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N.° 39

SESSÃO DE 18 DE MARÇO DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azeredo

Secretarios - os Exmos Srs.

Amandio Eduardo da Motta
José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente, lendo-se tres officios e tendo segunda leitura o projecto de lei que auctoriza o Governo a alterar a, divisão judicial da Ilha da Madeira, podendo extinguir as comarcas ruraes de Ponta do Sol, S. Vicente e Santa Cruz, e alargar a jurisdicção da comarca do Funchal, dividindo-a em duas ou mais varas; e o projecto de lei, auctorizando o Governo a conceder a Camara Municipal de Aveiro o edificio do extincto convento de S. João Baptista d'aquella cidade. - O Sr. Arthur Montenegro realiza o seu aviso previo ao Sr. Ministro da Justiça sobre a reforma dos serviços do Ministerio Publico. - É aggregado á commissão de guerra o Sr. Belchior Machado. - O Sr. Magalhães Ramalho manda para a mesa um projecto de lei.

Na ordem do dia (discussão do mappa n.º 2, despesa do Ministerio da Justiça, do projecto de lei n.º 12, Orçamento Geral do Estado) usam da palavra os Srs. Ovidio de Alpoim, Alberto Navarro (relator) e Francisco José de Medeiros. Esgotada a inscripção, é lido e approvado o orçamento do Ministerio da Justiça.

Primeira chamada - Ás 10 horas da manhã.

Presentes - 11 Senhores Deputados.

Segunda chamada - Ás 10 l/2 horas.

Abertura da sessão - Ás 11 horas e 10 minutos.

Presentes - 56 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Affonso Xavier Lopes Vieira, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Allem Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alvaro de Sousa Rego, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio de Almeida Dias, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar da Rocha Louza, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô Vieira, Domingos Eusebio da Fonseca, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Hypacio Frederico de Brion, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alfredo de Faria, João Augusto Pereira, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Marcellino Arroyo, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Tavares, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, José Caetano Rebello, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Coelho da Motta Prego, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Maria de Oliveira Simões, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Augusto Petra Vianna, Luciano Antonio Pereira da Silva, Manuel Joaquim Fratel, Manuel de Sousa Avides, Marquez de Reriz e Matheus Teixeira de Azevedo.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Boavida, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Carlos de Almeida Pessanha, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Frederico dos Santos Martins, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Ignacio José Franco, João Joaquim André de Freitas, Joaquim Faustino de Poças Leitão, Joaquim Pereira Jardim, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Mattos, José Mathias Nunes, José de Mattos Sobral Cid, Julio Ernesto de Lima Duque, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz José Dias, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Marianno José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Rodolpho Augusto de Sequeira, Rodrigo Affonso Pequito, Visconde de Mangualde e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Botelho, Alipio Albano Camello, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Roque da Silveira, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Carlos Augusto Ferreira, Carlos Malheiro Dias, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Eduardo Burnay, Fernando Mattozo Santos, Francisco José Patricio, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Santa Rita, Henrique Matheus dos Santos, João Carlos do Mello Pereira e Vasconcellos, João Monteiro Vieira de Castro, José Adolpho de Mello e Sousa, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José da Cunha Lima, José Dias Ferreira, José da Gama Lobo Lamare, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Pereira de Lima, Julio Maria de Andrade e Sousa, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Filippe de Castro (D.), Manuel Homem de Mello da Ca-

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mara Marianno Cyrillo de Carvalho, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Paulo de Barros Pinto Osorio, e Visconde de Reguengo (Jorge).

EXPEDIENTE

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio do Reino, participando que as informações, a que se refere o officio n.° 316 d'esta Camara, em razão do seu caracter reservado e confidencial, não podem ser communicadas, sem inconveniente, sendo-lhes, por isso, applicavel a disposição final do artigo 202.º do regimento, de 25 de fevereiro de 1896.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Guerra, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Carlos de Almeida Pessanha, nota da importancia abonada até á presente data, para pagamento de subsidios de marcha e de residencia, aos officiaes dos corpos transferidos por effeito da ultima organização do exercito.

Para a secretaria.

Do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, enviando uma relação do pessoal diplomatico e consular em servido naquelle Ministerio, referido a 25 de dezembro do anno findo.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A organização judicial da Ilha da Madeira, criada pelo decreto de 12 de novembro de 1875, tem, durante uma experiencia de 20 annos, suscitado repetidas e justas reclamações dos povos d'aquella ilha, tendentes ao restabelecimento do anterior regime que collocava na cidade do Funchal a sede das duas comarcas em que se dividia judicialmente todo o districto, e que uma longa pratica demonstrado ser o mais commodo, o mais economico e o que maiores garantias offerece de boa administração da justiça.

Effectivamente, as pequenas povoações da Ponte do Sol, de S. Vicente e da Santa Cruz, que o regime de 1875 elevou á categoria judicial de sedes de comarca, nunca poderem corresponder nem mesmo 26 annos depois, á distincção que a legislador lhes conferiu e, antes, teem-se conservado estacionarias no seu primittivo atraso material e economico, permanecendo quasi completamente isolados, pela difficuldade de communicações numerosas e dispersos casaes que formam esses agrupamentos de administração de justiça, a que o decreto de 1875 deu o nome pomposo de comarcas, mas que a sabedoria popular, talvez com mais prosperidade, classifica de coios juridicos.

É são tão escassos os elementos de vida nessas pequenas localidades, enfeitadas por uma legislação theorica, com os pergaminhos de cabeças de comarca, que, se poucas vezes temos visto permanecer ali magistrados togados, nunca foi possivel conseguir se a installação de advogados junto d'esses tribunaes, o que obriga os litigantes a procurá-los na cidade do Funchal, como acontecia antes do regime de 1875, mas com a aggravante de um muito maior dispendio de dinheiro e de tempo.

Pelo contrario, o Funchal continua a ser o natural ponto de attracção de todos os povos da ilha, já por ser o centro commercial e industrial de todo o districto, já pela relativa facilidade das suas communicações, já pelas commodidades que essa cidade offerece, e onde nunca se deu, nem se pode dar, o espectaculo indecoroso, tantas vezes presencendo nas sedes das comarcas ruraes, de serem os jurados e testemunhas obrigados, por falta absoluta de accommodações a pernoitar na praia, ao simples abrigo dos barcos.

É pois o Funchal, centro a que as condições topographicas e economicas fazem convergir toda a população da ilha, nas constantes transacções da sua vida normal, o local racionalmente destinado para sede dos tribunaes de justiça, e onde os litigantes, com maior commodidade e economia, podem encontrar uma mais garantida defesa dos seus legitimos direitos, garantia, que provém, não só do maior numero de recursos que esse meio lhes proporcione, mas ainda da superioridade intellectual do proprio meio, o que, como faz notar Stuart Mill, não é elemento desprezivel na apreciação dos effeitos praticos das instituições judiciaes.

Infelizmente, todos os esforços de libertação do pernicioso regime judicial de 1875, que uma absoluta ignorancia, das condições locaes converteu em lei depois, tem sido até hoje, vencidos por mesquinhos interesses particulares, alliados a conveniencias politicas de occasião e reforçados pelo despeitado egoismo dos partidos que procuram a todo transe afastar dos adversados a gloria de tão util medida.

Mas quaesquer que sejam as difficuldades a vencer, nosso tempetuoso mar de illigitimas conveniencias partidarias, vimos, com consciencia de que comprimos o nosso dever, advogar, perante vós, uma causa que representa uma das maiores e mais justas aspirações do povo da Madeira.

Assim, e interpretando os desejos dos madeirenses, bem claramente manifestados nas representações que vão juntas, temos a subida honra de submetter á vossa esclarecida e auctorizada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Fica o Governo auctorizado a alterar a divisão judicial na Ilha da Madeira, podendo extinguir as comarcas ruraes de Ponta do Sol, S. Vicente e Santa Cruz, e alargar a jurisdicção da comarca do Funchal, dividindo-a em duas ou mais varas.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 17 de março de 1902. = Os Deputados, Alexandre José Sarsfield = Alberto Botelho = Frederico dos Santos Martins.

Foi admittido e enviado á commissão de legislação civil.

Projecto de lei

Senhores. - Entre outros, possue o Estado na cidade de Aveiro, o antigo mosteiro denominado das Carmelitas, onde actualmente habitam algumas senhoras ali recolhidas apenas, dispondo de parcos recursos, e constituidas, para o effeito do decreto de 18 de abril de 1901, em associação de beneficencia, sob a designação de «Associação de Soccorros dos Pobres de Santa Theresa de Jesus».

Compõe-se este mosteiro, situado no centro da cidade e em um dos seus melhores locaes, de um edificio bastante amplo e espaçoso, e onde outr'ora esteve instituido o extincto convento de S. João Baptista d'esta cidade, tendo annexa a sua igreja, ainda hoje entregue ao culto divino, e aos lados uma pequena edificação, e a cêrca composta de uma superficie relativamente consideravel do terreno cultivado, o que tudo constitue ainda logradouro das mesmas senhoras.

Pela morte, em 1881, da ultima freira d'este convento, continuou elle servindo de recolhimento a algumas senhoras que já então ali se achavam em clausura e entregues á vida monastica, embora seculares e sem profissão de voto que a lei lhes não permitte, e neste uso teem continuado a estar desde aquella data, tendo saido d'ali já a maior parte das senhoras que primitivamente lá se haviam deixado ficar, e sendo substituidas por outras igualmente entregues ás mesmas praticas religiosas.

E posto que estas senhoras ali recolhidas pretendam justificar o beneficio que estão recebendo do Estado, dizendo-se constituidas em uma associação de soccorros, de

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que mais carecem do que exercem, a verdade é que nenhuma vantagem ou utilidade resulta para o Estado, nem para a cidade de Aveiro e seus habitantes, de semelhante condescendencia, que interessa unicamente a um pequeno numero de senhoras que ali procuram refugio ás agruras da vida, entregando-se devotamento ás suas orações, e em perfeito isolamento com a sociedade que d'ellas não tem a esperar proveito algum.

Ao passo que a Camara Municipal luta com difficuldades enormes para alcançar um edificio onde possa installar nas devidas condições o tribunal judicial da comarca e as respectivas dependencias, pessimamente alojado no edificio e local em que se encontra, ao passo que ella não consegue obter uma casa, embora de propriedade particular, onde possa estabelecer convenientemente o seu asylo-escola, que dá alimento, educação e ensino a perto de 100 menores desvalidos e abandonados; ao passo que ella não logrou ainda dar uma installação adequada ás escolas que subsidia do magisterio primario, industrial e a annexa de instrucção primaria nocturna frequentada por um grande numero de alumnos; ao passo, finalmente, que ella não encontra terreno apropriado e disponivel para a construcção, nesta freguesia, do novo modelo, de edificios para as suas aulas de instrucção primaria de um e outro sexo; ao passo que tudo isto succede, vê-se ali erguida no centro da cidade e em um dos melhores locaes, como já se disse, aquella mole de construcções lobrega e triste, de onde parece ter fugido, a vida, que só se manifesta cá fora pelo dobrar monotono e cadenciado do sino chamando as recolhidas ás suas orações da noite e vespertinas.

Ao silencio, inacção e isolamento que ali se nota, pode succeder por um simples acto do Parlamento, opportuno e justo, a vida em plena actividade, acompanhando o progresso, moralizando os povos pela administração da justiça e educando em sãos principios as modernas gerações a quem pertence o futuro da patria. O que agora é apenas inutil, e sem vantagem alguma para a sociedade, tornar-se-hia um poderoso e precioso elemento para a sua regeneração.

Basta para isto que as senhoras ali albergadas, por uma simples tolerancia dos poderes publicos, e a quem deve ser indifferente viver neste ou noutro convento, comtanto que não sejam perturbadas no seu remanso diario e piedosas orações, passassem para outro convento em identicas circumstancias, e nas mesmas condições de vida, o que aliás seria facilimo, desde que neste mesmo bispado existe o convento do Louriçal que, pelo seu isolamento do povoado, não pode facilmente ser aproveitado para outro fim, e onde se acham igualmente recolhidas algumas senhoras entregues ao mesmo meio de vida e inspirados em iguaes praticas e devoções.

Á Camara Municipal de Aveiro seria concedido este convento com as edificações e cêrca annexos para nella installar o tribunal judicial da comarca e suas dependencias e bem assim as secções do seu asylo-escola que o edificio comportar ainda, reservando uma parte para o alargamento indispensavel da praça em frente de um edificio em adeantada construcção para as repartições publicas do districto, e a outra parte, hoje cêrca, para a construcção das escolas primarias d'esta freguesia, para um e outro sexo. A igreja continuaria aberta ao culto divino, sob a administração e immediata fiscalização da respectiva Junta de Parochia, ou de outra irmandade ou confraria que nella se erigisse, sem exclusão da associação que actualmente ali funcciona, e da qual apenas a mais pequena parte reside dentro do convento.

Nada perderiam, portanto, com isto aquellas senhoras que são apenas dezoito, entre associadas e serviçaes, e das quaes só uma é natural de Aveiro, sendo todas as outras de terras distantes, e a maior parte até de outros districtos, e nem tão pouco perderia a religião a que se abrigam, que em nada ficaria desluzida do seu actual esplendor, ao passo que muito e muito teria a ganhar a causa da humanidade e do progresso e civilização.

O que hoje é apenas uma conveniencia de um limitadissimo numero de senhoras, a quem não faltam meios de, por outro modo, se tornarem uteis á sociedade, passaria a ser por esta forma de um altissimo proveito não só para essa mesma sociedade em geral, mas em especial para a, cidade de Aveiro e seus habitantes, que tem tantos e mais bem fundados direitos a merecerem iguaes attenções e beneficios da parte do Estado.

Nesta ordem de idéas, e a exemplo do que se está praticando com outras camaras municipaes, em identicas circumstancias, e talvez em mais favoraveis condições economicas, temos a honra de propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorizado o Governo a conceder á Camara Municipal de Aveiro o edificio do extincto convento de S. João Baptista, d'esta cidade, hoje denominado das Carmelitas, e bem assim as suas dependencias e cêrca annexas, com exclusão da igreja e respectiva sacristia, para que a referida camara possa installar ali o tribunal judicial da comarca e suas dependencias, as secções do asylo-escola que o edificio comportar ainda, e as escolas de instrucção primaria da freguesia, para um e outro sexo, reservando a parte que lhe corresponde para o alargamento da praça publica em frente de um edificio para o Governo Civil do districto.

§ unico. A concessão de que se trata ficará nulla e de nenhum effeito, se dentro de tres annos, a contar da publicação d'esta lei, e dia em que ella se torne effectiva, a camara não tiver já em via de realização as obras precisas para as installações indicadas, e neste caso, bem como quando este edificio e mais pertenças tenham applicação diversa da que ora lhe é indicada, tanto o convento como as outras suas dependencias, no estado em que se encontrarem, voltarão á posse da Fazenda Nacional.

Art. 2.° Passa para a administração e guarda da respectiva Junta de Parochia a igreja d'este extincto convento e competente sacristia, e bem assim as alfaias que lhe pertencem para o culto religioso.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 17 de março de 1902. = Egas Moniz = Albano de Mello.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Arthur Montenegro para realizar o seu aviso previo ao Sr Ministro da Justiça, apresentado na sessão de 3 de fevereiro.

O Sr. Arthur Montenegro: - O decreto de 24 de outubro de 1901, publicado pelo Sr. Ministro da Justiça, reorganizando o serviço do Ministerio Publico, se merece louvores pelo facto de representar uma coodificação de tudo o que, sobre o assumpto, existia disperso em differentes diplomas, tem comtudo bastantes erros, carecendo por isso, de uma revisão.

É a indicação d'esses erros e faltas que constitue o assumpto do seu aviso previo.

Entre as faltas que encontra nesse diploma, nota o orador, em primeiro logar, a ausencia de qualquer disposição, relativa ao Procurador Geral da Coroa, que, no seu entender, deve ser um funccionario de confiança, e, portanto, poder ser substituido, porque, se no momento actual as respectivas funcções são exercidas por um cavalheiro de toda a respeitabilidade, em que qualquer Governo pode confiar, algumas vezes poderá assim não succeder, e as leis não devem ter caracter pessoal.

A distribuição dos delegados por tres classes fica aniquilada no que tem de bom, desde que a promoção se faz por distincção, o que na pratica significará - por mero favor do Ministro. O criterio devia ser a antiguidade pura.

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Quanto á transferencia dos mesmos funccionarios, o arbitrio do Governo fica apenas limitado pela classificação das comarcas, o que é deficientissimo. Nas transferencias o requerimento dos interessados ou em virtude da promoção devia a antiguidade decidir a preferencia. Nas transferencias, por conveniencia de serviço, devia ser indispensavel o voto affirmativo e não somente consultivo do Conselho Supremo da Magistratura do Ministerio Publico.

Para a imposição das penas disciplinares de transferencia, suspensão e demissão, devia igualmente exigir-se o voto affirmativo do mesmo Conselho.

A simples audiencia, ficando ao Ministro a liberdade de se conformar ou não com a consulta respectiva, não pode bastar.

Os conselhos technicos que elle, orador, defende como sendo das mais salutares garantias de independencia da classe do Ministerio Publico, deviam ser unificados, não se distribuindo funcções analogas por conselhos differentes

Seguidamente, o orador refere-se a varios artigos decreto, notando as faltas que nelles encontra.

Nota que os artigos 16.°, 17.° e 18.° não se refiram aos secretarios dos tribunaes do commercio e curadores dos orphãos. E quanto ao artigo 29.°, pelo qual foi criado o quadro da magistratura do Ministerio Publico, entendi que elle não tem fundamento legal, porque o Governo não tinha para isso auctorização.

Observa mais que o capitulo 2.° indevidamente se inscreve transferencia e demissão - quando estes assumptos são tratador nos capitulos 1.° e 3.°

Nos artigos 46.°, 47.°, 60.°, 61.° e 77.° trata-se das funcções do Ministerio Publico, sem nenhuma especie de systema.

Quanto aos procuradores regios nota que em nenhum artigo se indiquem os tribunaes junto dos quaes elles funccionam, e sustenta que estes magistrados não podem exercer as funcções de accusadores, em processos instaurados aos agentes do Ministerio Publico, junto da 2.ª instancia, como determina o n.° 2.° do artigo 60.°, porque a competencia de taes processos cabe ao Supremo Tribunal de Justiça.

Tudo isto mostra, conclue o orador, a necessidade que havia de rever a nova organização, o que muito bem poderia ter-se feito se, em vez de ter sido decretada no uso de uma auctorização, tivesse sido submettida á apreciação e discussão da Camara.

(O discurso será publicado na integra quando o orador o restituir)

O Sr. Alfredo Mendes Ramalho: - Mando para a mesa um projecto de lei que auctoriza o Governo a admittir no anno lectivo de 1902-1903 como pensionista do Estado no 2.° ou 3.° anno do Real Collegio Militar, conforme as habilitações litterarias com que se apresentar, a Francisco Maria de Vasconcellos Cruz Sobral Cervantes, filho do fallecido capitão de artilharia, Antonio Maria Souto Cervantes.

Mando tambem para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que seja aggregado á commissão de guerra o Sr. Deputado Belchior Machado. = O Secretario da commissão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho.

A proposta foi approvada e o projecto ficou para segunda leitura.

O Sr. Presidente: - Vae entrar-se na

ORDEM DO DIA

Discussão do mappa n.° 2, na parte relativa á despesa do Ministerio da Justiça, do projecto de lei n.º 12, Orçamento Geral do Estado

Leu-se na mesa.

O Sr. Ovidio Alpoim: - O que acaba de ser posto á discussão não é certamente o orçamento do Ministerio da Justiça, por isso que não satisfaz ás condições que devo ter um documento d'essa ordem. E não é uma previsão, porque, propositadamente, se excluiram encargos com pagamentos a funccionarios, cuja retribuição o Governo deixou para diplomas especiaes. É documento que nem sequer chega a ser um esboço de rol de despesas; e desde que assim está feito carece de ser corrigido.

Manda por isso para a mesa a seguinte proposta:

«Attendendo a que no orçamento do Ministerio da Justiça se inscreveram verbas que importam augmento de despesa, derivado da execução de decretos publicados no uso da auctorização parlamentar, a qual expressamente o prohibia;

Attendendo a que, para cobrir essa augmento de despesa, injustificadamente se redusiram as verbas destinadas ao expediente das Secretarias de Estado e das procuradorias regias e as consignadas por transporte de degredados e presos.

Attendendo a que não pode continuar inscripta na importancia de 44:806$659 réis a verba para pagamento de juizes collocados no quadro sem exercicio, mas com vencimento, por terem de ser restituidos ao serviço aquelles que o exame medico ordenado pela portaria de 6 de julho de 1900, effectivamente indicou como aptos para esse serviço.

Proponho:

1.° A eliminação de todas as verbas inscriptas e augmentadas, invocando-se os decretos de 21 de setembro, de 29 de novembro, 24 de outubro e 10 de setembro de 1901, nos artigos 2.°, 10.°, 11.°, 15.° e 20.°;

2.º A elevação, até á importancia descripta, no actual orçamento, das verbas destinadas ao expediente da Secretarias de Estado e Procuradorias Regias, e bem assim para transporte de presos e degredades;

3.° A reducção a 30:000$000 réis da verba destinada ao pagamento de juizes no quadro. = Ovidio de Alpoim. Esta proposta pode dividir-se em tres partes: a eliminação de verbas indevidamente inscriptas; a elevação de outras que foram reduzidas e a redacção da verba para pagamento aos juizes no quadro.

A primeira parte que se refere á eliminação de todas as verbas indevidamente inscriptas, encontra a sua justificação na nota preliminar que precede a tabella do mesmo orçamento.

Lendo-se essa nota, vê-se que no artigo referente a Secretaria do Estado dos Negocios da Justiça se addicionou o ordenado de um amanuense e de um segundo official, na importancia de 740$000 réis, o que é absolutamente illegal, não só porque o decreto de 21 de setembro de 1901, publicado no uso das auctorizações, não podia importar augmento de despesa, como porque no proprio decreto se declara que do confronto do quadro existente com o que o mesmo decreto estabelecia, resultava uma economia immediata de 170$000 réis, e que a nova organização só se fosse executando por forma que nunca desse augmento de despesa.

Pela mesma forma se procedeu nas procuradorias regias e nas relações em que foi elevado o numero dos funccionarios e nos casos de correcção em que se elevou o ordenado dos empregados.

Em todas estas secções do Ministerio da Justiça foi a despesa elevada, invocando-se para isso as disposições dos artigos da lei que, completa e terminantemente o prohibiam, não só por determinação das auctorizações parlamentares, mas das proprias disposições d'esses decretos, pelos quaes se determinava que fossem executadas de maneira que não trouxessem augmento de despesa. Resumindo, o augmento nas despesas do Ministerio da justiça é de seis contos quatrocentos e tantos mil réis.

Pela segunda parte da sua proposta, pretende a resti-

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tuição ao antigo estado das verbas que no orçamento apparecem reduzidas, com relação ao expediente da secretaria e aos presos e degredados.

Realizado o augmento de despesa por uma forma illegal, como já mostrou, necessario, era fazer cortes, por outro lado, para o compensar, e para se fazer aquelle balanço em que o Sr. Presidente do Conselho tanto insistiu quando esteve em discussão o uso feito pelo Governo das auctorizações parlamentares.

O expediente, porem, ha de continuar a fazer-se, e os presos e degredados não deixam de existir.

Mas, terá esse expediente diminuido em virtude de qualquer disposição do Sr. Ministro da Justiça? Não diminuiu; pelo contrario, augmentou, porque S. Exa. avocou para a sua secretaria a nomeação de todos os officiaes de diligencia, que até aqui pertencia ás Relações; a nomeação de todos os officiaes de diligencias dos juizos de paz e do mesmo modo a de todos os ajudantes dos officiaes de justiça, que são em numero de dois mil quinhentos e tantos.

Em relação ás Procuradorias Regias e ás Relações succede exactamente o mesmo.

Pelo que respeita á verba dos presos e degredados, ella é tambem já de si diminuta para que possa ser reduzida. E não sirva de desculpa o facto de estar já funccionando a Penitenciaria de Coimbra, porque nella existem apenas dez presos.

Não quer agora dizer nada sobre este assumpto, mas a verdade é que aquella Penitenciaria se abriu por forma tão pouco propria que em Coimbra até se disse que os homens que para lá entraram, não eram criminosos, mas individuos contratados para figurarem como taes.

Com relação á terceira parte da sua proposta, - reducção da verba para pagamento aos juizos no quadro, - entende que o Sr. Ministro da Justiça, por decoro proprio, não pode deixar de a acceitar.

O Sr. Campos Henriques, mal chegado ao poder, expediu uma portaria mandando sujeitar a exame medico todos os juizes no quadro, a fim de se verificar se elles estavam realmente impossibilitados. Procedendo-se a esse exame, em 1900, foram dados como aptos para serviço muitissimos juizes; mas nenhum foi para o serviço. É por isso que o Sr. Ministro eleva a verba, que era de 18 contos, a 44.

S. Exa. tem obrigação moral, sob pena de estar mal no seu logar, de reduzir essa verba ao que elle, orador, propõe.

Ha mais de um anno que estão classificados todos os juizes e o Sr. Ministro da Justiça não pode, sem faltar aos seus deveres, deixar que continuem no quadro juizes, que um exame medico, mandado fazer por S. Exa. considerou aptos para o serviço.

Pelo regulamento, cria-se, em Lisboa, Porto e Coimbra, um logar de photographo antropometrico e de um amanuense, com o ordenado que o Governo houver por bem fixar. D'este modo, amanhã, o Governo fixa esse ordenado e, em logar de um, haverá tres photographos antropometricos e mais tres amanuenses, augmentando-se assim as verbas de despesa; isto, não contando com as de installação do gabinete photographico e de acquisição do material.

D'esta forma, conseguiu e Sr. Ministro da Justiça augmentar a despesa em perto de 7 contos, devendo ella para o futuro subir a uma quantia, que por emquanto não pode prever-se qual seja.

Mas corresponderá realmente a este augmento de despesa o mais pequeno melhoramento? Nada absolutamente.

O Sr. Ministro da Justiça nada fez para melhorar a administração da justiça; e, comtudo, nada mais facil de conseguir. Bastava aproveitar um trabalho de 1884, uma das mais bellas e perfeitas producções, devidas ao chefe da opposição parlamentar. Mas o Sr. Ministro da Justiça consideraria como um desdouro para si, o aproveitar a obra de um adversario politico.

Relativamente á administração da justiça civel, uma das partes da obra do Sr. Ministro da Justiça, ahi, nem uma unica disposição S. Exa. introduziu, tendente a evitar as variadas interpretações do texto dos preceitos legaes, que hoje é interpretado de uma forma e amanhã de outra; nem um unico preceito tendente a evitar a demora na decisão dos pleitos, e que constitue uma vergonha para
poder judicial.

Vae terminar, mas não felicita o Sr. Ministro da Justiça pela sua obra, que só visa a crear logares a mais e a estabelecer verbas de expediente a menos.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

São lidas na mesa, e admittidas, as propostas apresentadas pelo Sr. Ovidio Alpoim.

O Sr. Alberto Navarro: - Sr. Presidente: se V. Exa. e a Camara carecessem de uma demonstração clara, plena e inilludivel de que o orçamento que se discute não podia ser atacado com argumentos, que solidamente se firmassem em bases de razão e de justiça, acabavam de obtê-la pelo discurso do illustre Deputado a quem me cabe a obrigação de responder.

Com effeito, ponha V. Exa. de parte, Sr. Presidente, nesse discurso as considerações de ordem geral que S. Exa. entendeu dever fazer á Camara; descarne V. Exa., dos argumentos produzidos, a forma severa, acre, violenta até, com que S. Exa. entendeu dever revesti-los, para encarar esses argumentos na sua singeleza, na sua nudês, para lhes tomar o valor e apreciar a significação, e V. Exa. adquirirá a certeza de que o orçamento do Ministerio da Justiça está elaborado segundo as possiveis regras de justeza e precisão, que devem presidir a documentos d'esta ordem. (Apoiados).

Eu disse - possiveis regras de precisão e justeza - sim, porque o Orçamento Geral do Estado não é, não pode ser, nem é em parte nenhuma, um documento de certeza, um documento de precisão completa: é, unica e simplesmente, um documento de previsão, assente sobre o maior numero de probabilidades, é certo, mas só sobre probabilidades. (Apoiados).

Neste campo, eu hei de provar a V. Exa., Sr. Presidente, hei de provar á Camara, que o Sr. Deputado foi manifestamente injusto, foi profundamente iniquo.

Se examinasse a nota preliminar do orçamento do Ministerio da Justiça, o Deputado, que me antecedeu, veria, como a Camara ha de reconhecer, que no Ministerio da Justiça, com a dotação pequenissima que tem, na dependencia do qual estão todos os funccionarios ecclesiasticos do país, á ordem do qual estão todos os magistrados judiciaes e do Ministerio Publico, e todos os funccionarios de justiça, e onde se gasta apenas mil e setenta e tantos contos de réis, ainda assim se fez uma reducção de despesa. (Apoiados).

Primeiro do que tudo, para que a minha demonstração corra clara e logicamente, tenho de accentuar á Camara o seguinte facto:

No anno passado, os illustres Deputados da opposição discutiram aqui largamente, violentamente, os orçamentos dos differentes Ministerios, mas não disseram uma palavra, não fizeram uma censura, nem ninguem se inscreveu para falar no que tocava ao Ministerio da Justiça. Portanto, pergunto eu: seria porque não houvesse, do lado da opposição parlamentar, individuos que conhecessem profundamente os negocios da justiça? Seria porque muitos d'elles não tivessem dado já mostras da sua predilecção especial por estes assumptos? Não; uma e outra cousa estava provada e demonstrada. Porque era então? Era porque no orçamento do Ministerio da Justiça nada havia que censurar, nada havia que combater. É esta uma conclusão logica que deriva, clara e nitidamente, do procedimento

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que os illustres Deputados tiveram no anno passado. (Apoiados.)

Portanto, a minha tarefa é facil; a minha tarefa é resumida. Cumpre-me justificar apenas as alterações que este diploma fez ao diploma anterior.

Ora, vejamos.

Vou seguir a discussão por capitulos e, acêrca de cada um d'elles, irei respondendo resumidamente, para não cansar a Camara, ás considerações feitas pelo Deputado a quem respondo.

Relativamente ao primeiro capitulo queira S. Exa. contrabalançar as verbas que se augmentaram, com as que foram diminuidas, e verá que ainda ha uma diminuição de despesa.

Eu sei que S. Exa. poderá dizer-me que essa diminuição é pequena; mas S. Exa. sabe, e é o primeiro a concordar em que uma Secretaria de Estado, que tem apenas 23:000$000 réis de dotação, não pode soffrer grandes reducções.

Disse, porem, o Sr. Deputado: «O que ha é augmento de despesa; o que se fez foi uma conta a dedo».

Ora, vejamos, em primeiro logar, de que provém esse augmento de despesa; é para pagar ao amanuense e ao segundo official da Secretaria dos Negocios da Justiça, logares que ultimamente se criaram?

Provém do decreto de 21 de setembro de 1901, que reorganizou os serviços da Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça.

Diz agora S. Exa.: «O decreto é irrito e nullo, porque a, auctorização parlamentar clausulava a acção do Governo no sentido de não augmentar as despesas».

Mas, ha mais, continua: Disse-se aqui que a reforma da Secretaria de Justiça não tinha augmentado os encargos do Thesouro que tinha até produzido uma economia; e agora vem-se affirmar que ha augmento de despesa»!

Vamos pôr a questão como ella deve ser posta.

Em primeiro logar, seja-me permittido dizer a V. Exa., Sr. Presidente, que, num largo debate aberto sobre o uso que o Governo fez das auctorizações parlamentares, que lhe foram concedidas no anno passado, os illustres Deputados fizeram demorada analyse das reformas com que não concordaram.

S. Exa. nossa interpellação consideraram essas reformas especialmente sob o ponto de vista do augmento das despesas.

Ninguem falou na reforma da Secretaria da Justiça. Eu podia, pois, excepcionar a questão; não o farei, porem, porque quero acompanhar uma a uma as considerações do illustre Deputado. Não preciso lançar mão de excepções.

Vou apreciar a questão exactamente como ella me foi posta. Vou contestar nos precisos termos em que foi apresentada a accusação.

Era ou não indispensavel reorganizar a Secretaria do Ministerio da Justiça?

Não ha de ser o Sr. Ministro da Justiça que o ha de dizer; não hei de ser eu tão pouco. Quem o ha de dizer ha de ser alguem, que para o illustre Deputado é uma auctoridade, e que, alem de auctoridade, junta tambem a responsabilidade do Ministro que proclamou a necessidade d'essa reforma, responsabilidade que é tambem do illustre Deputado, porque S. Exa. fez tambem parte da maioria que antecedeu esta.

Examine-se o orçamento para o anno de 1899-1900, e ver-se-ha que ahi se encontra a seguinte auctorização:

«É auctorizado o Governo pelo Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça a reformar, sem augmento de despesa, os quadros e serviços da respectiva secretaria, e os das secretarias das Relações e Procuradorias Regias justo d'estas».

Isto era no anno de 1899-1900, e o Ministro que pedia a auctorização, pedia-a até ao ponto de não poder haver augmento de despesa em relação ás verbas votadas no orçamento para as secretarias referidas, comprehendendo as dotações de pessoal e material.

Mas o tempo decorreu, a reforma não se fez, e o Sr. José de Alpoim, quando abriu o debate sobre as auctorizações parlamentares, confessou que não fez a reforma da Secretaria da Justiça, porque não tinha querido augmentar a despesa.

Que fez S. Exa., Ministro nesse tempo?

No orçamento do anno seguinte, que foi approvado por uma maioria progressista, mas que não serviu para gerencia progressista, porque o Governo caiu, dizia-se o seguinte:

«É auctorizado o Governo a reorganizar os quadros e serviços da Secretaria do Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça e das secretarias, tanto das Relações de Lisboa, Porto e Açores, como das Procuradorias Regias junto das mesmas Relações, em ordem a obter a possivel simplicidade e regularidade do funccionamento dos mesmos serviços, e sem augmento da despesa auctorizada no Orçamento actual para o Ministerio da Justiça.»

Quer dizer, nesta auctorização, o partido progressista ficava com o direito de, deslocando a seu talante verbas no orçamento, augmentar a verba para a Secretaria da Justiça, mas de forma a não avolumar a somma total das despesas do Ministerio.

Como é que podem agora S. Exas. dizer que o augmento das despesas não deve referir-se ao conjunto das reformas, mas a cada uma d'essas reformas singularmente considerada?

Pois, Sr. Presidente, o partido progressista que tanto se insurgiu contra esta forma de interpretrar as auctorizações, deu aqui a demonstração de que entendia que não era prejudicial aos interesses do Estado reformar no sentido de melhorar os serviços, de maneira que no conjunto de um Ministerio não houvesse augmento de despesa.

Foi regular, logico e justo o procedimento do Governo.

Pois qual é o primeiro elemento para interpretar as leis? A intenção do legislador, o essa intenção não podia ser senão esta. (Apoiados).

Que importa que em tres, quatro ou cinco reformas se produza um pequeno augmento de despesa, se na totalidade das reformas esse augmento se não dá? (Apoiados).

Mas, dizem ainda que o Ministro da Justiça publicou no relatorio que procede a reforma um mappa, em que mostra que, confrontando o dispendio do quadro que encontrou e do que criou, este é menor, embora lamentasse muito que a despesa fosse tão pouco reduzida; que declarou que a dotação era pequena e que dentro das verbas votadas não podia fazer maiores economias, o que agora vem apresentar um augmento de despesa de 740$000 réis.

Peço perdão a S. Exas. S. Exas. comprehendem muito bem que, quando se balanceia uma reforma com outra, é claro que se comparam duas cousas nas mesmas circumstancias, duas organizações igualmente a funccionar.

S. Exas. comprehendem que, comparar o quadro antigo com o quadro moderno e attender ainda ao estado transitorio, não era possivel.

Entre a organização anterior e a actual ha um periodo de transição, e foi para que nesse periodo não houvesse augmento de despesa, que se determinou que o quadro futuro se iria pondo em vigor, de forma a não haver maior dispendio.

V. Exa. sabe que todas as leis teem de attender aos direitos adquiridos.

S. Exa. disse que ficaram todos os empregados. Qual foi a reforma, mesmo no tempo de 1892, mesmo quando os empregados publicos cairam sob a alçada desapiedada

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da lei do Sr. José Dias Ferreira, chamada da salvação publica, que não attendeu aos direitos adquiridos?

Só conheço a do notariado de 1899, e por isso ella tanta celeuma levantou, que teve de ser posta de parte.

Como é que S. Exa. receberia um acto de um Governo que novamente fizesse tal, que deslocasse um funccionario antigo e distincto, um illustre Director Geral, mandando-o para casa, depois de longo serviço, sem lhe pagar nada, para criar logares novos?

Então tinha S. Exa. razão e justiça para censurar; agora não tem. (Apoiados).

S. Exa. não attendeu a que nós, commissão do orçamento, balanceámos a despesa que se fazia não só com o pessoal da Secretaria da Justiça, mas com a verba do expediente, por isso que essa verba de expediente já não era como antigamente, só destinada a pagar despesas d'essa natureza.

Se V. Exa. for ler a tabella dos orçamentos anteriores, encontra que esta verba é para despesas de expediente da Secretaria de Estado, da Repartição de Contabilidade Publica e para pagamento de pessoal. Nem o Ministro nem a commissão desviou a verba que era destinada a material para pagamento de pessoal: uma parte d'ella já o era.

Mas, diz S. Exa. a reducção não se faz, nem se pode fazer. Essa reducção é só no papel, porque a verba de expediente do Ministerio da Justiça tem-se gasto todos os annos, quanto mais agora que ha muito mais expediente na Secretaria da Justiça do que havia noutros tempos.

Eu tenho aqui uma nota fornecida pela 4.ª Repartição de Contabilidade do Ministerio da Justiça, que me diz o seguinte: no anno de 1900-1901 o pagamento de despesas geraes pelo Ministerio da Justiça foi de 3:324$660 réis, e a parte destinada ao pessoal de 1:800$000 réis. Sommando estas verbas temos 5:124$660 réis, o que é menos do que a verba votada no orçamento em vigor.

Já vê V. Exa. que a verba, longe de ser excedida, tem sobras importantes, e essas sobras tendem a crescer, tanto mais que se deve attender a que pela reforma da Secretaria da Justiça, o numero de serventes ha de ser diminuido necessariamente. O expediente tambem diminuiu. Sabe V. Exa. qual era o numero de arbitradores judiciaes que estavam espalhados pelo país, cujo expediente corria todo pelo Ministerio da Justiça? Era de 3:000. Ora somme V. Exa. os officiaes de diligencias dos juizos de paz, municipaes e das comarcas que vieram agora para o Ministerio da Justiça, balanceie essa somma com a dos arbitradores judiciaes e verá que o numero d'estes era muitissimo maior. Esse expediente desappareceu por um lado e entrou outro muito menor. Não ha motivo, portanto, para impugnar esta reducção de verba pelo que diz respeito á Secretaria da Justiça. (Apoiados).

Sr. Presidente: S. Exa. não se referiu ao capitulo 2.°, que trata das dioceses do reino, e não se referiu tão pouco ao capitulo 4.°, que trata dos tribunaes de 2.ª instancia.

Sr. Presidente: o illustre Deputado não falou nisso. Porque? Porque á causa que defendia, não convinha. (Apoiados). Falarei eu.

Sr. Presidente: foi accusado o actual Governo de não ter chamado os juizes addidos ao quadro á effectividade do serviço.

Foi accusado o actual Ministro de só no primeiro anno ter collocado juizes addidos e não ter collocado depois mais nenhum. Pergunto á Camara: Então desde 1897 não havia aggregado á Relação de Lisboa o Sr. Ochoa, e desde 1898 o Sr. Almeida e Cunha?

Pois decorreram os annos de 1897 a 1900, houve vagas, e nenhum d'elles foi collocado, e quem os collocou foi o actual Ministro. (Apoiados).

Sabe V. Exa. qual foi a economia produzida por esta providencia? Foi de 3:200$000 réis.

Cumpriu-se zelosa e honestamente a lei (Apoiados), e foi uma consideração para com aquelles magistrados, que tinham prestado serviços relevantes (Apoiados) e estavam numa situação que não era conveniente para o Thesouro, nem era regular para elles. (Apoiados).

Qual a razão por que se vem accusar o Sr. Ministro de não ter collocado juizes do quadro, e, tendo-se effectuado a collocação d'estes magistrados, que produziu uma diminuição de despesa de 3:200$000 réis annuaes, o que representa o exacto cumprimento da lei (Apoiados), não se menciona tal facto? Porque o que se pretende é produzir accusações (Apoiados), e fazer crer que o Orçamento não está verdadeiro. (Apoiados).

A verdade é que se se accrescentar estes 3:200$000 réis aos ordenados relativos aos juizes dos antigos tribunaes administrativos, em numero de onze, que o partido progressista não collocou nunca durante a sua gerencia (Apoiados), apesar do artigo expresso do Codigo Administrativo, V. Ex.a. encontrará a economia de 9:700$000 réis. (Apoiados).

Quer V. Exa. saber quem não chamou juizes do quadro á actividade?

Em 1898-1899, gerencia que não é da responsabilidade do actual Ministro da Justiça, nenhum juiz do quadro foi collocado.

Em 1899-1900, gerencia que é ainda da responsabilidade do partido progressista, foi apenas collocado um juiz de 3.ª classe na effectividade do serviço, mas noto a V. Exa. que o foi pela pasta dos Negocios da Marinha e Ultramar, como auditor de marinha.

Em 1900-1901, gerencia da responsabilidade do actual Ministro, foi collocado um em Mertola, alem dos onze juizes dos tribunaes administrativos, o que dá o preenchimento de 12 vagas com juizes addidos.

Em 1901-1902 foram collocados 3: um na Relação, outro em Monchique e outro em Portalegre, sem contar com os dois juizes da Relação de Lisboa, a que já me referi.

Não produzo allegações, cito factos. (Apoiados).

Ás declamações respondo com numeros e com nomes. (Apoiados).

A consciencia da Camara que aprecie quem tem razão e a quem assiste a justiça.

Mas, Sr. Presidente, neste mesmo capitulo contra outra despesa se insurgiu immensamente o illustre Deputado.

Encontra-se aqui o augmento de ordenado de dois amanuenses das secretarias das presidencias das Relações e das Procuradorias Regias de Lisboa e Porto; na importancia de 60$000 réis a cada um.

Creio que a exiguidade da verba não pode soffrer censura, tanto mais quanto todos sabem que os amanuenses ganhavam apenas 240$000 réis annuaes.

O que é certo é que, apesar d'isso, se se comparar a despesa que se faz com a organização das secretarias das presidencias das Relações e das Procuradorias Regias, encontra-se uma economia importante, e acêrca d'essa economia o illustre Deputado não disse absolutamente nada. Portanto, ella deve ter-se como certa.

Os serviços melhoraram muito, porque basta que V. Exa. attenda que tanto as secretarias das presidencias das Relações, como das Procuradorias Regias, nenhuma tinha diploma official que regulassem o seu modo de funccionar, e apenas havia o decreto de 1851, com disposições muito escassas.

Havia regimentos internos, mas não havia um diploma que regulasse aquelles serviços e que os dividisse, attendendo ás funcções especiaes de que teem de tratar, e que o Ministro, remodelando-as, no sentido em que foram reformadas em 1890 e 1891 a secretaria do Supremo Tribunal de Justiça e da Procuradoria Geral da Coroa, prestou um alto e valioso serviço, sem augmentar os encargos do Thesouro, antes diminuindo-os.

Na secretaria da Procuradoria Regia dos Açores não

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havia um unico funccionario que coadjuvasse o procurador regio.

Sei que os contrastavam, mas que eram pagos pela verba de expediente, e illegalmente.

Quadro não havia. Portanto, organizar a secretaria de forma a poder regularmente funccionar e incluir no respectivo quadro os empregados que existiam, visto terem prestado serviço e serem precisos, alem de acto de justiça, manifesta o desejo e a vontade de dizer verdadeiramente o estudo em que as repartições publicas se encontravam, e collocá-las em condições regulares e legaes. (Apoiados).

Disse mais S. Exa. que se cortou a esmo, que se foi ás verbas destinadas a transporte de presos e degredados, cujo numero todos os dias cresce, e se reduziram sem razão alguma para tal.

Mas então o illustre Deputado esquece-se que o Ministerio progressista publicou o decreto de 23 de março de 1899?!

S. Exa. esquece-se que ha um decreto da iniciativa do seu partido, que manda que os vadios e os degredados, que eram em grande parte os que absorviam o melhor da primeira verba, sejam transportados para o ultramar á custa do Ministerio do Reino?!

S. Exa. ignora isso?

Pois então, se não ignora que essas verbas estão inscriptas no orçamento do Ministerio do Reino, que não pertencem ao Ministerio da Justiça, para que é que censurou o deixarem de estar aqui?

Quer V. Exa. ver?

O artigo 2.° do decreto citado diz o seguinte:

«Os governadores civis, conforme as circumstancias, proporão ao Governo, pelo competente Ministerio, que os reus sejam admittidos a prestar fianças, ou internados na Escola Agricola Villa Fernando, ou recebidos nos trabalhos do Estado, ou transportados para o ultramar ou expulsos do reino».

Quer dizer pelo competente Ministerio.

Qual é elle?

É o Ministerio do Reino.

Tanto que a verba tem sempre sobejado.

Os documentos passados pela 4.ª Repartição de Contabilidade o attestam e confirmam.

Creio, pois, que o Ministro e a commissão calcularam bem, computando essa despesa em 9:000$000 réis.

Vamos agora a ver o que diz respeito á verba para transporte de presos pelas vias ferreas e maritimas.

Disse S. Exa.: «Eu sou juiz e muitas vezes tenho tido de pagar o transporte dos presos». Eu tambem algumas vezes lh'o paguei; mas as circumstancias variaram.

Pela legislação anterior á reforma do actual Ministro da Justiça, os presos iam de cadeia em cadeia até ao logar para onde eram destinados; hoje, porem, não succede assim.

Hoje podam ir pela via maritima ou em caminho de ferro, o que é mais barato, não só pelo que diz respeito aos transportes, mas tambem pelo que se refere ás subsistencias.

Vê S. Exa. que, d'essa verba, no anno passado sobejou um l conto de réis e tanto, e que este anno, nos nove meses de gerencia, apenas se gastaram 1:500$000 réis.

Creio, portanto, ter justificado plena e cabalmente a reducção d'esta verba, sem recorrer ao sophisma, absolutamente transparente, que S. Exa. quis fornecer-me - a abertura da Penitenciaria de Coimbra.

E acêrca d'esta cadeia, disse o Sr. Alpoim, que parece que os presos foram contratados de proposito para lá os introduzir, a fim de abrirem a Penitenciaria.

Desconhece S. Exa., que é juiz de direito, que os presos para poderem entrar numa Penitenciaria teem, alem de ser condemnados em penas cellulares, de ser sujeitos a um conselho penitenciario, que é composto dos primeiros funccionarios do país?!

Portanto, se S. Exa. não desconhece isto, como faz tal affirmação?

Que valor tem ella?!

Que significa?!

Disse ainda S. Exa. que na Penitenciaria só estavam dez presos.

É inexacto.

Saiba S. Exa. que não estão só lá 10 presos, estão 20; e quando não tinha nenhum, o Governo progressista pagava aos empregados?

O Sr. Ovidio de Alpoim: - Nesse tempo não se pagava a funccionario nenhum.

O Orador: - S. Exa. não pagaram, mas estava no orçamento a verba; e desde que esse orçamento fosse posto em vigor, S. Exas. haviam de pagar. (Apoiados). Cairam, antes do orçamento entrar em vigor.

De julho em deante haviam forçosamente de pagar. (Apoiados).

E se. esses empregados não foram pagos, foi porque o Sr. Ministro da Justiça, quando chegou ao poder, publicou um decreto, suspendendo a execução d'essa disposição de lei.

Se agora abriu e mandou satisfazer aos empregados, é porque a Penitenciaria pode funccionar e tem presos, o que não succedia em junho de 1900.

Disse ainda o illustre Deputado que o orçamento do Ministerio da Justiça não está completo, pois ha logares cuja retribuição não se sabe onde irá parar, por isso que o Governo pode fixar vencimentos sem dizer quaes elles serão, como acontece com um logar de photographo e de amanuense, que são criados no decreto que reorganizou as cadeias civis.

Se o Sr. Alpoim quisesse ler o artigo 85.° do regulamento das cadeias, o que não era grande trabalho, veria que o custeio d'esse serviço é feito segundo as forças do orçamento; portanto, pelas despesas variaveis, e até onde essa verba chegar.

Mas succede ainda que, tendo-se no Porto aberto concurso para o provimento d'esses logares, estipulou-se que o photographo ganhasse 600 réis diarios e que o amanuense ganhasse 500 réis, tambem diarios. Já vê S. Exa. que os ordenados não serão fabulosos.

S. Exa. ainda se referiu, sobre este assumpto, a algumas disposições d'esse artigo, fazendo commentarios variados.

O photographo é obrigado a tirar o retrato de todos os presos.

Todos! Dizia S. Exa.: Mas para que são tantas photographias? É para formar uma immensa galeria!

Esqueceu-se o Sr. Alpoim que os serviços anthropometricos são dirigidos pelo medico anthropologista, que indica os casos em que é necessario tirar as photographias e que dirige todo esse serviço.

Parece-me que dou a S. Exa. uma resposta clara e precisa ás suas considerações. (Apoiados).

Accrescentou o Sr. Deputado que a acção do actual Ministro da Justiça é absolutamente nefasta, e que o tem sido debaixo de todos os pontos de vista.

Não serei eu que produza allegações elogiosas acêrca das reformas publicadas pelo Sr. Ministro da Justiça; vou apenas apontar factos, que a Camara apreciará no seu soberano juizo.

Sr. Presidente: disse o illustre Deputado: «Tirou julgamentos ao jury para os dar aos juizes, calcando as liberdades».

Sr. Presidente: o partido progressista esteve no poder de 1897 a 1900, encontrou leis da responsabilidade do partido regenerador em que se tirava ao jury o julgamento de crimes, para o qual não tinha mostrado competencia; e o partido progressista, durante 3 annos, tendo tido por

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titulares da pasta da Justiça dois Ministros, qual d'elles o mais illustre em affirmações de liberaes convictos, não revogou nenhuma d'essas leis! Porque não sacrificou essas leis ao altar da liberdade, e vem agora entoar canticos em nome d'ella?!

Mas, Sr. Presidente, quando no anno passado aqui se discutiu a reforma do julgamento dos réus implicados em crimes de moeda falsa, o illustre Deputado, recordo-me muito bem, solicitou do Ministro que fizesse julgar pelo Tribunal Collectivo todos os crimes, cujo julgamento tenha sido tirado ao jury para ser entregue a um juiz singular, e S. Exa. affirmou que essa doutrina era a mais acceitavel e tal diploma de todos o mais perfeito. Isto consta do Diario das Sessões; e vem agora dizer que a forma do julgamento collectivo, que é adoptado nos países mais civilizados, aquella que o partido progressista adoptara para o contencioso administrativo e para os crimes de abuso de liberdade de imprensa, é um attentado contra a liberdade e um retrocesso no nosso direito criminal!!

Se era bom então, qual é o motivo por que o illustre Deputado faz agora esta affirmação? Se era mau, porque foi que o illustre partido, a que S. Exa. pertence, não teve a iniciativa da revogação d'aquellas leis? Porque foi que adoptou os Tribunaes Collectivos?

Francamente, não comprehendo.

A opinião do illustre Deputado eu posso contrapor ainda as palavras que ainda ha pouco foram proferidas nesta casa pelo Sr. Arthur Montenegro, um dos homens mais illustres do partido progressista, lente da Universidade, dos mais distinctos, que não teve duvida em declarar que na organização do Ministerio Publico havia muitas disposições com que elle concordava, havia vantagens importantes, pelo menos a da codificação.

Sr. Presidente: publicaram-se, pela pasta da Justiça, varios diplomas; são todos maus, indefensaveis; teem disposições levianas; não attendem á boa administração da justiça nem á commodidade dos povos; e, no entretanto, Sr. Presidente, o partido progressista, onde ha distinctos jurisconsultos, não os tem impugnado?!

Qual a razão? Sr. Presidente: eu não posso pensar que elles não tenham tempo nem paciencia para tratar aqui dos interesses do país, apreciando as leis, atacando o que é mau, profligando o que é injusto, insurgindo-se contra o que é inconveniente.

Portanto, tenho de concluir que o illustre Deputado, não tendo nada no orçamento para atacar o Sr. Ministro da Justiça, foi procurá-lo nas obras publicadas no intervallo parlamentar; mas não produziu senão declamações banaes, sem valor o sem justificação.

Não apresentou nenhum argumento ou razão para mostrar que o Ministro da Justiça não tinha tido intenção de melhorar os serviços, sem augmentar a despesa, e que o não tenha conseguido, antes o contrario se conclue da carancia de impugnação por parte do partido progressista.

Sr. Presidente: fez-se uma reforma do Ministerio Publico, instituição que estava regulada por um diploma de 1835, e por uma enormidade de decretos, leis, portarias e circulares, com cuja multiplicidade já ninguem se entendia!

Pois, Sr. Presidente, melhorou-se a situação d'esses magistrados, concedeu-se-lhes direitos e garantias que elles não tinham, e de que gozavam os seus parallelos; e tudo isto se fez sem augmento de despesa!

Diz-se «augmentou-se a despesa com o quadro do Ministerio publico, já lá está um delegado...»

Mas d'antes, não havia delegados nessa situação? Havia. Tendo-se impossibilitado para exercer o seu serviço, o Estado não os despedia, porque seria cruel, mas fazia a substituição, pagando a um e pagando a outro.

O Sr. Beirão regulou essa situação no decreto de 1897: qualquer delegado, quando impossibilitado, podia ser substituido nas suas funcções por um individuo habilitado com concurso, que vencia apenas a terça parte do ordenado.

Comprehende-se que ganhando somente 166$000 réis, não havia ninguem que se prestasse a exercer as arduas funcções de delegado do procurador regio.

E que fazia o antecessor do actual Ministro da Justiça? Nomeava um delegado em commissão para exercer aquelle logar e pagava a um e pagava a outro. Hoje está regulado este assumpto; para se entrar porem na situação da inactividade é necessario exame medico feito longe da Secretaria do Ministerio da Justiça e longe das influencias do Ministro da Justiça.

Relativamente ao quadro da magistratura judicial, reduza-se a verba, porque o Ministro deve collocar os juizes aptos para o serviço, propõe o Sr. Deputado.

Qual a lei que manda fazer essa collocação?

É o que o Sr. Alpoim não disse. Queria naturalmente agora que fizessemos como o partido progressista que reduziu essa verba, tendo augmentado immensamente o numero de juizes no quadro, vendo-se obrigado a recorrer a importantes creditos extraordinarios para pagar?

Sabe V. Exa. quanto marcava o orçamento de 1899 a 1900 para esse fim? Menos 10:000$000 réis do que marca o actual.

Foi o Sr. Ministro da Justiça, que no anno passado propôs, que se augmentasse a verba em 15:000$000 réis. Será ainda talvez escassa, mas esta despesa é por sua natureza variavel.

As transferencias de situação, assim como as aposentações e os fallecimentos, podem determinar uma differença enorme de anno para anno, e tanto assim é, que a despesa que hoje se faz é menor, como S. Exa. pode verificar, do que a que se fazia no tempo anterior ao Sr. Ministro da Justiça.

Mas, mais ainda.

O numero de collocações no quadro, demonstra bem a melhoria que nestes serviços se tem introduzido. De 1898 a 1899, sabem V. Exa. quantos, juizes passaram ao quadro de magistratura judicial? Dezaseis.

De 1899 a 1900 quinze; no anno seguinte, apenas nove, e neste anno, nos nove meses da gerencia, seis. Portanto, vê-se que a despesa tende a diminuir.

Creio ter demonstrado absoluta e completamente que, como disse no principio das minhas considerações, nenhum dos argumentos do Deputado que me precedeu se firmava solidamente em bases de razão e de justiça.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado).

O Sr. Presidente: - Está nos corredores da Camara o Sr. Deputado Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti.

Convido os Srs. Alexandre Cabral e Francisco José Machado a introduzirem S. Exa. na sala.

Foi introduzido, prestou juramento e tomou assento.

O Sr. Francisco de Medeiros: - Sr. Presidente: começo por felicitar bem sinceramente o illustre orador que me precedeu, o meu amigo Sr. Alberto Navarro.
Foi a primeira vez que o ouvi orar no Parlamento, e merece os meus mais justos encomios pelo seu excellente discurso.

Sr. Presidente: o Sr. Navarro falou em ultimo logar das reformas recentemente effectuadas pelo Ministerio da Justiça, e, referindo-se ao aviso previo que o Sr. Montenegro, meu distincto e, dilecto amigo, e notabilissimo orador, realizou hoje nesta Camara acêrca da reforma do Ministerio Publico, felicitou se S. Exa. pela forma elevada com que este illustre Deputado versou esse assumpto.

O discurso do Sr. Dr. Montenegro merece em verdade o mais alto apreço.

Occorre-me, porem, neste momento, fazer uma leve observação a proposito d'esta reforma.

Não digo que ella não seja razoavel; tem muitas cousas boas, e algumas com que não concordo; mas porque o

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nobre Ministro da Justiça, que aliás não trabalhou mal na reforma do Ministerio Publico, deixou de realizar por completo o seu pensamento reformador, ficou a seguinte anomalia verdadeiramente extraordinaria nos serviços da justiça.

Pela reforma do Ministerio Publico foram classificadas as comarcas para os delegados do procurador regio, como para os juizes do direito, em 1.ª, 2.ª e 3.ª classe.

Os delegados do procurador regio são sempre despachados para comarcas de 3.ª classe, sendo promovidos depois para as de 2.ª e d'estas ás de 1.ª classe.

Dado o actual movimento judiciario, não pode um delegado do procurador regio ser promovido da 3.ª á 2.ª classe, com menos de 5 annos de serviço, e não pode ser promovido da 2.ª para a 1.ª classe com menos de 3 annos de serviço, do Ministerio Publico.

Ora, Sr. Presidente, actualmente pelo decreto de 29 de março de 1890, os delegados do procurador regio podem ser despachados juizes do direito com 3 annos de serviço!

E aqui está a anomalia a que alludi: um delegado do procurador regio não pode ser promovido á 2.ª classe com menos de 5 annos e á 1.ª classe com menos de 3 annos de serviço e todavia pode ser nomeado juiz de direito com 3 annos, apenas, do serviço do Ministerio Publico!...

(Orador dirigindo-se ao Sr. Deputado Navarro:)

Escusa. Exa. de acenar com a cabeça como quem duvida; esta é a verdade, e não é o illustre Deputado capaz de demonstrar o contrario, porque são assim as cousas. (Apoiados).

Isto provém certamente de o nobre Ministro da Justiça não completar as reformas que intentava. Eu desejo ser justo sempre: se S. Exa. tivesse feito a reforma judiciaria, com relação aos juizes, certamente proveria acêrca do caso; como, porem, não fez esta reforma, deixou ficar aquella anomalia verdadeiramente extraordinaria.

Faço esta observação para que o illustre Ministro da Justiça na reforma judicial, que terá de effectuar, mais cedo ou mais tarde, e para a qual tem saber e talento de sobra, não deixe de considerar este assumpto.

Tratemos agora do Orçamento, cuja discussão é a principal funcção dos Parlamentos. E referindo-me ao orçamento do Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, fá-lo-hei sans rancune, porque sou amigo do nobre Ministro da Justiça, cujos altos meritos o caracter muito apprecio e respeito, mas tambem sem me influenciar d'essa amizade, porque quero e em todo o caso é dever meu ser junto.

O Sr. Navarro disse-nos que o orçamento do Ministerio da Justiça estava feito, segundo as regras da justeza e da precisão possiveis em tal assumpto!!

Pois, Sr. Presidente, ha bem pouca justeza e bem pouca precisão na organização d'este documento, sujeito agora ao nosso exame. (Apoiados).

O Sr. Ministro da Justiça e a illustre commissão do orçamento calcularam as despesas do Ministerio da Justiça no orçamento de 1902-1903 em menos 3:384$000 réis do que estavam calculadas no orçamento de 1900-1901!

Mas, Sr. Presidente, isto não é exacto.

E eu vou demonstrar os meus assertos.

Quando se discutiu a interpellação do Sr. Alpoim sobre o uso, ou melhor sobre o abuso, das auctorizações parlamentares, o Sr. Presidente do Conselho disse que, era contrario das accusações da opposição, fizera o Governo notaveis economias na reorganização dos serviços.

O nobre Ministro da Justiça quis seguir na esteira do Sr. Presidente do Conselho o arranjou o orçamento do seu Ministerio de forma que, apesar do alargamento dos quadros do respectivo pessoal, houvesse uma economia de 3:334$000 réis.

Entretanto esta economia não é verdadeira pelas seguintes razões: 1.ª, porque o Governo não devia ter decretado algumas despesas, que no orçamento são incluidas; 2.ª, porque não introduziu no orçamento diversas despesas que decretou; 3.ª, porque fez determinadas diminuições de despesa, que o serão apenas no papel; 4.ª e ultima, por que o Governo não calculou bem algumas despesas escripturadas, que excederão em muito as suas previsões. (Apoiados).

Assim as despesas reaes hão de ir muito alem das faculdades orçamentaes.

Vamos á demostração.

No orçamento em discussão para o exercicio de 1902-1903 estão descriptos, alem de outros, os seguintes augmentos de despesa com relação ao orçamento de 1901-1902:

1.° - Criação de um logar de segundo official e de outro de amanuense na Secretaria de Estado dos Negocios eclesiasticos e de Justiça, 740$000 réis.

2.° Criação de mais 4 conegos na Sé de Lisboa, e mais 3 conegos na Sé de Angra e mais um capellão cantor na Sé de Lisboa, 4:091$740 réis.

Note-se que no orçamento de 1900-1901 havia 13 conegos em Lisboa, 4 em Angra, e 11 capellães cantores em Lisboa; no orçamento de 1901-1902 havia 12 conegos em Lisboa, 4 em Angra, e 13 capellães cantores em Lisboa; e no orçamento de 1902-1903 ha l6 conegos em Lisboa, mais 4 que no orçamento anterior, - 7 conegos em Angra, mais 3 que no orçamento anterior, - e mais um capelista cantor em Lisboa.

O Sr. Beirão: - Como no Conservatorio ha mais musica, não admira que haja mais quem cante.

O Orador: - Certamente; e quem dança é o contribuinte. Mas consignamos que só com conegos e capellães cantores se augmentou a despesa em 4:091$000 réis. (Apoiados).

3.° - Augmento de ordenado a 2 amanuenses da relação de Lisboa, a 2 amanuenses da relação do Porto e ao secretario da relação dos Açores, e criação de um amanuense nesta relação, 580$000 réis.

Tal despesa vem do decreto de 23 de novembro de 1901, que reformou as secretarias das presidencias das relações. E a tal respeito dá-se a seguinte cousa curiosa:

Por este decreto foram extinctos em cada uma das ditas relações 2 logares de guardas menores e 2 logares de officiaes de diligencias, sendo criados em cada uma das relações do continente l logar de continuo e outro de correio, e na relação dos Açores 2 logares de amanuenses e l de continuo.

Pois, Sr. Presidente, lendo-se o orçamento em discripção e que foi organizado depois de promulgação d'aquelle decreto, observa-se que estão escripturados nelle os ordenados respeitantes aos extinctos logares de guardas menores e de officiaes de diligencias das Relações, o que não são mencionados ahi os ordenados dos continuos e correios e de um dos amanuenses novamente criados. Uma perfeição isto! (Apoiados).

Ha mais: pelo citado decreto de 23 de novembro ultimo foram supprimidos os logares de officiaes de diligencias das Relações. A funcção, porém, que ellas exerciam subsiste ainda conforme o disposto no artigo 69.º da novissima reforma judiciaria, e tem a respectiva remuneração no artigo 16.° da actual tabella dos emolumentos e salarios judiciaes. E com tudo o decreto não diz quem ha de, pela extincção dos officiaes de diligencias, exercer a funcção que elles exerciam o que ficou subsistindo. Outra perfeição! (Apoiados).

4.° - Augmento do ordenado aos officiaes de diligencias criminaes de Lisboa e Porto, 420$000 réis.

5.° - Augmento de ordenado a 2 amanuenses da Procuradoria Rugia de Lisboa e a l amanuense da Procuradoria Regia do Porto, e criação dos logares de secretario, amanuense e continuo da Procuradoria Regia da Relação dos Açores, l:020$000 réis.

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SESSÃO N.° 39 DE 18 DE MARÇO DE 1902 11

Note-se que na Procuradoria Regia dos Açores nunca até ao decreto de 23 de novembro ultimo, houve qualquer funccionario alem do procurador regio. Tendo, porem chegado o anno das notaveis economias de 1901, foi logo essa procuradoria regia dotada com mais l secretario, 1 amanuense e l continuo. Não haverá aqui excesso de funccionalismo? (Apoiados).

6.° - Criação de logares novos, e augmento dos ordenados descriptos na Casa de Correcção de Lisboa, réis l:820$000.

7.° - Subsidio ás associações de patronato aos presos segundo o regulamento das cadeias de 21 de setembro ultimo, 1:000$000 réis.

Estas despesas são todas da responsabilidade immediata e completa do illustre Ministro da Justiça, que as decretou no interregno parlamentar, e importam em réis 9:671$740.

Não é quantia excessivamente avultada, mas para economia notavel não vae mal. (Apoiados).

Eu não discuto, Sr. Presidente, se esta despesa é bem feita ou mal feita, só isto devia ou não effectuar-se, assim no todo ou ao menos em parte, ou se nada d'isto deveria fazer-se. Não discuto isso, lembrando em todo o caso que nada ha mais inutil do que um conego, e todavia o illustre Ministro nomeou novamente mais sete conegos, tantos como os peccados mortaes; e o que só me basta consignar é que, antes das reformas feitas pelo illustre Ministro da Justiça, estas despesas não se faziam, sendo ellas criadas e decretadas pelo actual Governo! (Apoiados).

Repito: para economia notavel não é mau.

Sr. Presidente: no orçamento do Ministerio da Justiça não figura, por completo, a despesa com a Escola Agricola Correccional de Villa Fernando, e somente a quantia de 14:786$486 réis, que é com quanto entra o orçamento para essa despesa, calculada em 30:000$000 réis no relatorio do decreto de 17 de agosto ultimo.

Sabe a Camara quanto se gastava com o quadro do pessoal da Escola Agricola Correccional de Villa Fernando antes da reforma, que nella operou o illustre Ministro da Justiça pelo citado decreto de 17 de agosto de 1901? Gastavam-se 5:380$000 réis.

E sabe quanto se gasta hoje? A quantia de 7:764$000 réis.

Augmentou, portanto, a despesa em 2:384$000 réis com o pessoal do respectivo quadro.

Tambem não é mau como economia notavel. (Apoiados).

A situação financeira d'este importante estabelecimento correccional era prospera e mesmo excellente ao tempo do citado decreto de 17 de agosto ultimo. E agora, depois da promulgação d'este diploma, digo ao Sr. Ministro da Justiça, para quem, politica á parte, tenho sempre a minha melhor boa vontade pessoal, que desejo bem sinceramente que a Escola Agricola Correccional de Villa Fernando, depois da sua reforma, prospere o frutifique como d'antes.

Oxalá que assim aconteça; mas parece-me que ali ha já luxo excessivo no quadro do pessoal, gastando-se mais dinheiro do que se devia gastar.

Antigamente pagava-se ao medico a gratificação insignificante de 100$000 ou 200$000 réis, e agora criou-se um logar especial de medico, com o ordenado de 800$000 réis; antigamente era o agronomo do districto que intervinha nos serviços agronomicos da colonia, recebendo por isso uma gratificação de 100$000 réis, e agora criou-se um logar especial de agronomo com o ordenado de réis 600$000; alem de dois escripturarios que já havia, foi criado mais um escripturario-agricola com o ordenado de 216$000 réis; os vencimentos de diversos funccionarios foram sensivelmente augmentados, etc.

Parece-me luxo de mais no pessoal; e oxalá que a este luxo não se siga outro igual na administração.

Que a Colonia Agricola Correccional de Villa Fernando continue a prosperar. Faço votos sinceros nesse sentido. Falemos agora de algumas verbas de diminuição de despesa constantes do orçamento.

Primeira verba, a terça parte do ordenado a dois juizes da Relação de Lisboa, 1:066$660 réis.

Esta é uma das economias que se dizem feitas pelo illustre Ministro. Mas aqui ha um equivoco certamente, porque, se no anno economico actual sairam da Relação de Lisboa dois juizes, que tinham o terço, os Srs. Eduardo de Serpa e Francisco Mattozo, tambem foi despachado para ella um juiz que igualmente tinha o terço, o Sr. Costa e Almeida.

Logo aqui ha um erro no orçamento; em logar da diminuição de despesa em 1:066$660 réis, ha somente a de 533$330 réis.

Mas ha mais verbas a rectificar no orçamento com relação a este assumpto, o que mostra que elle não foi feito com a maxima justeza e precisão allegadas pelo Sr. Dr. Navarro.

Por exemplo, para a Relação de Lisboa calculou-se o terço do ordenado para 13 juizes somente; mas isto está errado, porque são 14 e não 13 os juizes da mesma Relação que teem o terço do ordenado.

Mais outro erro a rectificar.

Na Relação dos Açores foi escripturado no orçamento o terço para todos os juizes do tribuna!; mas não devia ser assim, porque a um d'esses juizes, o Sr. Dr. Coelho da Rocha, ainda não foi concedido o terço, apesar de ter direito a elle!

Ainda outro erro a rectificar. No orçamento foi escripturado o terço de todos os juizes da Relação do Porto; e todavia, é certo, que ao Sr. Conselheiro Dias de Oliveira, actual presidente do mesmo tribunal, o mais antigo juiz de 2.ª instancia e o primeiro a ser promovido ao Supremo Tribunal de Justiça, ainda não foi concedido o terço, apesar do ter direito a elle e de o haver requerido!

Sr. Presidente: a respeito do terço dos magistrados judiciaes, permitta V. Exa. que faça algumas breves considerações.

Começo por declarar que eu já tenho o terço, e por isso em tudo quanto disser a tal respeito, não advogarei, é claro, pro domo mea. (Apoiados). A mim e a outros collegas meus na magistratura judicial foi-nos concedido o terço, porque já tinhamos direito a elle ao tempo da publicação da lei de salvação publica de 26 de fevereiro de 1892, e uma lei posterior declarou que a publicação d'aquella não alcançava os magistrados que estavam em taes circumstancias.

Se assim não fôra, teria reservas iguaes ás do nosso distincto collega o meu amigo o Sr. Poças Falcão, que nem publica nem particularmente fala d'este assumpto.

Eu collaborei, Sr. Presidente, com o extincto estadista Lopo Vaz de Sampaio e Mello em alguns dos seus decretos dictatoriaes de 29 de março de 1890, apesar de ser então progressista, como o fôra antes, como o continuei a ser depois, pois que eu fui sempre progressista e á agora assim morrerei, seja bem, seja mal, parecendo-me em todo o caso que é bem.

O meu amigo Lopo Vaz quis ouvir a minha opinião acêrca do assumpto d'esses decretos, quis dar-me essa prova de amizade e consideração. Mas, qualquer que fosse minha collaboração em alguns d'esses decretos, elles eram tão inteiramente seus, como é certo que eu depois combati no Parlamento algumas das suas disposições, com as quaes nunca me conformei.

Acêrca da remuneração dos juizes disse-me Lopo Vaz que regulasse esse assumpto, não sendo tão apertado como era o Sr. Beirão na sua proposta de reforma judiciaria, mas não sendo tambem um mãos rotas como se dizia serem os regeneradores.

Conforme estas indicações, calculei os ordenados dos

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

juizes, como elles constam do respectivo decreto n.° 4, de 29 de março de l890, fixando os dos juizes da Relação em 1:600$000 réis.

O Sr. Beirão proposera 1:500$000 réis, e eu dava-lhes mais 100$000 réis; não havia exagero evidentemente.

Não era tão apertado como o Sr. Beirão, mas tambem não era tão largo como os regeneradores.

Apresentei essas indicações a Lopo Vaz e elle disse-me: acho bem em geral, mas talvez seja diminuto o ordenado dos juizes de 2.ª instancia. Observando-lhe eu, porem, que o ordenado de 1:600$000 réis para estes juizes não era pequeno, porque todos elles tinham o terço por diuturnidade de serviço, terço que a lei vigente lhes garantia, que a proposta do Sr. Beirão lhes reconhecia, o que eu propunha tambem. Lopo Vaz concordou então em tudo isso. E assim foi decretado.

Aqui tem V. Exa. que o terço para os magistrados judiciaes com mais de 20 annos de serviço não era um bonus, fazia parte integrante do seu ordenado; era substancia d'esse ordenado, que se não fôra o referido terço, seria certamente fixado em mais de 1:600$000 réis.

Depois d'isso veiu a lei de salvação publica, de 26 de fevereiro de 1892, a qual, suspendendo a concessão do terço aos magistrados judiciaes, foi inteiramente feroz para com os juizes de 2.ª instancia. Essa lei, ou antes o Sr. Dias Ferreira, que era o Cesar d'aquelle momento historico, de uma só vez, de um só golpe, de um só arranque impõe aos magistrados judiciaes, que attingissem 20 annos de serviço, dois sacrificios enormes: negando-lhes o terço, que era complemento do seu ordenado, e impondo-lhes a contribuição de 20 por cento sobre o resto.

Quer dizer, fez-se no ordenado dos juizes de 2.ª instancia uma reducção, que importa em 853$000 réis, ficando elles limitados ao vencimento mensal de 100$000 réis approximadamente.

Ninguem soffreu então em Portugal como os funccionarios publicos, e principalmente os juizes de 2.ª instancia; e todos elles teem soffrido calada e resignadamente.

Eu não venho apresentar qualquer proposta a este respeito. E não a apresento por uma simples razão: porque me impus a obrigação de não concorrer para se augmentarem as despesas publicas neste momento; mas falo nisto, porque ha injustiças que nunca prescrevem, e esta injustiça ha de ser reparada, hoje ou amanhã, mais cedo ou mais tarde.

Continuemos na exposição das diminuições de despesa.

A diminuição na verba de expediente na Secretaria dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, é de 450$000 réis.

O Sr. Ovidio de Alpoim no seu ultimo, discurso brilhante como todos os seus, porque todos elles são a manifestação do seu elevado e culto espirito, referiu-se já largamente a este assumpto.

Por sua vez o illustre relator do orçamento do Ministerio da Justiça, o Sr. Alberto Navarro, fez a este respeito as ponderações que entendeu dever fazer.

Esta porta está para mim fechada; mas sempre desejava que me dissessem qual a razão por que no expediente, da Secretaria dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça se diminuiram 450$000 e não 400$000 ou 500$000 réis numeros redondos, ficando escripturada no orçamento a quantia esquinuda de 5:050$000 réis, quando nos dois orçamentos anteriores era de 5:500$000 réis a respectiva verba. Parece que se obedeceu á preoccupação de mostrar que não foi feita a dedo esta economia, que a final ficará só no papel.

Outra diminuição de despesa, a da quantia de 810$000 reis no expediente, das procuradorias regias de Lisboa, Porto e Açores.

No orçamento de 1900-1901, assignado pelo Sr. Alpoim, esta verba era de 1:850$000 réis; no orçamento de 1901-1902, já assignado pelo Sr. Campos Henriques, augmentou-se esta verba do expediente com mais 100$000 réis, ficando então elevada a 1:950$000 réis.

E immediatamente, no orçamento em discussão para o exercicio de 1902-1903, essa verba de desposa, que no orçamento anterior fôra augmentada pelo Sr. Campos Henriques, é agora diminuida em 810$000 réis pelo mesmo Sr. Campos Henriques.

Nem podia deixar de ser assim, porque era forçoso mostrar que o Governo fizera notaveis economias! (Apoiados).

Vamos ao transporte de degradados, artigo este, em que no orçamento em discussão se faz uma diminuição de despesa na importancia de 4:000$000 réis.

Nos orçamentos de 1900-1901 e 1901-1902 foi esta verba de 13:000$000 réis; no orçamento actual para o exercicio de 1902-l903 esta despesa é escripturada apenas em 9:000$000 réis. A differença é grande.

Qual é a causa d'ella?

Talvez se queira explicar isto pela abertura o funccionamento da penitenciaria de Coimbra; mas tal explicação não procede, porque a penitenciaria de Coimbra já nos Orçamentos de 1900-1901 e 1901-1902, tinha exactamente a mesma dotação, que tem no orçamento actual, e todavia a verba de despesa para transportes de degredados era naquelles dois orçamentos de 4:000$000 réis mais que no orçamento em discussão.

Ora, a não ser por este motivo, eu não sei como se pode diminuir de um momento para o outro a quantia de réis 4:000$000 no transporte de degredados.

De mais: na penitenciaria de Coimbra estão 10 ou 12 presos apenas...

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Já lá estão 20.

O Orador: - Ainda mesmo assim: o internato d'esses 20 presos na penitenciaria de Coimbra não explica aquella diminuição de despesa nos transportes de degredados; tanto mais que nos orçamentos anteriores essa penitenciaria estava já dotada como agora o é.

O que parece, é que a verba foi assim escripturada por causa das notaveis economias; que de rosto a despesa ha de continuar a fazer-se como d'antes. (Apoiados).

Temos ainda outra verba de diminuição de despesa, da importancia de 500$000 réis, no transporte de presos pela vias ferreas e maritimas.

Ora, com relação a esta despesa nos tres orçamentos a que me tenho referido, dá-se o mesmo caso occorrido com relação á anterior verba de despesa. No ultimo orçamento do Sr. Alpoim, de 1900-1901, esta verba era de 5:000$000 réis; no primeiro orçamento do Sr. Campos Henriques, de 1901-1902, foi tambem de 5:000$000 réis; e no actual orçamento de 1902-1903, o mesmo Sr. Campos Henriques reduz esta despesa a 4:500$000 réis.

Não sei a razão por que isto se fez e qual o criterio a que se obtemperou para tal, a não ser o das notaveis economias do que nos falou o nobre Presidente do Conselho, zombando com o paiz.

E a proposito de economias: não se poderia fazer uma economia a valer, supprimindo a Relação dos Açores?

Eu não proponho a suppressão da Relação dos Açores, que seria isso clamar no deserto ou antes lançar palavras ao vento. Se tal fizesse, até os cabellos se ouriçariam aqui ao meu vizinho o amigo Sr. Pôças Falcão. E eu não me quero pôr mal com este distincto açoriano.

Mas, ao menos seja-me licito ponderar que a Relação dos Açores podia ser organizada do outro modo, reduzindo-se o numero dos seus juizes a 5, que eram os bastantes para o serviço judicial e collocando se os restantes na Relação do Porto, onde são muito precisos. (Apoiados).

Na Relação dos Açores não são precisos tantos juizes como ha, e no Porto os que lá estão não chegam para as necessidades e regular expediente do serviço judicial. (Apoiados).

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Era esta uma reforma, com que, sem augmento de despesa, o illustre Ministro da Justiça prestava um importante serviço ao país. (Apoiados).

E a proposito d'isto, vou expor á Camara alguns dados estatisticos, que por diligencias particulares obtive dos secretarios das presidencias das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça.

Nos tres annos judiciaes de 1897-1898, de 1898-1899, e de 1899-1900 foram distribuidos no Supremo Tribunal de Justiça 2:356 processos, ou sejam 785 por anno, pretencendo assim na distribuição 5 l/2 processos por mês a cada um dos 12 conselheiros, que julgam o que de tal modo e pela sua interferencia noutros processos, como adjuntos, terão de fazer não menos de 30 julgamentos por mês cada um d'elles, ou seja um por dia. E isto com mais de 70 annos de idade!...

Nos mesmos tres annos judiciaes de 1897-1900 foram distribuidos na Relação de Lisboa 3:587 processos, ou sejam 1:196 por anno, pertencendo assim na distribuição 5 1/2 processos por mês a cada um dos 18 juizes do tribunal, que julgam. Estes juizes, por isso e pela sua interferencia noutros processos como adjuntos e nos embargos aos accordãos, não intervirão cada um d'elles em menos de 35 julgamentos por mês.

Emquanto á Relação do Porto foram nos referidos tres annos judiciaes de 1897-1900 distribuídos ali 5:423 processos, ou sejam l:808 por anno. Pertenciam na distribuição 8 1/2 processos por mês a cada um dos 18 juizes do tribunal, que julgam, e que, pelas razões já ponderadas acêrca dos outros tribunaes, intervirão cada um d'elles em 50 ou 60 julgamentos por mês. É muito! (Apoiados).

Pois, Sr. Presidente, na Relação dos Açores e nos ditos tres annos judiciaes foram distribuidos 448 processos, isto é, 149 por anno, o que dá para cada um dos 8 juizes do tribunal l 1/2 processo por mês, na distribuição, e a sua intervenção em 9 julgamentos por mês, apenas. É muitissimo pouco na verdade! (Apoiados).

Isto mostra como se podiam tirar a esta, relação 3 juizes ou sejam 3 d'aquelles 8 conegos judiciaes, para os collocar em tribunaes onde são tão necessarios, e onde a accumulação de serviço é tanta que, apesar de se trabalhar ahi afincadamente, não ha meio de pôr este em dia. (Apoiados).

Esta idéa, que aponto ao illustre Ministro da Justiça, é pois de grande opportunidade.

Sr. Presidente: esta relação dos Açores devia ainda servir para outro fim, para passagem dos juizes de segunda instancia que viessem do ultramar para a magistratura judicial do reino, os quaes não deviam de ser collocados nas relações do Porto e Lisboa sem terem servido na relação dos Açores por dois annos ao menos.

Não fundamento nem desenvolvo esta indicação por ser assumpto estranho ao orçamento; mas fica feita já, para quando porventura se tratar do assumpto.

Ainda a proposito das reformas de justiça, muito de passagem lembrarei ao Sr. Conselheiro Campos Henriques a necessidade que ha e tão instante de uma providencia tendente a acabar com o estado anarchico da jurisprudencia nos tribunaes. (Apoiados).

V. Exa. sabe que nos tribunaes de primeira e segunda instancia e mesmo no de revista são frequentemente julgados os mesmos pontos juridicos de maneiras diversas.

O Sr. Alpoim, bem inspirado, como em regra sempre foi na sua administração, publicou um decreto, nomeando uma commissão, que se encarregasse de colligir as divergencias que houvesse a este respeito, e de propor as medidas que fosse necessario trazer ao Parlamento, para depois se resolver com força de lei aquellas duvidas que nos tribunaes apparecessem.

Já que o Sr. Conselheiro Alpoim não teve tempo para completar a realização do seu proposito, bom era que o Sr. Campos Henriques seguisse na mesma esteira e
trouxesse ao Parlamento uma proposta de lei tendente a determinar que o Supremo Tribunal de Justiça, em secções reunidas, resolvesse as duvidas que sobre a interpretação das leis ha nos tribunaes, e que estas decisões do Supremo Tribunal de Justiça, em sessão plena, tivessem força obrigatoria para os tribunaes, emquanto o Parlamento não interpretasse authenticamente as leis de outro modo, no desempenho da attribuição constitucional que ao poder legislativo é conferida no artigo 15.°, § 6.°, da Carta Constitucional.

Antigamente havia entre nós, como se sabe, a Casa da Supplicação, que, alem das funcções propriamente judiciaes, tinha a attribuição importantissima de uniformizar a jurisprudencia por meio de assentos, que tinham força de lei.

Isso, porem, não existe hoje. A attribuição de interpretar authenticamente as leis pertence agora ao poder legislativo, e não se pode invadir esta attribuição do poder legislativo, porque é constitucional. Mas em todo o caso, o que se podia fazer, sem offensa da constituição politica, era attribuir força obligatoria ás decisões do Supremo Tribunal de Justiça em secções reunidas sobre pontos juridicos controvertidos, para assim todos nós sabermos como é que se havia de julgar, e para os interessados saberem quaes eram os seus direitos.

Taes decisões valeriam e obrigariam emquanto o poder legislativo não interpretasse de outro modo a lei. E para se dar satisfação a todos os escrupulos devia determinar-se que todos os annos o Ministro da Justiça sujeitasse á sancção parlamentar aquellas resoluções do Supremo Tribunal de Justiça sobre os alludidos pontos juridicos controvertidos nas contrarias senteças judiciarias.

Sr. Presidente: vou agora referir-me a algumas verbas de despesa calculadas no orçamento em muito menos do que a despesa real.

Por exemplo, as despesas variaveis da Penitenciaria de Lisboa são calculadas no orçamento de 1902-1903 em 98:828$00 réis. Esta mesma verba era a que já constava dos orçamentos de 1900-1901 e de 1901-1902.

Mas quer a Camara saber quanto se gastou com as despesas variaveis da Penitenciaria de Lisboa, com relação á gerencia de 1900-1901?

Em logar de 98:000$000 réis, 143:000$000 réis! E esta ultima importancia é, com pequenas differenças de anno para anno, a despesa regular de todos os annos.

Pois, não obstante estar averiguado no Ministerio da Justiça que a despesa da Penitenciaria de Lisboa é sempre muito maior do que aquella que consta do orçamento, a verba inscripta é sempre a mesma todos os annos, tendo de se supprir depois por creditos especiaes a falta de réis 45:000$000 approximadamente em cada anno.

Com relação ás despesas variaveis de cadeias das comarcas do reino a verba inscripta no orçamento de 1900-1901 foi de 90:500$000 réis. Sabe V. Exa. quanto se gastou a mais neste anno? 24:500$000 réis. Pois apesar d'isto e da despesa importar ordinariamente cada anno em 115:000$000 réis, nos orçamentos seguintes de 1901-1902 e de 1902-1903 só foi escripturada a desposa de réis 95:500$000.

Emquanto ás despesas variaveis das cadeias do Porto, quer V. Exa. saber quanto se gastou a mais alem da verba orçamental no exercicio de 1900-1901? A quantia de 3:000$000 réis. No anno actual, segundo me consta, já está esgotada a respectiva verba orçamental. E todavia tem continuado sempre a figurar do chapa nos orçamentos para os exercicios de 1900-1901, de 1901-1902 e de 1902-1903 a mesma quantia de 11:187$000 réis.

Relativamente aos juizes do quadro, no orçamento de 1900-1901 foi calculada a despesa em 30:000$000 réis. Sabem quanto se gastou? 60:000$000 réis. Pois no orçamento de 1901-1902, e agora neste para o exercicio de 1902-1903, a respectiva verba é descripta de chapa em

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14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

44:806$659 réis apenas, sendo evidentemente maior a desposa real.

Sr. Presidente: no ornamento de 1892-1893 a despesa calculada do Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça foi de 997:804$229 réis; e no orçamento em discussão para 1902-1903 a desposa calculada é de réis l.077:457$592. Augmentou-se, portanto, a despesa segundo estes dados em 80:000$000 réis em dez annos.

Mas esse augmento ainda é maior, porque muito maior será a despesa para o exercicio de 1902-1903 do que aquella de 1.077:457$592 réis.

Ha despesas orçadas, que serão muito excedidas pela realidade das cousas, como demonstrei já, e irreductivelmente, a proposito de algumas verbas. (Apoiados).

Não estão escripturadas algumas despesas legaes, como são as respeitantes aos postos anthropometricos de Lisboa, Porto e Coimbra, criados pelo regulamento das cadeias, de 21 de setembro de 1901, aos quaes se referiu largamente o Sr. Ovidio de Alpoim; como são as despesas attinentes aos logares de continuos e correios das secretarias das Procuradorias Regias de Lisboa e Porto e de mais um amanuense d'esta Procuradoria Regia, logares criados pelo decreto de 29 de novembro ultimo; como são as despesas referentes a alguns logares criados ultimamente pelo Governo nas secretarias das presidencias das relações, a que já alludi; e ainda outras despesas mais.

Sr. Presidente: ponho termo aqui á exposição de algumas das irregularidades que encontrei no orçamento do Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça. Essas irregularidades seriam certamente excellentes virtudes nos orçamentos de outros Ministerios - taes são elles! (Apoiados) mas nem por isso deixam de fazer com que nem ao menos o orçamento da Justiça seja verdadeiro e inteiramente justo.

A Camara deseja votar este orçamento, e a mim apraz-me tambem acabar depressa esta minha modesta oração, por que não quero levar a palavra para a sessão nocturna de hoje. Estamos de acordo.

Sr. Presidente: ensinaram-me, quando era creança, que: quem gasta menos do que tem é christão; quem gasta, como tem, é prudente; e quem gasta mais do que tem, o ladrão.

Faço votos para que o Governo actual e todos os Governos do meu país, quando não possam ser christãos no dispendio dos dinheiros publicos, sejam pelo menos prudentes, gastando só conformo as receitas do Estado e não mais.

Organizem para isso orçamentos como devem ser feitos; não queiram illudir ninguem; digam as cousas como devem ser ditas, com verdade e de uma forma simples e clara para que quem souber ler, escrever e contar possa ajuizar facilmente do verdadeiro estado da Fazenda Publica. (Apoiados).

Não façam orçamentos com mystificações de nigromantes, nem com alçapões que encubram sorvedouros dos dinheiros publicos; não façam orçamentos com veredas escusas, que conduzam a logares escuros e suspeitos.

A primeira e sempre indeclinavel obrigação de quem administra a fazenda alheia, publica ou particular, é fazê-lo de modo que nem só não haja como até pareça não haver fraudes, nem cousas inconfessaveis nessa administração. (Apoiados).

Quando os orçamentos não são claros, ha logar para todas as suspeitas. (Apoiados).

Só usa de processos manhosos e tortos, só emprega manobras e manigancias quem pretende alguma cousa occultar.

Faço votos sinceros para que o Governo actual e todos os Governos do meu país apresentem para o futuro orçamentos em que as receitas e as despesas estejam descriptas com a necessaria clareza e inteira verdade; pois que é dever de quem quer administrar-se bem, verificar com exactidão a sua situação economica e financeira - quanto tem, quanto deve e quanto pode gastar.

E depois gastem somente aquillo que o deva ser, e de forma que quando não possam ser christãos nas poupanças, sejam, repito, pelo menos prudentes nos dispendios.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado).

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção. Vae proceder-se á votação.

Lê-se o orçamento do Ministerio da Justiça e posto á votação é approvado.

O Sr. Presidente: - A proxima sessão é ainda hoje á noite, sendo a primeira chamada ás 8 horas e a segunda ás 8 e meia. A ordem da noite é a mesma que estava dada.

Está encerrada a sessão.

Eram 2 horas e l quarto.

Documentos apresentados nesta sessão

Representação

Da Camara Municipal de Ourique, pedindo que a freguesia de Castro Verde fique pertencendo á nova comarca que a dita Camara pede que se crie com sede em Ourique.

Apresentada pelo Sr. Deputado Joaquim de Sant'Anna, e enviada á commissão de legislação civil.

Declaração

Declaro que lancei na caixa um requerimento em que o alferes reformado Caetano Rebello de Carvalho pede melhoria de reforma. = O Deputado, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho.

Para a acta.

O redactor interino = Mello Barreto.

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