação de caridade soffrerá com elle prejuizo na receita que tem a esperar da fonte extraordinária a que recorreu; e considerando mais que estabelecimentos d'esta ordem, que tanto se recornrnendam pelos seus fins de caridade e moralisação, devem antes merecer da sociedade protecção do que rigor, temos a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É dispensada a associação que existe em Portalegre, denominada "Associação de soccorros mútuos, monte pio operario artistico portalegrense, do pagamento de qualquer imposto, que segundo as leis for devido pela rifa de uma mobilia de quarto, um piano e outros objectos, que ella emprehendeu no anno de 1893 e ainda não ultimou, emittindo então 6:000 bilhetes.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 6 de junho de 1896. - Os deputados, Manuel Fratel = Francisco Xavier Cabral de Oliveira Mancada.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

O sr. Presidente: - Alem do orneio, que já foi lido, da sr.ª D. Guilhermina Battaglia Ramos, agradecendo não só as homenagens prestadas pela camara á memoria de seu marido, João de Deus Ramos, mas, igualmente, a pensão que a camara votou para ella e seus filhos, está tambem na mesa um officio da direcção do gremio litterario portuguez do Para, felicitando o paiz, representado nesta camara, pelos gloriosos feitos alcançados pelas nossas tropas em Africa.

O sr. Santos Viegas: - Mando para a mesa uma representação dos negociantes de gado suino e de salchicharia, estabelecidos em Lisboa e Aldeia Gallega.

Pedem elles, que na pauta se não introduza alteração alguma nos direitos a pagar sobre unto e banha estrangeira.

Pelas rasões especiaes que fundamentam esta representação, peço á commissão, a quem ella tem de ser enviada, que a attenda, como é de justiça.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: - Mando para a mesa uma representação dos
ex-arbitradores da comarca de Baião.

Peço a v. exa. que se digne mandal-a á commissão que tem de dar parecer sobre o projecto de lei de um nosso collega, relativo a este assumpto, para que ella o considero com solicitude e justiça.

Disse.

As representações vão, por extracto, no fim da sessão.

O sr. Moraes Carvalho Sobrinho: - Sr. presidente, mando para a mesa um projecto de lei que tem por fim tornar a vaccina obrigatoria no paiz.

Sem duvida, uma lei de vaccinação obrigatoria deve produzir beneficos resultados, identicos aos que se têem dado em Inglaterra e na Allemanha, onde as estatísticas demonstram que a varíola vae desapparecendo.

Em Portugal ninguem contesta a utilidade da vaccina; mas, infelizmente, ainda ha muitas pessoas que têem o desleixo condemnavel de não mandarem vaccinar os
filhos; e d'esta falta resulta morrerem todos os annos centenares de creanças e adultos, victimados pelas bexigas.

Vou ler o projecto de lei, que tenho a honra de mandar para a mesa.

É o seguinte:
"Artigo 1.° Todas as creanças serão vaccinadas dentro do primeiro anno de idade.

"Art. 2.° Haverá vaccinação gratuita, semanalmente, em todas as cabeças dos concelhos.

"Art. 3.° Os paes, tutores, ou pessoas responsaveis, das

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creanças, que não forem vaccinadas dentro dos primeiros doze mezes de idade, incorrem na multa de 30$000 réis.

"§ unico. O administrador do concelho, ordenará, immediatamente, a vaccinação das creanças, a que se refere este artigo.

"Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

"Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 7 de março de 1896. = Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, deputado pelo circulo de Vizeu."

Peço a v. exa. se digne dar-lhe o destino conveniente.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para chamar a attenção do sr. ministro do reino sobre a necessidade urgente de se reformar o nosso regulamento de sanidade maritima, no sentido de se modificarem as quarentenas sem prejuiso para a saude publica.

E sabido que todos os annos muitos estrangeiros deixam de vir a Portugal por causa dos rigores e vexames quarentenarios, e por este mesmo motivo deixam de se effectuar algumas transacções commerciaes importantes; estes factos podem representar consideravel prejuiso para o commercio e outras classes da sociedade.

Quando, porém, a saude publica exigisse quarentenas rigorosas, então todos os rigores devem ser mantidos com firmeza pelo governo e supportados com resignação pelo povo, porque a saúde publica é uma das primeiras condições para a prosperidade das nações, assim como a saúde individual é o supremo bem que o homem póde gosar na vida.

Quer-me parecer, pois, sr. presidente, que, com os processos novos de desinfecção e a applicação de alguns preceitos de hygiene internacional, as quarentenas deviam ser consideravelmente attenuadas.

O governo tem dado provas de que se interessa pelo progresso da hygiene em Portugal; o governo creou o posto de desinfecção em Lisboa, que está prestando valiosos, serviços no sentido de impedir o desenvolvimento e propagação do doenças infectuosas.

Pena é que não se tenham estabelecido postos de desinfecção em outras cidades e terras importantes do reino, porque hoje está bem averiguado e bem assente que os postos de desinfecção, os hospitaes de isolamento e os institutos de vaccinas, são os meios mais eficazes e mais poderosos, com que nós podemos combater a invasão das epidemias e o contagio das doenças transmissiveis. O governo tamhem reformou e ampliou o instituto de bacteriologia, que foi creado pelo sr. conselheiro Dias Ferreira. A este instituto vão centenares de pessoas, procedentes dó todos os pontos do paiz, receber as vaccinações contra a raiva, e o estado economisou alguns contos de róis que todos os annos gastava em viagens e estada em París, d'esses infelizes que tinham sido mordidos por animaes enraivados.

Hoje o instituto bacteriologico tambem presta um outro beneficio importantíssimo para a saúde publica; tambem hoje ali se applicam as inoculações do soro contra a diphteria, contra essa horrorosa doença que faz succumbir em poucas horas, nas angustias de cruel asphyxia, formosas creanças que pouco antes, com os risos e graças da infancia, eram o encanto e o enlevo mais affectuoso dos seus estremosissimos paes.

Estes dois estabelecimentos, o posto de desinfecção em Lisboa e o instituto bacteriologico, mostram que Portugal não está n'um atraso de hygiene tão lamentavel como julgara alguns espiritos pouco reflexivos.

É certo que nós temos ainda falta de muitos estabelecimentos, que são necessários para salvaguardar os interesses da saúde publica. Não temos laboratórios de analyse alimentar; e dessa falta procede que não se póde exercer; uma fiscalisação efficaz sobre a alimentação publica, não se podem conhecer facilmente as muitas e variadissimas falsificações de generos alimenticios, que se praticam todos os dias pela cubica de lucros extraordinarios.

Nós não temos estabelecimentos de banhos publicos por preços exiguos, como existem em muitas cidades da Europa e da America. Portugal ainda não tem um unico instituto de vaccina animal creado e sustentado pelo estado; e hoje esses institutos multiplicam-se na França, na Italia, na Allemanha e em outros paizes, porque se reconhece que têem vantagens importantes sobre os institutos de vaccina humana. Nós não temos um sanatorio para o tratamento da tuberculose, que é a doença que maior mortalidade produz em todas as nações do mundo.

Eu bem sei, sr. presidente, que as circumstancias angustiosas do thesouro publico não permittem larguezas nos dispêndios; quer-me parecer, porém, que alguns melhoramentos, que alguns progressos hygienicos se poderiam ir realisando dentro das forças actuaes dos cofres publicos.

Sr. presidente, vou concluir porque não desejo abusar da benevolencia da camara, mas ao terminar peço ao sr. ministro do reino se digne accelerar os estudos e trabalhos necessários para a reforma do regulamento de sanidade maritima.

Com esta reforma ir-se-hão favorecer os interesses commerciaes, e facilitar as relações de Portugal com os outros paizes, principalmente com o Brazil, nação amiga, a quem nos ligam paternaes affectos e valiosissimos interesses.

(Apoiados.)

O projecto de lei ficou para segunda leitura.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Pedi a palavra para dizer ao illustre deputado que, tanto quanto dependa de mim, terei muito prazer em satisfazer os seus desejos.

No verão passado chamei em especial a attenção da junta de saúde para o assumpto a que o illustre deputado só referiu.

Esta junta, como o illustre deputado, que é um medico muito distincto e funccionario muito prestante, sabe perfeitamente, é composta de elementos que representem evidentemente na medicina de Lisboa o que ha de mais competente e mais illustrado. (Apoiados.) Ali estão reunidos todos os differentes elementos habeis para a boa resolução de qualquer questão scientifica.

Como o illustrei deputado e a camara sabem também, no seio da junta
levantaram-se sobre este assumpto fortes e pronunciadas divergencias. Medicos muito abalisados e distinctos na especialidade sanitaria pronunciaram-se abertamente contra qualquer modificação importante no regimen de sanidade maritima actual. Outros, pelo contrario, manifestaram a opinião de que o assumpto, sendo estudado, podia determinar qualquer modificação importante n'esse regulamento.

Foi nomeada uma commissão para estudar o assumpto. Até agora não apresentou os seus trabalhos; não, porque não seja muito trabalhadora e zelosa no cumprimento dos seus deveres, mas, porque, como disse, a questão apresenta-se muito difficil de resolver.

Se, em logar de se tratar de uma questão technica e profissional, se tratasse de uma questão meramente administrativa, o illustre deputado podia pedir sobre ella o meu modo de pensar e de ver sobre qualquer hesitação que houvesse por parte das corporações consultivas, mas num assumpto desta natureza, difficil pelo lado technico e profissional, como já tive ensejo de dizer, bem comprehende o illustre deputado que não posso tomar sobre mim a responsabilidade de uma solução em qualquer sentido.

Prometto ao illustre deputado que insistirei com os membros dessa commissão para que quanto antes apresentem os seus trabalhos.

Mas não posso, e a camara achar-me-há rasão, dar a minha opinião sobre um assumpto tão importante, sem ter com que me apoiar e defender nas conclusões de um parecer, muito embora elle não reunisse unanimidade de votos.

O sr. Moraes de Carvalho: - Agradeço ao sr. ministro do reino as explicações que me deu.

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O sr. Antonio de Campos: - Mando para a mesa dez requerimentos de officiaes da guarnição do Porto, pedindo que soja mantida a doutrina do decreto de 10 de janeiro de 1895 sobre o limite de idade.

Vão por extracto no fim d'esta sessão.

O sr. Presidente : - A commissão de redacção não fez alteração no projecto n.º 10, que foi hontem approvado por esta camara.

ORDEM DO DIA

(Discussão de diversos projectos de lei)

O sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o projecto n.º 15.

Leu-se.

E o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º 15

Senhores. - Foi presente á vossa commissão de agricultura o decreto do õ de julho de 1894, na parte que se refere a syndicatos agricolas, e vem elle agora submetter á vossa esclarecida apreciação o parecer que lhe merece tal documento.

Antes, porém, de encetar a sua aualyse, cumpre-lhe, em dever de consciencia, registar com os maiores louvores o nome de Carlos Lobo d'Avila, o ministro infelizmente já morto, a quem se deve o grande serviço da creação legal dos syndicatos agricolas em Portugal.

E feita esta saudosa e elogiosa referencia, de prompto marca, e em globo, a sua opinião de franca approvação á doutrina e ao texto do decreto.

Só por si a idéa de introduzir em o nosso paiz os syndicatos agricolas, que em França estão sendo um elemento de riqueza, é credora do encomio publico. É esta realmente a fórma associativa que por suas vantajosas praticas immediatas mais facilmente se introduzirá nos campos onde absolutamente é necessaria.

A vossa commissão tem uma prova nacional do que avança no facto da fundação de um syndicato agricola mesmo antes do apparecimento do decreto de 5 de julho do 1894: o Syndicato Agricola de Lagoa, na ilha de S. Miguel. As vantagens dos syndicatos são taes que até antes de legalisada a, sua organisação já existia um, funccionando com caracter puramente particular, isto é, sem nenhuma das garantias de exito que lhe faculta a lei.

Em França, também, antes da lei de 21 de março de 1884, já se fundara um syndicato no departamento de Loir-et-Cher, que hoje conta para cima de 3:700 membros.

N'este paiz, a lei a que vimos de fazer referencia, tem sido o maior auxilio prestado por governos á agricultura franceza, com nullo sacrificio official e com maior utilidade immediata para os lavradores. E apenas por simplificar formulas e tomar gratuita a pratica de praxes estatuidas de outr'ora para instituição e funccionamento de sociedades de qualquer genero.

De cinco syndicatos fundados no anno da promulgação da lei subiu a conta em França e Argelia a 1:100, girando annualmente por conta dos seus sócios, que ascendem a mais de 600:000, com 18:000 contos de réis.

Era abono do similhante instituição parece á vossa commissão que este resultado obtido em doze annos de pratica diz tudo quanto ha a dizer.

A questão de produzir mais para produzir barato foi, no seu fundamento, a origem dos syndicatos agricolas.

Para a terra, este desideratum economico liga-se intimamente ao emprego da adubos chimicos. Ora, o commercio d'esta mercadoria em França sobre ter n'aquelle tempo pouca aeccitttção, como ainda hoje entre nós, e,
consequentemente diminuida expansão, tinha e tem muito mau nome pelas falsificações e fraudes a que só presta e de que tem feito immoderado uso. E, ainda mais, fazia-se pagar muito caro, como está succedendo em Portugal.

Precisando a agricultura do adubo, era forçoso convencer dessa necessidade o agricultor menos illustrado e procurar forma de poder alcançar-se a materia prima garantida e o mais possivel em conta.

Um agronomo, funccionario do ensino agricola, antecipando-se á lei, como já foi escripto, creou uma associação, tendo por fim comprar os adubos em commum, a fim de os obter mais baratos e de reprimir as fraudes nos fornecimentos. Alcançado este duplo fim, obtido estava o terceiro fomento do seu emprego.

Como resultado, alem do maior incremento na applicação, um abaixamento geral nos preços dos adubos de 20 a 30 por cento pelo menos.

Estava suggerida a idea syndical e o governo francez comprehendendo-lhe o alcance legislou sobre ella dando-lhe as garantias, facilidades e maior esphera de acção como o seu intuito merecia.

Correspondendo por esta forma às vontades e aspirações dos lavradores, e ao mesmo tempo incitando-as, a Franca deu extraordinário impulso ao bem estar e progresso da sua agricultura.

Depois da compra em commum dos adubos vieram as machinas agricolas, que logo, tambem, desceram de preço, as sementes, productos alimentares para o gado, substancias empregadas em viticultura, plantas americanas, etc.

Em seguida e com a união das forças ia fructificando em opimos fructos, abalançaram-se os syndicatos a promover a venda dos productos dos socios em condições mais remuneradoras.

Finalmente, não se resumindo apenas a tal o interesse profissional, o syndicato alargou ainda mais as suas, a principio modestas aspirações e hoje occupa-se tambem da instrncçâo agricola, do melhoramento dos methodos de exploração do solo, da arbitragem em litigios ruraes do melhoramento das raças pecuarias, do credito agricola, do soccorro mutuo, do seguro contra incendios, contra
phenomenos meteorologicos, contra as doenças dos gados, contra accidentes de trabalho agricola, etc.

Muitos syndicatos francezes possuem campos de experiencias e de demonstração, dirigidos geralmente a pedido d'aquellas sociedades pelos agronomos officiaes das varias regiões, que em muitos casos são os seus secretarios geraes, campos onde as vantagens do emprego de instrumentos aperfeiçoados de cultivo, de sementes seleccionadas, de adubos chimicos e varias praticas melhoradoras se evidenciam aos olhos dos cultivadores menos propensos a reformas e modificações de methodos e processos.

Quasi todos os syndicatos publicam boletins periodicos para instrucção e informação dos socios e ligação com as outras associações similares, alguns de larga tiragem: 12:200 exemplares, por exemplo.

Conferencias e ensaios públicos de machinas fazem-se a cada passo.

Organisam concursos agricolas com distribuição de recompensas para os animaes, os generos e os differentes ramos de trabalho. Aos melhores conductores de charruas aperfeiçoadas, de ceifeiras, etc., são concedidos premios.

Syndicatos ha com laboratorios e alguns d'elles se utilisam para levantarem a carta agrologica e agronomica das suas regiões.

A cada momento espalham em folhas volantes e em termos absolutamente praticos, instrucções sobre o emprego de adubos, a defeza contra o mildio, resultados numericos da sementeira de trigos seleccionados, etc., etc. Para melhoramento das raças pecuarias das suas regiões, numerosos syndicatos compram no seu solar os reproductores escolhidos que convém introduzir e vendem-nos seguidamente por licitação tendo por ponto de partida um preço abaixo do da compra, entre os socios sob certas condições.

Para a diffusão de instrumentos agricolas aperfeiçoados

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e uteis á região seguem muitas d'estas agremiações o mesmo systema de licitação rebaixando o preço do custo.

Outros syndicatos para promoverem a applicação de bons instrumentos nos processos culturaes e outros, concedem, aos socios um abono proporcional ao preço do instrumento.

Em outros pontos os instrumentos são alugados aos sócios pelo syndicato, que directamente os adquire. É este um dos principaes successos do nosso Syndicato Agricola de Lagoa (Açores).

Nas regiões viticolas abrem, escolas de enxertadores, organisam o serviço de inspecção ás vinhas phylloxeradas, estabelecem viveiros de plantas americanas, fazem inqueritos sobre adaptação, affinidade e resistencia, combatem vigorosamente o mildio e as outras doenças; têem alguns, agentes volantes, especie de caixeiros viajantes, para a venda dos vinhos garantidos da socios; outros estabelecem nos grandes centros depositos de venda.

O aspecto Viticola e vinicola dos syndicatos é, por certo, para nós um da mais interessantes e de que ha mais a esperar.

O nosso syndicato de Montemor o Velho, com um anno de existencia e inaugurado com pouco mais de trinta socios, n'uma ;região bastante afastada de centros populosos, teve um giro commercial de perto de 550$000 réis, e conseguiu fornecer aos seus associados com manifesta vantagem: bacellos americanos, sulfato de cobre, enxofre, bagaços alimentares para o gado e instrumentos viticolas aperfeiçoados, e de todos esses generos, cuja applicação representa progresso, muitos d'elles nem conhecidos eram ali.

A cifra d'esses negocios não podia ser muito importante no primeiro anno de exercício, e bem longe está de réis 240:000$000, por exemplo, representativos de valor, só de adubos, fornecidos aos seus sócios em 1893 pelo Syndicato dos Agricultores de Vienna (França), mas representa já alguma cousa e mostra bem os beneficies que para a agricultura do paiz ha a esperar de similhantes instituições.

Fica assente que pelo lado do progresso na exploração do solo presta-se o syndicato às mais ducteis maneiras de bem servir; sob o aspecto do melhoramento das condições económicas e de fiscalisação na questão de compras e vendas, não ha melhor forma de o conseguir.

Porém, outra acção de verdadeira reforma economica e social está destinada ateste genero de sociedades, e a vossa; commissão de agricultura vê os syndicatos em França procurando attender às cinco principaes necessidades das diversas camadas da população rural: o credito, a cooperação, o seguro, a assistencia e a arbitragem.

Não pôde a vossa commissão descer a detalhar agora o, modus faciendi pelo qual se tentam resolver, estes problemas, até hoje de difficil resolução no meio especial a que se refere.

A proposito do credito agricola, provocado pelo syndicato, diz o sr. Levasseur, que este será a molecula germinativa das caixas descredito agricola e dos bancos populares. Para o notavel-economista italiano, o sr. Luzzatti, o banco popular é o complemento do syndicato agricola, e a sua marcha deve ser paralela: "O syndicato accorda no lavrador o desejo de melhorar, de tornar intensiva e de variar as suas culturas, buscando tirar do menor canto de terra o maior rendimento possivel, depois de ter despertado esse desejo, fortifica-o, esclarece-o e dá a melhor direcção technica a seguir para que esse anhelo se transforme em facto. O banco popular fornece os meios de operar nas melhores condições tanto, para o total do rendimento como para o reembolso. Nos centros agrarios, as duas associações deveriam ter a mesma sede, já que vivem das mesmas inspirações. O banco popular consagraria uma parte dos seus ganhos em facilitar as experiencias feitas pelo syndicato. O syndicato, bem dirigido, representaria
o papel da joeira, que separa as boas das más operações de credito".

Assumpto, porém, é este que, conjunctamente com os outros apontados já, muito longe levariam a vossa commissão num documento que sempre ganha em ser curto e que trio longo vae.

Por isso limita-se a indicar, sem entrar nas explanações merecidas, a serie de vantagens incontestáveis que se podem arrancar, quer directa, quer indirectamente, da instituição dos syndicatos agricolas.

Julga a commissão que não será preciso avantajar-vos mais a prestabilidade de taes associações em Portugal, onde a idéa associativa tão arredia anda do espirito publico. O syndicato, mesmo sem remontar a resolução de problemas mais complicados, indo, por assim dizer, á bolsa de cada lavrador, não para lhe tirar, mas sim para lhe metter dinheiro, num interesse immediato, rapido, bem saltante, mediante a minima cotisação que o seu jogo especial permitte, e collocando tão facilmente e tão seguramente á sua disposição os meios materiaes de progredir, de tirar maior lucro da terra, de collocar melhor os seus productos, de não ser defraudado pelo commercio, etc., etc., impõe-se como necessidade inadiavel neste momento em que, a lucta pela vicia na faina dos campos chegou á culminancia e é preciso, para vencer, dispor do máximo da força que fatalmente tem de ser procurada na união de todos os pequenos esforços.

A população rural portugueza vae comprehendendo isso e em menos de anno e meio fundaram-se seis syndicatos, o que, nos habitos do paiz e com referencia ao diminuitissimo movimento associativo agricola vindo de tempos remotos até á data do decreto de 5 de julho de 1894, representa a fructificação extraordinaria da idéa syndical nos campos nacionaes, se a compararmos com o que succedeu em Franca, paiz tanto mais vasto, onde no primeiro anno da promulgação da lei apenas foram fundados cinco syndicatos.

É que o legislador portuguez, comprehendendo a reluctancia que há para associações ruraes, mesmo que transbordem de utilidades praticas para os associados, teve o cuidado de doar os syndicatos com os privilegios especiaes dos artigos 15.º e 16.º

Graças, pois, á bondade primordial da instituição e aos additamentos que a melhoraram transplantando-se para Portugal, seis syndicatos estão já funccionando entre nós, laborando todos, é claro, na primeira forma de sociedades consumidoras, e ainda bem, porque principiar logo com engrenagens mais complicadas seria a sua morte rapida num meio como o nosso, e affirmando, pela sua existencia, melhor do que a vossa commissão o faria, o serviço prestado pelo decreto sobre o qual vimos dando parecer de todo o ponto favoravel.

Entretanto, e attendendo ao que reputa justa petição de alguns d'esses syndicatos, propõe a vossa commissão, de accordo com o governo, que seja eliminado do decreto o § unico do artigo 12.° e substituido pelo que, á sua altura, ahi lhe introduzimos.

Reporta-se tal artigo com o seu § unico às uniões de syndicatos, negando-lhes a faculdade de possuir bens immobiliarios e não lhes dando individualidade juridica.

A união de syndicatos é a associação do segundo grau, que multiplica as vantagens das sociedades regionaes tantas vezes quantas são as que se ligam sob essa forma.

Diz á camara na sua representação a direcção do Syndicato Agricola de Montemor o Velho: "Os meios de acção das uniões, empregando os esforços de diversos syndicatos, são mais enérgicos e as condições em que se encontram, quer pela situação da sua sede, quer pelo saber dos homens que hão de formar as suas direcções, permittem-lhes fornecer facilmente todos os dados e informações que pelos syndicados filiados lhe sejam pedidos". E mais adiante continua: "Os serviços, porém, que temos a esperar do

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uma união serão forçosamente muito reduzidos emquanto a lei, permittir em
negar-lhos a personalidade civil. Com effeito, entre nós, mais ainda que em França, não devem as uriões limitar-se ao papel de orgãos de estudo e informação, mas encarregar-se de conglobar as encommendas dos syndicatos reunidos e promover a venda de productos agricolas de cada, um como insinua o relatorio do decreto. Mas, pare que a sua acção seja facil e desembaraçada
n'este; negocios, necessario se torna que os possa tratar directamante sem subterfugios ou sophismas a que as peias de legislação similhante por vezes tem compellido as uniões de syndicatos em França".

Igualmente na sua representação diz á camara a direcção do Syndicato Agricola do Districto de Santarém, o mais novo e mais vasto dos nossos syndicatos, referindo-se á negação para as uniões de individualidade juridica: "Parece ao Syndicato Agricola do Districto de Santarém menos logica aquella prohibição; porque, não só em virtude do referido decreto, mas ainda por virtude do disposto nos artigos, 32.º a 34.º do nosso codigo civil, têem individualidade juridica os syndicatos e todas as associações legalmente constituidas e superiormente approvadas. E se dois ou mais syndicatos têem respectivamente individualidade juridica e a lei permitto que taes individualidades se unam, dentro dos fins da sua constituição, não póde haver rasão fundada para lhes fazer perder essa personalidade, pelo facto de se unirem, exercendo assim aquella mesma individualidade."

Senhores, a vossa commissão de agricultura, por perfilhar completamente a opinião dos syndicatos portuguezes, aos quaes é devida toda a attenção, todo o amparo nos seus primeiros passos e todo o incitamento, tem a honra de propor-vos que continuem em vigor as disposições do decreto de 5 de julho de ]894 o convertendo-as no seguinte projecto do lei:
Artigo 1.° É permittida aos agricultores e aos individuos, que exerçam profissões correlativas e agricultura a fundação de associações locaes, com a denominação de "sydicatos agricolas", tendo por fim principal estudar, defender e promover tudo quanto importe aos interesses agricolas geraes e, aos particulares dos associados.

§ 1.° Os syndicatos agricolas terão a faculdade de praticar tudo quanto caiba no sexi programma geral, e nomeadamente:

1.º Promover a instrucção agricola pelo estabelecimento de bililiothecas, cursos, conferencias, concursos e campos de experiencia;
2.º Facultar aos associados a acquisição de adubos, sementes e plantas, em condições vantajosas de preço e qualidade, e bem assim a compra ou exploração, em commum ou em particular, de machinas agricolas e animaes reproductores;
3.º Procurar mercados para os productos agricolas dos sócios, e facilitar as relações entre estes e os compradores, de dentro e fóra, do reino;
4.º Calebrar com as emprezas de transportes terrestres, fluviaes ou maritimos, contratos para os transportes por preços reduzidos dos generos agricolas, adubos, animaes e machinas pertencentes ao syndicato ou aos seus socios;
5.° Commetter aos tribunaes, ou directamente aos interessados a resolução dos pleitos e contestações entre, os socios, por meio de julgamento arbitral.

& 2.º Aos syndicatos agricolas é expressamente prohibido exercerem industria ou negociarem de conta propria, e em geral emprehenderem qualquer especulação, salvas as seguintes excepções:

1.ª Adquirirem o consentirem aos associados o uso em comum de animaes reproductores o machinas agricolas, nos termos expressos dos estatutos;
2.ª Empregarem o seu fundo social em emprezas que não tolham caracter das operações bancarias, reputando-se taes o saque, acceito, aval e endosse de letras de cambio a prasos ou á ordem. N'estes termos poderão com o seu capital realisar emprestimos aos socios, com a garantia pessoal e tambem sobre as colheitas, alfaias agricolas, etc., nos limites e com as seguranças determinadas nos estatutos.

§ 3.° Os syndicatos agricolas podem tambem constituir, promover ou favorecer a constituição, nos termos das leis, com fundos e estatutos especiaes, de caixas de soccorros mutuos, sociedades cooperativas, sociedades de seguros mutuos, bancos ou caixas de credito agricola, caixas economicas, fructuarias e quaesquer outras instituições, que nos mesmos termos e condições possam promover e auxiliar o desenvolvimento agricola da região em que funccionem.

Art. 2.° As disposições d'esta lei applicam-se unicamente aos ayndicatos agrícolas, que tenham mais de vinte socios, os quaes serão sempre maiores e no uso dos seus direitos civis.

§ unico. As suas direcções serão sempre compostas de socios que sejam em maioria cidadãos portuguezes, domiciliados na região onde o syndicato deva funccionar e no goso dos seus direitos civis.

Art. 3.º Os syndicatos agricolas constituem só por escriptura publica, comprehendendo os estatutos.

§ 1.º As copias anthenticas das escripturas da constituição de qualquer syndicato agricola ficam, assim como os estatutos n'ellas comprehendidos, sujeitas á approvação do governo, nos termos seguintes:

1.º As referidas copias serão entregues na estação telegrapho-postal mais proxima da sede da associação, com enderesso para o ministro e secretario d'estado dos negócios das obras publicas, commercio e industria.

2.º As estações telegrapho-postaes ficam obrigadas a passar recibo, indicando o dia da entrega das mesmas copias, e a expedil-as gratuitamente pela via postal mais rapida, para o ministerio das obras publicas, commercio e industria. Pelo mesmo modo e via serão devolvidos os estatutos aos installadores do syndicato, os quaes passarão recibo de recepção.

3.º Consideram-se tacitamente approvados os estatutos, sobre os quaes, no praso de dois mezes, contados da epocha fixada no n.° 2.° d'este paragrapho, não tenha recaido resolução governativa.

§ 2.º Nenhum syndicato agricola poderá começar a funccionar sem que os estatutos tenham sido approvados, ou que haja decorrido o praso fixado no n.º 3.º do § 3.º d'este artigo.

§ 3.º A approvação dos estatutos pelo governo fica isenta de qualquer imposto.

§ 4.º As mesmas disposições serão applicaveis sempre que os estatutos sejam alterados ou modificados.

Art. 4.º Os syndicatos agricolas que funccionem sem estatutos legalmente approvados, podem ser dissolvidos por sentença do juiz de direito da comarca onde seja a sua sede, sobre promoção do ministerio publico ou a requerimento de cinco ou mais socios.

§ 1.º Pela mesma forma poderão ser suspensas as deliberações dos syndicatos agrícolas e das suas direcções, reputadas contrarias às leis e aos estatutos, procedendo-se com relação á sua revalidação ou annuallação definitiva, nos termos das disposições do código commercial relativas às sociedades anonymas.

§ 2.º Alem do que fica disposto, as infracções dos artigos 2.º, 3.º, 7.º e 11.º sujeitam os infractores a multas de 2$000 a 50$000 réis, em processo correccional, sobre promoção do ministerio publico.

Art. 5.º O governo publicará modelos de estatutos para estas associações, os quaes terão apenas caracter facultativo.

Art. 6.°. Os syndicatos agricolas têem individualidade juridica, podendo exceder todos os direitos relativos a in-

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teresses legitimos do seu instituto, demandar ou ser demandados.

Art. 7.º Os syndicatos agricolas não podem possuir bens immobiliarios, alem dos que forem absolutamente indispensaveis às suas reuniões, museus, bibliothecas, laboratórios, conferencias, cursos e campos de experiencias, cuja área não poderá exceder 1 hectare.

§ 1.º Os bens immobiliarios adquiridos pelos syndicatos por qualquer titulo e que excedam os limites indicados n'este artigo serão convertidos em bens mobiliarios no praso de um anno.

§ 2.° Os immobiliarios não vendidos no praso de um anno serão vendidos judicialmente, revertendo 20 por cento do producto liquido para a fazenda nacional, e o remanescente para o cofre do syndicato.

Art. 8.° O fundo social dos syndicatos agricolas será constituído por jóias de entrada, quotas e commissões pagas pelos socios, subsidios de corporações administrativas ou do estado, e quaesquer donativos ou legados de particulares.

§ unico. Os mesmos syndicatos agricolas podem, a titulo de compensação de despezas, levar até 2 por cento de commissão por compras, vendas e transporte de conta dos socios.

Art. 9.° Os syndicatos agricola podem ser dissolvidos:

1.º Por sentença do poder judicial;
2.º Por contarem menos de vinte associados;
3.° Por deliberação de dois terços dos seus membros, tomada em assembléa geral.

Art. 10.° Os estatutos dos syndicatos indicarão:

1.° A denominação da associação, sua séde e seus fins;
2.º O modo e as condições de admissão dos socioa, os seus direitos e deveres, os casos em que podem ser expulsos e o processo da expulsão, os pagamentos a que são obrigados e as vantagens que lhes são garantidas;
3.º A organisação dos corpos gerentes e suas attribuições;
4.° Os poderes da assembléa geral, a organisação e attribuições da respectiva mesa, as condições para a constituição e funccionamento da assembléa geral e para o exercicio do direito de voto, e o modo por que podem ser alterados os estatutos;

5.° O modo de proceder á liquidação no caso de dissolução.

Art. 11.º No caso de dissolução proceder se ha á liquidação dos haveres do syndicato.
Satisfeitas as dividas ou consignadas as quantias necessarias ao seu pagamento, proceder-se-ha á partilha do resto dos valores, conforme o que dispozerem os estatutos.

§ 1.º No caso de um syndicato se dissolver por decisão da assembléa geral sem esta nomear logo os liquidatarios, ou no caso de ser retirada a approvação aos respectivos estatutos, o juiz de direito da comarca respectiva nomeará os liquidatarios.

§ 2.º A liquidação será feita sob a inspecção e vigilancia do governador civil do districto, o qual poderá delegar este encargo no delegado do ministerio publico.

Art. 12.° Os syndicatos agricolas podem colligar-se, formando uniões de syndicatos, para constituirem centros permanentes de relações de estudos, economicos ou agricolas, ou para promoverem e defenderem os respectivos interesses dentro da esphera dos estatutos e leis communs applicaveis.

§ unico. Estas uniões ou syndicatos centraes estabelecer-se-hão, e funccionarão nas mesmas condições dos syndicatos locaes.

Art. 13.° É nulla toda a deliberação tomada sobre objecto estranho áquelle para que tiver sido convocada a assembléa geral, e são prohibidas as discussões sobre assumptos alheios aos fins do syndicato, que estejam expressos nos seus estatutos, ou n'estes, mais ou menos explicitamente comprehendidos.

§ unico. No caso de infracção deste artigo, proceder-se-ha em conformidade com o disposto no artigo 13.° do decreto de 9 de maio de 1891.

Art. 14.º Qualquer membro de um syndicato agricola póde livremente demittir-se de socio, sem prejuizo de satisfazer as suas quotas do anno corrente, e conservando o direito de permanecer, sujeitando se às respectivas prescripções estatutarias das sociedades a que se refere o § 3.º do artigo 1.º

Art. 15.º Os syndicatos agricolas ficam isentos, da contribuição industrial e dos impostos do sêllo e de registo, podendo, portanto, ser escriptos em papel commum todos os seus documentos ou diplomas, incluindo as escripturas de constituição ou de modificação dos seus estatutos.

Art. 16.°- Os syndicatos agricolas gosarão, para os transportes que façam de conta propria ou dos seus socios, nos caminhos de ferro do estado e nas linhas de paquetes subsidiados, de uma reducção de 25, por cento sobre as tarifas geraes ou especiaes applicaveis a esses transportes. O governo providenciará quanto possivel para que igual beneficio seja concedido nas linhas ferreas que não sejam do estado ou nos paquetes nacionaes, embora não subsidiados.

§ unico. Nos laboratorios das estações chimico-agricolas gosarão as analyses requisitadas pelos syndicatos agrícolas, para seu uso ou dos seus socios, os seguintes abatimentos nas tabellas geraes: de 20 por cento para analyses de adubos e de plantas, suas partes ou derivados; de 70 por cento nas de terras.

Art. 17.º São applicaveis às provincias ultramarinas as disposições da presente lei.

Art. 18.º É o governo auctorisado a permittir a organisação de camaras de commercio portuguezas dos paizes estrangeiros, destinadas a velarem pelo commercio dos productos nacionaes, com especialidade os agricolas, promovendo a sua venda e secundando o governo, directamente e por intermedio da camara de commercio e industria de Lisboa, ácerca da melhor direcção que deva dar-se a esse commercio, por meio de informações, consultas e propostas.

Art. 19.º As camaras de commercio portuguezaa serão constituidas por negociantes portuguezes residentes nas localidades escolhidas para sedes das mesmas camarás, e funccionarão como instituições de propaganda commercial, com o auxilio das auctoridades diplomaticas e consulares respectivas.

Art. 20.º Poderão requerer a constituição de uma camara de commercio, em qualquer paiz, os negociantes portuguezes em numero, pelo menos, de cinco, que tenham domicilio na localidade onde a pretendam fundar, e cuja idoneidade seja attestada pelo consul respectivo.

Art. 21.º Os requerimentos serão entregues ao consul, a quem competir, e por este informados e remettidos ao governo.

Art. 22.º A creação das camaras de commercio será feita por decreto real, pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, precedendo consulta dos conselhos superiores de agricultura e do commercio e industria.

§ unico. O decreto fixará o numero minimo de membros que deverão compor a camara, e, no caso em que ella deva exercer a sua acção de propaganda em mais de uma localidade, a sua sede, e bem assim o regimen da sua constituição e as suas attribuições e meios de acção em proveito do commercio nacional.

Art. 23.º As camaras de commercio corresponder-se-hão com o ministro das obras publicas, commercio e industria, e as suas consultas, informações ou propostas, quando não sejam de caracter reservado, serão officialmente publicadas.

Art. 24.° Os requerimentos para a constituição de, cama-

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ras de commercio serão sempre acompanhados da projectos de estatutos, sobre os quaes recairá tambem a informação do agente consular respectivo e a consulta dos conselhos superiores de agricultura e do commercio e industria.

Art. 25.º Os requerimentos e mais documentos emanados das camaras do commercio e necessários ou relativos á nua constituição serão isentos do imposto do sêllo.

Art. 26.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 22 de fevereiro 1896. = Henrique de Mendia = Cunha da Silveira = Barbosa de Mendonça = Fidelio de Freitas Branco = J. Pinheiro = Joaquim José de Figueiredo Leal = José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso = D. José Gil de Borja Macedo e Menezes = Conde de Villar Secco = Conde de Anadia = Aarão Ferreira de Lacerda = Teixeira de Vasconcellos = Sá Vargas = Manuel Pedro Guedes = D. Luiz de Castro, relator.

Senhor.- Com a lei de 18 de março de 1884, que organisou em França os syndicatos profissionaes, nasceu e desenvolveu-se n'aquelle paiz a instituição dos syndicatos agricolas, á qual a agricultura franceza tantos e tão assignalados serviços deve no espaço dos dez annos decorridos.

E é de notar que se muitos dos syndicatos de operários industriaes, organisados á sombra d'aquella lei, têem, por vezes, falseado os fins da sua instituição, transformando-se em associações de funesto caracter politico e instrumentos perturbadores de propaganda contra o regimen social estabelecido, os syndicatos agricolas, pelo contrario, têem sido, até ao presente, como que a compensação dos males que á sociedade o às proprias industrias occasionam os desmandos dos primeiros, e contrabalançam, por assim dizer, a boa acção nociva e a sua attitude inquietadora.

Nos ultimos dez annos têem-se multiplicado prodigiosamente em toda a França os syndicatos agricolas, a ponto de existirem hoje não menos de 1:300 d'estas associações, que se têem desenvolvido com manifesto beneficio da agricultura, sendo já hoje considerados como uma verdadeira reserva contra as hostes crescentes do anarchismo, que ameaçam destruir a civilisação, invertendo-a por completo, em vez de a melhorarem no que ella tenha de perfectivel.

A indole natural da população agricola, tanto do lavrador, proprietario ou rendeiro, como do operario rural, é fortemente dominada por dois sentimentos, que a caracterizam: o amor da terra e o instincto da tradição, confirmada pela experiencia propria, ou pela pratica quotidianamente presenciada. É assim que, pela sua idiosynerasia, o homem do campo se sente naturalmente attrahido para um caminho diametralmente opposto áquelle para que é impellido o operario industrial, a quem, nos importantes centros populosos, mais facilmente desvairam as suggestões perfidas doe agitadores politicos, porque os adiantamentos e as riquezas creadas pelas industrias fabris, e o proprio espectaculo da estrema civilisação, a que assistem nas grandes cidades, são de molde para despertar appetites e cobiças, aspirações e invejas, que loucamente procuram supposta satisfação até num aniquilamento absoluto de todo o principio do governo e n'uma subversão completa da sociedade, quando só a podem encontrar no justo equilibrio e no regular desenvolvimento das forcas sociaes. É assim tambem que o syndicato agricola e o syndicato profissional operario, oriundos da mesma lei e do mesmo pensamento, se distanciam cada vez mais em França, caminhando em sentidos divergentes.

Entre nós fez echo a lei franceza de 1884, reproduzindo-se, mais ou menos fielmente, as suas beneficas disposições no decreto de 9 de maio de 1891. Acontece, porém, que as classes agricolas não se têem utilisado d'ellas,
devendo este facto attribuir-se, em grande parte, á circumstancia de se ter querido, principalmente, na redacção d'aquelle diploma, attender aos interesses das classes industriaes, pela inserção de disposições mais adequadas ao seu meio e às suas necessidades.

Urge, pois, promover em Portugal a creação de syndicatos agricolas, que se nos afigura constituirem uma das primeiras necessidades do nosso progresso rural e poderem vir a ser o seu mais poderoso meio de acção. E certo que se tem pensado pouco, entre nós, nas verdadeiras vantagens da applicação do principio associativo às classes agricolas, não possuindo ainda a nossa população rural, pela falta, talvez, de uma propaganda convenientemente preparada, a verdadeira noção d'estas proficuas instituições, sendo possivel até que entre os que quais ou menos intervêem na politica e na administração, tenha havido o receio de que esta especie de associação se assimelhe ao que em França não raro tem sido o syndicato profissional. É conveniente e necessario que esse erro, ou essa duvida, caso exista, se desvaneça por completo. Não ha motivos para esperar, no paiz, resultados diversos dos que em França têem produzido os syndicatos agricolas.

A população rural vive, pela sua maior parte, afastada dos grandes centros, onde mais fácil se torna acompanhar os progressos da civilisação e da sciencia. E assim que elle tem difficuldade em progredir com a mesma velocidade que vão adquirindo as industrias manufactureiras. Os habitantes dos campos são como que moleculas sem a cohesão, que as una e fortifique. A dispersão obsta ao desenvolvimento da sua instrucção, ao aperfeiçoamento da sua industria, ao justo aproveitamento, pela acção collectiva, das suas forças individuaes, e bem assim á reividicação dos seus direitos e á defeza dos seus interesses, deixando-os por outro lado inteiramente sujeitos á exploração, quer da politica, quer das industrias e do commercio mais ou menos leaes e escrupulosos.

O syndicato agricola tem como effeito immediato o collocar os seus associados quasi nas condições em que se acham os industriaes nos grandes centros de população, facilitando-lhes a acquisição, não só de novos conhecimentos, mas ainda do que mais positiva e rapidamente possa interessar á sua economia e exploração rural, isto é, materiaes mais baratos e melhores, tanto no que respeita a machinas e instrumentos, como a adubos, sementes e animaes reproductores.

Relacionando-se a um tempo com as estações officiaes do ensino e propaganda agricola e com as populações ruraes, constituirão os syndicatos agricolas os naturaes e verdadeiros intermediarios entre o estado e aquellas populações, que assim poderão receber com mais segurança, ou menos desconfiança, a intervenção e auxilios officiaes.

Orçando um fundo social commum, e procurando distribuil-o com garantias reaes, mas adaptadas às condições especiaes dos agricultores, os syndicatos agrícolas, se se desenvolverem e associarem, podem prestar os mais assignalados serviços á producção nacional, não só para a melhoria das suas condições actuaes, mas para a necessaria transformação do varias culturas e até para o aproveitamento de largos tractos de terreno improductivo. Por isso, no projecto de decreto, que temos a honra de submetter á approvação de Vossa Magestade, prohibindo aos syndicatos agricolas especulações e negocios de conta propria, se lhes consente expressamente fazer empréstimos aos socios, com a garantia pessoal devidamente acautelada, e tambem sobre as colheitas e alfaias agricolas. É uma tentativa ou inicio do estabelecimento de credito agricola no nosso paiz, tão essencial para o progresso da nossa agricultura, que precisa de capitães sem comprometter a propriedade em empréstimos com que ella não póde. Só assim, por um tal caminho, poderá, por exemplo, em muitos casos, replantar-se a vinha, devastada pela doença, onde os proprietarios não dispõem de recursos para a replantação, e onde o levantamento de capitães sobre os próprios terrenos é difficil ou ruinoso. Por isso, também, alem da faculdade a que nos vimos referindo, se concede aos
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dicatos agricolas a de crearem bancos ou caixas de credito agricola, que deverão constituir a continuação e o desenvolvimento das operações que, desde já, lhes é permittido realisar com o seu proprio fundo social.

Outra funcção, tambem importante, compete aos syndicatos agricolas a de promover fácil venda dos generos pertencentes, aos seus associados, podendo, sob este aspecto, tornar-se ainda mais profícuo e util este beneficio pela união entre os diversos syndicatos, como se pratica em França, e se propõe no projecto, e, pelas relações que elles mantenham com os mercados de fora, por intermédio das camaras de commercio, portuguezas orçadas e organisadas em paizes estrangeiros.

Pareceu-nos opportuno, por isso, ensaiar a instituição de camaras de commercio nos paizes com os quaes mantemos ou podemos vir á manter relações commerciaes, a exemplo do que outras nações têem feito em beneficio do seu commercio, e completar por esta forma o pensamento que determinou a creação da camara de commercio e industria de Lisboa.

Alem de todas as vantagens industriaes e mercantis que estas instituições podem produzir, é dos beneficios que d'ellas devem derivar para a exportação dos nossos productos agricolas; podem e devem ellas tambem contribuir effiçazmente para estreitar as relações com a mãe patria de importantes colonias portuguezas, como; por exemplo, as que se acham estabelecidas em mais de um ponto da America do Sul e nas ilhas de Sandwich.

Tanto os syndicatos agricolas, como as camaras de commercio; são gremios que; posto tenham fins genericamente determinados, necessitam de poder formular os seus estatutos dentro dos limites de uma certa latitude, em vista das condições muito diversas, economicas e locaes, em que hajam de estabelecer-se. Por este motivo não póde uma lei organica d'estas instituições ser talhada em apertados moldes, ou descer a particularidades minuciosas, e a indecisa amplitude em que se permitte, no projecto, sejam traçados os estatutos pelos proprios individuos que hajam de aggremiar-se, não póde senão traduzir-se em beneficos resultados e em perfeita utilidade e exequibilidade d'estas instituições, que assim melhor se adaptarão às circumstancias em que houverem de existir.

Foi, por isso, tambem que no projecto de lei, de iniciativa particular, sobre o mesmo assumpto, apresentado ao parlamento, e que obteve parecer favorável da commissão de agricultura na camara dos senhores deputados; na ultima sessão legislativa, se julgou prudente não restringir a acção do governo e a liberdade dos associados, na organisação do respectivo gremio, desde que ficassem acautelados os seus legitimos interesses e fossem respeitados os preceitos de garantia e ordem prescriptos na lei.

Taes são, senhor, as rasões por que presumimos que o presente projecto de decreto será de utilidade para a agricultura e commercio nacionaes, se as suas disposições merecerem a, approvação de Vossa Magestade.

Secretaria d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, em 5 de julho de 1894. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Branco = Antonio, d'Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = João Antonio de Brissac das Neves Ferreira = Carlos Lobo d'Avila.

Tendo em consideração o que me representaram o presidente do conselho de ministros, ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda e interino dos estrangeiros, e, os ministros e secretarios d'estado de todas as repartições hei por bem decretar, para ter força de lei, o seguinte:

Artigo 1.º E permittida aos agricultores e aos individuos, que exerçam profissões correlativas á agricultura, a fundação de associações locaes com a denominarão, de "syndicatos agricolas", tendo por fim principal estudar, defender e promover tudo quanto importe aos interesses agrícolas geraes e aos particulares dos associados.

§ 1.º Os syndicatos agricolas terão a faculdade de praticar tudo quanto caiba no seu programma geral, e nomeadamente:

1.º Promover a instrucção agricola pelo estabelecimento de Bibliothecas, cursos, conferencias, concursos e campos de experiencia;
2.º Facultar aos associados a acquisição de, adubos, sementes e plantas, em condições vantajosas de preço e qualidade, e bem assim a compra ou exploração, em commum ou em particular, de machinas agricolas e animaes reproductores;
3.° Procurar mercados para os productos agricolas dos socios, e facilitar as relações entre estes e os compradores de dentro e fora do reino;
4.º Celebrar com as emprezas de transportes terrestres fluviaes ou maritimos, contratos para os transportes por preços reduzidos dos géneros agricolas, adubos, animaes e machinas pertencentes ao syndicato ou aos seus socios;
5.° Commetter aos tribunaes, ou directamente aos interessados, a resolução dos pleitos e contestações entre os socios, por meio de julgamento arbitral.

§ 2.° Aos syndicatos agricolas é expressamente prohibido exercerem industria ou negociarem de conta propria, e em geral emprehenderem qualquer especulação, salvas as seguintes excepções:

1.ª Adquirirem e consentirem aos associados o uso em commum de animaes reproductores e machinas agricolas, nos termos expressos dos estatutos;
2.ª Empregarem o seu fundo social em emprezas que não tenham caracter das operações bancarias, reputando-se taes o saque, acceite, aval e endosse de letras de cambio a prasos ou á ordem. N'estes termos poderão com o seu capital realisar emprestimos aos socios, com a garantia pessoal e tambem sobre as colheitas, alfaias agricolas, etc., nos limites o com as seguranças determinadas nos estatutos.

§ 3.º Os syndicatos agricolas, podem tambem constituir, promover ou favorecer a constituição, nos termos das leis, com fundos e estatutos especiaes, de caixas de soccorros mutuos, sociedades cooperativas, sociedades de seguros mutuos, bancos ou caixas de credito agricola, caixas economicas, fructuarias, e quaesquer outras instituições, que nos mesmos termos e condições possam promover e auxiliar o desenvolvimento agricola da região em que funccionem.

Art. 2.º As, disposições deste decreto applicam-se unicamente aos syndicatos agrícolas, que tenham mais de vinte sócios, os quaes serão sempre maiores e no uso dos seus direitos civis.

§ unico. As suas direcções serão sempre compostas de socios que sejam em maioria cidadãos portuguezes, domiciliados na região onde o syndicato deva funccionar e no goso dos seus direitos civis.

Art. 3.º Os syndicatos agricolas constituem-se por escriptura publica, comprehendendo os estatutos.

§ 1.º As copias authenticas das escripturas da constituição de qualquer syndicato agricola ficam, assim como os estatutos n'ellas comprehendidos, sujeitas á approvação do governo, nos termos seguintes:

1.º As referidas copias serão entregues na estacão telegrapho-postal mais, proxima da sede da associação, com endereço, para o ministro e secretario d'estado dos negócios das obras publicas, commercio e industria.

2.º As estações telegrapho-postaes ficam obrigadas a passar recibo, indicando o dia da entrega das mesmas copias, e a expedil-as gratuitamente pela via postal mais rapida, para o ministerio das obras publicas, commercio e industria. Pelo mesmo modo e via serão devolvidos os estatutos dos instaladores do syndicato, os quaes passarão recibo de recepção.

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3.° Consideram-se tacitamente approvados os estatutos, sobre os quaes, no praso de dois mezes, contados da epocha fixada no n.º 2.º d'este paragrapho, não tenha recaído resolução governativa.

§ 2.° Nenhum syndicato agricola poderá começar a funccionar sem que os estatutos tenham sido approvados, ou que haja decorrido o praso fixado no n.º 2.º do § 1.º d'este artigo.

§ 3.º A approvação dos estatutos pelo governo fica isenta de qualquer imposto.

§ 4.º As mesmas disposições serão applicaveis sempre que os estatutos sejam alterados ou modificados.

Art. 4.º Os syndicatos agricolas que funcciona sem estatutos legalmente approvados, podem ser dissolvidos por sentença do juiz de direito da comarca onde seja a sua sede, sobre promoção do ministerio publico ou a requerimento de cinco ou mais socios.

§ 1.º Pela mesma forma poderão ser suspensas as deliberações dos syndicatos agrícolas e das suas direcções, reputada contrarias às leis e aos estatutos, procedendo-se com relação á sua revalidação ou annullação definitiva, nos termos das disposições do código commercial relativas às sociedades anonymas.

§ 2.º Alem do que fica disposto, as infracções dos artigos 2.º, 3.°, 7.° e 11.° sujeitam os infractores a multas do 2$000 e 50$000 réis, em processo correccional, sobre promoção do ministerio publico.

Art. 5.° O governo publicará modelos de estatutos para estas associações, os quaes terão apenas caracter facultativo.

Art. 6.° Os syndicatos agricolas têem individualidade juridica, podendo exercer todos os direitos relativos a interesses legitimos do seu instituto, demandar ou ser demandados.

Art. 7.° Os syndicatos agricolas não podem possuir bens immobiliarios, alem dos que forem absolutamente indispensáveis às suas reuniões, museus, bibliothecas, conferencias, cursos e campos de experiencias, cuja área não poderá exceder 1 hectare.

& 1.º Os bens immobiliarios adquiridos pelos syndicatos por qualquer titulo e que excedam os limites indicados n'este artigo serão convertidos em bens mobiliarios no praso de um anno.

§ 2.° Os immobiliarios não vendidos no praso de um anno serão vendidos judicialmente, revertendo 20 porcento do producto liquido para a fazenda nacional, e o remanescente para o cofre do syndicato.

Art. 8.° O fundo social dos syndicatos agricolas será constituido por joias de entrada, quotas e commissões pagas pelos socios, subsidios de corporações administrativas ou do fitado, e quaesquer donativos ou legados de particulares.

§ unico. Os mesmos syndicatos agricolas podem, a titulo de compensação de despezas, levar até 2 por cento de commissão por compras, vendas e transporte de conta dos socios.

Art. 9.º Os syndicatos agricolas podem ser dissolvidos:

1.º Por sentença do poder judicial;
2.º Por contarem menos de vinte associados;
3.º Por deliberação de dois terços dos seus membros, tomada em assembléa geral.

Art. 10.° Os estatutos dos syndicatos indicarão:
1.º A denominação da associação, sua séde e seus fins;
2.º O modo e as condições de admissão dos socios, os seus direitos e deveres, os casos em que podem ser expulsos e o processo da expulsão, os pagamentos a que são obrigados e as vantagens que lhes serão garantidas;
3.º A organisação dos corpos regentes e suas attribuções;
4.º Os poderes da asssembléa geral, a organisação e attribuições da respectiva mesa as condições para a constituição e funccionamento da assembléa geral e para o exercicio do direito de voto, e o modo por que podem ser alterados os estatutos;
5.º O modo de proceder á liquidação no caso de dissolução.

Art. 11.º No caso de dissolução proceder-se-ha á liquidação dos haveres do syndicato.

Satisfeitas as dividas ou consignadas as quantias necessarias ao seu pagamento, proceder-se-ha á partilha do resto dos valores, conforme o que dispozerem os estatutos.

§ 1.º No caso de um syndicato se dissolver por decisão da assembléa geral sem esta nomear logo os liquidatarios, ou no caso de ser retirada a approvação nos respectivos estatutos, o juiz de direito da comarca respectiva nomeará os liquidatários.

§ 2.º A liquidação será feita sob a inspecção e vigilancia do governador civil do districto, o qual poderá delegar este encargo no delegado do ministerio publico.

Art. 12.º Os syndicatos agricolas podem colligar-se, formando uniões de syndicatos, para constituirem centros permanentes de relações de estudos, economicas ou agricolas, ou para promoverem e defenderem os respectivos interesses dentro da esphera dos estatutos e leis communs applicaveis.

§ unico. As uniões de syndicatos estabelecer-se-hão o funccionarão nas condições applicaveis aos syndicatos, não podendo, porém, possuir bens immobiliarios, nem ter individualidade juridica.

Art. 13.° É nulla toda a deliberação tomada sobre objecto estranho áquelle para que tiver sido convocada a assembléa geral, e são prohibidas as discussões sobre assumptos alheios aos fins do syndicato, que estejam expressos nos seus estatutos, ou n'estes, mais ou menos explicitamente comprehendidos.

§ unico. No caso de infracção deste artigo, proceder-se-ha em conformidade com o disposto no artigo 13.º do decreto de 9 de maio de 1891.

Art. 14.º Qualquer membro de um syndicato agricola póde livremente demittir-se de socio, sem prejuizo de satisfazer as suas quotas do anno corrente, e conservando o direito de permanecer, sujeitando-se às respectivas prescripções estatuarias nas sociedades a que se refere o § 2.º do artigo 1.º

Art. 15.º Os syndicatos agricolas ficam isentos da contribuição industrial e dos impostos do sêllo e de registo, podendo, portanto, ser escriptos em papel commum todos os seus documentos ou diplomas, incluindo as escripturas de constituição ou de modificação dos seus estatutos.

Art. 16.º Os syndicatos agricolas gosarão, para os transportes que façam de conta propria ou dos seus socios, nos caminhos de ferro do estado e nas linhas de paquetes subsidiados, de uma reducção de 25 por cento sobre as tarifas geraes ou especiaes applicaveis a esses transportes. O governo providenciará quanto possivel para que igual beneficio seja concedido nas linhas férreas que não sejam do estado ou nos paquetes nacionaes, embora não subsidiados.

§ unico. Nos laboratorios das estações chimico-agricolas gosarão as analyses requisitadas pelos syndicatos agricolas, para seu uso ou dos seus socios, os seguintes abatimentos nas tabellas geraes: de 20 por cento para analyses de adubos e de plantas, suas partes ou derivados; de 70 por cento nas de terras.

Art. 17.º São applicaveis às provincias ultramarinas as disposições da presente lei.

Art. 18.º Já o governo auctorisado a permittir a organisação de camaras de commercio portuguesas nos paizes estrangeiros, destinadas a velarem pelo commercio dos productos nacionaes, com especialidade os agricolas, promovendo a sua vencia e secundando o governo, directamente e por intermedio da camara do commercio e industria de Lisboa, ácerca da melhor direcção que deva dar-se

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a esse commercio, por meio de informações, consultas e, propostas.

Art. 19.º As camaras de commercio portuguezas serão constituidas por negociantes portuguezes residentes nas localidades escolhidas para sedes das mesmas camaras, e funccionarão como instituições de propaganda commercial, com o auxilio das auctoridades diplomaticas e consulares respectivas.

Art. 20.º Poderão requerer a constituição de uma camara de commercio, em qualquer paiz, os negociantes portuguezes em numero, pelo menos, de cinco, que tenham domicilio na localidade onde a pretendam fundar, e cuja idoneidade seja attestada pelo consul respectivo.

Art. 21.º Os requerimentos serão entregues ao consul; a quem competir, e por este informados e remettidos ao governo.

Art. 22.º A creação das camaras de commercio será feita por decreto real, pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, precedendo consulta dos conselhos superiores de agricultura e do commercio e industria.

§ unico. O decreto fixará o numero minimo de membros que deverão compor a camara, e, no caso em que ella deva exercer a sua acção de propaganda em mais do uma localidade, a sua sede, e bem assim o regimen da sua constituição e as suas attribuições e meios de acção em proveito do commercio nacional.

Art. 23.º As camaras de commercio corresponder-se-hão com o ministro das obras publicas, commercio e industria, e as suas consultas, informações ou propostas, quando não sejam de caracter reservado, serão officialmente publicadas.

Art. 24.º Os requerimentos para a constituição de camaras de commercio serão sempre acompanhados dos projectos de estatutos, sobre os quaes recairá tambem a informação do agente consular respectivo e a consulta dos conselhos superiores de agricultura e do commercio e industria.

Art. 25.º Os requerimentos e mais documentos emanados das camaras de commercio, e necessários ou relativos á sua constituição, serão isentos do imposto do sêllo.

Art. 26.º Fica revogada a legislação em contrario.

O presidente do conselho de ministros, ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda e interino dos estrangeiros, e os ministros e secretarios d'estado de todas as repartições, assim o tenham entendido e façam executar.

Paço, aos 5 de julho de 1894. = REI. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio d'Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = João Antonio de Brissac das Neves Ferreira = Carlos Lobo d'Avila.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na discussão da especialidade.

Leu-se o artigo 1.º

O sr. Presidente: - Não havendo quem peça a palavra, vae votar-se.

Foi approvado.

Successivamente foram lidos e approvados, tombem sem discussão, os restantes artigos.

O sr. Presidente: - Vae agora entrar em discussão o projecto n.º 13.

Leu-se na mesa.

E o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º 13

Senhores. - A commissão de legislação criminal d'esta camara, procurando desempenhasse da tarefa a seu cargo, de dar parecer sobre os decretos dictatoriaes emanados do ministerio da justiça, vem apresentar-vos a sua opinião sobre o decreto de 15 de dezembro de 1894, que contem disposições relativas aos criminosos reincidentes1, á mendicidade, á vadiagem parisitica da prostituição e á obrigação imposta aos condemnados a penas correccionaes de trabalhar nas prisões.

A nossa legislação criminal anterior, prevendo e punindo os delictos desde sempre reputados como taes, não abrangia certos factos, de diversas ordens, que, comquanto reprovados pela moral e perturbadores da boa ordem n'uma sociedade policiada, eram tolerados, quiçá pela pequena intensidade com que se manifestavam.

Assim como passam despercebidos nos reinos vegetal e animal estados morbidos mal caracterisados emquanto não se alastram a ponto de constituir epidemias devastadoras, assim tambem algumas enfermidades sociaes só chegam á suppuração nos centros populosos, pela relaxação de costumes que quasi sempre acompanha o crescimento rapido nas populações urbanas.

Só nas grandes cidades a exploração se organisa sob a forma de mendicidade; só n'ellas o latrocinio consegue hoje constituir-se em associações perigosas; só n'ellas se encontram homens que resvalam á degradação de viver a expensas de mulheres prostituidas.

E foram os symptomas crescentes destas anormalidades que se manifestavam notoriamente no maior centro de população do reino, na capital, que, a nosso ver, provocaram as medidas repressivas, acertadas e justas, que temos de apreciar.

O decreto de que nos occupâmos visa, em parte, a preservar a sociedade d'estas infecções perniciosas, expurgando d'ella os elementos nocivos aos bons costumes e á civilisação e procurando morigeral-os pelo trabalho salutar productivo.

Outro intuito a que obedeceu o decreto de 15 de dezembro de 1894 foi o de systematisar racionalmente a applicação das penas nos casos de reincidencia, para delictos da mesma ordem, praticados pelo mesmo individuo, é insuficiente a mesma sancção penal.

D'esta ordem de delinquentes, que reincidem no mesmo crime, só se póde esperar emenda e regeneração pela applicação de penalidades progressivamente aggravadas, podendo ir o aggravamento alem do limite das penas correccionaes e até á deportação para as provincias ultramarinas.

O melhor parecer que póde acompanhar o decreto que é alvo da nossa apreciação é o que resulta da lição da experiencia. É concorde a opinião dos tribunaes e a do publico em affirmar que té em sido efficazes e salutares as disposições do documento que nos occupa e que a camara é chamada a rever.

Por isso, a vossa commissão, abstendo-se de propor alterações ao decreto de 15 de dezembro de 1894, apresenta-o, acompanhado das succintas considerações que a sua doutrina nos suggeriu, ao vosso esclarecido exame, sendo de esperar que mereça a vossa approvação, como mereceu a da commissão.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° A pena de prisão correccional, quando tenha de ser applicada em caso de reincidencia, poderá elevar-se até tres annos, mantendo-se, todavia, a respectiva forma do processo.

Art. 2.º No caso de primeira e do segunda reincidencia, será a referida pena applicada, em conformidade com o disposto no n.° 5.º do artigo 100.º do codigo penal, relativamente á pena de prisão maior temporaria.

§ 1.º No caso de terceira ou mais reincidencias, o maximo da pena applicavel ao crime será progressivamente aggravado até ao limite da duração fixada no artigo anterior.

§ 2.º Se for applicavel cumulativamente a pena de multa, deverá esta corresponder sempre ao tempo de duração da pena de prisão correccional, não podendo, todavia, sendo a multa fixa, exceder o maximo marcado na lei.

Art. 3.º A primeira reincidencia no crime de furto será

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punida com a pena de prisão correccional de seis mezes a um anno e dois mezes de multa, se a pena applicavel for a do n.º 1.º do artigo 421.º do codigo penal; com prisão de um a dois annos e quatro mezes de multa, se a pena applicavel for a do n.º 2.º; com prisão de dois a tres annos e nove mezes de multa se a pena applicavel for a do n.º 3.º; e com a de prisão cellular não inferior a quatro annos, ou na alternativa com a de degredo correspondente e em multa por dois annos, em qualquer dos casos, se a pena applicavel for a do n.º 4.º

§ unico. A tentativa de furto será sempre punida, e quando ao furto corresponder pena correccional, será applicada á tentativa a pena que caberia, no crime consummado, se elle tivessem, intervindo circumstancias attenuantes.

Art. 4.º Aquelle que mandar ou consentir que uma pessoa menor de quatorze annos, que esteja sob a sua authoridade paternal ou tutelar, ou confiada á sua educação, direcção, guarda ou vigilancia, se dê a mendicidade, ou ou que outra pessoa a contrate ou tome a seu serviço para o effeito de mendigar, incorrerá na pena de prisão correccional até seis mezes e multa correspondente.

§. 1.º Na mesma pena incorrerá, ainda que a mendicidade seja exercida sob a simulação de venda de artigos de commercio, de bilhetes ou cautelas de loteria, ou da prestação, de outros serviços similhantes.

§ 2.º A disposição d'este artigo são applicaveis as excepções consignadas na parte final do artigo 261.º do codigo penal.

Art. 5.º Aquelle que, sendo apto para ganhar a sua vida pelo trabalho, for convencido de viver a expensas de mulheres prostituidas, será considerado o punido como vadio, nos termos do artigo 261.º do codigo penal.

Art. 6.º A fiança de que trata o artigo 257.º do mesmo codigo não será admissivel no caso de reincidência em crime de vadiagem, ou de crimes a que corresponda a mesma pena.

Art. 7.º Aquelle que, sendo maior de dezoito annos e valido para o trabalho, for condemnado pelo crime de vadiagem, de mendicidade, ou pelo facto incriminado pela disposição do artigo, 5.º d'esta lei, poderá, pela sentença, ser posto á disposição do governo, em seguida ao cumprimento da pena, para os effeitos do artigo 10.º da lei de 21 de abril de 1892, ou para ser internado e compellido a trabalhar n'algum asylo ou deposito de mendicidade pelo periodo de dois a cinco annos, quando haja estabelecimentos públicos adequados áquelle effeito.

§ unico. O governo poderá, todavia, determinar à saida antes de terminar é praso marcado, se houver fundamento justificativo de tal resolução.

Art. 8.º Na punição da crimes a que se referem os artigos 3.º, 4.º e 5.º da presente lei, a pena de prisão correccional nunca poderá ser substituida pela de desterro.

Art. 9.º A pena de prisão correccional obriga o condemnada a trabalho conforme as suas disposições e aptidão, ainda que não seja cumprida sob o regimen penitenciario.

§ unico. O producto do trabalho pertencerá integralmente ao preso, quando este pagar a despeza feita na cadeia com a sua sustentação, ou quando se sustentar á sua custa. Se o preso, porem, não estiver n'este caso, observar-se-ha o disposto no artigo 36.° da lei de 1 de julho de 1867.

Art. 10.º As associações protectoras dos condemnados legalmente constituidas, poderão, sob sua responsabilidade e na fórma dos respectivos estatutos, administrar o fundo do reserva dos condemnados, quando estes obtenham
auctorisação do governo para não confiarem, e se sujeitem às clausulas e regras para esse effeito estabelecidas nos estatutos.

Art. 11.° E u governo auctorisado a, decretar as providencias que sejam necessarias para regular o trabalho das prisões.

Art. 12.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão, 21 de fevereiro de 1896. = Lopes Navarro = Adolpho Pimentel = Agostinho Lucio = Teixeira de Sousa = Manuel Fratel = A. Moncada = Carlos Braga = Abilio Beça, relator.

Senhor. - Pelo carta de lei de 6 de julho de 1893 foi entre nós adoptado, o principio da suspensão temporária da pena de prisão correccional, quando applicada ao que pela primeira vez delinquiu, num momento de paixão ou de tibieza moral, e cuja índole, condições de existencia, costumes e procedimento anterior, afastam a presumpção ou suspeita de provavel reincidencia.

Se é digno do favor da lei e da indulgencia dos tribunaes áquelle que perpetrou o primeiro delicto, quando este nem argue indole perversa, nem impressiona sensivelmente pela sua gravidade, mais severo castigo se deve exigir na punição d'aquelles que, tendo sido condemnados, uma e mais vezes, reiteram as mesmas infracções legaes, denunciando que as penas soffridas não tiveram efficacia sufficiente para os corrigir, ou que são dotados de uma perigosa rebeldia moral, cujas funestas manifestações a lei deve rigorosamente reprimir e combater.

O decreto que temos a honra de apresentar á consideração, de Vossa Magestade, derivando logicamente dos princípios justificativos de uma das disposições principaes da referida lei de 6 de julho do anno passado, harmonisa-se tambem com a lei de 21 de abril de 1892, em virtude da qual podem ser compellidos a residencia temperaria nas nossas possessões ultramarinas os condemnados que, pela alteração impenitente de seus crimes, são elementos perturbadores da sociedade em que têem vivido.

Estabelecendo preceitos para o aggravamento da pena do prisão correccional, e conferindo aos tribunaes a faculdade de elevarem a sua duração até tres annos, tem este decreto por fundamental intuito evitar, pela severidade progressiva da pena, que os reincidentes se tornem absolutamente incorrigiveis.

Prescrevendo a aggravação ascendente da penalidade dentro de um limite determinado, o decreto não só não contradiz os princípios jurídicos adoptados pelo codigo penal na punição das reincidências, mas concilia a indeclinavel necessidade da defeza dos legitimos interesses sociaes com a brandura e humanidade caracteristicas das nossas instituições repressivas.

Analogo systema, applicado com mais dura severidade, tem produzido salutares effeitos na Inglaterra e na Russia, como foi demonstrado no congresso penitenciario de Stockholmo.

Comprehende o decreto algumas disposições penaes, que, obedecem ao pensamento predominante de combater a criminalidade que infesta os centros urbanos mais populosos.

Germina e medra ahi opulentamente no humus fecundo dos vicios e da corrupção moral a flora venenosa do crime nas mais variadas formas e especies.

Em primeiro logar sobresáe o latrocinio, que constituo para a sociedade, um tributo onerosissimo, e um grave perigo, porque na tribo dos criminosos menos temiveis organisam-se, muitas vezes, associações de tremendos malfeitores.

É indispensavel, pois, perseguir os delinquentes nos dédalos sombrios das cidades, procural-os nos mais reconditos latibulos, a fim de submetter á disciplina educativa da repressão penal aquelles que, pela impunidade, se podem transformar em criminosos incorrigíveis ou em acelerados famosos.

Restringe-se a faculdade da substituição da pena de prisão correccional pela de desterro.

Eram, tanto pelo codigo penal vigente, como pelo ante-

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rior, limitadissimos os casos em que tinha applicação aquella pena, é a experiencia tem demonstrado os inconvenientes do uso immoderado que se tem feito das disposições do artigo 22.º do decreto de 15 de setembro de 1892.

A pena de desterro, sendo immediata a de prisão correccional na escala descendente, é uma fórma de moderar a punição no concurso de circumstancias attenuantes póde porém, tornar-se, nalguns casos, mais grave do que aquella para o réu com que se pretendeu ser indulgente, subtrahindo-o aos incommodos e aos vexames da Cadeia.

Além d'isso, quando o condemnado é indigente e encontra no logar do desterro dificuldade em obter meios de subsistencia, a referida pena, em vez de moralisar, póde ser um incentivo, irresistivel talvez para a pratica de novos delictos.

Estabelece o decreto o trabalho obrigatorio para os condemnados em pena de prisão correccional.

A lei de 3 de julho de 1867 só isentava d'aquella obrigação o preso que, alem da quantia devida pelo quarto ou cella, pagasse tambem a despeza feita na cadeia com a sua sustentarão, ou que se sustentasse A sua custa. O codigo penal, porém, declarou absolutamente dispensado de trabalho o condemnado em prisão correccional.

Se a difficuldade de fornecer occupação aos presos que têem de cumprir curtas penas póde justificar a disposição do codigo, desprezou se todavia o elemento que se tem reputado o mais proficuo para a moralisação dos condemnados.

Os individuos que mais frequentemente incorrem na pena de prisão correccional são com effeito os que mais se distinguem pela sua animadversão ao trabalho; são os que se entregam habitualmente ao furto, ao roubo, a vadiagem e a mendicidade viciosa. Manter delinquentes desta categoria numa reclusão ociosa e sustental-os ainda a expensas da sociedade seria converter, nalguns casos, a condemnação n'um premio, em vez de ser um castigo.

Modifica-se por este decreto o artigo 23:° da lei de 1 de julho de 1867, que manda entregar aos condemnados o fundo de reserva, o peculio resultante do trabalho, no momento de serem postos em liberdade, permittindo-se-lhes que o confiem ás associações de patrocinio para ellas o administrarem sob a sua responsabilidade.

Com esta disposição tem-se em mira evitar que o peculio dos presos se mantenha inerte e esteril no respectivo cofre, e que venha a ser dissipado imprudentemente pelos condemnados no seu regresso a liberdade, ficando assim frustrado o intuito previdente da lei.

A estas vantagens acresce uma de singular importancia para a regeneração dos criminosos: confiando estes o producto do seu trabalho ás respectivas associações, têem de submetter-se a determinadas clausulas e regras de disciplina moral, e mais utilmente poderão assim aproveitar os beneficios da protecção que se lhes dispense.

Senhor, a adopção de providencias preventivas e repressivas contra a criminalidade, cujo incremento as estatisticas accusam, quasi por toda a parte, constituo hoje uma especial preoccupação em muitos estados, e as condições da sociedade portugueza infelizmente impõem-nos tambem o dever de prestar desvelada attenção a este ponderoso assumpto.

São estes, pois, os motivos e os fundamentos principaes do decreto que temos a honra de submetter ao superior critério e approvação de Vossa Magestade.

Paço, em 16 de dezembro de 1894. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio d'Azevedo Castelo Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = João Antonio de Brissae das Neves Ferreira = Carlos Lobo d'Avila = Arthur Alberto de Campos Henriques.

Attendendo ao que me representaram os ministros e secretarios d'estado de todas as repartições: hei por bem decretar o seguinte:

Artigo 1.° A pena de prisão correccional, quando tenha de ser applicada em caso de reincidencia, poderá elevar-se até tres annos, mantendo-se, todavia, a respectiva fórma do processo.

Art.º 2.° No caso de primeira e de segunda reincidencia, será a referida pena applicada, em conformidade com o disposto no n.° 5.° do artigo 100.° do codigo penal, relativamente a pena de prisão maior temporaria.

§ 1.° No caso de terceira ou mais reincidencias, o maximo da pena applicavel ao crime será progressivamente aggravado até ao limite de duração fixada no artigo anterior.

§ 2.° Se for applicavel cumulativamente a pena de multa, deverá esta corresponder sempre ao tempo de duração da pena de prisão correccional, não podendo, todavia, sendo a multa fixa, exceder o maximo marcado na lei.

Art. 3.° A primeira reincidencia no crime de furto será punida com a pena de prisão correccional de seis mezes a um anno e dois mezes de multa, se a pena applicavel for a do n.° 1.° do artigo 421.° do codigo penal; com prisão de um a dois annos e quatro mezes de multa, se a pena applicavel for a do n.° 2.°; com prisão de dois a tres annos e nove mezes de multa, se a pena applicavel for a do n.° 3.°; e com a de prisão cellular não inferior a quatro annos, ou na alternativa com a de degredo correspondente e em multa por dois annos, em qualquer dos casos, se a pena applicavel for a do n.° 4.°.

§ unico. A tentativa de furto será sempre punida, e quando ao furto corresponder pena correccional, será applicada a tentativa a pena que caberia ao crime consummado, se n'elle tivessem intervindo circumstancias attenuantes.

Art. 4.° Aquelle que mandar ou consentir que uma pessoa menor de quatorze annos, que esteja sob a sua auctoridade paternal ou tutelar, ou confiada a sua educação, direcção, guarda ou vigilancia, se de a mendicidade, ou que outra pessoa a contrate ou tome a seu serviço para o effeito de mendigar, incorrera na pena de prisão correccional até seis mezes e multa correspondente.

§ 1.° Na mesma pena incorrera, ainda que a mendicidade seja exercida sob a simulação de venda de artigos de commercio, de bilhetes ou cautelas de loteria, ou da prestação de outros serviços similhantes.

§ 2.° A disposição deste artigo são appjicaveie as excepções consignadas na parte final do artigo 261.° do codigo penal.

Art. 5.° Aquelle que, sendo apto para ganhar a sua vida pelo trabalho, for convencido de viver a expensas de mulheres prostituidas, será considerado e punido copio vadio, nos termos do artigo 206.º do codigo penal.

Art. 6.º A fiança de que trata o artigo 257.° do mesmo codigo não será admissivel no caso de reincidencia em crime de vadiagem, ou de crimes a que corresponda a mesma pena.

Art. 7.° Aquelle que, sendo maior de dezoito annos e valido para o trabalho, for condemnado pelo prime de vadiagem, de mendicidade, ou pelo facto incriminado pela disposição do artigo 5.° d'esta lei, poderá, pela sentença, ser posto a disposição do governo, em seguida ao cumprimento da pena, para os effeitos do artigo 10.° da lei de 21 de abril de 1892, ou para ser internado e compellido a trabalhar n'algum asylo ou deposito de mendicidade pelo periodo de dois a cinco annos, quando haja estabelecimentos publicos adequados aquelle effeito.

§ unico. O governo poderá, todavia, determinar a saida antes de terminar o praso marcado, se houver fundamento justificativo de tal resolução.

Art. 8. Na punição dos crimes a que se referem os artigos 3.°, 4.° e 5.° da presente lei, a pena de prisão correccional nunca poderá ser substituida pela de desterro.

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Art. 9.° A pena de prisão correccional obriga o condemnado a trabalho conforme as suas disposições e aptidão, ainda que não seja cumprida sob o regimen penitenciario.

§ unico. O producto do trabalho pertencera integralmente ao preso, quando este pagar a despeza feita na cadeia com a sua sustentação, ou quando se sustentar á sua custa. Se o preso, porém, não estiver neste caso, observar-se-ha o disposto no artigo 36.° da lei de 1 de julho de 1867.

Art. 10.° As associações protectoras dos condemnados, legalmente constituidas, poderão, sob sua responsabilidade ei na fórma dos respectivos estatutos, administrar o fundo de reserva dos condemnados, quando estes obtenham auctorisação do governo para lho confiarem, e se sujeitem ás clausulas e regras para esse effeito estabelecidas nos estatutos.

Art. 11.º E o governo auctorisado a decretar as providencias que sejam necessarias para regular o trabalho das prisões.

Art. 12.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

O presidente do conselho de ministros, ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda, e os ministros e secretarios d'estado de todas as repartições, assim o tenham entendido e façam executar. Paço, em 15 de dezembro de 1894. = REI. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio d'Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = João Antonio de Brissac das Neves Ferreira = Carlos Lobo d'Avila = Arthur Alberto de Campos Henriques.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.

Não havendo quem pedisse a palavra, foi posto a votação e approvado.

O sr. Presidente: - Passa-se á especialidade.

Leu-se o artigo 1.º

Foi approvado sem discussão.

Leu-se o

Artigo 2.º No caso de primeira e de segunda reincidencia, será a referida pena applicada, em conformidade com o disposto no n.º 5.º do artigo 100.° do codigo penal, relativamente a pena de prisão maior temporaria.

§ 1.° No caso de terceira ou mais reincidencias, o maximo da pena applicavel ao crime será progressivamente aggravado até ao limite da duração fixada no artigo anterior.

§ 2.° Se for applicavel cumulativamente a pena de multa, deverá esta corresponder sempre ao tempo de duração da pena de prisão correccional, não podendo, todavia, sendo a multa fixa, exceder o maximo marcado na lei.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

O sr. Amadeu Pinto: - Não pedi a palavra para discutir a generalidade do projecto, porque concordo com elle. Entendo, todavia, que seriam convenientes algumas explicações do sr. relator para ficarem constituindo interpretação authentica d'este projecto, na parte relativa ao artigo 2.°

Diz-se no parecer:

"Outro intuito a que obedeceu o decreto de 15 de dezembro de 1894 foi o de systematisar racionalmente a applicação das penas no caso de reincidencia. Para delictos da mesma ordem, praticados pelo mesmo individuo, é insufficiente a mesma sancção penal. D'esta ordem de delinquentes que reincidem no mesmo crime, só se póde esperar emenda e regeneração pela applicação de penalidades progressivamente aggravadas..."

Ora eu vejo que n'este artigo 2.° se dispõe alguma cousa que fará com que muitas vezes nos casos de primeira e segunda reincidencia não se aggrave pena nenhuma; e vejo até que, combinado este artigo com o artigo 385.° do codigo penal, virá a resultar o absurdo de poder ser punido o crime de duello, pela primeira vez com o maximo de quatro annos de prisão; no caso de primeira reincidencia com uma penalidade já inferior, comtanto que não baixe de dois terços d'aquella pena; no de segunda reincidencia com o maximo d'ella; mas no caso de terceira reincidencia e seguintes só com uma penalidade invariavelmente inferior aquella que podia ter sido applicada da primeira vez que fosse commettida o crime, isto é, com pena nunca superior a tres annos de prisão.

Para nos convencermos disto basta confrontar os artigos 185.° n.° 5.°, 192.° § unico, 202.° § 2.°, 211.° n.° 2.°, 343.° § unico, 444.° § unico, 452.° § 2.° e 385.° do codigo penal.

Em primeiro logar:

Todos estes artigos, com excepção do ultimo, estabelecem o maximo da prisão correccional para certos crimes. Ora como é que no caso da primeira e segunda reincidencia, em que a penalidade não pôde, segundo este artigo do projecto, exceder o maximo da prisão correccional, poderá tambem ser applicado com intuitos de aggravamento de pena para estes crimes o corpo do artigo que manda observar então o disposto no n.° 5.° do artigo 100.° do codigo penal?

Este n.° 5.° do artigo 100.° diz que no caso da primeira reincidencia será applicada a pena estabelecida, nunca abaixo de dois terços, e no caso da segunda reincidencia o maximo da pena. Ora, quando já pela primeira vez é applicado o maximo, quer por disposição da lei, como nas hypotheses dos artigos citados, quer ainda pelo arbitrio do juiz, que o póde fazer no caso de aggravantes, não vejo que seja systematisar muito racionalmente a applicação das penas nos casos de reincidencia, deixando-se a faculdade de applicar na primeira reincidencia uma penalidade que póde não exceder a da primeira condemnação e fixando-se para a punição da segunda reincidem; precisamente a mesma pena que compete a condemnação pela primeira vez, em certos casos.

Em segundo logar:

No caso de duello, de que resulte a morte de um d combatentes, que é o unico caso do nosso codigo penal e, , que a prisão com effeitos simplesmente correccionaes por ser de quatro annos, eu vejo este absurdo:

Pela primeira vez o tribunal póde applicar quatro annos de prisão; pela segunda vez não póde nunca applicar menos de trinta e dois mezes; pela terceira vez não póde applicar senão quatro annos; mas pela quarta, quinta e seguintes não póde já applicar mais de tres annos!

Com certeza que se podem remediar com uma redacção melhor os absurdos d'esta innovação.

Não mando proposta para a mesa, mas lembro ao sr. relator esta necessidade de alteração na redacção; se s. exa. concordar, muito bem, se não concordar, escusada seria a minha proposta.

Mas sempre direi que me parece que se póde remediar este inconveniente, acrescentando ao artigo 2.° as seguintes palavras: "salvo quando as penas da primeira condemnação ou primeira reincidencia tenham sido applicadas no maximo, porque então observar-se-ha o disposto no paragrapho seguinte".

E assim seria já applicavel o § 1.°, que prevê o caso da terceira ou mais reincidencias, e remediar-se-ia esta falta de systematisação, que se pretende dar, mas realmente não da sempre, a applicação das penas na reincidencia.

Como esta em discussão este artigo, e d'elle faz parte o § 2.°, chamo tambem a attenção do sr. relator para o que n'este paragrapho se dispõe, quando é applicavel a pena de multa cumulativamente com a pena de prisão correccional.

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SESSÃO N.º 39 DE 7 DE MARÇO DE 1896 517

Diz o § 2.° que, se for applicavel cumulativamente a pena de multa, deverá esta corresponder sempre ao tempo de duração da prisão correccional, não podendo, todavia, senão a multa fixa, exceder o maximo marcado na lei.

Ora, em primeiro logar, eu não conheço maximos nem minimos em multas fixas! Que vem a ser o maximo de uma multa fixa?

Como v. exa. e a camara sabem, no codigo penal e em leis especiaes que estabelecem penalidades de differente natureza, ha multas fixas na sua importancia; ha multas fixas no tempo, mas variaveis na importancia, que póde ser de 100 a 2$000 réis por dia; ha multas que têem o maximo fixo, e ha multas que são estabelecidas por uma fórma muito generica, dizendo-se apenas que correspondem a uma certa pena de prisão correccional.

Naturalmente este § 2.° quiz prever todas estas hypotheses; mas parece-me que não as previu.

Sendo a pena de multa cumulativamente applicavel com prisão correccional, estabelecida sob uma fórma generica, como, por exemplo, quando o codigo penal diz que serão applicados tantos dias ou tantos mezes de prisão correccional com a multa correspondente; estamos perfeitamente: a primeira parte do paragrapho dispõe tudo quanto é preciso a esse respeito. Então a pena de multa corresponderá sempre a pena de prisão correccional; a um determinado numero de dias de prisão correspondera o mesmo numero de dias de multa.

Está muito bem; mas sendo a multa fixa, parecem-me uma redundancia as ultimas palavras do paragrapho, porque uma multa; fixa, como disse, não tem maximo nem minimo; é certa, é invariavel, ou no tempo ou na importancia.

Assim é que o artigo 444.° § 2.° do codigo penal estabelece, cumulada com prisão correccional, uma multa fixa no tempo: seis mezes; e n'aquelle caso ou noutro similhante é inutil dizer-se que não será excedido um maximo que não existe. Certamente a intenção de quem redigiu o paragrapho foi a de se não permittir a applicação cumulativa de multa e prisão correccional por fórma que se excedesse o maximo da multa, quando esta fosse variavel e aquelle estivesse fixado de maneira mais restricta do que aquella que o artigo 67.° do codigo penal estabelece para todas as multas em geral.

Mas para essas hypotheses em que a multa tem assim o maximo fixado na lei, são improprias as palavras "sendo a multa fixai, e por outro lado, alem das palavras "não podendo exceder o maximo marcado na lei", são precisas outras que indiquem bem claramente os casos que se quiz prevenir, isto é, que façam referencia expressa ás multas que tenham o maximo fixado na lei.

Parece-me por isso que se poderia vantajosamente modificar a redacção do paragrapho, substituindo as palavras que n'elle se lêem em seguida a palavra "correccional" pelas palavras "salvo sendo a multa fixa, ou tendo marcado na lei o maximo que n'este caso não se excederá".

Sobre o artigo 2.° são estas as considerações que eu tinha a apresentar e para as quaes chamo a attenção do sr. relator.

O sr. Abilio Beça (relator): - O projecto de lei que se discute, e que é nem mais nem menos do que a reproducção do decreto de 10 de dezembro de 1894, é um dos mais claros, lucidos e reflectidos que têem sido apresentados a discussão n'esta casa do parlamento, e posso dizer, sem receio de ser contradictado, que é um diploma cuja applicação tem dado na pratica os mais beneficos e efficazes resultados. Em tribunal algum do paiz deixou de se fazer o elogio da applicação das providencias adoptadas n'este decreto.

O illustre deputado o sr. Amadeu Pinto encontrou na redacção do artigo 2.° falta de clareza e entendeu dever remediar essa falta. Eu não sei se seria do menos reflectido exame que o illustre deputado fizesse d'esse artigo que resultou um certo mal entendido de idéas que o levou a apresentar a emenda que mandou para a meia. Como relator do projecto parece-me que essa emenda não se deve acceitar, porquanto as disposições deste artigo são sufficientemente claras para poderem ser applicadas pelos tribunaes sem confusão nem receio de se errar.

Diz o illustre deputado que as penas applicadas no caso de reincidencia podem dar o absurdo de terem de se aggravar as penalidades, quando ellas se acham já fixadas na lei.

O sr. Amadeu Pinto: - Eu não disse isso.

O Orador: - Pareceu-me que s exa. tinha dito que as reincidencias são aggravadas na sua penalidade nos casos em que a lei applicavel não é fixa. Quando no arbitrio dos tribunaes fique o applicar penalidade maior ou menor é que tem logar o aggravaniento progressivo da pena, e quando a pena é fixa pela lei não póde ter logar o aggravamento.

Estes casos constituem uma excepção do direito penal. Numa ou outra hypothese apenas se encontram as comminações fixas, mas a regra é dar-se aos tribunaes um certo arbitrio para a applicação da pena, graduando-a conforme as circumstancias aggravantes e attenuantes, as condições em que se encontra o criminoso e as circumstancias que acompanhara a perpetrarão do delicio. Tudo isso tem de ser apreciado pelo julgador; e assim a penalidade póde ser maior ou menor. Mas, quando o codigo penal impõe pena fixa, não têem applicação os artigos ao presente projecto.

O artigo 2.° tem de applicar-se só nos casos em que na imposição da pena ha uma certa elasticidade, para que o julgador, possa comminar uma penalidade maior ou menor, conforme as circumstancias o exijam. Creio ter sido este o pensamento do legislador, quando se confeccionou o decreto que serviu de base ao presente projecto.

Com respeito ao segundo ponto sobre o qual apresentou duvidas o sr. Amadeu Pinto, a applicação da multa, parece-me que tambem ha menos boa interpretação quanto a redacção do § 2.° do artigo 2.° que diz : "Se for applicavel cumulativamente a pena de multa, deve a esta corresponder sempre ao tempo de duração da pena de prisão correccional, não podendo, todavia, sendo a multa fixa exceder o maximo marcado na lei".

O codigo penal estabelece, entre as penalidades dos delictos perpetrados, multas que podem ser applicadas singelamente, como unica comminação, ou cumulativamente com a pena de prisão ou com outras. Essas multas podem ser de 100 réis a 2$000 réis e applicadas desde tres dias até tres annos. Assim, o maximo da multa que se póde applicar são tres annos, a rasão de 2$000 réis. Este limite é que nunca os tribunaes, podem exceder na applicação da lei, e as palavras "deverá esta corresponder sempre ao tempo de duração da pena de prisão correccional, não podendo, sendo a multa fixa, exceder o maximo marcado na lei", parecem-me sufficientemente claras para não precisarem de emenda nem de reparo.

O juiz póde impor uma multa ao delinquente, proporcionando-a ao tempo de prisão, ou declarar que ella será de tal quantitativo, 100 réis ou 2$000 réis por dia. Se elle quizer impor a multa ao criminoso, póde fazel-o a seu arbitrio, até uma determinada quantia, 20$000, 30$000 ou 100$000,réis, mas o que não póde é ir alem do limite da multa estabelecida a rasão de 2$000 réis por dia e applicada por tres annos. Este é o limite maximo que os tribunaes nunca podem exceder.

Entendido o artigo por esta fórma, creio que não precisará de ser emendado. Em todo o caso o illustre deputado manda a sua emenda para a mesa, para ser presente á commissão, e ella será apreciada.

O meu voto póde não ser o mais rasoavel, mas a commissão considerará as emendas que o illustre deputado

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para lá mandar e depois de exame mais detido, a camara resolverá.

Quando se trata de jogo de artigos, de confronto de disposições de nossa legislação penal, que é bastante complexa, não se póde de momento, fazer uma idéa precisa e acabada a respeito de alguma duvida que qualquer illustre deputado póde levantar sobre a interpretação do artigo.

Póde ser que o sr. Amadeu Pinto tenha muita rasão nas observações que apresentou; pela impressão, porém, que me fez a exposição, que s. exa. apresentou; pareceu-me serem menos bem cabidos os seus reparos.

O sr. Amadeu Pinto: - Agradeço as explicações do ar. relator, e tambem concordo com s. exa. em que deveria precisar-se de um exame mais demorado para se perceber bem o alcance do jogo de artigos do codigo penal que eu citei, com este que se discute.

O que eu não vi, porém, foi que s. exa. explicasse satisfatoriamente as duvidas que apresentei, e os absurdos que notei.

Vou ler um artigo do codigo penal e este artigo do projecto em discussão, e veremos depois o que do seu confronto resulta.

O artigo 185.° § 5.° do codigo diz o seguinte:

"O rompimento ou quebramento do sellos postos por ordem do governo ou da auctoridade judicial ou administrativa em papeis ou outros objectos pertencentes a algum individuo arguido de crime, a que corresponda pena maior será punido com o maximo da prisão correccional."

Este crime, pela primeira vez que se commette, não póde ter menos de dois annos de prisão. Bem.

Mas pelo artigo 2.° do actual projecto, já na primeira reincidencia o mesmo crime não póde ser punido com pena superior. E pela terceira vez que se commetta, tambem não póde ter senão os dois annos. Isto não é aggravar penas.

Eu já não quero chamar a attenção do sr. relator para esse artigo do codigo penal, que permitte ao juiz, quando haja circumstancias aggravantes, applicar ao réu o maximo da pena, se ella é variavel, ainda que elle não seja reincidente. Limito-me a chamar a sua attenção só para alguns artigos, que são pouco numerosos, é certo, mas que nem por isso devem ser menos attendidos, porque em todos elles se estabelece a pena invariavel do maximo da prisão correccional, o que torna inefficaz e absurda a doutrina do projecto, quando se trate de punir as reincidencias n'esses crimes.

Os artigos são os que citei ha pouco e regulam diversas hypotheses dos crimes de rompimento de sellos, tirada e fugida de presos, passagem de moeda falsa, subtracção de menores, fabrico de chaves falsas e burla.

N'estes crimes as penalidades applicaveis ao réu, pela primeira vez que os commette, são sempre o maximo da prisão correccional: são dois annos de cadeia.

Pela segunda vez que os commette - primeira reincidencia - o artigo 2.° não permitte ao juiz condemnar o réu em pena mais grave; pela terceira vez - segunda reincidencia - tem de o condemnar tambem no mesmo, de onde resulta que um réu d'estes crimes esta sujeito a mesma penalidade quando o commette pela terceira, pela segunda, ou pela primeira vez!

A punição da segunda reincidencia nestes casos, é, portanto, inefficaz; mas a punição da primeira, alem de inefficaz póde ser absurda, porque este projecto vae aggravar a punição do reincidente, nalguns casos, permittindo que lhe sejam applicados só dois terços da pena applicavel. A primeira condemnação, quando n'esta possa ser e tenha sido applicada no maximo ou em mais de dois terços uma pena variavel de prisão correccional.

Era a isto que eu desejava que o sr. relator respondesse.

E isto remediava-se muito bem, acrescentando ao artigo estas palavras "salvo quando as penas da primeira condemnação ou da primeira reincidencia tenham sido applicadas no maximo, porque então observar-se-ha o disposto no § 1.°", que manda applicar as penas alem do maximo já estabelecido na legislação respectiva.

Accedendo ao convite do sr. relator vou redigir as propostas que a illustre commissão apreciara e a camara depois julgará.

Relativamente ao que disse sobre a multa, quando cummulativamente applicavel com a pena de prisão correccional, vejo que estamos do accordo, e reduzirei então tudo o que disse a esse respeito apenas a uma proposta para alteração de redacção.

As multas fixas não tem maximo nem minimo. Eliminando-se as palavras "sendo a multa fixa" ou substituindo-as de modo que fique bem patente na lei o pensamento do sr. relator com relação ao que eu acabo de dizer, dou-me por satisfeito.

Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

Proponho que em seguida a palavra "temporaria" do artigo 2.° do projecto, sejam additadas as seguintes: "salvo quando as penas da primeira condemnação ou da primeira reincidencia, tenham sido applicadas no maximo, porque então observar-se-ha o disposto no paragrapho seguinte" . = Amadeu Pinto.

Proponho que no § 2.° do artigo 2.° sejam substituidas as palavras "não podendo" e seguintes, pelas seguintes: "salvo sendo a multa fixa ou tendo marcado na lei o maximo, que neste caso não se excederá". = Amadeu Pinto.

Foram admittidas.

O sr. Abilio Beça: - As observações feitas pelo illustre deputado sobre a applicação da penalidade ás reincidencias, quando a sancção penal estabelecida por lei é fixa, responde o artigo 1.° do projecto: "A pena de prisão correccional, quando tenha de ser applicada em caso de reincidencia, poderá elevar-se até tres annos, mantendo-se, todavia, a respectiva fórma de processo".

Se o maximo de prisão correccional é applicavel logo no primeiro julgamento a um delinquente, no segundo póde applicar-se de dois até tres annos de prisão. As disposições do projecto hão de applicar-se nos casos em que o possam ser; e quando pelo codigo penal se estabeleceu o maximo e a graduação se não possa fazer conforme se estabelece no projecto em discussão, recorre-se a applicação da disposição do artigo 1.°: aggrava-se a pena até tres annos. A pena de prisão correccional, por via de regra, so póde ser imposta até dois annos; segundo o projecto, póde elevar-se até tres, podendo, portanto, manter-se ainda o principio do aggravamento da pena, mesmo para os casos em que o codigo penal impõe o maximo da pena correccional.

Creio que com isto fica respondida a objecção de s. exa.

Com respeito ás multas, o artigo não falla em limites de multa fixa. A multa fixa é aquella que o juiz impõe na sentença. Ha duas maneiras de fazer a applicação d'esta penalidade: uma condemnando-se o delinquente na pena de prisão por um certo tempo e multa correspondente a rasão de 100 réis a 2$000 réis por dia, e então não fica fixada a multa; a outra, quando os tribunaes impõem como pena o pagamento de uma quantia determinada.

Mas de uma ou de outra fórma o que não se póde fazer é ir alem do limite que a lei estabelece.

Não me parece, portanto, que haja rasão para se fazerem emendas na redacção do artigo.

O sr. Presidente: - Vae proceder-se á votação.

Foi approvado o artigo 2.º e seus paragraphos do projecto, e rejeitados o additamento e substituição propostos pelo sr. Amadeu Pinto.

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SESSÃO N.° 39 DE 7 DE MAEÇO DE 1896 519

Seguidamente foi lido e approvado sem discussão o artigo 3.?

Leu-se na mesa o

Artigo 4.° Aquelle que mandar ou consentir que uma pessoa menor de quatorze annos, que esteja sob a sua auctoridade paternal ou tutelar, ou confiada a sua educação, direcção, guarda ou vigilancia, se de a mendicidade, ou que outra pessoa a contrate ou tome a seu serviço para o effeito de mendigar, incorrerá na pena de prisão correccional até seis mezes e multa correspondente.

§ 1.° Na mesma pena incorrera, ainda que a mendicidade seja exercida sob a simulação de venda de artigos de commercio, de bilhetes ou cautelas de loteria, ou da prestação de outros serviços similhantes.

§ 2.° A disposição deste artigo são applicaveis as excepções consignadas na parte final do artigo 261.° do codigo penal.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

O sr. Teixeira Gomes: - Sr. presidente, ha bocado o illustre relator, quando respondia ao sr. Amadeu Pinto, nas observações que s. exa. fazia sobre o artigo 2.°, dizia que este decreto tinha sido o mais claro e lucido de todos os decretos promulgados em dictadura. Esta parte não a contesto; pois realmente o decreto está redigido com toda a clareza e lucidez; mas s. exa. affirmou tambem que este diploma era o que maiores e mais efiicazes resultados tinha produzido na pratica.

Ora, é precisamente o artigo 4.° aquelle que me leva a discrepar d'esta animação categorica de s. exa. O artigo citado, introduzido na lei evidentemente no intuito de evitar a mendicidade, de curar talvez esta chaga social, não a cura; o eu posso argumentar já com a observação, visto que o decreto já está em vigor ha muito tempo. É notavel que desde a sua promulgação tenha havido um manifesto recrudescimento na mendicidade, porque actualmente não se passa uma rua da capital sem que o transeunte seja assaltado por uma serie infinita de mendigos.

Talvez a lei seja mal comprehendida, mas a verdade é que desde que se promulga uma lei, é para ser cumprida, e eu devo presumir que as auctoridades a cargo de quem esta a sua execução a cumprem, o tendo correspondido ella a um recrudescimento do mal que se pretende evitar, logico é concluir pela necessidade da sua revogação.

Eu, porém, não vou tão longe, porque emfim póde ser que com a mudança de costumes, e se a sociedade portugueza entrar no caminha em que deve entrar, de cumprir as leis, cumprindo esta, é possivel que aufira vantagens d'ella, uma vez que se redija nos termos que tenho a honra de propor.

(Leu.)

As rasões que influem no meu espirito para apresentar esta proposta, resumem-se em muito pouco.

Evidentemente s. exa. comprehende perfeitamente que um operario, um desvalido da fortuna, que de um momento para o outro tem um accidente no trabalho, quebra uma perna ou um braço, ficando impossibilitado temporariamente de trabalhar, e não tendo outro meio de occorrer a sua subsistencia, tem necessariamente de recorrer a esmola. Quando a sociedade, por meio das associações protectoras não lhe accodo, elle tem ou de recorrer immediatamente a mendicidade, ou de mandar os filhos ou a mulher implorar a caridade publica.

N'estas condições parece-me que é perfeitamente contraproducente e uma iniquidade impor ainda uma pena de vadiagem aquelle que pede para um individuo n'esta situação.

É, pois, fundado nestas considerações, que me parecem da mais alta justiça, que eu mando para a mesa proposta que li, e espero que ella será tomada pelo sr. relator na consideração devida ás rasões puramente de justiça que militam a seu favor.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o artigo 4.° fique assim redigido: "Aquelle que, sendo apto para o trabalho, consentir, etc." = O deputado, José Teixeira Gomes.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Justiça (Azevedo Castello Branco):- Pedi a palavra para fazer umas brevissimas considerações a respeito do que acaba de dizer o illustre deputado o sr. Teixeira Cromes.

O artigo em discussão tem dois pontos de vista: punir aquelles que entregam a mendicidade creanças sob o seu poder paternal ou sob a sua direcção, e proteger estas creanças, para que, pelo habito da mendicancia, não venham a cair no abysmo da prostituição ou no da criminalidade.

O intuito da disposição é este principalmente. Quem tenha visto como na cidade de Lisboa, e como em outros centros urbanos, vagueiam creanças que mendigam, ou encobrem a mendicancia sob a venda de flores, ou de outros objectos; quem observe a influencia deletéria que a corrupção e os vicios exercem sobre a moralidade d'aquellas creanças; quem saiba que ha familias e individuos que especulam com a mendicancia de creanças, não póde deitar de applaudir a disposição da lei, e de lamentar com o illustre deputado a sua inexecução.

Eu sei que os resultados praticos não têem correspondido ao pensamento que me determinara a inserir no decreto a disposição do artigo 4.° do actual projecto de lei; mas não acho nisso rasão para ser eliminado, como uma inutilidade.

Cumpra-se com pontualidade, ou não, a minha consciencia fica tranquilla por ter attendido a um mal social, se não para ò curar radicalmente, pelo menos para lhe attenuar a gravidade.

O illustre deputado receia que a applicação do artigo possa ser prejudicial e deshumana até para o operario, o chefe de familia indigente, que, por doença, tenha de recorrer a caridade por intermédio de um filho, como unico recurso para a sua subsistencia. Não vejo que haja motivo para esse receio, pois que os tribunaes saberão distinguir a mendicidade viciosa, d'aquella que é imposta por uma necessidade inevitavel. Alem d'isso, sendo entre nós muito vivo o sentimento da caridade particular, e muito ampla a acção da beneficencia, publica, não serão frequentes os casos a que o illustre deputado se referiu, e, como já disse, o fim da lei é punir a mendicidade abusiva, a exploração fraudulenta da caridade publica.

São estas as reflexões que me suggeriram as palavras do illustre deputado, e a que prestei a attenção e a consideração merecidas.

O sr. Teixeira Gomes: - Agradeço a s. exa., o sr. ministro da justiça, a honra da sua resposta, mas devo declarar a s. exa. que a mesma não me satisfez completamente.

Sr. presidente, não é por meio da disposição deste artigo que se ha de destruir o mal social da mendicidade.

A mendicidade não é uma doença especifica, mas um symptoma de uma outra, para a qual urge procurar remedio.

O meio directo de se destruir a mendicidade não é prohibindo-a, é desenvolvendo as condições economicas da sociedade, dando-lhe uma orientação tal, que se chegue a um estado de prosperidade, com que a mendicidade seja incompativel.
Mas partindo do principio de que não podemos deixar de recorrer a meios puramente transitorios para abafar a mendicidade, entendo que, posto que a caridade portugueza seja extensa, posto que nós devâmos confiar muito

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520 DIA1RIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

n'ella, a verdade o, que a sua acção não chega a toda a parte, sobretudo a caridade que se exerce por meio das associações.

Quanto á caridade official, não podemos em regra contar com ella, a não ser quando se dão calamidades publicas, como a que se deu ultimamente em Santarem, porque são factos que quasi sempre têem um echo muito longiquo, que vão ferir, mais ou menos fundo, os sentimentos de todos os portuguezes; e naturalmente o governo, como interprete desses sentimentos, acode sempre com o seu obolo; mas contar com a cavidade official para estas miserias occultas, para estas miserias do proletario, para estas miserias que se dão dia a dia e que passam desapercebidas no tumultuar social, é puramente platonica!

Não digo em Lisboa, porque emfim quando aqui um operario quebra uma perna ou um braço n'uma construcção qualquer, os jornaes dão noticia d'esse facto, e em geral açodem-lhe as pessoas que têem a seu cargo a direcção de associações de beneficencia; e muitas vezes açode-lhes tambem a policia e as auctoridades; mas na provincia, onde não ha associações devidamente organisadas, onde não ha imprensa - como é que o operario ha de fazer constar que tem fome, senão mandando os filhos, a mulher, alguem, emfim, esmolar para elle?

Qual é o meio que tem o individuo que esta prostrado na cama por uma longa doença, sem recursos, senão mandando o filho a casa de quem o póde soccorrer?

E pergunto: isto não será mendicidade?

E n'este caso cae tal individuo sob a sancção da lei? E tambem manifesto que sim.

Portanto, promulgar a lei tal como se acha redigida, de fórma a não salvar casos d'estes, é elaborar um diploma legislativo que não ha de ser cumprido, porque eu não creio que haja tribunal que vá condemnar na pena do artigo o pae que deixou ou mandou o filho mendigar quando ella não tinha pão para lhe dar nem o podia ganhar, é atirar como lei ao paiz um diploma que, a cumprir-se; afastar-se-ia pelas injustiças a que daria logar do pensamento do nobre ministro que a concebeu.

Este artigo, diz-nos s. exa. o sr. ministro da justiça, que tem especialmente por fim evitar que os individuos, que tiverem tutelados ou tenham a sua guarda confiados quuesquer menores, os explorem por meio da mendicidade.

Eu não o nego, nem a minha proposta tende a illudir tal fisco, pois a minha idéa não era por fórma alguma deixar a esses individuos a liberdade de mandarem os menores confiados a sua guarda, mendigar; a minha idéa era restricta simplesmente a circumstancia de evitar que os pães ou os que exercem acção paternal não possam deixar que os filhos mendiguem para elles quando a mendicidade é justificada pelas circumstancias em que se encontram. Parece-me que restricta a proposta a este caso, tem por si toda a justiça e deve ser attendida especialmente, para que a lei não fique tal que o seu cumprimento repugne e para que, se for cumprida, não traga a grande injustiça de se punirem aquelles que recorrerem a mendicidade forçados apenas pela fome.

O sr. Amadeu Pinto: - Eu acho dignas de toda a ponderação as considerações do illustre deputado o sr. Teixeira Gomes e parece-me que talvez se podesse chegar a um accordo entre os desejos de s. exa. e os do sr. ministro da justiça, acrescentando em seguida ás palavras "se de" a palavra "habitualmente".

O sr. Ministro da Justiça (Azevedo Castello Branco): - Concordo.

O sr. Teixeira Gomes: - Tambem concordo.

Leu-se a seguinte

Proposta

Proponho que no artigo 4.°, em seguida ás palavras "se de", se acrescente a palavra "habitualmente". = Amadeu Pinto.

Foi admittida.

O sr. Abilio Beça (relator): - As considerações do illustre deputado o sr. Teixeira Gomes têem de certo um incontestavel fundo de rasão, mas parece-me que não se póde consignar n'uma lei auctorisação aos chefes de familia para mandarem seus filhos a mendigar. Tal auctorisação equivaleria a lançar na perversão essas creanças, que deviam encontrar da parte do seus pães ou protectores a educação moral que ha de influir na sequencia da sua vida.

Não acceito, pois, a proposta do sr. Teixeira Gomes, mas concordo com a do sr. Amadeu Pinto, porque da maneira que s. exa. propõe fica um pouco ao arbitrio do julgador o considerar se os pães fazem mau uso da sua auctoridade paterna na educação que devem dar a seus filhos ou tutelados.

Submettido o artigo a votação, foi approvado, confunctamente com a emenda apresentada pelo sr. Amadeu Pinto.

Foi approvado o artigo 5.° sem discussão.

Leu-se o

Artigo 6.° A fiança de que trata o artigo 207.° do mesmo codigo não será admissivel no caso de reincidencia em crime de vadiagem, ou de crimes a que corresponda a mesma pena.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

O sr. Amadeu Pinto: - Desejava que ficasse bem claro na lei se a fiança não é admissivel só no caso da reincidencia em crimes a que corresponda a mesma pena que compete ao crime de vadiagem, ou se tambem não é admissivel no caso d'aquelles crimes.

Provavelmente a intenção de quem redigiu o artigo 6.° foi de não se admittir a fiança no caso de reincidencia em crimes de vadiagem ou em outros crimes a que corresponda a mesma pena, e, em harmonia com essa intenção, talvez ficasse melhor dizer: "No caso de reincidencia em crimes de vadiagem, ou em crimes a que corresponda a mesma penai. Conservando-se as palavras ou de, tanto se póde entender o artigo desta maneira: "A fiança de que trata o artigo 257.° do mesmo codigo não será admissivel no caso de reincidencia em crimes a que corresponda a mesma pena", como dest'outra: "A fiança de que trata o artigo 257.° do mesmo codigo não será admissivel no caso de crimes a que corresponda a mesma pena". Poderia interpretar-se de uma ou de outra maneira.

Como disse, provavelmente o artigo foi redigido na intenção de não ser admittida a fiança so no caso de reincidencia nos crimes de vadiagem ou em crimes a que corresponda a mosma pena; e por isso parece-me que seria conveniente ficar desde já esclarecido e interpretado o verdadeiro sentido desta disposição pela opinião do sr. relator do projecto e do sr. ministro da justiça, evitando-se por esta fórma qualquer duvida que de futuro podesse levantar-se nos tribunaes.

Leu-se a seguinte

Proposta

Proponho que se substituam no artigo 6.° as palavras "ou de" pelas palavras" "ou em". = Amadeu Pinto.

Foi admittida.

O sr. Abilio Beça (relator): - Concordo com a emenda do sr. Amadeu Pinto no sentido de substituir a proposição de pela proposição em; é mais conforme com a redacção do artigo.

O sr. Presidente: - Não havendo quem mais peça a palavra, vão- votar-se o artigo 6.° com a emenda proposta pelo sr. Amadeu Pinto e acceita pela commissão.

Foi approvado.

Successivamente foram approvados sem discussão os artigos restantes do projecto.

O sr. Presidente: - Participo á camara que a com-

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missão de redacção não fez alteração alguma aos projectos nos. 12 e 16.

Leu-se o seguinte:

PROJECfO DE LEI N.º 14

Senhores. — A vossa commissão de legislação criminal foi presente o decreto de 27 de fevereiro de 1895 sobre revisão de processos para rehabilitação de réus, cuja innocencia seja comprovada.

Manifestamente, este decreto tem uma importancia que escusado é encarecer.

Regular o meio de reparar erros judiciarios, depois de passada a sentença em julgado, restituir ao cidadão o bom nome de que indevidamente fôra privado, conceder-lhe indemnisação pelos prejuizos causados, dar á familia dos réus fallecidos a faculdade de lhes rehabilitar a memoria, são, na verdade, disposições de alto valor.

Até agora, sem embargo do que se acha estatuido na reforma penal de 1884, só recorrendo á clemencia regia era possivel attennuar os effeitos de condemnações injustas; mas este systema, alem de confundir um direito com uma graça, era insufficiente como reparação.

O problema comporta varias soluções; todavia, a comissão considera preferivel a adoptada pelo governo no referido decreto; pelo que tem a honra de submetter ao vosso illustrado criterio o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º A rehabilitaçao dos réus realisar-se-ha por meio da revisão extraordinaria das respectivas sentenças condemnatorias, passadas em julgado, nos termos e pela fórma estabelecida na presente lei.

Art. 2.º Alem dos casos especificados nos artigos 1263.º, 1264.º, 1265.º e 1268.º da novissima reforma judiciaria, será admittida a revisão, quando tiverem occorrido circumstancias que justifiquem a innocencia dos condemnados.

Art. 3.º A revisão será concedida pelo supremo tribunal de justiça, podendo requerel-a o réu, ou promovel-a officiosamente o ministerio publico perante o mesmo tribunal, embora esteja executada a sentença.

Art. 4.º No caso de revisão, por motivo differente d’aquelle a que se refere a novissima reforma judiciaria, proceder-se-ha nos termos dos artigos seguintes.

Art. 5.º O réu que pretenda rehabilitar-se apresentará o requerimento em que peça a revisão, instruido com os documentos justificativos, sem o que não poderá tomar-se conhecimento do pedido.

Art. 6.º O supremo tribunal de justiça, ouvido o ministerio publico, decidirá, em secções reunidas, se, em vista do allegado e dos documentos, ha fundamentos para se rever o processo.

§ 1.º Não será attendida a petição que tenha por intuito manifesto qualquer modificação da pena applicada; na sentença.

§ 2.º O accordão, que conceda ou negue a revisão, será sempre motivado.

Art. 7.º Attendido o requerimento do réu ou a promoção officiosa do ministerio publico, o supremo tribunal designará no accordão um juizo de 1.ª instancia, diverso d’aquelle em que o réu fôra julgado, se assim lhe for requerido, ou se o tiver por conveniente, a fim de se proceder ahi á revisão do respectivo processo, sem que seja todavia suspensa a execução da sentença condemnatoria.

Art. 8.º A parte a quem se tenha concedido a revisão de processo ordinario ou correccional, deverá dirigir um requerimento ao juiz competente, nos termos do artigo anterior, pedindo a citação do ministerio publico e da parte accusadora, se a houver, para, na segunda audiencia posterior á citação, verem offerecer o articulado e os respectivos documentos.

§ 1.º Se a revisão for promovida pelo ministerio publico, será o articulado offerecido contra a parte accusadora, se a houver, e contra um agente especial do ministerio publico, que para este fim será nomeado pelo juiz de entre os advogados ou procuradores, se no juizo não houver advogados, excepto nas comarcas onde haja mais de um delegado, porque, n’este caso, a nomeação será feita pelo respectivo procurador regio.

§ 2.º Seguir-se-hão todos os demais termos do respectivo processo até á sentença final.

Art. 9.º A parte a quem for concedida a revisão, tratando-se de processo de policia correccional, deverá dirigir o requerimento ao juiz competente, pedindo que se proceda a novo julgamento com citação do ministerio publico e da parte accusadora, se a houver, e que se proceda previamente a qualquer exame necessario para o descobrimento da verdade, sendo tambem applicavel n’este caso o disposto no artigo 20.º do decreto de 15 de setembro de 1892.

§ 1.º Se a revisão for promovida pelo ministerio publico, proceder-se-ha á citação da parte accusadora, havendo-a, e de um agente especial do ministerio publico, nomeado na fórma do § 1.º do artigo antecedente.

§ 2.º Seguir-se-hão os demais termos do processo de policia correccional até á sentença respectiva.

Art. 10.º Nos processos em que houver intervenção do jury, decidirá este as questões de facto que lhe forem propostas, devendo ser formulados quesitos, não só ácerca dos factos que tiverem sido articulados, mas tambem sobre qualquer circumstancia adveniente da discussão da causa.

Art. 11.º Se for julgada improcedente a accusação, deverá a respectiva sentença declarar nulla a sentença condemnatoria, sem fazer referencia ás disposições da lei penal, o rehabilitado o réu perante a sociedade, readquirindo o seu estado de direito anterior á condemnação logo que a sentença passe em julgado.

§ 1.º Esta sentença, será publicada no Diario do governo, em tres dias consecutivos; e affixada por certidão á porta do tribunal da comarca do domicilio ou residencia do rehabilitado, e á porta do tribunal da comarca em que fôra proferida, a condemnação, devendo ser trancado o respectivo registo criminal.

§ 2.º Da sentença deverá o ministerio publico int rpor sempre os recursos legaes.

Art. 12.º Na sentença será arbitrada ao réu, quando este assim o tenha requerido, a justa indemnisação do prejuizo que houver soffrido com o cumprimento da pena, se no processo existirem elementos necessarios para fazer aquelle arbitramento, e no caso contrario, será a indemninação fixada em processo ordinario nos termos da legislação vigente.

§ unico. Se a pena tiver sido a de multa, e estiver já, cumprida, ordenará a sentença a sua restituição.

Art. 13.º Se a rehabilitaçao for julgada improcedente, será pela nova sentença mantida a condemnação anterior.

Art. 14.º No caso do artigo antecedente só poderá ser permittida segunda revisão, se a promover o procurador geral da corôa e fazenda.

Art. 15.º É permittida a revisão do processo e sentença relativa ao réu fallecido, seguindo-se as disposições anteriores no que for applicavel.

Art. 16.º São unicamente competentes para promoverem esta revisão os ascendentes, descendentes, conjuges e irmãos do mesmo réu.

Art. 17.º Os réus que forem condemnados pelos tribunaes militares tambem poderão rehabilitar-se por meio da revisão das respectivas sentenças condemnatorias, tanto nos casos especificados nos nos. 5.º, 7.º, 8.º e 9.º do artigo 300.º do codigo de justiça militar, como se tiverem occorrido circumstancias justificativas da innocencia dos condemnados.

Art. 18.º A revisão será concedida pelo supremo conselho de justiça militar, em vista de requerimento documentado do réu ou de exposição fundamentada do promotor de

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justiça militar, e poderá ser designado, para se proceder á revisão, o mesmo tribunal que proferira a sentença condemnatoria, ou diverso, conforme seja mais conveniente e accommodado ás circumstancias do processo.

§ 1.º Fóra dos casos especiaes, a que se refere o artigo 16.º, não se mandará suspender a execução da sentença, excepto se a pena imposta for a de morte.

§ 2.º A revisão das sentenças condemnatorias só poderá ter cabimento em tempo de paz.

Art. 19.º A sentença de rehabilitação será publicada tambem na ordem do exercito e da armada.

Art. 20.º Serão observadas as outras disposições que não estejam em desharmonia com a natureza e termos especiaes dos processos instaurados nos tribunaes militares.

Art. 21.º As disposições d’esta lei serão tambem applicaveis a todos os réus que se achem coudemnados por sentenças passadas em julgado na data da sua promulgação, aos que já tenham cumprido a respectiva pena, e bem assim aos que já estejam fallecidos.

Art. 22.º Fica revogada a legislação em contrario. = Agostinho Lucio = Adolpho Pimentel = Lopes Navarro = Abilio Beça = Teixeira de Sousa = C. Moncada = M. Fratel.

Senhor. — A carta de lei de 14 de junho de 1884, reformando varias disposições do codigo penal, decretado em 10 de dezembro de 1852, entre os modos por que terminam as penas dos réus, consignou a rehabilitação, que consiste na sua reintegração no estado de direito anterior á sentença condemnatoria, depois de se ter reconhecido e comprovado a innocencia por meio da revisão do processo.

São decorridos mais de dez annos, desde que na legislação patria se adoptara aquelle principio, justo e humano, e todavia ainda nenhum tribunal proferiu sentença que redimisse alguem do soffrimento de uma pena immerecida, dando-lhe, por modo publico e solemne, reparação á dignidade moral vilipendiada e abatida por injusta condemnação.

Entretanto, n’esse periodo, descobriram-se alguns erros judiciarios, e, para liberter os innocentes da expiação de faltas não perpetradas, mister foi recorrer ao poder moderador, por não haver diploma legislativo que estabelecesse as formulas a seguir para a revisão dos respectivos processos.

A regia clemencia acudiu ao infortunio de alguns condemnados, pôz termo ao seu soffrimento, abriu-lhes as portas dos carceres, concedeu-lhe a liberdade, considerou expiada a culpa, como se o castigo fôra merecido; mas não foi proclamada a innocencia dos réus por uma sentença que lhes restituisse o bom conceito publico, a reputação honrada de que foram esbulhados, e que os indemnisasse dos prejuizos materiaes causados pela condemnação.

Quer antes, quer depois da reforma penal de 1884, foram apresentadas na camara dos senhores deputados propostas para supprir esta deficiencia de legislação; apesar, porém, da sympathia que mereceram e da sua incontroversa utilidade, não lograram ser convertidas em lei, porque assumptos da outra indole conquistaram a preferencia nas discussões, fazendo adiar, e talvez esquecer, a adopção de providencias, que são demandadas pela justiça social e por generosos sentimentos de humanidade.

Na antiga legislação do nosso paiz as sentenças condemnatorias podiam ser revistas nos termos da ordenação do livro 3.º, titulo 95.º Era uma concessão feita por graça especial do soberano, e não o exercicio de um direito conferido ao condemnado, e que muito diverge da rehabilitação, que bem póde comparar-se á restitutio in integrum dos romanos.

Adoptado o regimen das instituições vigentes, promulgou-se a novissima reforma judiciaria, que n’algum casos prescreve a revisão. Fóra d’elles, porém, por mais notoria e manifesta que seja a injustiça da condemnação, embora esteja demonstrada irrefragavelmente a existencia do erro judiciario, o condemnado tem sómente o recurso á clemencia regia para alcançar o perdão do supposto crime, obtendo uma especie de rehabilitação graciosa, diversa, todavia, da judiciaria nas suas consequencias juridicas e nos seus effeitos moraes.

A revisão dos processos criminaes, apesar de se reconhecer o seu justo fundamento, tem encontrado oppugnadores por ser difficil, se não impossivel, prefixar n’uma lei todos os casos em que, sem prejuizo para a sociedade, se deva permittir aquelle recurso excepcional.

Com effeito, as condemnações injustas tanto podem provir da fallibilidade humana, como do interesse vil, da maldade perfida ou da suggessão das ruins paixões.

A innocencia tanto corre o perigo de se ver illaqueada e oppressa pela trama inextricavel de uma malsinação calumniosa, ou de ser ferida pela vingança, como de ser victimada, não por malevolos e traiçoeiros intuitos, mas por um eventual complexo de circumstancias e indicios de apparentc credibilidade.

É por isso que o illustre estadista, o conselheiro Julio Marques de Vilhena, no relatorio da sua proposta de revisão apresentada ás côrtes em 1883, escreveu o seguinte:

«Entre o systema de fixar os casos em que póde ter logar a revisão e o de a admittir genericamente, sempre que occorrerem circumstancias que possam juntificar a improcedencia da accusação, eu não hesito, porque, por mais completo que seja o inventario d’esses casos, é impossivel ao legislador não deixar escapar algum em que o réu possa ter sido injustamente condemnado. É por isso que concedo aos condemnados o direito de pedirem a revisão sem especificação de fundamentos, e deixando ao tribunal competente, para a conceder, a apreciação d’elles.»

O arbitrio em materia tão grave e delicada infunde justificado receio; mas conferindo-se ao supremo tribunal de justiça a faculdade de conceder ou recusar a revisão, e exigindo-se aos requerentes a prova documental dos fundamentos do pedido, é de crer que se não dirijam áquelle tribunal requerimentos futeis, e menos é de presumir que se obtenha a revisão sem ponderosos e concludentes motivos.

A irrevogabilidade do caso julgado, que é uma salvaguarda da ordem, do socego e tranquillidade social, tem induzido os legisladores a determinarem restrictamente os casos da revisão; mas, se o systema contrario é criticavel, é tambem controvertivel a doutrina dos codigos, que, fixando-os taxativamente, deixam fóra do alcance da sua previsão muitas hypotheses possiveis.

É sem duvida uma necessidade publica defender a auctoridade das decisões dos tribunaes contra ataques imprudentes e temerarios, de modo que a lei e a acção da justiça conservem a força e prestigio indispensaveis ao bom regimen social.

No intuito, pois, de obviar ao abuso de injustificados pedidos de revisão, e de, ao mesmo tempo, nilo tornar impossivel a rehabilitação do condemnado n’algum caso imprevisto, são n’este projecto de decreto adoptadas formulas diversas das estatuidas nos projectos submettidos á apreciação parlamentar, nas sessões legislativas de 1892 e 1893.

A revisão tem de ser precedida do exame dos motivos que possam auctorisal-a justificadamente.

Confore-se ao supremo tribunal de justiça a competencia para conceder aquella auctorisação, o que é não só conforme com a indole das funcções organicas do mesmo tribunal, como com a doutrina estabelecida nos artigos 1:263.º,

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1:265.º e 1:268.º da novissima reforma judiciaria. Incongruencia seria negar-lh’a em outros casos em que a sentença condemnatoria, arguida de injusta, tem de passar ainda por demorado exame e discussão rigorosa, para que a innocencia do réu possa surgir immaculada e triumphante da controversia dos tribunaes.

Pelo decreto que temos a honra de apresentar a Vossa Magestade não se limita a revisão aos processos ordinarios. É applicavel a todos, porque tanto carece de se rehabilitar aquelle a que foi imposta a pena correspondente a um crime grave, como o que foi punido com um castigo leve, mas vilipendioso para a sua fama e dignidade.

Nem a lei de 14 de junho de 1884, nem o artigo 126.º do codigo penal, referindo-se á rehabilitação, a restringe aos crimes a que são applicaveis as penas maiores, e por isso, com lucido criterio, as commissões parlamentares que emittiram pareceres sobre o projecto apresentado na sessão legislativa de 1892, e cuja iniciativa foi renovada em 1893, conferiam o direito de revisão das sentenças aos condemnados em quaesquer penas.

Consigna-se a doutrina de que, se o réu for condemnado segunda vez em consequencia da revisão, se lhe não applique pena diversa da imposta na sentença primitiva.

A reformatio in pejus é um principio reprovado pela jurisprudencia, e proscripto pelos legisladores modernos.

A segunda revisão só é permittida, quando a promova o procurador geral da corôa e fazenda.

É justo que a lei conceda, em casos excepcionaes, a de-rogação do principio da irrevogabilidade do caso julgado. Seria, porém, perigoso permittir sem restricções a segunda revisão, entibiando assim a auctoridade da lei e o respeito devido às decisões dos tribunaes.

Faculta-se a revisão da sentença condemnatoria para rehabilitação de réus já fallecidos, concedendo-se á familia o direito de a requerer e promover.

Este acto de justiça posthuma, concordando com os sentimentos de piedade que os mortos inspiram, é uma reparação moral dada áquelles que, embora não attingidos pela sentença, compartilharam tambem, como membros da familia, as consequencias dolorosas da condemnação.

É applicavel tambem a presente decreto á revisão das sentenças dos tribunaes militares. As ponderações precedentes justificam igualmente as disposições relativas áquella revisão.

Condemnações injustas podem dar-se tanto nos tribunaes militares, como nos civis, e seria iniquo não proporcionar aos réus o meio de se rehabilitarem, provando a innocencia pela revisão do processo.

O codigo de justiça militar, mandando suspender a execução das sentenças condemnatorias nos casos especificados no artigo 300.º, não allude á revisão do processo, nem formula as regras para se proceder a ella; por esse motivo, e em vista do artigo 46.º do mesmo codigo, julgâmos ter o devido cabimento n’este decreto as disposições que se referem á rehabilitação dos réus julgados pelos tribunaes militares.

São estes, Senhor, os fundamentos do decreto que temos a honra de apresentar á approvação de Vossa Magestade.

Secretaria d’estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 27, de fevereiro de 1895. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio d’Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = José Bento Ferreira de Almeida = Carlos Lobo d’Avila = Arthur Alberto de Campos Henriques.

Attendendo ao que me representaram os ministros e secretarios d’estado de todas as repartições: hei por bem decretar o seguinte:

Artigo 1.º A rehabilitação dos réus limitar-se-ha por meio da revisão extraordinaria das respectivas sentenças condemnatorias, passadas em julgado, nos termos e pela forma estabelecida no presente decreto.

Art. 2.º Alem dos casos especificados nos artigos 1:263.º, 1:264.º, 1:265.º e 1:268.º da novissima reforma judiciaria, será admittida a revisão, quando tiverem occorrido circumstancias que justifiquem a innocencia dos condemnados.

Art. 3.º A revisão será concedida pelo supremo tribunal de justiça, podendo requerel-a o réu, ou promovel-a officiosamente, o ministerio publico perante o mesmo tribunal, embora esteja executada a sentença.

Art. 4.º No caso de revisão, por motivo differente d’aquelle a que se refere a novissima reforma judiciaria, proceder-se-ha nos termos dos artigos seguintes.

Art. 5.º O réu que pretenda rehabilitar-se apresentará o requerimento em que peça a revisão, instruido com os documentos justificativos, sem o que não poderá tomar-se conhecimento do pedido.

Art. 6.º O supremo tribunal de justiça, ouvido o ministerio publico, decidirá em secções reunidas se, em vista do allegado e dos documentos, ha fundamentos para se rever o processo.

§ 1.º Não será attendida a petição que tenha por intuito manifesto qualquer modificação da pena applicada na sentença.

§ 2.º O accordão, que conceda ou negue a revisão, será sempre motivado.

Art. 7.º Attendido o requerimento do réu, ou a promoção officiosa do ministerio publico, o supremo tribunal designará no accordão um juizo de 1.ª instancia, diverso d’aquelle em que o réu fôra julgado, se assim lhe for requerido, ou se o tiver por conveniente, a fim de se proceder ahi á revisão do respectivo processo, sem que seja todavia suspensa a execução da sentença condemnatoria.

Art. 8.º A parte a quem se tenha concedido a revisão de processo ordinario ou correccional, deverá dirigir um requerimento ao juiz competente nos termos do artigo anterior, pedindo a citação do ministerio publico e da parte accusadora, se a houver, para, na segunda audiencia posterior á citação, verem offerecer o articulado e os respectivos documentos.

§ 1.º Se a revisão for promovida pelo ministerio publico, será o articulado offerecido contra a parte accusadora, se a houver, e contra um agente especial do ministerio publico, que para este fim será nomeado pelo juiz de entre os advogados ou procuradores, se no juizo não houver advogados, excepto nas comarcas onde haja mais de um delegado, porque, n’este caso, a nomeação será feita pelo respectivo procurador regio.

§ 2.º Seguir-se-hão todos os demais termos do respectivo processo até á sentença final.

Art. 9.º A parte a quem for concedida a revisão, tratando-se de processo de policia correccional, deverá dirigir o requerimento ao juiz competente, pedindo que se proceda a novo julgamento com citação do ministerio publico e da parte accusadora, se a houver, e que se proceda previamente a qualquer exame necessario para o descobrimento da verdade, sendo tambem applicavel n’este caso o disposto no artigo 20.º do decreto de 15 de setembro de 1892.

§ 1.º Se a revisão for promovida pelo ministerio publico, proceder-se-ha á citação da parte accusadora, havendo-a, e de um agente especial do ministerio publico, nomeado na fórma do § 1.º do artigo antecedente.

§ 2.º Seguir-se-hão os demais termos do processo de policia correccional até á sentença respectiva.

Art. 10.º Nos processos em que houver intervenção do jury, decidirá este as questões de facto que lhe forem propostas, devendo ser formulados quesitos, não só ácerca dos factos que tiverem sido articulados, mas tambem sobre qualquer circumstancia adveniente da discussão da causa.

Art. 31.º Se for julgada improcedente a accusação, deverá a respectiva sentença declarar nulla a sentença con-

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domnatoria, sem fazer referencia ás disposições da lei penal, e rehabilitado o réu perante a sociedade, readquirindo o seu estado de direito anterior á condemnação, logo que a sentença passo em julgado.

§ 1.º Esta sentença será publicada no Diario do governo, em tres dias consecutivos, e affixada por certidão á porta do tribunal da comarca do domicilio, ou residencia do rehabilitado, e á porta do tribunal da comarca em que fôra proferida a condenmação, devendo ser trancado o respectivo registo criminal.

§ 2.º Da sentença deverá o ministerio publico interpor sempre os recursos legaes.

Art. 12.º Na sentença será arbitrada ao réu, quando este assim o tenha requerido, a justa indemnisação do prejuizo que houver soffrido com o cumprimento da pena, se no processo existirem elementos necessarios para fazer aquelle arbitramento, e no caso contrario, será a indemnisação fixada em processo ordinario nos termos da legislação vigente.

§ unico. Se a pena tiver sido a de multa, e estiver já cumprida, ordenará a sentença a sua restituição.

Art. 13.º Se a rehabilitação for julgada improcedente, será pela nova sentença mantida a condemnação anterior.

Art. 14.º No caso do artigo antecedente só poderá ser permittida segunda revisão, se a promover o procurador geral da corôa e fazenda.

Art. 15.º É permittida a revisão do processo e sentença relativa ao réu fallecido, seguindo-se as disposições anteriores no que for applicavel.

Art. 16.º São unicamente competentes para promoverem esta revisão os ascendentes, descendentes, conjuges e irmãos do mesmo réu.

Art. 17.º Os réus que forem condemnados pelos tribunaes militares tambem poderão rehabilitar-se por meio da revisão das respectivas sentenças condemnatorias, tanto nos casos especificados nos nos. 5.º, 7.º, 8.º e 9.º do artigo 300.º do codigo de justiça militar, como se tiverem occorrido circumstancias justificativas da innocencia dos condemnados.

Art. 18.º A revisão será concedida pelo supremo conselho de justiça militar, em vista de requerimento documentado do réu ou de exposição fundamentada do promotor de justiça militar, e poderá ser designado, para se proceder á revisão, o mesmo tribunal que proferira a sentença condemuatoria, ou diverso, conforme seja mais conveniente e accommodado ás circumstancias do processo.

§ 1.º Fóra dos casos especiaes, a que se refere o artigo 16.º, não se mandará suspender a execução da sentença, excepto se a pena imposta for a de morte.

§ 2.º A revisão das sentenças condemnatorias só poderá ter cabimento em tempo de paz.

Art. 19.º A sentença de rehabilitação será publicada tambem na ordem do exercito e da armada.

Art. 20.º Serão observadas as outras disposições que não estejam em desharmonia com a natureza e termos especiaes dos processos instaurados nos tribunaes militares.

Art. 21.º As disposições d’este decreto serão tambem applicaveis a todos os réus que se achem condemnados por sentenças passadas em julgado na data da sua promulgação, aos que já tenham cumprido a respectiva pena, e bem assim aos que já estejam fallecidos.

Art. 22.º Fica revogada a legislação em contrario.

O presidente de conselho de ministros, ministro e secretario d’estado dos negocios da fazenda, e oa ministros e secretarios d’estado das outras repartições, assim o tenham entendido e façam executar. Paço, em 27 de fevereiro de 1895. = REI. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeira = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio d’Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = José Bento Ferreira de Almeida = Carlos Loba d’Avila = Arthur Alberto Campos Henriques.

O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade.

Não havendo quem pedisse a palavra, foi posto á votação e approvado.

Seguidamente foi tambem approvado sem discussão na especialidade.

O sr. Presidente: — Vae entrar em discussão outro projecto.

Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º 18

Senhores: — A vossa commissão de legislação criminal foi presente o decreto do 10 de janeiro de 1895, no qual foram consignadas novas disposições de jurisprudência criminal, relativamente ao delinquente alienado. Constituem essas disposições a essencia da proposta de lei, apresentada á camara dos senhores deputados, em sessão de 23 de outubro de 1894, proposta que, presente á respectiva commissão, foi apreciada, e desde logo reputada como providencia legislativa de indiscutivel conveniencia e utilidade, merecendo approvação, na generalidade, o conjuncto das suas disposições.

O diploma, que hoje está affecto ao exame da vossa commissão, moldado nos mesmos fundamentos, na mesma doutrina, e porventura no mesmo intuito, merece, por igual, a approvação da vossa commissão, não só nas bases doutrinarias do seu relatorio, como tambem na substancia das suas disposições, quer se refiram ás regras estabelecidas para apreciar e apurar, sob o ponto de vista scientifico, a responsabilidade criminal do delinquente alienado, ou seja a imputação inherente ao auctor do acto incriminado, quer para resolver sobre o destino a dar ao individuo comprehendido n’estas condições.

Conhece a vossa commissão as grandes difficuldades, que tem atravessado a jurisprudencia criminal, para resolver com clareza, auctoridado e confiança os multiplices problemas criminaes, que todos os dias surgem no seio da sociedade e nas differentes instancias dos tribunaes de justiça, para bem descriminar o criminoso responsavel do criminoso insusceptivel de imputação moral, porque n’este influiram factores ou elementos de origem morbida, em maneira a coarctar-lhe ou o exercicio da sua consciencia, ou a plena liberdade da sua acção.

É no estudo progressivo da psychologia, da anthropologia criminal e da psychiatria, que a sciencia, por vezes, tem encontrado veredas e caminhos abertos, para chegar confiadamente a illações, que são como que feixes de luz a projectarem-se no recondito dos actos humanos, que na sua origem representam um determinismo pathologico e na sua finalidade uma violencia criminosa, conforme ha ou não ha integridade de consciencia, exercicio livre de vontade e comprehensão intellectual do facto reputado punivel, por criminoso. Perante a sciencia moderna, quer seja representada pelo direito, quer pela medicina, o louco já não é um ser fóra do alcance da sciencia, nem das leis protectoras, e sobretudo das leis, que determinando o exame minucioso, demorado e reflectido do individuo alienado delinquente, na sua dualidade organica e moral, na sua origem, na hereditariedade, nos actos que pratica, e em outras variadas circumstancias, preparam assim tanto para a sociedade, como para o delinquente, que com ella é incompativel, uma defeza reciproca; aquella libertando-se de um elemento perturbador, que a compromette e offende, este abrigando-se no isolamento protector official ou officioso, conforme assim se julga necessario e indispensavel á conveniencia social. Até aqui chega a acção da legislação penal, reputando os loucos insusceptiveis de imputação, não os considerando criminosos, e não os punindo. Mas parar n’esta altura seria deixar incompleta a acção da justiça, esquecer a resolução da parte mais importante do problema criminal e menosprezar a applicação de valiosos elementos

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de estudo, adquiridos por uma numerosa pleiade de criminalistas e alienistas, no labor de aturadas investigações, dirigidas no sentido de descobrir a interpretação scientifica dos actos do ser humano, organica e moralmente considerados, tanto no estado de saude physica e moral, como quando affectado por doença material ou physica, de onde por tantas vezes emerge a subtil vibração nervosa, que tanto póde terminar no acto do mais requintado heroismo, como na manifestação do mais hediondo crime; vibração que ora irradia do cerebro, percorrendo o organismo inteiro na mais harmonica successão de actos physiologicos, ora se interrompe e perturba, por alterações profundas no modo de ser material do orgão e da sua funcção, de onde um desequilibrio, que é a primeira manifestação de morbidez, que ou se circumscreve aos apparelhos de vida organica, ou se concentra nos dominios da psychologia, compromettendo algum ou alguns dos elementos da rasão. E assim se estabelece um ponto de relação para o acto, dito criminoso, por abolição temporaria ou permanente das faculdades volitivas, ou por impulsos desordenados, que ultrapassam as raias da rasão e compromettem a responsabilidade moral do criminoso. Determinar, pois, as condições em que possa ser comprehendida a irresponsabilidade, estabelecer as regras para a sua apreciação e determinar o destino que ao delinquente deve ser reservado, são os pontos a resolver, em harmonia com os progressos da jurisprudencia criminal e com as indicações da medicina legal, apoiadas no poderoso, concurso dos differentes ramos da medicina publica.

A estes intuitos respondem cabalmente, as providencias adoptadas no decreto submettido ao nosso exame, e que dizem respeito não só aos individuos reputados em estado de alienação mental ao tempo do acto criminoso, mas ainda aos que venham a soffrer d’esta perturbação no decurso da instrucção do processo, ou ainda durante o cumprimento da pena.

A primeira providencia do decreto reside na prescripção obrigatoria do exame medico legal do incriminado, quer seja notoria a sua loucura, quer haja apenas a suspeita da sua existencia.

E assim fica de vez resolvida uma questão, que é quasi inseparavel do criminoso, quando a opinião publica, pela monstruosidade do crime, pela pessoa que o pratica, pelas qualidades e posição social da pessoa offendida, pelas circumstancias, que imprimem ao acto um triste caracter de celebridade, se manifesta nas suas primeiras impressões inclinada, ou a não admittir no delinquente a posse da sua rasão, e d’ahi a sua irresponsabilidade ante o codigo penal, ou a exigir para elle um castigo severo, exemplar e proporcional á grandeza do crime commettido.

A serenidade da justiça, e ao alto interesse dos direitos da sociedade e do proprio individuo repugna uma e outra cousa, no terreno das impressões moraes de momento, que não são guiadas pelo criterio apurado dos factos, que só um exame severo, frio e consciencioso póde medir na sua origem e nos seus resultados.

Está n’esse exame uma garantia social, porque não é licito suppor que aos peritos, a quem a justiça confia a espinhosa missão de esclarecer e dar um veredictum, que se inspira em rasões scientificas, falleça a consciencia, a dignidade profissional e a competencia moral.

A este importante assumpto se referem os seis primeiros artigos da lei, nos quaes se estabelecem as necessarias disposições que devem ser observadas nos exames medico-legaes.

No artigo 7.º preceitua-se sobre o praso de observação nos estabelecimentos de alienados, que sendo em regra de dois mezes, poderá, em casos excepcionaes, ir até seis.

Nos artigos 8.º, 9.º, ,10.º e 11.º estão indicadas as providencias precisas para que aos peritos sejam prestadas todas as informações e esclarecimentos attinentes ao acto criminoso e ao seu auctor.

O artigo 12.º contém uma disposição para a hypothese da intercurrencia de manifestações de loucura do indiciado, no decurso do processo, e pelo qual se determina a suspensão da accusação, até readquirir o uso normal das suas funcções mentaes.

Esta disposição já se acha consignada na nossa jurisprudencia criminal.

No artigo 13.º regula-se sobre quaes os alienados a quem cabe a disposição designada no artigo 5.º da lei de 4 de julho de 1889, assim como no artigo 14.º se marca o destino que deve ser dado ao alienado accusado por algum acto, a que corresponda penalidade inferior á estabelecida no artigo antecedente.

A doutrina do artigo 15.º estabelece os hypotheses em que os alienados comprehendidos no artigo 13.º podem ser restituidos á liberdade.

Os artigos 16.º, 17.º e 18.º contêem disposições regulamentares, relativas á liberdade aos alienados, em determinadas hypotheses.

O artigo 19.º determina o cumprimento do disposto no artigo 5.º § 1.º da lei de 4 de julho de 1889, que, como se affirma no relatorio que precede a lei, já é pratica observada na cadeia geral penitenciaria de Lisboa, sem inconveniente de especie alguma. Similhantemente têem sido observadas no mesmo estabelecimento penal as disposições dos artigos 20.º, 21.º, 22.º o 23.

Para o caso de simulação comprovada de alienação, estabelece o artigo 24.º as disposições a applicar ao simulador.

Em harmonia com a doutrina do artigo 5.º da lei de 4 de julho de 1889, n.º 2.º do § 2.º, é regulado o destino a dar aos condemnados, comprehendidos nos artigos 19.º e 20.º da mesma lei, e tambem o alienado condemnado a prisão correccional, bem como áquelle que ao terminar a execução de uma pena maior der manifestações de loucura.

O artigo 28.º auctorisa o governo a decretar as disposições regulamentares para cabal execução da lei.

O artigo 29.º contém disposições transitorias, tendentes a regular o modo de dar cumprimento ao disposto no artigo 5.º da lei de 4 de julho de 1889, emquanto não existirem as enfermarias annexas ás cadeias penitenciarias, ou o hospital a que se refere o n.º 1.º do artigo 2.º da mesma lei.

O artigo 30.º, o ultimo do decreto revoga a legislação em contrario.

Senhores: — Resumidas assim as disposições contidas nos artigos da lei submettidos ao vosso exame, as quaes fizemos preceder de breves considerações, que em ponto algum foram discordes das doutrinas expostas no relatorio pelo illustrado espirito do seu auctor, e apenas com ligeiras modificações de redacção, para maior clareza do assumpto, como se vê no artigo 7.º, em que se acrescentou mais um paragrapho, em que se determina que as declarações dos peritos fiquem consignadas no auto do exame medico legal; no artigo 12.º, em que se estabelece que as manifestações de loucura do indiciado sejam comprovadas pelo exame medico; acceitando as disposições dos artigos do mesmo decreto, que considerâmos como providencias necessarias e dignas de serem inseridas na nossa legislação criminal; temos a honra de submetter á vossa elevada e esclarecida apreciação o nosso parecer, conjunctamente com o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Quando em juizo se dê participação de algum facto que a lei qualifique de crime ou delicto, commettido por individuo alienado, ou supposto alienado, deverá logo ordenar-se exame medico, para que se averigue e julgue se o agente é susceptivel de imputação, na conformidade das disposições da legislação penal por individuos alienados ou suppostos alienados.

Art. 2.º Deverá proceder-se tambem a exame medico legal, quando for praticado algum crime ou delicto que, pela sua natureza e circumstancias especiaes, ou pelas

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condições do agente, possa justificar a suspeita ou presumpção de que este procedêra em estado de alienação mental; e bem assim quando este seja invocada para explicação do facto e defeza do seu auctor por este, ou por qualquer das pessoas designadas no paragrapho antecedente.

Art. 3.º Logo que se inicie processo contra algum individuo a que se attribua um acto incriminado por disposição da lei, e que esteja nas condições de algum dos dois artigos antecedentes, ser-lhe-ha nomeado pelo juiz um defensor officioso, que intervirá no processo, só ou conjunctamente com o advogado das pessoas, a que se refere o § unico do artigo 1.º

Art. 4.º Se o facto constituir crime ou delicto, a que seja applicavel alguma das penas maiores, o exame medico-legal será feito sempre com intervenção de dois peritos e de um terceiro, quando seja preciso para desempate.

Art, 5.º O exame será feito na comarca onde o facto occorreu, e n’um estabelecimento publico de alienados, quando se der algum dos casos seguintes:

1.º Falta de numero sufficiente de peritos na comarca;

2.º Se os peritos forem de opinião que o exame só póde ser feito n’um estabelecimento de alienados.

Art. 6.º Quando se dê o caso de que trata o artigo 2.º do presente projecto, o juiz poderá officiosamente, ou a requerimento do ministerio publico, ou de parte legitima-menteinteressada no processo, ordenar que o exame medico se faça n’um estabelecimento de alienados; e pela mesma fórma poderá determinar que se proceda ali a segundo exame, se o que tenha sido feito pelos peritos da comarca for insufficiente para se ajuizar da imputabilidade do agente do facto criminoso.

Art. 7.º O exame nos estabelecimentos de alienados será ultimado dentro do praso de dois mezes; este praso, porém, deverá ser prorogado, se houver suspeita de simulação de loucura ou necessidade justificada de uma mais longa observação.

§ 1.º O director do estabelecimento de alienados exporá ao juiz os motivos pelos quaes julgue necessaria a prorogação do praso, que, só em caso muito excepcional e devidamente justificado, poderá ir alem de seis mezes.

§ 2.º Concluido o exame, os peritos prestarão as suas reclamações, as quaes ficarão consignadas no respectivo auto.

Art. 8.º Aos peritos deverão ser prestados os esclarecimentos e informações que requisitarem, quer a respeito do facto criminoso e suas circumstancias, quer a respeito do seu auctor.

§ unico. Se, para a execução d’este artigo, for preciso proceder a algum inquerito, formar-se-ha um processo especial, que será appenso ao auto de exame.

Art. 9.º O auto do exame medico-legal será feito nos termos do § 1.º do artigo 903.º da novissima reforma judiciaria, e, quando se verifique n’um estabelecimento de alienados, assistirá o juiz e o representante do ministerio publico da comarca ou districto criminal, séde do estabelecimento.

§ unico. Para os effeitos d’este artigo, será communicado ao juiz da comarca ou districto criminal, onde se instaurou o processo, o dia em que deva effectuar-se o exame, a fim de ser requisitada, com a necessaria antecipação, a assistencia dos referidos magistrados.

Art. 10.º No auto de exame deverão intervir dois pontos de entre o pessoal clinico do estabelecimento; mas, se houver um só, ou se as declarações dos dois nito forem conformes, o juiz que tiver de presidir ao acto ordenará que se escolha e notifique outro perito de entre os medicos que se distingam pelos seus conhecimentos de molestias mentaes.

Art. 11.º Os peritos deverão declarar se o individuo examinado padece de loucura permanente ou transitoria, e se praticou o facto sob a influencia d’aquelle padecimento, estando privado da consciencia dos proprios actos ou inhibido do livre exercicio da sua vontade.

Art. 12.º Se no decurso da instrucção de algum processo, o indiciado der manifestações de loucura, comprovadas pelo exame medico, será suspensa a accusação até que tenha recuperado o uso normal das suas faculdades mentaes.

§ unico. Havendo motivos para suppor que a loucura era preexistente á pratica do delicto, ou consequencia accidental de alguma molestia do systema nervoso, e que, n’um ou n’outro caso, podia ter determinado a acção criminosa ou influido na culpabilidade do indiciado, proceder-se-ha a exame medico-legal nos termos e para os effeitos do projecto lei.

Art. 13.º Terão o destino designado no artigo 5.º da lei de 4 de julho de 1889 os alienados seguintes:

1.º Os que tendo praticado factos puniveis com alguma das penas maiores, não forem pronunciados como auctores do crime por motivo de loucura;

2.º Os accusados por crimes a que a mesma penalidade corresponda, cujo processo esteja suspenso nos termos do artigo antecedente, e os que forem absolvidos com o fundamento de terem infringido a lei em estado de alienação mental.

Art. 14.º O alienado que tiver commettido algum acto a que corresponder penalidade inferior á fixada no artigo antecedente, deverá ser entregue, por ordem do tribunal, á família para o guardar. Se, porém, não tiver familia, ou esta não esteja em condições de se encarregar da sua guarda, será posto á disposição da auctoridade administrativa para ser admittido n’um hospital de alienados.

Art. 15.º Os alienados a que se refere o artigo 13.º sómente poderão ser postos em liberdade quando se comprove a sua cura completa, ou quando, pela idade ou perda de forças, se possam reputar inoffensivos.

Art. 16.º O director do estabelecimento enviará ao competente magistrado do ministerio publico as informações necessarias para que possa requerer a respectiva ordem de soltura.

§ unico. Quando algum membro da familia do alienado, ou quem o represente, requerer que se lhe dê liberdade, allegando que está curado, ou que já não é perigoso, o juiz do processo resolverá a petição, com previa audiencia do ministerio publico, em face de consulta favoravel do director do estabelecimento, ou de exame de sanidade, se julgar, conveniente determinal-o.

Art. 17.º Quando, embora incompleta a cura do alienado, não haja, todavia, receio de accessos perigosos, poderá o juiz auctorisar a saída provisoria, como experiencia, se he for requisitada pelo director do estabelecimento, e sei houver quem se obrigue a prestar ao doente o tratamento e amparo indispensaveis, e a internal-o novamente quando haja ameaça ou pródromos de repetição do accesso.

§ 1.º A pessoa que se encarregar do alienado remetterá ao director, no fim de cada mez, um attestado de medico, jurado e reconhecido, relativo ao estado do doente, devendo aquelle documento ter o visto do delegado da comarca.

§ 2.º A saida provisoria poderá converter-se em definitiva, quando a experiencia demonstre que não ha n’isso inconveniente, seguindo-se os termos prescriptos no § unico do artigo anterior.

Art. 18.º Quando o asylado tiver de saír por estar curado, ou por se considerar inoffensivo, se não tiver familia a quem se entregue, e for indigente ou incapaz de adquirir meios de subsistencia pelo seu trabalho, deverá ser posto á disposição da auctoridade administrativa, a fim de ser admittido n’algum estabelecimento de beneficencia.

Art. 19.º Os condemnados em pena de prisão maior que, durante o cumprimento da pena, apparecerem alienados, serão recolhidos nas enfermarias a que se refere o artigo 5.º § 1.º da lei de 4 de julho de 1889.

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Art. 20.° Logo que algum recluso de manifestações de perturbação mental, o director da cadeia ordenará que seja submettido a observação medica.

Art. 21.° Aã conclusões da observação deverão reduzir-se a auto.

Art. 22.° Comprovada a loucura, ficara, por despacho do ministro dos negocios da justiça, interrompida a execução da pena, na conformidade do disposto no § unico do artigo 114.° do codigo penal.

Art. 23.° Se, em resultado do tratamento, o alienado recuperar a saude mental, será ordenado pelo mesmo ministerio que continue a execução da pena, voltando o réu a prisão de onde fóra removido.

§ unico. Se o director da cadeia, consultando os médicos, entender que todo ou parte do tempo decorrido em tratamento deva ser levado em conta no cumprimento da pena, enviara proposta fundamentada ao referido ministerio para ser submettida a apreciação do poder moderador.

Art. 24.° Se a observação tiver concluido pelo reconhecimento de simulação de loucura, será descontado no cumprimento da pena o tempo por que tenha durado, e o preso incorrerá no castigo disciplinar que for auctorisado pelo regulamento da cadeia.

Art. 25.° As disposições dos artigos 19.° e 20.° deste projecto são applicaveis aos condemnados definitivamente em penas maiores, que apparecerem alienados antes da sentença ter principio de execução, devendo os respectivos procuradores regios promover que se façam os exames dos condemnados, e que se lhes do o destino competente.

§ unico. A sentença será executada, quando os reus recuperem o uso normal das faculdades mentaes, salvo se a, pena já tiver prescripto.

Art. 26.° Se algum condemnado em prisão correccional enlouquecer, o respectivo agente do ministerio publico promovera que se proceda a exame para se dar ao preso o tratamento adequado.

Art. 27.° O condemnado que, ao terminar a execução de alguma pena maior, der manifestações de loucura, terá o destino designado no n.° 2.° do § 2.° do artigo 5.° da citada lei de 4 de julho de 18S9.

Artigo 28.º É o governo auctorisado a decretar as disposições regulamentares que convenham para cabal execução d'esta lei.

Disposições transitorias

Art. 29.º Emquanto não existirem as enfermarias annexas ás cadeias penitenciarias, a que se refere o artigo 5.° da lei de 4 de julho de 1889, ou o hospital a que se refere o n.° 1.° do artigo 2.º da mesma lei, serão remettidos ao hospital de Rilhafolles os alienados a que alludem os artigos 13 °, 19.°, 25.° e 27.° do presente projecto de lei, e ali devera tambem ser feita a observação dos condemnados em cumprimento de pena, quando não possa effectuar se convenientemente na respectiva prisão.

Art. 30.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 29 de fevereiro de 1896. = Adolpho Pimentel = Abilio Beça = Cabral Mancada = M. Fratel = Teixeira de Sousa = Lopes Navarro = Agostinho Lucio, relator.

Senhor. - O projecto de decreto que temos a honra de submetter a apreciação de Vossa Magestade, é, na sua essencia, à proposta apresentada recentemente a camara dos senhores deputados, e que, tendo sido examinada por uma commissão parlamentar, composta de jurisconsultos e médicos distinctos, foi acolhida com franco applauso, sendo logo approvada a generalidade das suas disposições fundamentaes sem hesitação nem discrepancia de pareceres.

Os problemas da criminalidade, nos ultimos vinte anuos, têem sido examinados e discutidos, na maior parte dos paizes cultos, com tanta persistencia e fervoroso interesse, que a opinião publica não se tem mantido indifferente e estranha ás discussões dos respectivos congressos, nem desdenhosa para as publicações que incessantemente têem apparecido sobre tão ponderoso assumpto.

Provém d'aqui, por certo, a affavel benevolencia e as lisonjeiras demonstrações com que fóra geralmente recebida pela imprensa periodica a proposta de lei, que esta transformada no presente decreto. Vê-se que tinha chegado tambem ao nosso paiz a opportunidade de ampliar a legislação criminal com um complexo de providencias convergentes a accordar a defeza da inviolabilidade social com o humanitario e compassivo patrocinio de

le genti dolorose

C'hamo perduto il ben dellintelleto.

Senhor, este projecto de decreto, só apparentemente se distingue da alludida proposta de lei, porque a não reproduz com a primitiva contextura. As disposições e os principios fundamentaes são os mesmos; a redacção, porém, variou.

Algumas alterações se fizeram, umas suggeridas pela commissão parlamentar, insinuadas outras por um exame reflectido d'este assumpto, cuja importancia o governo de Vossa Magestade perfeitamente reconhece e pondera.

Nem as disposições do codigo penal respectivas a responsabilidade criminal dos loucos, nem a lei de 4 de julho de 1889, podem ter execução regular e uniforme sem a adopção das providencias que constituem a essencia e o intuito do presente decreto. Negar a verdade desta asserção denuncia desconhecimento de uma flagrante necessidade social, a que é mister attender sem hesitação.

Para esclarecimento e justificação do presente decreto julgamos, pois, conveniente reproduzir o relatorio que precedia a proposta.

"Senhores. - Durante um longo periodo secular, a jurisprudencia criminal não distinguia o delinquente alienado d'aquelle que praticava o crime no goso perfeito de sanidade mental. Sem discrime da correlativa responsabilidade, a lei tratava-os com a mesma inexoravel crueza. A propria loucura, por mais inoffensiva que fosse, era considerada como um peccado execrando, um crime que exigia uma cruenta expiação.

A historia recorda em lugubres paginas as frequentes hecatombes de miseraveis loucos, victimas do fanatismo religioso e da supersticiosa ignorancia dos tempos medievaes:

Data dos ultimos annos do seculo passado e dos principies d'este a modificação operada no modo de considerar a loucura e de tratar os alienados. Com o progressivo desenvolvimento das sciencias naturaes, e das theorias philosophicas relativas a responsabilidade e ao fundamento do direito de punir, a legislação criminal dos differentes povos passou por uma transformação profunda.

Sob a influencia daquellas theorias, a nossa lei penal consigna a doutrina de que somente podem ser criminosos os que possuam a necessaria intelligencia e liberdade, sendo conseguintemente excluidos de punição aquelles que delinquirem, quando, no momento do crime, uma doença mental os tenha privado da consciencia dos seus actos ou da livre determinação da sua vontade. Por mais grave que seja o attentado contra a ordem juridica da sociedade, por mais horrendos e funestos que sejam os effeitos desse attentado, se o agente é um louco, não póde cair sob o inexoravel dominio da vingadora Nemesis. Não é um criminoso, mas um doente, que a sociedade, em vez de submetter a um castigo expfatorio, tem de curar e de defender contra os accidentes perigosos da sua propria enfermidade, e de reduzir, sem sevicias injustificadas e deshumanas, á impotencia de damnificar.

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A infracção inconsciente da lei, o acto determinado pelo incitamento irresistivel de uma affecção mental, não induz responsabilidade para quem pratica o facto; mas, se a sociedade não tem o direito de punir, tem todavia o dever indeclinavel de assegurar a inviolabilidade dos direitos individuaes e a tranquillidade publica, premunindo-se contra as violencias e maleficios advenientes do goso de uma liberdade perigosa.

Obedecendo a estes principios e a influencia dos estudos da anthropologia criminal e da psychiatria, têem-se creado em alguns paizes estabelecimentos privativos para a sequestração e tratamento de alienados delinquentes, e entro mis promulgou-se a lei de 4 de julho de 1889, que auctorisa a construcção de enfermarias para doentes da mesma classe. Correspondo esta lei a uma generosa aspiração de todos os criminalistas, que não são estranhos aos progressos da moderna medicina legal, o é para sentir a morosa execução desta lei, motivada indubitavelmente por obstaculos de que a administração publica não tem podido triumphar.

Senhores, a nossa legislação penal, em regra, não julga os loucos susceptiveis de imputação, não os reputa criminosos, não os pune; ordena, porém, que sejam entregues a guarda das familias ou admittidos em hospitaes de alienados.

Estabelecer as regras para a apreciação da responsabilidade criminal de taes delinquentes e para a determinação do destino desses infelizes, é o intuito predominante da presente proposta de lei. Mas não se trata exclusivamente dos que estejam alienados ao tempo do acto criminoso; occupa-se tambem a proposta dos que enlouquecerem no decurso da instrucção do processo, ou durante a execução da pena.

A necessidade de um exame medico legal, quer seja notoria a loucura, quer haja apenas a suspeita da sua existencia, não carece de demonstração. O diagnostico da molestia, a classificação d'esta, a apreciação dos seus effeitos immediatos e a previsão das consequencias futuras, é assumpto da competencia exclusiva dos médicos. Aos peritos incumbe, pois, o dever profissional de derramar luz nos recessos mais intimos da alma do delinquente, para que o magistrado entreveja e pondere, com a mais escrupulosa exactidão, a sua responsabilidade.

A proposta, prescrevendo a interferencia obrigatoria de dois peritos nos exames medico-legaes, reconhece não só a melindrosa importancia do acto, como a extrema difficuldade que, muitas vezes, haverá no diagnostico de uma doença que, ora se furta a observação, ora se dissimula sob as fallazes apparencias de uma sanidade normal, ora se manifesta por uma variada symptomatologia.

O reconhecimento da loucura não é caso de simples intuição ao alcance de observadores vulgares.

Em geral crê-se que é louco somente o que procede de um modo extravagante e desordenado, e que, som império sobre as suas acções, obedece aos caprichos de impulsos morbidos. Esta concepção é em extremo exclusiva. A loucura não é fundamentalmente incompativel com a rasão, e os mais insignes alienistas affirmam a existencia de alienados, absolutamente irresponsaveis, sem delirio nem eclipse total da intelligencia. Evidente é, pois, a necessidade impreterivel de que os exames se façam por medicos, não só competentes, mas ciosos respeitadores da sua dignidade profissional. Se ha casos em que a verdade se ostenta manifesta e clara, outras ha em que é mister procuraal-a com summa sagacidade, com uma observação paciente e rigorosa, a fim de se formularem conclusões som precipitação nem incerteza. A intervenção de dois peritos é portanto aconselhada para evitar conclusões que não tenham passado por uma reflectida discussão, por uma critica severa, e a que por isso se não de valor incontestavel.

Ao juiz, do processo confere a proposta a faculdade de ordenar que os exames se realisem n'um hospital de aliciados, não só em casos especiaes, mas sempre que essa providencia pareça conveniente por medida de segurança, ou por outras rasões ponderosas.

Não se compadecia com a summa importancia do acto fundamental do processo, que se não desse aos magistrados ampla faculdade de se esclarecerem com o voto e opinião de peritos, em que deve suppor-se a alta competencia, que, menos vezes, se encontrará em medicos que não tenham estudos especiaes de psychiatria.

Determina um dos artigos da proposta que se prestem aos peritos os esclarecimentos que pedirem e as possiveis affirmações tanto ácerca do delinquente, como das suas condições de hereditariedade physiologica. Esta disposição é essencial. Permitta-se-me que a justifique, citando as palavras de um eminente professor de medicina forense: "O estado actual de um alienado, diz Coutagne, não póde apreciar-se em todas as suas consequencias judiciarias, tão graves quanto ao passado, como ao futuro, a não ser pela reconstituição da cadeia de que temos um annel, e pela reconstrucção da sua biographia physiologica e pathologica.

"A origem das molestias emerge da origem do proprio individuo; e por isso o prefacio de qualquer exame é a investigação dos seus antecedentes e principalmente e da hereditariedade."

Refere-se o artigo 7.° ás declarações que os peritos devam fazer no auto de exame. É esta a disposição culminante, pois que d'ella depende o juizo sobre a responsabilidade criminal do examinado.

Não é rigorosamente scientifica a technologia do codigo penal, quando trata da loucura, pois parece fundar a responsabilidade do criminoso unicamente na lucidez da intelligencia. Todavia, se podem sor criminosos exclusivamente os que são dotados da necessaria intelligencia e liberdade, se é crime somente o acto voluntario que a lei sujeita a sancção penal, conclue-se que tão irresponsaveis são os que a loucura priva do discernimento indispensavel para se conhecer a punibilidade do facto, como os que estão inhibidos da livre determinação da vontade, escravisados pela doença, que os conturba, que lhes enfraquece a energia volitiva, e os impede do uso da faculdade psychologica de que dependo substancialmente a ponderação moral das acções humanas.

Referindo-se a proposta a loucura superveniente ao crime, dispõe que o indiciado seja submettido a exame, quando haja fundamento para crer na preexistencia da loucura, ou na existencia de alguma nevropathia que se revele por accessos accidentaes de perturbação mental, podendo, uma ou outra, ter actuado na pratica do facto.

São concordes os mais insignes professores de medicina legal em reconhecer a frequencia de crimes commettidos por individuos, cujo organismo está desconcertado pela influencia funestissuna das nevroses.

"A epilepsia, diz Krafft-Ebing, esta doença terrivel, offerece importante materia de estudo a medicina legal, e seria um dever, não só de humanidade, mas ainda de prudencia, examinar, sob o ponto de vista do seu estado mental, todo o epileptico a que seja imputado um crime.

"Não é possivel, acrescenta o mesmo professor, estabelecer uma fórma unica para aquilatar o grau de responsabilidade dos epilepticos; cada caso deve ser considerado individualmente. Muitos ficam indemnes de complicações mentaes, e são por consequencia responsaveis; noutros, porém, desenvolvem-se rapidamente alterações psychicas, menos dependentes do numero de accessos, do que da sua fórma. Tem-se observado que a vida intellectual é mais affectada, quando a doença se limita a simples accessos de vertigens."

Como a epilepsia, podo igualmente o hysterismo, pelas suas perturbações psychicas, levar o enfermo a irresponsabilidade completa, ou a attenuação da sua culpabilidade.

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É evidente que é muito ardua a missão dos peritos, e que o desempenho consciente e cabal dos seus deveres demanda sciencia, que, nem sempre, se adquire no rapido ensino da medicina legal ministrado nas escolas; mas felizmente existe já no nosso paiz uma pleiade de medicos com abalisada competencia no assumpto, adquirida por estudos especiaes, pela clinica mental e pela observação de criminosos alienados. Não ha motivo, pois, para descrer do auxilio valioso que os magistrados judiciarios possam obter, quando recorram á medicina legal para a solução do diffocil problema de decidir sobre a responsabilidade de alguns criminosos.

A necessidade de prevenir cautelosamente a repetição de attentados, a que póde dar origem a concessão de liberdade aos loucos delinquentes, determinou algumas disposições da proposta, que, a meu ver, não carecem de justificação. Parece-me que os interesses sociaes ficam sufficientemente resguardados, bem como os da personalidade juridica dos individuos affectados de doença mental. Dispondo que se faça nomeação officiosa de defensor, logo que haja de proceder-se a exame por motivo ou suspeita de loucura, tem em vista a proposta assegurar os legitimos interesses do réu, pondo a seu lado quem possa chamar a attenção dos peritos para certos factos ou particularidades que ficariam desconhecidos, e quem escude a sua individualidade para não ser victima de algum excesso de defeza social.

Relativamente aos réus que enlouquecerem durante a execução da pena, são estabelecidas regras que já estão praticamente adoptadas desde a inauguração da cadeia geral penitenciaria de Lisboa, e sem que a experiencia haja até hoje insinuado a necessidade de as alterar.

Não são phenomenos de raridade singular as manifestações de loucura em criminosos no cumprimento da pena de prisão cellular. Durante muitos annos foi esse o primario argumento contra o regimen penitenciario; mas os recentes estudos de antropologia criminal e de psychiatria deram, ao facto a sua verdadeira significação scientifica.

Como os criminosos não constituem uma especie unica, mas, pelo contrario, offerecem variedades que se distinguem por caracteres differenciaes, não surprehende que nas prisões entrem alguns condemnados que, por vicios de organismo, ou por degeneração adquirida, estejam predispostos para a loucura, permanente ou transitoria, que se denuncie ou aggrave no regimen cellular.

Prescreve o codigo penal que haja interrupção na execução da pena, quando a loucura sobrevier; como, porém, alienados ha que, a despeito do seu padecimento, se conservam em tranquilla passividade e com a consciencia, mais ou menos lucida, de que estão privados da sua liberdade por virtude da condemnação, a proposta lembra a conveniencia do, em casos excepcionaes, se recorrer ao poder moderador para mitigar a dureza da lei em beneficio d’esses infelizes.

São estes, senhor, os termos e os fundamentos principaes do decreto, que submettemos ao elevado criterio e approvação de Vossa Magestade.

Paço, em 10 de janeiro de 1890. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio d’Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = João Antonio de Brissac das Neves Ferreira = Carlos Lobo d’Avila = Arthur Alberto de Campos Henriques.

Attendendo ao que me representaram os ministros e secretarios d’estado de todas as repartições: hei por bem decretar o seguinte:

Artigo 1.º Quando em juizo se dê participação de algum facto que a lei qualifique de crime ou delicto, commettido por individuo alienado, deverá logo ordenar-se exame medico, para que se averigue e julgue se o agente é susceptivel de imputação na conformidade das disposições da legislação penal.

Art. 2.º Deverá proceder-se tambem a exame medico legal, quando os praticado algum crime ou delicto que, pela sua natureza e circumstancias especiaes ou pelas condições do agente, possa justificar a suspeita ou presumpção de que este procedêra em estado de alienação mental; e bem assim quando esta seja invocada para explicação do facto e defeza do seu auctor.

Art. 3.º Logo que se inicie processo contra algum individuo a que se attribua um acto incriminado por disposição da lei, e que esteja nas condições de algum dos dois artigos antecedentes, ser-lhe-ha nomeado pelo juiz um defensor officioso.

Art. 4.º Se o facto constituir crime ou delicto a que seja applicavel alguma das penas maiores, o exame medico-legal será feito sempre com intervenção de dois peritos, e de um terceiro, quando seja preciso para desempate.

Art. 5.º O exame será feito na comarca onde o facto occorreu, e n’um estabelecimento publico de alienados, quando se der algum dos casos seguintes:

1.º Falta de numero sufficiente de peritos na comarca;

2.º Se os peritos forem de opinião que o exame só póde ser feito n’um estabelecimento de alienados.

Art. 6.º Quando se dê o caso de que trata o artigo 2.º do presente decreto, o juiz poderá officiosamente, ou a requerimento do ministerio publico, ou de parte legitimamente interessada no processo, ordenar que o exame medico se faça n’um estabelecimento de alienados; e pela mesma fórma poderá determinar que se proceda ali a segundo exame, se o que tenha sido feito pelos peritos, da comarca for insufficiente para se ajuizar da imputabilidade do agente do facto criminoso.

Art. 7.º O exame nos estabelecimentos de alienados será ultimado dentro do praso de dois mezes; este praso, porém, deverá ser prorogado, se houver suspeita de simulação do loucura ou necessidade justificada de uma mais longa observação.

§ unico. O director do estabelecimento de alienados exporá ao juiz os motivos pelos quaes julgue necessaria a prorogação do praso, que, só em caso muito excepcional e devidamente justificado, poderá ir alem de seis mezes.

Art. 8.º Aos peritos deverão ser prestados os esclarecimentos e informações que requisitarem, quer a respeito do facto criminoso e suas circumstancias, quer a respeito do seu auctor.

§ unico. Se, para a execução d’este artigo, for preciso proceder a algum inquerito, formar-se-ha um processo especial, que será appenso ao auto de exame.

Art. 9.º O auto de exame medico-legal será feito nos termos do § 1.º do artigo 903.º da novissima reforma judiciaria, e, quando se verifique n’um estabelecimento de alienados, assistirá o juiz o o representante do ministerio publico da comarca ou districto criminal, séde do estabelecimento.

§ unico. Para os effeitos d’este artigo, será communicado ao juiz da comarca ou districto criminal onde se instaurou o processo, o dia em que deva effectuar se o exame, a fim de ser requisitada, com a necessaria antecipação, a assistencia dos referidos magistrados.

Art. 10.º No auto de exame deverão intervir dois peritos de entre o pessoal clinico do estabelecimento; mas, se houver um só, ou se as declarações dos dois não forem conformes, o juiz que tiver de presidir ao acto ordenará que se escolha e notifique outro perito de entre os medicos que se distingam pelos seus conhecimentos de molestias mentaes.

Art. 11.º Os peritos deverão declarar se o individuo examinado padece de loucura permanente ou transitoria, e se praticou o facto sob a influencia d’aquelle padecimento, estando privado da consciencia dos proprios actos ou inhibido do livre exercicio da sua vontade.

Art. 12.º Se no decurso da instrucção de algum pro

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530 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

cesso, o indiciado der manifestações de loucura, será suspensa a accusação até que tenha recuperado o uso normal das suas faculdades mentaes.

§ unico. Havendo motivos para suppor que a loucura era preexistente á pratica do delicto, ou consequencia accidental de alguma molestia do systema nervoso e que, n’um ou n’outro caso, podia ter determinado a acção criminosa ou influido na culpabilidade do indiciado, proceder-se-ha a exame medico-legal nos termos e para os effeitos do presente decreto.

Art. 13.º Terão o destino designado no artigo 5.º da lei de 4 de julho de 1889 os alienados seguintes:

1.º Os que tendo praticado factos puniveis com alguma das penas maiores, não forem pronunciados como auctores do crime por motivo de loucura;

2.º Os accusados por crimes a que a mesma penalidade corresponda, cujo processo esteja suspenso, nos termos do artigo antecedente, e os que íorem absolvidos com o fundamento de terem infringido a lei em estado de alienação mental.

Art. 14.º O alienado que tiver commettido algum acto a que corresponder penalidade inferior á fixada no artigo antecedente, deverá ser entregue, por ordem do tribunal, á familia para o guardar. Se, porém, não tiver familia, ou esta não esteja em condições de se encarregar da sua guarda, será posto á disposição da auctoridade administrativa para ser admittido n’um hospital de alienados.

Art. 15.º Os alienados a que se refere o artigo 13.º sómente poderão ser postos em liberdade quando se comprove a sua cura completa, ou quando, pela idade ou perda de forças, se possam reputar inoffensivos.

Art. 16.º O director do estabelecimento enviará ao competente magistrado do ministerio publico as informações necessarias para que possa requerer a respectiva ordem de soltura.

§ unico. Quando algum membro da familia do alienado, ou quem o represente, requerer que se lhe dê liberdade, allegando que está curado, ou que já não é perigoso, o juiz do processo resolverá a petição, com previa audiencia do ministerio publico, em face de consulta favoravel do director de estabelecimento, ou de exame de sanidade, se julgar conveniente determinal-o.

Art. 17.º Quando, embora incompleta a cura do alienado, não haja todavia receio do accessos perigosos, poderá o juiz auctorisar a saida provisoria, como experiencia, se lhe for requisitada pelo director do estabelecimento, e se houver quem se obrigue a prestar ao doente o tratamento e amparo indispensaveis, e a internal-o novamente, quando haja ameaça ou pródromos de repetição de accesso.

§ 1.º A pessoa que se encarregar do alienado remetterá ao director, no fim de cada mez, um attestado de medico, jurado e reconhecido, relativo ao estado do doente, devendo aquelle documento ter o visto do delegado da comarca.

§ 2.º A saida provisoria poderá converter-se em definitiva, quando a experiencia demonstre que não ha n’isso inconveniente, seguindo-se os termos prescriptos no § unico do artigo anterior.

Art. 18.º Quando o asylado tiver de sair por estar curado, ou por se considerar inoffensivo, se não tiver familia a quem se entregue, e for indigente ou incapaz de adquirir meios de subsistencia pelo seu trabalho, deverá ser posto á disposição da auctoridade administrativa, a fim de ser admittido n’algum estabelecimento de beneficencia.

Art. 19.º Os condemnados em pena de prisão maior que, durante o cumprimento da pena, apparecerem alienados, serão recolhidos nas enfermarias a que se refere o artigo 5.º § 1.º da lei de 4 de julho de 1889.

Art. 20.º Logo que algum recluso dê manifestações de perturbação mental, o director da cadeia ordenará que seja submettido a observação medica.

SENHORES DEPUTADOS

Art. 21.º As conclusões da observação deverão reduzir-se a auto.

Art. 22.º Comprovada a loucura, ficará, por despacho do ministro dos negocios da justiça, interrompida a execução da pena, na conformidade do disposto no § unico do artigo 114.º do codigo penal.

Art. 23.º Se, em resultado do tratamento, o alienado recuperar a saude mental, será ordenado pelo mesmo ministerio que continue a execução da pena, voltando o réu ou á prisão do onde fôra removido.

§ unico. Se o director da cadeia, consultando os médicos, entender que todo ou parte do tempo decorrido em tratamento deva ser levado em conta no cumprimento da pena, enviará proposta fundamentada ao referido ministerio para ser submettida á apreciação do poder moderador.

Art. 24.º Se a observação tiver concluido pelo reconhecimento de simulação de loucura, será descontado no cumprimento da pena o tempo por que tenha durado, e o preso incorrerá no castigo disciplinar que for auctorisado pelo regulamento da cadeia.

Art. 25.º As disposições dos artigos 19.º e 20.º d’este decreto são applicaveis aos condemnados definitivamente em penas maiores, que apparecerem alienados antes da sentença ter principio de execução, devendo os respectivos procuradores regios prompver que se façam os exames dos condemnados, e que se lhes dê o destino competente.

§ unico. A sentença será executada, quando os réus recuperem o uso normal das faculdades mentaes, salvo se a pena já tiver prescripto.

Art. 26.º Se algum condemnado em prisão correccional enlouquecer, o respectivo agente do ministerio publico promoverá que se proceda a exame para se dar ao preso o tratamento adequado.

Art. 27.º O condemnado que, ao terminar a execução de alguma pena maior, der manifestações de loucura, terá o destino designado no n.º 2.º do § 2.º do artigo 5.º da citada lei de 4 de julho de 1889.

Art. 28.º É o governo auctorisado a decretar as disposições regulamentares que convenham para cabal execução d’este decreto.

Disposição transitoria

Art. 29.º Emquanto não existirem as enfermarias annexas ás cadeias penitenciarias, a que se refere o artigo 5.º da lei de 4 de julho de 1889, ou o hospital a que se refere o n.º 1.º do artigo 2.º da mesma lei, serão remettidos ao hospital de Rilhafolles os alienados a que alludem os artigos 13.º, 19.º, 25.º e 27.º do presente decreto, e ali deverá tambem ser feita a observação dos condemnados em cumprimento de pena, quando não possa effectuar-se convenientemente na respectiva prisão.

Art. 30.º Fica revogada a legislação em contrario.

O presidente do conselho de ministros e os ministros e secretarios d’estado de todas as repartições assim o tenham entendido e façam executar. Paço, em 10 de janeiro de 1895. = REI. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio d’Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = João Antonio de Brissac das Neves Ferreira = Carlos Lobo d’Avila = Arthur Alberto de Campos Henriques.

O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: — Passa-se á especialidade.

Leu-se o

Artigo 1.º Quando em juizo se dê participação de algum facto que a lei qualifique de crime ou delicto, commettido por individuo alienado, ou supposto alienado, deverá logo ordenar-se exame medico, para que se averigue

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SESSÃO N.º 39 DE 7 DE MARÇO DE 1896 531

e julgue se o agente é susceptivel de imputação, na conformidade das disposições da legislação penal por individuos alienados ou suppostos alienados.

O gr. Presidente: - Está em discussão.

O sr. Agostinho Lucio (relator): - Mando para a mesa uma proposta para serem eliminadas d'este artigo as palavras:

"Por individuos alienados, ou suppostos alienados."

Visto que estas palavras já se encontram na terceira linha do artigo, a repetição d'ellas é perfeitamente inutil e destroe por completo a essencia do artigo.

Leu-se a seguinte

Proposta

Proponho a eliminação no artigo 1.° das palavras "por individuos alienados ou suppostos alienados". = Agostinho Lucio.

O sr. Presidente: - Já não ha numero para a camara poder funccionar, e por isso vou encerrar a sessão.

A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e meia da tarde.

Documentos enviados para a mesa n'esta sessão

Representações

Dos negociantes de gado suino e salchicheiros estabelecidos em Lisboa e Aldeia Gallega do Ribatejo, pedindo que na pauta se não introduza alteração nos direitos do unto e banha estrangeiros, que, favorecendo a importação, prejudique a agricultura e industria do paiz.

Apresentada pelo sr. deputado Santos Viegas e enviada á commissão de fazenda.

Dos guardas do gabinete de physica e da bibliotheca do lyceu central do Porto, pedindo melhoria de situação.

Apresentada pelo sr. deputado Abilio Beça e enviada á commissão de fazenda.

Dos ex-arbitradores judiciaes da comarca de Baião contra o decreto de 15 de setembro de 1892, que revogou o artigo 37.° do decreto de 20 de julho de 1886 e regulamento de 17 de março de 1887.

Apresentada pelo sr. deputado Teixeira de Vasconcellos e enviada á commissão de legislação civil.

Dos contadores dos juizos de direito, pedindo modificações na tabella de emolumentos e salarios judiciaes, decretada em 22 de maio ultimo.

Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada á commissão de legislação civil.

Dos representantes da colonia lusitana domiciliada na cidade de Belem, capital do estado do Pará, felicitando o paiz pelos ruidosos triumphos militares alcançados nas nossas possessões ultramarinas.

Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada á secretaria.

Requerimentos de interesse particular

Dos officiaes Agostinho de Almeida Figueiredo, A. Augusto Coelho de Carvalho, Alberto Abilio de Araujo Pinheiro, Carlos Alberto Ferreira da Costa, Alexandre José Malheiro, Manuel Mesquita Monteiro, Marcos Pinto, Ayres Osorio de Aragão; e dos aspirantes a officiaes Antonio Correia Soares, David Augusto Rodrigues, Belarmino de Castro e Jorge Ferreira de Sousa Campos, pedindo que seja mantido o decreto de 10 de janeiro de 1895 ácerca do limite de idade.

Apresentados pelo sr. presidente da camara e enviados á commissão de guerra.

De Manuel Soares da Silva, tenente reformado da guarnição de Macau e Timor, pedindo melhoria de reforma.

Apresentado pelo sr. presidente da camara e enviado á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

Dos officiaes do exercito Antonio Teixeira, Alvaro José e Antonio da Cruz, pedindo para que não seja applicavel aos alferes do curso de 1883 e 1884 o disposto no § 7.° da lei de 2 de janeiro de 1867, continuando a subsistir o artigo 3.° da lei de 16 de julho de 1885, que determina que a antiguidade lhe seja contada da data do posto de alferes effectivos.

Apresentados pelo sr. deputado Abilio Beça e enviados á commissão de guerra.

Dos officiaes do exercito Alberto Salgado, Albano Mendes da Fonseca, José Justino Gomes, Manuel Leal de Magalhães, Vicente José Bugalho, José Maria de Freitas, Epiphanio Lopes de Azevedo, Luiz Augusto dos Santos Guerra, Luiz de Sousa Gomes e Silva, e do aspirante a official Carlos Antonio Bandeira, pedindo que seja mantido o decreto de 10 de janeiro de 1895 ácerca do limite de idade.

Apresentados pelo sr. deputado Antonio Campos e enviados á commissão de guerra.

Justificação de faltas

Declaro que faltei às duas ultimas sessões por doença. = O deputado, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro.

Para a secretaria.

O redactor = Sergio de Castro.

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