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N.° 39

SESSÃO DE 16 DE AGOSTO DE 1897

Presidencia do exmo. Sr. Eduardo José Coelho

Secretarios—os exmos. srs.

Joaquim Paes de Abranches
Frederico Alexandrino Garcia Ramires

SUMMARIO

Approvada a acta e lido o expediente o sr. José de Alpoim apresenta o parecer sobre a proposta dos celleiros communs.— O sr. Correia de Barros apresenta o parecer sobre o projecto de lei n.° 44-A.— O sr. Mattoso Côrte Real apresenta uma representação dos proprietarios de padarias de Coimbra e falla sobre varios assumptos de interesse do circulo que representa, respondendo-lhe o sr. ministro da justiça, - Por proposta do sr. Alpoim são
Aggregados á commissão de legislação criminal os srs. Marianno de Carvalho e Pereira de Lima – O sr. Alvaro de Castellões Participa o lançamento de alguns requerimentos na caixa respectiva – O sr. Henrique Mendia, Teixeira de Sousa e Leopoldo Mourão mandam para a mesa varias representações.— Os srs. Izidro dos Reis e Telles de Vasconcellos apresentam duas propostas de lei.- O Sr. Ferreira de Almeida estranha a ausencia do sr. ministro da marinha. — O sr. Moraes Sarmento requer documentos pelo ministerio do reino.— O Sr. Ricca, em nome do sr. Marianno do Carvalho, apresenta um aviso para interrogar o sr. ministro da marinha.

Na ordem do dia (continuação do projecto de lei que altera as disposições da lei eleitoral) têem sucessivamente a palavra os srs. Teixeira de Sousa, Barbosa de Magalhães (que requer e é votada a prorogação da sessão até se votar o projecto), Barbosa Vieira, Simões Baião, pinto dos Santos, Teixeira de Vasconcellos e Frederico Laranjo, a requerimento do qual se julga a materia discutida. — Antes de se encerrar a sessão, apresentaram pareceres os srs. Luiz José Dias e Barbosa de Magalhães. — O sr. Carlos Ferreira propõe para ser aggregado á commissão de marinha o sr. Lourenço Cayola.

Abertura da sessão — Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada, 46 srs. deputados, e são os seguintes: — Alvaro de Castellões, Antonio Simões dos Reis, Antonio Teixeira de Sousa, Augusto César Claro da Ricca, Carlos Augusto Ferreira, Carlos José de Oliveira, Conde de Faço Vieira, Eduardo José Coelho, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real, Francisco Furtado de Mello, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Silveira Vianna, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Finto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João Monteiro Vieira de Castro, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Paes de Abranches, José Adolpho de Mello e Sousa, José Augusto Correia de Barros, José Bento Ferreira de Almeida, José da Cruz Caldeira, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José Frederico Laranjo, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Barbosa de Magalhães, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayola, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz José Dias, Manuel Telles de Vasconcellos, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro e Visconde da Ribeira Brava.

Entraram durante a sessão os srs.: — Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Carlos Le-Coq, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Tavares Festas, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Frederico Ressano Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, joão de Mello Pereira Sampaio, Joaquim Ornellas de flatos, José Alberto da Custa Fortuna Rosado, José Dias ferreira, José Joaquim da Silva Amado, José Maria de Oliveira Matos, José Maria Pereira de Lima, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Pinto de Almeida, Sertorio do Monte Pereira e Visconde de Melicio.

Não compareceram d sessão os srs: — Adriano Anthero de Sousa Pinto, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Antonio carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto José da
Cunha, Bernardo Homem Machado, Conde do Alto Mearim, Conde de Burnay, Conde da Idanha a Nova, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Jacinto Candido da Silva, João Abel da Silva Fonseca, João Antonio de Sepulveda, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, Joaquim Simões Ferreira, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Luiz Ferreira Freire, José Malheiro Reymão, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Fischer Berquó Poças Falcão, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel Affonso de Espergueira, Marianno Cyrillo de Carvalho, Sebastião de Sousa antas Baracho e Visconde de Silves.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da justiça, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Luciano Monteiro, nota dos feitos judiciaes distribuidos no tribunal da relação da Açores nos annos de 1892-1893,1893-1894,1894-1895. 1895-1896.

Para a secretaria.

Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo por copia uma nota datada de 12 do corrente, em que o ministro de Hespanha transmitte, por ordem do duque de Tetuan, o profundo reconhecimento de Sua Magestade a Rainha Regente e do governo d´aquelle paiz pela homenagem prestada n´esta camara, á memoria de D. Antonio Canovas del Castillo.

Para a secretaria.

Do ministerio da marinha, participando que não existem n´este ministerio os documentos pedidos pelo sr. de-

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putado Marianno de Carvalho, com relação a uma operação garantida pelo governo entre o banco de Portugal e a companhia dos caminhos de ferro de Ambaca, ou a quaesquer pagamentos do dito banco em cumprimento do contrato de 9 de fevereiro de 1895.

Para a secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Ferreira de Almeida, os documento relativos ao contrato para a construcção de um cruzador e outros contratos constantes da relação que acompanha e mesmo officio.

Para a secretaria.

Da liga dos lavradores do Douro, remettendo uma representação em que pede a conservação da cultura do tabaco na sua região, e apresenta alguns alvitres para beneficio dos lavradoras, no caco de se supprimir a referida cultura.

Para as commissões de agricultura, de artes e industrias e de fazenda.

O sr. José de Alpoim: - Sr. presidente, mando para a mesa o parecer das commissões reunidas de agricultura, de legislação civil, de fazenda e de administração publica, nobre a proposta de lei que melhora a antiquissima instituição dos celleiros communs.

Aproveito a occasião de estar com a palavra, para mandar para a mesa uma representação da assembléa geral da liga dos lavradores do Douro, pedindo a conservação da cultura do tabaco na sua região ou a adopção de alguns dos alvitres que apresentam, caso seja approvada a proposta de lei, relativa aos tabacos.

Como assignei o parecer com declarações, reservo-me para, em occasião opportuna, fazer as considerações que entender a tal respeito.

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que a representação da liga dos lavradores seja publicada no Diario do governo.

Foi auctorisada a publicação.

O sr. Correia de Sarros: - Mando para a mesa o parecer sobre o projecto de lei n.° 44-A, determinando que a verba n.º 294, classe 6.ª, tabella n.º 2, da lei de 21 de julho de 1893, seja emendada, substituindo-se as palavras n´esta verba, pelas palavras nas verbas n.ºs 292 e 293.

O sr. Mattoso Côrte Real: - Manda para a mesa uma representação dos proprietarios de padarias estabelecidas em Coimbra, reclamando contra a lei dos cereaes, e pede a sua publicação no Diario do governo.

Aproveita a occasião para se associar ás considerações apresentadas na sessão de sabbado pelo sr. Oliveira Matos, quando se referiu ao estado lastimoso em que se acham os campos de Coimbra, e a este respeito manifesta o mais vivo desejo de que seja attendida uma representação dirigida á camara pelos proprietarios d´aquelles campos.

Do mesmo modo se associa ajusta reclamação do mesmo sr. deputado contra a transferencia para o Porto da direcção da 2.ª circumscripção hydraulica que estava em Coimbra; e pede tambem ao governo que attenda aos inconvenientes que resultaram para aquella cidade da transferencia da coudelaria para Santarem.

A respeito d´estes dois ultimos assumptos representaram todas as corporações de Coimbra, mas ainda não lograram um deferimento as suas justificadas reclamações.

Termina, pedindo ao sr. ministro da justiça que transmitta ao seu collega das obras publicas estas considerações, na certeza de que, quando s. exa. estiver presente, elle, orador, ha de tratar mais detidamente d´estas questões, que são importantíssimas para a cidade, séde do circulo que elle, orador, representa no parlamento.

A representação foi mandada publicar no Diario do governo.

(O discurso a que se refere este extracto será publicado na integra, e em appendice, guando s. exa. haja revisto eu notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Sr. presidente, pedi a palavra para declarar ao illustre deputado o sr. Mattoso Côrte Real, que me encarrego gostosamente de communicar ao sr. ministro das obras publicas as observações de s. exa., na certeza de que o sr. ministro das obras publicas tomal-as-ha na devida consideração.

Sr. presidente, como estou, com a palavra, mando para a mesa duas propostas de lei, das quaes vou ler a seguinte:

(Leu.)

Vão publicadas a pag. 679.

O sr. José de Alpoim: - Sr. presidente, mando para a mesa o parecer das commissões de agricultura, de legislação civil, de fazenda e de administração, sobre a proposta de lei que melhora a instituição dos celleiros communs.

Mando tambem para a mesa uma proposta para que sejam aggregados á commissão de legislação criminal os srs. deputados Marianno de Carvalho e Pereira de Lima.

Mando mais para a mesa uma representação da liga dos lavradores do Douro, pedindo a conservação da cultura do tabaco n´aquella região ou a adopção de alguns alvitres que apresentam, caso seja approvada a proposta de lei relativa aos tabacos.

Como assignei com declarações o respectivo parecer, reservo-me para em occasião opportuna fazer algumas considerações.

Peço a v. exa. que consulte a camara, a fim de que esta representação seja publicada no Diario do governo.

Foi auctorisada a publicação.

O sr. Alvaro de Castellões: - Mando para a mesa as seguintes participações:

O sr. Henrique de Mendia: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa duas representações. Uma dos habitantes da freguesia de Vermelho, e outra dos habitantes de Pedro Moniz, ambas pertencentes ao concelho de obidos, solicitando a conservação d´aquellas freguezias no mesmo concelho.

Estas representações estão escriptas em termos correctos, e por isso parece-me não haver duvidei em serem publicadas na folha official, como requeiro.

Pedia tambem a s. exa. que fosse publicada no Diario do governo uma representação da real associação central da agricultura portugueza, que foi apresentada á camara por s. exa., que n´essa occasião, não sei se pediu a sua publicação; se assim o fez, não foi tomada a nota correspondente, e, por isso, faço hoje este requerimento.

Foi auctorisada a publicação.

O sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa uma representação dos segundos escripturarios da fazenda provincial de Cabo Verde, pedindo melhoria de situação.

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.

Foi auctorisada a publicação.

O sr. Izidro dos Reis: - Mando para a mesa um projecto de lei para serem salvaguardados os direitos adquiridos do conductor de 1.ª classe da província de Moçambique Francisco Correia Leotte.

Peço a v. exa. que lhe dê o destino devido, a fim de ser tomado na consideração que merecer.

O sr. Ferreira de Almeida: - Sr. presidente, tinha-me feito inscrever na esperança que estivesse presente o sr. ministro da marinha, para responder a umas insi-

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nuações que s. exa. fez n´uma das ultimas sessões, e para isso tenho pedido todos os dias a palavra; mas s. exa. não tem comparecido na camara, e não creio que tenha andado a fazer jogo de porta, antes da ordem do dia.

Talvez s. exa. tenha andado preoccupado com o cirio do Adamastor.

Creio que agora poderá comparecer já, tendo de mais a mais aviso previo para outros assumptos, e n´esse sentido, de certo v. exa. providenciará.

Parece-me que s. exa. pela sua categoria social, e pela idade em que está, não se quererá inscrever na lista da juventude traquina, que dispara a funda e se esconde atrás do muro.

O sr. Presidente: — Tenho a dizer a v. exa. que só por motivo de serviço publico é que o sr. ministro dia marinha não está n´está camara; s. exa. é um dos ministros mais assiduos em vir ao parlamento, e não só pelo respeito para com a camara, como para com o illustre deputado, de certo, se não fosse motivo de serviço urgente, não se teria eximido ao seu dever de vir ao parlamento. (Apoiados.)

O sr. Teixeira de Sousa: — Sr. presidente, a fatalidade da inscripção, ao discutir-se este projecto de lei, fez que eu tivesse de fallar em seguida ao illustre deputado o sr. Alpoim.

V. exa. comprehende que, se na ultima sessão eu tivesse podido ainda fazer uso da palavra, ter-me-ia visto em grandes embaraços, não porque o discurso de s. exa. fosse irrespondivel, mas porque não poderia ter sido tão severo, como talvez fosse minha obrigação partidaria, nem tão benevolo, como o exigiria o affecto que voto áquelle illustre deputado.

Mas, sr. presidente, passadas quarenta e oito horas sobre a objurgatoria do sr. Alpoim, essa obrigação desapparece, e eu, com toda a serenidade, sem azedume, sem acrimonia, venho reparar as grandissimas injustiças feitas pelo sr. Alpoim no seu discurso, por certo muito eloquente, mas tão irritante, quanto apaixonado, e por fórma a destoar do tom calmo que tem distinguido a actual sessão parlamentar.

Sr. presidente, a discussão d´este projecto abriu com o notavel discurso, proferido pelo meu querido amigo e chefe político, o sr. Franco Castello Branco, discurso tão brilhante na fórma, como levantado nos conceitos, á altura dos seus creditos de parlamentar incomparavel, á altura das suas elevadas qualidades de estadista (Apoiados) que o sr. Alpoim póde não reconhecer, mas que o reconhece o paiz, pela confiança que n´elle deposita.

Não foi um discurso vehemente, justificado pela paixão partidaria; foi um discurso sereno, de verdadeiro homem de estado, que comprehende as responsabilidades da situação culminante que occupa na política portugueza, (Apoiados.) é que sabe muito bem o que deve a si e ao seu paiz (Apoiados.)

Não veiu s. exa. fazer aggravos, não veiu ferir interesses, nem irritar as paixões; no exercício do seu indeclinavel dever veiu sustentar a sua obra política, mas com tão grande elevação, eloquencia e sinceridade, que o sr. Alpoim, em quem aliás reconheço notaveis qualidades de intelligencia e de palavra, não podendo luctar contra o cerrado da argumentação, contra a sympathica sinceridade de tão notavel peça oratoria, foi para o caminho das aggressões e das ameaças, que, sr. presidente, poderiam levar a graves consequencias políticas, se, porventura, fossem per filhadas pelo governo. (Apoiados.)

O sr. Alpoim obedeceu de certo ao seu temperamento exaltado, e deixou-se levar pelo seu facciosismo habitual e lendario, prejudicando assim o brilhantismo do seu discurso, que sou o primeiro a conhecer e a que presto homenagem.

Ninguem dirá, sr. presidente, que a sua palavra, sempre eloquente, que está ao serviço de uma intelligencia superior não está ao mesmo tempo ao serviço de um coração aberto, de um espirito generoso e de um caracter franco; mas a paixão partidaria perturbou em s. exa. o sentimento e justiça por tal fórma que eu, appellando para o sentimento de amisade que existe entre nós, pedirei ao sr. Alpoim que não restitua as notas tachygraphicas d´esse seu discurso, não por aquelles a quem feriu, mas pelos seus reditos de homem generoso e justo.

No seu ardente enthusiasmo, o illustre deputado fez a affirmação de que não ficaria pedra sobre pedra da obra politica do sr. Franco Castello Branco. Foi calor rhetorico que não teve as legitimas consequencias que d´esta affirmação podiam derivar para o effeito de nós regularmos nossa attitude política.

Aquella afirmação, como a de que a obra política do sr. Franco Castello Branco está fallida, são afirmações gratuitas e que contrastam singularmente com o appello que o governo faz todos os dias á collaboração do partido regenerador. (Apoiados.)

Mas foi ainda mais alem o sr. Alpoim. S. exa. disse que nem sequer ficariam leves vestígios de tão nefanda obra politica.?

Ora, sr. presidente, a verdade é que são passados seis mezes depois que o governo assumiu o poder e ainda até esta hora nem sequer de leve elle tocou na obra política do sr. João Franco. O proprio projecto que se discute, mísero e mesquinho como é, nasceu, viveu, morreu, resuscitou, e sabe Deus que voltas deu para ser apresentado n´esta sessão como questão aberta, embora profundamente mutilado pela commissão. Isto, apesar de se dizer que a obra política do sr. Franco Castello Branco ha de desaparecer diante da cruel iniciativa do actual governo!

Mas não desapparecerá, sr. presidente, porque a insania e a loucura, quer-me parecer que ainda não se apoderaram por completo das regiões governativas. E não desapparecerá, porque a afirmação verdadeiramente meridional, feita pelo sr. Alpoim, contrasta com a fraqueza do governo, bem traduzida pelos factos, e posta hoje em evidencia em um artigo de um dos mais notaveis jornaes de Lisboa. (Apoiados.)

Mas supponhamos que a obra política do sr. João Franco vae ser revogada. O que julga o illustre deputado que acontecerá á individualidade política do sr. João Franco? pensa, por ventura, que elle soffrerá alguma cousa no conceito em que é tido pelo seu paiz? Se pensa, engana-se.

Por cima dos destroços d´essa obra política, que foi orientada no mais acrisolado patriotismo, ficará sempre o sr. João Franco com o seu enorme talento, com a sua mascula energia, com a sua fervorosa dedicação pela causa publica, contra quem nada podem os actos de loucura praticados pelo governo. (Muitos apoiados.)

Por cima dos destroços d´essa obra política ha de ficar sempre o sr. João Franco, com todos os seus amigos que o estremecem e com o respeito do paiz, contra o que nada podem os discursos apaixonados dos seus adversarios. (Muitos apoiados.)

Querem reduzir a nada essa obra. Pois pratiquem mais esse acto de rematada loucura; mas não venham aqui cobrir de aggravos uma camara, que serviu bem o seu paz, que deu provas de grande isenção patriotica, e que, se os talentos se não contavam n´ella pelo numero de deputados que acompanham, não praticou, todavia, um unico acto que justificasse a acrimoniosa e injusta aggressão que lhe foi feita pelo sr. Alpoim.

Fiz parte d´essa camara, honro-me de lhe haver pertencido, e v. exa. comprehende que, se fosse tão pouco generoso, como foi o sr. Alpoim, eu podia apresentar essa camara em condições de vantagem e de superioridade a outras, que não especialiso, porque não quero ser desagradavel a nenhum homem do meu paiz, nem a nenhuma instituição. (Apoiados.)

Não valia nada essa camara? Na verdade não valia, por

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que não usou dos processos empregados pela opposição progressista em 1894! (Apoiados.)

Essa sim, essa é que foi notavel de valor.

Talentos na camara de 1896! Isso sim! Talentos notaveis brilharam na opposição de 1894, sobretudo n´aquelles em que se dava a anomalia physiologica do cerebro occupar o logar do tendão de Achilles. (Riso.)

É extraordinario, sr. presidente, o impudor com que ainda se citam exemplos da opposição de 1894! E note v. exa. que não quero ser desagradavel a nenhum dos seus membros; mas é realmente para notar-se o arrojo com que se falla d´essa opposição, que se serviu de todos os processos, dos mais insolitos e desconhecidos em todos os parlamentos do mundo, para embaraçar a marcha dos trabalhos parlamentares. (Apoiados.)

Não tinha valor a camara de 1896? Mas d´ella ficou uma obra a que o tempo ha de fazer justiça, se a historia não for guiada pelo mesmo criterio apaixonado que guiou o meu amigo o sr. José de Alpoim na sua objurgatoria de hontem. (Apoiados.)

O illustre deputado foi justo para com o meu illustre amigo o Sr. Mello e Sousa, quando affirmou que dos homens que pela primeira vez entraram na camara em 1896 era elle o de maior valor; e eu digo, pela primeira vez, porque creio bem que o sr. José de Alpoim não queria referir-se a antigos e notaveis parlamentares como os srs. João Arroyo, Marianno de Carvalho, Luciano Monteiro e outros do numero dos quaes eu me excluo.

Mas s. exa. foi injusto para com o meu illustre amigo o sr. Moncada, que, quer como parlamentar, quer como ajudante do procurador geral da corôa, em toda a parte onde exerce a sua actividade intellectual, tem mostrado que é um homem de subido valor. (Apoiados.)

Foi igualmente injusto para com o meu illustre amigo o br. Simões Baião, a quem ha poucos dias o sr. Moreira fez os mais rasgados elogios. (Apoiados.) Foi ainda injusto para com o meu amigo o sr. Cunha, que foi o modelo dos funccionarios do estudo, sob o ponto de vista moral e intellectual. (Apoiados.) Foi, emfim, injusto para com outros que foram membros d´essa camara e que, embora não façam parte d´esta, nem por isso deixam de ter direito á nossa consideração e respeito. (Muitos apoiados.)

Não tinham valor esses homens, mas fizeram uma obra que se não foi ruidosa, o illustre deputado, o seu partido e o governo vivem d´ella e respeitam-na, desde a reforma da carta até ao regimento interno da camara. (Apoiados.) Podem designal-a pittorescamente, o que não surprehendo desde que essa camara significa o insuccesso da colligação liberal; (Apoiados) mas lembrem se da chamados ruraes, dos representantes das forças productoras da França, que faziam parte da assembléa de 1871, a cujo patriotismo se deve a salvação da França depois da desoladora guerra de 1870. N´este ponto faço minhas as palavras do sr. José de Alpoim.

Sr. presidente, é verdadeiramente deploravel que um homem ainda novo e cheio de talento e aspirações, aliás muito legitimas e justificadas, venha cobrir de aggravos uma camara de seu paiz e ferir homens que só tinham direito ao respeito de todos nós; (Apoiados) é verdadeiramente deploravel, digo, que um homem ainda novo, cheio de talento e das mais legítimas aspirações, venha dar em pleno peito do nosso constitucionalismo, que o mesmo é que dizer nas nossas instituições, um golpe cruel, que outra cousa não é cobrir de aggravos um periodo das nossas instituições parlamentares.

E tudo isto para quê? Para sustentar, para defender um projecto, que nenhuma rasão de interesse publico justifica, antes traduz uma política acanhada e estreita, - a imposição de um ou outro deputado a quem não foi agradavel perder o logar para que foi eleito.

Ninguem viu com mais sincero sentimento do que eu a saída de alguns srs. deputados excluidos pelo sorteio.

Perdeu com elles a maioria parlamentar um dos nossos mais notaveis oradores, o sr. Elvino de Brito, (Apoiados.) mas é certo que d´este lado da camara se perderam dois generaes illustres em muitas campanhas parlamentares, com immensa gloria para elles e com grande proveito para o paiz. (Apoiados.)

Mas isto não impede que eu vote rasgadamente contra o projecto, não só por ser contrario aos interesses publicos, mas essencialmente porque, pela occasião em que é apresentado, representa uma escandalosa burla. (Apoiados.)

O sorteio e as incompatibilidades estabelecidas na lei eleitoral de 1896 não constituem um facto isolado, que possa ser revogado sem prejuízo; fazem parte de um systema de que não podem ser separados sem desdouro para quem o fizer. É parte integrante de uma lei.

É ella boa? Respeitem-a o aperfeiçõem-na, se é possível.

É má? Revoguem-n´a, mas não se dê o espectaculo de se ir procurar um ou outro artigo para o revogar, pela simples e unica rasão de que briga com os interesses ou com os caprichos dos deputados attingidos! (Apoiados.)

Sr. presidente, ou isto é verdadeiro ou então a logica já fez o seu tempo.

A lei de 21 de maio de 1884, que tinha nascido do accordo entre regeneradores e progressistas, estava a breve trecho condemnada pela opinião publica sensata e justa, que aspirava a uma representação tão legitima quanto o permittem os nossos habitos e costumes publicos, e que ao mesmo tempo traduzisse no parlamento as necessidades denunciadas nas nossas forças economicas, de cujo resurgimento depende a salvação publica. (Apoiados.)

Regeneradores, progressistas, constituintes e republicanos, todos clamaram contra a lei de 1884 e o que de mais benigno diziam d´ella, era que o suffragio era uma ficção e que o parlamento era uma burla! Na verdade, desde a constituição defeituosa das commissões de recenseamento, até á junta preparatoria da camara, que enviava ao tribunal de verificarão de poderes os processos eleitoraes que muito bem queria e lhe convinha, o systema eleitoral estava civado de vicios, que era preciso extirpar, sob pena de se avolumar a onda de descredito que envolve o systema representativo.

Não havia meio de corrupção e veniaga que se não empregasse para obter a maioria dos quarenta maiores contribuintes. A consequencia era que as commissões do recenseamento, por elles eleitas, representavam tudo menos a grande propriedade rural.

Um escrivão de fazenda amigo e um dirigente politico com alguma habilidade obtinham a commissão do recenseamento, a qual, filha legitima da burla, nada representava de verdadeiro e serio. (Apoiados.)

A representação das minorias introduzida na lei de 1884 por uma aspiração verdadeiramente liberal do legislador, não correspondia a actos eleitoraes praticados, mas a actas feitas nas vesperas do dia designado para as eleições, e as accumulações faziam-se no ministerio do reino, com accordo ou sem accordo dos adversarios, tirando toda a seriedade ao systema eleitoral!

Essa lei, nascida de uma transacção entre progressistas e regeneradores, sob condição de os primeiros reconhecerem a necessidade das reformas políticas que constituem o segundo acto addicional a carta, estava condemnada nos comicios, na imprensa e no parlamento e em toda a parte onde a opinião publica se póde manifestar. (Apoiados.)

Para satisfazer as reclamações que de todos os lados se levantavam, o sr. João Franco reformou a lei eleitoral condemnada, effectuando essa reforma pelo decreto dictatorial de 28 de março de 1895, modificado mais tarde pelas côrtes no que diz respeito á constituição territorial dos circulos.

E o sr. João Franco, que allia ao seu brilhante talento o mais vivo desejo de bem servir o seu paiz, ao reformar

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a lei de 21 de maio de 1884, introduziu disposições novas, que, a meu ver e no de toda a gente imparcial, constituia a sua maior corôa de gloria. (Muitos apoiados.)

Sr. presidente, todos lamentam a indifferença do paiz pelas nossas cousas publicas, attribuindo-se geralmente a esta indifferença, em grande parte, o estado lastimoso em que nos encontrâmos.

Contra esta indifferença quiz reagir o sr. João Franco, chamando mais directamente á collaboração das leis os representantes das melhores forças do paiz, porque, se é mau o estado em que se encontra o thesouro publico, peior é o estado do paiz a braços com uma crise economica que ameaça feril-o de morte. (Apoiados.)

O commercio definha dia a dia pela concorrencia dos productos similares estrangeiros, a industria, apesar da grande protecção pautal, fica áquem das fronteiras; a agricultura permanece estacionaria, agarrada a uma rotina que a prejudica e compromette o paiz. E é assim que se explica o consideravel Deficit commercial, que é preciso transformar em saldo por fórma a cobrir as remessas do oiro que o thesouro tem de fazer annualmente para o estrangeiro.

Todos reconhecem que é preciso desenvolver o commercio, proteger a industria e dar vida á agricultura, para que o paiz possa tirar d´estas forças productoras o proveito de que carece.

Fóra d´isto qualquer operação de credito boa, ou má, apenas aggravará á má situação em que hoje estamos, se não tomarmos medidas que nos assegurem no mais curto espaço de tempo o estrangulamento do enorme deficit de oiro. (Apoiados).

Mas haveria melhor meio de interessar o paiz nas cousas publicas do que trazer ao parlamento os representantes das suas mais importantes classes?

Não havia; e comtudo esta representação não se podia fazer senão á custa da reducção da representação dos funccionarios publicos e das profissões liberaes. (Apoiados).

Todos sabem que era necessario combater a indifferença do paiz pelas cousas publicas; pois melhor meio não havia para acabar com esta indifferença do que trazer ao parlamento as condições essenciaes da sua vida. E ainda por outra rasão, que se impõe ao meu espirito; é que maior direito tem de governar quem para o thesouro paga do que quem do thesouro vive.(Apoiados).

Sr. presidente, eu sou o primeiro a reconhecer que uma larga representação de funccionarios publicos não tem tido no nosso paiz os grandes inconvenientes, que se notam lá fóra. Se é certo que em alguns paizes, como em França, se attribue á larga representação de funccionarios publicos as difficuldades que lá se notam para equilibrar o orçamento, é certo tambem que, no nosso paiz, mais de que uma prova os funccionarios que têem feito parte do parlamento têem dado de uma grandissima isenção patriotica. (Apoiados.)

Basta recordar-nos do que se passou na camara de 1892, ao votar-se o projecto que se transformou na lei de 26 de fevereiro do mesmo anno, e que foi apresentado ás camaras pelo genial homem de letras que a morte na sua implacavel cegueira arrancou á nossa admiração. (Apoiados).

Essa camara constituida na sua maior parte por funccionarios publicos votou consideravel diminuição nos seus vencimentos, sem que se levantasse uma unica voz de protesto, sem que uma reclamação se fizesse ouvir. (Apoiados).

Mas não esqueçamos que esses funccionarios que votaram consideraveis deducções nos seus vencimentos, votaram tambem a reducção de 70 por cento nos juros da divida externa e de 30 por cento na divida interna, em condições bem tristes e bem deploraveis para algum dos attingidos; porque essa lei abrangeu estabelecimentos de caridade e beneficencia e até orphãos que tinham títulos de divida publica. (Apoiados).

Isto não impede, porém, que eu reconheça a conveniencia de trazer ao parlamento os que mais têem a lucrar com a marcha regular dos negocios publicos e os que mais têem a perder se não se conjurar a crise grave em que nos vemos envolvidos. (Apoiados).

A verdade é que, se a nossa salvação depende do progresso e do desenvolvimento rapido da industria do commercio e da agricultura, não é todavia menos certo que os representantes d´esta classe não têem pouco a lucrar com a marcha regular dos negocios publicos.

O que digo com relação á agricultura, ao commercio e
industria, digo-o principal e especialmente com relação á agricultura.

E a agricultura a condição mais essencial da vida de uma nação e mesmo a mais estavel, por estar ligada á immutabilidade do solo, não estando por isso sujeita ás bruscas transformações que muitas vezes attingem o commercio e a industria.

É por isso mesmo a agricultura a base essencial de uma noção bem constituida, e é ainda n´ella que se recrutam os melhores princípios de ordem. (Apoiados).

Dizem isto os princípios mais elementares de economia política applicados a todos os paizes, e no nosso tem esta nação especial cabimento.

Nós temos a esperar muito do desenvolvimento do commercio, temos grandes esperanças no desenvolvimento da industria, mas dadas as circunstancias especiaes em que nos encontrâmos, não podemos alcançar a nossa salvação sem augmentar a exportação dos productos que lá fóra têem facil e compensadora collocação, e sem augmentar a producção do que importâmos a troco de oiro que não possuimos.

Fóra d´isto não ha habilidades que valham, nem principios que triumphem. (Apoiados).

Se é precisa, incontestavelmente, uma poderosa iniciativa para levantar a agricultura do estado de abatimento em que se encontra, não é menos certo que os representantes d´essas classes no seio do parlamento podiam prestar altos serviços na confecção das leis destinadas a resolver a nossa crise economica. (Apoiados.)

Ora a agricultura não podia ter uma larga representação sem reduzir a representação dos funccionarios e das profissões liberaes.

O sr. João Franco limitou o numero dos funccionarios e o dos indivíduos pertencentes ás profissões liberaes, não por feita de confiança n´elles, mas para poder trazer ao parlamento os representantes das principaes forças productoras da nação. (Apoiados).

Não é só no nosso paiz que ha quem se levante a defender a obra política do sr. João Franco. Ha tambem lá fóra quem, com notoria auctoridade, produza argumentos de poderoso valor, que embora não vizem a defender aquella obra, dão-lhe comtudo completa e cabal justificação.

Perguntou o sr. Alpoim onde foi o sr. João Franco inspirar-se para a sua lei eleitoral. Foi porventura á França que dá a lei intellectual á todos os paizes, á Allemanha que dá a lei marcial a toda a Europa, á Inglaterra onde se conserva genuino e puro o systema representativo? Não. Foi á Italia, e a este proposito fez o illustre deputado considerações a respeito dos homens publicos d´aquelle paiz em que eu o não posso acompanhar.

Mas não foi nada disso.

O sr. João Franco procurou na lei da Italia o sorteio, e não o que ella tem de fundamental e essencial. O sr. João Franco inspirou-se no principio que domina n´esse grande paiz, a Inglaterra, onde se exerce genuino e puro o systema representativo; e todavia se quizesse, podia ir buscar á Franca argumentos, não para expulsar os funccionarios do estado, por falta de confiança n´elles, mas para justificar a sua lei.

Eu tenho diante de mim o notavel livro de recente publicação, de Edmond Demolins, em que o auctor pro-

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cura as causas da superioridade dos anglo-saxões sobre a França; e tão notavel é este livro, que foi procurado avidamente, tanto nas cidades mais populosos como nas aldeias mais insignificantes, não havendo jornal noticioso, litterario, politico, que se não referisse ao livro de Edmond Domolins com as palavras mais lisongeiras.

Querem v. exa. saber o que nesse livro se diz a proposito da representação dos funccionarios do estado?

«Pela sua situação, são os funccionarios bons representantes com vantagem para o paiz?

«Merecem elles occupar um tão grande numero de cadeiras na camara?

«São elles bons juizes dos interesses publicos?

«Qual é o interesse publico?

É que a governação do estado marche regularmente. Pelo contrario o interesso dos funccionarios é que a governação seja tão cara quanto possivel. Quanto mais o orçamento augmentar, tantos mais logares haverá á disposição do estado, e, por consequencia, mais funcções a exercer.

Todos os annos, quando se discute o orçamento, e em face do deficit crescente, se notam algumas veleidades de economias. Mas, á medida que se passa á discussão dos artigos e que os capitulos do orçamento se desenrolam, o sentimento da camara modifica-se.

Os 95 funccionarios para os quaes o orçamento é a galinha dos ovos da oiro são impellidos pelo mesmo movimento irrevistivel. Elles defendem o patrimonio de que têem vivido e sobre o qual voltarão quando deixarem de ser deputados. E n'este movimento de resistencia elles são naturalmente acompanhados pelos seus camaradas da camara que pertencem ás profissões liberaes, e que esperam, elles tambem, quando lhes faltem os subsidios de deputados, escavar uma pequena reforma no orçamento, como o rato da fabula no seu queijo da Hollanda. E como no parlamento as profissões que alimentam o orçamento são menos representadas do que as que d'elle vivem, o orçamento acaba por ser votado e as economias continuam a ficar para as calendas gregas.»

Não foi este o pensamento que inspirou o sr. João Franco. S. exa. tinha confiança nos empregados publicos, mas reconheceu que era preciso reduzir a sua representação para trazer ao parlamento os representantes das principaes forças productoras do paiz.

Este notavel escriptor, como disse, procurou as causas da superioridade dos anglo-saxões sobre a França, e o que mais impressionou o seu espirito foi a melhor distribuição do pessoal politico pelas differentes classes sociaes.

O espectador collocado no alto de uma galeria e olhando para a assembléa italiana, para a camara dos deputados franceses, para o reiachatag allemão e para a camara dos communs em Inglaterra não encontram differença sensivel, pensando que estes paizes se governam do mesmo modo e praticam o mesmo systema, differindo apenas no numero dos seus representantes.

Ha, porém, aquillo que se vê e aquillo que se não vê, como diria Bastiat; o que se vê, é uma apparente similhança entre os assembléas dos mesmos paizes, parecendo que praticam o mesmo systema parlamentar, e o que se não vê, são as categorias sociaes entre as quaes é escolhida a representação nacional.

Todas estas camaras têem representantes da industria, do commercio, da agricultura, do exercito, da marinha e do clero, funccionarios e representantes das profissões liberaes, mas o seu numero varia consideravelmente de umas para outras, de modo a dar predominio a uma ou outra classe. E como os interesses das diversas classes são diversos e por vezes contrários, o melhor parlamento será aquelle em que estiverem mais largamente representados elementos de riqueza publica e os elementos estaveis da nação. (Apoiados.)

Se v. exa. reduzir a traçado graphico os numeros que na camara dos communs inglezes representam a industria, o commercio e a agricultura, e os que representam o exercito, a marinha e o funccionalismo publico, e se sobre-poser esse traçado pela ordem decrescente da sua importancia ou extensão, v. exa. encontrara um pyramide truncada, a cuja base corresponde a representação da agricultura e a cujo corte a dos funccionarios publicos.

É o contrario do que succede em França.

Na camara dos deputados francezes encontra-se o predominio das profissões liberaes e por tal fórma que o seu numero é só por si igual ao de todas as outras classes.

N'este facto encontra Demolias a mais forte rasgo de inferioridade politica e economica da França.

Em Inglaterra ha uma larga representação das profissões usuaes e d'ellas é que vivem todas as outras. Póde viver-se sem exercito, póde viver-se sem juizes, sem marinha, sem clero, sem funccionarios, mas não se póde viver sem agricultura, que vae buscar ao solo os elementos indispensaveis á subsistencia; sem industria, que fabrica objectos necessarios á vida nem sem commercio, que leva uns e outros a toda parte onde aquelles faltam. (Muitos apoiados.)

Em Portugal como na França havia uma exigua representação das classes de trabalho, das classes productivas, d'aquellas de que todas as outras vivem, das piasses, emfim, que devem constituir as condições essenciaes da vida da nação.

Foi n'este ponto de vista, sr. presidente, que o meu illustre amigo e querido chefe o sr. João Franco se inspirou, ao organisar a sua lei de 21 de maio de 1896.

Sr. presidente, eu já aqui disse uma vez e repito agora, nós estamos em vespera talvez de terriveis provações.

Só pelo desenvolvimento do nosso commercio, da nossa industria e da nossa agricultura poderemos resistir á crise grave que tantos perigos encerra; d'ahi a rasão por que é preciso trazer ao parlamento os representantes d'essas forças productoras; d'ahi a rasão de conveniencia de trazer aqui o seu conselho, a sua experiencia, o seu saber, que hão de produzir grandes resultados na formação dos às destinadas a dominar a crise grave que atravessâmos.

Não nota v. exa. um consideravel numero de diplomados?

Não nota v. exa., que dia a dia cresce o numero dos medicos, dos advogados, dos engenheiros?! Não vê v. exa. que está n'isto um dos grandes males que affectam a nacionalidade portugueza?! (Apoiados.)

É que se sacrifica a aptidão para as profissões usuaes, dando-se preferencia ao diploma scientifico, e por tal fórma, que hoje é raro encontrar um filho que continue a profissão usual, que enriqueceu e honrou seu pae; e não é raro ver-se o filho de um grande agricultor amanuense de uma secretaria; um filho de um grande industrial a promover em qualquer comarca da provincia; não é raro ver-se o filho de um grande commerciante a fazer medicina barata em qualquer aldeia sertaneja. E porque? Porque o commercio, a industria, a agricultura não têem tido no nosso paiz a consideração que merecem como condição essencial á nossa vida economica. (Apoiados.)

Qualquer pae que queira dar ao filho consideração no mundo politico tem de o mandar ou procurar um diploma scientifico ou á cata de um emprego publico. E, assim, emquanto as nossas forças economicas, emquanto as condições essenciaes da nossa vida definham, dia a dia, os aspirantes a funccionarios publicos anceiam o alargamento do orçamento e os representantes das profissões liberaes, entre os quaes se notam, pelo seu grande numero, os medicos, junto das classes pobres, pela qualidade da sua profissão, pela independencia que essa profissão lhes dá, vão fazendo, o que não deixa de ter importancia, politica democratica, exactamente como na França onde os medicos avolumam a representação dos radicaes, com grande perigo para a estabilidade d'aquella republica, (Apoiados.)

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Ha muitos annos que no nosso paiz se pedia insistentemente uma lei de incompatibilidades; estabeleceu-as agora a lei de 21 de maio de 1896, e estou persuadido de que o meu illustre amigo o sr. João Franco foi antes levado pela necessidade que reconheceu de dar força e auctoridade ao parlamento, do que por inquinar de suspeição os actos praticados pelos incompativeis como membros d'esse parlamento. O que é certo é que a opinião publica impunha-se, pedindo uma lei de incompatibilidades; a opinião publica, que era determinada, pelas chamadas campanhas da diffamação, que, felizmente, assenta, em regra, em accusações caluminosas, quando não assenta na mais ignobil das chantages.

Eu tenho a franqueza de declarar que não ha nada mais pernicioso para a vida de uma nação do que a demasiada susceptibilidade para as campanhas de diffamação, sobretudo quando ellas acatam a honestidade mais provada, sobretudo quando atacam, a isenção mais patriotica. (Apoiados)

Haja visto, o que aconteceu na França; haja visto o que se passou na campanha de diffamação do Panamá.

A França perdeu para a republica os seus homens mais notaveis, para apenas apurar, leves responsabilidades de Baihaut.

O que é certo, sr. presidente, é que a opinião publica exigiu uma lei de incompatibilidades, e é dever de quem na opinião publica queira inspirar-se satisfazer-lhe as indicações.

Eu não venho discutir largamente o que, a respeito de incompatibilidades, ha na lei de 21 de maio de 1896, mas lembra-me perguntar, o que lucra, por exemplo, o poder judicial em ter larga representação no parlamento.

No meio da dégringotade geral por que vimos passando, o poder judicial tem mantido inalteravel o seu prestigio, a sua auctoridade. Que lucra, pois, em creditos, trazendo-o para a lucta dos partidos?

Sr. presidente, a incompatibilidade estabelecida na lei de maio de 1896 para os juizes de primeira instancia não podia ser mais legitima.

Pergunto ainda, sr. presidente, o que lucrará o exercito tendo maior representação no parlamento; o que lucrará elle em vir para o embate das paixões partidarias?

Não ha ninguem, sr. presidente, que tenha maior sympathia, nem maior consideração pelos officiaes do exercito, que fazem parte d'esta camara, do que eu; mas entendo, sr. presidente, que o exercito tem para si um logar de honroso como este e de maior proveito para o paiz, de maior gloria para elle.

Não esquecem actos como aquelles que foram postos em evidencia na ultima sessão pelos srs. Dantas Baracho, Lourenço Cayolla e Queiroz Ribeiro, quando se referiram ás campanhas de Afrioa. A Europa, gasta e exhausta no continente, procura expandir-se, e, é sobretudo para o continente negro que ella dirige os tentaculos emplgadores, e é para as possessões dos pequenos estados, que essa ambição mais especialmente se dirige.

Temol-a nós sentido, porque entre outros elementos de grande valor possuimos a bahia de Lourenço Marques, destinada a seu o emporio commercial mais importante da Africa oriental e a chave de toda a politica da Africa, do sul.

Isto comprehendemos nós quando levamos os nossos soldados a derramar o seu sangue e a dar a sua vida na defeca da honra e da integridade da patria. (Muito apoiados.)

Pouco mais de um anno passou, depois que os nossos soldados deram ao mundo exemplo de incomparavel bravura, mostrando bem que nas suas arterias ainda corre o sangue dos antigos dominadores.

Tivemos heroes a premiar, mortos illustres a prantear; e com essa formidavel epopéa, que começou em Marracuene e acabou, ha poucos dias, nas terras de Gaza e da Zambezia, nós conseguimos impor-nos á consideração da Europa, que, applaudindo as nossas victorias, reconheceu os nossos incontestaveis direitos. (Apoiados.)

Com essa gloriosa epopéa, cujas honras igualmente partilham os nossos exercitos de mar e terra, conseguimos dar ao mundo a demonstração eloquente de que estamos dispostos a dar o ultimo portuguez pelo primeiro palmo de territorio que queiram arrebatar-nos pela força. (Muitos apoiados.)

Pois é este, para o exercito, sr. presidente, um logar que não é menos honroso que o de fazer leis, mais proveitoso para o paiz e de maior gloria para elle.

Vou terminar.

A lei de 21 de maio de 1896 não é boa.? E uma obra nefasta, como a classificou o sr. José de Alpoim?

Então revoguem-na; mas não se dê o espectaculo de se fazer uma modificação por fórma que a muitos pareça, que apenas se quer evitar o prejuizo de alguns tostões.

Revoguem essa lei, se têem coragem para arrostar com a impopularidade, que esse facto originará, mas abandonem este projecto, misero e mesquinho, que não dá proveito ao paiz nem honra ao partido que o protege.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado por toda a opposição parlamentar e por muitos srs. deputados da maioria.):

O sr. Barbosa de Magalhães (para, um requerimento): - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que se prorogue a sessão até se votar o projecto em discussão. = = Barbosa de Magalhães, deputado por Oliveira de Azemeis.

Foi approvado.

O sr. Luiz José Dias (por parte da commissão de reducção): - Sr. presidente mando para a mesa a ultima redacção do projecto de lei n.° 24.

Foi approvado.

O sr. Barbosa Vieira: - Tendo tido, como relator da commissão de reclamações, o desgosto de dar um parecer, excluindo da camara alguns dos seus membros mais illustres, é com verdadeiro prazer que vota agora este projecto, que vae remediar essa grande injustiça, dando entrada na camara a homens que a honram e podem levantar o prestigio parlamentar.

Refere-se o orador largamente á lei eleitoral de 1895, que embora pareça obedecer a orientação, ingleza, não transplantou, todavia, para o nosso paiz o principio d'essa lei, que, a seu ver não póde implantar-se entre nós, sem uma profunda remodelação dos nossos costumes e usos sociaes.

Reformem-se primeiro, diz, de fond en comble os nossos costumes, desenvolvendo o commercio e a industria, e só então será possivel adoptar-se aquelle systema. Sem que isto se faça, nada se comseguirá. O mesmo succedeu á França, o mesmo aconteceu na Italia, onde agora se foi buscar o principio do sorteio.

Seguindo n'esta ordem de idéas, apresentou ainda o orador larguissimas considerações, terminando por affirmar o seu voto a favor do projecto.

(O discurso a que este extracto se refere terá publicado na integra, e em appendice quando o orador tenha revisto, as notas tachygraphicas.)

O sr. Simões Baião: - Sr. presidente, depois do brilhantissimo discurso proferido na sessão de sabbado pelo illustre deputado e meu querido amigo o sr. João Franco, e depois da brilhante replica produzida na sessão de hoje pelo sr. Teixeira de Sousa, em resposta ao illustre deputado o sr. Alpoim, estranhará de certo v. exa. que eu, sem dotes oratorios, sem os recursos de intelligencia e da palavra e até sem o habito de fallar em publico, a que é

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avesso o meu temperamento, levante a minha voz para tomar parte na discussão d'este projecto.

Mas, sr. presidente, o projecto que se discute mira á revogação directa e immediata de algumas disposições da lei eleitoral que foi votada pela camara passada; fiz parte d'essa camara e votei aquella lei, convencido, como estou hoje, do que os artigos, que pretendem revogar-se, continham preceitos indispensaveis e salutares á acção parlamentar e á boa ordem e regularidade nos serviços publicos; limitar-me a votar contra o projecto em discussão, poderia isso ser apenas considerado como um acto de coherencia ou lealdade partidaria, o eu quero affirmar bem alto e solemnemente, que o meu voto n'este caso significa, traduz, é tambem a sincera o convicta expressão do que penso e sinto a este respeito.

Mas, sr. presidente, ha mais, o illustre deputado o sr. Alpoim fez referencias desagradaveis e menos justas á camara de 1896, e eu, como já disse, fiz parte d'essa camara; era, pois, necessario que me levantasse para repeliu tão injustas accusações, referencias tão desagradaveis.

Lamento na verdade que um parlamentar tão distincto como o sr. Alpoim, viesse levantar a sua voz no meio da representação nacional para tratar tão injustamente a camara de 1896, importando pouco que se referisse aquella camara, á actual ou a outra qualquer, porque proferir aqui phrases deprimentes da camara dos senhores deputados significa sempre falta de respeito para com uma das mais importantes instituições do paiz, e isso devia estar fóra do animo do illustre deputado. (Apoiados.)

O sr. Alpoim disse que d'essa camara só ficou o sr. Mello e Sousa, mas esqueceu-se que tambem lá estiveram outros deputados que pertencem agora á camara actual.

Esqueceu-se que lá esteve o honrado proprietario sr. D. José Gil, a quem a doença tem afastado dos nossos trabalhos.

Esqueceu-se que lá esteve tambem o sr. Adolpho Guimarães, que é um abastado proprietario e um respeitabilissimo caracter.

Esqueceu-se que lá esteve o sr. Ferreira da Cunha, que é tambem um abastado proprietario e um nobre e honrado caracter.

Esqueceu-se que tambem lá esteve o sr. Meneada, que é collega do sr. Alpoim, porque é, como s. exa., ajudante do procurador geral da corôa, e que, não só por isso, mas porque é um brilhante talento, por tantas fórmas affirmado, lhe devia merecer mais respeito e consideração.

Esqueceu-se ainda de que estava aqui outro membro da camara que teve sempre muita estima e consideração por s. exa., que não é commerciante, nem agricultor...

O sr. José de Alpoim: - Eu referi-me só às forças vivas e não é força viva, nem v. exa., nem o sr. Moncada.

O Orador: - V. exa. referiu-se si às forças vivas. Mas o que são os srs. Adolpho Guimarães, D. José Gil, Mello e Sousa e Ferreira da Cunha?!

O sr. Adolpho Guimarães não é empregado publico, é proprietario; o sr. D. José Gil é um proprietario; o sr. Mello e Sousa é negociante; o sr. Ferreira da Cunha é um proprietario.

Podia ainda citar outros nomes, mas é escusado.

O que é certo é que v. exa. não distinguiu, fez referencia a todos, ou pelo menos aos que pela primeira vez vieram á camara em 1896.

Mas, como ia dizendo, esqueceu-se s. exa. ainda de que estava aqui outro deputado que teve sempre muita estima e consideração por s. exa., que não é commerciante, nem agricultor, nem industrial, mas que fez parte da camara de 1896, que é solidario com todos os actos d'essa camara, e que repelle com todas as suas forças as malevolas insinuações que lhe foram dirigidas pelo illustre deputado.

Esqueceu-se ainda, e é estranharei este seu esquecimento, que quasi todos nós d'este lado da camara fizemos parte da camara de 1896, e somos solidarios com todos os seus actos, mesmo os que não pertencemos às forças vivas. (Apoiados.)

Se s. exa. se não tivesse refugiado na commoda, mas condemnavel abstenção politica em que se lançou o seu partido, e tivesse feito parte da camara de 1896, não teria sido tão aggressivo, tão injusto e tão descoroavel oom as forças vivas, com esses proprietarios, com esses negociantes e industriaes do norte e sul do paiz, de Lisboa e Porto, por s. exa. e pelo partido progressista tão mal recebidos e tão mal apreciados.

Se s. exa. não tivesse fugido às luctas do parlamento, em que é gladiador denodado, e viesse tornar parte nos trabalhos parlamentares de 1896, teria verificado como essas forças vivas estudavam e esclareciam os assumptos no seio das commissões, com a sua illustração, com o seu bom senso, com os seus conselhos e alvitres colhidos na larga experiencia dos negocios. (Apoiados.)

Tive occasião, folgo de o dizer aqui, de assistir a uma sessão no ministerio das obras publicas das commissões reunidas de legislação civil e commercio e artes; tratava-se de um assumpto que se relacionava directa e intimamente com questões de direito commercial, e surprehenderam-me os excellentes conselhos, as prudentes considerações e os uteis e sensatos alvitres que partiam dos membros d'aquella commissão, commerciantes e industriaes das cidades do Porto e Lisboa, que se revelavam muito illustrados, muito distinctos e muito conhecedores do direito commercial.

Não vinham, é verdade, esses proprietarios, esses agricultores, esses industriaes, que constituiam as forças vivas, a quem o sr. Alpoim tão desfavoravelmente se referiu, fazer no seio do parlamento ostentações da sua eloquencia. Mas se o estylo nos prende e nos encanta, principalmente quando traduz convicções sinceras, como succedeu na sessão de sabbado com o brilhante discurso do sr. Queiroz Ribeiro, tambem às vezes o estylo, embora brilhante, a palavra, embora eloquente, não consegue esconder a falta, a insuficiencia, a inanidade de argumentos, como succedeu na mesma sessão de sabbado ao discurso do sr. Alpoim, que deixou de pé e em cousa alguma abalou os vigorosos e indestructiveis argumentos do illustre leader da maioria, o sr. João Franco. (Apoiados.)

Porque é, pois, toda esta indignação da parte do illustre deputado contra as forças vivas?!

Porque é que s. exa. tanto se arreceia do seu predominio no parlamento e prefere antes o predominio dos empregados publicos?

Sr. presidente, eu não defendo as forças vivas, porque seja negociante, proprietario ou industrial. Sou empregado publico, e por isso mesmo sou insuspeito.

Mas quem são essas forças vivas que o governo e o illustre deputado não querem aqui?

São o agricultor, o commerciante, o industrial.

O agricultor, que trabalha dia a dia, hora a hora, momento a momento na exploração e arroteamento dos campos, arrancando á terra, com pesados sacrificios, os productos e as riquezas sobre que recáem as contribuições com que se pagam os vencimentos ao illustre deputado e a mim, que somos ambos empregados publicos!

O commerciante, que arrisca os seus capitaes, que vê diminuir o seu negocio com a pobreza do paiz, que está sujeito às oscillações do mercado e que lucta com as difficuldades dos cambios e com a falta de oiro!

O industrial, que vela constantemente pela boa direcção da sua fabrica, que emprega um pessoal consideravel e que tem nas suas mãos grandes e importantes interesses!

São esses, essas classes productoras, que mais concorrem para as prosperidades do paiz e que mais avultadas contribuições pagam ao estado, as forças vivas que o illustre deputado e o governo não querem aqui, no parlamento, ao nosso lado!...

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O agricultor?!... Que continue entregue ás suas afadigosas e extenuantes labutações diarias, curvado ao peso de constantes sacrificios; continue a pagar pontualmente as suas contribuições!

Podia vir aqui prestar-nos, com as luzes da sua experiencia, importantes e proveitosos esclarecimentos na resolução da problemas economicos e na apreciação das medidas de fomento agricola... Mas que importa isso?!... Deixal-o lá estar. Cá estamos nós, os empregados publicos, os mais competentes para esclarecer estes assumptos e votar aquellas contribuições, com que hão de ser pagos os nossos vencimentos!

Uma voz: - É duro.

O Orador: - É duro, mas é verdadeiro. (Apoiados - Vozes - Muito bem.)

O commerciante?!... Podia e devia, como o agricultor; estar aqui ao nosso lado, discutir e esclarecer as questões mais vitaes é de maior interesse para o paiz. Mas que importa isso? Deixal-o lá estar envolvido nas quotidianas difficuldades dos seus negocios... Cá estamos nós, os empregados publicos, os mais competentes para conhecer e resolver os mais importantes problemas commerciaes; cá estamos nós para organisar a pauta maxima ou a pauta minima, de que tanto se carece, como, ainda ha pouco, aqui foi affirmado pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros!

O industrial?!... Podia e devia estar aqui, onde prestaria valiosos esclarecimentos com respeito á natureza e producção das differentes industrias, concorrendo assim para uma equitativa e proporcional distribuição do imposto.

Mas que importa isso?...

Deixal-o lá estar entregue aos labores diarios da sua industria... Cá estamos nós, os empregados publicos, encyolopedicos, omniscientes, que tudo sabemos, que de tudo entendemos, para discutir e votar a contribuição industrial, que elles hão de pagar! (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Sr. presidente, diz-se ainda, segundo tenho ouvido aos distinctos oradores de um e outro lado da camara, que duas são as principaes preoccupações do governo: a reconstituição da nossa economia social e da nossa vida economica e a ordem publica.

Estão pendentes medidas de fomento agricola que foram aqui apresentadas pelo sr. ministro das obras publicas, de que, segundo se diz, depende a salvação do paiz; pois, sr. presidente, para as apreciar e discutir cerram-se as portas d'esta camara aos agricultores e abrem-se aos empregados publicos!....

Pois quem melhor poderia esclarecer esses assumptos do que os proprietarios, que conhecem os systemas de cultura, o modo de arrotear os campos e de fabricar os productos da terra? (Apoiados.)

Mas sr. presidente, dizia eu que uma das preoccupações actuaes de todo o governo era á ordem publica. Estou convencido que o governo, qualquer que elle seja, póde confiar, para manter a ordem publica, na espada dos nossos officiaes e nas lanças e bayonetas dos nossos soldados. (Apoiados.) Mas eu tambem estou convencido de que os melhores elementos de ordem publica nos campos e nas provincias são dois: o clero e o agricultor. (Apoiados.) O clero pela rasão que todos sabem.

O agricultor, porque está ligado á terra que arroteia todos os dias, ama o campo, onde verdejam as suas searas; tem por elle o mesmo amor que tem pela mulher e pelos filhos, está como que ligado á sua propriedade, partilha da sua estabilidade; e esto amor que elle tem a sua familia, este interesse que o liga á propriedade, é o mesmo que tem á sua patria, o mesmo que sente pela estabilidade das instituições que nos regem, e é por isso que eu digo que é no agricultor, que é nos campos que está o melhor esteio da ordem pubica. (Apoiados.)

Pois, sr. presidente, é a uma classe d'esta importancia d'este valor social, que o governo e a maioria querem cerrar as portas do parlamento, abrindo-as mais amplamente aos empregados publicos!

Por estas considerações vê v. exa. que eu não combato o projecto que se discute, unicamente por coherencia ou por lealdade partidaria, mas porque estou convencido da excellencia da lei que se pretende alterar, e que limitava o numero dos empregados publicos que podem fazer parte d'esta camara, alargando e facilitando a entrada aqui às forças vivas, às classes productoras do paiz.

Já aqui se tem perguntado, e eu pergunto tambem, que interesse ha em trazer á camara e querer votar um projecto d'estes tão restricto, limitado a um ou dois artigos, para revogar disposições importantes de uma lei especial como é a lei eleitoral?!

Pois não fez o sr. presidente do conselho a promessa solemne de trazer ao parlamento uma lei eleitoral, e não teria essa occasião a mais opportuna para introduzir n'essa ei estas mesmas alterações, quando se entendesse dever fazel-o? (Apoiados.)

Pois, com franqueza, não significa este projecto um favor especial para os deputados que com muito sentimento vimos afastados da camara pelo sorteio, e que foram eleitos hontem? Evidentemente ninguem deixará de o acreditar.

Pois não seria mais bonito e mais proveitoso que, em logar de doze ou treze empregados publicos que hontem foram eleitos, viessem aqui treze agricultores do Alemtejo, d'essa provincia para que tanto se appella para o restabelecimento da nossa agricultura? Não seria melhor que elles viessem aqui agora para esclarecer a camara sobre as medidas de fomento apresentadas pelo governo? (Apoiados.)

Fica bem accentuada a rasão por que voto contra o projecto; mas não posso deixar de fazer uma analyse muito rapida ao relatorio da commissão de administração publica feito por um homem, o sr. Laranjo, a quem ha muitos annos, pela honradez do seu caracter, pela nobreza dos seus sentimentos, (Apoiados) dedico a mais sincera e affectuosa estima.

Ao ler porém o relatorio da commissão, deixe-me s. exa. dizer-lhe que no meu espirito ficou a duvida, se não a convicção, de que s. exa. ali fallava como homem partidario, e não fallava a convicção do seu espirito.

Quiz-me parecer que, se no seu espirito havia alguma perplexidade, antes se inclinava, se não estava de accordo, para a lei que pretende revogar-se, do que para o projecto de lei que se discute.

Contradicções a que infelizmente e com frequencia têem de submetter-se os nossos homens publicos, subjugados pela obediencia partidaria, e a que nem s. exa. que é um espirito superior e muito independente, foi capaz de subtrahir-se.

Não se julgue que eu digo isto por mero palpite. Diz o illustre relator:

(Leu.)

«Não desconhece a vossa commissão

E mais abaixo diz:

(Leu.)

«Para dar vida a uma lei.

para isto é necessario que nasça das circunstancias historicas e actuaes da nação

Quaes são as circumstancias actuaes da nação? Não nol-o diz s. exa.

Voltando, porém, a pagina e lendo o que se encontra quasi no fim do relatorio, chego a suspeitar o que s. exa. queria dizer.

«... mas n'um paiz, como o nosso, onde é raro que o

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proprietario, e industrial e o commerciante tenham elevados estudos, uma camara, principalmente recrutada entre essas classes, seria, pelo menos, por emquanto.»

«Pelo menos, por emquanto», diz o illustre relator. De sorte que, se s. exa. estivesse convencido de que uma camara saída do conjuncto das forças vivas, tivesse os estudos acidentes para poder resistir e votar com uma certa independencia immediatamente de accordo...

O sr. Laranjo: - Apoiado.

O Orador: - Então o ponto de discordancia entre nós e s. exa., é apenas uma questão de facto, isto é, se esses agricultores, commerciantes e industriaes estão nas condições representar o paiz, quer dizer nas condições a que s. exa. se refere no seu relatorio.

Permitta-ma s. exa. dizer-lhe que se tivesse feito parte da camara transacta, em vez do se deixar ficar socegadamente na sua cadeira de direito na universidade de Coimbra, cadeira que rege com tanta proficiencia, teria mudado de opinião ao ver os serviços importantes prestados pelos agricultores, commerciantes o industriaes na discussão de differentes assumptos de administração publica.(Apoiados.)

Teria verificado que essa camara correspondia melhor á sua missão, do que a ultima camara eleita sob a vigencia da penultima lei eleitoral, composta de 170 deputados, entre os quaes figuravam, custa a dizel-o e até custa a dizel-o, 115 empregados publicos! (Apoiados.)

Poço tambem licença a s. exa. para analysar algumas das incompatibilidades a que se refere o projecto de lei.

Uma d'ellas se refere-se aos empregados das camaras legislativas.

Devo dizer, doado já, que ninguem tem mais consideração e estima por todos os empregados da camara dos senhores deputados, do que eu, que tive occasião de tratar de perto com elles, de avaliar o seu zêlo pelo serviço e a maneira nobre e digna como o desempenham.

O sr. Laranjo deve saber que estes empregados não são nomeados pelo governo, mas pelas respectivas mesas, e que estão directamente subordinados, quando funccionam as camaras.

Haverá menos rasão para que estes empregados sejam inelegiveis, do que ha para o serem para as respectivas corporações, como são, pelo codigo administrativo actual e o eram pelos codigos de 1878 e 1886, os empregados dos corpos administrativos ? Entendo que não.

Ma verdade não comprehendo bem como um sr. tachygrapho possa estar sentado na cadeira de deputado e ao metano tempo tirando notas do que diz o orador. A revogação da lei n'esta parte é inacceitavel. Elles são de certo os primeiros interessados em que a lei actual se mantenha. Isto sem fallar nos graves inconvenientes já aqui pontos em evidencia pelo nobre leader da minoria o sr. João Franco.

Se ámanhã um d'esses empregados fosse eleito deputado e não quizesse accumular as funcções, poderia fazel-o, e iria sobrecarregar os restantes empregados da sua repartição.

Se fosse redactor, nada teria que fazer no intervallo das sessões, e assim poderia passar todo o tempo até chegar a epocha da aposentação, sem ter feito serviço algum a seu corgo.

Será isto bonito, moral, bom, para o serviço publico?

Esta disposição impressionou-me de tal maneira, que redigi uma proposta que vou mandar parta a mesa, a fim do que ella seja eliminada.

Eu tenho a coragem das minhas affirmações.

Rejeito a camara, muito embora a minha proposta, mas eu quero que ella fique consignada.

Isto pelo que diz respeito aos empregados dos corpos legislativos.

Outra incompatibilidade que eu tambem desejaria não ver acabar, refere-se aos juizes de direito.

Pelas rasões muito succintamente apontadas no relatorio, quando refere a opinião de Luigi Palma estou inteiramente convencido de que os juizes de primeira instancia devem ser inelegiveis.

Os juizes da relação e do supremo tribunal de justiça, estão um pouco fóra da politica local e portanto em condições differentes.

Eu bem sei, sr. presidente, que, olhando para v. exa., fico um pouco vacillante n'esta minha opinião, porque v. exa. é um ornamento da magistratura judicial, a quem ninguem ainda, apesar de v. exa. militar na vida politica activa, se referiu com desfavor, mas sempre com louvor pela fórma imparcial e recta como julga nos tribunaes. (Apoiados.)

A febre da politica é, porém, a meu ver, um pouco contagiosa, e póde affectar o juiz ainda o mais recto, e por isso é conveniente afastal-os da politica.

N'este sentido mando tambem para a mesa uma proposta.

A outra incompatibilidade refere-se aos officiaes do exercito.

Eu não sou da opinião dos que dizem que os officiaes do exercito devem estar afastados do parlamento, porque discutindo-se no parlamento leis militares importantes, é justo que n'elle hajam militares que discutam e esclareçam essas questões. (Apoiados.)

As questões de disciplina e outras, que se allegam para excluir d'aqui os militares, não colhem no meu espirito. Os officiaes inferiores, porém, devem ser inelegiveis por uma rasão: o individuo sáe da escola outra para a fileira como alferes e não convem que o afastem logo para a politica ou para commissões que não digam respeito ao serviço militar, porque é preciso formar-lhe o espirito militar. É esta a rasão por que, a meu ver, os officiaes inferiores devem ser inelegiveis.

O sr. Francisco Ravasco: - Os officiaes inferiores, que são os sargentos, já sito inelegiveis.

O Orador: - Perfeitamente, foi uma incorrecção de phrase, eu queria dizer os subalternos, e tanto que assim está na proposta, que tambem mando para a mesa.

Eu podia alargar-me em mais considerações, mas a sessão está prorogada, ha ainda outros srs. deputados inscriptos, e eu não quero prival-os de occuparem a attenção d'esta assembléa, que já de sobejo deve estar fatigada de me ouvir.

Resta-me em todo o caso, sr. presidente, agradecer a v. exa. e á camara a attenção com que me escutaram o pedir-lhos desculpa se abusei da sua benevolencia.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Pinto dos Santos: - Explica que o sr. Alpoim, nos phrases que pronunciou, referindo-se á camara de 1896, não quiz significar que devessem ser excluidos do parlamento os representantes do commercio, da industria e da agricultura, mas sim que não deviam excluir-se os funccionarios publicos, que deram sempre demonstrações de bem servir o seu paiz.

O orador é que não comprehende a rasão por que o governo transacto, tendo toda a consideração pelas taes classes productivas, não a tivesse tambem pelas dos funccionarios publicos, pela dos medicos e advogados.

Se em relação ao afastamento da primeira, ainda se podia dizer que esses funccionarios faziam falta nas suas repartições, em relação às duas outras, que são profissões liberaes, que trabalham livremente, argumento algum se podia invocar.

Comprehende, e sobre este ponto discreteia largamente, que se adopte a representação proporcional das classes, unica fórma de elevar o parlamento, mau d'ahi ao que fez

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o sr. João Franco, vae uma distancia enorme, e, portanto, não tem rasão de subsistir.

Ao sr. presidente do conselho, que pensa em fazer uma reforma eleitoral, lembra o orador que attenda ao justo principio da representação das classes, não esquecendo que é esta a orientação a que hoje vão obedecendo todos os governos, na organisação dos parlamentos.

Com a apresentação do projecto que se discute, crê que não houve intenção de melindrar o governo transacto, mas simplesmente de praticar um acto de justiça, mesmo porque, se o governo actual quisesse entrar no caminho das represalias politicas, mal lhe iria, porque a epocha não vae azada para essas lactas.

Vota, portanto, o projecto como um acto de justiça, e nada mais.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra, e em appendice, quando o orador tenha devolvido as notas tachygraphicas.)

O sr. Teixeira de Vasconcellos: - Poucas palavras dirá, em resposta ao orador que o precedeu, porque a hora vae bastante adiantada.

8. exa. começou por se atirar, como S. Thiago aos mouros, á dictadura de 1895, e isto a proposito de defender o projecto em discussão, e por conseguinte, combatendo a lei de 21 de maio de 1896.

Pela soa parte, dirá que nos paizes em que as instituições parlamentares traduzem a sua pbysionomia moral e economica, é impossivel a dictadura; e se a dictadura é o estado chronico da governação em Portugal, ou seja franca, incluindo todas as responsabilidades directamente sobre o governo que a assume, ou seja mascarada, acobertando-se os governos com as votares, dos seus amigos, para a realisarem impunemente, á sua vontade, este acto mostra que tudo poderá existir em Portugal, menos um parlamento como deve ser.

Nas constituições liberaes, a primeira força é a que deriva directamente do suffragio popular; mas póde, porventura, a nossa camara dizer affoutamente que é a primeira orça, a força primordial das instituições liberaes do paiz? Em theoria, é uma grande verdade, mas, perante a realidade das cousas, não é assim.

Foi a esse mal que procurou obviar a reforma ao sr. João Franco. Conseguiu-o? Não o conseguiu? É cedo ainda para o dizer, porque a experiencia ainda não está feita.

E basta isto para que a lei de 1896 se deva manter.

O orador enumera, em seguida, as vantagens que d'essa lei poderiam advir; expõe os principios em que ella assenta, e que reputa os mais acertados, e termina lastimando que alguns oradores se tivessem referido, com tanta falta de respeito, á camara passada.

(O discurso a que se refere este extracto será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. Frederico Laranja (relator): - Mando para a mesa o seguinte.

Requerimento

Roqueiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a materia discutida. = J. F. Laranjo.

Lido na mesa, foi approvado.

O sr. José de Alpoim:- Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha moção.

Assim se resolveu.

O sr. Carlos Ferreira: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Em nome da commissão de marinha, proponho para ser ia está, commissão, o sr. deputado Lourenço Cayolla. = O deputado, Carlos Ferreira.

Peço a urgencia,

Leu-se na mesa, e, considerada urgente, foi logo approvada.

O sr. Barbosa de Magalhães: - Mando para a mesa o parecer das commissões reunidas sobre as diversas propostas apresentadas durante a discussão do projecto de lei n.° 27, auctorisando o governo a dar de empreitada varias obras.

O sr. Presidente: - Vae votar-se.

(Votação.)

O sr. Presidente: - Estão sobre a mesa duas propostas do sr. Baião. Vão votar-se.

( Votação.)

O sr. Presidente: - A primeira sessão é ámanhã á noite, e a ordem da noite a continuação da que estava dada e mais os projectos n.° 34, relativo á brigada do artilheria de montanha, e n.º 22, declaração assignada entre Portugal e a Dinamarca.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e meia da tarde.

Documentos mandados publicar n'esta sessão

Propostas de lei mandadas para a mesa pelo sr. ministro da justiça

Proposta de lei n.° 48-A

Senhores. - O governo actual, logo no primeiro acto que depois da sua constituição publicou, comprometteu-se solemnemente a apresentar às côrtes uma proposição de lei revogando a legislação reguladora da imprensa. Nem por outra fórma podia proceder. Acceitando os factos consummados, e não lhe permttindo a lei fundamental o exercicio de poderes extraordinarios, mas representando no governo um partido que sempre protestara contra o decreto dictatorial n.° 1, de 29 de março de 1890, confirmado pela carta de lei de 7 de agosto do mesmo anno, faltaria ao que a si proprio devia, se não procurasse em defeza da liberdade e no interesse da causa publica que com ella se acha intimamente ligada, eliminar da nossa legislação tal diploma. Não bastava, porém, revogar simplesmente aquelle acto, e restabelecer a legislação anterior.

Com effeito, embora a carta de lei de 17 de maio de 1866, que era o ultimo diploma regulador da imprensa, pouco podesse carecer de reforma quanto á liberdade de que aquella gosava, e constituisse por isso um diploma que em muito honra os sentimentos liberaes do governo que a propoz e do parlamento que a votou, é certo que por um lado deixava a desejar quanto á responsabilidade a impor aos que abusassem, e por outro urgia introduzir-lhe os melhoramentos que a longa pratica de trinta annos tinha aconselhado, estas circunstancias entendeu o governo que devia formular, uma proposição de lei em que, aproveitando-se os ensinamentos da experiencia, se inserissem todas as disposições que d'ora em diante tem de regular o livre exercicio do direito de expressão do pensamento pela imprensa. Este o objecto da proposta de lei que tenho a honra de apresentar às côrtes, e cujas bases procurarei succintamente resumir e justificar.

A uberdade de expressão do pensamento pela imprensa acha-se inscripta na carta constitucional da monarchia como uma das garantias do cidadão, e no codigo civil como um dos direitos originarios do homem.

Não ha, pois, que discutil-a, e só resta regular-lho o exercício, o que, aliás, não é materia isenta de perigos e difficuldades.

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Tem-se notado, o com fundamento, que emquanto as constituições politicas facultam á expressão do pensamento pela imprensa toda a liberdade, as leis especiaes vem dar-lhes, por vozes, solemnes desmentidos. Toda a cautela é pouca para em tão grave assumpto discriminar bem o que seja simples divergencia de opinião ou discordancia de doutrina do que, em verdade, constitua um delicto como tal classificado na lei.

Determinar precisamente o ponto onde acaba o uso do direito de cada um manifestar, pela imprensa, o seu modo de pensar, e onde começa o abuso d'essa nobilissima faculdade do cidadão, se póde ser materia corrente quando se substitue o conselho pelo apodo, a discussão pela invectiva, e a critica pela injuria, já assim não é todas as vazes que e controversia inflamando o escriptor, sobretudo de genio mais irascivel, lho apaixona o estylo, ou que o excesso condemnavel procura habilmente mascarar-se sob referencias, equivocos ou allusões mais ou menos transparentes.

Estabelecer quaes os agentes de um crime, depende em regra nas circumstancias ordinarias, do simples exame e apreciação dos factos incriminados, mas já assim não o quando se trata de apurar o responsavel de um delicto de publicação, em que ha a destrinçar quasi sempre a intervenção ao menos de tantas pessoas quantas as que praticaram cada um dos muitos e connexos actos que vão desde a materialisação da idéa pela escripta até á exposição, distribuição e venda do impresso para que foi trasladada.

Não bosta n'esta materia precisar o que seja o crime e quem por elle ha de responder. Estatuir os meios porque a responsabilidade criminal e civil tem de ser exigida aos que, pela imprensa, prejudicaram os direitos da sociedade ou de outrem - isto é determinar o juizo e ordenar o processo - não constitue simples obra formularia, que possa obedecer a regras preestabelecidas mas sim, pela especialidade do assumpto, tarefa de summa delicadeza e não menor ponderação.

E ainda deixo no escuro outras muitas considerações que poderia acrescentar o que sommadas às que ficam expostas mostram bem a difficuldade de elaborar uma lei reguladora do exercicio da liberdade de imprensa.

Muitas hão sido as discussões politicas e academicas em que se tem agitado o problema de encontrar ou escolher a melhor solução a todas aquellas questões. E se é avolumada a collecção dos trabalhos doutrinaes em que a materia tem sido controvertido, não é menor a compilação dos diplomas em que os legisladores de diversos paizes têem tentado pôr por obra as suas idéas.

Seria affrontar a vossa illustração, senhores, fazer-vos resenha de todas essas opiniões, ainda que as procurasse synthetisar nos systemas e escolas que a tal respeito têem dividido a legislação e a jurisprudencia. Limitar-me-hei, por isso, unica e exclusivamente a apontar-vos as disposições primaciaes da proposta que vos venho apresentar e os seus principaes fundamentos.

Não me propuz fazer no projecto que tenho a honra de apresentar, uma nova e especial classificação dos delictos de imprensa. Bem sei que na quem sustento que deixar a imprensa em tudo sujeita ao direito commum é submettel-a umas vezes a repressão excessiva, outras conceder-lhe inteira impunidade, e, por isso, quem, consequentemente, pugne pela necessidade de uma lei especial. Não me parece que a questão, como tantas outras de jurisprudencia, se possa e deva resolver em these, mas só em presença da legislação positiva do paiz em que se trata de regular o livre exercicio da imprensa.

N'aquellas nações onde o codigo penal é, por antigo, anterior á enorme expansão que a imprensa tem adquirido, ou n'aquellas em que a legislação criminal, por demasiado generica, não póde facilmente applicar-se às especiaes condições dos abusos na manifestação do pensamento, é justo e indispensavel elaborar lei particular que acompanhe este singular delicto desde a sua genese, a publicação, até ao seu ultimo termo, o castigo.

Não são essas, actualmente, as nossas circumstancias. A ultima reforma penal data entre nós apenas de 1884, e n'ella não só se reproduziram disposições anteriores em que se comprehendiam verdadeiros detidas de imprensa, senão que tambem se introduziram novas prescripções que attingiram outros abusos não rigorosamente classificados então como taes. Não me pareceu, pois, necessario, innovar em materia de incriminação. Bem sei que o decreto n.° 1 de 29 de março de 1890 procurou classificar novos crimes de liberdade de imprensa, mas o casuismo em que esse diploma caiu, e o espirito por que se norteou, não eram de molde a inspirar o presente trabalho.

Ficarão, pois, sendo considerados como abusos de liberdade de imprensa, os crimes especiaes que o codigo penal classifica como offensa, diffamação, injuria, calumnia, ultrage e provocação. Succedendo, porém, não se acharem determinados com a necessaria clareza os elementos constitutivos do crime de offensa, podendo tal omissão dar logar a arbitrio sempre perigoso, principalmente em materia penal, procurei no projecto precisar o que deva constituir esse delicto, evidentemente diverso na intenção do legislador do de injuria e do de diffamação, e que só se verifica a respeito de pessoas como o Rei, membros de sua familia, soberanos e chefes de nações estrangeiras investidos na suprema magistratura.

Foi principalmente o que podia haver de vago e de indefinivel n'essa expressão, e que torna difficil precisar onde acaba a critica e começa a offensa, que me levou a recommendar ao procurador geral da corôa e fazenda, em circular de 25 de fevereiro ultimo, que desse instrucções aos seus subordinados para que, quando lhes parecesse não haver em quaesquer apreciações, embora apaixonadas, intento criminoso, podessem dirigir officiosamente um aviso previo aos que assim procedessem, isto sem prejuizo da competente acção criminal, quando a persistencia no desregramento demonstrasse a vontade de commetter um acto declarado punivel pela lei. Não houve ainda, que me conste, a pôr por obra esta prevenção, abonada, aliás, em precedentes analogos, de certo porque os escriptos processados depois d'aquella circular, não deixaram infelizmente aos agentes do ministerio publico duvida ácerca das intenções dos seus auctores.

Acontece, tambem, que exigindo o codigo penal a presença do offendido para se dar o crime de injurias contra as auctoridades publicas, pareceu justo e conveniente equiparar áquella a injuria publicada pela imprensa, e incriminal-a e pnnil-a claramente.

Desde que os crimes de liberdade de imprensa ficam sendo apenas os já definidos e classificados na lei commum, era consequencia inflingir-lhes as mesmas penas que n'ella se acham impostas. E assim as multas não continuarão a attingir, como agora, importancias, por vezes exaggeradas, e que até podiam não estar em proporção com o rendimento dos condemnados. Num caso, proponho porém, que á pena respectivamente imposta no codigo penal possa accumular-se a de suspensão temporaria dos direitos politicos, e esse caso é o dos crimes para cuja repressão tem de intervir a acção publica. São esses delictos outros tantos attentados contra tudo que na sociedade ou no estado ha de mais alto, ou contra aquelles que mais directamente representam os poderes publicos, e por isso os mais graves, e assim afigura-se-me justo que quem, commettendendo-os, se mostra tão mal preparado para usar do direito de intervir na administração publica, substituindo a critica, embora severa, pelo ultrage, pela calumnia, e pela revolta, possa ser d'elle temporariamente privado. E esta.

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só consideração, quando outras não houvesse, que ha, justificaria, a meu juizo, a innovação proposta.

A responsabilidade pelos abusos de liberdade de imprensa periodica - para só d'esta fallar - póde hoje exigir-se, entre nós, ao editor e ao auctor e na falta d'aquelle ao dono ou administrador do estabelecimento onde se fez a impressão, e aos proprios expositores á venda e distribuidores da obra, salvo a todos, menos ao auctor e editor, o direito á declinatoria.

São singulares os crimes de imprensa, sobretudo quanto á difficuldade de encontrar - muitas vezes o respectivo agente. É obvia a rasão d'essa singularidade. Por isso, e para isso, tratou o direito especial de se assegurar sempre ao menos de um responsavel. Qual este deva ser, e como encontral-o no momento preciso em que se tem de se lhe exigir a responsabilidade, questões são essas que a legislação tem diversamente resolvido. Comquanto em these, dil-o-hei, se me inclinasse o animo a que a culpabilidade em materia de delictos de imprensa deva determinar-se peias regras geraes do direito penal e do processo crime, reconheci que na pratica a rigorosa e exclusiva applicação d'este principio levaria, em muitos casos, á impunidade. Serviu-me elle, porém, como a outros tem servido, para pôr de lado é systema de responsabilidade successiva e singular, ainda em parte, vigente entre nós, systema que em absoluto estabelece responsabilidades simplesmente ficticias e só admitte um delinquente onde póde haver muitos.

Entendi, pois, que n'um delicto de imprensar em que ha de existir á publicação de um escripto, a responsabilidade tem sempre, segundo os principios, de ser exigida ao que escreveu e ao que publicou. Serão, porém, estes sempre os unicos agentes do crime? Por certo que não. N'esse caso, pois, toda a vez que o processo revele a existencia de outros, é justo procurar punil-os tambem.

Essa faculdade consignei-a no projecto sem que ninguem possa declinar n'outrem a sua responsabilidade especial. É certo, porém, que levar implacavelmente ao ultimo extremo a applicação d'esse principio seria punir simples cooperadores, por assim dizer manuaes, como os typographos, impressores e distribuidores que, muitas vezes, nem sequer tem conhecimento do assumpto que compõem, imprimem ou distribuem. No proposito de evitar essa verdadeira iniquidade entendi dever impor-se-lhes a responsabilidade só no caso especial d'esses individuos haverem, com intelligencia e liberdade, concorrido para a provocação a um crime determinado.

Mas a lei para tornar sempre effectiva a responsabilidade precisa encontrar diante de si um responsavel. Para isso entendi dever acceitar como até aqui, o editor do jornal. Bem sei a quanto abuso está diariamente dando logar a simples exigencia de um editor. Conheço que em geral essa entidade não é senão a victima voluntaria e assalariada dos abusos de ontrem. Mas pareceu-me que a simples substituição por uma outra entidade, - redactor principal, gerente, director - não - faria senão chrismar o actual responsavel com uma nova denominação. O que é necessario para obstar quanto possivel aos abusos á que o systema actual póde dar origem, é procurar substituir a simples locação de um serviçal para assumir a responsabilidade penal do periodico, pela obrigação de se ter um empregado sim, mas no qual ao menos se presuma a consciencia do seu cargo e o conhecimento da correspondente responsabilidade moral.

Para isso suggeriu-se-me o exigir-se a quem se propozesse ser editor de um periodico habilitação litteraria e certo censo. Não me repugnaria, talvez, em these, essa exigencia, cuja satisfação concorreria muito para nobilitar, para assim me exprimir, o editor. Mas, quiz-me parecer que nas circumstancias actuaes a inserção na lei d'essa exigencia difficultaria, por extremo, a publicação dos jornaes politicos, sendo, por isso, um estorvo absoluto á sua continuação.
Limitei-me, assim, a tomar mais algumas providencias no intuito de attenuar, senão extinguir, abusos conhecidos. Taes foram: a que prohibe a qualquer o ser editor de mau de um periodico politico; a que exige a inscripção do editor na matriz da contribuição predial ou industrial; a que lhe prescreve achar-se livre de culpa; e, finalmente, a que lhe suspenderá, dadas certas circumstancias, o exercicio dos direitos politicos.

Outro ponto que divide os especialistas na materia de que nos estamos occupando, é o da classificação dos diversos agentes de um crime de imprensa. Entre nós, hoje, o auctor do escripto e o editor são considerados auctores, como tendo ambos executado o crime ou tomado parte directa na sua execução; n'outra legislação dá-se capital importancia ao facto da publicação, e considera-se, por isso, só como auctor do delicto o editor, e o escriptor como simples cumplice.

Não se me afigura necessario fugir, n'esta questão, ao direito commum. E este que estabelece os principios por que tem de se distinguir os agentes de um crime, como auctores, cumplices ou encobridores, mas é aos tribunaes que cumpre classifical-os em qualquer das categorias, segundo os casos occorrentes. Esse ficará sendo, de ora em diante, tambem o direito applicavel em materia de imprensa, o que, aliás, me pareceu conveniente declarar expressamente.

Dois dos pontos em que maior cuidado cumpre ter na elaboração dia uma lei do genero da que tenho a honra de vos apresentar são: o juizo a que o réu tem de ser chamado, e a fórma do processo porque tem de responder.

No estado actual é ao juiz singular que a lei attribue, na maxima parte dos casos, competencia para o julgamento dos crimes de imprensa, como na maxima parte dos casos é em simples processo de policia correccional que o réu tem de se defender.

O jury que pela legislação anterior intervinha nos processos de imprensa nos termos da legislação commum, e alem d'isso sempre que o réu se offerecia a dar prova da verdade da diffamação ou da injuria, quando admissivel, ficou quasi reduzido ao caso especial do réu de diffamação ser admittido a fazer aquella prova, e ainda assim transitoriamente, pois que pelo artigo 6.° § 1.° do decreto n.° 2, de 29 de março de 1890, o governo ficava auctorisado a regular a futura competencia do julgador.

Parece-me, senhores, não se dever cercear por tal fórma as attribuições do jury na materia sujeita, por isso entendo que podemos voltar, em principio, n'este ponto, á legislação liberal de 1866, admittindo, nos processos da imprensa o jury, todas as vezes que conforme ao direito commum a gravidade do crime, ou que consoante o direito especial a faculdade de provar a verdade de factos diffamatorios imputados a certas pessoas, não só justificam mas exigem a sua intervenção.

Se é justo e liberal admittir nos casos referidos o jury não se comprehende a necessidade d'esta garantia no caso em que se injurie ou diffame um simples particular. Nem o exame da prova que não é admissivel, nem a gravidade do facto exigem a intervenção de jurados. Baste para um delicto executado pela imprensa o mesmo que lhe basta quando commetido por outra via, a simples policia correccional, em que se derimem esses que são casos menores da criminalidade especial de que nos estamos occupando. Assim o entendi, e por isso reservei para esses, mas só para esses, o juizo de policia correccional.

Casos ha em que a lei não admitte nem podia admittir

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a prova da verdade dos factos imputados pela imprensa a certas pessoas embora revestidas de auctoridade publica.

N'essas circumstancias não é indispensavel, bem o sei, a intervenção do jury, pois não se trata de apreciar factos mas só apenas de determinar o sentido das palavras arguidas de offencivas, injuriosas ou diffamatorias. Pareceu-mo porém que, embora não houvesse a alargar a competencia do jury ordinario n'este ponto era justo o conveniente não continuar a sujeitar esses crimes ao juizo singular e antes adoptar para o sen julgamento a constituição de um tribunal collectivo já em tempo proposto ao parlamento pelo illustre deputado o sr. Baptista de Sousa em sessão da respectiva camara de 10 de junho de 1890 e adoptado no projecto apresentado á camara dos dignos pares pelo auctorisado membro d'essa casa, o sr. conselheiro Sá Brandão, em sessão de 1 de julho de 1891.

Os decretos n.os e 2 de 29 de março de 1890 sujeitaram quasi todos os processos de imprensa-e salvo o caso de diffamação em que o réu é admittido a provar os factos imputados, e em quanto se não providenciasse a tal respeito - ao simples processo de policia correccional. E ainda mais.

Derogada, n'este processo, a faculdade do recurso permittido pelo artigo 8.° da carta de lei de 15 de abril de 1886, e limitada a appellação a, certos casos ficou a imprensa privada d'essas garantias. É este ainda o direito vigente, salvo quanto ao recurso permittido pela citada lei de 1886, que foi, embora não completamento, restabelecido pelo decreto de 15 de setembro de 1892. Parecia natural que ao menos aquellas prescripções tivessem como consequencia a abreviação e prompto julgamento de taes processos. O que é certo, porém, é que os processos por abuso de liberdade de imprensa, privados, em regra, das formulas do processo ordinario, e ainda das do processo correccional, seguem morosamente, e não raro succede que quando chega o julgamento o grosso do publico já não conserva de memeria e attentado que dera origem á queixa, e que o crime se não prescreveu de direito tem já prescripto do facto. Este é, a meu juizo, um dos defeitos de que padece a legislação actual, e a que cumpre oppor prompto e efficaz remedio.

Propuz-me, pois, como o illustrado auctor do projecto a que já me referi, procurar abreviar o processo dando, não obstante, a maior latitude á defeza.

N'este proposito, desde que no nosso direito o corpo de delicto é a base essencial de todo o procedimento criminal, pareceu-me que, seja qual for o crime especial de que se trate, seja qual for a fórma do processo de accusação e julgamento que lhe compita, não havia inconveniente, e antes vantagem, em uniformisar até ao que d'elle essencialmente depende, o processo preparatorio. Isto fiz, aproveitando para a anterior participação do crime, e para a constituição do auto respectivo, a praxe geralmente seguida e em parte até já mandada adoptar pelo ministerio da justiça.

O facto material que constitue a base de um delicto de imprensa é evidentemente a publicidade do escripto.

Pareceu-me que o facto da publicação póde bem dar-se por justificado desde que se verificar algum dos elementos determinados no artigo 10.° da carta de lei de 22 de dezembro de 1834, e que ainda hoje na pratica se observa.

Constituido o corpo de delicto ainda me pareceu que a petição em que, de accordo com elle, se tem de promover ou solicitar que se conheça do crime, póde ainda ser commum a todas as fórmas de processo, exigindo-se para ella a formula methodica e concreta de artigos.

Essa petição que entendi dever considerar como acto de accusação será immediatamente submettida á apreciação do juiz, e a este pertence, em presença das circunstancias de facto justificadas e das disposições de direito applicaveis, recebel-a ou não, e no caso affirmativo, determinar qual o juizo e a fórma do processo a seguir.

Para os crimes de imprensa, menos graves, pareceu-me bastante o processo de policia correccional actualmente em vigor, sendo, porém, obrigatoria a fixação da audiencia de julgamento para um praso breve e peremptorio.

Para os crimes mais graves, e de que, consoante a hypothese, tem de conhecer o jury ou o tribunal collectivo, adoptei em regra o processo ordinario, procurando modifical-o, porém, sempre no sentido de encurtar os prasos sem difficultar o direito de defeza.

Em materia de recursos procurei ser, como cumpre, o mais latitudinario possivel, mas procurei igualmente adoptar providencias que ponham termo a simples expedientes dilatorios com que se pretende estorvar a acção da justiça. Não innovei na materia, e só tratei, em regra, de applicar ao caso as disposições do codigo do processo commercial, cuja pratica tem sido sensivelmente benefica á administração da justiça.

A prohibição da circulação e exposição de publicações, e até por via de apprehensão previa, tem dado materia a largas e elucidativas discussões. Se é grande a impugnação ao simples e arbitrario sequestro administrativo de quaesquer impressos, o mesmo já não acontece quando essa diligencia preventiva se acha adstricta a regras precisas e invariaveis e tem de ser auctorisada ou confirmada pelo poder judicial.

E de facto mal se comprehende que o estado não tenha o direito, e, direi mais, o dever de obstar á perpretação de um grave delicto.

A apreciação do caso póde ser delicada e melindrosa, é certo, mas isso só prova que a lei deve tomar precauções para que o uso d'esse direito e até de legitima defeza não se tranforme n'um abuso.

Entre nós a auctoridade administrativa tem-se fundado na disposição do artigo 251.°, n.° 2.°, do codigo administrativo, vigente, para proceder, ainda fóra dos casos fixados na legislação especial da imprensa, á apprehensão de periodicos. Parece-me que é chegada a occasião de substituir uma disposição, que por ser illimitada póde vir a ser arbitraria, por outra que clara e expressamente precise os casos em que possa haver logar á prohibição, sujeite esse acto preventivo ao julgamento do poder judicial e que, consequentemente permitta a qualquer lesado, sem motivo, o direito á respectiva indemnisação. Isto procurei fazer, e, fazendo-o, convenço-me, que melhorei em muito a actual situação da imprensa periodica.

Senhores, no trabalho que tenho a honra de vos submetter, procurei satisfazer a uma exigencia da opinião e a um compromisso do governo, melhorando a legislação reguladora da liberdade de imprensa. Para esse fim, seria injustiça não o confessar, aproveitei não só da lição e experiencia dos praticos que consultei, mas tambem da obra dos escriptores e parlamentares que, entre nós, tem apresentado trabalhos a tal respeito.

A vós cumpre agora apreciar se consegui o meu desideratum. Fal-o-heis com toda a isenção, sei-o, e despidos de outras considerações que não sejam as do bem publico.

A lei reguladora da liberdade de imprensa é de todos e para todos, e por isso a cada um de nós se impõe o dever indeclinavel de procurar aperfeiçoal-a quanto possivel.

Abriremos, confio, uma verdadeira tregua a fim de que cada um possa concorrer para uma obra que a todos interessa, e que deve ser garantia dos direitos de cada um.

N'esse proposito serei eu o primeiro a acceitar toda a modificação que tender a melhorar o projecto que vos apresento, desde que se salvem as bases fundamentaes em que elle assenta: liberdade de expressão de pensamento pela imprensa, responsabilidade effectiva da que d'ella abusarem.

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SESSÃO N.º 39 DE 16 DE AGOSTO DE 1897 682

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 16 de agosto de 1897. = Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Proposta de lei

Artigo 1.° O direito de expressão do pensamento pela imprensa, garantido na carta constitucional da monarchia e no codigo civil, será exercido de conformidade com as disposições da presente lei.

§ unico. Entender-se-ha por imprensa, para os effeitos d'esta lei, qualquer fórma de publicação graphica.

Art. 2.° O direito de expressão do pensamento pela imprensa será livre e como tal independente de censura ou caução, mas o que d'elle abusar em prejuizo da sociedade ou de outrem ficará sujeito á respectiva responsabilidade civil e criminal.

Art. 3.° Serão considerados abusos nos termos do artigo antecedente, e para os effeitos desta lei, os crimes de offensa, diffamação, injuria, calumnia, ultrage e provocação previstos nós artigos 130.º,159.°, 160.°, 169.°, 181.°, 182.°, 407.° a 420.º e 483.° do codigo penal, quando commettidos pela imprensa.

§ 1.° A offensa, consistirá na publicação de materia em que haja falta do respeito devido no Rei, aos membros de sua familia, soberanos e chefes de nações estrangeiras, ou cujo objecto seja excitar o odio ou o desprezo das suas pessoas ou imputar ao Rei actos do governo no intuito de lhe impor a respectiva responsabilidade.

§ 2.° A publicação pela imprensa de injuria contra as auctoridades publicas é considerada como feita na presença d'estas.

Art. 4.° Quando em alguma publicação houver referencias, allusões ou phrases equivocas que possam implicar offensa, diffamação, ou injuria para alguem, poderá qualquer que n'ellas se julgar comprehendido exigir do auctor quando conhecido, do editor, e na falta d'este, do dono do estabelecimento em que a impressão se houver feito, que num dos tres dias immediatos á sua reclamação declare expressamente pela imprensa se as referencias, allusões, ou phrases equivocas se referem ou não ao reclamante.

§ 1.° A reclamação facultada n'este artigo será feita judicialmente nos termos prescriptos no artigo 645.° do codigo do processo, civil.

§ 2.° A pessoa notificada, nos termos do paragrapho antecedente, que se recusar a fazer a declaração, ou não a fizer pela fórma indicada n'este artigo, incorrerá na pena de multa de 3$000 réis a 30$000 réis.

§ 3.° Seja qual for a declaração feita nos termos d'este artigo, fica salvo ao queixoso o direito á acção penal.

Art. 5.° No caso de offensa, injuria ou diffamação dirigidas por meio de pseudonymos ou por phrases allusivas ou equivocas, tendentes a encobrir a responsabilidade juridica, procede a accusação sempre que por parte d'esta se prove que a offensa, injuria, ou diffamação se referem á parte queixosa.

Art. 6.° Alem dos casos em que o codigo penal admitto a prova sobre a verdade dos factos diffamatorios imputados, será ella tambem admittida contra administradores e fiscaes de quaesquer sociedades ou emprezas civis, commerciaes, industriaes ou financeiras que tenham recorrido a subscripções publicas para a emissão de acções ou obrigações, quando os factos imputados forem relativos às respectivas funcções.

Art. 7.° O titulo de toda e qualquer publicação faz parte da propriedade d'esta; e por isso o que cada publicação adoptar deve ser completamente distincto dos que já se acharem legalmente apropriados.

Art. 8.° Toda e qualquer publicação terá a indicação do estabelecimento onde se fez a impressão, sob pena, pela contravenção a este preceito, de multa de um a tres mezes, que será imposta ao respectivo dono ou administrador, e que, no caso de reincidencia, será aggravada com prisão correccional pelo mesmo tempo.

§ unico. Exceptuam-se da disposição d'este artigo as listas eleitoraes, bilhetes, convites, cartas, circulares, avisos, e outros papeis que é uso serem parcial ou totalmente impressos.

Art. 9.° Todo o periodico terá um editor, que deverá reunir as seguintes habilitações:

1.° Cidadão portuguez;

2.° De maior idade;

3.° Achar-se no goso dos direitos politicos e civis;

4.° Domiciliado na comarca onde a publicação houver de ser feita;

5.° Livre de culpa;

6.° Inscripto na matriz da contribuição predial ou industrial.

§ 1.° A inscripção na matriz poderá ser substituida pela competente participação.

§ 2.° Ninguem poderá ser simultaneamente editor de mais de um periodico politico.

Art. 10.° Nenhum periodico se poderá publicar sem que se haja feito perante o delegado do procurador regio da comarca ou vara em que se achar o estabelecimento em que a impressão houver de fazer-se, uma declaração contendo:

1.° O titulo do periodico, e o seu modo de publicação;

2.° Os nomes e domicilios do proprietario e do editor;

3.° A indicação do estabelecimento em que tem de se imprimir.

§ unico. A declaração a que se refere este artigo será feita em papel sellado, assignada pelo editor, devidamente reconhecida, e acompanhada de documentos comprovativos d'elle se achar nas circunstancias previstas no artigo anterior.

Art. 11.° Toda a mudança que sobrevier em qualquer dos factos constantes da primitiva declaração, será communicada pela mesma fórma ao competente delegado.

Art. 12.° A falta de declaração primitiva ou a de qualquer mudança que n'ella sobrevier será punivel com a pena de prisão correccional de um a tres mezes, e multa correspondente, a que ficarão sujeitos o proprietario, o editor e o dono da imprensa em que se houverem publicado os numeros do periodico sem aquella formalidade se achar cumprida.

§ unico. Na sentença condemnatoria dos actos ou omissões a que este artigo se refere, o juiz decretará a suspensão do periodico emquanto as respectivas formalidades se não mostrarem cumpridas, sob a comminação da multa de 10$000 réis por cada numero que em contravenção se publicar, e por que responderão solidariamente as pessoas mencionadas no artigo antecedente.

Art. 13.° Os periodicos são obrigados a inserir em todos os numeros, no alto da sua primeira pagina, o nome do seu editor, e a indicação da séde da sua administração alem da do estabelecimento onde se faz a impressão, sob a responsabilidade e pena declaradas no § unico do artigo antecedente.

Art. 14.° Todo aquelle que expozer á venda, vender, distribuir ou affixar publicações cuja suspensão haja sido ordenada, incorrerá, como contraventor, na pena de prisão de tres a trinta dias e multa correspondente.

Art. 15.° É absolutamente prohibido, sob pena de desobediencia, annunciar ou apregoar, por occasião da venda ou distribuição na via publica mais que o titulo e o preço da respectiva publicação.

Art. 16.° De todas as publicações se depositará um exemplar em cada uma das bibliothecas nacionaes de Lisboa, Porto e Coimbra e de todos os periodicos se entregará um exemplar ao delegado do procurador regio da comarca ou districto criminal onde for impresso e outro ao respectivo procurador regio.

§ 1.° A falta de observancia das disposições d'este artigo será punivel com a multa de 5$000 réis por cada falta

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do deposito ou da entrega n'elle prescriptos, que será imposta ao respectivo editor, e não o havendo, ao dono ou administrador da respectiva imprensa.

§ 2.º Ficam exceptuadas da disposição d'este artigo as publicações mencionadas no § unico do artigo 8.°

Art. 17.° Pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa serão responsaveis o editor e o auctor; na falta de editor, tambem o dono ou administrador do estabelecimento em que a publicação se effectuar, podendo-o ser alem e independentemente d'estes todos os que se provar terem sido agentes do crime, nos termos do capitulo III do titulo I do livro I do codigo penal.

§ 1.° Os typographos, os impressores e os distribuidores ordinarios ou vendedores ambulantes de periodicos só serão sujeitos á responsabilidade, imposta n'este artigo, quando se provar acharem-se incursos na prescripção do artigo 483.° do codigo penal.

§ 2.° Ao juizo compete a classificação legal dos agentes como auctores, cumplices ou encobridores.

Art. 18.° Aos crimes de abuso de liberdade de imprensa são applicaveis as penas respectivas estabelecidas no codigo penal.

§ 1.° Nos casos previstos no artigo 2:389.° do codigo civil a sentença condemnatoria fixará tambem a importancia da reparação devida ao offendido, se este a houver, no processo, exigido.

§ 2.° Nos casos em que a acção publica houver de intervir, a sentença ou accordão condemnatorios, poderão tambem, se em vista das circumstancias do caso ao juiz ou ao tribunal assim parecer, decretar sempre a pena de suspensão temporaria dos direitos politicos por periodo não superior a seis annos.

§ 3.° Nos casos de reincidencia nos crimes previstos n'esta lei, a sentença condemnatoria decretará-a suspensão do periodico por um a tres mezes, sem prejuizo do disposto no artigo 7.°

Art. 19.º As multas em que forem condemnados os agentes dos crimes de abuso de liberdade de imprensa, formarão um fundo especial, e como tal separadamente escripturado.

Art. 20.º Os proprietarios das publicações incriminadas, serão responsaveis pelo pagamento da multa e da reparação em que forem condemnados os agentes dos crimes de abuso de liberdade de imprensa.

§ 1.° As importancias referidas n'este artigo terão: 1.º Privilegio mobiliario especial sobre a propriedade da publicação incriminada e sobre o material da imprensa em que houver sido feita, quando seja do dono d'aquella;

2.° Hypotheca legal sobre o immovel em que a publicação houver sido feita, quando seja do dono d'esta.

§ 2.° O privilegio estabelecido no n.° 1.º d'este artigo, preferirá a outro qualquer da mesma especie.

§ 3.º Fica salvo às pessoas mencionadas n'este artigo o direito a haver dos agentes dos crimes de abuso de liberdade de imprensa, a importancia que pelos mesmos agentes houverem pago.

Art. 21.º O procedimento judicial pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa, fóra dos casos em que o codigo penal torna a accusação dependente do requerimento de parte, e pelas contravenções às disposições d'esta lei, será sempre promovido pelo ministerio publico, sem dependencia de instrucções superiores.

§ 1.° O procedimento ordenado n'este artigo, deverá com respeito a crimes de abuso de liberdade de imprensa commettidos por periodicos, ser instaurado no praso de trinta dias depois da publicação.

§ 2.º A feita de cumprimento do disposto n'este artigo e seu § 1.°, será punida com qualquer pena disciplinar, e até com a demissão, conforme a gravidade do caso, que será immediatamente imposta sob participação do superior hierarchico do magistrado negligente.

§ 3.° A obrigação imposta n'este artigo ao ministerio publico não tolhe á pessoa aggravada a faculdade de, por sua parte, intentar o competente procedimento criminal, nem perimo o direito de se intentar o procedimento, emquanto não houver prescripção, nos termos do artigo 45.°

Art. 22.° O procedimento pelas contravenções às disposições d'esta lei não poderá impedir nem prejudicar o procedimento por qualquer crime de liberdade de imprensa quando a elle haja logar.

Art. 23.° Os crimes de abuso de liberdade de imprensa serão julgados com intervenção de jury, salvo nos casos de offensa, injuria e nos de diffamação quando não for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados.

Art. 24.° Os crimes de offensa, injuria e os de diffamação quando não for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados e em que o procedimento judicial não depender de requerimento do parte, serão julgados por um tribunal collectivo.

§ unico. O tribunal a que se refere este artigo será composto pelo juiz da comarca ou districto criminal e de mais dois vogaes, os quaes serão em Lisboa os juizes dos distritos criminaes do numeros seguintes ao d'aquelle em que o processo houver sido instaurado, no Porto os dos outros districtos criminaes, e nas outras comarcas o conservador nivativo do registo predial, havendo-o e o primeiro substituto desimpedido, e não havendo conservador privativo,
substituto immediato.

Art. 25.° Os crimes de injuria e os de diminuição quando não for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados e em que o procedimento judicial depender de referimento de parte, e as contravenções às disposições da presente lei, serão julgados só pelo competente juiz de direito criminal.

Art. 26.° A competencia do juizo para os processos do abuso de liberdade de imprensa á determinada pelo local onde foi feita a impressão.

§ 1.º Não sendo conhecido o local onde se fez a impressão será competente o juizo da comarca ou do districto criminal onde esta foi exposta á venda, vendida, distribuida ou affixada.

§ 2.° Os crimes de injuria e diffamação em que o procedimento judicial depender de requerimento de parte, poderão ser processados no juizo do domicilio do auctor.

Art. 27.° Todo o processo por crime de abuso de liberdade de imprensa terá por base uma petição em que o ministerio publico formulará devidamente a sua participação e á qual juntará a publicação.

§ 1.° Se o auctor da publicação não for conhecido requerer-se-ha na petição a intimação do editor, e na sua falta do dono ou administrador do estabelecimento em que a impressão se houver feito, para declarar no praso de vinte e quatro horas o nome e domicilio d'aquelle.

§ 2.° A pessoa intimada, nos termos do paragrapho antecedente, que não fizer a declaração n'elle exigida, incorrerá na pena de desobediencia, e se houver declarado auctor da publicação, pessoa que pelo processo se provar não o ter sido, incorrerá na pena do que faz declarações falsas em juizo.

Art. 28.° Autuada a petição de que trata o artigo antecedente, proceder-se-ha immediatamente a corpo de delicto.

§ unico. O corpo de delicto haver-se-ha por feito desde que a publicação se ache comprovada por um dos factos seguintes: distribuição de exemplares a mais de seis pessoas; affixação em logares publicos de um ou mais exemplares, e exposição ou venda publica dos impressos incriminados.

Art. 29.° Feito o corpo de delicto serão os autos continuados ao ministerio publico para no praso de vinte e quatro horas deduzir a sua accusação.

§ unico. Na accusação articular-se-ha o crime com todas as suas circumstancias, apontando-se a disposição penal ap-

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pilcavel, e indicando-se as testemunhas que nunca poderão ser mais de cinco.

Art. 30.° Apresentada a accusação serão logo os autos conclusos ao juiz que, dentro de quarenta e oito horas, lançará o seu despacho, recebendo ou não a accusação, e mandando-a no caso affirmativo, submetter ao julgamento do jury, do tribunal collectivo, ou do juizo criminal conforme a competencia.

§ 1.° Sendo o despacho affirmativo o juiz pronunciará o accusado se no caso e conforme a lei geral, couber pronuncia.

§ 2.° Os réus pronunciados por crimes de abuso de liberdade de imprensa poderão livrar-se soltos sob caução, e aquelles contra quem for só recebida a accusação ficarão sujeitos á disposição do artigo 2.° da lei de 15 de abril de 1886.

Art. 31.° De qualquer despacho proferido nos termos do artigo antecedente caberá aggravo com effeito suspensivo que subirá nos proprios autos.

§ unico. Este recurso será interposto, processado e julgado nos precisos termos em que o são os aggravos civeis de petição, que sobem nos proprios autos, com as modificações seguintes:

1.ª O praso para o preparo será de dois dias;

2.ª O processo será apresentado pelo escrivão na primeira sessão logo depois de visto pelo relator, e n'elle julgado em conferencia, independentemente de vistos;

3.ª O accordão será publicado e haver-se-ha por intimado nos mesmos termos que os proferidos em materia commercial.

Art. 32.° Passando em julgado o despacho que receber a accusação e mandar responder o réu perante o jury ou o tribunal collectivo, seguir-se-hão os termos do processo criminal ordinario com as modificações seguintes:

§ 1.° A accusação formulada nos termos do § unico do artigo 29.° substituirá, para todos os effeitos, o libello accusatorio, e d'ella se dará copia ao réu, com o respectivo rol de testemunhas, no praso de vinte e quatro horas.

§ 2.° O praso para a contestação será de oito dias, sendo, porém, sempre permittido ao réu apresentar a sua defeza na audiencia de julgamento, mas devendo, n'um ou n'outro caso, juntar, no referido praso, rol de testemunhas em numero não superior a cinco que será dado por copia ao ministerio publico, bem como a contestação quando deduzida e ficando salvo o disposto nos artigos 33.º e 34.º

§ 3.° Cumpridas as formalidades prescriptas nos paragraphos antecedentes o juiz, designará, dentro de quarenta e oito horas, a audiencia em que ha de ter logar o julgamento, a qual nunca se espaçará alem de um mez.

§ 4.° Se o processo houver de ser julgado com intervenção do jury, o julgamento verificar-se-ha, sem dependencia da epocha marcada para as audiencias geraes, mandando o juiz n'este caso convocar extraordinariamente o jury.

§ 5.° Se o processo houver de ser julgado no tribunal collectivo, o juiz mandará dar vista do processo a cada um dos respectivos vogaes por vinte e quatro horas.

§ 6.° No caso previsto no paragrapho antecedente a audiencia de julgamento será prendida pelo juiz de direito da comarca ou do districto, e, findos os debates, todos os vogaes do tribunal reunirão em conferencia secreta e lavrarão a sentença em fórma de accordão, para o qual haverá sempre dois votos conformes.

§ 7.° Se o accusado não comparecer na audiencia do julgamento e não justificar a falta, ou o tribunal a não houver por justificada, será julgado á revelia, pelo juiz presidente, sem intervenção do jury ou dos juizes adjuntos.

§ 8.° Da sentença absolutoria ou condemnatoria proferida com intervenção do jury caberá recurso de revista para o supremo tribunal de justiça; e do accordão do tribunal collectivo, caberá recurso de appellação para a relação do districto, quando as partes não hajam d'este desistido, dispensando a redução dos depoimentos das testemunhas a escripto, e do accordão da relação, haverá recurso de revista para o supremo tribunal de justiça.

§ 9.° Os accordãos proferidos nos recursos facultados no paragrapho anterior serão publicados e haver-se-hão por intimados nos mesmos termos que os proferidos em materia commercial.

Art. 33.° Nos processos de diffamação quando for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados, nos termos do artigo 408.° do codigo penal, e do artigo 6.° d'esta lei, o réu articulal-os-ha separadamente na contestação, juntando documentos comprovativos, e rol de testemunhas.

§ unico. No caso do n.° 2.° do artigo 408.° do codigo penal só será admissivel a prova resultante de sentença passada em julgado ao tempo da publicação.

Art. 34.° No caso do réu haver cumprido com o disposto no artigo anterior, poderá o ministerio publico treplicar no praso de oito dias, juntando documentos e rol de testemunhas.

Art. 35.° Será reputado um só o procedimento criminal por abuso de liberdade de imprensa promovido pelo ministerio publico e por alguma parte aggravada, e de tudo se formará um só processo.

Art. 36.° Se no procedimento criminal não intervier o ministerio publico, serão applicaveis á parte accusadora as disposições desta lei, respeitantes ao ministerio publico.

Art. 37.° Passando em julgado o despacho que receber a accusação e mandar responder o réu em audiencia de policia correccional, por crime de abuso de liberdade de imprensa, observarse-hão os termos ordinarios d'estes processos, devendo, porém, o dia para a audiencia do julgamento ser fixado para um praso nunca superior a oito dias.

Art. 38.° As contravenções às disposições da presente lei serão julgadas em processo de policia correccional.

Art. 39.° Poderá proceder-se conjunctamente por diversos crimes de abuso de liberdade de imprensa contra o mesmo criminoso, quando todos sujeitos á mesma competencia de julgador, mas depois de instaurado o respectivo processo não se lhe additará ou appensará outro algum.

Art. 40.° Nos processos por abuso de liberdade de imprensa, não serão admittidas testemunhas de fóra do continente do reino, quando, instaurados em comarcas n'elle situadas, e de fóra dos districtos insulares, quando ali instaurados.

Art. 41.° O editor do periodico é obrigado a publicar gratuitamente:

1.° A defeza de qualquer individuo ou pessoa moral, injuriados ou diffamados no periodico comtanto que a respectiva materia, não exceda o dobro da extensão da arguição.

2.° O desmentido ou rectificação feita officialmente de qualquer noticia publicada ou reproduzida no periodico;

3.º A sentença condemnatoria proferida em processo por abuso de liberdade de imprensa, contra o periodico, na integra.

§ 1.° A reclamação ao editor do periodico para fazer qualquer das publicações facultadas n'este artigo, será feita judicialmente nos termos prescriptos no artigo 645.° do codigo do processo civil, entregando-se no acto da notificação a defeza do arguido, o desmentido ou rectificação official, ou a copia da sentença.

§ 2.° A publicação a que se refere este artigo e os seus numeros, devem ser feitas na primeira pagina do primeiro numero que se publicar, respectivamente depois da notificação feita nos termos do paragrapho anterior, em typo e formato iguaes aos d'quelle em que a arguição, noticia ou materia condemnada tiverem sido impressas.

§ 3.° Pela falta de cumprimento do disposto n'este artigo e seu § 2.° incorre o editor do periodico na multa de

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10$000 réis por cada dia que demorar a publicação n'elles ordenada.

Art. 42.° É prohibida, sob pena de desobediencia, a abertura de subscripções publicas para occorrer a despezas relativas a processos criminaes, seus incidentes, e respectivas cauções.

Art. 43.° A circulação ou exposição de qualquer publicação ou do numero de um periodico só poderão ser prohibidas nos casos seguintes:

1.° Achando-se suspensas as garantias nos termos dos §§ 33.º e 34.° do n.° 145.° da carta constitucional;

2.° Estando suspenso o periodico por sentença judicial;

3.° Contendo offensa ao Rei, ou a qualquer membro da sua familia, ultraje á moral publica, ou provocação a crimes contra a segurança do estado.

§ 1.° A prohibição facultada n'este artigo poderá ser ordenada e effectuada pela auctoridade administrativa, mas será immediatamente submettida ao competente juiz de direito, a fim d'este a confirmar ou annullar.

§ 2.° Annullada a prohibição pelo juiz de direito, terão os que houverem sido com ella prejudicados, direito a indemnisação.

§ 3.° A importancia da indemnisação nunca será superior á do preço dos exemplares da publicação, ou do numero do periodico, cuja circulação houver, de facto, sido impedida, e sairá do fundo especial de multas.

§ 4.° A confirmação ou annullação da prohibição não prejudica em caso algum a competente acção criminal.

Art. 44.° A introducção no reino e a circulação de quaesquer publicações estrangeiras, poderão ser prohibidas por deliberação do conselho de ministros.

§ 1.° O ministro do reino, porém, poderá ordenar a prohibição facultada n'este artigo, com respeito a um numero de qualquer periodico.

§ 2.° A contravenção ás prohibições decretadas nos termos d'este artigo e seu
§ 1.° é punida com a pena comminada no § unico do artigo 11.°, que será imposta ao contraventor.

Art. 45.° O procedimento judicial criminal prescreve pelos crimes de abuso do liberdade de imprensa passado um anno, e pelas contravenções às disposições d'este lei passados tres mezes.

Art. 46.° Os proprietarios e administradores de periodicos, existentes á data da promulgação da presente lei, serão obrigados a conformar-se no praso de trinta dias com as suas prescripções.

Art. 47.° Ficam revogados o decreto n.° 1 de 29 de março de 1890, confirmado pela carta de lei de 7 de agosto ao mesmo anno e toda a legislação publicada até áquella data que recair na materia que a presente lei abrange e n'esta não resalvada.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 16 de agosto de 1897. = Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Proposta de lei n.° 48-B

Renovo a iniciativa da proposta de lei apresentada ás côrtes em sessão de 4 de fevereiro de 1880, pelo então ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, o conselheiro Adriano de Abreu Cardoso Machado, sobre responsabilidade ministerial.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 17 de agosto de 1897. = Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Foram enviadas ás commissões respectivas.

E.n.°21 .

Ministerio da fazenda - Secretaria geral - III.mo e exmo. sr. - Satisfazendo a requisição do sr. deputado João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, de que v. exa. me deu conhecimento em seu officio n.° 222, do 6 de agosto corrente, tenho a honra do enviar a v. exa. as inclusas notas do producto liquido de fabrico e venda de tabacos nos exercicios de 1891-1892 até 1896-1897 inclusive, e copia do officio recebido do commissario regio em Lisboa ácerca do assumpto de que se trata.

Deus guarde a v. exa. Ministerio da negocios da fazenda, em 12 de agosto de 1897. - III.mo e exa. sr. secretario da camara dos senhores deputados. = Frederico Ressano Garcia.

Copia. - Ministerio da fazenda - Secretaria geral.- III.mo e exmo. sr. - Tenho a honra de remetter a v. exa. os esclarecimentos pedidos pelo sr. deputado João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, segundo o officio de v. exa. de 7 do corrente mez:

No officio de remessa d'esses documentos diz-me o sr. presidente do conselho de administração da companhia dos tabacos de Portugal, o seguinte:

«Quanto á segunda parte do requerimento - conta detalhada da divisão e applicação do producto liquido, nos termos do n.° 1.° do artigo 6.º das bases da lei de 23 de março de 1891 - está prejudicada, visto que a cifra apurada em cada um dos diversos exercicios não attingiu a somma de 5:150 contos, a partir da qual tom logar a partilha com o estado, nem sequer a somma de 4:900 contos, que serve do base á partilha com o pessoal.»

Deus guarde a v. exa. Commissariado regio junto das fabricas de tabacos de Lisboa, 12 de agosto de 1897. - III.mo e exmo. sr. conselheiro secretario geral do ministerio da fazenda. = Visconde de Melicio.

Está conforme. - Ministerio dos negocios da fazenda, secretaria geral, em 12 de agosto de 1897. = Antonio Melchiades de Sequeira Machado.

Apuramento do producto liquido do fabrico e venda no exercido de 1891-1892 (11 mezes)

A venda total no exercicio de 1891-1892, segundo o mappa n.° 4 do relatorio da companhia da tabacos de Portugal, foi de kilogrammas 1.617:888,872 6.165:692$081

Para esta venda a companhia applicou os seguintes tabacos ao preço da sua tabella:

Fabricou durante o exercicio kilogr. 1.618:891,246 6.043:418$857 Recebeu da administração geral dos tabacos no principio do exercicio 426:866,299 1.766:208$290

Devolveu para a fabrica para desmancho..........7.809:627$147 86:117$171

7.728:509$976

Passou para o exercicio seguinte um stook de kilogrammas 375.882:762 1:557:817$895 6.165:692$081

Para fabricar os 6.043:418$857 réis a companhia fez a seguinte despesa:

Kilogrammas 1.046:463,207 de tabacos recebidos da regie....187:386$459

Papel e mais accessorios de fabrico recebidos da regie.......30:628$948

Tabacos recebidos da alfandega...... 1.387:269,950 406:204$848

Papel, caixas e mais artigos entrados durante o exercicio... 56:348$653

Caixa e mais artigos recebidos das officinas subsidiadas... 58:681$810
789:245$718

Menos: - Tabacos e accessorios de fabrico que passam para o exercicio seguinte................. 281:975$984 457.269$734

Ferias e ordenados............................. 635:024$878

Illuminação e despezas diversas................. 1:352$940

Tabacos de tomadias........................... 8:925$734

Página 687

SESSÃO N.º 39 DE 16 DE AGOSTO DE 1897 687

Despesa de machinismo e dos motores........... 15:868$618

Quebra em tabacos na alfandega................ 5:608$411

Tabacos devolvidos para desmancho............ 828:926$187

1.447:973$097

A producção febril montou a..................... 6.043:418$857

Foi o lucro bruto da fabricação.................. 4.595:445$760

a adicionando o abatimento de 68 por cento nos tabacos recebidos da regie.................... 1.330:060$060 5.925:505$820

E dedusindo igual desconto nos tabacos que passam para o exercicio seguinte..................... 1.059:816$168 4.866:189$652

Augmentos de preços nos tabacos existentes nos depositos em 30 de junho de 1891............ 44:392$652

Reclamações pendentes do governo.............. 89:098$675 4999:675$979

Para realisar a venda acima mencionada de 6.165:692$081 réis a companhia teve o seguinte encargo:

Commissões e bonus de venda..... 912:197$647

Descontos de prompto pagamento.. 89:998$544 1.002:196$191

e mais as seguintes despezas de caracter geral;

Despeças geraes em Lisboa e Paris (ordenados, fretes, seguros, rendas, camionagens, etc.)......... 186:847$849

Despesas da fiscalisação privativa.. 17:949$440

Importancia separada para amortitisações (licenciados, subsidios, medicamentos, serviço medico, bemfeitorias, gastos de installação.).................... 169:287$171 874:083$960 1.376:280$151

Portanto:

Do lucro iliquido do fabrico................... 4.999:675$979

Deduzindo o encargo da venda, etc............... 1.376:280$151 3.623:395$828

N.º B.:

N'este lucro liquido do fabrico e venda......... 3.623:395$828

Encontrando a renda ao estado de............... 3.895:833$826

Resulta um prejuizo de.......................... 272:437$498

Deduzindo; a importancia dos direitos de importação de tabacos manipulados cobrados nas alfandegas ................................ 99:765$530

Resulta um prejuizo de........................ 172:671$967

Lisboa, 12 de agosto de 1897. = O chefe da contabilidade geral, Henrique R. de Carvalho.

Apuramento do producto liquido do fabrico e venda no exercicio de 1892-1893

A venda total no exercicio de 1892-1893, segundo o mappa n.º 4 do relatorio da companhia dos tabacos de Portugal, foi de kilogrammas 1.899:168$970 7.402:196$884

Para está venda a companhia applicou os seguintes tabacos ao preço da sua tabella;

Fabricou durante o exercicio kilogr. 2.051:036,086 7.907:315$877

Tinha um stock no principio do exercicio de kilogr. 375:332,752.................................. 1.557:817$895 9.465:l88$272

Tabacos devolvidos e para desmancho............ 18:709$878 9.451:428$894

Differença de preços em tabacos remettidos para o ultramar............. 4:088$670 9.447:885$224

Passou para o exercicio seguinte um stock de kilogr. 522:422,155................................. 2.045:138$840 7.402:196$384

Para fabricar os 7.907:815$877 réis, a companhia fez a seguinte despesa:

Kilogrammas 1.048:760,280 de tabacos, que passaram do exercicio anterior................. 247:430$974

Despachou tabacos kilogrammas 1.916:827,905.................. 589:955$338

Papel e mais accessorios de fabrico que passaram do exercicio anterior:.......................... 34:545$010

Papel, caixas e mais accessorios de fabrico entrados durante o exercicio....................... 87:680$781

Caixas, rotulos e mais artigos recebidos das officinas subsidiarias... 52:176$399 1.061:788$502

Menos:

Tabacos e accessorios de fabrico que passam para o exercicio
seguinte......................... 212:909$992 848:878$510

Ferias e ordenados............ 784:594$252

Despesas do machinismo e motores............... 21:567$762

Transportes. ................. 4:468$904

Quebras em tabacos........... 14:579$719

Illuminação e despesas diversas.................. 1:414$460

Tabacos para desmancho....... 13:853$325

Tabacos de tomadias.......... 3:541$872 1.692:898$804 7.907:315$377

A producção fabril montou a................ 7.907:315$377

Foi, portanto, o lucro bruto na fabricação......... 6.214:416$578

E addicionando o abatimento de 68 por cento no stock que passou do exercicio anterior.......... 1.059:316$168 7.273:732$741

E dedusindo igual desconto nos tabacos que passaram para o exercicio seguinte............. 1.390:694$411 5.888:038$880

Para realisar a venda acima mencionada de 7.402:196$884 réis, a companhia teve o seguinte encargo:

Commissões bonus de venda.............. 1.077:980$129

Descontos por antecipação de pagamento........................ 104:024$721

Prejuizos em concordatas......... 2:685$285 1.184:640$135

Despesas geraes em Lisboa e Paris (ordenados, fretes, seguros, rendas, camionagens, etc.)........ 221:961$769

Despesas de fiscalisação privativa.. 64:318$148

Importancia separada para amortisações (licenciados, subsidios, medicamentos, serviço medico, bemfeitorias, gastos de installação, etc.).......................... 202.571$128

Differença no valor de tabaco e accessorios de fabrico, recebidos da administração geral dos tabacos inutilisados................... 3.288$088 492:189$183 1.676:779$268

Portanto:

Do lucro illiquido do fabrico...................... 6.883:038$880

Dedusindo o encargo da venda................. 1.676:779$268

Fica sendo o producto liquido do fabrica e venda.. 4.206:259$06

N. B.:

N'este lucro liquido do fabrico e venda.......... 4.206:259$062

Tem a encontrar-se a renda ao estado............ 4.250:000$000

Resultando um prejuizo de................. 48:740$938

e encontrando-se os direitos de tabacos manipulados cobrados nas alfandegas.................. 104:102$424

Resulta um beneficio de............................ 60:361$486

Lisboa, 12 de agosto de 1897.= O chefe da contabilidade geral, Henrique R. de Carvalho.

Aparamento do producto liquido do fabrico e venda no exercido de 1893-1884

A venda total no exercicio de 1893-1894, segundo o mappa n.º 4 do relatorio da companhia dos tabacos de Portugal, foi de kilogrammas 1.892:478,862 7.166:296$795

Página 688

688 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Para esta venda a companhia applicou os seguintes tabacos ao preço da sua tabella:

Fabricou durante o exercicio kilogr. 1.996:452,096 7.626:881$173

Tinha um stock no principio do exercicio de kilogr. 522:422$155................................. 2.045:188$840

Tabacos devolvidos para a fabrica.............. 10:516$536 9.661:453$477

Differença de preços em tabacos para o ultramar.. 6:0464225 9.655:407$252

Pausou para o exercicio seguinte um stock de kilogr. 624:352,796......... ..................... 2.489:110$467 7.166:296$796

Para fabricar os 7.626:881$178 réis, a companhia fez a seguinte despeza:

Kilogrammas 1.100:595,990 de tabacos que passaram do exercicio anterior........................ 180:906$810

Tabacos despachados kilogrammas 1.672:887,466.................. 567:651$708

Papel o mais accessorios do fabrico que passaram do exercicio anterior........................... 82:003$682

Papel e caixas e mais artigos entrados durante o exercicio...... 87:865$619

Caixão, rotulos e mais artigos, recebidos das officinas subsidiarias 58:095$959 926:498$178

Menos:

Tabacos e accessorios que passam para o exercicio seguinte....... 144:833$681

Ferias e ordenados............................ 781:589$642

Desposas de machinismo e dos motores........... 740:457$528

Transportes.................................. 17:602$608

Quebras em tabacos em rama................... 3:612$766

Illuminação e despeças diversas................. 2:230$254

Tabacos de tomadias........................... 3:247$593

Tabacos devolvidos............................ 3:247$698

A producção fabril foi de....................... 11:585$020

Foi portanto o lucro bruto da fabricação.......... 6.051:562$039

E addicionando o abatimento de 68 por cento no stock que passou do exercicio anterior.......... 1.390:694$411 7.442:256$450

E deduzindo igual desconto nos tabacos que passam para o exercicio seguinte..................... 1.692:595$110

Para realisar a venda acima mencionada de 7.166:296$795 reis, a companhia teve o seguinte encargo:

Commissões e bonus de venda .... 1.018:778$978

Descontos por antecipação de pagamento........................ 102:447$067

E mais as seguintes despesas de caracter geral:

Despesas genes em Lisboa e Paris, ordenados, fretes, seguros, rendas, camionagens, ete, etc.......... 214:049$386

Despezas de fiscalisação privativa 85:518$220

Importancia separada para amortisações........................ 148:704$907

Tabaco do Douro abandonado na alfandega por incapaz do consumo 288$687 448:506$200 1.569:782$285

Portanto:

Do lucro illiquido do fabrico.................... 6.749:661$840

Deduzindo o encargo da venda.................. 1.669:782$235

Fica sendo o producto liquido do fabrico e venda.. 4.179:929$106

N. B.:

N'este lucro liquido do fabrico e venda........... 4.179:929$105

Encontrando a renda ao estado.................. 4.341:666$674

Resulta um prejuizo de......................... 161:737$569

E deduzindo os direitos dos tabacos manipulados, cobrados nas alfandegas, de................... 151:195$352

Resulta um prejuizo de........................ 10:542$217

Lisboa, 12 de agostos de 1897. = O chefe da contabilidade geral, Henrique R. de Carvalho.

Apuramento do producto liquido do fabrico o venda, no exercicio de 1894-1895

A venda total no exercicio de 1894-1895, segundo o mappa n.º 4 do relatorio da companhia dos tabacos de Portugal, foi de kilogr. 1.972.854:328... 7.491:854$650

Para esta venda a companhia applicou os seguintes tabacos ao preço da tabella:

Fabricou durante o exercicio kilogr. 1.998.716:717 7.472:505$527 Tinha um stock no principio do exercicio de kilogrammas 624.352:796......................... 2.489:110$467 9.961:615$984

Devolveu para a fabrica para desmancho......... 41:041$600

Recebeu tabacos devolvidos na importancia de... 728$956 9.921:303$340

Differença de preços em tabacos exportados para o ultramar ........................ 4:796$520 9.916:506$820

Passou para o exercicio seguinte um stock de kilogrammas 635.475:063......................... 2.494:652$170 7.421:854$650

Para fabricar os kilogrammas 7.472.505:527, a companhia fez a seguinte despeza:

Kilogrammas 853.762:800 de tabacos que passam do exercicio anterior........................ 110:829$679

Despachou tabacos, kilogrammas 1.950.728:210.................. 671:412$168

Papel e mais accessorios de fabrico que passam do exercicio anterior........................ 84:503$952

Papel, caixas e mais accessorios de fabrico recebidos durante o exercicio......................... 74:096$717

Caixas, rotulos e mais artigos remettidos das officinas subsidiarias.. 52:738$482

Tabacos devolvidos.............. 1:311$125

Tabacos e accessorios de fabrico que passam para o exercício seguinte 160:921$300 788:470$813

Ferias e ordenados............................ 717:258$778

Despezas de machinismo e motores.............. 19:801$296

Transportes................................... 8:165$186

Quebras em tabacos........................... 11:811$797

Illuminação e despezas diversas................ 1:754$185

Tabacos para desmancho....................... 41:041$600

Tabacos de tomadias........................... 1:655$599 1.579:454$204

Deduzindo:

Differença de preços em charutos e tabaco em rama vendido.................................... 1:382$090 1.678:072$114

A producção fabril montou a.................... 7.472:505$527

Foi portanto o lucro bruto da fabricação......... 5.894:488$418

e addicionando o abatimento de 68 por cento no stock, que passou do exercicio anterior......... 1.692:695$110 7.587:028$528

e deduzindo igual desconto nos tabacos que passam para o 1.696:368$476 5.890:665$048

Para realisar a venda acima mencionada de 7.421:854$650 réis a companhia teve o seguinte encargo:

Commissões, bonus e venda....... 1.108:894$971

Descontos por antecipação de pagamento ....................... 106:887$768

E mais as seguintes despezas de caracter geral:

Despesas genes em Lisboa e Paris (ordenados, fretes, descargas, seguros, rendas, camionagens, etc.) 207:784$909

Despesas da fiscalisaçao privativa.. 96:032$702

Página 689

SESSÃO N.° 39 DE 16 DE AGOSTO DE 1897 689

Importancia separada para amortisações (licenciados, subsidios, medicamentos, serviço medico, bemfeitorias, gastos de instatlação, etc.) ....................

151:685$077 455.402$688 1.665:635$412

Portanto:

Do lucro illiquido do fabrico................. 5.890:665$048

deduzindo o encargo da venda.................. 1.665:686$412

Fica sendo o producto liquido do fabrico o venda. 4.225:029$636

N.B.:

N'este lucro liquido do fabrico e venda........... 4.225:029$636

Encontrando a renda ao estado................... 4.350:000$000

Resulta um prejuizo de......................... 124:970$864

e encontrando os direitos de importação de tabacos manipulados cobrados na alfandega............ 165:782$012

Resulta um beneficio de....................... 40:811$648

Lisboa, 12 de agosto de 1897.== O chefe da contabilidade geral, Henrique R. de Carvalho.

Apuramento do producto liquido do fabrico e venda no exercicio de 1895-1896

A vencia total no exercicio de 1895-1896, segando o mappa n.º 4 do relatorio da companhia dos tabacos de Portugal, foi de kilogrammas 2.116:627,898.......... ............... 7.867:258$285

Para esta venda a companhia applicou os seguintes tabacos ao preço da tabella:

Fabricou durante o exercicio kilogr. 2.018:630,931 7.481:990$177

Tinha um stocke no principio do exercicio de kilogrammas 685:475,063......................... 2.494:652$170

Tabacos devolvidos, etc.. 841$034 9.977:483$881

Passou para o exercicio seguinte um stock de kilogrammas 538:823,397................... 2.110:280$146 7.867:253$935

Para fabricar os 7.481:990$177 réis a companhia fez a seguinte despoza:

Kilogrammas 956:452,490 de tabacos que passaram; do exercicio anterior 131:971$050

Tabacos despachados, kilogrammas 1.888:724,705................ 590:284$001

Papel e mais accessorios de fabrico que passaram do exercicio anterior:......................... 28:950$250

Papel, caixas e mais artigos entrados durante o exercido......... 78:893$689

Caixas, rotulos e mais artigos remettidos das officinas subsidiarias 52:749$101

882:848$091

Menos:

Tabacos e accessorios que passam, para o exercicio seguinte....... 159:401$789

Ferias e ordenados............................. 688:195$353

Despeza do machinismo e dos motores........... 19:885$018

Transportes................................ 3:888$652

Quebra em tabacos.......................... 11:327$400

Illuminação e despezas diversas................. 1.672$007

Tabacos de tomadias......................... 1:003$094 1.448:817$826

Deduzindo:.

Differença de preços em charutos e Breva. 815$600 1.448:502$226

A producção fabril foi de....................... 7.481:990$177

Foi, portanto, o lucro bruto da fabricação........ 6.088:487$951

E addicionando o abatimento de 68 por cento no stock que passou do exercicio anterior......... 1.696:368$475 7.729:851$426

E deduzindo igual desconto nos tabacos que passaram para o exercicio seguinte................. 1.434:956$499

Fica o lucro illiquido rectificado................. 6.294:894$927

Para realisar a venda acima mencionada de 7.867:258$235 réis a companhia teve o seguinte encargo:

Commissões e bonus de venda..... 1.186:111$887

Descontos por antecipação de pagamento..................... 118:467$18

Prejuizos em concordatas......... 4:526$817 1.304:105$292

E mais as seguintes despezas de caracter geral:

Despeças geraes em Lisboa e Paris (ordenados, (fretes, seguros, rendas, camionagens, etc.)......... 207:896$549

Despezas de fiscalisação privativa 139:449$634

Importancia separada para amortisações (licenciados, subsidios, medicamentos, serviço medico, bemfeitorias, gastos de installação, etc.).......................... 170:215$427 517:061$610 1.821:166$902

Portanto do lucro illiquido do fabrico............ 6.294:894$927

Deduzindo o encargo da venda................. 1.821:166$902

Fica sendo o producto liquido do fabrico e venda.. 4.478:728$025

N. B.:

Este lucro liquido do fabrico e venda............ 4.478:728$025

Está sujeito á renda ao estado.................. 4.395:833$326 77:894$699

E juntando os direitos cobrados nas alfandegas pela importação de tabacos manipulados........... 171:274$158

Resulta um lucro de............................ 249:168$852

Lisboa, 12 de agosto de 1897. = O chefe da contabilidade geral, Henrique R. de Carvalho

Apuramento do producto liquido do fabrico e venda no exercicio de 1896-1897

A venda total do exercicio de 1896-1897, segundo o mappa n.º 4 do relatorio da companhia dos tabacos de Portugal, foi de kilogr. 2.188:995,249 7.926:377$625

Para esta venda a companhia applicou os seguintes tabacos ao preço da sua tabella:

Fabricou durante o exercício kilogr. 2.090:248,018 7.741:444$860

Tinha um stock no principio do exercicio, de kilogrammas 588:828,897........................ 2.110:280$146 9.861:675$006

Devolveu para a fabrica para desmancho......... 20:089$730 9.831:6864276

Recebeu tabacos devolvidos, etc., na importancia de 802$884 9.831:888$160

Differença de preços em tabacos expedidos para o ultramar................................... 9.564$656 9.822:828$505

Passou para o exercicio seguinte um stock de kilogrammas 490:218,600........................ 1.895:946$880 7.926:877$625

Para fabricar os 7.741:444$860 réis, a companhia fez a seguinte despeza:

Kilogrammas 902:325,230 de tabacos que passaram do exercicio anterior 127:418$828

Despachou tabacos, kilogrammas 2.869:612,650................. 729:569$892

Papel e mais accessorios de fabrico que passaram do exercicio anterior.................:........ 81:988$461

Papel, caixas e mais artigos accessorios do fabrico, recebidos durante o exercicio............... 101:9714760

Caixas, rotulos e mais artigos recebidos das officinas subsidiarias.. 56:638$609 1.047:582$050

Tabacos e accessorios de fabrico, que passam para o exercicio seguinte........... 314:968$020 782;614$030

Página 690

690 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Feriaa e ordenados............................ 714:908$424

Despezas do machinismo e dos motores.......... [.......]

Transportes................................... 4:117$085

Quebra em tabacos............................ 11:775$503

Iluminação e despezas diversas................. 1:627$684

Tabacos para desmancho....................... 6:428$713

Tabacos de tomadias...................,....... 673$427 1.491:511$588

Deduzindo:

Differença de preço em 2 kilogrammas de Breva.. 5$600 1.491:505$988

A producção fabril montou s.................... 7.741:444$860

Foi, portanto, o lucro bruto na fabricação........ 6.249:938$872

E addicionando o abatimento de 68 por cento no stock que passou do exercicio anterior.......... 1.421:295$488 7.671:234$854

E deduzindo igual desconto nos tabacos que passam para o exercido seguinte.............. 1.289:248$198

Fica o lucro illiquido rectificado............... 6.881:991$156

Para realisar a venda acima mencionada, de 7.926:877$625 réis, a companhia teve o seguinte encargo:

Commissões e bonus de venda..... 1.199:564$882

Descontos por antecipação de pagamento.................. 114:543$539

Prejuizos em concordatas......... 948$286 1.815:051$657

E mais as seguintes despezas de caracter geral:

Despezas geraes em Lisboa e Paris (ordenados, fretes, seguros, vendas, camionagens, etc.)......... 218:855$856

Despezas da fiscalisação privativa. 142:818$555

Importancia separada para amortisações (licenciados, subsidios, medicamentos, serviço medico, bemfeitorias, gastos de installação, etc.).......................... 244:554$317 601:223$228 1.916:274$881

Portanto:

Do lucro illiquido do fabrico................... 6.881:991$156

Deduzindo o encargo da venda................. 1.916:274$885

Fica sendo o producto liquido do fabrico e venda.. 4.465:716$271

N. B.:

Este lucro liquido de fabrico e venda........... 4.465:716$271

Está sujeito á renda ao estado de............... 4.400:000$000 65:716$271

E juntando os direitos cobrados nas alfandegas pela importação de tabacos manipulados............ 188:859$648 249:575$919

Lisboa, 12 de agosto de 1897. = O chefe da contabilidade geral, Henrique R. de Carvalho.

E. n.° 95

Companhia da tabacos de Portugal. - III.mo e exmos. srs. - Tendo-se levantado na imprensa uma questão, em que é posta em duvida a idoneidade da contabilidade d'esta companhia, nas suas relações com o estado, com grave prejuizo d'este, e havendo tal accusação tido já hontem echo na camara a que v. exa. dignamente preside, os conselhos de administração e fiscal d'esta companhia, reunidos, entenderam que se não podiam conservar silenciosos perante factos de tanta gravidade, que não só tendem a affectar a sua dignidade, mas prendem com altos interesses publicos, e designadamente com um projecto de lei submettido á apreciação da camara dos senhores deputados.

A questão da partilha de lucros com o estado e com o pessoal da companhia, não é a primeira vez que é Levantada. Foi-o já em 1895, por parte do ministerio da fazenda, e em 1896, pelos operarios, por intermedio do sr. commissario regio, e em ambos os casos foram julgadas satisfactorias as explicações d'esta companhia.

Não nos cumprindo tomar parte em debates jornalisticos, não tendo que fornecer explicações ao governo, por isso que já satisfizemos às que em tempo nos foram pedidas, entendem, todavia, os corpos gerentes d'esta companhia ser do seu dever proporcionar espontaneamente, pelo conjuncto de circunstancias já invocadas, e mais completo esclarecimento da camara dos senhores deputados, e assim tenho a honra de, em nome do conselho de administração e do conselho fiscal reunidos, enviar a v. exa., devidamente auctorisado, copia da já referida correspondencia, e bem assim de pôr á disposição da camara, nas suas minimas particularidades, e pela fórma por que esta o quizer realisar, o exame de toda a escripturação e contabilidade d'esta companhia.

Deus guarde a v. exa. Lisboa, 12 de agosto de 1897.- III.mo e exmo sr. conselheiro Eduardo José Coelho, dignissimo presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza. = O presidente do conselho de administração eleito da companhia dos tabacos de Portugal, Francisco Isidoro Vianna.

Copia - Ministerio da fazenda - Direcção geral da thesouraria - 1.ª Repartição - III.mo e exmo. sr.- Para conferencia de uns trabalhos que se estão organisando n'esta direcção e que tem de servir para o proximo relatorio financeiro de s. exa. o sr. ministro da fazenda, venho rogar a s. exa. se digne enviar-me uma nota extrahida das minutas das contas existentes n'esta thesouraria, indicando
o seguinte pelos diversos annos da gerencia d'essa companhia:

1.° Importancia da venda creditada em cada anno;

2.° Importancia dos direitos de importação encontrados na renda de cada anno;

3.° Importancia dos demais encontros feitos em cada anno, descriminando as proveniencias pela somma das respectivas contas em cada anno.

Alem da nota que fica indicada, carece s. exa. dos seguintes esclarecimentos:

1.° Nota do rendimento liquido do fabrico e venda da companhia, para saber como tem sido executado o n.° 1.° do artigo 6.° do contrato;

2.° Importancia da compra annual de tabacos do Douro, nos termos do n.° 11.° do mesmo artigo;

3.° Nota dos valores, se foram designados no inventario, dos predios, utensilios e machinismos entregues á companhia, conforme o artigo 7.° do contrato.

Como s. exa. deseja começar a escrever o seu relatorio no dia 7 de junho proximo, roga esta direcção que a remessa das notas, sendo possivel, se effectue antes d'aquelle dia.

Deus guarde a v. exa. Direcção geral da thesouraria, 30 de maio de 1895.- III.mo e exmo. sr. presidente do conselho da administração da companhia dos tabacos de Portugal. = O director geral, Penstrello de Vasconcellos.

Copia - III.mo e exmo. sr.- Em satisfação ao officio de v. exa. de 30 de maio ultimo, cabe-me a honra de remetter incluso a v. exa. o seguinte:

1.° Nota da renda paga pela companhia ao estado, desde
1 de maio de 1891 até 31 de março ultimo;

2.° Nota dos direitos de importação recebidos pela companhia no periodo acima referido;

3.° Extracto das contas com esse ministerio, relativas ao 1.°, 2.°, 3.° e 4.° exercicios da companhia. O ultimo mostra um saldo a favor da companhia de 1:781$673 réis. Alem d'este saldo a companhia ainda é credora de réu

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SESSÃO N.º 39 DE 16 DE AGOSTO DE 1897 691

400:000$000, saldo do emprestimo gratuito de 600:000$000 réis, e possue por liquidação de outros emprestimos bilhetes do thesouro a vencer em 30 do corrente na importancia de 754:378$665 réis;

4.° Nota dos tabacos do Douro das colheitas de 1890 a 1893, recebidos e liquidados pela companhia, nas datas mencionadas na referida nota.

Para completar as informações de que carece s. exa. o sr. ministro da fazenda, falta:

1.º Nota do rendimento liquido do fabrico e venda da companhia, para saber como tem sido executado o n.° 1.° do artigo 5.° do contrato;

2.° Nota dos Valores do inventario dos predios, utensilios e machinismos, entregues á companhia conforme o artigo 7.° do contrato.

Para satisfazer ao primeiro ponto, tomo a liberdade de enviar a v. exa. relatorios d'esta companhia; relativos aos tres exercicios findos, pelos quaes se reconhece que os lucros liquidos do fabrico e venda estão, por emquanto, muito longe de attingir a cifra de 5.150:000$000 réis a que se refere o citado n.° 1.° do artigo 5.° «contas de lucros e perdas n.° 2 dos documentos».

Quanto ao segundo ponto, os inventarios da regie, devidamente valorisados acham-se n'esse ministerio na direcção geral da contabilidade publica.

Deus guarde a v. exa.

Lisboa, 5 de junho de 1895. - III.mo e exmo. sr. conselheiro director geral da thesouraria do ministerio da fazenda. = O presidente do conselho de administração da companhia dos tabacos de Portugal, Francisco Isidoro Vianna.

Copia. - Ministério da fazenda - Direcção geral da thesouraria - 1.ª Repartição. - III.mo e exmo. sr. - Accusando á recepção do officio de v. exa. de 5 do corrente e dos documentos que o acompanham, venho rogar a v. exa. que com relação ás cifras dos relatorios d'esta companhia, sejam organisadas as notas pedidas por s. exa. o sr. ministro da fazenda em officio do dia 4, e a demonstração do n.° 1 da 2.º parte do officio de v. exa.

Deus guarde a v. exa. Direcção geral da thesouraria, 6 de junho de 1895.- III.mo e exmo. sr. presidente do conselho da administração da companhia dos tabacos de Portugal. = O director geral, Perestrello de Vasconcellos.

Copia. - III.mo e exmo. sr. - Tenho a honra de accusar o officio de v. exa. n.° 11:272, livro 65, de 6 do corrente.

Com relação ao § 1.° do artigo 5.° do contrato que trata da divisão dos lucros, a remessa que fizemos a v. exa. dos relatorios d'esta companhia fornecem elementos fidedignos, com os quaes se póde examinar a questão.

A conta corrente de lucros e perdas mostra á simples vista que os resultados da exploração dos tabacos está muito inferior á importancia fixa de 5:150 contos, de que trata o referido artigo.

Prescindindo de mais averiguações, basta citar o seguinte facto, cuja veracidade v. exa. póde verificar pelos mesmos relatorios, e é que, no primeiro exercicio a companhia, para distribuir aos accionistas 6 por cento, teve de recorrer ao fundo da reserva, retirando d'este a somma de 182:218$796 réis para esse effeito; e no segundo e terceiro exercicios apenas póde restituir aquelle fundo as quantias de 46:568$694 réis n'um, e 24:477$640 réis no outro, restando ainda réis 111:172$462, para completar á verba primitiva.

No entanto a escripta d'esta companhia está á disposição d'esse ministerio para toda e qualquer averiguação que. s. exa. o ministro deseje mandar fazer.

Deus guarde a v. exa. Lisboa, 11 de junho de 1895.- III.mo exmo. sr. conselheiro director geral da thesouraria do ministerio da fazenda.- O presidente do conselho de administração da companhia dos tabacos de Portugal, Francisco Vianna.

Copia. - III.mo e exmo. sr.- Tenho a honra de chamar a attenção de v. exa. para a representação, de que remetto copia, que me foi entregue por uma commissão de operarios, e vou pedir a v. exa. que se digne habilitar-me com os esclarecimentos que julgar convenientes transmittir-me, a poder apreciar devidamente a questão que na mesma representação se ventila.

Deus guarde a v. exa. Commissariado regio junto das fabricas de tabaco de Lisboa, em 7 de setembro de 1896.- III.mo e exmo. sr. presidente do conselho de administração da companhia dos tabacos de Portugal. = O commissario regio, Visconde de Melicio.

Copia.- III.mo e exmo. sr. commissão regio junto às fabricas de tabacos de Lisboa.-- A classe dos operarios manipuladores de tabaco resolveu submetter á apreciação de v. exa. as considerações que seguem, as quaes são o resultado do estudo a que procedeu relativamente ao assumpto, esperando que v. exa. as tomará na devida consideração e procederá como for de justiça.

Diz o artigo 5.° da lei de 23 de março de 1891:

Os concessionarios do exclusivo ficam obrigados:

1.° A dividir os seus lucros liquidos com o estado e com o pessoal operario e não operario pela fórma seguinte:

Do producto liquido do fabrico e venda deduzir-se-ha, em primeiro logar, a importancia fixa de 5.150:000$000 réis, comprehendendo a renda fixa, o dividendo do capital e dos titulos de fundador da sociedade, em conformidade dos estatutos, 5 por cento para o pessoal operario e 1 por cento para o pessoal não operario, estes 6 por cento do rendimento que exceder a 4.900:000$000 réis.

Do resto deduzir-se-ha 10 por cento para o fundo de reserva, destinado a completar dividendos e em caso de necessidade a attender a alguma despeza extraordinaria e á depreciação do activo, dividindo se os 90 por cento restantes na proporção de 60 por cento para o estado e de 40 por cento para os concessionarios.

Segundo o que dispõe este artigo, é claro que os operarios têem direito a 5 por cento logo que o producto liquido do fabrico e venda via alem de 4.900:000$000 réis.

No relatorio da companhia não se encontra, porém, a mais pequena referencia a partilha com os operarios, e comtudo, em nosso entender, o producto liquido do fabrico e venda excede a verba de 4.900:000$000 réis.

O ultimo exercicio, accusando uma venda bruta no valor de 7.857:000$000 réis, nos quaes ha a deduzir réis 2.620:000$000 (numeros redondos), importancia das despezas do fabrico e venda, dá um producto liquido de fabrico e venda no valor de 5.237:000$000 réis, é sobre o excedente de 4.900:000$000 réis que os operarios entendem que, em harmonia com a lei, têem direito a 5 por cento, assim como o pessoal não operario a 1 por cento.

A companhia já n'este exercicio distribuiu 7 1/2 por cento aos accionistas e completou o fundo de reserva; se os lucros forem augmentando progressivamente, como tudo leva a crer que augmentem, em poucos annos certamente os dividendos tomarão proporções verdadeiramente extraordinarias, e entretanto, se a lei for cumprida, os operarios nunca terão partilha nos lucros.

Portanto, exmo. sr., se a companhia vae n'este crescendo de prosperidade, se os seus encargos diminuirem gradualmente e os ganhos augmentam, é justo que se cumpra uma disposição da lei que manifestamente foi decretada para favorecer o trabalho quando tantas garantias se deram ao capital; esperâmos, pois, que v. exa., inspirando-se nos sentimentos de justiça de que sempre tem dado provas, envidará todos os esforços para se cumpra a lei como é de justiça.

Lisboa, 4 de setembro de 1896. = Pela classe dos manipuladores de tabacos, a commissão, José da Silva Esperança = Saude Pasaldino Fernandes = Joaquim José da Rocha.

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692 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Esta conforme. - Commissariado regio junto da fabrica dos tabacos de Lisboa, em 7 de setembro de 1896.= O sub-inspector, Conde de Lumiares.

Copia.- III.mo e exmo. sr.- A representação dos operarios, pedindo partilhas nos lucros da companhia, que v. exa. nos remotteu em officio de 7 do corrente, não póde infelizmente ser attendida, porque se não verificam as condições exigidas pelo artigo 5.º da lei de 23 de março de 1891.

Do producto bruto indicado de 7.857:000$000 réis (aliás 7.867:000$000 réis) deduz-se apenas n'aquella representação a quantia de 2.620:000$000 réis, correspondentes às despesas exclusiva e directamente empregadas no fabrico e venda da tabacos.

Mas a lei, no citado artigo 5.° § 1.°, só manda dividir os lucros liquidos, e estes são os que ficam depois de satisfeitos todos os encargos, directa ou indirectamente inherentes ao fabrico e venda dos tabacos.

E para que não haja duvida a tal respeito, basta ler a alinea a) do n.° 1 do artigo 62.° dos estatutos, que, segundo o artigo 3.° da lei citada, fazem parte integrante das suas bases.

E ainda que a lei o não dissesse expressamente, dizia-o a technologia industrial, e mais que tudo a rasão e o bom senso.

Pois a lei manda abonar ao pessoal não operario 1 por cento, e não se ha de deduzir do producto bruto a despeza a que obriga o mesmo pessoal ?

Pois ao pessoal operario cabem 5 por cento nos lucros da companhia, e não se hão de considerar como despezas a descontar as que se fazem com o mesmo pessoal, que são as dos licenciados, do legado «Paulo Cordeiro», do subsidio abonado por doença, dos reformados, do serviço de saude e beneficencia, que só aproveitam exclusivamente áquelle pessoal?

A fiscalisação privativa da companhia, evitando fraudes e contrabando, não concorreu para o augmento do consumo do tabaco e portanto para o resultado final? Podia a companhia subsistir sem a administração ordenada pela lei, e não será despeza a computar a que é feita com os corpos gerentes?

Não deverão entrar em linha de conta as despezas com os descontos por antecipação de pagamento, com fretes, seguros, rendas, sellos e estampilhas e tantas outras igualmente indispensaveis para o desenvolvimento da venda dos tabacos.

Se, como se pretende na representação dos operarios, os lucros liquidos a dividir fossem o producto bruto, descontadas apenas as despezas directamente feitas com o fabrico o venda, resultaria o absurdo de haver uma somma enorme de despezas que se não poderiam pagar, porque todos os lucros liquidos têem pela lei partilha determinada.

É, portanto, evidente que, para haver lucros liquidos a dividir, é mister descontar do producto bruto, não só os 2.620:000$000 réis, despeza directa com o fabrico e venda, mas tambem todas as que se fizeram para alcançar áquelle resultado, como são:

Descontos por antecipação de pagamento, 113:467$138 réis;

Despezas geraes, 183:265$969 réis;

Fiscalisação privativa, 136:461$259 réis;

Legado «Paulo Cordeiro», 16:464$190 réis;

Licenciados, 134:008$222 réis ;

Caixa de soccorros, 15:562$843 réis;

Caixa de reformas, 10:000$000 réis.

E muitas outras verbas menos importantes, mas que sommadas ainda avultam.

Basta, porém, computar as importancias correspondentes aos capitulos acima especificados, para reconhecer que o lucro liquido do exercicio de 1895-1896 ficou ainda muito longe dos 4.900:000$000 réis, acima dos quaes a lei manda contemplar os operarios na partilha, deduzida previamente a renda fixa e a remuneração do capital.

Assim julgâmos completamente esclarecida a materia da allegação que, por intermedio de v. exa., me foi presente.

Deus guarde a v. exa. Lisboa, 22 de setembro de 1896. - III.mo e exmo. sr. visconde de Melicio, commissario regio, junto das fabricas de tabaco de Lisboa.= Pelo presidente do conselho de administração da companhia dos tabacos de Portugal, Eduardo Burnay.

O redactor = Barbosa Colen.

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