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APPENDICE Á SESSÃO N.° 39 DE 1 DE ABRIL DE 1898 778-A

Discurso do sr. deputado Malheiro Reymão, gue devia ler-se a pag 777 da sessão n.° 39 de 1 de abril de 1898

O sr. Malheiro Reymão: - Sr. presidente, permitta-me v. exa. que, antes de entrar propriamente na ordem de ponderações que é meu intento fazer, e visto que o assumpto que se estava ha pouco discutindo pertence tambem ao ministerio da fazenda, eu comece por estranhar e por me admirar da singularissima defeza, que o sr. ministro da fazenda quiz fazer do despacho proferido com respeita á multa do monte pio geral, porque é a mais extraordinaria das jurisprudencias; e apesar de s. exa. ter consultado jurisconsultos...

O sr. Presidente: - V. exa. comprehende que será faltar ao meu dever se não observar a v. exa. que está continuando o incidente que a camara julgou discutido. (Apoiados.) Sinto ter de fazer esta observação, mas entendo que é este b meu dever. Peço, pois, a v. exa. que se restrinja á discussão do projecto.

O Orador: - Por habito e por temperamento sou sempre respeitador e acato sempre as indicações da presidencia; mas desde que eu vou referir-me não só a redacções especiaes, mas a modificações que importa introduzir n'este ramo de serviço do ministerio da fazenda, que tão intimamente se prendem com as declarações que o sr. ministro acaba de fazer, desde o momento em que eu estou discutindo o orçamento d'esse ministerio e vou propor alterações e accentuar irregularidades a que são um commentario tão notavel e singular as declarações que o sr. ministro da fazenda ha pouco fez, estou por completo e inteiramente dentro da ordem. (Apoiados.}

Seja-me permittido, pois, sem quebra do muitissimo respeito que tenho por v. exa. e pela camara, que eu observe que o sr. ministro da fazenda não fez mais do que fornecer-me argumentos para justificar e fundamentar propostas que já tinha tenção de fazer. Consinta-me v. exa. que eu parta das declarações do sr. ministro, declarações que não foram só, como s. exa. disse, para os illustres deputados que especialmente se referiram ao assumpto, mas para toda a camara, a fim de melhor justificar e fundamentar as propostas que opportunamente terei de mandar para a mesa.

Dizia eu que singular e extraordinaria me havia parecido a jurisprudencia do sr. ministro da fazenda, apesar do respeito que eu tenho pelos jurisconsultos que s. exa. consultou!

Precisemos. Uma instituição respeitavel, que tantas vezes tem auxiliado o estado em occasiões dolorosas, queixou-se, reclamou perante o sr. ministro da fazenda, contra a violencia que lhe havia sido feita por empregados do sêllo, julgando-a culpada de transgressões que a seu ver não existiam.

Entendeu o sr. ministro que não era justo, que não era equitativo, ou não era legal (pouco me importa) que essas multas fossem cobradas e impostas áquelle estabelecimento, e acrescentou. «Eu podia dispor do que representava receita do estado, mas não queria dispor do que representava receita de funccionarios especiaes encarregados d'esse serviço». Qual o motivo do nosso reparo, da nossa estranheza e da singularidade d'esse proceder? É o que muito nitida e muito claramente eu vou expor a v. exa. e á camara.

O sr. ministro da fazenda podia julgar mal applicadas e illegaes as multas, podia por equidade relevar a responsabilidade d'aquelle estabelecimento na parte pertencente ao estado e assim podia entender que os empregados a tinham o direito ao terço da multa que por lei lhes cabe, ou podia julgar que elles não tinham direito algum a esse terço; inventar, porém, uma jurisprudencia especial para uma parte do terço que fôra cobrado por esses funccionarios e outra jurisprudencia diversa para o restante d'esse terço ainda não arrecadado, e em seguida dizer aqui que sua intervenção para alguma cousa havia servido, é tudo que ha de mais singular e extraordinario! Não serviu senão para sanccionar uma illegalidade, consentindo que empregados seus subordinados recebessem o que não lhes pertencia, ou para commetter uma injustiça, impedindo funccionarios do seu ministerio de receber uma retribuição que realmente e em face da lei lhes era devida! (Apoiados.)

Isto é muito claro e comprehensivel e não ha que fugir, nem ha argucias e subtilezas que valham. (Apoiados.)

Não são insignificantes, nem de descurar, nem de impedir que se discutam casos como este, porque, nas circumstancias especiaes que nós atravessâmos, quando tanto e suspeita da applicação dada aos dinheiros publicos, e irei até da probidade com que muitos são arrecadados, importa aos ministros da corôa, como a todos os funccionarios, que bem se liquidem é bem se aclarem todas as questões que podem envolver suspeitas para o caracter, dignidade e honestidade d'aquelles que cumprem os respectivos serviços. (Apoiados.)

N'esta ordem de considerações, sr. presidente, eu tenciono mandar para a mesa uma proposta tendente a regular este assumpto e impedir que de futuro se commettam similhantes irregularidades, pondo-se termo a esses processos artificiosos de receber desde logo um terço das multas que, depois de haver sido arrecadado pelo respectivo funccionario, parece já não deixam meios ou recursos de lh'o tirar das mãos.

É claro que eu não contava começar por aqui a ordem de ponderações que tenho a fazer em relação ao projecto que se discute, como tambem não é meu proposito acompanhar passo a passo as considerações aqui produzidas pelo illustre orador que me antecedeu, porque ellas foram tão varias e por vezes tão distantes da materia em discussão, que eu receio que o acompanhal-as em todos os seus detalhes e minucias seja motivo para que v. exa. me chamo novamente á ordem.

Não me pertence, nem eu quero, apreciar o largo panegyrico que aquelle illustre orador fez do sr. ministro da fazenda, em cujo activo não póde ou não quiz lançar mais que os seus notabilissimos relatorios e os brilhantissimos discursos aqui proferidos por s. exa., nem tambem me cumpre investigar se o paiz aprecia devidamente a grande dita que tem e a obrigação que lhe corre de ser grato ao titular d'aquella pasta pelo sacrificio que s. exa. está fazendo, n'aquelle carga, da sua saude e dos seus proveitos, mas parece-me, entretanto, que o paiz não está demasiadamente penhorado e que, sobretudo, o ultimo cartão de visita que s. exa. lhe mandou com o annuncio do addicional de 5 por cento, lhe não deixou, como era natural, os mais agradaveis sentimentos.

Uma impressão deixou, porém, o brilhante discurso do illustre parlamentar e meu amigo, nitidamente gravada no meu espirito - a de que s. exa. fiava principalmente a redacção das despezas da approvação do convenio ou concordata e do emprestimo conjuncto e que com aquelle projecto se prende.

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Se eu traduzo bem a intenção do illustre deputado, esta foi uma das suas idéas mais vivas e predominantes, e natural e coherente é que assim seja, mas isto será a repetição e a persistencia em processos gastos e velhos, a repetição de historia já antiga nas nossas finanças.

Quando começaram de apparecer os primeiros e mais evidentes rebates da crise que sobre nós vem pesando desde annos, todos julgaram que era conhecida a maneira de a combater nos seus effeitos, de a paralysar nas suas causas. Vem de então, d'este erro infeliz, d'esta illusoria segurança, o emprestimo de 1891, de que todos esperavam uma repercussão favoravel e uma melhoria notavel do estado do paiz. E, não obstante, passados pouqquissimos tempos, logo em 1892, a crise cresceu em importancia, recrudesceu em intensidade e reconheceu-se que era preciso combater por diversa maneira aquelle phenomeno, que assim decaía subito em meio da nossa tranquillidade. Fizeram-se então veducções importantes nas nossas despezas publicas, votou-se a lei de 1892, que reconhecia a necessidade de exigir sacrificios aos credores da divida externa, mas persistia ainda o principio, que, em meu entender, era uma teimosa obsecação, de se julgar que só um emprestimo podia attenuar e diminuir a gravidade extraordinaria d'essa crise.

Despertos a tempo, o decreto de 1893 reduz a um terço os juros dos titulos da divida publica externa, prescindindo do convenio e do emprestimo, que se podia passageiramente modificar os embaraços do presente, mais graves e insoluveis os tornava de futuro, e é em tal regimen, sanccionado e transformado por lei de 20 de maio de 1893, que vivemos no presente.

Estou convencido que o caminho seguro para reduzir as despezas não é esse meio indirecto do emprestimo, mas simples e unicamente uma revisão cuidada do orçamento, procurando alliviar de encargos o estado e acompanhando-a de um meditado e regular desenvolvimento de receitas, que permitta chegarmos com economia, com honestidade e com rigor a esta base essencial para uma boa administração, - o equilibrio do orçamento.

Quem analysar a situação financeira - e eu vou muito rapidamente, o mais succintamente que me seja possivel, em traços capitães, dizer qual é o nosso estado actual sob este ponto de vista, para incutir a mim mesmo auctoridade e coragem de desenvolver os alvitres que tenciono apresentar á apreciação do parlamento - encontra-se em face de uma situação que torna essenciaes, indispensaveis, novos e mais dolorosos sacrificios. Da reducção dos juros da divida fiavam todos, e essa parecia ser a consequencia necessaria, uma notavel melhoria, se não o completo equilibrio do nosso orçamento, mas acontece que havendo ascendido em 1891-1892 os encargos da nossa divida fundida á quantia de 19.019:961$223 réis, por virtude da reducção feita nos juros da divida externa, em 1892-1893, esses encargos baixaram a 16.593:474$404 réis; mas em 1893-1894 subiram já para 17.319:944$752 réis, em 1894-1895 a 18.143:255$212 réis, para no anno de 1895-1896 se cifraram em 19.190:561$069 réis, quer dizer uma centena de contos de réis a mais do que haviam attingido no ultimo anno que precedeu aquella reducção de juros. Assim, pois, a favoravel repercussão que se julgou derivar para o ornamento e para o equilibrio da nossa situação financeira, da reducção feita nos juros da divida externa, foi rapidamente absorvida pelo concurso de outras causas, entre as quaes avultam o premio do oiro e o augmento
Nas percentagens da amortisação!

Simultaneamente com estes encargos de juros cresceram também os encargos de juros e amortisações a cargo do thesouro, e assim vemos que na tabella para o exercicio de 1896-1897 se inscrevia, para juros e amortisações a cargo do thesouro, encargos da divida publica interna e externa, a quantia de 22.268:117$666 réis, que na tabella para o exercicio de 1897-1898 subia já esta verba a réis 24.495:176$030, tendo, portanto, augmentado mais de 2:700 contos de réis, e no orçamento que se discute essa verba é já de 25.398:827$650 réis.

Vemos, por consequencia, encarado por este lado o phenomeno financeiro que os encargos das dividas e amortisações a cargo do thesouro sobem successivamente, não obstante os duros sacrificios impostos aos credores da divida externa e absorvem já 50 por conto das receitas totaes.

A divida fluctuante, que em 31 de dezembro de 1890 - eu vou buscar um periodo tão largo para mostrar como este vacuo é imprehencivel e constante, por maiores que sejam os emprestimos destinados á sua consolidação - era de 33.728:525$87õ réis e em 28 de fevereiro de 1891 ascendia á importancia de 38.025:344$302 réis, e apesar de depois d'isso se obterem 17.476:079$730 réis em conta do producto em dinheiro de parte do emprestimo dos tabacos, o que a fez baixar em 30 de junho do mesmo anno a 19.312:464$983 réis, apesar de successivamente se haver recebido o restante do producto d'aquelle emprestimo dos tabacos, se haverem feito operações com o banco de Portugal, se haverem alienado importantes sommas em titulos externos e ainda outras operações, attinge em 31 de dezembro do anno findo de 1897 a assustadora cifra de 40.231:347$154 réis!

Por cate lado vemos tambem que a situação não tem nada de auspiciosa e ao mesmo tempo as disponibilidades do thesouro têem successivamente diminuido, porque sem invertigarmos mais fundo e limitando-me ao que consta dos documentos e declarações officiaes, em março de 1897 se venderam inscripções de 3 por cento no valor de réis 4.207:850$000, que produziram 1.386:486$675 réis, titulos de divida externa no valor do 967:500 libras, que produziram 193:509 libras ou ao par 870:750$000 réis, e para occorrer ás urgencias do estado houvemos ainda de dar como caução a supprimentos do thesouro 72:718 obrigações da companhia real dos caminhos de ferro.

Uma voz: - Foram vendidas agora.

O Orador: - Então já nem estão dadas em penhor, venderam-as e nem sabemos por quanto!

Similhantemente e parallelamente a todos estes factos, vemos que o deficit da gerencia que em 1893-1894 tinha descido a 356:849$171 réis, em 1894-1895 montava a 2.163:227$255 réis e era em 1895-1896 da importancia de 1.382:056$152 réis, porque houve n'estes dois ultimos annos os encargos extraordinarios das expedições do ultramar, para na gerencia de 1896-1897 attingir a assustadora cifra de 6.804:821$700 réis!

Bastaria isto para demonstrar que, por beneficos que fossem os effeitos do emprestimo e suppondo que elle se contratava nas melhores condições, a diminuição ou desapparecimento do premio do oiro, que actualmente é uma rasão do nosso desequilibrio financeiro e seria uma importante diminuição de despeza, não representava uma melhoria tal que fizesse desapparecer um deficit que na ultima gerencia foi de 6:804 contos de réis o que, calculando mesmo que não se aggrava, como tudo leva a crer e logo demonstrarei, no anno corrente, nos encontravamos ainda em face de um desequilibrio de perto de 3:000 contos de réis, porque o premio do oiro nos custa cerca do 4:000 contos de réis! O nosso mal não é só o premio do oiro!

Sr. presidente, vou agora e mui rapidamente fazer uma simples exposição do que resulta da diminuição sensivel que tem havido nas receitas do thesouro, do augmento de despezas, do augmento consideravel da despeza, que já consta das contas do thesouro que estão publicadas apenas em relação a quatro mezes da gerencia, e chegarei assim á conclusão de que no fim d'este anno nos encontraremos a braços muito provavelmente com um deficit, que oscillará entre 8:000 a 9:000 contos do réis. Vou expor á camara os algarismos em que me fundo para chegar a esta

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conclusão que, longe de me ser agradavel, me entristece e assusta.

As receitas de importação de varios generos e mercadorias, tabacos e cereaes exceptuados, que em 1893-1894, 1894-1895, 1895-1896, haviam tido uma certa elasticidade e um certo augmento, baixaram em 1896-1897 de 13:970 contos de réis, numeros redondos, que tinham sido anteriormente, para 11:860 contos do réis, approximadamente.

Analysando as contas do thesouro, e podendo até sob o ponto de vista da receita alfandegaria, ir um pouco mais longe, por estar publicado o annuario estatistico das contribuições indirectas, onde vem já os rendimentos aduaneiros arrecadados até 31 de dezembro findo, nós vemos que no primeiro semestre do anno economico houve uma diminuição nos rendimentos aduaneiros, de importação, exportação o cereaes, na importancia de 609:662$586 réis. Os direitos de importação, exceptuados cereaes, baixaram no mesmo periodo 350:642$589 réis. Os direitos de exportação tiveram um vencimento ascensional, que se vem accentuando, principalmente desde a crise; mas esses direitos de exportação augmentaram apenas 1:946$333 réis e os direitos sobre os cereaes diminuiram em igual periodo 310:866$330 réis. De maneira que o total das receitas aduaneiras, que de julho a dezembro de 1896 tinha sido de 8.909:634$073 réis, em 1897 baixa a 8.301:657$087 réis, o que dá uma differença contra o anno economico corrente de 607:976$986 réis.

É isto o que eu vejo em relação ás receitas mais importantes do thesouro! Uma diminuição consideravel, que não é de crer seja alterada nos seus resultados, pela arrecadação a fazer no segundo semestre do anno economico corrente.

Referi-me apenas aos rendimentos aduaneiros, mas vou apreciar agora as receitas geraes arrecadadas pelo estado, estudo que não posso fazer senão com relação aos primeiros quatro mezes do anno economico, porque só com relação a estes mezes se encontram, como já disse, publicadas as contas do thesouro.

E permitta-me v. exa. n'este momento que eu chame a attenção do governo para este extraordinario e inexplicavel atrazo em que estão a maior parte das publicações, que são absolutamente necessarias para habilitar quem quizer, honesta e probamente, estudar os assumptos financeiros e formar uma opinião ajustada sobre o rumo que segue a nossa administração. Pois ha tantos empregados, ha tanto pessoal addido dispensavel, e nem ao menos servem para regularisar e trazer ordenado este importantissimo serviço? Fiscalisação parlamentar, estudo das condições da nossa situação financeira, tudo é uma verdadeira ficção, porque apropositadamente se torna uma cousa impossivel! (Apoiados.)

Creio bem que este desinteresse, este ar de indifferença e de enjôo, até certo ponto justificado, com que a maior parte da camara assiste a esta discussão orçamental, são o resultado da maneira como, pelas repartições competentes, se não ministram e sonegam os elementos necessarios para se formar juizo e tomar conhecimento de questôes de tanta importancia como são as da administração do estado. Assim, estamos aqui fazendo uma figura de comparsas, que nem aproveita aos interesses publicos, nem honra a nossa propria dignidade! (Apoiados.).

Dizia eu que, sob o ponto de vista das receitas geraes, não podia apreciar senão os primeiros quatro mezes, porque só em relação a elles estão publicadas as contas do thesouro.

Pois ainda assim o juizo a formar da administração d'esses quatro mezes é verdadeiramente assustador!

N'este quadrimestre as receitas sobem, em relação a igual periodo do anno anterior, na importancia de 519 contos, numeros redondos; mas devemos notar que n'este periodo, e para que haja esse augmento de receita em relação a igual periodo do anno anterior, foi necessario que se recebessem 626:486$400 réis, que são duas prestações do emprestimo contrahido com exclusivo destino aos navios de guerra; e se houvessemos de subtrahir das receitas aquelles 626 contos, que são receita extraordinaria de natureza especial, a qual se não repete e tem especial applicação, aconteceria que, em vez de haver augmento de receita n'aquelles quatro mezes, se tinha dado ao contrario uma diminuição de conto e tantos contos de réis.

Mas eu, sr. presidente, que só quero ver este aspecto exterior e chão dos algarismos, e não quero sobre elles architectar philosopbia politica, dou de barato, e acceito como bom, que realmente na receita se tenha dado um augmento n'este quadrimestre de 519 contos dm relação a igual periodo do anno anterior.

Mas, vamos á despeza.

Sr. presidente, em occasião em que tão necessario era que moderadamente se gastasse e se despendesse, nós vemos que, em relação a igual periodo do anno anterior, a despeza augmentou em quatro mezes...

Vozes: - Ouçam, ouçam.

O Orador: - 1:334 contos!

De maneira que, suppondo mesmo que houve realmente esse augmento de receita de 519 contos, o desequilibrio financeiro, para cima e a mais do desequilibrio que já se havia dado no anno anterior, augmentou em quatro mezes oitocentos e tantos contos.

Suppondo que nos mezes seguintes este desequilibrio continúa a dar-se e se não aggrava, e isso é mais que natural, é mais que provavel, nós devemos ter no anno economico um desequilibrio que se cifra em perto de 2:500 contos, que devo addicionar-se á importancia do desequilibrio accusado na gerencia de 1896-1897, chegando-se assim á conclusão de que o deficit, na gerencia do anno economico corrente, não será inferior a 9:000 contos!

É o que resulta de um estudo consciencioso, e quanto possivel meditado, das contas do thesouro e da sua comparação com o que está escripto em documentos officiaes; e creia v. exa. que tão longe está do meu proposito fazer retaliações politicas que, se as quizesse fazer e trazer para este debate accusações contra o governo, não poderia encontrar nem melhor nem mais bem fornecido arsenal que as contas do thesouro e a analyse pelos differentes ministerios, de quaes as despezas em que apparecem os augmentos, porque se ha verbas em que esses augmentos se justificam, outras ha que não estão sujeitas a essas oscullações, e onde o acrescimo nos dispendios não demonstra nem prova rigorosa administração e sincero desejo de salvar o paiz da dura situação em que se encontra!

Em taes circumstancias, sr. presidente, e em taes condições, todos os que procurem inspirar-se em principios de boa administração devem reconhecer que é chegado o momento de tomar resoluções firmes, decididas, energicas e de escolher vereda menos seguida. É preciso que o orçamento não possa ser excedido sob qualquer pretexto; é preciso que a lei orçamental seja uma lei absolutamente reguladora das despezas, que não haja fundamentos especiosos, (Apoiados) com os quaes possam illudir-se os preceitos de uma lei, que é a fundamental da nossa administração.

Façamos isto, digam o que disserem os publicistas, que muito respeito, e cujo estudo é muito necessario, mas que nem sempre são os melhores alumiadores para estas questões praticas. Pouco me importa com os principios estabelecidos para taes ou taes nações muito mais adiantadas que a nossa, e que têem sobretudo outros processos de governação interna e governação publica; mas nós, que legislâmos para o nosso bom povo portuguez, que tem esplendidas qualidades, mas que tambem tem vicios inveterados, precisamos orientar as nossas leis n'um estudo reflectido das nossas condições. (Apoiados.)

Eu quero que o orçamento seja um collete de forças a

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este demonstra fraqueza dos nossos governantes, a este [...] pedir dos nossos governados, que nos tem levado a gangão, de vergonha em vergonha, ás ultimas
humilhações.
Há circumstancias especiaes - isto está no espirito e no criterio de todos, como o estava em uma das ultimas sressões no animo do meu amigo o sr. Teixeira do Sousa - ha circumstancias especiaes, digo, que podem determinar um paiz e levar um governo á abertura de creditos especiaes, e extraordinarios porque, perante rasões de ordem publica e de segurança nacional, cedem e desapparecem conveniencias de outra ordem. Justo á então o sair d'estas normas ordinarias da administração; mas para isso, e só para isso, é que eu queria se permittissem os creditos extraordinarios, e era necessario ainda que se inserisse um preceito obrigando o governo a reunir extraordinariamente as camaras dentro de um praso curto, não superior a oito dias, para ali dar contas dos ponderosos motivos que determinavam e justificavam a excepcional resolução tomada.

Emquanto assim se não governar, emquanto o orçamento for de elastico para os desejos e pedidos dos nossos amigos, vamos a caminhar para uma situação que ha de affectar os interesses de todos, que ha de fazer victimas, e que nos ha de levar á ultima ruina e á ultima vergonha, (Apoiados.} porque já nem podemos acabar com honra (Apoiados.}

É preciso, pois, não ter illusões a respeito do nosso estado; e eu, chamando a attenção da camara para este assumpto, faço-o porque é esta a minha convicção e não por fazer cargo d'esta situação financeira a uns ou a outros, a todos ou a alguem. Eu aponto clara e nitidamente a situação tal como se apresenta ao meu espirito, que vê, cheio de sombras e negruras, o nosso futuro, e é de ahi que tiro ousadia para submetter alguns alvitres á apreciação da commissão do orçamento, e muito folgarei que do meu esforço, que eu sei é inteiramente despido de valia, mas cheio de sinceridade, alguma cousa fique de aproveitavel e util para impedir que cada dia mais e mais se aggrave a situação angustiosa do thesouro.

Não é minha intenção propor individuadamente reducções em verbas determinadas; em primeiro logar, porque muita d'essas propostas, com relação ao ministerio da fazenda, têem já aqui sido apresentadas, e longa e habilmente sustentadas pelos meus illustres amigos e oradores d'este lado da camara que me precederam no debate; em segundo logar, porque esse é um assumpto que requer meditada o esclarecida attenção, o que eu, estando absolutamente fóra da engrenagem d'essas repartições, não posso sequer tentar explanar e fundamentar com exactidão. Tenho a suspeita e o palpite de que no orçamento deve haver muita despeza d'essa natureza que poderia supprimir-se sem aggravo, e que deveria supprimir-se com justiça; mas não tenho competencia para n'este intrincado labyrintho de cifras, difficil para todos e difficilimo para mim, dizer quaes não as verbas o ordenados que representam uma inutilidade, e quaes aquellas que representam a dotação de serviços uteis e lucrosos para o estado.

Assevera-me que ha funccionarios que se os mandassem para casa, pagando-lhes o estado o dobro do seu vencimento actual descripto no orçamento, reclamariam contra a violencia, porque realmente estão a ganhar muitissimo mais!

Ora, isto é que demanda energico córte, porque a mim não me seduz nem me attrahe a economia que só attinge o desgraçado, para que fiquem medrando as gordas conezias, as fartas prebendas.

É necessario cortar e cortar muito, mas é preciso principalmente começar por cima para depois cortar por baixo, começar pelos grandes para só depois chegar aos humildes, se d'isso houver necessidade.

Sr. presidente, n'este estudo perfunctorio e rapido que procurei fazer do orçamento, uma cousa feriu notavelmente a minha attenção - foi o encargo que para o estado resulta dos subsidios ás classes inactivos, áquelles que não podendo trabalhar por doença e invalidez recebem, n'essa angustiosa situação, um estipendio proporcionado aos seus cargos anteriores e tempo de serviço. No orçamento do ministerio da fazenda os encargos geraes que para o thesouro representa esta classe de invalidos - em que ha muitos, digamos do passagem, cujo vigor intellectual eu admiro e cujo vigor physico eu invejo, pois v. exa. sabe que ha empregados aposentados que ainda podiam prestar serviço effectivo e muito mais efficaz e aproveitavel que o de outros que se encontram na actividade - no orçamento do ministerio da fazenda, de juros o amortisação ao banco de Portugal pelos adiantamentos para pagamento ás classes inactivas, inscreve-se a quantia de 426:567$290 réis.

São encargos de uma operação contratada em tempos pelo governo com aquelle estabelecimento bancario á similhança da ultima de responsabilidade d'esta situação, porque convem não esquecer que a fórma habitual de pagar ás classes inactivas tem sido desde muito o recurso a emprestimos.

Alem d'isso temos: classes inactivas que recebem por meio de titulos de renda vitalicia, etc., 355:000$000 réis.

Aposentados e reformados 364:901$936 réis.

De maneira que os encargos d'esta classe pelo ministerio da fazenda sobem á cifra de 1.146:469$226 réis.

No ministerio do reino temos: aposentados e jubilados 30:030$695 réis.

No ministerio da justiça: aposentados 7:406$666 réis. Aqui ha menos aposentações porque vae tudo para o quadro!

No ministerio da guerra, o pessoal inactivo pesa no orçamento pela importante cifra de 838:271$370 réis, e diga-se a verdade lá custa um pouco que no ministerio da actividade tão caro custe a inactividade!

No ministerio da marinha: empregados reformados e divisão de veteranos 205:676$310 réis.

No ministerio dos estrangeiros: reformados excluindo como nos demais ministerios o pessoal em disponibilidade 5:700$000 réis.

No ministerio dos obras publicas: empregados jubilados 34:277$939 réis.

De maneira que os encargos e despeza com as classes inactivas, excluindo em cada um dos ministerios ou empregados addidos e empregados extraordinarios a mais dos respectivos quadros, ascendem, segundo o que pude apurar e encontrei inscripto no orçamento, a importante cifra de 2.267:882$206 réis.

E não é só isto, apesar de isto já parecer muito! Apesar de parecer que já todo o paiz estava aposentado - e esse é infelizmente o caminho em que vae marchando sem o sentir. - ha ainda a caixa de aposentação para a qual o estado concorre com um subsidio, annual, de 55:500$000 réis e unicamente encontro descripta como compensação de despeza no ornamento do ministerio da guerra a quantia de 29:300$000 réis.

Comprehende seguramente v. exa. que, attendendo ao estado angustioso da nossa situação financeira, é absolutamente impossivel que isto assim continue. (Apoiados.}

É preciso fazer-se uma meditada alteração n'este modo de administrar. Nós temos accumulado e exagerado o numero dos inactivos e temos tido a necessidade constante e periodica de recorrer a operações de credito para pagar as pensões devidas a esta classe de funccionarios.

Em taes termos julgo ou que é absolutamente necessario adoptar uma providencia excepcional, visto que são taes e tão grandes as urgencias do thesouro!

Eu não quero affectar os interesses d'aquelles que legitima ou illegitimamente recebem as suas pensões á sombra dos decretos que lhas concederam e das administra-

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APPENDIOE Á SESSÃO N.° 39 DE 1 DE ABRIL DE 1898 778-E

ções que as decretaram. Todos os que até hoje recebem os seus vencimentos pela concessão de reformas, jubilações e aposentações, continuem a recebel-os; mas julgo conveniente suspender desde já e durante o anno economico futuro a concessão de pensões, aposentações e jubilações. Eu sou radical n'esta minha maneira de ver; mas não quero ser de um radicalismo tal, que assim prejudique o que reputo haver de aproveitavel no meu alvitro, e por isso, como a natureza aos serviços que se prestam nos ministerios da guerra e da marinha exige especiaes condições de actividade, porque não se comprehendia que continuasse no exercicio do commando um individuo absolutamente impossibilitado, ou que se confiasse uma unidade de exercito, a militar absolutamente incapaz do serviço, eu exceptuo da medida proposta os empregados militares d'aquelles dois ministerios.

Entendo pois que devem ser suspensas desde já e durante o anno economico futuro todas as reformas, jubilações e aposentações, com excepção das que se fazem aos empregados militares subordinados aos ministerios da guerra e da marinha.

Os empregados civis que n'aquelles ministerios prestam serviço ficariam, como e claro, sujeitos ás condições geraes, porque em seu favor não militam aquellas rasões de excepção.

Julgo, sr. presidente, que é azado o ensejo de chamar a attenção do governo para uma remodelação da caixa de aposentações por fórma que, terminado o anno economico futuro, estas aposentações podessem continuar de conceder-se, mas dentro da verba para esse fim fixada é que estivesse dentro das forças da dita caixa, sujeitando-se a cabimento os funccionarios com direito a reforma.

É esta incontestavelmente uma medida de absoluta necessidade e de grande vantagem para o thesouro que a meu ver não offerece difficuldade nem envolve prejuizo do serviço, pois que, em verdade, poucos serão os empregados civis, que não possam, sem grave sacrificio da sua saude, prestar serviço por mais um anno, quando vemos tantos e tantos que depois de aposentados entregam a sua actividade a serviços bem mais complicados e penosos que aquelles que desempenharam na effectividade dos respectivos cargos.

Permitta-me v. exa. e consinta a camara, que eu, rapidamente, succintamente, explane as rasões, os fundamentos d'esta minha maneira de pensar. Eu creio que tudo isto é possivel de fazer-se sem accrescimento de despeza ou de encargos para o thesouro, e pelo contrario julgo que deve já supprimir-se a verba de 55 contos de réis que é a que se destina a subsidiar a caixa de aposentação.

Esta verba póde ser eliminada, não só em consequencia da suspensão que proponho desde já e para todo o anno economico futuro, das concessões de reformas, mas ainda porque examinando a conta, geral do thesouro e administração financeira -um volume muito grande - publicada com respeito ao anno de 1893-1894, onde se encontra a conta da gerencia da caixa de aposentações em relação ao mesmo anno, se vê que apesar de no referido anno se haver augmentado o fundo d'aquella caixa com a compra de titulos na importancia nominal de 162 contos de réis, não obstante, as contas se encerraram passando cara, o anno seguinte o importante saldo de 40:608$081 réis.

Isto demonstra que com a suppressão proposta eu não vou prejudicar os pagamentos dos actuaes subsidiados, visto que a caixa tem recursos para satisfazer as pensões e ainda lhe fica um saldo de 40 contos de réis.

É aquelle o ultimo documento que conheço da gerencia d'aquella caixa, e é claro que este meu modo de ver póde ser alterado, se em relação aos annos posteriormente decorridos a caixa de aposentações não póde satisfazer as pensões, porque em tal caso serei eu o primeiro a considerar justo que se inscreva no orçamento o subsidio que se repute essencial para inteira satisfação d'aquelles compromissos.

Consinta-me v. exa. que, como subsidio e elemento para resolver esta questão que reputo importantissima, eu exponha as medidas que, a meu ver, se devem adoptar para que o estado se veja rapidamente alliviado de encargos incomportaveis.

Como v. exa. e a camara sabem, os empregados que foram nomeados anteriormente a 1886, porque é d'esta occasião que data o estabelecimento da caixa de aposentações, não são obrigados a descontos pelos seus vencimentos e apenas quando tenham nova collocação ou augmento do ordenado por virtude de promoção, ficam pagando para a caixa em proporção d'esse augmento ou melhoria. Não me parece isto rasoavel e sobretudo compativel com as necessidades do thesouro.
N'uma remodelação essencial e urgente da caixa de aposentações eu obrigaria todos os funccionarios, embora nomeados anteriormente á lei de 1886, a concorrerem com a quota de 5 por cento, que tal é a que se cobra dos restantes funccionarios, para o fundo d'essa caixa.

Nem se julgue que seria pouco importante e de somenos monta similhante providencia, porque, fazendo a conta da despeza que se realisa com os ordenados dos empregados dos diferentes ministerios, exceptuando o pessoal do ministerio da guerra, marinha, guarda fiscal, guarda municipal, policia civil, operarios é jornaleiros sem direito á reforma, ainda assim encontramos que esses ordenados sommam no ministerio da fazenda 1.840:332$000 réis; no reino, 736:757$000 réis; na justiça, 854:187$000 réis; na marinha, 390:944$000 réis, contando apenas os vencimentos dos empregados civis do ministerio; nos estrangeiros, 61:025$000 réis, exceptuadas as despesas de representação e de residencia que, pela sua natureza especial, não podem ser sujeitas á deducção; nas obras publicas, 2.325:952$949 réis; perfazendo um total de vencimentos na importancia de 6.209:100$949 réis. Julgo tambem rasoavel que fossem obrigados os que já recebem vencimentos pelo cofre das classes inactivas a pagarem para a caixa de aposentações uma quota igual aos dos que têem ordenados de actividade, exceptuando apenas os que recebessem pensão inferior a 300$000 réis; porque entendo que n'estas circumstancias devem ficar alliviados do encargo, e ainda os pensionistas do estado que pela natureza especial dos seus direitos bem merecem e justificam a isenção.

Analisando os despendios que por este motivo se fazem, encontramos no ministerio da fazenda 732 contos de réis; reino, 30 contos de réis; justiça, 7 contos de réis; guerra, 617 contos de réis; marinha, 31 contos de réis; obras publicas, 34 contos de réis; o que dá um total de 1:451 contos de réis, devendo notar-se que exceptuei no ministerio da guerra as praças de pret, e no da marinha a divisão de veteranos.

Julguei rasoavel exceptuar da suspensão de aposentações que proponho, os milhares em serviço no ministerio da guerra e no da marinha, mas entendo que igual excepção não procede nem tem rasão de ser na deducção a fazer nos vencimentos dos empregados inactivos d'aquelles ministerios, que em tudo se assimilham aos empregados civis; mas não obstante ser essa a minha convicção e porque eu quero fazer os meus calculos pelo minimo, eu diminuo ainda do augmento de receitas para a caixa de aposentações as deducções que deveriam fazer-se nos vencimentos das classes militares inactivas.

Exceptuadas estas e fazendo ainda uma outra deducção, porque calculo que o terço d'estes vencimentos seja de pensões inferiores a 300$000 réis, encontro um total de 6:526 contos de réis, que a uma quota de 5 por cento, renderiam 326 contos de réis; descontando 143 contos de réis que já constituem receita da caixa das aposentações, encontrariamos um augmento de rendimento para aquella

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caixa de 183 contos de réis, o que representava uma diminuição considerevel de encargos e deixava disponivel uma verba importante para dentro d'ella se concederem aposentações.

Trapidamente, e não tanto a camara certamente o desejava, eu expuz os motivos pelos quaes julgo acceitavel a proposta que n'este sentido mandarei para a mesa.

Sobro um outro ponto quero ainda chamar a attenção da camara, e porque desejo tambem apresentar uma outra proposta e receio se esgote a hora regimental, exponho o num alvitre o mais rapidamente possivel. Proponho a suppressão da verba destinada á organisação e revisão das matrizes, que não serve nem para proveito do contribuinte nem produz apreciavel receita para o estado.

No relatorio que procede o decreto de 31 de dezembro de 1892, publicado pelo ministerio do sr. Dias Ferreira, e em que se mandou suspender o serviço do matrizes, calculava-se que já com elle se haviam gasto mais de 1:500 contos de réis.

Julgo eu que se devia supprimir esta verba, suspendendo-se desde já e durante todo anno economico futuro aquelle serviço e revisão até que o governo possa estudar o resolver o melhor modo de aproveitar, sem augmento de despeza, o serviço já feito e o modo de concluir o mais rapidamente o que ainda falta fazer.

São constantes e repetidos os pedidos de modificação d'esses serviços, e ainda ultimamente se mandou annullar o serviço de avaliação no concelho de Penafiel, apesar d'isso ser prohibido pelo decreto de 1892; mas os grandes influentes politicos, tal pressão fizeram sobre o governo, que elle teve de ceder, como já outros anteriormente se viram obrigados a fazel-o em diversos concelhos, avolumando as despezas sem proveito do thesouro.

Proponho assim a suppressão d'esta verba, e não me alongo em considerações que o caso pedia, porque ha um assumpto que, embora se não prenda directamente com este ministerio, eu desejo tratar, por consideral-o de uma grande importancia e de decisiva influencia no nosso equilibrio orçamental.

V. exa. sabe que uma das causas que mais tem concorrido para o desastre da nossa situação actual é a singular precipitação, a extraordinaria precipitação, com que se tem desenvolvido a viação no paiz.

Eu ainda ultimamente examinei o quadro das despezas feitas pelo estado no continente com os serviços de construcção e reparação de estradas e convenci-me de que similhante despeza se não conforma, nem ajusta, com os recursos do paiz e com a imperiosa necessidade de reduzir as despezas.

Isto de sulcar por estradas ou talar por caminhos de ferro regiões incultas ou de pequena producção, para que rapidamente se transformem em centros agricolas de producção intensa ou appareçam fabricas e explorações industriaes, é um erro singular, uma obstinação cega, a que não vejo desculpa.

Julgar que a industria transportadora, que é incontestavel e poderoso auxiliar para o desenvolvimento de todas as outras industrias, é factor exclusivo e unico para que rapidamente só desenvolva o progrida a nossa industria agricola, tão enfermiça de vicios rotineiros, tão despida de esclarecida illustração e tão deficientemente productiva, para que de subito se encandeie a nossa actividade industrial, tão precaria em condições de vida, tão falta de decidido estimulo progressivo e por vezes tão dispare do que nos era naturalmente indicado, é uma loucura que equivale a fazer grandes lagos, enormes depositos, extensas represas, para agua que ainda não tivessemos explorado.

Sobretudo tem concorrido para isto a fraqueza dos governos, a que eu ainda ha pouco me referi, e o desenfreado pedir dos governados

Eu eliminava do orçamento a verba de 516 contos de réis que n'elle está inscripta para a conservação e policia das estradas, e passava para as camaras municipaes das respectivas circumscripções o encargo de conservarem e policiarem as estradas de que os respectivos concelhos auferem os principaes beneficios.

N'aquella verba comprehende-se apenas a despeza do material, que é calculada em 46$000 réis por kilometro, pois que o pessoal tem a sua dotação e vencimentos por outras verbas do orçamento.

O capitulo 3.°, artigo 6.° do orçamento diz.

(Leu.)

Supprimamos esta verba e entreguemos ás camaras municipaes dos respectivos concelhos e na area das respectivas circumscripções o encargo da conservação e policia das estradas.

O argumento que naturalmente me oppõem é que essas camaras não têem recursos para occorrer a esses serviços, mas desde que eu entendo que elles devem passar para as camaras municipaes, devo dizer tambem quaes eram as receitas que para isso applicava.

Eu alargava as faculdades tributarias das corporações municipaes, sem voltar ao antigo systema das illimitadas percentagens sobre as contribuições directas, mas permittindo-lhes, sempre que isso fosse necessario, que transformassem as suas contribuições indirectas em imposições de consumo nas povoações que fossem sédes dos respectivos concelhos.

É por esta fórma que eu entendo que as camaras devem buscar o necessario para fazer face ás novas despezas que assim lançava a seu cargo.

Estou absolutamente convencido de que o absenteismo é uma das grandes causas do atrazo da industria agricola. As classes mais remediadas ou abastadas afastam-se cada vez mais das habitações ruraes e dos trabalhos de cultura para viverem na inercia das cidades, desbaratando ahi os capitães que deviam tornar-se reproductivos em novas explorações.

Assim eu entendo que, alem de ser esta uma importante fonte de receita, havia ainda uma rasão ponderosa a determinar a acceitação d'este regimen.

D'aqui derivava, digo eu, um augmento consideravel de receita para as camaras municipaes e com esse augmento fariam face ás despezas de conservação de estradas, dando isto para o estado uma economia tão importante como a de 516 contos de réis, alem d'aquella que natural e mais largamente devia derivar-se da diminuição nos funccionarios a que esse serviço está commettido.

Eu deixaria, é claro, ao estado a inspecção e fiscalisação sobre a fórma como as camaras desempenhassem o mesmo serviço, não permittindo que ellas deixassem estragar as vias de communicação que com tanto custo haviam sido construidas.

Alem da receita que indiquei como a mais conforme a augmentar os redditos d'essas corporações, para assim fazerem face aos encargos provenientes do meu alvitro, os camaras municipaes têem ainda outro recurso que já lhes forneço a legislação em vigor, que não é dos menos importantes - o imposto da prestação de trabalho - de que não usam a maior parte d'ellas, mas em que podiam encontrar commodamente, sem gravames duros para os povos seus administrados, sem pesados encargos para o contribuinte, meio de manter as estradas em condições muito superiores áquellas em que se encontram com os recursos fornecidos pela verba orçamental a que me estou referindo.

Alem do que tinha este alvitre uma decisiva importancia sob o ponto de vista da regular administração do estado, porque todos os dias se vê o governo assediado com pedidos de terras de somenos importancia, que querem estradas por todos os lados, e desde o momento que soubessem que, pelo menos, os encargos da conservação e

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policia d'essas estradas, logo que fossem entregues á exploração, ficariam recaindo sobre aquelles a quem essas estradas principalmente aproveitavam, moderariam os seus pedidos ao que fosse de justiça e rasoavel.

Como eu disse ha pouco, tem sido este um dos mais pesados encargos da administração, porque todos sabem quanto representam para o thesouro os encargos de subsidios e garantias de juro de muitas linhas ferreas, assim como os de conservação e reparação de estradas, a maior parte das quaes são de um insignificantissimo, senão nullo, aproveitamento commercial e transportador, pois que no nosso paiz, alem de outras estradas, que são mais ou menos improficuas, ha ainda as que nunca podem representar cousa alguma para a agricultura, nem para o commercio: são as estradas dos influentes, que têem os seus nomes como as ruas! (Apoiados).

Como disse ha pouco, a ninguem quero fazer cargo d'este estado de cousas, mas os governos têem por variadas vezes coberto esta ignobil mercadoria! O influente quer ir ouvir missa commodamente á sua igreja, quer ver as suas propriedades, as suas vinhas, e quer ter a sua estrada que o leve de carro até á porta!

Com tudo isto se tem desbaratado por este paiz fóra muitas centenas de contos de réis! (Apoiados}.

Sr. presidente, parece-me ter explanado succintamente as minhas idéas, mas emfim muito mais largamente do que era meu proposito e muito alem da capacidade de paciencia da camara, porque positivamente da parte de todos se acceita, se recebe e olha esta discussão com uma indiferença completa e extraordinaria!

Eu levei a termo a minha rapida exploração do orçamento, mas reconheço que muitissimas cousas se deveriam fazer e alterar em diversos serviços dos ministerios.

O nosso ensino superior tem uma dispensavel infinidade de escolas, que todas produzem abundantemente e surtem isso a que chamaram o proletariado de bachareis. Esta phrase de Bismark parece que foi feita de proposito para o nosso paiz! Aqui ha um proletariado do bachareis como em nenhuma nação existe!

Havendo em todo o paiz uma só faculdade de direito na universidade de Coimbra, essa basta para fazer augmentar enormemente o proletariado de bachareis em direito, que são tantos como milho, e bem justificam o dizer conceituoso de Guerra Junqueira: «Sou, como toda a gente, um bacharel formado».

Sendo isto assim, para que havemos de ter tantas escolas de medicos, de engenheiros, de letrados e de padres?!

(Interrupção.)

Os seminarios sei que não representam encargo para o orçamento do estado, mas eu acabava com a faculdade de theologia na universidade de Coimbra, contentando-me com as habilitações ministradas n'aquelles institutos.

O ensino superior serve principalmente para crear e desenvolver uma colmeia de empregados, que ganham tempo para aposentações e jubilações! (Apoiados.)

Eu prohibiria que do conselho superior de instrucção publica fizessem parte lentes da universidade de Coimbra em actividade de serviço, que ficam vencendo os seus ordenados como se estivessem em serviço activo, mas abrem logar a novas nomeações para regencia das cadeiras que deixam vagas.

Este serviço devia ser feito por empregados superiores [...], que exercessem o seu cargo em Lisboa ou estivessem aposentados ou jubilados, mas em condições de prestar aquelle serviço, recebendo a gratificação que por lei lhes é designada, e que bom merecem pelas importantissimas funcções que desempenham n'aquelle cargo.

Não acho tambem justificavel, vistas as precarias condições do thesouro, manter duas escolas de bellas artes n'um paiz aonde todos os que se dedicam a esse estudo têem necessidade de ir ao estrangeiro para aprenderem alguma cousa e alguma cousa produzirem.

Ter numerosas escolas superiores, quando o que importava essencialmente era diminuir esta onda de gente que entende que é grande modo de vida arranjar um curso para andar a bater a todas as portas, sujeitos a todas as baixezas e indignidades para arranjar um emprego publico, é um procedimento indesculpavel.

É preciso que se governe com economia, mas de modo que as economias venham de cima para baixo, e todos os empregados sejam obrigados a exercer devidamente e com consciencia os logares que desempenham.

Empregados ha que, pela fórma por que desempenham os seus logares, seria muito mais lucroso mandal-os para casa com o dobro dos seus vencimentos, do que consentir que estejam á testa das repartições permittindo que os subalternos deixem de cumprir os seus deveres, prejudicando tantissimas vezes o thesouro em quantias que se cifram em centenas é centenas de contos de réis. Para esses é que eu queria a aposentação immediata, forçada, por absoluta incapacidade, embora com a generosidade de lhes pagarem o ordenado, porque o estado ganharia com isso muitissimo mais.

E ainda com respeito a ensino superior reputo de uma grande conveniencia que se transforme o curso superior de letras, cuja organisação não conheço miudamente e que de antes se dizia que era um curso de habilitação para pares do reino, - agora já nem para isso serve - (Riso), n'um curso de habilitação para o magisterio secundario dos lyceus (Apoiados), que é uma cousa tão necessaria para o bom desempenho da respectiva reforma, que eu creio ha de levantar o nivel intellectual da geração nova, porque fica ao menos sabendo alguma cousa. Eu conheço muitissimos bachareis que nem ao menos com orthographia sabem escrever1
Para isto é que eu transformava utilmente o curso superior de letras n'uma escola superior de habilitação para o magisterio secundario, satisfazendo assim a uma necessidade instante do nosso ensino. Não quero fallar agora no chamado ensino profissional, que entre nós quasi que só existe no orçamento, porque de resto, digamos a verdade, o ensino profissional pratico util é cousa que ainda não temos. (Apoiados.)

Temos cadeiras de calculo differencial e de trigonometria em varios institutos do chamado ensino profissional, temos muitas cadeiras de francez, muitas cadeiras de muitas outras cousas que não servem de nada para um profissional (Apoiados), mas não temos um ensino rigoroso de applicação (Apoiados), não temos uma escola de agricultura essencialmente experimental (Apoiados) e de observação, que podesse desenvolver e alargar nos agricultores o seu nivel de illustração. (Apoiados.)

Nada d'isto nós temos.

E isto fazia-se com muito menos dinheiro, em pouquissimo tempo, deixando que a parca implacavel se fosse encarregando de levar uma grande parte d'esses funccionarios que estão a mais pesando no orçamento e retribuindo devidamente os funccionarios, mas exigindo-lhes os serviços correlativos á importancia das quantias que recebessem do estado.

Tudo isto é preciso que se faça obedecendo a um plano sereno e meditado de administração e antes de sobrecarregar os contribuintes, muitos dos quaes já não podem com as exigencias do fisco, (Apoiados.) pelas irregularidades e desigualdades que se dão nas matrizes, (Apoiados.} e que ainda por cima querem sobrecarregar com um addicional de mais 5 por cento. (Apoiados.)

A nação quer e deve pagar quanto seja necessario para se administrar bem e para honrada e lealmente satisfazer os seus compromissos, (Apoiados.) mas pede em troca e a isso tem direito, que se governe com probidade, honradez e seriedade, e se administrem bem os dinheiros publicos, (Apoiados.)

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Façam-se reformas serias e que não obedeçam a respeitos por interesses de clientellas, nem a conveniencias politicas, mas que conduzam a um caminho são e direito e boa e honrada administração. (Apoiados.}

E já não quero que se entre n'este caminho só por patriotismo, quero que se entre n'elle tombem por egoismo, porque só ámanhã estalar um krak formidavel não só affectará o brio, o bom nome e a dignidade do paiz, mas tambem os nossos proprios interesses e os de nossas familias. (Apoiados.}

Eram estas as considerações mais ou menos rapidos que eu desejava fazer a proposito d'este importantissimo documento da nossa administração...

O sr. Presidente: - Findou o quarto de hora de tolerancia que o regimento concede.

O Orador: - Vou apenas synthetisar rapidamente o que disse e vae compendiado em parte nas propostas que vou ter a honra de mandar para a mesa.

A tres pontoa principalmente se reduziram os propostas que fundamentei quanto em mim coube. Suppressão da verba destinada á caixa de aposentações, em consequencia da suspensão que proponho desde já de todas as reformas, aposentações e jubilações durante o anno economico futuro, exceptuados os vencimentos dos militares em serviço noa ministerios da guerra e da marinha. Eliminação no orçamento da verba de 70 contos de réis destinada á organisação dos novos serviços de matrizes. Suppressão da verba de 516:900$000 réis destinada ao serviço da conservação e policia das estradas construidas e já entregues á exploração, passando os encargos d'estes serviços para as respectivas camaras municipaes.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

Proponho que desde já, e durante o anno economico futuro, sejam suspensas todas as reformas, aposentações e jubilações, com excepção da que respeitem aos empregados militares dos ministerios da guerra e marinha, e que, em consequencia, seja eliminada do orçamento a verba de 55:500$000 réis, destinada a subsidiar a caixa de aposentações. Secção 10.ª, pagina 46, do ministerio da fazenda. = Malheiro Reymão.

Proponho que seja suspenso, durante o anno economico futuro, o serviço de organisação das novas matrizes até que o governo estude:

1.° O modo de aproveitar, sem augmento de despeza, o serviço feito;

2.° O modo de concluir rapidamente os serviços no paiz, evitando-se os inconvenientes que até agora tem determinado a successiva annullação dos trabalhos;

3.° A fórma de reembolsar no menor praso de tempo, e sem vexame para o contribuinte, a despeza até agora realisada.

Em consequencia, proponho que seja eliminada a verba de 70:000$000 réis, inscripta para a organisação e escripta dos novas matrizes prediaes. (Artigo 72.°, pag. 110, do ministerio da fazenda. - Malheiro Reymão.

Proponho que passem para cargo das camaras municipaes, dentro da area das respectivas circumscripções, as despesas de conservação e policia das estradas construidas e entregues á exploração publica no continente do reino e ilhas adjacentes, não comprehendido o pessoal de conservação.

Ás camaras será permittido, para fazer face aos novos encargos, substituir as suas contribuições indirectas por imposições de consumo nas sédes dos respectivos concelhos, e ainda pela contribuição da prestação de trabalho poderão effectuar esses serviços.

Em consequencia proponho a eliminação da verba de 516:690$000 réis inscripta no ministerio das obras publicas, capitulo 3.°, artigo 6.°, pag. 23. = Malheiro Reymão.

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