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SESSÃO DE 22 DE FEVEREIRO.

Ás 9 horas e 45 minutos da manhã, pela chamada, a que procedêo o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa, se acharão presentes 88 Srs. Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentárão, 16; a saber: os Srs. Mendonça Falcão - Ferreira Cabral - Rodrigues de Macedo - Conde de Sampaio - Leite Pereira - Araujo e Castro - Pessanha - Cerqueira Ferraz - Tavares d'Almeida - Izidoro José dos Sanctos - Machado d'Abreu - Rebello da Silva - Luiz José Ribeiro - Azevedo Loureiro - Alvares Diniz - Nunes Cardoso - todos com causa motivada.

Disse o Sr. Presidente que estava aberta a Sessão. E, sendo lida a Acta da Sessão precedente, foi approvada.

Dêo conta o Sr. Secretario Barroso dos nomes dos Srs. Deputados, que devem formar as Commissões Centraes, na forma das Participações recebidas das Secções Geraes; a saber:

Para a Indicação N.º 120 dos Srs. Deputados Magalhães, e Sarmento, pela primeira Secção, Moraes Sarmento. Pela segunda, Serpa Machado. Pela terceira, Braklami. Pela quarta, Soarei d'Azevedo. Pela quinta, Ferreira de Moura. Pela sexta, não tem ainda nomeado. Pela setima, Novaes.

Para a Consulta sobre o Requerimento dos Secularisados Egressos, pela primeira Secção, Gravito. Pela segunda, Galvão Palma. Pela terceira, Sousa Machado. Pela quanta, Pinto Villar. Pela quinta, Guerreiro. Pela sexta, falta. Pela setima, Macedo Ribeiro.

Referia o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa um Officio do Ministro dos Negocios da Guerra, accusando o que lhe havia sido dirigido em data de 17 do corrente; e participando que a Correspondencia apprehendida com a Bagagem do Visconde de Monte Alegre ainda não havia chegado áquelle Ministerio. Ficou a Camara inteirada.

Ordem do Dia.

Entrou em discussão o Artigo 3.º do Projecto N.º 121 sobre a Inviolabilidade da Casa do Cidadão.

«Outrosim , durante o dia, será franqueada a Casa do Cidadão a qualquer Authoridade, e a seus Officiaes em cumprimento do seu Officio. 1.º Para proceder em conformidade das Leis a prisão: 2.° a penhora, e sequestro: 3.º á busca de objectos roubados: 4.° para apprehensão de contrabandos: 5.° para a investigação de instrumentos, e vestigios do delicto; precedendo nestes tres casos summaria, e verbal informação de duas Testemunhas, que se reduzirá a escripto.»

O Sr. Gerardo de Sampaio: - Sr. Presidente, faz objecto do principio dos nossos trabalhos a discussão do Artigo 3.º do Projecto N.° 121, o qual passo a lêr.

(lêo).

Como, redigido assim o Artigo, pareça que se falla aqui só de quando a Authoridade vai com os seus Officiaes ás diligencias; e como esta possa ir só, o que he raro, e muitas vezes acompanhada, e quasi sempre sem ella, e debaixo de Ordem, os referidos Officiaes; para tirar toda a dúvida, em lugar da conjunção = e = que pela sua natureza copulativa produz embaraço, poria a disjunctiva = ou = Igualmente como a administração da justiça ganha no acerto, e maneira docil, e politica, com que se praticão os actos judiciaes, imporia ao encarregado da Diligencia a obrigação de pedir licença antes de entrar em Casa do Cidadão; acção, que entre nós não tem novidade a respeito de certas Pessoas privilegiadas, como he expresso no §. 12 do Tit. 86 do Liv. 3. da Ordenação, e que eu muito desejaria que se tornasse uma providencia geral.

Continua o Artigo, dizendo: «1.º para proceder em conformidade das Leis a prisão: 2.º a penhora, e sequestro.» Falla-se aqui taxativamente, e de uma maneira terminante; e vejo que ha outros muitos casos, que estão nas mesmas circumstancias, taes são = embargo, deposito de pessoas, já para se intentarem Libellos de sevicias, já para casamento, vistorias, embargos da nova obra, varejos, etc.; e como he regra certa que aonde ha a mesma razão deve haver a mesma disposição, eu especificaria todos os que disse neste lugar, e os outros mais que forem lembrando aos Membros d'Assemblea, pois me não resta a jactancia de haver enumerado quantos existem.

Temos mais: "3.º a busca de objectos roubados." Julgo este ultimo termo anti-juridico, e substituir-lhe-hia a palavra = furtados = não só porque esta ideia he o genero, e aquella a especie, mas tambem porque o roubo suppõe força, sendo por isso já um crime qualificado, quando aqui só se pertende designar a cousa fraudulentamente tirada do poder de seu dono e contra sua vontade; tambem debaixo deste principio, por estar nas mesmas circumstancias, poria = a fazenda desencaminharia =.

Prosegue o Artigo, dizendo: «para apprehensão de contrabandos: 5.° para a investigação de instrumentos, e vestigios do delicto; precedendo nestes ultimos tres casos summaria, e verbal informação de duas Testemunhas, que se reduzirá a escripto.» Concordo na medida; porem eu só a faria extensiva á busca dos roubos, e para apprehensão dos contrabandos, e não aos vestigios do delicto; porque, podendo não resultar prova da inquirição, ficaria muitas vezes a justiça com as mãos ligadas para não satisfazer a seus deveres, deixando de proceder por falta de corpo de delicto, o qual podia ter existido, apezar da negação no dicto das Testemunhas.

O Sr. Caetano Alberto. - Sr. Presidente, ainda que este Artigo me parece lançado com muita reflexão, e as formalidades neste, e nos outros Artigos exijidas para ser entrada a Casa de cada um, mostrão que o Illustre Auctor deste Projecto, e os outros Sabios Membros da Commissão tiverão em muita conta, como lhes cumpria, a pessoa de qualquer Cidadão, e a sua liberdade individual; todavia não posso approvar a generalidade da primeira parte do Artigo, pelo que respeita á entrada da Casa para prisão, porque me parece não estar conforme com a Carta Constitucional, o que me proponho mostrar.

Diz a Carta Constitucional no § 6.º do Artigo 145: «De dia só será franqueada a sua entrada (da Casa do Cidadão ) nos casos, e pela maneira, que a Lei determinar.» Não diz = nos casos, que as Leis determinão =, mas sim = que a Lei determinar. = Lo-

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go: estes casos não devem ser aquelles, em que as Leis existentes antes da Carta decretão a prisão, mas sim aquelles, que declarar a Lei, que a este respeito se fizer, isto he, esta, de que agora tractâmos. Mas neste Artigo não se marcão esses casos, e somente se diz: «Será franqueada a Casa do Cidadão para se proceder a prisão na conformidade das Leis.» De que Leis? De certo não he desta, porque nella se não marcão esses casos; logo: he em conformidade das Leis existentes antes da Carta. He pois claro que o Artigo não está em conformidade com a Carta Constitucional; porquanto esta manda marcar nesta Lei os casos, em que para prisão deve ser entrada a Casa do Cidadão; e o Artigo diz que esses casos já estão marcados pelas Leis antecedentes, e manda regular por estas.
Alem disso: a Carta Constitucional, dando tanta consideração á Casa de cada Cidadão, que lhe chama asilo inviolavel, he certamente porque só quer seja entrada por força, quando a utilidade geral, e o Bem Publico o exijir, ou do contrario resultar grande damno á Sociedade; e porisso só o permitte nos casos particulares, que manda especificadamente marcar. Ora: que utilidade resulta á Sociedade de que por qualquer Pronuncia a prisão, segundo as Leis existentes, ainda que o delicto seja leve (e se não saiba ainda se o Pronunciado he deliquente), seja entrada por força a Casa de cada um?

Que damno, pelo contrario, resulta á Sociedade de não ser neste caso entrada com violencia a Casa do Cidadão, ou quando o delicto he leve? Se o Cidadão, assim Réo, não sabe de Casa, alli está soffrendo uma prisão; se sabe, então pode ser preso.

Mais se mostra que a generalidade da primeira parte deste Artigo, em quanto á prisão, não está em harmonia com a Carta, porque esta no § 8.º do mesmo Artigo 145 expressamente declara que ninguem será conduzido á prisão, ou nella conservado, dando fiança nos casos, em que a Lei a admitte: mas nestes casos mesmo, as Leis actuaes mandão pronunciar a prisão, e prender, e bem assim nos casos, em que o mesmo § 8.° do Artigo 145 da Carta in fine manda que o Cidadão se livre solto. Logo: com esta liberal disposição da Carta está em manifesta opposição a violenta entrada na Casa do Cidadão em taes casos.

Estando pois provado que não está em harmonia com a Carta Constitucional a disposição geral deste Artigo, permittindo a entrada violenta na Casa do Cidadão todas as vezes, que as Leis existentes mandão proceder a prisão, eu rejeito esta parte do Artigo, e substituo a Emenda, que mando para a Mesa, distinguindo a entrada na Casa do Cidadão para executar prisão em virtude de Pronuncia, ou em execução de Sentença.

Emenda.

Artigo 3.º «Outrosim, durante o dia, será franqueada a Casa do Cidadão a qualquer Authoridade, e a seus Officiaes, em cumprimento do seu Officio, para proceder-se a prisão nos casos declarados no Artigo seguinte.» O mais como no Artigo.

Artigo Addiccional.

«Para proceder a prisão em virtude de Pronuncia só será entrada a Casa do Cidadão nos casos da Rebellião, e nos outros crimes Capitães: e em execução de Sentença, alem dos casos sobredictos, só quando a Sentença condemna a Galés, ou a Degredo de dez annos, ou d'ahi para cima.»

O Sr. F. J. Maya: - Levanto-me para dizer que não posso deixar de manifestar á Camara a grande surpresa, que me tem causado a leitura do Artigo 3.º deste Projecto comparado com o § 6.º do Artigo 145 da Carta. Estava persuadido que a Lei, que a Carta exigia, era para fazer effectivo o asilo inviolavel da Casa do Cidadão, marcando os casos somente, em que de dia seria franqueada; mas vejo, pelo contrario, que o Artigo em discussão declara em termos expressivos que não ha caso algum, em que não deva ser franqueada; e, senão, convido aos Illustres Membros da Commissão para que se dignem notar-me um unico caso de excepção. Ou eu não tenho idéas do que he asilo inviolavel, ou sou obrigado a dizer que o Artigo se acha em perfeita contradicção com a Carta Constitucional, ou he desnecessario, e inutil, pois que a materia do 1.º, e 2.° Artigo do Projecto está consignada na mesma Carta; e a materia do 3.° Artigo se reduz a sanccionar que o Cidadão não tem asilo na sua Casa em caso algum, e torna vã, e nulla a esperança, que eu, e todos os Portuguezes tem concebido, de que haveria alguma circumstancia, em que se reputaria inviolavel.

A vista do que exponho não posso approvar o Artigo na forma, em que está concebido.

O Sr. Moniz: - Eu opponho-me a este Artigo pelas mesmas razoes em geral, que hontem me oppuz a ultima parte do antecedente, isto he, porque algumas de suas clausulas são muito indeterminadas, e deixão por isso longo campo aos antigos abusos: tal he a primeira clausula, e a segunda parte da quinta. He bem notorio que a antiga Legislação não está, nem podia estar em harmonia com o espirito de liberalidade, que presidio á formação da Carta Constitucional. O Supremo Legislador della sentio muito bem a necessidade de estabelecer esta harmonia entre ella, e as Leis necessarias para a sua execução, e em nenhuma parte reluz mais esta liberalidade do que no Artigo 145 § 6.°, quando estabelece que a Casa do Cidadão, de dia, só será franqueada nos casos, que a Lei determinar. Falla da Lei singularmente, e diz determinar, futuro. E não está bem patente que o Sabio Legislador, não contente com o espirito daquellas Leis, ou, para melhor dizer, bem sentindo quão pouco ellas se compadecião com a grande prerogativa que elle nos desejava outorgar, reconhecêo a necessidade da lhes fazer alterações por meio desta Lei? Elle nos deixou ampla liberdade para atalharmos da maneira mais propria, a assegurarmos esta preciosa parte do grande dom, que nos liberalisou.

E nós então he que havemos de estreitar os limites deste dom, deixando ainda a porta aberta a executarem-se em nossas Casas todas quantas prisões a Antiga Legislação quiz prodigalisar, ainda a mui leves delictos? Muitas outras disposições da Carta conspirão admiravelmente para melhorar a Legislação relativa ao asilo da Casa do Cidadão; tal he, por exemplo, o § 8 deste mesmo Arti-

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go, como ha pouco muito bem notou o meu honrado Amigo, e Collega, que me precedeo a fallar. Parece todavia que das clausulas deste, e do precedente Artigo do Projecto de Lei se está com medo da liberalidade da Carta, a fugir para a severidade dos antigas Leis. Quanto a mim, eu sempre fugirei do rigor destas, para me abrigar á sombra daquella. Tambem me não agrada, que para investigar o mais leve, e mais remoto indicio do delicio, ou aquillo que a Authoridade quizer ter por tal, fique a Casa do Cidadão exposta a ser entrada, e devassada. A clausula, que no precedente Artigo hontem impugnei, ainda podia achar desculpa na difficuldade de o coarctar; mas no Artigo hoje em questão este objecto he menos difficil, e senão he possivel incluir nesta Lei a reforma de toda a Legislação, que está em discordia com este Artigo da Carta, ao menos façamos tanto, quanto podemos. Eu não me envergonho de dever muito ao Auctor da Carta, mas visto que elle quiz que o Povo Portuguez tambem nos devesse alguma cousa, eu sempre trabalharei com a mira nestes dous objectos. Concluo pois, por estas razoas, e pelas mais que expoz o meu honrado Collega, e Amigo o Sr. Alberto Soares, adoptando a sua Emenda, e Additamento.

O Sr. Serpa Machado: - Alguns Srs. Deputados tem fallado contra este Artigo: verei se posso fazer-me cargo das objecções, que se tem feito contra elle. Na verdade, ou eu não sei o que são principies de liberalismo, ou me parece que o maior delles he o castigo dos delinquentes. Este he um principio fundamental de toda a Sociedade bem organizada, e não sei se deva ser menos digito de consideração, que a inviolabilidade da Casa do Cidadão: só se he porque esta nos tem sido concedida de novo, e aquelle principio estava antigamente consignado. O Augusto Auctor da Carta estabeleceo o principio da inviolabilidade da Casa do Cidadão, mas deixou á sabedoria desta Camara o fazer a Lei, que combinasse com a boa administração da Justiça; por tanto o marcarmos os casos em que a Casa do Cidadão pode ser franqueada de sorte que nem se destrua aquella inviolabilidade, nem ao abrigo della fiquem impunes os delinquentes, he no que consiste a sabedoria da Camara, e o que está nas suas atribuições. Alguns Senhores achão nesta parte o Artigo excessivo, e outros o achão diminuto. Disse um Sr. Deputado que, assim coma havia necessidade de se entrar na Casa do Cidadão para aprehender os bens, tambem se poderia entrar para aprehender a pessoa: isto não esqueceo á Commissão, mas pareceo que estava comprehendido na Lei de sequestro, e entendeo que se podia verificar uma, e outra cousa, na conformidade das Leis existentes, que assim o determinão. Disse-se tambem que o Artigo era contrario á Carta, porque a Carta manda marcar os casos, em que se pode entrar na Casa do Cidadão, na conformidade das Leis, e que estas Leis já existião; mas quando o Artigo estabelece o caso de prisão, determina expressamente este caso, e approva as disposições das Leis a este respeito. He verdade que as Leis são muito imperfeitas, e que nós deveriamos fazer outras, que regulassem com mais justiça os casos, que determinão a prisão, mas resultaria uma grande complicação na de que agora tractamos, se quizessemos fazer aquella, que he de outra natureza, ou se nella quizessemos incluir todas as collateraes. Em quanto ás reflexões, que fez o Sr. Maya relativamente a que não achava, nem podia imaginar-se um caso, em que fosse proveitosa esta disposição, a fallar a verdade, parece que tal asserção não devia attender-se. Pois não pode um Magistrado, abusando do seu poder, entrar na Casa de um Cidadão, sem ser em nenhum dos casos que aqui se especificão? E então não seria a entrada arbitrario? Se alem desses casos, que aqui se marcão, pode entrar um Magistrado na Casa de um Cidadão, he claro que marcando-os, e não devendo entrar senão nos marcados, goza o Cidadão deste beneficio. Porem dar uma generalidade tão grande, como se pertende, a este direito, seria subverter os principios. O mesmo Sr. disse que, analysando o Artigo, não achava o que era asilo da Casa do Cidadão. Na verdade isto são expressões algum tanto figuradas. Tambem se disse que a Casa do Cidadão he um castello; mas, Senhores, he asilo, e castello para o Cidadão pacifico, mas não vamos nós faze-lo castello, e asilo de assassinos, e ladroes, dando demasiada extensão a esse direito. A verdadeira medida desta Lei he a necessidade. He necessario, ou não he necessario, que se entre as Casa do Cidadão para aprehender os objectos roubados? He, ou não he, que se entre para examinar se ha contrabando? etc. Depois de determinar estas necessidades, então he quando se pode fixar o Juizo sobre o direito da inviolabilidade; no emtanto que estas necessidades não se evitem, não se pode fixar aquelle asilo. Em fim,, eu respeito tanto o direito que cada um tem de viver tranquillo na sua Casa, como o direito que cada um tem de gozar tranquillidade na Sociedade pela boa administração de Justiça, a qual não poderia praticar-se sem algumas necessarias restrições áquelle mesmo direito. (Apoiado).

O Sr. Magalhães: - Segue este Artigo por uma natural deducção a ordem das idéas deste Projecta; e o Illustre Deputado, que acaba de fallar sustentou-o tão bem, destruindo as objecções, que lhe havião sido oppostas, que eu cederia de bom grado a palavra, senão fosse desejar um pouco mais rebatidas as idéas, que um Illustre Deputado expendêo. He sempre mui perigoso caminhar pelos extremos, e em todas as cousas ha um mediu razoavel, que deve seguir-se; e assim, querendo nós evitar os insultos, a que a Casa do Cidadão se tem visto irremediavelmente exposta, devemos recear de converte-la n'um asilo do crime, e da desordem. Tem-se infelizmente no Mundo abusado muito dos nomes, que se dão ás cousas, e d'ahi tem se seguido consequencias desagradaveis. Romulo abrio um asilo para os Malfeitores; Romulo roubou as Sabinas, e chamou a isto virtude. Se pois tornarmos á Casa do Cidadão inaccessivel á marcha da Justiça, que mantem as Sociedades, quem duvidará que todos os attentados serão impunemente comettidos?? Daqui segue-se que, posta em conflicto a segurança individual com a segurança publica, a tranquillidade particular com a tranquillidade da Sociedade, o crime com o castigo, o vicio com a virtude, devem garantir-se estas, e não aquellas. E qual deve ser o asilo daquella homem, que rompe o Pacto Social, que infringe, as Leis do seu Pais, as Leis, que são o sustentaculo da Propriedade e da vida dos homens constituidos em Sociedade? Um tal individuo está fóra da protecção

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dessas Leis, que desprezou. As Nações quasi barbaras, no meio da rudeza, que presidia ás suas Instituições Sociaes, observavão esta doutrina natural arisca.

Os Germanos, que offerecem o typo de todas as formulas: protectoras nas suas primeiras garantias, punhão fora do Bando aquelle, que o infringia, isto he, banião-o da sua Communhão. São mui judiciosas as reflexões, que o Illustre Deputado fez ácerca da prizão; porem são improprias deste lugar: aliás, em vez de Lei para marcar os casos, em que pode; e deve entrar-se em Casa do Cidadão, teriamos um Codigo de Instrucção Criminal. Para verificar-se a prizão deve entrar-se na Caso do Cidadão. Se esta prizão he, ou não hem determinada; se portal delicto deve proceder-se logo a prizão, ou não, isto são objectos de outras Leis; e, em quanto ellas se não fizerem, hão de regular-se pelas Leis existentes, como no Artigo se declara; nem obsta o argumento deduzido da Carta no § 6 do Artigo 145, pois a Lei, que alli se indica, he aquella, que deve precisamente fixar o facto, que deve determinar a entrada; nem obsta tão pouco o caso da Fiança, porque esta só tem lugar quando a Parte a offerece; e não he a Justiça, que ha de offerecer-lhe a opção. A prizão, segundo a Legislação, só pode ordenar-se depois da Pronuncia; e tambem ha Pronuncia, que não obriga a prizão, e só a livramento ordinario, isto he, solto o Réo. Se pois a Authoridade não pode, excepto no flagrante delicio, proceder a prizão sem pronuncia, quem dirá que um individuo pronunciado, e por consequencia prevenido de um delicto, não deve ser prezo, e que para o ser não deve entrar-se em sua Casa?

Nem se diga que bom castigado, bem degradado está elle em se ver obrigado a conservar-se dentro em Casa. Por ventura equivale isso ao justo castigo, que devesse impôr-se-lhe? Não ficava por isso inutil a pena? E teria Sociedade obrigação de ter-lhe cercada a Casa, até que elle tivesse vontade de entregar-se á Justiça? Então não haverião dentro em poucos tempos Guardas bastantes para semelhante fim! Srs., são estas doutrinas demasiadamente abstractas: ninguem deseja mais do que eu que o homem ache na Força Social a sua protecção; que essa Força Publica se não converta em aggressóra; porem conheço que he necessario descer a principios praticos, e submetter-se a essa Força, para ella poder operar os seus fins, parte da Liberdade natural, sem cujo sacrificio seria toda perdida.

Agora pelo que pertence á Penhora, ou Sequestro, persuado-me que devem accrescentar-se os casos, que já alguns Srs. Deputados apontárão, e eu accrescentaria o do Arresto, mui diverso do Sequestro.

A busca de objectos roubados he um pouco ampla; e seria melhor limita-la ao caso de apprehensão, como o dos Contrabandos; porem he quanto a estes que eu muito desejo que o Artigo se circumscreva alguma cousa, referindo-se somente a Lojas, Armazens, ou Casas de pessoas anteriormente pronunciadas.

A Investigação de Instrumentos, e Vestigios de Corpo de Delicto he um pouco larga; porem não he possivel prescindir-se deste caso, e então com justa razão em todos estes ultimos se accrescenta a condição, que faz o final do Artigo, a qual bom seria que fosse ainda mais correctiva.

Em vista de tudo, que tenho dicto, voto, com as pequenas explicações, que fiz, e com que os Membros da Commissão convem, pelo Artigo.

O Sr. João Elias: - Levanto-me tão somente para exigir uma declaração ao número 2.° deste Artigo, pois que eu approvo toda a sua doutrina; e seria deprimir nas fortes razões, com que seu Illustre Auctor o sustentou, he quizesse acrescentar alguma cousa: concordo com a opinião do Honrado Membro, que acabou de fallar sobre o deposito, arresto, ou sequestro das pessoas, caso frequente no uso do Fôro, ou seja da Mulher, que se quer separar do Marido; da Filha do poder dos Pais, para casar; de Orfãos, e Expostos, cujo deposito açoda passo se requer. A declaração porem, que exijo, já tocou nella de passagem o Honrado Membro, que abrio a discussão, e vem a ser, modificar o rigor absoluto, com que ella enunciada esta Proposição, concedendo aos Officiaes de Justiça a faculdade de entrarem sempre naquelle caso na Casa do Cidadão, rigor, que deve ser modificado com alguns correctivos; estes não são novos, mas já se achão consagrados na Ord. do Reino, Tit. 86 § 7.° do Liv. 3.º, onde se estabelecem as formas, e garantias, com que os Officiaes de Justiça devem proceder a penhora, e sequestro, concedendo a faculdade ao executado de escolher os Bens, e offerece-los á penhora, sendo a phrase ordinaria da Lei = dar os Bens á penhora, = o que denota um acto voluntario, que a cada passo se encontra na nossa Legislação; e não ha Rabula, que não conheça a sua força. O § 15 do citado Titulo he mais terminante, prohibindo que os Officiaes de Justiça entrem em Casa dos Escudeiros Cavalleiros, Fidalgos, Desembargadores, e suas Mulheres, achando Bens fora do Casa, ou, não os achando, pedindo-os de fora; e, só no caso de lhos negarem, concede a faculdade de entrarem. Ora: se a Ordenação do Reino, formada em tempos, em que a Filosophia da Jurisprudencia era muito desconhecida, já foi tão previdente, como não seremos nós hoje? Por tanto voto que se declare assim o caso de sequestro das pessoas, como o dar o Réo os Bens á penhora.

Quanto aos Contrabandos he o objecto deste Artigo mais debatido; eu porem approvo-o. Os Srs., que o impugnão, receião menos da Segurança Publica, que nasce da prompta Administração da Justiça, e boa fiscalização da Fazenda, do que da Segurança Particular procedida da Inviolabilidade da Casa; repuião
mais sagrada a Casa, que a Pessoa, e Bens do Cidadão: estas podem violar-se, mas a Casa não; esta pode ser o asilo dos ladrões, malfeitores, e contrabandistas, e muito embora perigue a Sociedade. As Garantias Individuaes consistem umas vezes no exercicio da um Direito, v. g. a communicação livre dos pensamentos, o fazer tudo, que não he prohibido pelas Leis; outras vezes na prohibição de alguns factos; e outras nas formulas, por que os factos se devem praticar; neste caso estão os Contrabandos. Voto portanto a favor do Artigo, com as declarações exigidas.

O Sr. Tavares se Carvalho: - Tem havido quem tem achado o Artigo defeituoso por excessivo; quem o tem achado defeituoso, por, diminuto; e até quem se tem assustado de ver o Artigo: mas, Sr. Presidente, he preciso dize-lo, todos os Membros da Commissão de muito boa fé, e todos elles, creio eu, (eu pelo menos o asseguro por mim) que de boamente subscreveria á suppressão de todos os casos marcados

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no Artigo para a entrada na Casa do Cidadão, se se declarasse por esses Srs. o modo, por que se podem executar as Leis existentes, sem se entrar na Casa do Cidadão nesses mesmos casos, que se designão. A ultima parte do Artigo enfreia a Authoridade dos Juizes, e com essa clausula está satisfeito o excelso, que poderá recear-se.

O Sr. Borges Carneiro: - O Artigo me parece bom em geral, por satisfazer as duas Indicações desejadas, 1.ª manter a inviolabilidade da Casa do Cidadão, inviolabilidade tão respeitarei que Nações Sabias a consagrarão com o nome de Sanctidade, e como artigo de Religião; 2.ª manter a Segurança Púbica, e a Administração da Justiça. Se não estivessem conciliados estes dous grandes objectos, a Lei seria viciosa, como he toda aquella que esta alem ou aquem dos limites em que consiste o recto. Com tudo eu quereria no Artigo as correcções ou declarações seguintes. Onde tracta da prizão, desejo que a faculdade de entrar na Casa se conceda por todos os Casos Civeis de que tracta o §. 9.º do Artigo 145 da Carta, e quanto aos Crimes somente por aquelles que não admittem Fiança; pois nos que a admittem, isto he, nos que são tão leves que a França evita a prizão ou a relaxa depois de feita, para que se ha de prmittir a violarão do asilo da Casa, que nestes termos certamente he mais respeitavel que o asilo da pessoa? Para que notar a Casa para prender o Cidadão, que em chegando á cadeia sahirá logo della pelo beneficio da Fiança? A outra correcção he relativa á Penhora A Legislação actual prohibe entrar na Casa dos que tem Foro de Cavalleiro Escudeiro, ou outro maior, ou na de suas mulheres para Penhorar bens moveis, salvo não os dando elles, e não os havendo fora da Casa. Longe pois de se abolir este Privilegio, ficâmos antes delle uma regra geral, extensiva a todo o Cidadão. Por certo he isto bem coherente, pois os que até agora erão Vassallos, não sei com que nota de abjecção, forão agora elevados á nobreza do homem livre que equivale bem aos dictos Escudeiros Cavalleiros. Tambem quererei que o que no Artigo se diz da Penhora se extenda ao caso das mulheres que são depositadas na forma das Leis por sevicias, para Casamento e outros casos, em que devem ser postas in loco luto. O caso dos Contrabandos, e Descaminhos he necessario; pois cumpre proteger-se razoavelmente a Fazenda Publica, e mesmo o Direito adquirido dos Contractadores; e em estenderia esta doutrina tambem as Revistas das Adegas nos casos das Leis Fiscaes, pois estas Crise não tem a mesma inviolabilidade que as Casas da habitação: bem como ao caso da Vistoria e Avaliação Judicial da Casa, pois as Funcções da Justiça devem ser explicitas. Não se julgue com isto offendida a inviolabilidade, pois se deve considerar que nestes casos a entrada da Justiça he sujeita as formas e cautelas prescriptas neste Artigo, e no seguinte, as quaes são antemuraes da licença, da vingança, e do abuso.

O Sr. F. J. Maya: - Repito que por ora ainda se não satisfez ao meu convite para que os Illustres Membros da Commissão me apontassem um só caso, em que a Casa do Cidadão he asilo inviolavel, como a Carta Constitucional determina expressamente que haja; pois quando diz, que será franqueada a sua entrada nos casos e pela maneira que a Lei determinar, segue-se necessariamente que ha de haver outros casos, em que não será franqueada. Tudo quanto se tem dicto contra a minha opinião me parece não ter fundamento algum. Não me importa e os Filosofos, e os Juris-Consultos reprovão o asilo, ou se a existencia dessa Jurisprudencia tem sido util ou prejudicial; o que me importa he dar o devido cumprimento a um Artigo da Carta Constitucional, que he a Lei superior que nos rege. Esta Lei não he feita para reprimir, ou castigar a arbitrariedade, ou abuso do Poder das differentes Authoridades de Justiça, porque isso pertence á Lei Regulamentar do Artigo 123 da Carta; o seu unico objecto e fim he marcar os casos, em que de dia ha de ser franqueada a Casa do Cidadão. O argumento do paridade ou desigualdade que se apresentou, de que a Casa não devia ser mais privilegiada que o proprio Cidadão, tambem me parece nada prova, e a razão he palpavel. A Carta designou os casos, e circunstancias para a prisão do Cidadão, assim como designou que a Casa do Cidadão fosse asilo inviolavel: e como nem esta Camara, nem mesmo o Corpo Legislativo pode por ora alterar os Artigos Constitucionaes, devemos cumpri-los taes quaes estão. Igualmente me parece que nada concluo a reflexão do que esta Lei não era um Codigo, para que nelle se especificassem os casos, em que se invadiria a Casa do Cidadão para a prizão, a fim de restringir a generalidade, em que está para toda e qualquer prizão, pois a resposta he facilima, lendo-se o § 8.º do Artigo 145 da Carta, cujo Artigo tambem não he Codigo, mas nelle se declara um limite de pena, em que o Réo de crime poderá livrar-se solto.

Se os Illustres Membros da Commissão entendem cohibir os abusos pelas penas, que impõem aos Juizes, que fizerem procedimentos arbitrarios para se proceder a prizão, isto já está providenciado no § 9.° do mesmo Artigo 145. Concluo que, a não se fazerem algumas modificações no Artigo 3.º, reputo esta Lei inutil e desnecessaria, e por isso muito prejudicial, pois que o dicto Artigo, em menos palavras, quer dizer: Apezar do § 6º do Artigo 145 da Carta Constitucional, a Casa do Cidadão durante o dia não ha asilo inviolavel em caso algum, e deve ser franqueada todas as vezes que os Juizes o mandarem, na forma das Leis existentes, pois que esse § não trouxe mais direito algum ao Cidadão Portuguez, e apenas regula para que o Cidadão possa de noite estar seguro na sua Casa Graças ao Sabio Auctor da Carta, que o não fez dependente de Lei Regulamentar. Voto contra o Artigo, sem que se lhe fação as devidas alterações em conformidade da Carta. Talvez que a discordancia que observo entre o meu modo de pensar, e o de tão abalisados Juris-Consultos e Magistrados nasça da falta de conhecimentos e pratica de julgar.

O Sr Curpertino: - Eu approvo a doutrina do Artigo; e depois das sabias e victoriosas razões, com que elle tem sido defendido, seria superfluo, e ocioso quanto accrescentasse em seu apoio. Levanto-me somente para por uma parte responder ao honrado Membro, que imagina que, passando o Artigo como se acha concebido, a inviolabilidade da Casa do Cidadão, de dia, desapparece inteiramente e exige que se lhe aponte algum caso não comprehendido nas excepções do Artigo, em que se verifique a regra da inviolabilidade; e por outra parte lembrar outras circum-

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stancias, alem das expressadas no mesmo Artigo, em que se devo igualmente permitiu a entrada na Casa alhêa, e que se devem ajuntar á resenha, que aqui se faz.

Diz o honrado Preopinante que em vista do Artigo não ha caso, em que a Casa do Cidadão tão fique franca á Authoridade publica e que era melhor dizer que a inviolabilidade se não o entende de dia. Isto não he exacto. Eu lhe mostro um caso bem notavel, em que pelo Projecto fica prohibida a entrada da Casa aos Officiaes de Justiça, os das Citações, e Notificações. Até agora, para ser citada qualquer Pessoa, o se lhe intimar alguma Ordem, ou Despacho, o Official de Justiça podia entrar livremente na Casa do Cidadão; mas, adoptado este Projecto, já assim não acontecerá: é Official deverá chamar a Pessoa, a quem se dirige, á porta da Casa, em que habitar; e, se ella lhe não quizer apparecer, o remedio será fazer-se a Citação na Pessoa de um familiar, ou visinho, como a Lei tem providenciado para quando os Citandos se escondem, mas não devassar-lhes a Casa, e entrar nella sem seu consentimento. Ha muitos outros casos, em que em nome da Authoridade pública se obrigava o Cidadão a franquear a sua Casa, e em que isso não terá mais; e tantos ellas são, que eu vou mencionar alguns, não como aquelles em que fica prohibida a entrada, mas que se devem accrescentar aos expressados no Projecto para se entender que, quando elles se derem, tambem será flanqueada á Justiça a entrada da Casa do Cidadão. Já alguns Preopinantes apontarão as Vistorias, e as Avaliações; e os que vou enumerar não devem tambem ficar de fora. 1.º O de posse. Acontece muitas vezes mandar-se dar posse de uma Casa, a qual de toma entrando, e sahindo, abrindo, e fechando portas, etc. E não ha de ser mais permittido dar estas posses? Isso seria absurdo. 2.° O de despejo. He frequente requererem os Senhorios de Casas arrendadas que os Inquilinos, que indevidamente repugnão sahir dellas, sejão obrigados a despeja-las; e, quando elles ainda assim recusão, manda-se fazer o despejo judicialmente á sua custa. E não terá já lugar este remedio do despejo judicial? 3.° O da cobrança de Autos; porque, quando os Advogados, ou as Partes demorão a entrega alem dos termos legaes, he indispensavel que a Justiça os vá cobrar. 4.° Os de varejos, ou inspecção das Vasilhas do Vinho, ou Agua-ardente para os Manifestos do Subsidio Litterano, e do Real d'Agua. Estes Actos são determinados por Lei, e necessarios, e para os praticar he necessario entrar em Adegas, e Lojas, que ordinariamente dizem parte da Casa do Cidadão, e talvez sempre se devão comprehender debaixo desta denominação. Tambem já se fallou dos Depositos das Pessoas, que a Justiça muitas vezes faz, já para se accionarem os Pais, ou Tutores para consentirem no casamento dos filhos, já para as mulheres intentarem Causas de Divorcio, já para outros fins; e esta qualidade de Diligencias de certo se não pode julgar comprehendida debaixo do titulo de = Penhora, e Sequestro =: que vem no texto: e eu até quereria que, para evitar dúvidas, se expressasse duramente o Embargo, que na Frazeologia Forense differe da Penhora, e do Sequestro.

Por tudo isto, parece-me necessario que o Artigo volte á Commissão para o redigir de novo, tendo consideração a mencionar tambem os casos, que só tem apontado na presente discussão; não devendo esquecer o definir o que sé entende por dia, e o que se entende por noite, pois de outra sorte recrescerão dúvidas, e questões a este respeito, querendo uns que dia se entenda o espaço desde o nascimento até o occaso do Sol, e o resto noite; e outros que se entenda dia quando ha luz, e noite quando ella falta; dúvidas, e questões, a que tenho visto dar lugar a Lei igualmente indeterminada, que declara que os ferimentos, sendo feitos de noite, são casos de Devassa; e as Leis, que se fazem, devem ser, quanto ser possa, claras, fixas, e determinadas.

O Sr. Soares de Azevedo: - Sr. Presidente, tenho observado attentamente a discussão, que tem havido sobre a doutrina deste Artigo, e nada mais tenho podido colher, como resultado da discussão, do que aquella divergencia de opiniões que, não raras vezes, acontece no pensar dos homens, impugnando uns o Artigo por defectivo, e demasiado restricto, outros por superabundante, e demasiadamente amplo, parecendo-me até chegarem alguns outros Illustres Deputados a sustentar que elle fosse eliminado deste Projecto, e que fora dos casos expressados no § 6.º do Artigo 145 da Carta não houvessem alguns outros, em que de dia se podesse entrar na Casa do Cidadão; e supposto seja muito para louvar o zelo ardente, com que se pertende defender, e garantir um dos principaes Direitos do Cidadão, todavia eu não me posso conformar com o seu modo de pensar. Os Illustres Deputados, que assim pensão, olhão tão somente para o asilo da Casa do Cidadão pelo lado, em que elle apresenta ao homem philosopho, e pensador a situação mais aprazivel, que o homem pode desfructar na Sociedade, gozando no centro da sua Casa, e nos braços de sua Familia de todas as doçuras do descanço, sem receio de poder della ser arrancado, nem menos ser incommodado de maneira alguma. Porem, Srs., he necessario não nos deixarmos seduzir com essas acenas tão apraziveis, como extravagantes illusões, com que alguns philosophos excessivamente filantropicos nos querem pintar o asilo da Casa do Cidadão. He necessario que nos lembremos que a Casa do Cidadão deve sim ser um verdadeiro, e inviolavel asilo para o Cidadão probo, e virtuoso, mas não um baluarte inaccessivel para o homem perverso, e malfeitor, ou perturbador da Ordem, e do Socêgo Publico. He necessario que nos lembremos que a Sociedade tem direito a ser bem regulada, até com sacrifícios daquelles, que a formão, pois que o homem, logo que se constituo em Sociedade, depõe a bem da mesma todos aquelles Direitos, que são indispensaveis para a conservação da mesma Sociedade.

Em uma palavra, Srs., he necessario que nos lembremos que o Bem Publico deve ser o verdadeiro farol do Legislador, ou, para melhor dizer, o seu principal, e unico fim; e consequentemente que nós como Legisladores só devemos conceder ao Cidadão aquellas Garantias, e naquelles casos, que não torem incompativeis com o Bem Publico, ou interesse da maior parte da Sociedade. Debaixo destes principios he que a Commissão redigio este Artigo, restringindo o poder-se entrar de dia na Casa do Cidadão conta sua vontade, aos cinco casos designados neste Artigo.

Julgo dever declarar solemnemente nesta Assembléa que os Membros da Commissão não pro-

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fessão menos sentimentos liberaes, do que qualquer outro Membro desta Camara; porem a Commissão julgou, não poder de maneira alguma abstrahir de algum dos casos expressados neste Artigo; antes, pelo contrario julgou que talvez fosse necessario accrescentar mais alguns outros casos para se tornar exequivel a boa administração da Justiça, e não os declarou aqui, não porque alguns, dos que já aqui fôrão apontados, não fossem presentes á Commissão, mas porque a Commissão nesta parte antes quiz, peccar por menos, do que por demais; antes quiz que esta Camara lhe mandasse accrescentar alguns, do que lhe mandasse diminuir, ou excluir; e por isso pela minha parte não me opponho a que se accrescente mais algum, se a Camara assim o julgar conveniente.

Em quanto porem aos casos especificados no Artigo, julgo do meu dever sustenta-los, porque estou intimamente persuadido que, não se permittindo nelles centrar de dia na Casa do Cidadão, de certo periga o Socêgo Publico, e a boa Administração da Justiça, como vou demonstrar. He o primeiro caso, em que, segundo o Artigo, se pode, de dia, entrar em Casa do Cidadão = para se proceder a prizão, nos casos, em que as Leis a determinarem. = Creio que não haverá ninguem nesta Camara, que duvide que o Bem Publico do Estado exige que se faça effectiva a prizão naquelles casos, em que as Leis a determinarem, porque quem quer os fins quer os meios; assim como me persuado não haverá ninguem nesta Camara, que queira ver o homem perverso, e malfeitor no centro de sua Casa, e sua Familia, e até mesmo á sua janella, fazendo galardão de seus crimes, e até rindo-se, e ludibriando da Lei, que lhe determina a prizão, e da Justiça, que procura executa-la, se por ventura não está premeditando em novos crimes.

Daqui já se vê o quanto he excessivamente estoico o pensar daquelles Illustres Deputados, que se satisfazem com que neste caso se bloqueie a Casa do Cidadão, pois que a sua retenção em Casa, e impossibilidade de sahir lhe servirá de castigo, esquecendo-se ao mesmo tempo que, tendo ligado idéas tão aprazíveis á habitarão do homem no centro de sua Casa, e braços de sua familia, queirão agora considerar esta mesma habitação como uma pena, e um castigo, esquecendo-se tambem por outro lado que, sendo infelizmente tão grande o numero de malfeitores, e de maleficios, senão poucos todos os homens restantes para estarem de continuo bloqueando a Casa dos malfeitores. Srs., he necessario olharmos mais sisudamente para o nosso estado actual, e reflectirmos que, uma vez que a Lei julgou dever mandar proceder á prizão de qualquer Cidadão, he necessario que se effectue, ainda mesmo sem respeito á Inviolabilidade da sua Casa; porque se a Lei, ou, para melhor dizer, o Bem da Sociedade achou indispensavel que se procedesse a prizão de um Cidadão, e se violasse a sua Pessoa muito mais exige se viole a sua Casa, porque na verdade he menos a inviolabilidade da Casa, do que do Pessoa; he por tanto no meu pensar indispensavel que se sanccione este caso. He o segundo = a penhora, e sequestro. - A boa Administração da Justiça exige que se facão effectivos os Julgados, e se não tornem illusorios, e inexequiveis; e elles se tornarião illusorios, e inexequiveis, se acaso se não permittisse a entrada na Casa do Cidadão para se proceder a sequestro, e penhora nos casos, em que assim fosse determinada pelas Leis para a boa Administração da Justiça, e se dar a cada um o que he seu; e creio que não he da mente desta Camara o pertender, a titulo da inviolabilidade da Casa do Cidadão, o proteger o Devedor fraudulento, e doloso, que, tendo em sua Casa Bens, com que possa pagar a seus Credores, se exima de pagar o que deve, só porque não se lhe pode entrar em Casa contra sua vontade, a fim de se apprehenderem, e penhorarem Bens, com que pague a quem deve. Esta razão he de sobejo para justificar esta doutrina do Artigo.

Não posso aqui deixar de apoiar a idéa apontada por alguns Illustres Deputados, e que foi por ruim sustentada na Commissão, de que se deve extender a todo o Cidadão aquella contemplação, que o § 12 da Ordenação Livro 3.º Titulo 86 manda ter com as Pessoas Nobres, não se podendo entrar em sua Casa para se proceder a penhora, sem primeiro se lhe pedir de fora penhores bastantes, etc.: esta attenção parece-me muito justa, e que se tenha com todo o Cidadão, porque todos são iguaes diante da Lei; e com isso nem se offendem, nem se diminuem as regalias Aristocraticas, que sustenta a Carta Constitucional. O 3.º caso he o da = busca de objectos roubados. = Creio que não será da mente de nenhum Membro desta Camara o querer dar mais protecção ao Ladrão, do que ao Dono da cousa roubada, ou proteger mais o asilo, e inviolabidade da Casa do Cidadão, do que o dominio, que qualquer Cidadão tem nas suas cousas, e o direito de as poder ir buscar onde quer que elles estejão: este direito he tão sagrado, que a falta da sua garantia nada menos imporia que o transtorno da Ordem Social, e destruiria o principal fim, para que se unirão os homens era Sociedade. Nem devem assustar os termos genericos, em que se acha concebida esta doutrina, porque no fim do Artigo, em que primeiro se exige uma informação summaria, está a salvaguarda desta generalidade. O 4.º caso he o da = apprehensão de Contrabandos. = O estado definhado, e ruinoso das nossas Finanças, e Rendas Publicas, bem como do nosso Commercio, e Industria, e finalmente a sanctidade dos Contractos, que religiosamente elevemos observar, tudo isto fez com que a Commissão, forrando aliás seus principios, admittisse este como um dos casos, em que tambem se podesse violar a Casa do Cidadão; porque, attendendo a cada uma destas circumstancias, e á desmoralisação dos costumes, nós dariamos sem dúvida um golpe fatal no nosso Commercio, e Industria, e nas Rendas Publicas do Estado; se não admittissemos este caso, nós tornariamos de facto nullas todas as Leis prohibitivas, nullos os Direitos das Alfandegas, e nullos os Contractos de Tabaco, Saboarias, e Cartas de Jogar, sem dúvida um dos Contractos mais rendoso do Estado; todas estas circumstancias obrigarão a Commissão a admittir a apprehensão dos Contrabandos como um dos casos, em que de dia se podia entrar na Casa do Cidadão, precedendo tambem previamente informação summaria. O 5.º, e ultimo caso he o da = investigação de instrumentos, e vestigios do delicto, = porque debalde procuraremos evitar os delidos, se os não procurarmos punir; debalde procuraremos puni-los, se não procurarmos descobri-los; e debalde procuraremos descobri-los, se não empregarmos todos os meios de os investigar, bem como os instrumentos, e vestigios do mesmo delicto, nos casos, em que pos-

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sa ter lugar. Srs., eu bem quizera seguir na pratica os principios Liberaes de um Publicista moderno, que diz que a Lei só deve acompanhar o Cidadão desde que sahe de sua casa até tornar a entrar nella; e, logo que entre, deve ficar á porta, e entrega-lo á sua Moral, e sua Religião. Porem, Srs., em um estado se desmoralisação publica, em que infelizmente nos achâmos, e em que a corrupção dos costumes parece ter tocado a ultima meta de perversidade, julgo muito perigoso o sermos excessivamente liberaes em garantirmos em demasia a inviolabilidade da Casa do Cidadão: reconheço que para qualquer lado, que voltemos os olhos, havemos de achar inconvenientes; mas em taes circumstancias a prudencia do Legislador pede que se procure um meio termo, e foi esta a razão, por que a Commissão admittio o poder-se entrar na Casa do Cidadão tão somente nos casos expressados neste Projecto, não deixando de lhe occorrer que outros muitos haverão, em que para a boa Administração da Justiça seja necessario entrar na Casa do Cidadão contra sua vontade, casos, que a Commissão não duvida accrescentar, se a Camara assim o determinar: no emtanto, pelo que pertence aos expressados neste Artigo, he indispensavel que sejão admittidos; e approvo por consequencia a doutrina do Artigo.

O Sr. Barreto Feio: - Apezar das razões, que se tem produsido ainda estou persuadido de que se este Artigo passasse na generalidade em que está concebido iria destruir de todo a inviolabilidade de asilo estabelecida na Carta. Prisão na conformidade das Leis, he prender por todos os motivos, e do mesmo modo porque atéqui se prendia; e assim a Casa do Cidadão ficava com os mesmos privilegios que tinha dantes; isto he, nem ficava sendo asilo inviolavel, nem asilo de qualidade alguma. Ora: a Carta diz que a entrada de dia na Casa do Cidadão só cera permittida nos casos, e pelo modo que a Lei determinar; a Carta falla de uma Lei posterior á mesma Carta, o Projecto refere-se ás Leis anteriores; a Carta falla do futuro, o Projecto falla do passado. Ora; o passado he opposto ao futuro, logo este § 1.° he, na minha opinião, contrario á Carta. Por tanto, julgo que se deve supprimir, adoptando-se era seu lugar a Emenda do Sr. Caetano Alberto. A busca de objectos roubados tambem he cousa muito vaga, e poderia servir de pretexto a todas as violações, que por vingança, ou qualquer outro motivo se quizessem praticar: e por tanto se não deve permittir, senão no caso de estar provado, que os roubos estão em uma certa, e determinada Casa.

Tanto mais que, o entrar em uma Casa a procurar roubos, he o mesmo que dizer, ou suppor, que o dono della he ladrão, ou capa de ladrões, que he a maior nodoa, que se pode lançar na reputação de um homem.

A apprehensão de contrabandos deve desapparecer inteiramente deste Projecto. Os contrabandos evitasse nas fronteiras, nas estradas, e ás portas das Cidades, e não dentro das Casas dos Cidadãos. Em Inglaterra, e França, onde as Leis sobre o contrabando são melhor executadas, nunca por semelhante motivo se vai dar busca pelas Casas. Por tonto sou do opinião, que o Artigo deve voltar á Commissão para declarar todos os casos, em que a entrada na Casa do Cidadão se deve permittir, e o pôr em mais harmonia com a Carta.

O Sr. Camello Fortes: - Para responder aos Srs. que julgão não dever conservar-se senão a ultima parte do Artigo, que diz respeito ao caso de flagrante delicto, direi que quando he licito o mais he tambem licito o menos. Ora: estas tres primeiras hypotheses são da Carta, mas a sua determinação he relativa á entrada de noite, logo tambem o deve ser á entrada de dia; e por isso acho que tal disposição se deduz mesmo do espirito da Carta. Quanto á dúvida que póz o Illustre Deputado, que acaba de fallar, relativamente ao caso de flagrante delicto, elle deve advertir que estes casos devem ser marcados em uma Lei, em que se especifique quando os delictos são de tal natureza; e por isso he desnecessario fazer nesta Lei semelhante declaração. Pelo que pertence a dever dizer-se no Artigo = dono da Casa = em lugar = de moradora dellas = digo que tal mudança he contraria á Carta, que permitte a entrada no caso de reclamação feita de dentro; e por isso comprehende não só a reclamação feita pelo dono da Casa, mas pelas outras pessoas, que estiverem dentro. Diz-se finalmente, que a hypothese do flagrante delicto deve tirar-se deste Artigo, e escrever-se no quarto; digo que tal não deve ser, e que o Auctor do Projecto callou aqui esta hypothese em seguimento das antecedentes, porque a doutrina do Artigo he toda para estabelecer os casos, em que de dia se pode entrar na Casa do Cidadão, sem ordena por escripto; e no Artigo quarto tracta daquelles em que he necessaria esta ordem: como o caso do flagrante pertence a primeira classe, devidamente foi collocado neste Artigo 3.°

O Sr. Caetano Alberto: - Sr. Presidente, nem os Srs. Deputados que seguirão a opinião que eu tambem sigo, nem eu, dissemos, ou pertendémos que qualquer tivesse em sua Casa um castello seguro e inexpugnavel, d'onde podem cometter todos os crimes que bem lhe parecesse, e para onde se recolhesse impunemente, sem que jamais alli penetrasse a Justiça. Todos convimos em que a Casa do Cidadão pode ser entrada pela Justiça em alguns casos; mas queremos que esses casos sejão marcados nesta Lei, porque o § 6 do Artigo l45 da Carta assim o manda; mas queremos que não sejão todos aquelles, em que pelas Leis existentes antes da Carta se mandava proceder a prisão, porque a Carta não diz em todos os casos que as Leis marcão, mas sim nos casos em que esta Lei Regulamentar ha de estabelecer; mas queremos que sejão só nos casos em que a utilidade pública o exige; porque o § 8 do Artigo 145 da Carta não quer que algum Cidadão seja conduzido á prizão, ou nella conservado dando fiança nos casos della, e mando que se livrem soltos todos aquelles, que não terião maior pena que seis mezes de prizão ou degredo para fora do Termo, e nenhuma utilidade ha em ser entrada a Casa do Cidadão, para este ser prezo, nos casos em que pela Carta se deva livrar, de solto, ou com fiança.

Em verdade, os argumentos em contrario nada provão contra esta opinião. Diz-se: a Casa do Cidadão he um asilo para o Cidadão probo e innocente, e não para o criminoso e mão; convenho no principio; mas de acordo com elle não está a primeira parte do Artigo, na generalidade em que está concebido. Quem he o Cidadão criminoso e mão? He porventura aquelle que somente se acha pronunciado, e que ainda se não sabe, se comettêo o crime? Quantos forão pronun-

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ciados, e ao depois absolvidos por Sentença por terem mostrado sua innocencia? Logo daquelle principio não se segue uma conclusão tão geral, como a do Artigo, e só pode ter força contra aquelles, que forem por Sentença julgados réos de crime.

Diz-se que esta Lei só vem acautelar os excessos das Authoridades, e garantir por certas formalidades que a Casa do Cidadão não seja entrada arbitrariamente: mas a generalidade em que está concebida a primeira parte deste Artigo não acautela aquelles excessos, nem pode garantir a segurança individual do Cidadão. Que cousa mais facil, do que arranjar duas testemunhas peitadas, e com ellas pronunciar o Cidadão probo, e em virtude da pronuncia entrar-lhe a Casa violentamente? Muitos exemplos ha de taes pronúncias. Onde está pois a garantia do Cidadão probo nestes casos?

Outro argumento he que, se não for franqueada a Casa do Cidadão á Justiça para todos os casos, em que as Leis mandão proceder a prizão, poderá o criminoso dalli sahir para fazer todos os males que quizer, vingar-se de seus inimigos, e recolher-se impune a sua Casa. Mas este argumento suppõe que todo o pronunciado a prizão he criminoso, quando muitos são innocentes; e em segundo lugar que todo o delinquente he um facinoroso, o que tambem he falso. He por ventura facinoroso aquelle que, em rixa nova para se desaggravar de injuriosa afronta fez um pequeno ferimento, dêo sua bofetada, etc.? He por ventura consequencia necessaria que saia a fazer mal aquelle que em sua Casa se recolhe para não ser prêzo? E supponhâmos que sabe para esse fim, seja então prezo por qualquer.
Outro argumento he deduzido da extincção legal dos asilos. Diz-se que tendo as Leis extinguido os asilos parciaes, concedidos antigamente ás Igrejas, e a outros lugares, não he coherente que agora se estabeleça um asilo geral para todas as Casas. Mas deve notar-se, 1.º que aquelles asilos extinctos erão Privilegios concedidos ás Igrejas e ás Casas dos Poderosos, e por isso tinhão o odioso do Privilegio; hoje o asilo concedido pela Carta á Casa do Cidadão he uma Lei geral, e não um odioso Privilegio: 2.º que naquelles asilos extinctos se refugiavão todos os criminosos, qualquer que fosse o seu crime, ainda nos de pena de morte, e com afronta da Justiça dalli escapavão á pena; o asilo porem da Casa do Cidadão, consignado na Carta, não lhe vale para todos os casos, nem deve protegê-lo nos crimes graves, os quaes devem ser declarados nesta Lei.

Finalmente diz-se, que a emenda he vaga, e cabe no mesmo defeito, que pertende evitar; por quanto dizendo-se nella que pode ser entrada a Casa do Cidadão nos crimes capitães, ou de pena de morte, não se pode bem marcar quaes estes sejão, porque a Ordenação do L. 5.° impõe pena de morte a quasi todos os crimes. Porem não he só pela Ordenação do L. 5.º que os Juizos Criminaes se regulão para a imposição das penas; uma Lei novíssima ordena que só aos crimes atrozes se imponha a pena de morte, e por esta se regulão os Tribunaes; e ainda que não está bem marcado quaes sejão os crimes atrozes, todavia he muito menos vaga a emenda ao Artigo por mim oferecida, do que a generalidade, em que elle está concebido.

Por tanto, o Artigo não deve ficar como está, e os argumentos deduzidos contra a emenda, não tem a força que se inculca.

O Sr. Moraes Sarmento: - Eu cederia de boa vontade da palavra, que V. Exca. me concedeo, se não reparasse que ha alguns Srs., que ainda tem de fallar, naturalmente por julgarem o ponto digno de mais porfiado debate, e por isso ajuntarei á materia já discutida mais algumas ligeiras observações. O objecto do debate he por certo um dos assumptos mais caros ao Cidadão fiel observador da Lei. Em todas as idades tem a Casa, e a Habitação merecido que se considere como uma das mais apraziveis scenas do estado da Sociabilidade. Horacio, que tanto renheceo o coração humano, querendo descrever as delicias da quietação, e asilo domestico, as foi igualar aquella satisfação, que o homem tem na companhia de uma Esposa amada - Domus et placens uxor =. Nesta mesma Camara se acaba de ver o exemplo mais decisivo da importancia deste assumpto: um Collega nosso, bem conhecido pelo seu amor da liberdade, tendo-nos privado tanto tempo de o ouvirmos, não pôde deixar passar em silencio um objecto de tamanha paixão, para quem ama a liberdade. Eu vejo no modo, porque a Illustre Commissão propoz o Artigo de Lei, que ella teve em vista o preceito de um grande Poeta nosso, Sá de Miranda, o nosso Horacio: diz elle:

O bem todo está no meio
O mal todo nos extremos.

Antes de fazer observação alguma sobre a doutrina do Artigo, direi que esta materia faz lembrar o dicto de uma Senhora tão celebre pelos seus talentos, como foi a Baroneza de Stael, = que o despotismo he que he moderno, porque a liberdade he antiga =. Na verdade: alguns Srs. Deputados já reconhecerão nas suas fallas o quanto as nossas Leis, sendo o Codigo de uma Monarchia para, e não temperada, respeita vão a Casa do Cidadão. Donde veio pois a mudança? Da instituição da Policia. Foi ella quem creou entre nós o despotismo! (Apoiado, Apoiado). Desde então houve em o nosso clima duas estações. Em quanto os negocios seguião o curso das Leis, havia ordem. Quando a Policia trabalhava, tudo se transtornava, e o seu Regimento era a rebaldaria das suas operações. (Apoiado). Ella estava acima de tudo: o Intendente podia levar á presença d'EIRei quanto quizesse: os mesmos Secretarios d'Estado despejavão a Sala, e ficava somente EIRei com o Intendente. Deste estabelecimento sahião aquellas Ordens para se invadir a Casa do Cidadão pacifico; e diante de semelhante Instituição, como se podia pensar em cousa alguma, que dissesse respeito á inviolabilidade da Casa do Cidadão? Não posso por tanto deixar de dar os parabens á Camara, e a toda a Nação, e os agradecimentos aos Illustres Membros da Commissão quando, olhando para o Projecto, não descubro porta aberta para a Intendencia entrar, e devassar a Casa do Cidadão, nem perturbar a paz domestica das Familias, que devem viver descançadas debaixo da sombra da Lei. Já conseguimos uma importante victoria sobre o despotismo; e, executando-se esta Lei, vamos gozar de principios de liberdade prática, em vez de ouvirmos so-

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mente theorias agradaveis. Vamos porem á doutrina do Artigo. Alguns Srs. Deputados apresentarão restricções, e outro Sr. Deputado exigio certas ampliações, ou, para melhor dizer, algumas declarações. Eu apoio a lembrança do
Sr. Deputado pela Provincia da Beira, em que pertende a limitação dos casos de prisão, fundando-se no paragrapho 8.° do Artigo 145 da Carta (lêo-o) ponto, em que tocou outro Sr. Deputado pela Madeira. Eu não acho inconveniente algum em se adoptar a referida Emenda; ella he conforme com a letra, e espirito da Carta.

Outra lembrança, a meu ver, mui digna de approvação, foi a do Sr. Deputado pela Provincia do Minho, que abrio este debate, relativamente a embargos, e depositos, etc. Elle referio o caso do deposito de uma Filha, que pertender casar contra a vontade de seus Pais. He bem sabido o modo, por que a nossa Lei procede em circumstancias desta natureza. He fora de lugar o tractar-se da bondade, ou defeito desta Lei: ella existe, e em quanto se não revogar, ou substituir outra, deve ser executada; e para sua execução convem se estabeleça o modo da entrada em Casa do Pai, que recusa dar consentimento, e cujo consentimento he supprido competentemente. Talvez fosse conveniente que a Illustre Commissão fosse encarregada de uma nova redacção do Artigo, á vista das Emendas, e Additamentos lembrados por alguns Srs., para os quaes parece-me estar a Camara de alguma maneira inclinada, e na votação se poderá poupar o propor grande numero de Emendas.

O Sr. Serpa Machado: - O Sr. Borges Carneiro, e o Sr. Cupertino fizerão algumas observações, ás quaes eu julgo necessario responder. Em quanto ao Sr. Maya, relativamente ao espanto que fez, e á contradicção, que acha com a Carta, de certo me admira muito onde a vai buscar! He necessario conhecer-se que o fanatismo não he só na Religião, ha tambem fanatismo filosofico, e este he muito máo; e na verdade, o que quer o Sr. Maya he um effeito do fanatismo filosofico. Em quanto ás idéas do Sr. Cupertino, na verdade são muito interessantes; quando na Commissão se tractou desta materia, disse que isto devia fazer o objecto de um Artigo Addicional. Eu convenho que se faça um Artigo Addicional a esta Lei, no qual se comprehendão as vistorias, os despejos, e outros casos.

O Sr. Guerreiro: - O objecto da discussão reduz-se a dous principios; não tolher a administração da Justiça, e manter a inviolabilidade da Casa do Cidadão: para bem marcar qualquer dos casos, cumpre que o Artigo volte á Commissão; todavia não posso deixar de observar que não se deve conceder a busca do contrabando em todas as casas em geral; e a minha opinião seria que a busca só tivesse lugar antes de entrar em qualquer casa; porem, attendendo á desmoralização publica, sou de parecer que se facilite tão somente nos Armazens, e Casas de venda, e nunca nas Casas particulares.

Concluo dizendo que he de extrema necessidade o fazer-se um Additamento ao Artigo, em o qual se imponhão certas formalidades, protectoras da inviolabilidade, a fim de que esta não seja só uma palavra; proponho que se marque a responsabilidade dos executores da Lei, no caso de violencia; e se designe tambem o procedimento, que se deve ter quando o Réo estiver em Casa alheia, pois que aliás he deixar a porta aberta, para que possão entrar em todas as Casas, ficando assim violadas, e insultados seus Habitadores; e para obviar isto he indispensavel que a ultima clausula do Artigo se extenda á primeira, assim como se deve declarar o mesmo no caso do flagrante, determinado no Artigo antecedente.

O Sr. Miranda: - A materia está sufficientemente illustrada, e por uso serei conciso. A Lei em questão he uma Lei Regulamentar relativa ao § 6.º do Artigo 145 da Carta, e deve estar em harmonia com o principio nella estabelecido. Se admittirmos tantas excepções, e com tanto amplitude, como neste Artigo do Projecto se estabelecem, desnecessario seria fazer-se uma Lei Regulamentar para marcar os casos, em que pode entrar-se em Casa do Cidadão. Bastaria declarar-se que de dia se poderia entrar nella em todos os casos determinados pelas Leis existentes; pois, com rarissimas excepções, he o mesmo que neste Artigo se estabelece. No citado § da Carta consagra-se o principio: que = a Casa do Cidadão he um asilo inviolavel =. Esta he a regra geral: he o fundamento daquelle respeito, e consideração, que o Sabio e Illustrado Auctor da Carta quiz que os Agentes do Poder tivessem, não com o material da Casa do Cidadão, porem com o asilo das Familias, com o recinto, sagrado lugar do seu recolhimento, e repouso; porem não podia entrar na mente do Legislador que a morada do Cidadão fosse o asilo do crime, nem uma fortaleza inaccessivel á Authoridade Publica, quando a sua Inviolabilidade fosse contraria aos direitos de terceiro, ou podesse comprometter a boa ordem, e segurança pública. Por esta razão marcou na Carta os limitados casos extraordinarios, em que pode entrar-se de noite na Casa do Cidadão, e só de noite, porque este he o periodo diurno, que a natureza marcou para o repouso dos viventes, e tambem porque as trevas põem os Officiaes de Justiça fora do alcance da vigilancia pública, uma das mais importantes garantias da liberdade do Cidadão. Porem de dia deixou para uma Lei Regulamentar o marcar os casos, em que deve ser permittido ás Authoridades a entrada da Casa do Cidadão, e he claro que estes não podem ser outros senão aquelles, em que a observancia da inviolabilidade do asilo seria funesta ao seu proprio Dono, contraria aos direitos de terceiro, ou subversiva da boa ordem, e da geral segurança.

Confrontando com os principios, que acabo de expor, as excepções, de que tracta o Artigo 3.º do Projecto, não posso concordar em que possa entrar-se na Casa do Cidadão para o prender, ou alguem de sua Familia, ou mesmo a qualquer, que nella busque um asilo, quando o crime, por que se proceda á prisão, he daquelles, que admittem fiança. Tambem não posso admittir que a entrada tenha lugar para proceder se a penhora, quando o Dono da Casa recusa entrega-la, salvo quando o Dono não tenha bens de raiz, ou bens moveis fora da Casa, que bem assegurem o Credor da quantia, que lhe deve o Dono da Casa, ou algum dos Moradores nella; porque, podendo conciliar-se o direito do Credor com a inviolabilidade da Casa do Devedor, deve esta ser mantida. Não sou igualmente de opinião que possa franquear-se a entrada por motivo de busca, e apprehensão de contrabandos. Muito embora subsista esta regra durante o

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actual Contracto dos Tabacos, e Sabão. Em geral não pode admittir-se, e quando muito só deve ter lugar relativamente ás Lojas, e Armazens. De outra maneira dar-se-ha uma larga aberta a vexames, e oppressões, que todos os dias, mormente nas Provincias, se estão comettendo sem o menor proveito da Fazenda.

Em uma palavra, he necessario evitar-se tudo quanto pode deixar arbítrio ás Authoridades. Se um Illustre Deputado, cujas luzes, e patriotismo muito respeito, se dêo a si mesmo, e á Nação os parabens por julgar por este Artigo de todo decepada a hydra da Intendencia Geral da Policia, não sou nesta parte concorde com sua opinião, e parece-me que os seus bons, e louvaveis desejos lhe não deixarão entrever a larga porta, que este Artigo deixa ainda aberta áquelle Monstro. Só nos dous casos 1.º e 5.° deste Artigo, com o pretexto de prisões, e da investigação dos instrumentos, e vestigios do delicto, tem a Intendencia um vasto campo, em que pode exercer a sua arbitraria, e inconstitucional authoridade. Não ha muito, ainda que disto vimos uma prova nos actos arbitrarios praticados com João Candido, cujo exame ainda está effecto a esta Camara, e por certo não será o ultimo, em quanto senão supprimir esta Magistratura imcompativel com a Carta.

O Sr. Campos Barreto: - Este Artigo contem a enumeração dos casos, em que a Casa do Cidadão, durante o dia, pode ser franqueada a qualquer Auctoridade, ou seus Officiaes, para diligencias do seu Officio. Elle tem sido combatido nesta longa discussão por motivos diametralmente oppostos; tendo alguns Srs. accusado a demasiada amplitude com que marcou os casos da franqueza da Casa, que formão as excepções da regra prohibitiva da sua entrada, e querendo que o numero marcado no Artigo se encurtasse a favor da maior Inviolabilidade; quando outros Srs. que me precederão a fallar, pelo contrario achão o Artigo defectivo, em quanto deixa de consignar outros casos, em que a boa Administração da Justiça torna indispensavel a entrada da Casa do Cidadão; e outros desejão no Artigo differente redacção. A Commissão, a que tive a honra de pertencer, atormentou-se para achar aquelle meio termo, que constituo a bondade das Leis, que a Camara deseja, e um honrado Membro judiciosamente lembrou: a Carta quer no § 6 do Artigo 145 que: o Cidadão tenha na sua Casa um asilo suave, onde não seja perturbado e sobressaltado: a Commissão quiz o mesmo e ainda quer; mas a Carta e a Commissão querião igualmente não paralizar e empecer a acção das Authoridades Cíveis, Criminaes, Militares, e Administrativas, de que depende o bem geral da Nação: e entendêo que não devia fazer com que um capricho de Inviolabilidade prevalecesse á utilidade geral. Era pois forçoso adoptar um de dous methodos: ou estabelecer uma regra geral, comprehensiva de todos os casos particulares em que he preciso que a Casa do Cidadão possa ser entrada pelas Authoridades, ou fazer uma lista especificando esses casos. Escolhêo a Commissão o segundo methodo, porque entendêo que assim consultava melhor a Inviolabilidade, e fez o Artigo como se acha, pondo alli os casos que absolutamente julgou indispensavel consignar; não que se persuadisse serem os unicos, mas porque preferia antes o encurtar-lhe o numero, como já explicou um dos Honrados Membros da mesma Commissão, para deixar à Sabedoria da Camara o accrescente dos mais que lhe parecessem precisos, discutindo sobre a base dos offerecidos.

Não era possivel que deixasse de haver divisão na Camara sobre objecto tão melindroso; na Commissão houve a mesma, e lá forão presentes, senão todos, grande parte dos casas, em que esta discussão tem mostrado defectivo o Artigo; mas ao menos observo que, á excepção do caso de Contrabandos, todos os Honrados Membros, que mais pugnão pela Inviolabilidade, reconhecem a necessidade dos casos do Artigo, e só desejão modificações nelles. Um disse que o Artigo não está em harmonia com a Carta, porque esta no Artigo 145 § 6 exceptua nos casos que a Lei determinar; que a Lei he esta que estamos fazendo, e que ella não marca os casos, porque diz o Artigo = em conformidade das Leis = Leis que são assistentes; quando a Carta não faltou de preterito, senão de futuro na palavra = determinar = A isto respondo: que determinar com referencia he determinar, e isso faz esta Lei: que esta Lei só tracta do preciso caso da entrada da Casa, e não de reformar aliás as Leis existentes: e em fim que essas Leis hão de vogar, em quanto não houver outras que a revoguem; que por tanto he imaginaria a desharmonia. Outros desejão que só se contemplem os prisões de casos graves, porque as Leis existentes mandão prender em casos muito leves; e querem que se excluão todos os casos, em que se admittem fiança, ou sequer os em que a pena he até seis mezes de prisão, ou degredo para fora da Comarca, na forma do § 8 do Artigo 145 da Carta. Mas a Lei que ordena a prizão he porque a julga necessaria para o bem geral; se assim não he então a Lei he injusta; revogue-se embora, mas a Commissão não assentou em conhecer disso, nem o lugar he mais proprio: e em quanto á fiança o outro Honrado Membro da Commissão já respondêo tudo o que havia para responder e satisfazer. No que eu convenho he em que na redacção se aclare bem que nos sequestros se comprehendem os arrestos de pessoa; porque com effeito isso se não entende claro nos termos do Artigo, e as Leis devem, ser muito claras: que a objectos roubados se ajunte = ou fartados = porque são cousas differentes: e que a clausula final do Artigo se estenda a outros casos, se a Camara assentar nisso, como propoz outro Honrado Membro; porque tambem sou de opinião de que as formalidades são as verdadeiras garantias do Cidadão. Agora o que não consinto he que se supprima ocaso dos Contrabandos, nem pode ser: l.° o estado da geral desmoralisação exige que a Fazendo, Publica seja fiscalisada; e 2.° he preciso não esquecermos os Contractos Reaes, como o Tabaco e Sabaorias: estes Contractos forão celebrados contando com a fiscalisação existente; he preciso conservar-lha em boa fé, porque he uma Condição do Contracto.

Tambem não posso deixar de condescender com os Srs. que acharão o Artigo defectivo: elles apontarão muitos casos que faltão , e eu alem delles apontarei um que me lembra, e he o do Lançamento da Decima dos predios urbanos, quando são habitados pelo proprio dono. Neste caso he precisa avaliação de sua renda por Peritos, na forma das Instrucções de 18 de Outubro de 1762; então como deixar de se franquear a entrada?

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Todos quantos casos se apontarão são dignos de attenção: estou certo de que, por muito que a lista seja numerosa, nunca teremos a certeza de que algum não esqueça: não me opponho por isso a que o Artigo volte á Commissão, se a Camara o julgar conveniente; mas, senão voltar, então proponho que se supprima, e que ao Artigo 2.º se ajunte um 5.° caso na forma seguinte = 5.° Por ordem escripta de Authoridade competente para Diligencia indispensavel do teu Officio? na forma das Leis.

O Sr. Tavares de Carvalho: - Impugna-se o Artigo por defeituoso; mas he pelo que lhe falta que elle o estará, e não pelo que se encontra nelle, e que se taxa de excessivo. O Sr. Maya diz que não ha caso nenhum, em que a Authoridade possa ir a Casa do Cidadão, segundo as Leis existentes, que não sega consagrado neste Artigo, concluindo que he inutil a Lei, e que não satisfaz ao Artigo da Carta, a que he relativa; accrescentando o convite, que faz á Commissão, para que lhe declare, se ha mais alguns casos, em que, pelas Leis existentes, se pode entrar em Casa do Cidadão. Eu acceitando o convite, que faz o Sr. Maya, digo que, alem dos mencionados no Artigo, ha todos aquelles, que tem lembrado cada um dos Srs. Deputados, que me precederão a fallar, alguns dos quaes he por infallivel fazerem-se expressos no mesmo Artigo em accrescentamento aos que se referem nelle, como he o caso de Vistoria, e Avaliação da Casa; e, alem desses, ha o caso do Embargo, no qual nunca convirei que se entre em Casa do Cidadão, ha o Varejo, etc.

O Sr. Leite Lobo: - Eu nada poderia dizer sobre isto, depois de tão Illustres Deputados terem fallado sobre a materia; porem, já que pedi a palavra, sempre direi alguma cousa. Este Artigo he exactamente a Lei, que se faz, porque os outros dous são da Carta.

Eu não quero que a Inviolabilidade da Casa do Cidadão sirva de azilo para o malfeitor, mas não quero que não conceda nenhuma regalia para o Cidadão pacifico, o que me parece que se pode dizer, porque em nenhum destes casos, nem nos differentes Artigos deste Projecto se achão as penas, que correspondem no que infringir algum destes, ou outros casos. Por ventura irá o Cidadão, cuja Casa for invadida, ter uma Demanda com a Authoridade (logo, logo)? He para este Artigo, não he para logo, e parece-me que esta garantia, que se dá, será de nenhum effeito: e lembro-me que, mesmo a respeito dos que usurpa o alguma propriedade, ou direito ao Cidadão, a Ordenação lhe dava o direito de se desforçarem em continenti. Por consequencia eu quereria que, no caso da Casa do Cidadão ser violada, elle tivesse o direito de se desforçar. Não tenho mais a dizer sobre isto.

O Sr. Van-Zeller: - Serei muito breve, visto ter-se fallado tanto sobre este particular: acho porem do meu dever dizer sempre alguma cousa sobre este objecto. Pela mesma razão que o Sr. Deputado Tavares de Carvalho approva que se diga apprehensão de Contrabandos, he que eu tambem desejaria que se disseste apprehensão de roubos, e não busca de roubos; Contrabandos, e roubos pouco differem; os Contrabandos são tambem roubos feitos ao Estado, e a Particulares.

A apprehensão de roubos, como de Contrabando, mas principalmente este ultimo, em geral origina-se em uma Denuncia; e como eu sempre hei de trabalhar, quanto de mim depender, contra o systema de Denuncias, que desmoralisão a Nação, he o meu voto que esse Denunciante tenha responsabilidade, obrigando-o a assignar a Denuncia, e á pena, caso que fosse falsa.

Uma casa, onde entra uma vez a Justiça a dar taes buscas, sempre soffre na sua reputação; uns acreditão que se achou o Contrabando, outros que não; e o dono fica no conceito de alguns tido por ladrão; proponho pois que se junte ao Artigo = Que o Denunciante seja obrigado a assignar a Denuncia, ficando sujeito ás mesmas penas, que soffreria aquelle, a quem denunciou, no caso que se não verifique a Denuncia. =

O Sr. Gerardo de Sampaio: - Sr. Presidente. Como o Sr. Deputado Tavares de Carvalho convida os Membros da Assembléa para reflectirem sobre as palavras = para a apprehensão dos Contrabando =, expondo que não ha razão para invectivar contra a Commissão, visto que ellas bem duramente mostrão que era tal caso não se admitte a busca, e só se tracta de apprehender uma cousa, que já se sabe que alli existe; levanto-me para lhe responder que a sua asserção não só não he extrahida da natureza da cousa, mas tambem não se pode tirar como conclusão, depois do se empregar no Artigo alguma hermeneutica grammatical: em quanto ao primeiro ponto, porque não pode haver apprehensão de fazenda em uma casa sem preceder busca, por mais clara, e especifica que seja a Denuncia: em quanto ao segundo, porque as palavras = para apprehensão = vem ligadas com as antecedentes; isto he, = para proceder a busca de objectos roubados, e a busca para apprehensão de Contrabandos = esta he a forma, porque literalmente se deve entender o Artigo, e não como se quer inculcar.

O Sr. Sousa Castello Branco: - Farei tambem algumas observações sobre o Artigo 3.° Estabelece este, que poderá entrar-se na Casa do Cidadão para effectuar, na conformidade das Leis, a prisão. Sustento esta determinação, não obstante as reflexões, que tenho ouvido em contrario. Disse um Illustre Deputado que não devia dizer-se genericamente, que a Casa do Cidadão fica franqueada á Authoridade no caso de prisão; porem devia declarar-se esses casos, em que a prisão fica tendo lugar, sendo isto o que he mais conforme ao § 6.° do Artigo 145 da Carta, a qual tem estabelecido, que a Lei designará ou casos, em que pode entrar-se de dia na Casa do Cidadão. Eu opinaria tambem com o Illustre Deputado, se a cousa fosse praticavel na Lei em questão, e se me convencesse de que a Carta exige mais do que faz o Projecto. De certo não he praticavel aqui fazer a enumeração de todos os casos, em que pode ter lugar a prisão, ainda que se tomassem algumas bases, como por exemplo = de que ninguem podesse ser preso senão por delictos capitães, e por aquelles que tivessem pena de degredo para fora do Reino = não teriamos adiantado mais, porque vinha logo a questão: e quaes são os crimes da pena capital, e de pena de degredo para fora do Reino?

Satisfazer a isto, seria organisar um Codigo Criminal, o que não he para aqui. Para que a Carta se observe, basta que o Projecto apresente

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uma enumeração de casos, em que a Casa do Cidadão deve ser aberta á Authoridade, e que entre elles contemple genericamente a prisão. Porem não deve contemplar-se o caso de prisão sómente para se dar entrada, a respeito de pessoa, na Casa do Cidadão; hão pode prescindir-se de accrescentar, como reflectio já outro Sr. Deputado, a palavra = deposito de pessoas; - deve mais accrescentar-se a palavra = custodia. = Não pode deixar de prever-se o caso, em que he necessario á Justiça entrar na Casa do Cidadão para depositar a filha-familias, que não tem obtido condenso paterno para casar, e o caso em que he preciso principiar por igual solemnidade para instituir-se a acção de divorcio: semelhantemente não pode deixar de prever-se o caso, em que convem franquear á Justiça a Casa do Cidadão para proceder-se a custodia da pessoa: tal he o caso em que o Clerigo comette o crime de Lesa Magestade, resistindo ás Justiças: manda a Lei que a Justiça ponha o Clerigo em custodia, dando logo parte a ElRei por Correio expedido á Secretaria d'Estado. He forçoso que seja tambem franca á Justiça a Casa do Cidadão para a penhora; mas somente admitto esta na Casa do Cidadão, quando elle não tenha outros bens mais, que aquelles que tem em Casa. Sou da opinião de um Illustre Deputado, que á palavra sequestro se acrescente = embargo; = e com effeito, ainda que muitas vezes se use de uma, ou de outra palavra para significar a mesma cousa, em direito são cousas diversas o sequestro, e o embargo: não pode deixar de dar-se á Justiça entrada na casa do Cidadão para proceder a embargo, que importa a segurança da propriedade do Credor contra o Devedor suspeito de dilapidação. Não posso deixar de convir em que se augmente á palavra roubados a palavra = ou furtados = para que na execução da Lei se não pretexte, que esta tracta só do furto acompanhado de violencia, que he aquillo que propriamente se chama roubo. A respeito de entrar a Authoridade era Casa do Cidadão para procurar contrabando, suppostas as cautelas, que se achão no fim do Artigo, e supposta a existencia de contractos feitos sobre a segurança das Leis então existentes, não me opponho a que seja caso, em que a Casa do Cidadão deva ser franqueada. Resta-me dizer que os casos já lembrados por alguns Srs. Deputados, o de = posse = despejos de casas = aposentadorias, = em quanto não for revogada essa Legislação, devem ser igualmente contemplados no Artigo. E quizera ainda que o summario, a que na ultima parte do Artigo se manda proceder, se fizesse extensivo ao caso de prisão praticada em Casa alhêa, que não pertence ao Cidadão, centra quem o procedimento se dirige; e que não se prefixasse ao Ministro o numero das Testemunhas do Summario, porque ás vezes não são exactamente concordantes, e esta circumstancia tolheria muitas vezes um procedimento de muito interesse para a Sociedade. Com estas addições, e declarações, votarei pelo Artigo.

O Sr. Cordeiro: - Como a Emenda do Sr Guerreiro volta á Commissão, he preciso fazer algumas reflexões. A Kmenda falla em Armazens, e Lojas, por consequencia parece-me que para esclarecer esta idéa cumpre observar que pelos Estatutos das Classes, approvados por Alvará de 16 de Dezembro de 1757, he prohibido ter Lojas em Sobrelojas, e outras Casas de cobrado para vender Mercadorias, por miudo; porem que, sendo manifesto que esta disposição se não acha actualmente em observancia, he de necessidade o tomar-se em consideração esta circunstancia, e declarar-se que as Lojas, e Armazens estabelecidos era Casas do sobrado ficão comprehendidas na disposição da Lei; e outrosim he necessario fixar a differença de Armazem, em que se vende, em Casas de sobrado, ou por miudo, e a retalho. A Camara, á vista destas reflexões, resolvem o que fôr mais acertado.

O Sr. Campos Barreto: - Parece-me que isto já foi remediado pela Commissão, quando diz = Para apprehensão de Contrabandos - com toda a generalidade: he visto que se comprehendem aqui todas as Lojas, ou Armazens em alto, ou em baixo.

A Commissão pensou que era preciso, a bem da Fazenda Publica, não acastellar os Contrabandos, e os Contrabandistas, e ao mesmo tempo quiz tirar o arbitrio em franquear a Casa por mero pretexto, fazendo necessaria uma Informação Summaria, e precedente de duas Testemunhas. Estamos em guerra, e temos um Thesouro exhausto; e nestes termos a Commissão, a que tenho a honra de pertencer, não poda esperar que esta Camara deixe de approvar o caso da busca, e apprehensão de Contrabandos, como uma dos excepções: á Inviolabilidade da Casa do Cidadão, para não paralisarmos a fiscalidade dos Rendas Publicas com detrimento de toda a Nação, e vantagem só do crime, e da immoralidade. Ao menos, peço que se attenda aos Contrarios, como o do Tabaco, e Saboarias, e aos Tractados, para que em todo o caso se resalvem; porque a fiscalisação dos Contrabandos importa uma condição dos Contractos, que não pode ser destruida por esta Lei, a qual na forma da Carta não deve ter effeito retroactivo.

Achando-se o Artigo sufficientemente discutido, o Sr. Presidente fez lêr pelo Sr. Secretario Barroso as differentes Emendas, e Additamentos, que havião offerecido os Srs. Gerardo de Sampaio. - Alberto Soares - Guerreiro - Elias da Costa - Van-Zeller - e Sousa Castellobranco.

Declarou o Sr. Presidente que entregaria á votação a materia do Artigo por partes, salvas as mais Declarações, e Additamentos constantes das Emendas oferecidas.

A primeira parte até ás palavras = a prisão = foi approvada. Igualmente a segunda nas palavras = a penhora, e sequestro. = A terceira parte não foi approvada como está, mas sim dizendo-se = para busca de objectos furtados, ou roubados. = A quarta parte não foi approvada como está, mas sim com o Additamento do Sr. Guerreiro, que diz: = Proponho que por causa do Contrabando somente possão ser franqueadas as Lojas, e Armazens =: e com a declaração de ficarem sempre salvas as condições estipuladas a este respeito nos Contractos publicos existentes. - A quinta parte até ás palavras = vestigios do delicto = foi approvada A sexta e ultima parte foi approvado na sua generalidade, e sem se entender vencida, nem em quanto aos casos, nem em quanto ao numero das, testemunhas: rasolvendo-se que tanto a este respeito, como das Emendas, e Additamentos offerecidos, voltasse o Artigo á Commissão com as dictas Emendas, e Additamentos, para o religir novamente em conformidade do vencido, e das idêas expendidos na discussão, e consignadas nas dictas Emen-

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das, e Additamentos, dando-lhe a consideração, que julgasse conveniente.
Passou-se ao Artigo 4.º

«Nos casos indicados no Artigo 3.º se guardarão as seguintes formalidades: 1.ª, Ordem por escripto de quem determinou a entrada, que indique a Diligencia, e o motivo della: 2.ª, manifestação desta Ordem, ou do seu traslado, aos Moradores da casa: 3.ª, assistencia de um Escrivão, ou duas Testemunhas.»

O Sr. Gerardo de Sampaio: - Sr. Presidente, direi alguma cousa sobre a materia da discussão; diz a doutrina: = Nos casos indicados no Artigo 3.º se guardarão as seguintes formalidades: 1.ª, Ordem por escripto de quem determinou a entrada, que indique Diligencia, e o motivo della =; até aqui não se me offerece dúvida alguma: = 2.ª, manifestação desta Ordem =; agora accrescentaria eu, alem da manifestação, o dever, em que o Official ficava, de entregar igualmente ao Chefe da familia, ou a quem fizesse as suas vezes, um traslado, ou copia da citada Ordem, e isto em forma Judicial, e de maneira, que lhe servisse para instruir a acção de queixa, se esta tiver cabimento: = 3.ª, assistencia de um Escrivão, ou duas Testemunhas =; cá está o - ou -, em que toquei na minha primeira falla; mas neste lugar elle me hão serve, e sim a conjuncção - e -. Conheço que há Escrivães de muita probidade; porem tambem sei que alguns existem, que só vivem de prevaricações; e em consequencia do que, e para as evitar, sou da opinião que se diga assim = assistencia de um Escrivão, e duas Testemunhas =; e espero que a presença destas evite grandes males , e imponha um certo freio á dissolução dos costumes dos máos Empregados. Sr. Presidente, mando para a Mesa a minha Emenda. O Sr. Guerreiro: - Eu apoio a conjuncção = e = que lembra o Sr. Sampaio; esta he a primeira cousa em que eu convenho; a outra he, que o Escrivão faça sempre assignar o Auto além das duas Testemunhas pelo dono da Casa, e na falta delle pela pessoa immediata de sua Casa; e nesta conformidade mando para a Mesa uma Emenda.

O Sr. Moniz: - Eu approvo o Artigo na sua generalidade com a Emenda, que fez o Sr. Deputado Guerreiro, e só quizera mais que na Ordem para a prizão fosse especificado o nome de quem a requerêo, e o da pessoa contra quem ella he ordenada: formalidades estas que se não colhem claramente da letra do Artigo, mas de que se não deve prescindir. Em Inglaterra são tão escrupulosos destas formalidades, que a simples mudança de uma letra no nome, pode tornar duvidoso a identidade da pessoa, e induzir á desobediencia.

O Sr. Leomil: - Diz o Artigo 4.º: = Nos casos indicados no Artigo 3.º se guardarão as seguintes formalidades: 1.ª Ordem por escripto de quem determinou a entrada que indique a diligencia e o motivo della: = e eu quizera que se lhe juntasse o nome do que a requerêo = Manifestação desta Ordem, ou do Seu traslado aos moradores da Casa etc. = quanto ao mais estou conforme com o que judiciosamente ponderou o Sr. Gerardo de Sampaio; isto he, que em lugar da disjunctiva - ou - se diga - e duas testemunhas. = O mais, Deos nos livre, porque os Escrivães não tem fé alguma, não fazem, nem são capazes de fazer cousa com ordem; acho por tanto que pode ter lugar o minha Emenda ficando o Artigo desta forma (lêo). Nós não Legislamos para Povos Estrangeiros, Legislamos para Povos Portugueses. He tal o medo, Sr. Presidente, e o terror que estes homens infundem, em todos os Povos que em elles dizendo, boje vou para uma Diligencia, tudo treme, e este habito ha de continuar ainda por mais Leis que se fação: desejo isto para que não succeda ir um Official impostor fazer cousas que lhe não manda a Lei; esta he a melhor garantia que se pode dar ao Cidadão: tem acontecido muito disto; e em consequencia do que proponho que além das Emendas já feitas se faça em Additamento o segninte: = Nos casos indicados no Artigo 3.º se guardarão as seguintes formalidades: 1.ª Ordem por escripto de quem determinou a entrada, que indique a diligencia, o motivo della, e nome de quem a requerêo. 2.ª Manifestação desta Ordem aos moradores de Casa. 3.ª Assistencia de um Escrivão, e duas Testemunhas. Faltando alguma das tres formalidades aqui indicadas, não he o Cidadão obrigado a franquear a sua Casa.

O Sr. Serpa Machado: - He muito difficil fazer uma Lei boa, e he muito facil fazer Emendas; porem estas Emendas que se tem feito destroem inteiramente o Artigo. Se nós pozermos tantas difficuldades ao Artigo hão poderá executar-se: como ha de o Escrivão desempenhar os seus deveres? A melhor Emenda, no caso de se não approvar o Artigo como está, he aquella que apresenta o Sr. Leomil: he necessario que se faça ter algum respeito as Authoridades constituidas. A resistencia ás Authoridades he sempre um crime; mas dar faculdade ao dono da Casa de julgar se a Ordem vem ou não bem passada, he o maior absurdo. Disse-se que era necessario exigir um Auto assignado por duas Testemunhas do que se passa dentro da Casa do Cidadão; eu convenho não só em duas más até em seis; porem se o Escrivão tem tão pouca fé, para que se lhe encarregão cousas de tanta importancia, e não se ha de admittir para isto? Muitas vezes succede não apparecer as duas Testemunhas, e porque as não ha como succede em terras pequenas, não ha de o Escrivão fazer a Diligencia? Por tanto, parece-me que as qualidades que o Artigo apresenta são boas e sufficientes.

O Sr. F. J. Maya: - Procurarei vêr se por meio de formalidades se poderá garantir e fazer effectivo de alguma maneira o asilo inviolavel da Casa do Cidadão: e muito me admira que o Illustre Deputado, Auctor do Projecto, receasse que se tornassem nullas por este modo as disposições do Artigo 3.° Todas quantas formalidades se apresentarem todas serão poucas para defender um Direito tão Sagrado como aquelle, que inclue a Propriedade e Segurança do Cidadão. Concordo em que as já lembradas Emendas são justas e necessarias, e muito contribuirão para restringir ou minorar a grande generalidade do Artigo antecedente. A declaração da pessoa que requerêo a Ordem para a prizão he exigida no § 9.º da Carta Constitucional, quando determina, que o Juiz que der a Ordem arbitraria, e quem a tiver requerido; sejão punidos com as penas que a Lei determinar; e por isso nem a Commissão, nem a Camara pode prescindir della. Não basta a manifestação da Ordem aos moradores da Casa, mas he necessario a entrega de um

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traslado authentico, assignado pelo Juiz, para que o Cidadão offendido possa queixar-se e pedir a responsabilidade, no caso de haver violencia, ou arbitrariedade. Eu tambem julgo que alem do Escrivão assistão a qualquer diligencia duas testemunhas, porque todos sabem o procedimento da maior parte dos Escrivães, que assim como os Juizes participão da desmoralização, que se vê em todas as Ordens do Estado. Eu faço um Additamento differente do que apresenta um dos Illustres Deputados, que me precedêo a fallar; com elle eu procuro combinar o respeito ás Authoridades e a conservação da Ordem Publica, sem prejudicar os direitos e garantias do Cidadão, e vem a ser, que a Ordem, em que faltar qualquer dos requisitos exigidos neste Artigo, seja reputada arbitraria, e punida como tal: pois que só de proposito, e para fim sinistro o Juiz assignará uma Ordem, que não esteja legal e em devida forma. Noto que o Illustre Deputado Auctor do Projecto, e outros Membros da Commissão, usão continuamente da expressão, de que, a não se adoptar o Projecto, a Casa do Cidadão será asilo ou refugio para criminosos; no que parecem inculcar, que a maior parte da massa dos Cidadãos está naquella classe, de que elles exceptuão os Empregados na Magistratura, a quem não duvidão confiar uma plenitude de Podêr exorbitante, e alem do que a Carta lhe concede, pois para o restringir he que o Sabio Author da Carta quer e manda, que a Casa do Cidadão em certos casos seja um asilo inviolavel contra os ataques da Authoridade; e outro fim não tem o § 6 do Artigo 145, e outros.

Chamo a attenção da Camara sobre o § 1.º do mesmo Artigo 145 da Carta, para reflectir que ella diz que nenhum Cidadão pode ser obrigado afazer ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei, e que por isso ninguem está obrigado a respeitar e cumprir as Ordens dos Magistrados, ou de outras quaesquer Authoridades, que não forem em cumprimento, ou execução da Lei, e conformes com ella: entretanto opinando com a moderação que forma o meu caracter, e tendo em vista a nossa actual situação me contento, que por qualquer commissão de alguma das formalidades se constitua responsavel a Authoridade, que assignar a Ordem, a qual por isso mesmo deve ser reputada arbitraria, e punida como tal. Mando para a Mesa a minha Emenda, que espero seja approvada.

O Sr. João Elias: - Fallarei somente sobre a clausula = Manifestação da Ordem, ou do seu traslado: = Não sei quaes fossem os motivos porque os Honrados Membros da Commissão consignárão aqui esta ultima parte da clausula; por quanto não ha hypothese alguma, em que seja preciso apresentar o titulado da Ordem, pois que esta só se junta aos Autos depois da Diligencia feita, com a Certidão daquella, Auto, e Termo, a que ella dêo lugar. Qual he a necessidade da Ordem por escripto? He uma grande garantia, que authorisa o Official a entrar na Casa do Cidadão; sem ella he um simples Cidadão; ella he que o authorisa naquelle caso; logo he necessario que elle apresente o original assignado pela respectiva Authoridade, de modo que, apresentar uma copia, e nada, he o mesmo: dizem: ha o perigo da Parte rasga-la; ainda que será muito raro que aconteça, que imporia? Faz-se a Diligencia; e, demais, autua-se se Aggressôr etc. O Illustre Auctor do Projecto não entendèo o Honrado Membro da minha Provinda, que abrio a discussão o que elle disse foi o mesmo que agora repito, que o Official deve dar á Parte sempre "ma cópia da Ordem, ou Contra fé, como sempre se praticou no Fôro, eu nunca disse, que se lhe entregasse a Ordem original. Portanto, deve eliminar-se a clausula do traslado como inutil; e quanto ás testemunhas deverão ser visinhas, para evitar que o Escrivão as escolha a seu modo, quando queira prevaricar, como já apontou outro Sr.

O Sr. Campos Barreto: - Parece-me que este Artigo he muito importante, e que não deve soffrer a mesma discussão, que o Artigo antecedente.

Aqui neste Artigo he onde eu acho as garantias verdadeiras da inviolabilidade da Casa do Cidadão, que consistem na competencia das Authoridades, que deter mi não a entrada, e nas formalidades essenciaes da execução. Esta Lei não deve banir o uso da faculdade de entrarem os Empregados na Casa do Cidadão, mas só o abuso e arbitrariedade. Ora: contra esse abuso possível fica o Cidadão garantido com uma acção contra quem o cometter: he para isso que se lhe deve entregar uma Contra fé da Diligencia, ou copia authentica da Ordem, se elle a quizer; e haver duas testemunhas, quando o Official imo for Escrivão com fé publica. Alguns Srs. querem que em vez de cópia se lhe dê um duplicado da Ordem, e outros que em vez da disjunctiva = ou duas testemunhas = se diga = e duas testemunhas =. Não me opponho por minha parte a uma nem a outra cousa, porque sou coherente com minhas opiniões, approvando tudo o que forem formalidades de cautela contra abusos; e confesso que a Commissão um tanto olhou neste Artigo á consideração que as Leis existentes dão á fé dos Escrivães, para dispensar a concorrencia delles com as testemunhas: agora o que não posso approvar he que sempre se lavre Auto da entrada, porque isso adduziria trabalho, despeza, e embaraço, ás vezes desnecessarios Quando na Casa se pratica diligencia alguma, he de força formar-se Auto, mas isso nem pertence a esta Lei, que só attende á entrada, nem era necessario que agora se ordenasse, porque está ordenado nas Leis em vigor. Agora: quando não se faz alguma Diligencia, então para attestar a entrada he bastante o duplicado da Ordem, o traslado authentico, ou Contra fé, e os depoimentos das testemunhas. Convenho pois nas emendas, que dão mais cautelas, e melhor redacção ao Artigo

O Sr Gerardo de Sampaio: - Sr. Presidente, ouvi pronunciar o meu nome, e por isso me levanto; he verdade que o Sr. Deputado João Elias me prevenio, respondendo satisfactoriamente á imputahilidade, que me fez o Sr. Deputado Serpa Machado; no emtanto repetirei que eu nunca disse que o Official da Diligencia devia entregar ao Chefe da Familia a Ordem original; porque sei que nunca se deve desprender della, não só porque he o seu Titulo, mas tambem porque tem de a levar, para ser junta aos Autos, o que he quasi sempre indispensavel; mas sim expliquei-me desta forma. = será obrigado o Official da Diligencia a entregar ao Chefe da Familia um traslado, ou copia da Ordem, em foi ma judicial = Em prova do que peço ao Sr. Presidente que faça lêr a Emenda, que mandei para a Mesa, e então se conhecerá de quem he o engano.

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Como tomei a palavra farei uma reflexão, que me occorreo agora, sobre a ultima parte do Artigo = assistencia de um Escrivão, ou duas Testemunhas = a conjunção = ou = tem natureza disjunctiva, devendo entender-se assim que a falta do Escrivão poderá ser substituída por duas Testemunhas; porem eu não posso conceber como duas pessoas particulares, sem assistencia de um Membro legitimo de Justiça, possuo pôr em pratica uma Diligencia; se se me responde que neste lugar, quando se diz Escrivão, se tracta de um outro, alem daquelle, que a ha de executar, então não está claro o Artigo, e ha sensível falta na redacção, por cuja razão peço silenciosamente aos Illustres Membros da Commissão que, se eu não estou equivocado, facão os competentes Emendas; e se as minhas combinações são destituidas de fundamento, que me dilucidem, e aclarem as dúvidas.

O Sr. Bardo Feio: - Apezas das razões, que se tem produzido, ainda estou persuadido de que se este Artigo passasse na generalidade, em que está concebido, iria destruir de todo a Inviolabilidade do asilo estabelecida na Carta.

Prisão, na conformidade das Leis, he prender por todos os motivos, e do mesmo modo, porque atéqui se prendia: e assim a Casa do Cidadão ficava com os mesmos privilegios, que tinha d'antes; isto he, nem ficava sendo asilo inviolavel, nem asilo de qualidade alguma. Ora: a Carta diz que a entrada de dia na Casa do Cidadão só será permittida nos casos, e pelo modo, que a Lei determinar: a Carta falla de uma Lei posterior á mesma Carta: a Carta falla do futuro, o Projecto refere-se ao passado. Ora: o passado he opposto ao futuro; logo este §. 1.º he, na minha opinião, contrario á Carta. Por tanto julgo que se deve supprimir, adoptando-se em seu lugar a Emenda do Sr. Caetano Alberto. Abusca de objectos roubados tambem he cousa mui vaga, e poderia servir de pretexto a todas as violações, que por vingança, ou qualquer outro motivo se quizessem praticar: e por tanto se não deve permittir senão no caso de estar provado que os roubos estão n'uma certa, e determinada Casa. Tanto mais que o entrar n'uma Casa a procurar roubos he o mesmo que dizer, ou suppôr que o Dono della he ladrão, ou capa de ladrões, que he a maior nodoa, que se pode lançar na reputação de um homem.

A apprehensão de contrabandos deve desapparecer inteiramente deste Projecto. Os contrabandos evitão-se nas fronteiras, nas estradas, e ás portas das Cidades, e não dentro das Casas dos Cidadãos. Em Inglaterra, e França, onde as Leis sobre o contrabando são melhor executadas, nunca por semelhante motivo se vai dar busca pelas Casos. Por tanto sou dê opinião que o Artigo deve voltar á Commissão para declarar todos os casos, em que a entrada na Casa do Cidadão se deve permittir, e o pôr em mais harmonia com a Carta.

Por ser chegada a hora de findar a Sessão, ficou adiada a discussão para a seguinte.

Dêo conta o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa da Correspondencia seguinte, que havia sido recebida durante a Sessão. De um Officio do Ministro dos Negocios do Reino, participando que Sua Alteza a Senhora Infanta Regente havia designado o dia de Sexta Feira 23 do corrente para receber no Palacio d'Ajuda, pelo meio dia, a Deputação, que esta Camara tem deliberado enviar á Sua Presença. Ficou a Camara inteirada. E o Sr. Presidente convidou os Srs. Deputados, que tem de formar a mesma Deputação, para se reunirem no dia, e hora indicada, no sobredicto Palacio.

De outro Officio do mesmo Ministro dos Negocios do Reino, accusando o Officio, que lhe fora dirigido em data de 21 do corrente, sobre os esclarecimentos relativos a Expostos, e participando que, por mandado de Sua Alteza, ficavão expedidas as Ordens necessarias ás Authoridades competentes. Ficou a Camara inteirada.

E dêo ultimamente conta de um Officio do Ministro dos Negocios da Fazenda, remettendo, por Ordem da Sua Alteza a Sereníssima Senhora Infanta Regente, uma Representação do Enfermeiro Mor do Hospital Real de S. José desta Cidade, para se tomar por esta Camara na consideração, que julgar justa, e conveniente.

Mandou-se remetter a uma Commissão Especial, que seria nomeada pelas Secções Geraes, logo que se reunissem.

Dêo o Sr. Presidente para Ordem do Dia da seguinte Sessão a continuação do mesmo

Projecto N.º 121.

E, sendo 2 horas e 10 minutos, disse que estava fechada a Sessão.

SESSÃO DE 33 DE FEVEREIRO.

Ás 9 horas, e 45 minutos da manhã, pela chamada, a que procedêo o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa, se achárão presentes 88 Srs. Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentarão, 16; a saber: os Srs. Barão de Quintella - Barão do Sobral - Ferreira Cabral - Rodrigues de Macedo - Leite Pereira - Araujo e Castro - Pessanha - Cerqueira Ferraz - Tavares d'Almeida - Isidoro José dos Sonctos - Mascarenhas e Mello - Mouzinho da Silveira - Rebello da Silva - Luiz José Ribeiro - Azevedo Loureiro - e Alvares Diniz - todos com causa motivada.
Disse o Sr. Presidente que estava aberta a Sessão; e, sendo lida a Acta da Sessão precedente, foi approvada.

O Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa dêo conta do offerecimento, que o Sr. Deputado Borges Carneiro faz á Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza, de um Exemplar da sua Obra intitulada = Direito Civil de Portugal = da qual entregou já o primeiro Tomo, e promette entregar os mais á proporção que se forem publicando. Mandou-se remetter para o Archivo da Camara.

O Sr. Deputado Moniz propoz uma Indicação verbal, por parte da Commissão Especial Ultramarina, para se pedir ao Governo uma Memoria sobre os melhoramentos da Ilha da Madeira, apresentada pelo ex-Governador da mesma Ilha, Antonio Manoel de Noronha, a fim de servir de esclarecimento á sobredicta Commissão: foi mandada reduzir a escripto para ser tomada em consideração.

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