O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

DIARIO

DA

CAMARA DOS DEPUTADOS

PRIMEIRA SESSÃO ORDINARIA

DA

QUINTA LEGISLATURA

DEPOIS DA RESTAURAÇÃO DA CARTA CONSTITUCIONAL

PUBLICADO PELA EMPREZA DOS EMPREGADOS DA SECRETARIA DA MESMA CAMARA,

VOL. III. MARCO-1853.

IMPRENSA NACIONAL.

1853.

Página 2

DIARIO

DA

CAMARA DOS DEPUTADOS

PRIMEIRA SESSÃO ORDINARIA

DA

QUINTA LEGISLATURA

DEPOIS DA RESTAURAÇÃO DA CARTA CONSTITUCIONAL

PUBLICADO PELA EMPREZA DOS EMPREGADOS DA SECRETARIA DA MESMA CAMARA,

VOL. III. MARCO-1853.

IMPRENSA NACIONAL.

1853.

Página 3

DIARIO

DA

CAMARA DOS DEPUTADOS.

Nº1.

SESSÃO DE I DE MARÇO.

1853.

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES,

Chamada: — Presentes 79 srs. deputados. Abertura: — Um quarto de hora depois do meio dia. Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Declaração — Do sr. deputado Pinheiro Osorio, que o sr. Jose Guedes de Carvalho não póde comparecer á sessão de hoje por incommodo de saude. — Inteirada.

Officios. — 1.º Do sr. deputado Antonio Pereira de Menezes, datado do Porto, participando que não tendo podido concluir, no curto espaço de 15 dias, os negocios urgentes que o levaram áquella provincia, logo que os conclua virá tomar parte nas sessões da camara. — Inteirada.

2. Do sr. deputado eleito Carlos Felizardo da Fonseca Moniz, participando que em consequencia de graves incommodos de saude não lhe tem sido possivel apresentar-se na camara, o que fará logo que lhe seja possivel. — Inteirada.

3. Do ministerio da guerra, enviando uma proposta, em que submette á approvação da camara o decreto de 9 de agosto de 1848, pelo qual se concedeu a D. Catharina Krusse Aragão, viuva do major Joaquim de Freitas Aragão, o soldo por inteiro de tempo de paz, que competiria a seu filho Christiano Krusse Aragão, o qual sendo alferes do batalhão de caçadores n.ºs, foi morto no combate do dia 14 de agosto de 1832; em remuneração dos importantes e reconhecidos serviços do dito seu marido, do referido seu filho, e de outro que tambem morreu em combate na villa de Tite, em Moçambique. — Á commissão de fazenda.

4.º Do mesmo ministerio, enviando outra proposta, a fim de se submetter a approvação da camara o decreto de 7 de janeiro do anno proximo passado, pelo qual se concedeu a D. Genoveva Emilia de Moura Furtado a pensão annual e vitalicia de 450$000 réis, em recompensa dos distinctos serviços prestados por seu marido, o marechal de campo reformados Luiz de Moura Fintado. — Á commissão de fazenda.

5.º Do mesmo ministerio, enviando outra proposta submettendo á approvação da camara o decreto de 5 de janeiro do anno passado, pelo qual se concedeu a D. Anna Jose Galiano Carrasco a pensão annual e

Vitalicia de 480$000 reis, em recompensa dos serviços e rigorosa prisão que, pela causa da legitimidade, soffrêra seu fallecido marido, José Carrasco Guerra, tenente coronel, que foi, da arma de infanteria. — Á commissão de fazenda.

6.º Do mesmo ministerio, enviando outra proposta, em que se submette á approvação da camara o decreto de 13 de maio do anno proximo passado, pelo qual se concedeu a D. Maria Leonor Barreiros Torres a pensão annual vitalicia de 228$000 réis, em recompensa dos serviços de seu fallecido pae, o major de artilheria, Francisco José Vellez Barreiros. — Á commissão de fazenda.

7.º Do mesmo ministerio, remettendo outra proposta, submettendo á approvação da camara o decreto de 5 de janeiro do anno proximo passado, que concedeu a D. Eugenia Mesquita Porlo Pimentel a pensão annual vitalicia de 240$000 réis, em recompensa dos distinctos serviços prestados por seu fallecido marido, o capitão, que foi, do regimento de cavallaria n.º 2, lanceiros da Rainha, João Juliano de Sousa Pimentel. — Á commissão de fazenda.

8. Do mesmo ministerio, enviando outra proposta para ser submettido á consideração da camara o decreto de 5 de janeiro do anno proximo passado, pelo qual se concedeu a D. Fortunata de Oliveira a pensão annual vitalicia de 240$000 réis, em recompensa dos distinctos serviços prestados por seu fallecido marido, capitão, que foi, do regimentos de granadeiros da Rainha. — Á commissão de fazenda.

O sr. Faria e Carvalho: — Peço ser inscripto para apresentar um projecto de lei.

O sr. Rivara: — Peço tambem ser inscripto para apresentar um projecto de lei.

Ficaram inscriptos.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Mando para a Meza um requerimento de varios cidadãos presos nas cadêas de Estremoz. Peço licença a v. ex. para observar que na sessão passada o sr. Seabra, então ministro da justiça, tinha promettido mandar um juiz de direito para aquella comarca, caso que o juiz proprietario estivesse pronunciado, e não podesse ir para o seu logar. Mas o facto é que estão na cadêa de Extremoz dezesete presos ha tres ou quatro annos, apenas por indiciação de uma culpa que ainda não está provada. Peço portanto que este requerimento seja remettido ao sr. ministro da justiça, para o tomar em consideração; pois não é justo que, por não haver juiz n'uma cornarei estejam dezesete individuos constantemente

Página 4

n'uma cadêa: mesmo por sentimento de humanidade devemos ter compaixão d'estes homens. Elles pedem que, se estão culpados, se lhes applique a pena; e se o não estão, se lhes dê a liberdade.

Ficou para se lhe dar o conveniente destino.

O sr. Barão d'Almeirim: — Começarei por agradecer ao sr. ministro das obras publicas o cuidado e a sollicitude de s. ex. em satisfazer á primeira parte do requerimento que ha dias tive a honra de apresentar nesta camara, a respeito das obras da estrada de Santarem á ponte d'Asseca. Permitta-me v. ex. que eu por esta occasião faça algumas considerações a este respeito; por quanto a portaria em que se mandou proceder a estas obras, determina que ellas sejam feitas sobre o traçado que existia antigamente, e parece-me que seria muito mais util e conveniente que, em vez de se seguir a estrada antiga, se traçasse uma nova estrada, para a qual existe já um plano feito pelo engenheiro civil o sr. Joaquim Nunes de Aguiar, o anno passado, em virtude de ordens do ministerio. Este plano é sem duvida nenhuma preferivel áquelle da estrada antiga; até mesmo mais conveniente para o transito; e muito principalmente para carros e carroagens.

Na estrada antiga ha pontos onde a inclinação do terreno produz uma elevação superior a 13 por cento, quando pelo contrario o plano organisado pelo sr. Aguiar não sobe a inclinação em parte nenhuma a mais de 4 por cento. Já se vê qual será a vantagem de se adoptar antes este plano do que mandar proceder aos reparos na estrada existente. Pela estrada antiga buscam-se os valles, quasi na sua totalidade; e é quasi inteiramente impossivel de inverno desagoar a estrada; e sendo as agoas o perigo maior que tem os caminhos, evita-se esta particularidade tambem pelo plano do sr. Aguiar.

Segundo as idas que eu tenho, ministradas por aquelle sr. engenheiro, a despeza não será superior áquella que está calculada para os reparos sobre a estrada antiga, e mesmo quando houvesse alguma differença para mais, ella não devia influir para se desprezar esse plano, e adoptar-se a estrada antiga, porque a differença será muito pequena.

Fiz estas observações porque em Santarem, desde que o sr. Aguiar apresentou este traçado para uma nova estrada, appareceu alguma opposição da parte dos habitantes daquella villa, como geralmente apparece para tudo quanto é novo, principalmente entre nós; e mesmo talvez porque estes preconceitos fossem presentes ao sr. ministro, e podessem concorrer para que a sua decisão fosse no sentido da estrada antiga. Isto não é de forma nenhuma querer deixar de agradecer ao sr. ministro a bondade que teve de attender ao meu requerimento; porque o que desejo é que a obra se faça, muito embora seja pela estrada antiga.

Quanto á segunda parte do meu requerimento, muito desejaria tambem que o sr. ministro o tomasse em consideração, para mandar proceder aos reparos na estrada que vai de Santarem á villa de Pernes.

O sr. Ministro das obras publicas: — (Fontes Pereira de Mello) Sr. presidente, pelas declarações que acaba de ouvir ao nobre deputado, vê a camara que eu fui sollicito em dar prompto andamento ao negocio a que se referiu; e isto por me parecer que as suas observações estavam de accordo com o interesse publico, em que o governo sempre tem a mira.

Logo que o nobre deputado fez o seu pedido, para que se procedesse ás obras da estrada entre a ponte d'Asseca e Santarem, mandei tomar todas as informações sobre o objecto; e conheci effectivamente que havia grande necessidade de se concluir aquella obra, em proveito dos povos de todo o districto, em proveito mesmo da communicação que será facil e rapida entre a capilal e Santarem; e em consequencia dei,as ordens necessarias para que se procedesse áquella obra immediatamente. Mas, peço licença ao nobre deputado para lhe dizer, que não é um reparo que se vai fazer, antes mandei que se fizesse a estrada definitivamente, porque me pareceu haver grande inconveniente em estar sempre a fazer reparos nas estradas, que o primeiro inverno destroe, obrigando o governo a repelir os mesmos trabalhos e a fazer novas despezas.

Em quanto ao plano traçado pelo engenheiro civil o sr. Nunes de Aguiar, não sei se já existe na secretaria das obras publicas; mas ainda alli se não apresentou o resultado dos seus trabalhos: e por conseguinte não pude seguir um plano, que eu não sabia qual era. Porém á vista das instancias e desejos que se mostravam, visto que estes desejos eram a bem da conveniencia publica, tive muito prazer em adherir ao pedido do illustre deputado, mandando logo proceder á obra.

Em quanto á outra parte do requerimento, tambem mandei proceder aos reparos da estrada entre Santarem e Pernes, tendo aqui notado nas informações que mandei tirar pela repartição competente as obras que se hão de effectuar de Thomar á Barquinha, de Thomar a Coimbra e de Pernes a Torres-Novas e Barquinha, tudo no districto de Santarem; até está a nota do numero de metros de estrada que se tem feito. Não quero cançar a camara com estes esclarecimentos que se sabe que existem; mas espero que o illustre deputado se convença de que tenho a maior vontade em annuir aos seus desejos, assim como aos de outro qualquer dos meus collegas.

O sr. Barão de Almeirim: — Pedi a palavra simplesmente para declarar que estou satisfeito com o que o sr. ministro acaba de dizer, e ainda fico mais satisfeito por s. ex.ª confirmar, que effectivamente tem mandado fazer mais reparos na entrada de Santarem e Pernes; acabando o meu illustre collega o sr. Camarate de me dizer agora mesmo que esses reparos eram de absoluta necessidade; eu sei isso bem, mas invoco o seu testimunho perante a camara para aquelles senhores que não conhecem o sitio.

Não sabia que não existia ainda o plano do sr. Aguiar, e está visto que não existindo, s. ex.ª não podia guiar-se por elle; mesmo sendo o negocio de urgencia foi talvez melhor não esperar por esse plano, porque póde ser que depois não se fizesse obra nenhuma.

O sr. Themudo: — Pedi a palavra para declarar que faltei ás sessões de sexta-feira e de sabbado por incommodo de saude, e ao mesmo tempo para pedir a v. ex.ª que me inscreva para apresentar um projecto de lei.

Ficou inscripto.

O sr. Gomes e Lima: — Mando para a meza o requerimento de um grande numero de parochianos do concelho de Barcellos, em que se queixam de serem vexados com derramas para expostos, e para despezas municipaes; queixando-se tambem de serem col

Página 5

— 5 —

lectados em taes derramas, em desproporção com os mais moradores do municipio. Pedem · camara providencia legislativa, que os colloque a salvo dos vexames de que se queixam. A camara não póde desconhecer, que esta classe, que merece toda a consideração pela importancia das funcções do seu ministerio, se acha em circumstancias pouco lisonjeiras, e que pela lei de 20 de julho de 1839 foi isenta do pagamento de decima, para com isto não serem desfalcadas suas congruas: e então, parece de justiça que não sejam desfalcados em sua subsistencia com outras derramas. Este requerimento naturalmente será remettido á commissão ecclesiastica; e rogo á illustre commissão que dê sobre elle o seu parecer com urgencia; pois achando-se feita a derrama, terá logar a cobrança da mesma; e os requerentes certamente se não prestarão ao pagamento sem uma resolução sobre o seu requerimento; mas os exactores não estão por esta demora, e relaxarão as verbas collectadas; e em tal caso augmentar-se-hão os vexames de que se queixam com o da execução. Assim, para poupar taes inconvenientes, peço que o parecer se apresente com urgencia.

ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa.

O sr. Presidente: — O sr. ministro da fazenda acha-se novamente inscripto; porém s. ex. fallou já duas vezes, e eu não posso conceder-lhe a palavra sem consultar a camara.

Decidiu que se lhe concedesse a palavra.

O sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello: — Eu espero não cançar muito a attenção da camara, e agradecer-lhe por esse facto a benevolencia que tem em me querer ouvir ainda uma vez. A situação em que estou collocado em relação á polilica do governo que se discute, e para thema da qual se trazem principalmente os actos que foram passados pelo ministerio a meu cargo, impõe-me a obrigação, e aconselha-me mesmo tomar uma parte mais activa na discussão do que tomaria, se acaso não fosse esta duplicada circumstancia. E apesar disso é um tanto difficil para mim pela complexidade dos objectos que se tem tractado na discussão, poder abrange-los todos como desejava;,vou portanto, para não cançar a atenção da camara com repetições que fariam uma impressão desagradavel á mesma camara, circumscrever-me aos argumentos produzidos pelos nobres deputados que fallaram ultimamente sobre a, questão, isto é, que fallaram contra, e são o meu nobre amigo o sr. Avila, e o sr. Antonio da Cunha. Agradeço ao illustre deputado o sr. Avila, a benevolencia com que me tracta sempre que toma a palavra sobre esta questão importante, e ainda que eu sei que isso é proprio da sua cortezia, sempre me deixa uma impressão agradavel, que eu gosto de fazer conhecer á camara, como prova do meu reconhecimento.

Eu conheço que o illustre deputado não póde ser responsavel, absolutamente fallando, pelo estado da fazenda publica no momento em que eu entrei na gerencia do ministerio da fazenda. Responsaveis são todos os ministros que me antecederam, responsavel sou eu mesmo pelos actos da minha administração, durante o tempo que tenho exercido este logar; mas não foi minha intenção o fazer solidario o nobre deputado, como ministro, nas operações em que elle não teve parte, em que não podia ter parte; porque tinha deixado a pasta da fazenda em maio de 51, e eu apenas entrei na gerencia dos negocios dessa repartição em 22 de agosto d'aquelle anno. Houve neste intervallo dois ministros que dirigiram aquella repartição; tiveram logar acontecimentos importantes, e desses acontecimentos, e dessas operações e de tudo isso resultou uma situação que eu não creei (Apoiado) mas que preciso se aprecie bem, para poderem tambem ser apreciados devidamente os meus actos.

Sr. presidente, o nobre deputado occupou uma boa parte do seu discurso em explicar, para assim dizer, o pensamento de administração de fazenda que desejava pôr em pratica, se acaso continuasse a gerir os negocios da fazenda; esta parte do seu discurso não me pertence. O que eu quiz dizer quando asseverei á camara, que talvez os cavalheiros que me combatem, collocados na minha situação, fariam o mesmo, é, que se o nobre deputado tivesse entrado na gerencia do ministerio da fazenda precisamente na occasião em que eu entrei, e achasse os encargos e difficuldades que eu encontrei naquella occasião, talvez tivesse feito o mesmo. Mas tivesse ou não tivesse, o nobre deputado responde pela sua polilica, eu respondo pela minha, e farei diligencia por a justificar sempre diante do parlamento.

Sr. presidente, começarei pelo fim porque foi a ultima impressão que me deixou o discurso do nobre deputado, e porque além disso é um negocio summamente grave, em que eu já dei algumas explicações á camara, e em que desejo dar mais, porque em certos pontos de administração não ha explicações de sobejo; fallo do systema da contribuição de repartição, que o governo decretou a 31 de dezembro do anno fallo passado.

Eu sinto não poder adherir completamente ao desejo manifestado pelo illustre deputado na sessão de hontem, e sinto duplicadamente; porque s. ex.ª declarou que se acaso eu fizesse aquella modificação, votaria pela resposta ao discurso do throno tal qual como se acha.

Sr. presidente, não preciso demonstrar as vantagens do systema de contribuição de repartição; porque ainda não ouvi, nem de um nem de outro lado da camara, nenhuma voz que o combatesse em these. (Apoiados) O nobre deputado limitou-se a pedir que se adiasse por mais um anno a sua execução, e fundou-se principalmente nas difficuldades em que se havia de encontrar o thesouro pelo pouco tempo que medeia daqui até ao principio do anno economico. Se acaso o governo pretendesse executar o systema da contribuição de repartição em todo o seu desenvolvimento, em toda a sua perfeição, era absolutamente impossivel que no pouco espaço que decorre daqui até ao principio do anno economico, nós podessemos completar os trabalhos preparatorios que são indispensaveis para aquelle systema. E certo que não temos as matrizes a que se referiu o nobre deputado; é certo que ainda não estão nomeadas aquellas corporações, que são indispensaveis para se poder dar o desenvolvimento e o nexo a esta importante medida; é certo que ainda não estão convocadas as juntas geraes de districto, que teme de o ser necessariamente para este effeito; mas o governo que não queria por maneira alguma prejudicar a receita do

VOL. III — MARÇO — 1853.

2

Página 6

— 6 —

anno proximo futuro, determinou antecipadamente que se fizessem os lançamentos da decima e impostos anexos da mesma maneira que se tinham effectuado até agora, não para se seguir aquelle systema, mas para que esses lançamentos, como já tive occasião de dizer uma vez á camara, servissem de esclarecimento a junta dos repartidores para verificar, da maneira que fosse mais commoda para os povos, menos alheia aos seus habitos, mais conveniente na situação actual, o systema da contribuição de repartição.

De certo que este systema, executado por esta maneira, no primeiro anno ha de ser imperfeitissimo, mas não póde dar um resultado mais desvantajoso nem para o thesouro, nem para os povos do que o systema do actual lançamento; não dá resultado mais desvantajoso para o thesouro, porque a contribuição reparte-se pela importancia do termo medio dos ultimos lançamentos; não o dá desfavoravel para os povos, porque pelo menos quando o systema se não executasse de modo algum, quando debaixo do nome de contribuição de repartição se não incluisse melhor o lançamento, o que se seguia dahi é que não ganhavam, nem perdiam os povos. Ora o governo deseja que se melhore, o governo deseja empregar os meios á sua disposição para que os lançamentos se modifiquem quanto possivel no sentido mais commodo, e mais justo para a distribuição do imposto, o ha de fazer o que estiver ao seu alcance para conseguir esse fim. Mas protrair por mais um anno a execução desta medida importante, parece ao governo que não seria conveniente debaixo de nenhuma consideração, parece-lhe que seria um novo retrocesso, deixe-se-me assim dizer, n'um objecto que já tem sido tão controvertido, que já tem dado logar ás circumstancias que nós todos conhecemos, e que provavelmente complicariam de uma maneira desagradavel a solução deste importante problema. Póde ser que o governo veja mal esta questão, mas vê-a assim, vê-a desprevenido completamente; aqui não ha nem afferro ás minhas opiniões, nem desejo de sustentar a todo o transe a medida do governo; não ha senão o pensamento de chegar a um fim, que parece mais justo, de nos aproximarmos de um resultado que promette ser desde já, o sobre tudo para o futuro, o mais conveniente aos interesses dos contribuintes, ainda mais talvez do que aos interesses do thesouro.

Dada esta explicação, que eu não sei se satisfaz, provavelmente não satisfará ao illustre deputado, mas que com toda a lisura de que sou capaz, declaro ser o motivo que dirige o governo, e sinto se não satisfizer, porque eu estimaria muito comprazer aos desejos do meu nobre amigo, eu passo a entrar n'outros objectos do seu discurso.

Sr. presidente, uma das medidas do governo, mais fortemente combatida por parte dos illustres oradores que têem entrado na discussão, foi o decreto de 18 de dezembro, que reduziu o juro da divida consolidada interna e externa. Não têem bastado as considerações que eu fiz de que esta reducção já existia: existia com o nome de deducção; existia desde 18141 na divida interna, quando o nobre deputado a estabeleceu pelo seu decreto daquella época, de dezembro, me parece, de 1841; existia na divida externa quando se estabeleceu pelo decreto de 9 de agosto de 1846; existia depois quando se estabeleceu a deducção não de 20, mas de 25 por cento em 1818, e successivamente até hoje. Mas pensam os nobres deputados que o effeito desta deducção, sobre tudo nas praças estrangeiras, em Londres designadamente, tinha sido pouco desfavoravel para o credito do governo? De certo que não; os nobres deputados sabem perfeitamente que em Londres se protestou constantemente contra toda a deducção que se effectuava nos juros da divida interna e externa; protestava-se todos os semestres: (O sr. Avila: — Apoiado) Eu tenho aqui na minha mão, porque o trouxe á camara muito de proposito, ainda o ultimo protesto que se fez na agencia em Londres contra a deducção dos 25 por cento. Não era portanto uma medida de credito, era uma medida de necessidade, era a força das circumstancias que obrigava o governo, e os parlamentos a fazer aquella deducção. Mas que se lhe chame deducção, ou reducção, pergunto — para o resultado, para o estado real das cousas, para a conveniencia immediata dos credores não é o mesmo? Pois deduzir 25 por cento, ou reduzir 25 por cento, não é para os Interesses immediatos dos credores dos fundos uma e a mesma cousa? De certo que é. Estamos limitados portanto a esta questão de nome: ha-de-se chamar deducção, ou reducção? Diz-se «mas a deducção é temporaria, e a reducção é permanente.» Primeiramente observarei que não ha nada permanente sobre este objecto, inclusivamente se póde revogar ámanhã: se o governo e as côrtes intenderem depois de passarem os actos da dictadura, ou se os não quizerem approvar, que se não deve fazer aquella reducção, ella não existe

Intendamo-nos bem, eu estou persuadido, sr. presidente, que o governo neste ponto fez uni grande serviço ao paiz, fez um grande serviço ás finanças do paiz, porque sem alterar o estado real das cousas, collocou as administrações que lhe hão de succeder n'uma situação mais favoravel do que encontrou no thesouro, tomando sobre si todo o odioso desta medida. Provavelmente as administrações que succederem a esta, hão de dizer — Nós não é que creámos este estado de cousas, o governo passado é que reduziu — o odioso já Iá vai, e o juro fica a 3 por cento. Não é portanto a administração actual que ha de colher as principaes vantagens desta reducção, hão de ser as administrações que lhe succederem. E quando digo — as administrações — quero dizer o paiz, porque não são os homens que compõem as administrações que perdem, ou ganham com estas cousas, mas torna-se-lhes mais facil a sua gerencia nos negocios.

Sr. presidente, disse o illustre deputado que nunca se tinha chamado reducção a esta deducção que se fazia dos juros da divida interna e externa. S. ex.ª conhece muito bem este livro que eu tenho na mão; é o chamado Blue-book, livro azul, até pertence ao ministerio da fazenda, e por isso digo que s. ex.ª o conhece muito bem. Não quero cançar a camara com a leitura dos documentos officiaes que se aqui encontram, até me não parece muito conveniente faze-lo no momento actual. O illustre deputado sabe que póde vir encontrar aqui peças officiaes em que se lhe chama reducção, e não deducção, peças officiaes não nossas.

Portanto sr. presidente, a questão de nome parece-me que é pouco importante para o caso; o modo por que a medida foi considerada nas praças estrangeiras, é que importa averiguar, e sobre tudo a jus

Página 7

— 7 —

liça com que foi considerada assim. (O sr. Avila: — Apoiado)

Sr. presidente, não é agradavel nunca a qualquer credor reduzirem-lhe o juro que elle tem sobre o seu devedor, a nenhum de nós são agradaveis medidas que offendam directamente os nossos interesse immediatos. E neste ponto direi — os nossos suppostas interesses -; porque declaro francamente á camara, e póde ser que nisto me engane, mas foi este o movel que me dirigiu principalmente; se me convencesse — fallo com toda a verdade de que sou capaz — de que o paiz podia pagar 5 por cento dos juros da-sua divida fundada interna e externa, eu tomaria outra providencia, e não recorreria a este meio; mas ou me engano muito, ou quaesquer que sejam as medidas que se tomem para melhorar o estado da fazenda publica, já não digo só harmonizar a despeza e a receita, porque comprehendo a organisação da fazenda sem ser só a harmonia entre a receita e a despeza, e com isto respondo ao illustre deputado o sr. Cunha. — Intendo que a organisação da fazenda publica depende essencialmente do fomento da industria, e augmento da riqueza nacional, e que todas as medidas que tenderem a desenvolver a riqueza nacional, são verdadeiras medidas de organisação da fazenda publica. (Apoiados)

Ora estou persuadido que o governo fez alguma cousa nesse sentido; parece-me injusto da parte de alguns srs. deputados não quererem reconhecer isso, e sobre tudo, que o pensamento dominante nas medidas por elle adoptadas foi sempre — desenvolvimento da riqueza nacional, fomento das industrias, e alento ao commercio. — Peço pois aos illustres deputados da opposição, que não se limitem unicamente a apresentar as medidas que no seu intender são desfavoraveis á actual administração: o governo tomou medidas importantes, em favor das industrias e commercio, medidas que já tem produzido beneficos effeitos. Não quero cançar a Camara com a enumeração de documentos, e dados e peças justificativas do que acabo de indicar; mas peço aos illustres deputados que apreciem mais desapaixonadamente essas medidas do governo, e, fazendo-o, estou certo que hão-de reconhecer a verdade do que venho de expor.

Mas, sr. presidente, pensa a camara que em 1841 e 1845 fomos mais bem tractados nas praças estrangeiras do que o fomos agora?.. Não, senhor. Fomos arrastados pelas ruas da amargura em 1841, quando se fez a convenção em Londres. — Os jornaes inglezes tractaram o governo portuguez de maneira que, mais e peior do que se disse então, não se póde dizer agora. — Tenho aqui presentes, e posso mostrar aos srs. deputados que os quizerem vêr. os documentos escriptos e publicados naquella época, donde se mostra a linguagem de que então se usou em Londres (não fallo do governo inglez, fallo dos jornaes) linguagem que excedeu todos os limites, todas as laias do justo, honesto, e decente; linguagem de natureza tal que tudo quanto se disser hoje, não a póde exceder. E o objecto sobre que assim se expressaram, não merecia tamanha animadversão; mas como feria de algum modo os seus interesses, isto é, os interesses dos possuidores de fundos portuguezes, por isso se queixaram. E o que acontece sempre em casos identicos.

Sr. presidente, eu não estou, como se disse aqui, na minha opinião de hoje em contradicção com a emittida, o anno passado por occasião da proposta apresentada pelo illustre deputado o sr. J. J. da Silva Pereira: essa proposta era — para se reduzir a 50 por cento o juro da divida externa e interna consolidada, applicando-se,os 25 por cento restantes para amortisação dessas dividas. — Ora comparando-se esta idéa (ia proposta com o decreto de 18 de dezembro de 1852, vê-se que são duas cousas inteiramente,distinctas: o sr. deputado queria uma reducção mais forte do que eu effectuei pelo decreto.

E em quanto a esta theoria de amortisações, já eu o anno passado expliquei á camara as minhas opiniões a tal respeito, opiniões que ainda hoje são as mesmas. Eu intendo, sr. presidente, que a amortisação dos titulos de divida fundada de qualquer paiz, não póde verificar-se de uma maneira plausivel, senão quando o estado tem excedente de receita. — O paiz que tem os fundos na baixa, que tem um deficit com que lute constantemente, que tem necessidade de levantar dinheiro para satisfazer ás suas previsões do dia; o paiz que esta nestas circumstancias, e que vai amortisar os-titulos da sua divida, parece-me que segue, principios inteiramente contrarios aos estabelecidos hoje na escóla moderna, que são seguidos por muitas nações illustradas, e conhecedoras do systema de credito. — Mesmo no caso dado de excedente de-receita (e a Inglaterra ainda o anno passado teve excedente de receita n'uns poucos de centos de milhares de libras) apesar disso não vi que, por exemplo, a Inglaterra tractasse de amortisar a sua divida — Em França acabou-se ultimamente com a caixa de amortisação. Mas que se póde amortisar quando o governo tem um excedente de recita, intendo eu; agora amortisar pedindo emprestado para isso, é augmentar a divida successivamente, é tornar cada vez mais precario, e mais perigoso o estado da fazenda publica. (Apoiados)

E tanto assim, sr. presidente, que quando o illustre deputado o sr. Avila, como ministro da fazenda, tractou de effectuar a conversão que tinha parado em 1845, para acabar com a escala ascendente, dizendo n'uma portaria que dirigiu para Londres, que augmentada o fundo de amortisação, a resposta que a agencia financial deu, foi: que'a idéa da amortisação não tornava mais facil a conversão; porque as pessoas que foram consultadas, declararam, que reduzir os juros e fazer amortisações, collocava o governo portuguez n'uma situação mais embaraçosa, e que longe de ser vantajosa a operação, faria baixar os fundos. Nestes termos, não me pareceu conveniente, attendendo a tudo quanto tenho exposto, adoptar a proposta do sr. Silva Pereira; e debaixo do ponto de vista que acabo de enunciar, continuei até com a suspensão da amortisação que estavamos fazendo.

Foram estes, pois, os motivos que me levaram a adoptar o decreto de 18 de dezembro de 1852. Eu estou persuadido que, com a adopção do meio consignado neste decreto, os credores da divida interna e externa, devem ficar mais satisfeitos com a certeza (aquella que póde haver nas cousas humanas) do pagamento integral dos 3 por cento, do que coro a promessa de 5 por cento, de que se lhe deduziam immediatamente 25 por cento, deixando-se muitas vozes da pagar semestres e semestres consecutivos, e esta alternativa, esta quebra constante e periodica das promessas que se faziam aos credores do estado,

Página 8

— 8 —

parece-me que é mais faial ao credito publico, aos verdadeiros interesses dos possuidores de fundos publicos, do que uma reducção permanente definitiva, e que está em harmonia com os recursos do thesouro, e com o juro que paga a maior parte nas nações pela sua divida consolidada interna e externa.

Sr. presidente, a camara reconhecerá, que é um pouco difficil a minha posição, e até impossivel fazer um discurso seguido, porque vou tomando os apontamentos dos discursos de cada um dos illustres deputados que me combatem successivamente para poder tambem assim responder a alguns dos seus argumentos: por isso farei do melhor modo que puder respondendo alternadamente ao que disseram os meus antagonistas.

Fallou tambem o illustre deputado sobre o ponto, sobre os encargos que eu tinha achado no thesouro quando entrei no ministerio, sobre a redução das sisas, e sobre algumas outras medidas que foram tomadas pelas administrações anteriores á minha. Já se vê que não tenho responsabilidade alguma pessoal nestes assumptos. Mas a respeito da reducção das sisas devo dizer em abono da verdade, que aquella medida fez desapparecer dos cofres do thesouro uma somma, na importancia de 170 a 180 contos de réis, Comparando a cifra do orçamento actual com o antigo. Não sei se eu tomaria tal medida, mas digo que está de accordo com os meus principios, e que estou persuadido, que a facilidade na permutação da propriedade ha de ser uma fonte de receita, e de vantagem para o thesouro. (O sr. Avila: — Apoiado) É verdade que quando se tomam medidas desta natureza, se sente um desfalque immediato nas rendas publicas, mas se o ministro que tornou aquella providencia, tinha o pensamento, como devo suppôr, de tomar outras, pensamento que não pôde executar, porque esteve pouco tempo no poder, esta medida é altamente justificavel.

O sr. Franzini que tomou aquella providencia, tinha contrahido um emprestimo de 489 contos para occorrer ás despezas do serviço; emprestimo effectuado por intervenção do banco de Portugal, que não trazia encargo immediato para o thesouro, mas feito sobre bases em que eu, no seu logar, de certo o não faria: foi uma verdadeira operação mixta, não tão censuravel como outras que se fizeram em épocas anteriores, porque comprehendeu unicamente os titulo dos servidores do estado que estavam dentro do anno economico, por consequencia divida, que se havia de pagar; mas o que é verdade é que esse emprestimo trouxe-me o encargo de uma somma enorme que se havia de pagar nos cofres das provincias, onde o governo precisa ter dinheiro para occorrer ás despezas das localidades, encargo que me collocou em graves embaraços, o que junto aos desfalques accumulados na receita publica, que resultaram de outras medidas, tornou inevitavel o ponto estabelecido pelo decreto de 3 de dezembro.

Ora, eu peço licença ao meu illustre amigo o sr. Avila para lhe dizer, que a mesma idéa que s. ex.ª teve de contrahir esse emprestimo para poder pagar as despezas anteriores, de sorte que podesse pôr em dia os pagamentos dos servidores do estado, tambem eu a tive: eu procurei contrahir um emprestimo dentro do paiz e na praça de Londres, e não me foi possivel efectuai-lo. E note-se que nessa época não existia ainda o decreto de 3 de dezembro, nem o de 30 de agosto, nem o de 18 de dezembro. (O sr. Avila: — Nem eu podia fazer esse emprestimo nessa occasião) Muito bem; o illustre deputado reconhece isso, e eu não o pude fazer tambem. Por consequencia o que eu quero, é que se fique sabendo que esta falta de credito não procede desses decretos, porque então ainda elles não existiam, e procurando o governo contrahir um emprestimo em Londres, por meio do seu ministro que estava alli acreditado com os banqueiros, não foi possivel arranjar-se; e em consequencia dessa circumstancia é que eu me vi obrigado a tomar a providencia do decreto de 3 de dezembro, de certo violenta, mas altamente reclamada para poder satisfazer á situação e aos encargos do thesouro.

Tambem o illustre deputado disse que uma das cousas que tinha principalmente actuado para que o governo se achasse em situação mais desfavoravel, fôra o accrescimo de despeza que teve logar no ministerio da guerra, em consequencia da promoção. E a este respeito, o sr. deputado Antonio da Cunha foi mais excessivo, mais violento nas suas expressões para com o governo, sobre a falta de economia no exercito. Eu devo declarar á camara, que na administração actual existe desde o principio o pensamento de reduzir ao strictamente possivel a despeza publica. (Apoiados) O governo tem augmentado algumas despezas em alguns ministerios, julgando indispensavel fazer algumas creações novas no sentido da utilidade publica; e não pensava, que o dinheiro despendido em proveito do estado, em augmentar a instrução publica, em estabelecer a instrucção especial, em crear as repartições necessarias para bem dirigir os negocios publicos, fomentos estes de que espero tudo, não pensava, digo, que isto podesse ser lido como falta de economia da sua parte!.... A economia não está nisto, a economia está nas despezas que se podem deixar de fazer sem inconveniente da causa publica, e as que eu acabo de indicar não estão neste caso. (Apoiados)

Mas o exercito? Parece que esta despeza, a maior que se tem feito no exercito, é um pesadelo que persegue os illustres deputados adversos ao governo, e com tudo é fôrça que eu diga, e o diga em presença dos documentos officiaes do orçamento, que esse augmento de despeza não existe. Talvez pareça impossivel, mas não existe, e eu o demonstro. O orçamento do ministerio da guerra de 1851 a 1852, quer dizer, durante a administração anterior aos movimentos de abril, era de 2:780 contos; o orçamento do ministerio da guerra de 1853 a 1854, que apresentei noutro dia, é de 2:855 contos. Ha uma differença a maior de 95 contos; porém v. ex.ª e a camara sabe que por decreto de 23 de outubro se determinou, que os officiaes separados do quadro do exercito, chamados da — convenção de Evora-Monte, fossem incorporados no ministerio da guerra e tivessem um logar á meza do orçamento como os seus antigos camaradas. A camara póde julgar esta medida como lhe parecer mais conveniente; mas o governo intendeu que no momento actual, quando elle desejava reunir toda a familia portugueza, como tantas vezes se repete, em volta do throno da Rainha, e das actuaes instituições, não devia continuar a deixar no estado de mizeria e abandono aquelles militares (Apoiados) que se tinham compromettido por força de circumstancias, ou não sei porque.... eu neste

Página 9

-9-

ponto não desejo fazer politica retrospectiva; já vai muito longe essa data, e é necessario que se apague para sempre dos nossos fastos politicos (muitos apoiados); o governo intendeu que elles partilhassem do pouco ou muito que a nação podia dar aos seus servidores; (apoiados) muitos delles acham-se hoje nas fileiras do exercito, e estou persuadido que tão decididos como os seus camaradas a desembainhar a espada para defenderem a Rainha e a carta constitucional.

É pois necessario que o decreto de 23 de outubro seja tomado debaixo da consideração de um ponto de vista politico e humanitario, porque foram essas considerações que dirigiram o governo para o publicar. Mas esse decreto trouxe um encargo de 120 contos de réis para o thesouro, quero dizer, para o ministerio da guerra, e se o orçamento deste ministerio para o anno de 1853 a 1854 apresenta apenas um augmento de 95 contos, já comprehendidos os officiaes amnistiados, segue-se que ha uma differença para menos de 25 contos no orçamento do ministerio da guerra para o anno economico futuro, comparado com o orçamento de 1851 a 1852. E não comprehendo ainda os officiaes do batalhão naval, que passaram para o ministerio da guerra em virtude da dissolução daquelle batalhão, e os da guarda municipal, que tambem para alli passaram; que se os comprehendesse, e apreciasse todos os algarismos correspondentes a estes encargos, conhecer-se-ía que a differença para menos e muito mais consideravel.

A primeira vista parecerá impossivel haver reducção na cifra do ministerio da guerra, quando se deu um augmento de despeza em consequencia da promoção; mas é que não se tomam em linha de conta as reducções que effectivamente se tem feito no mesmo ministerio daquella data para cá. Em primeiro logar ha um elemento de diminuição de despeza, que acompanha sempre o orçamento — as vacaturas — a morte que vai ceifando de dia a dia muitas vidas, e por consequencia muitos encargos para o thesouro. O governo fez, é verdade, uma promoção mas as vacaturas são tantas, que tem coberto, com outras reducções, o augmento de despeza que resultou dessa promoção. Podem dizer os illustres deputados, que se não fosse a promoção, a reducção devia ser muito maior, convenho; mas que a promoção tenha augmentado o encargo em relação ao que era, não é exacto.

Sr. presidente, o governo quer sinceramente as economias, e não as quer só em palavras. Eu sinto que os illustres deputados, pondo em relevo todas as medidas do governo, que tem produzido algum augmento de despeza, e que eu já justifiquei como pude; sinto, digo, que não façam a apreciação conjunctamente daquellas que tem trazido reducção nos encargos publicos. No mesmo ministerio da guerra eu tomei apontamentos de algumas medidas adoptadas, que juntas com as vacaturas que todos os dias vão tendo logar, produzem uma economia real: por exemplo, incluiram-se nas armas do quadro do exercito os officiaes que se achavam no estado maior do commando em chefe, e no das divisões militares, e desta disposição resultou uma reducção na despeza do ministerio da guerra. Extinguiu-se a bateria de artilheria a cavallo, que não satisfazia aos fins para que foi estabelecida; pode-se julgar bem ou mal desta medida, mas o que se não póde negar e que produziu uma reducção na despeza. Muitas outras medidas se tem tomado no ministerio da guerra para reduzir a despeza, mas não sendo ministro desta repartição, não estou presente em todas, e a camara me permittirá que não entre detalhadamente n'outras circumslancias, que só o ministro da propria repartição póde fazer. Mas parece-me que tenho enumerado já bastantes para provar que é immerecida a arguição, e injustiça dizer que o governo não procura fazer economias no ministerio da guerra.

Sr. presidente, eu como membro do gabinete, e tendo servido já em tres repartições, em todas ellas tenho deixado vestigios de que desejo reduzir as despezas publicas; mas e uma fatalidade que quasi todas as reduções que o governo faz, são atacadas por um ou outro lado da camara. Eu fui o ministro da marinha que reduzi as comedorias dos officiaes embarcados no Tejo, provindo d'ahi uma economia de 4 contos de réis; È pouco, mas é uma economia; — contudo atacado o governo, porque reduziu as comedorias aos officiaes. O governo extinguiu um logar insignificante, é verdade; mas extinguiu um logar que podia dar a um afilhado, como se diz vulgarmente — atacado o governo porque extinguiu o logar. O governo determinou no mesmo Diario... E peço ao meu nobre amigo o sr. Cunha, me permitta que eu recorde a indignação com que precipitou o Diario do Governo por encontrar ao pé daquella insignificante extincção, um cidadão accumulando o emprego de vogal do tribunal de contas com o exercicio de director da repartição do commercio no ministerio das obras publicas. Peço licença para lhe dizer que a sua indignação foi extemporanea, e contraproducente. O meu nobre amigo julgou vêr um augmento de despeza, e dava-se uma economia. O governo podia nomear para o tribunal de contas, porque havia alli uma vacatura, aquelle individuo ou outro que estivesse nas circumstancias da lei: mas que fez o governo? Não proveu este logar, e disse: «Vós que sois membro de outra repartição, exercei tambem este logar que não convem que outro exerça, porque não quero augmentar a despeza.» Mas o nobre deputado que julgou não haver aqui, não uma economia, e sim um augmento de despeza, indignou-se por isto, e atirou logo com o Diario para o chão. (Riso) Ora realmente não dá vontade de fazer economia; umas são combatidas por se haverem feito, outras porque não ha direito para se fazerem. (O sr. Cunha: — Sinto não poder responder.) Mas hade poder. (O sr. Cunha: — Tambem havia de fazer rir a camara.) -Peço perdão, eu não quero fazer rir a camara, não tenho graça nenhuma para isso; fallo naturalmente como me vem as idas. Não sei, nem posso fazer rir.

Mas, sr. presidente, o que me cumpre é defender o governo de uma arguição injusta; é mostrar que não é anti-economico, que recolheu o poder moral desta idéa, mais ainda do que o poder effectivo do orçamento; e que lhe é necessario fazer vêr nos seus actos, que diminuiu quanto possivel a despeza publica, para poder exigir dos povos o pagamento integral das contribuições, e os meios indispensaveis para que se possam emprehender os melhoramentos de todos os ramos do serviço publico; de modo que os contribuintes tenham a consciencia de que o governo faz quanto póde, e lhe permittem os seus recursos para reduzir a despeza publica.

E não se pense que exaggero. Queiram os nobres

Página 10

deputados, que accusam o governo de falta de economia, comparar os orçamentos do ministerio da marinha, e reunindo o do anno antecedente com o apresentado este anno, nos dois orçamentos verão que ha uma diminuição de despeza de mais de 100 contos de réis, em relação aos annos anteriores. No orçamento do ministerio da fazenda ha tambem uma reducção de mais de 50 a 6O contos de réis. Mas os nobres deputados não vêem isto, não querem considerar esta diminuição nas despezas publicas. Por mais que um ministro se esforce em mostrar que o ministerio da marinha reduziu mais do que talvez podia, não imporia, e diz-se — ha um augmento de despeza; o governo não quer economias! — Ora, não sei até onde podem chegar as economias, Eu reduzi, pela dissolução, do batalhão naval, perto de 40 contos de réis, sé por esse lado, e fiz esta reducção sem nenhum inconveniente do serviço: estou prompto a demonstra-lo, a entrar nesta discussão quando quizerem; não tenho duvida nenhuma. Com a nova organisação da contadoria da marinha reduziram-se 7 contos de réis, e com a diminuição das comedorias dos officiaes embarcados 4 contos de réis.

E o mesmo que se fez no ministerio da marinha, se practicou nos outros ministerios. No orçamento do ministerio da fazenda tambem houve reducções, em relação aos delegados do thesouro, recebedores e escrivães de fazenda, e quanto a estes talvez mais do que devia ser, ficando eu até com uma especie de escrupulo a respeito desta reducção, que importaram em 8 contos de réis. Podia fazer uma longa enumeração das muitas reducções realisadas; além da feita aos funccionarios do estado, de mais de 5 por cento addicionaes ao que já pagavam. Não sei que mais querem depois destas reduções: sé se lhes fôr tirar a pelle. Ha despezas do serviço em alguns ramos de administração, que são obrigatorias, e absolutamente necessarias: pois fizeram-se tambem diminuições ainda em alguma parte dessas despezas; doutra parte augmentaram-se onde as conveniencias do serviço pediam este augmento, e era indispenavel. Mas as reducções teem sido muitas, e mesmo o que se tem augmentado em todos os ministerios, fica muito áquem do que se reduziu nos vencimentos dos funccionarios do estado. E das despezas que sei augmentaram, e que se tornaram indispensaveis para o melhoramento de alguns ramos de serviço, muitas são de perto conhecidas pelo nobre deputado,para poder imputar com justiça ao governo, que não faz economias, e malbaralêa os rendimentos publicos.

Sr. presidente, é muito difficil seguir o fio dos discursos dos meus illustres adversarios, e por isso tenho passado de uns para outros objectos, segundo o que vou encontrando nos apontamentos que tomei.

O nobre deputado, o sr. Cunha, fez algumas arguiçõess pungentes á administração, principalmente no que diz respeito ao procedimento com o banco de Portugal. Entre essas arguições encontra-se uma sobre a, qual desejo dar uma explicação a camara, porque me parece que de o não fazer podia resultar algum desaire para mim. Disse o nobre deputado, que o governo promulgou o decreto de 30 de Agosto, tendo pedido no dia antecedente ao banco 60 coutos de réis para as despezas do estado. Parece que tendo o governo a intenção de promulgar o decreto de 30 de Agosto, que se suppõe hostil áquelle estabelecimento (eu não o supponho) commettia uma falta de boa fé, se na vespera da sua promulgação fosse arrancar do banco 60 contos de réis. Devo declarar a v. ex.ª e á câmara, que o governo pediu esta quantia ao banco depois de lhe dar conhecimento do decreto. A direcção do banco foi chamada ao ministerio da fazenda; ahi teve uma conferencia com o governo, leu-se-lhe o decreto de 30 de agosto; e foi depois desta conferencia que o governo lhe pediu os 60 contos, porque não sei se o nobre deputado está bem ao facto de que as leis geraes do banco de portugal auctorisam, a sua direcção para poder emprestar ao governo até 100 contos de réis: tanto assim que depois da errada na minha administração, o governo pagou ao banco 100 contos de réis que lhe devia antes, e ficou com a conta saldada em relação a esse supprimento.

Pediu-lhe pois essa quantia, porque podia pedir até 100 coutos de reis; pediu-a porque o banco podia dar-lha, e para isso a sua direcção se achava auctorisada pela assembléa geral; e quando a deu, já o governo lhe tinha feito conhecer o decreto de 30 de agosto.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Peço licença ao sr. ministro da fazenda para dizer, que a direcção do banco pediu praso para pensar; o governo concedeu-lhe o praso, e fallou a elle...

O sr. Ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello: — O governo não marcou praso á direcção, nem ella o pediu; disse que não tinha auctorisação para concordar no decreto de 30 de agosto, e que o submetteria á discussão da assembléa geral, caso o governo quizesse: ora o governo intendeu que esta discussão não era conveniente, e por isso não veiu a um accôrdo com a direcção, mas não lhe marcou praso, nem tambem lh'o pediu. E deste emprestimo dos 60 contos, 40 já estão pagos, e restam apenas 10, ou antes 15, porque no dia de hoje deve ser paga na alfandega do Porto uma lettra de 5 contos.

Tambem se fez uma arguição ao governo querendo insinuar que os pagamentos se faziam Unicamente com regularidade nas cidades de Lisboa e Porto, e que nus outras terras do reino havia um consideravel atrazo. E preciso que eu explique á camara a razão desta differença apparente, a que o illustre deputado se referiu. No exercito particularmente, em virtude dos ultimos acontecimentos, succede que uns corpos ficaram em dia nas suas quinzenas, em quanto que outros se acham consideravelmente atrazados. O governo não podia por em dia todos os corpos, porque não tinha os meios votados no orçamento, mas o que podia, era pagar a todos em cada 15 dias uma quinzena, e é isso o que tem feito. Mas tem feito ainda mais alguma cousa; porque em algumas divisões militares tem pago uma quinzena em cada 14 dias. Entretanto, é força confessar que ha algumas divisões onde os pagamentos não tem podido ser regulares, vendo-se muitas vezes o governo obrigado a fazer sacrificios; e neste ponto appello para todos os illustres deputados das provincias, ou para aquelles que já occuparam o logar de ministro da fazenda, que sabem os grandes sacrificios que muitas vezes é preciso fazer para se verificarem as transferencias nos diversos districtos do reino, a fim de se effectuarem os pagamentos; é por mais pontualidade, que se possa desejar que haja, é absolutamente impossivel que todos os pagamentos se façam no dia 1.º de cada mez, como acontece nas cidades de Lisboa e Porto.

Página 11

Agora o que eu posso é asseverar á camara é que em cada anno se pagam 12 mezes, sendo aos soldados uma quizena e, cada 15 dias, e aoS outros ser vidores do estado, um mez em cada mez, salvas as desigualdades de tempo que são inevitaveis.

Sr. presidente, resta-me ainda tractar de um objecto importantissimo a que se referiu o sr. deputado, Cunha Sotto-Maior, meu amigo, mas sempre meu constante adversario. O illustre deputado viu tudo máo na reforma das pautas; não viu senão uma injustiça flagrante, e uma imparcialidade vergonhosa a favor de alguns estabelecimentos em prejuizo dos outros: não attendeu a que nella se fez a reducção dos direitos sobre as materias primas em alguns artefactos, que se não fabricavam no paiz. Com esta reducção, não se offendeu nenhum-estabelecimento industrial, nem se prejudicou o thesouro; além de que o illustre deputado ha de ser o primeiro a reconhecer, a grande necessidade que havia em se reformar a pauta: esta reforma era reconhecida geralmente, porque impôr o direito de 100 e 200 por cento sobre objectos que só o luxo póde consumir, equivale isso a uma prohibição, não se fabricando elles entre nós; e parece-me que não devem ser privados os cidadãos dos com modos e dos gozos que podem encontrar nesses objectos. O thesouro nada ganha tambem com isso, porque com similhantes direitos não vem cá esses objectos, e acontece, por exemplo, com os espelhos e com os piannos de que o illustre deputado fallou, que ou não se fabricam em Portugal, ou se se fabricam, é em tão diminuia escalla, que não satisfaz ao consumo, e por isso o governo intendeu que era melhor reduzir o imposto de 150$000 réis que pagava um pianno, do que fazer com que elles não viessem de fora, porque com taes direitos nenhum cá vinha a despacho, e continuava acontecer o que até agora tem acontecido que é venderem-se por ahi aquelles que por qualquer circumstancias não pagam direitos na alfandega. É preciso notar tambem que o elevado direito que se exige em outras fazendas como fitas, rendas, e outros objectos de mais facil conducção, fazia com que não entra-sem nas casas fiscaes para se subtraírem aos direitos, e o contrabando de todas estas fazendas defraudava muitissimo os rendimentos do thesouro.

Em fim, sr. presidente, seria de certo longo e muito difuso se por ventura quizesse neste momento apreciar todas as modificações que se fizeram nas pautas, porque cada um dos seus artigos involve uma questão economica: e notarei mais que só depois de ouvir pessoas muito intendidas é que o governo tractou de combinar os interesses da fazenda com os dos, consumidores.

Sr. presidente, o governo tem procurado investigar a verdade dos factos neste ponto importante; e, podendo, por ventura, ter havido numa ou outra fabrica essa introducção fraudulenta, o que é certo que não tem achado vestigio algum pura asseverar, e que das nossas fabricas tenham saído pannos inglezes, e; muito especialmente com, relação á fabrica de Portalegre, a que se referiu directamente o meu nobre amigo.

Sr. presidente, quando se fez essa accusação á industria dos pannos da fabrica de Portalegre, viu-se publicado no Diario do Governo um annuncio dos proprietarios dessa fabrica, em que-se promettia dar 10 contos de réis a quem apresenta-se, uma peça de panno inglez saída daquella fabrica, ou que não fosse desde o seu começo, desde a sua urdidura alli fabricada. Esta accusação tinha sido feita n'uma correspondencia ingleza, e note-se mais que naquella fabrica existiam artistas inglezes que estavam para se despedir, e nenhuma denuncia houve, ninguem quiz ganhar o premio promettido. Donde se infere que a accusação era infundada e que não havia motivo algum para se suppor que desta fabrica saíam pannos inglezes, dizendo-se introduzidos, e não fabricados alli.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Mas ha uma grande protecção ás nossas fabricas de lanificios: os inglezes pagam 67 por cento de direitos protectores.

O Orador; — Eu conheço a theoria da liberdade de commercio, e conheço tambem os principios dos direitos protectores. Quando ainda não tinha a honra de ser ministro, tambem me occupei de uma discussão importante sobre este objecto, e expendi as minhas idas a este respeito: não fui, nem sou ainda de opinião que se conserve entre nós o direito protector em toda a sua plenitude e apparato que accompanha esse systema; mas intendo que não podemos nas circumstancias em que nos achamos, estabelecer o principio da liberdade de commercio, que resuscite outra vez o celebre tractado de Methwen, que trouxe a ruina completa das nossas fabricas, e não quero que o consumidor pague por preço maior aquillo que póde pagar mais barato. Ora eu explico á camara e ao sr. deputado, (que realmente estimo me désse occasião de o poder expor francamente) o motivo, que me levou a não reduzir os direitos em certas manufacturas.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Hei-de mostrar ao sr. ministro que sei a questão.

O Orador: — Sei que s. ex.ª sabe todas as questões muitissimo bem.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Melhor do que o sr. ministro.

O Orador: — Para as saber melhor do que eu não é preciso muito. A camara vê a minha humildade; e o sr. deputado, que me acoima de muito vaidoso, ha-de reconhecer que me não julgo superior aos mais em cousa alguma, e que sou o primeiro adeclaral-o; mas tenho necessidade de explicar os meus actos, e parece-me que a camara não levará a mal que expenda com franqueza os motivos que me levaram, isto é que levaram o governo a fazer reducções nos direitos protectores de certas industrias.

O governo pensava poder conseguir uma convenção commercial, essa devia obrigal-o a certas modificações importantes, e o governo não podia desarmar-se completamente dos meios de contractar (o que aconteceu) se acaso fizesse a reducção como o nobre deputado deseja.....

Eu, sr. presidente, não posso, não devo dizer mais. A camara avaliará, apreciará a importancia do motivo que me obriga a ser reservado sobre este grave objecto; na camara ha dois cavalheiros que são membros da commissão das pautas, e s. ex.ª sabem quaes foram as razões ponderosas,e acceitaveis que o governo leve para proceder assim. Sr. presidente, eu tenho que dizer mais alguma cousa em resposta ao illustre deputado, mas a camara está muito fatigada de ouvir estas repetições continuadas que necessariamente se fazem para responder aos argumentos que se apresentam, e por isso

Página 12

— 12-

limitei-me unicamente a responder aos principaes argumentos que se tem produzido, e espero que breve ha-de vir a occasião de mais largamente poder explicar á camara as razões que tive para adoptar estas medidas.

O sr. Mello e Carvalho: — Sr. presidente, nesta discussão tem-se dicto muito sobre os actos da dictadura, e tem-se posto de parte a propria dictadura; eu farei o contrario; prefiro, nesta occasião, combater o principio, reservando-me para combater os seus actos, e medidas legislativas dictatoriaes, quando do seu exame, moralidade e justiça esta camara se occupar; hei de restringir-me portanto a este ponto. Tem-se largamente fallado, sobre tudo, das medidas legislativas dictatoriaes sobre finanças, preterindo outras, que, no meu intender, são tambem de grande importancia, porque influem directamente sobre a ordem moral e material, a segurança das pessoas, a conservação da propriedade, da honra e da vida, fallo do codigo penal.

Não me propondo, pois, a fallar agora sobre esses diversos e variados assumptos, direi sómente poucas palavras em sustentação da rainha emenda á primeira parte do 4º da resposta em discussão. Combato, reprovo, censuro a dictadura de 1852, como desnecessaria, inutil, prejudicial, illegal e inconstitucional.

Sr. presidente, acarta constitucional não admitte, em hypothese alguma, dictadura; porque apenas tolera, que em circumstancias criticas, em que a segurança publica perigue, póde o governo assumir poderes extraordinarios; mas este acto de assumir poderes extraordinarios não importa necessariamente legislar, apenas auctorisa suspender algumas leis, ou a sua execução, para se restabelecer a ordem e a segurança publica; mas estas duas hypotheses, dadas as quaes a carta permitte que possa assumir poderes extraordinarios, nenhuma dessas hypotheses se deu, não houve invasão inimiga, nem rebellião, e o governo não tem apresentado nenhuma razão que a justifique, a não ser a sua vontade e gosto de invadir o poder legislativo. Tenho, como sempre pensei, estas arrogantes dictaduras como altamente prejudiciaes, e offensivas de todos os principios constitucionaes; mas se é necessario comprovar esta minha opinião com alguma auctoridade, nenhuma outra mais poderosa eu posso apresentar do que a do proprio presidente do actual gabinete, o illustre marechal e duque de Saldanha, cuja ausencia deveras sinto, por ser occasionada por motivo de molestia; s. ex.ª sabe, desde ha muito, quanto sou seu amigo, e quanto o respeito; mas sempre com independencia de caracter. Permitta-me pois a camara que eu aqui repita o que disse o illustre marechal, combatendo, não uma dictadura, que se assimilhasse com a sua e a dos seus collegas, mas apenas uma aberração, adoptando-se uma medida isolada, que o governo que a practicou, julgou necessaria nas circumstancias dadas.

O sr. duque de Saldanha, presidente do actual gabinete, em sessão de 26 de março de 1851, na camara dos dignos pares, disse, (O sr. Corrêa Caldeira: — Ouçam, ouçam) um mez apenas antes dos acontecimentos de abril do mesmo anno, o que posso repelir pelas suas formaes palavras, que são estas: — Salus populi suprema est lex. Para salvar a patria, as instituições, vê-se alguma vez o homem de estado na dura necessidade de assumir a dictadura, de se tornar superior á lei, Deu-se acaso entre nós, ultimamente, algum desses casos? Qual foi o abalo que recebeu o throno, que perigos correram as instituições, que riscos ameaçaram a nossa independencia? Nenhuma ameaça, nenhum perigo se observa, a não ser a presença de s. ex.ªs na administração, e sem embargo o ministerio assumiu a dictadura, calcou aos pés a lei fundamental, rasgou a lei commum, despedaçou contractos, poz em risco a existencia de milhares de familias; e para que?.. Depois desta energia e eloquente reprovação daquella dictadura em miniatura, se assim se lhe póde chamar, o que poderei eu mais dizer, o que poderei eu accrescentar? O jornal — Revolução de Setembro — mais antigo orgão de um partido que se diz progressista, ainda agora reprova a actual dictadura, supposto não desaprove as medidas dictatoriaes!

Sr. presidente, se a practica, e o exemplo do que se passa nos outros paizes, póde aproveitar, eu apresentaria o exemplo de um paiz, que é regido por uma constituição muito analoga á nossa, e que hoje é a mais antiga, não fallando da magna carta de Inglaterra, das monarchias constitucionaes. E que é o que vemos nesta afortunada terra de Santa Cruz? Um grande progresso e desenvolvimento na sua riqueza nacional; uma affuencia de estrangeiros, levando-lhe artes e industria; um commercio activo, uma lavoura aperfeiçoada, grandes melhoramentos, finalmente, tanto moraes como fysicos, que vão transformando aquelle bellissimo paiz, a parte mais importante, como já é indubitavelmente, da America do sul. E como tem tão rapidamente obtido tantas vantagens, tão grande desenvolvimento? Será pelo meio de repetidas dictaduras, pela usurpação e confusão dos poderes publicos, por actos illegaes? Não: é seguindo e respeitando a constituição que lhe outorgou esse sempre lembrado principe, filosofo legislador, fundador do imperio.

Grande é alli a veneração pelas formulas constitucionaes; mas não são preteridas, nem mesmo em occasiões e situações criticas: quando o governo carece de promptas e efficazes medidas, apresenta-se perante o parlamento, expõe as necessidades do paiz, e sollicita que se lhe votem com urgencia as medidas de que se carece: o parlamento occupa-se dellas incessantemente, e as necessidades são satisfeitas. Ainda nem uma só vez se recorreu alli a uma só dictadura, e o paiz prospera. Outros exemplos poderia referir de monarchias constitucionaes, mas de todos nenhum dará mais proveitosa lição do que o referido pela mais completa analogia das suas instituições politicas, leis, religião, usos e habitos do seu com o nosso povo. Praza a Deos que um tão edificante exemplo dos nossos irmãos transatlanticos nos aproveite!

Com a mais profunda convicão declaro que sinceramente desejo que Outro tanto acontecesse entre nós, evitando este circulo faial de dictaduras e já que nos temos successivamente agitado, provocando sempre uma outra dictadura.

Já não são poucos e pequenos os nossos soffrimentos, confessemo-nos todos arrependidos, e sirva-nos o passado de proveitosa lição para melhorarmos o presente, e legarmos aos vindouros um prospero futuro: se continuarmos a desprezar a constituição do estado, a não respeitar as leis, se não dermos provas de que desejamos a fiel observancia dos contractos, não teremos nem credito, nem melhoramento algum pos-

Página 13

— 13 —

sivel: os elementos sociaes não se improvisam, o progresso não se realisa, preterindo os principios sagrados em que descança o edificio politico. Como pertendermos entrar na carreira dos melhoramentos postergando as leis, destruindo o credito, faltando á fé dos contractos?.. Quão terrivel não é a prova porque estamos passando! A violação da propriedade segue-se a destruição do credito, daqui a falla de trabalho, e da falta deste as desgraçadas consequencias que a todos são obvias. Todos os interesses legitimos merecem ser igualmente respeitados; todos são necessarios ao progresso e á existencia das sociedades. Não se póde nunca justificar qualquer lei que tende a favorecer certos interesses á custa dos direitos e ruina de classes inteiras; a este respeito a lei deve ser igual para o rico e para o pobre; a justiça não auctorisa que se espolie o poderoso para favorecer o indigente, nem que este seja opprimido para satisfação daquelle; onde não ha segurança de propriedade, qualquer que seja a sua natureza, secam-se todas as fontes de prosperidade. Que meio, pois, será este de dictadura para desenvolver melhoramentos, e fazer respeitar as leis, se ella as despreza, se ella é um instrumento de vexames? O que se póde esperar do transtorno de toda a ordem estabelecida, da confusão de todos os principios e idas? Sem respeito ás leis não ha ordem publica, e sem esta não é possivel a garantia e solidariedade entre todos os membros do corpo social, não é possivel progresso algum se não o imaginado por cabeças estereis, que não buscam senão apparencias envolvidas em ocos palavrões. E necessario que nos habituemos a julgar as cousas não só por aquillo que se vê, mas tambem por aquillo que não se vê: é necessario ver pelos olhos do espirito, da meditação e da reflexão; é necessario considerar as grandes questões nos seus elementos. Actos de violencia não produzem, não felicitam: o que siguifica, como já aqui ouvi, obrigar os capitaes a que tomem uma boa direcção? Esta irrisoria pretendida coacção nada mais produziria senão afugentar os capitaes, que buscam emprego com liberdade e segurança.

E com ordem, tranquilidade e segurança; é com boas leis, com moralidade e justiça; é universalisando o credito, e com elle ou por elle universalisando a riqueza, que poderemos acompanhar a moderna civilisação, e gosarmos dos commodos que offerecem esses melhoramentos com que tanto prosperam as sociedades, que os tem sabido promover e estabelecer. Temos passado por diversas dictaduras, algumas das quaes sómente tem servido para aggravar as nossas circumstancias e situações financeiras, e prolongar os nossos inales; mas nenhuma tem contra si provocado tantas reacções, nenhuma tem tão directa e positivamente affectado interesses legitimos, dentro e fora do paiz como esta porque passamos: não é della que nos hão de vir os melhoramentos de que carecemos, e que eu bem desejaria ver realisados.

Sr. presidente, em todos os estados bem organisados é necessario, primeiro do que tudo, respeito a lei; ao seu imperio deve estar tudo sujeito; os direitos da liberdade não podem estar dependentes da vontade, nem do interesse ou caprichos de alguem. Dizer-se, que por utilidade publica, tantas vezes invocada, mas sempre por quem a despreza, se póde quebrantar a lei fundamental, se podem transgredir as leis organicas, e todas as outras que asseguram os direitos dos particulares, é sempre perigoso; o primeiro dever é sempre o respeito á lei. Não faço, nem foi nunca minha intenção fazer injustiça alguma aos srs. ministros. Combato o facto, de elles sem necessidade assumirem a dictadura; mas não quero d'ahi concluir que s. ex. desprezem o systema constitucional; um ministerio presidido pelo nobre duque de Saldanha, um ministerio de que faz parte o actual ministro do reino, o sr. ministro da fazenda, que tem sabido conquistar na tribuna um distincto logar, um ministerio de que faz parte o actual ministro dos negocios estrangeiros, não é de crer que conspirem contra o systema parlamentar; não serei eu que lhe irrogue essa injuria; pelo contrario, serei sempre o primeiro a reconhecer as suas nobres qualidades. Mas, sr. presidente, os homens erram, e bem póde ser que na supposição de melhorarem, de aperfeiçoarem, e de promoverem os melhoramentos moraes e físicos do paiz, s. ex. assumissem essa dictadura; mas eu, em minha opinião, intendo, que todos esses desejados melhoramentos, que não passam ainda do papel em que foram decretados, deviam ser promovidos conforme o systema constitucional, isto é, pelo parlamento; por que receio muito sempre, e a experiencia me tem mostrado, que exemplos desta natureza trazem sempre comsigo a negação do maior bem. Se esses melhoramentos se não podem fazer com regularidade senão por meio de dictaduras, então está feito o processo ao governo representativo. Se os melhoramentos, porque são de uma tal importancia e grandeza, não pódem ser trazidos ao parlamento para nelle serem discutidos, apreciados e avaliados devidamente, o resultado, na opinião de muitos, será, de que o governo parlamentar é improprio para satisfazer ás necessidades da vida social, e então é uma forma de governo imperfeitissima. Esta argumentação bem conheço quanto é erronea, falsa, e sofistica: mas della se aproveitam os inimigos da forma parlamentar. Desejaria, por isso, que tidos os beneficios que o paiz receber, sejam por virtude do governo parlamentar, e não sejam nunca por virtude de uma dictadura. E não se diga tambem que a approvação das medidas legislativas dictatoriaes importa uma homenagem prestada ao governo representativo, é o reconhecimento da sua preeminencia; porque então direi, pois se o governo tem a maioria parlamentar que lh'as approva, porque não quer antes apresentar as suas propostas, usar da sua iniciativa, vir ao parlamento, pedir até com urgencia, se tanto fôr necessario, e discutirem-se, approvarem-se e votarem-se essas medidas? As leis assim feitas e votadas teriam muito maior fôrça moral, pois que eram discutidas, approvadas o votadas pelos procuradores do povo, e seus legitimos representantes.

Permitta-se-me agora que exponha uma duvida em que estou, e cuja solução não tão é facil, quanto a mim, como parecerá a alguem: ella é deduzida dos proprios principios constitucionaes, é deduzida da lei fundamental do estado, que estabelece a divisão dos poderes politicos, e assigna a cada um delles a sua competencia. A face da constituição poderão as maiorias do parlamento approvar leis dictatoriaes, sem que estas leis dictatoriaes passem por todos os lermos legaes e constitucionaes? Nós recebsemos um mandato para exercermos a missão que nos é confiada dentro dos limites da competencia legal, e antes de exercermos as nossas funcções prestamos juramento de ser.

VOL. III — MARÇO — 1853.

4

Página 14

— 14 —

mos fieis ao rei á patria, á carta e fazermos leis conducentes ao bem de paiz; consequentemente o nosso mandato impõe-nos um dever, e não nos dá direito para renunciar ou deixar de satisfazer ai esse dever sob certas garantias para que melhor o possamos desempenhar: ora approvar actos illegaes, usurpações de poderes, aberrações inconstitucionaes, não importa fazer leis; n'uma discussão geral, e englobo de cento e tantos decretos, que contêm variados e importantissimos assumptos, não é possivel uma discussão e exame pausado, estudados meditado porque excede todas as forças humanos uma similhante discussão. Repetirei, pois, que nós, procuradores do'povo, temos deveres'a cumprir, e não direitos a renunciar na feitura das leis; o nosso mandato para tal não nos auctorisa, nem em marcha ordinaria podia auctorisar, porque uma tal auctorisação importaria, não a reforma, mas a destruição da lei fundamental do estado, cujo principio essencial é a divisão, separação e independencia dos poderes politicos; pelo que não serão infundadas as duvidas que se levantaram contra a legitimidade de taes medidas legislativas dictatoriaes não obstante a approvação, em globo, pela maioria da camara. Se a dictadura foi desnecessaria, illegitima e inconstitucional; se foi uma invasão no poder legislativo, como, sem a maior das contradicções se poderão approvar as suas medidas legislativas, sem que se guardem e observem as formulas constitucionaes?

Sr. presidente, conheço que a camara está disposta para acabar com esta discussão, e com razão; e como ainda ha de fallar mais algum orador, quero concluir.

Sr. presidente, aos ministros, á camara, e a todos os homens da communhão liberal peço que quebrem este circulo fatal das dictaduras; ellas são o supplicio de Sisifo a que temos estado condemnados; é necessario que de uma vez para sempre estas dictaduras acabem, não ha nada que tanto desacredite o systema parlamentar como são as continuadas dictaduras.

Em conclusão: sustento a minha emenda ao § 4.º da resposta em discussão.

O sr. Ministro da marinha: — Pedi a palavra para mandar para a meza as contas de gerencia do anno findo — na conformidade do acto addicional — pertencentes ás repartições do ministerio dos negocios estrangeiros', e do da marinha e ultramar. Não só vão as contas de gerencia destas duas repartições, como vai tambem relativamente á marinha a conta de exercicio de 1815 a 1816; e relativamente ao ministerio dos negocios estrangeiros vai a conta de exercicio do ultimo anno.

O sr. Nogueira Soares: — Sr. presidente, a camara, como acaba de dizer o precedente orador, deve estar cançada de uma tão longa discussão; vou pois eu começar a fallar n'uma occasião bem desfavoravel, e se não fora a qualidade que me assiste de relator da commissão pois camara encarregada de preparar a resposta ao discurso de abertura, eu não occuparia, nem por pouco tempo a atenção da camara. Assim fa-lo-hei unicamente para responder a algumas objectes que foram apresentadas contra o projecto de resposta; e para explicar qual foi o pensamento da commissão na relação que deu a esse projecto.

Sr. presidente, começarei pelo que diz respeito ao additamento apresentado pelo meu illustre mestre o sr. deputado Pegado. Tem este additamento relação com o § 46º do projecto de resposta — Quer o illustre deputado que se consignem neste paragrafo algumas palavras tendentes a manifestar um desejo favoravel á elevação da nossa marinha militar — Eu direi ao illustre deputado — que com quanto no § 4.º do projecto de resposta se não falle expressamente na nossa marinha militar, não é porque a commissão não deseje o seu melhoramento e a sua elevação; pelo contrario ella está persuadida, e o está de certo tambem — a camara, que é uma das nossas primeiras necessidades dar vida, remoçar, desenvolver a nossa marinha militar, porque sem marinha militar, sem verdadeira marinha militar, não ha colonias; e é — nas colonias que está a segurança da nossa nacionalidade, e a esperança do nosso melhoramento (apoiados) da nossa ressurreição, do nosso futuro. (Apoiados)

A commissão, porém, sr. presidente, intendeu que a idéa do illustre deputado, que é tambem a da camara, estava implicitamente consignada no dicto § 4.º no modo como elle se acha redigido; porque elle diz assim. (Leu)

Se o fim que se propõe o illustre deputado está intimamente ligado com o melhoramento das nossas colonias, que é meio indispensavel para este melhoramento se obter, é evidente que quando se falla nos melhoramentos e necessidades destas, se comprehende implicitamente a necessidade da elevação da nossa marinha militar. Está pois a idéa do illustre deputado visivelmente consignada no § 4º, e estando-o não me parece necessaria a adopção do seu additamento — E de mais inserir na resposta ao discurso da corôa o additamento do illustre deputado tal como está, seria inflingir uma censura ao governo, e uma censura que elle não merece; porque, como o illustre deputado mesmo reconheceu, se o governo não tem leito tanto quanto quereria a bem da nossa marinha, tem feito tanto quanto tem podido fazer; e se não tem melhorado muito a nossa marinha, é certo tambem que a não tem peiorado, ao contrario tem-lhe dado algum alento e desenvolvimento.

E comprehendida como está a idéa do illustre deputado no projecto de resposta ao discurso de abertura do parlamento, e divergindo apenas a commissão na forma de a exprimir (apoiados) parecia-me mais conveniente que o illustre deputado, dando-se s. ex.ª por satisfeito com a'explicação que acabo de dar e que toda a camara acceita (apoiados) — retirasse o seu addiamento, e o não sujeitasse a uma votação incerta, que póde ser mal-interpretada. (Apoiados)

Tenho dicto sobre este ponto, quanto reputo suficientemente para defender o projecto em discussão. (Apoiados)

Agora, sr. presidente, quanto á objecção que um illustre deputado que se senta no banco superior fez acerca da commissão não ter interposto o seu juizo, nem sobre os motivos que levaram o governo a assumir a dictadura, nem quanto ao merecimento dos actos publicados por essa mesma dictadura; direi, que a commissão intendeu que não era este o logar nem occasião de propriamente ou especialmente se o occupar deste objecto — Essa questão já a camara mesmo a guardou para mais tarde, já a encarregou no exame de uma commissão especial; e estando o

Página 15

— 15 —

negocio nestes termos, não concordo com o illustre Deputado quando quer que desde já se dê um voto de reprovação ao governo por ter assumido a dictadura e publicado, as medidas que adoptou durante ella. Esta opinião do illustre deputado-de certo não será acceita pela camara. Se ao illustre deputado fosse apresentado um processo qualquer para o examinar e julgar, instruido com todos os documentos que constituissem prova irrefragavel, decerto o illustre deputado, por maiores que fossem as inducções, e por maior que fosse a forma e notoriedade do commettimento do delicto que fazia objecto do processo, não condemnaria o accusado sem o ouvir e até lhe nomearia advogado officioso, se elle o não tivesse. A commissão, intendeu tambem que a camara não podia pronunciar um juizo definitivo, sobre os motivos que o governo leve para assumir a dictadura e adoptaras medidas, que publicou, sem primeiro ter examinado detidamente essas medidas e ouvido, o governo acerca dellas, a fim de poder depois de maduro exame pronunciar o seu juizo conforme á justiça, e conveniencia publica, II foi em conformidade-com esta mesma doutrina-que acabo de expender, que a commissão andou para tambem não absolver já o governo, como queria o illustre deputado que se senta do lado direito. A commissão procedeu com imparcialidade, não quiz condemnar nem absolver sem primeiro estudar o processo e ouvir as partes.

Sr. presidente, não se póde condemnar uma dictadura, sem se ter bem examinado tudo quanto deu origem a ella, e todos quantos actos ella practicou, e para desde logo se apresentar um juizo desfavoravel a respeito de uma e da outra cousa, era necessario que as dictaduras fossem sempre más, sempre perniciosas; mas o certo e que ellas em muitas occasiões e por muitas vezes tem sido não só uteis, mas necessarias, fallo das dictaduras modernas.

O illustre deputado a quem me refiro, fallando das dictaduras trouxe para esta discussão a historia grega e romana, querendo provar com exemplos tirados desses povos, que as dictaduras eram sempre prejudiciaes, e traziam sempre a morte da liberdade; mas o illustre deputado que sabe a historia, sabe tambem que ha uma differença muito grande entre as dictaduras antigas, e as dictaduras modernas, e comparadas umas com outras vê-se hoje que esses exemplos de dictaduras antigas não foram bem trazidos para o caso. As dictaduras em Roma eram o que nós aqui chamamos suspensão de garantias, alli o dictador nunca tinha o poder de legislar, tinha o poder de se collocar acima das leis existentes para n'uma occasião dada resolver como muito bem lhe approuvesse, mas não tinha o direito de promulgar leis que ficassem permanentes para o estado. — Por tanto esses exemplos citados pelo illustre Deputado não tem applicação ao caso presente, em que se não tracta de suspensão de garantias, de violação dellas, ou de atacar na mais pequena parte os direitos individuaes dos cidadãos.

Sr. presidente, se acaso as dictaduras algumas vezes são más, muitas vezes tem sido boas, e muitas vezes absolutamente necessarias, e até tem acontecido que por se não ter reconhecido a ellas se tem perdido certas instituições reputadas da maior utilidade publica e individual; se não tivesse havido a nossa primeira dictadura de 1834 que se estabeleceu para reivindicar a carta constitucional, estariamos nós aqui sentados. (Apoiados) Por não ter havido dictadura energica e radical em 1820 é, que se perderam as instituições liberaes naquella época, pela não ter havido em 1826, é que a carta, foi destruida. Se ellas tivessem existido nesse tempo talvez que nem-em 1822 tivesse caido a, constituição, nem em 1826 a carta constitucional.

Quando certas instituições, certo regimen tem existido por muitos seculos, criam, sempre muitos interesses, que sustentam e defendem essas instituições e esse regimen mesmo quando elles já não estão em harmonia, com o estado da sociedade nem com os progressos do espirito humano. — Se quando proclamardes as novas idas, e plantardes as novas,instituições não creardes logo interesses poderosos, que as amparem; se não destruirdes com mão ousada e vigorosa os interesses illegitimos e absurdos, que essas idas e essas instituições, ameaçam, vê-las-hei antes de muito sofismadas, desacreditadas, destruidas. E esta operação tão necessaria como dolorosa só a podem fazer as dictaduras. (Apoiados) Fê-la quanto a nós a dictadura de 1834; sem essa dictadura, decerto não estaria agora aqui nenhum de nós, nem a mesma carta constitucional nem o throno e a dynastia de Sua Magestade leriam resistido aos ataques, dos seus inimigos. (Apoiados).

A camara não acceitaria de certo um principio que vem considerado em um projecto de constituição apresentado no parlamento do reino visinho, pelo qual as dictaduras são arvoradas em systema; nós não queremos similhante principio, (apoiados) queremos a discussão parlamentar, queremos a intervenção directa e legal dos representantes da nação na factura das suas leis. (Apoiados) Esta é a nossa regra, mas ha muitos casos em que a regra soffre excepções; e bastaria que houvesse um só para nós não condemnarmos sem primeiro examinar se estamos nesse caso. Mas no caso presente os proprios oradores que se sentam do lado direito da camara, reconhecem que a dictadura era necessaria com relação a algumas medidas; o sr. Avila reconheceu, que a dictadura era necessaria quanto á lei eleitoral e quanto á lei de fazenda, e eu creio que não é difficil provar que tambem era necessaria senão para todos, para a maior parte de todos os outros objectos; mas quanto áquelles dois pontos, e innegavel que o era, porque nós tendo-se votado o acto adicional não podiamos vir aqui por nenhum outro decreto eleitoral anterior. Era necessario tambem que se publicasse a lei de meios, porque era necessario que se continuasse a receber os impostos, e a satisfazer as despezas publicas; ora além destes, eu intendo que para todos os outros casos se póde tambem provar que era necessaria a dictadura; mas bastam estes dois para não poder ser contestado desde já o principio. Não posso pois em nome da commissão admittir a emenda do illustre deputado, que condemna a dictadura, porque não póde deixar de esperar-se que venha á camara o parecer da commissão especial, e accrescento, que mesmo pelo fado da nomeação dessa commissão a camara não póde votar por nenhuma das emendas dos illustres, deputados; hade necessariamente esperar por esse parecer.

O illustre deputado que hontem fallou sobre esta materia, e que tinha adoptado no seu todo a emenda do sr. Mello e Carvalho, retirou depois o seu assen-

Página 16

— 16 —

so á primeira parte dessa emenda, e conservou-o só com relação á segunda parte; peço perdão para lhe dizer que não posso concordar com o seu modo de vêr esta questão, e que me parece que s. ex.ª retirando o seu assenso á primeira parte desta emenda e dando-o só á segunda cae em uma contradicção que não é propria dos seus elevados conhecimentos, e do modo porque costuma vêr sempre todos os negocios.

Na segunda parte da emenda quero sr. Mello e Carvalho que as leis da dictadura sejam apresentadas á camara como projectos de lei, para serem discutidas na camara como taes. Se nós reduzissemos os decretos da dictadura a projectos de lei, rejeitavamos a dictadura. Se o illustre deputado tivesse restringido a sentença da segunda parte da emenda a uma ou outra lei em especial, então podia sustentar a sua idéa quanto a esse ponto especial; mas o illustre deputado não fez assim, o illustre deputado depois de nos dizer que o motivo que o levava a sustentar a emenda na segunda parte, era uma providencia especial, não restringiu essa conclusão á providencia especial, adoptou a emenda do sr. Mello e Carvalho, com relação a tudo. Ora isto na minha opinião, permitta-me s. ex.ª que lhe diga, é um contrasenso, porque não podemos considerar os decretos da dictadura como projectos de lei sem rejeitar a dictadura; desde o momento em que nós considerassemos como projetos de lei todos os decretos da dictadura a questão acabava, deixavam de se cobrar os tributos, que se estão cobrando em virtude de um decreto da dictadura, deixava de se pagar aos servidores do estado, deixava de se poder satisfazer a outras despezas publicas indispensaveis, e nós não passavamos de um projecto de camara, porque estavamos aqui em virtude de um projecto de lei. (apoiados)

Não posso pois concordar com a idéa do illustre deputado, e creio que elle mesmo depois destas considerações ha de reconhecer que a não pode sustentar — a segunda parte da emendado sr. Mello e Carvalho é consequencia da primeira, não se pode dar assenso a uma, e negal-o á outra.

Outro illustre deputado fez algumas observações com relação a outros parágrafos da resposta ao discurso da corôa, a que não posso deixar de responder. A primeira foi quanto ao que falla a respeito da ilha da Madeira; este paragrafo diz o seguinte: (leu) O illustre deputado não queria que nós tivessemos elogiado o governo pela maneira porque elle providenciou nesta desgraçada conjunctura, queria pelo contrario que nós o tivessemos condemnado, e para prova desta sua proposição trouxe uma correspondencia na qual appareciam officios datados de 1851 dirigidos pelo governador da ilha da Madeira ao governo, nos quaes elle se queixava de que se lhe não tivesse respondido. Ora o illustre deputado ha de reconhecer que ha neste seu argumento um verdadeiro anachronismo: a calamidade a que se refere o projecto da resposta ao discurso da corôa, é a mesma a que o discurso da corôa allude, que foi a que estragou as vinhas na ilha da Madeira em 1852, e é evidente que os officios a que se refere o illustre deputado, sendo, como são de 1851, não podem dizer respeito a esta calamidade, nem a camara os pode tomar em consideração para este caso. O governo já respondeu que tinha mandado para a ilha da Madeira 20 contos de réis para serem distribuidos em obras publicas com o fim de dar trabalho aos pobres que viviam dos salarios que os proprietarios não puderam pagar. Foi a este mal que o governo acudiu proporcionando áquelles habitantes, expostos a morrerem de fome, um trabalho util ao mesmo tempo a elles e ao estado. — O governo não podia fazer mais do que fez — practicou um acto ao qual o illustre deputado, que tem um bom coração, não poderá deixar de associar-se. A commissão intendeu, e intende ainda hoje que este acto é digno de todo o elogio.

O illustre deputado fallou ainda sobre muitos outros assumptos, mas eu tractarei apenas de responder aos pontos que tem mais relação com o projecto de resposta ao discurso do throno.

O projecto diz, a respeito das nossas relações com as potencias estrangeiras, o seguinte, (leu)

O illustre deputado negou este facto: do banco dos srs. ministros já se respondeu que as nossas desintelligencias eram sómente com o encarregado de negocios, e não com o governo brasileiro; é negocio pendente, por isso não me occuparei delle, porque qualquer discussão que houvesse sobre este ponto, podia prejudicar este negocio.

Ha outro ponto em que locou o nobre deputado; disse que a commissão se esquecera de inserir no projecto de resposta ao discurso da corôa uma express„o de sentimento pela morte da princeza Amelia; e mandou para a meza um additamento corregindo esta falta. Se o nobre deputado tivesse reparado para a data do projecto de resposta, de certo não teria feito esta accusação; porque o projecto de resposta foi assignado em 4 de Fevereiro de 1853, e a noticia daquelle infausto acontecimento chegou a Lisboa no dia 11 de fevereiro de 1853; por consequencia era impossivel que a commissão no dia 4 de fevereiro alludisse a um facto que aconteceu neste mesmo dia na Ilha da Madeira, e que apenas se soube em Lisboa no dia 11 desse mesmo mez. Demais disso a camara recebeu a noticia no dia 11 de fevereiro, e no dia 12 nomeou uma deputação, que foi dar os pezames a Sua Magestade. A camara não se esqueceu, ainda foi adiante da recommendação do illustre deputado; e a commissão não podia fazer menção desse facto, porque ainda não constava quando assignou o seu projecto de resposta. Já vê pois o nobre deputado que foi injusta a sua accusação nesta parte, foi um verdadeiro anachronismo, assim como o fôra em outra accusação sua com respeito á ilha da Madeira. Por parte da commissão declaro que não posso admittir o additamento do nobre deputado, porque com elle não iriamos fazer mais do que repelir o que a camara já fez, agravando de novo a dor profunda que tão doloroso accotecimento causou no coração de Sua Magestade. Não se costuma dar pezames duas vezes; dão-se na época do estylo; passada essa época é falta de delicadeza tornar a fallar em tal objecto: a camara satisfez já á sua obrigação, fazendo uma cousa que estava em harmonia com os seus sentimentos; agora não deve tornar a fallar neste triste caso, para não rasgar as feridas que ainda sangram, (apoiados)

Como membro da commissão e relator della nada mais tenho que dizer sobre o projecto da resposta ao discurso da corôa, porque o tenho defendido de todas as objectes que se lhe fizeram; accrescentarei porém ainda algumas observações que me occorrerem, ao ouvir algumas asserções durante o debate. Um illustre deputado, meu amigo, por quem tenho a

Página 17

— 17 —

maior consideração e respeito, accusou o governo por este tender directamente para a reacção. Ainda bem que outro illustre deputado foi de opinião inteiramente contraria; em verdade, não vejo fundamento algum para se fazer ao governo uma lei imputação; pelo contrario, intendo que o governo não é reaccionario, nem nas cousas, nem nas pessoas.

Como deputado, e não como membro da commissão, pois que nesta qualidade, nada posso dizer por ora em abono dos decretos da dictadura, porque sobre elles a commissão não interpoz juizo algum, intendo que esses decretos satisfizeram necessidades urgentes improrogaveis. Desgraçadamente durante as nossas luctas politicas, temo nos occupado exclusivamente dos negocios politicos, e nada dos melhoramentos materiaes do paiz. No anno passado quando se tractava do acto addicional, houve deputados, do lado direito e esquerdo da camara, que propuzeram o adiamento fundando-se em que nós tinhamos mais necessidade de promover aos melhoramentos materiaes do paiz, do que reformar a lei politica do estado; a camara votando rejeitou esse adiamento por que intendeu que era urgente informar a lei polilica; mas, reformada esta, todos concordaram em que se não podiam separar mais as reformas economicas e administrativas e cuidar dos melhoramentos possiveis. O desacordo entre a camara e o governo e a dissolução consequente, adia por mais um anno a realisação legal destas promessas que para o paiz eram esperanças. E poderia e quereria elle esperar um anno? Creio que não, sr. presidente, e creio que a composição da camara justifica-lhe a minha crença.

Um illustre deputado, meu amigo, disse que se tinha feito muita cousa demais, que não se deviam tomar tantas providencias de uma vez; que para imortalizar a gloria de um homem bastava apenas uma só medida; que Sir Robert Peel se imortalizara com o bill de reforma a favor da liberdade do commercio; Mons, com a lei de repartição de contribuição; e Bravo-Murillo, com a reforma no systema de contabilidade. Parece-me que o illustre deputado, trazendo estes exemplos, não foi muito exacto nem muito feliz. Quanto á Hespanha ainda lia pouco vi em uma folha hespanhola, uma relação de todos os decretos publicados durante a administração de Bravo-Murillo, e pareceu-me que eram talvez tantos como aquelles, que se publicaram nesta dictadura. Elle não tocou só na contabilidade como disse o illustre deputado, tocou em muitos outros assumptos importantes; deu um grande impulso ás vias de communicação; deu á Hespanha um codigo penal, e preparou um codigo civil; melhorou todos os ramos de administração e de justiça; e levou a reforma a toda a parte aonde era reclamada. Em quanto a Inglaterra, e verdade que as reformas alli são lentas; mas creio que senão pode citar a Inglaterra, como exemplo, em casos lues; lá não precisam de dictaduras para reformar; porque ha perto de 200 annos que se não tem parado na carreira da civilisação; por isso não precisa fazer de um só jacto muitas reformas, porque não tem necessidade de percorrer o caminho em que ficou atrazada.

Todas as nações que têem estado nas nossas circumstancias, nós mesmo em outras épocas, que são citadas como épocas de bom governo, temos feito muitas reformas de uma vez.

A França reconstruiu de novo todo o seu edificio social desde 1789 a 1808. A Hespanha tem feito outro tanto desde 1830 até hoje, e ainda não parou em tão laboriosa tarefa. O nome de Pedro grande é celebre na historia da Russia e na do mundo por ter feito surgir da obscuridade uma nação á sua voz poderosa. A Austria tem-se reconstruido totalmente desde 1818. O marquez de Pombal é celebre por ser um reformador radical e enciclopédico, e não me cançarei de repetir que tambem devemos á dictadura radical e encyclopedica de 34 a segurança das nossas liberdades, do throno e da dinastia. (Apoiado)

Não ha, sr. presidente, regras geraes em politica, ha casos em que convem fazer as reformas lentamente; ha casos em que convem faze-las, em que os grandes homens as tem feito com applauso universal de um só jacto. Pelo que toca á dictadura em discussão não será da sua fecundidade, que eu hei de argui-la, arguiria antes o governo por não ter tomado muitas outras medidas, que eu julgo urgentes, inadiaveis; argui-lo-hia, sr. presidente, se eu visse que lhe sobrara o tempo e que elle o desperdiçam.

Sr. presidente, quando aqui discutiamos eleições, quando os illustres deputados, que se sentam daquelle lado (do direito) arguiam o governo de haver corrompido e violentado, de haver imposto ao paiz uma falsa representação por meios criminosos, o meu amigo a que alludo, defendendo então a innocencia do governo e a pureza da camara, dizia-lhes (aos cavalheiros da direita): — Olhai para o paiz, olhai para esta camara, passai revista ás fileiras dos antigos partidos, observareis que poucos estão nas suas antiga, posições, que os velhos quadros estão todos baralhados, confundidos, que se está effectuando a desorganisação, a decomposição, a anniquilação de partidos velhos, e que outros novos nascem das suas cinzas. O resultado dos ultimas eleições, a composição desta camara, não se explica nem pelas fraudes, nem pela corrupção, nem pela violencia; explica-se pela mudança de opiniões, pela metamorfose das idas, por esse trabalho de decomposição dos partidos velhos, e reconstrução de outros novos.

Quando o illuslre deputado assim fallava, fazia a mais brilhante, a mais eloquente, e mais verdadeira defeza da dictadura.

E á dictadura, á sua fecundidade imparcial e illustrada que se deve a mudança da opinião, e a vitoria do governo. (Apoiado) (O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados)

O sr. Corrêa Caldeira — Sr. presidente, o illustre deputado que acaba de fallar, não se esqueceu de mencionar, no principio do seu discurso, a desvantajosa posição em que tomára a palavra; e todavia s. ex.ª tem por si a qualidade oficial que lhe pertence no debate, como relator da commissão, a circumstancia muito vantajosa de fazer parte da maioria da camara, e a condição personalissima e indisputavel do seu saber e habilidade.

Faltam-me, sr. presidente, todas estas vantagens, donde resulta que a minha inferioridade relativa, comparada com a do illustre deputado, é de dez para um.

Nestas circumstancias appello para a benevolencia da camara, como unico recurso, esperando que me não seja recusada, attendendo-se a que pertenço a uma opposição tão pequena em numero; e tanto mais quando tenho a ousadia, pelo dever desta situação pessoal, de levantar a minha voz contra tão dis-

VOL. III — MARÇO — 1853.

5

Página 18

— 18 —

tinctos oradores, e caracteres eminentes que se assentam ao centro, e no outro lado da camara. Conto pois confiadamente na generosidade e benevolencia da camara. (Apoiados)

Sr. presidente, é muito difficil entrar na discussão, na altura a que ella está elevada, sem caír em repetições, e sem perder, em virtude dellas, o interesse da novidade, que só póde, depois de tão prolongado debate, prender a attenção da camara; mas reputo inevitavel este escolho, visto que, sendo o thema o mesmo, e tendo elle sido tractado, e amplamente desenvolvido por tantos e tão distinctos oradores, não poderia o talento mais fora do commum evitar a reproducção mais ou menos fiel de alguns, ou de muitos dos argumentos e considerações offerecidas: nem póde esperar-se portanto que eu, tão inferior a todos, obtenha o que excederia a dexteridade oratoria mais provada e abalizada. É uma obrigação rigorosa de cada representante da nação expender francamente na camara as suas opiniões; e se para todo e cada um dos deputados deve ser invariavel regra de procedimento o preceito do antigo poeta portuguez,

«Fallai em tudo as verdades

A quem em tudo ai deveis»

esta obrigação é muito mais rigorosa, esta regra deve nunca ser esquecida pelos deputados. que constituem a opposição parlamentar; e pela minha parte pessoal não hei-de deixar de cumpri-la tanto quanto as minhas forças o permittirem.

Sr. presidente, Pellison preso na Bastilha escrevia a Luiz 14.ª, dizendo-lhe «ha nesta prisão doze liberdades, e chama-se-lhes — liberdade do pateo, liberdade do terraço, liberdade de passear por elle sem companhia, liberdade da escada, liberdade da janella, liberdade de escrever ácerca dos seus negocios particulares, liberdade de fallar a alguem na presença de um official, liberdade de fallar sem testimunhas, liberdade de estar doente, liberdade de se enfadar! listas doze liberdades não fazem um duodécimo da verdadeira liberdade; e as duas ultimas não se recusam a ninguem.»

Applicando este dicto ao nosso estado poderei exclamar tambem, que Portugal tem muitas das condições de um governo livre; tem uma carta constitucional, um acto addicional, duas camaras legislativas, liberdade de imprensa, poder judicial independente, etc, etc. Da reunião de todas estas condições deve poder inferir-se que este paiz tem um governo representativo, mas inferia mal quem assim concluisse; a verdade é que Portugal não tem esta forma de governo. Parecerá incrivel a asserção, mas é rigorosamente exacta!

Um eminente jurisconsulto do seculo 16º Dumoulin dizia, que deviam considerar-se impossiveis os factos illegaes; e resumindo o seu pensamento n'uma só proposição enunciou-o assim

«Negativa, praeposita verbo posse, tollit potentiam juris et facti»

Isto é, «a negativa anteposta ao verbo poder destroe o faculdade do direito, e a possibilidade da acção.» E muito para lamentar, que esta maxima enunciada desde o seculo 16º não tenha encarnado nas constituições de todos os povos, ou não seja observada e respeitada sempre por aquelles que segundo as vicissitudes dos tempos recebem a missão de applicar, observar e desenvolver as instituições dos povos regidos por principios liberaes. Esses homens de estado deviam guardar indelevelmente impressa em seu coração a sancta maxima de Dumoulin, e reconhecer de uma vez para sempre nos actos da sua vida publica a regra practica de considerar impossivel tudo o que a lei lhes não permittisse. Deviam lembrar-se de que se ás violações da lei, e do direito, commettidas por particulares, se segue sempre a repressão, a punição que fortalece o principio despresado, ou violado, não acontece outro tanto com as violações da lei e do direito commettidas pelos governos, ou pelos legisladores, porque estas desautorizam o direito, a verdade em si mesma: pelos governos especial, e essencialmente encarregados da fiel execução das leis, pelos legisladores encarregados da missão augusta de legislar, isto é, de estabelecer regras conformes com os principios eternos da moral, da justiça universal, em fim com a lei fundamental do paiz a que pertencem. Do esquecimento deste dever provém sempre uma perigosa perturbação ás sociedades politicas chamadas nações, e da repetição deste funesto erro vem tambem mais cedo ou mais tarde a queda do systema do governo em que se commette impunemente.

Um distincto escriptor referindo o modo como os Irlandezes descrevem em relação á Inglaterra a sua situação geografica, aliribuiu-lhes a seguinte, concisa e eloquente frase «Estamos ao poente da lei,» Eu direi que os portuguezes governados pelo actual ministerio estão ha muito tempo ao poente da carta e das leis.» Não é nem a carta, nem as leis que governam este paiz, é a vontade dos srs. ministros!

Sr. presidente, é muito singular e notavel, o que sustentou o precedente orador quando disse ó que a commissão (da resposta ao discurso da corôa) não quizera exprimir a sua opinião ácerca da dictadura; mas que elle como simples deputado não hesitava em a dai, e era, que não tendo o poder legislativo, em consequencia das tão frequentes e tão repetidas luctas politicas, com que o paiz se tem visto a braços, acudir aos melhoramentos materiaes, aos meio, de desenvolver os elementos de prosperidade que o paiz encerra, emfim as necessidades urgentissimas que sofria, o governo se julgára obrigado a remediar esta falla, fazendo o que o poder legislativo, não tinha feito. — Esta singular theoria dá razão completa aos que defendem o systema absoluto, ao, que dizem que só por elle se póde acudir aos males que vexam um povo, pois que os governos parlamentares consomem todas as forças vivas de qualquer nação em luctas de partidos, em intrigas politicas, nascidas as mais das vezes de ambições pessoaes. O illustre deputado, sem o querer de certo, veio prestar a estas asserções dos inimigos do systema parlamentar a auctoridade das suas palavras, e desacreditar pela base esta fórma de governo; e na época presente em que o governo representativo passa por tão perigosas provações, não era de esperar que o illustre deputado prestasse auxilio aos adversarios daquelle systema politico.

Eu acreditei que a camara abrindo o debate sobre o discurso dos srs. ministros na abertura do parlamento, queria aproveita-lo como thema para o fim para que foi sempre aproveitado, a saber — para examinar a politica do gabinete, para examinar os actos da sua administração, e para julgar da con-

Página 19

— 19 —

formidade em que uma e outra estavam com as regras por que se devia governar. Era isto o que cumpria que se fizesse, mas não foi isto o que se fez.

Parece, pelo contrario, a quem lêr sem paixão o projecto da resposta, que a Camara, na resolução que tomou, quiz apenas acceder aos desejos que os srs. ministros manifestaram, de que o discurso lido pelo sr. presidente do conselho, no dia da abertura da sessão, fosse considerado como discurso do throno. Ninguem contestará que seja inexacta esta apreciação, reflectindo que no projecto de resposta, por uma redacção casuistica e evasiva a camara, ou pelo menos a commissão, pertendeu subtrair-se a todo o juizo definitivo sobre os actos do governo.

Sr. presidente, se as infracções da constituição não fossem tão graves; se o perigo para o systema representativo não fosse tão imminente; se o quebrantamento da fé dos contractos não fosse tão geralmente sabido, se a ruina do credito publico não fosse uma calamidade já conhecida, e cujos fataes resultados tomarão tanta maior intensidade quanto mais se prolongar a agonia da administração actual, seria a proposta redacção, quando muito, adoptavel pela opposição que não tem responsabilidade alguma, nem moral ao menos, no errado caminho que o governo segue, e que considera com razão aquella redacção como uma censura indirecta feita ao governo pela maioria.

Esta, porém, não deve de modo algum adopta-la, porque não foi mandada pela nação ao parlamento para hesitar perante a polilica dos srs. ministros; não é por tal modo que póde desempenhar o mandato que recebe.

Sendo, como são, conhecidos os actos do governo dentro e fora do paiz; tendo elles sido largamente analysados, e documentados do modo que nenhum dos illustres deputados póde ignorar o seu alcance, não ha para a maioria da camara senão uma de duas soluções logicas, moraes e politicas a adoptar.

Ou a maioria está pelo exame, e estudo desses actos convencida de que o governo, procedendo como procedeu, bem mereceu da cansa publica, e deve neste caso dar approvação plena, sincera, e rasgada á sua polilica; ou a maioria tem razões fundadas, motivos, e considerações ponderosas contra a legalidade, e conveniencia publica do proceder do governo, e então deve ter o valor das suas opiniões, a coragem que tem tido os que combatem a rosto descoberto a marcha, o procedimento do governo. Se a maioria está convencida de que os actos do governo, todos, ou alguns collocaram o paiz n'uma situação ruinosa, e perigosa, desaprove francamente a politica, e o procedimento do governo, acabe com uma situação falsa, e cumpra assim o fim da sua alta missão. (Apoiados da direita)

Sr. presidente, o debate aberto sobre a resposta ao discurso da corôa, ou nada significa, ou é a occasião propria para se cumprir o que determina a carta constitucional da monarchia no artigo 13º, que diz assim: «As côrtes geraes, no principio das suas sessões, examinarão se a constituição polilica do reino tem sido exactamente observada para prover como for justo.» Por tanto não póde a camara declinar a obrigação que tem de examinar no principio das suas sessões se a constituição tem sido exactamente observada para prover como for justo. Pergunto; será meio conducente para desempenho desta obrigação redigir um projecto de resposta ao discurso de abertura em que só quasi apparece de affirmativo «o sentimento de pesar pelo motivo que inhibiu o augusto Chefe do Estado de assistir pessoalmente ao acto solemne da abertura do parlamento, e a declaração de que a camara ouviu o discurso lido pelo sr. presidente do conselho?!!» Tudo o mais neste projecto de resposta é condicional, e futuro. — A camara verá, a camara examinará, a camara estimará poder convencer-Se, etc, A camara apreciará… Em fim a camara parece não ter feito juizo algum definitivo sobre o procedimento do gabinete!

Sr. presidente, não posso acompanhar a maioria neste modo de satisfazer ás obrigações que contrahiu, acceitando o logar que occupa na camara; sinto mesmo que elle fosse abraçado por illustres collegas meus, por quem tenho a mais respeitosa deferencia, e que vejo assignados no projecto a que alludo. Não farei portanto o mesmo que a maioria parece querer fazer. E usando do direito indisputavel que tenho como deputado da nação, examinarei, nos termos do artigo 139. da carta, se a constituição tem sido exactamente observada; e depois de provar, que não, deixo confiadamente á maioria o desempenho da segunda parte daquelle artigo — isto é o prover como fôr justo.

Em presença de 124 decretos com força legislativa publicados pelo governo desde julho de 1852 até ao ultimo de dezembro do mesmo anno, pergunto: se haverá quem duvide de que a constituição do reino ha sido manifestamente offendida e violada? Deste só facto incontroverso decorrem dois immediatos corollarios — 1º que a divisão dos poderes politicos, base do systema de governo estabelecido na carta, não existe — 2º, que o artigo 13º da carta que confere o poder legislativo as côrtes com a sancção do Rei, cessou de existir.

Posto de parte qualquer exame dos actos da dictadura assumida pelos srs. ministros, em presença sómente destes dois corollarios, um grande processo está já aberto aos srs. ministros. Não se diga, porém, que eu pertendo que a camara julgue a s. ex.ªs sem os ouvir. Pelo contrario, eu desejava que os srs. ministros fallassem largamente em sua defeza; ouvi os com a mais escrupulosa attenção, ouvi-los-hei ainda — mas depois da defeza quero o julgamento — tenho obrigação de exigi-lo, e direito para o requerer.

Demonstrado que s.ex.as violaram a constituição, e commetteram uma usurpação de poderes, é indispensavel que os srs. ministros declarem á camara, e á nação, qual foi a necessidade imperiosa, fatal, indecinavel que os arrastou a esta extremidade. Depois de prestar a mais séria attenção ás razões produzidas pelo, srs. ministros, e pelos seus defensores neste debate, em vão esperei uma razão satisfactoria e justificativa do seu procedimento. A defeza apenas por parte de s. ex. comprehendeu dois actos — a lei de meios, e o decreto eleitoral; mas quanto aos outros nem s. ex.ªs ousaram invocar para sua justificação a palavra — necessidade.

Só ultimamente o illustre relator da commissão aventurou esta defeza declarando que todos os decretos da dictadura eram procedentes da mesma causa, e justificaveis por ella.

Quanto á lei de meios não é tão incontestavel como á primeira vista parece, é meio da defeza, porque foram os srs. ministros que se collocaram na situação de caracter de auctorisação legal para a cobrança dos

Página 20

— 20 —

impostos e mais rendimentos publicos, optando pela sua conservação no poder, sendo dissolvida a camara passada, como se a entidade governo estivesse essencialmente vinculada nas suas pessoas.

Quanto ao decreto eleitoral, visto que pelo acto addicional fôra estabelecido um novo methodo de eleição, forçoso era que na falla de lei em harmonia com as novas bases, um decreto do governo, qualquer que elle fosse, satisfizesse a esta necessidade; mas a estrella desgraçada que guia os srs. ministros nesse mesmo decreto exerceu o seu influxo, levando-os a violar, como já demonstrei, os principios e regras do acto addicional, com os quaes aliás, deviam escrupulosamente conformar-se.

Nem é preciso grande esforço de raciocinios, e de provas para demonstrar, que não foi a salvação publica, que não foi a necessidade urgente, que obrigou os srs. ministros a sair fôra das raias estabelecidas na carta ao poder de que estão investidos; a verdade é ter sido este desgraçado e perigoso abuso, resultado simples do habito de despresar a lei fundamental do paiz, peccado inoculado neste gabinete, desde o principio da sua existencia.

Sr. presidente, é sabido da camara e da nação inteira, que dissolvida a camara passada, foi na conformidade da carta, convocada outra; e se bem me recordo, fixando-se para a sua reunião o 1.º de dezembro ultimo. Tambem é de todos conhecido que foi por um outro decreto, o de 2 de outubro de 1852, adiada novamente essa convocação para o dia 2 de janeiro. No artigo 110 da carta determina se: «Que o conselho de estado seja ouvido em todos os negocios graves, e medidas geraes de publica administração, e designadamente em todas as occasiões em que o hei se proponha exercer qualquer das attribuições proprias do poder moderador indicadas no artigo 74, á excepção do § 5.º »

Em vista desta expressa disposição é evidente que, sendo o adiamento da camara uma das attribuições do poder moderador, cumpria, em observancia da parte já cilada do artigo 110º, que o conselho de estado fosse previamente ouvido; todavia o não foi, e este inexplicavel desprezo da disposição da carta é absolutamente injustificavel, porque não oppondo o voto meramente consultivo do conselho de estado obstaculo algum invencivel á marcha do gabinete, e podendo este, uma vez que continuasse a merecer confiança do augusto chefe do Estado, levar por diante o adiamento da camara, não obstante o parecer em contrario do conselho de estado, caso este o desse tal, e manifesto que este insolito procedimento não pode explicar-se senão pelo modo porque eu o explico — o desuso em que tem caído para com este gabinete a lei fundamental do estado — o nenhum caso que elle faz das suas mais importantes disposições.

Esta observação é extensiva a todos os actos da dictadura que abrangem medidas geraes de administração publica, porque a carta no já referido artigo 110º exige expressamente que a respeito de todas as dessa natureza seja previamente ouvido o conselho de estado, e todavia o não foi.

E note a camara que mesmo em circumstancias ordinarias, votada uma proposta de lei em ambas as casas do parlamento, e convertida em decreto, não é sanccionado esse decreto pelo augusto chefe do Estado sem ter sido previamente ouvido o conselho de estado, porque ainda depois de observadas na sua

proposta, discussão, e adopção todas as formulas estabelecidas na constituição pareceu ao auctor da carta conveniente que fossem ouvidos os altos funccionarios que compunham aquelle tão respeitavel conselho para aconselharem se era ou não digna da Real sancção a medida legislativa contida no decreto das côrtes geraes! Mas os srs. ministros per si sós tem mais confiança que as duas casas do parlamento, por isso s. ex.ªs se eximiram da obrigação de ouvir o conselho de estado! É verdade que ouvir o conselho de estado diz o que diz, e mais nada! Mas s. ex.ªs quizeram subtrahir-se ao desgosto de ouvir as amargas verdades que sobre muitas, ou algumas das suas medidas lhes seriam sem duvida ditas pelos tão illustrados, tão experimentados, tão respeitaveis membros do conselho de estado! S. ex. recearam emmudecer e não poder produzir uma razão attendivel a favor de algum, ou de alguns dos seus actos, e sairam da difficuldade desprezando o conselho de estado!

Sr. presidente, talvez a camara se persuada de que no modo severo com que aprecio o proceder do actual ministerio sou exaggerado, injusto, apaixonado como se diz que o são os deputados que pertencem á opposição. — Para convencer a camara de que seria ella mesma injusta se assim avaliasse as minhas palavras, recorrerei a uma auctoridade que não será suspeita nem á maioria, nem ao proprio gabinete — auctoridade já na sessão, em que estou fallando, citada pelo illustre deputado o sr. Mello e Carvalho. — Desejo que a camara ouça, e attenda ao modo como a personagem a quem vou alludir, qualifica o exercito da dictadura.

O sr. Duque de Saldanha, actual presidente do conselho de ministros, orando em 1851 na camara dos dignos pares, e fazendo referencia ao unico acto do ministerio de 18 de Junho de 1850 que tivesse caracter legislativo, o decreto publicado na ausencia das côrtes em 13 de novembro de 1850, pelo qual aquelle gabinete passou provisoriamente a administração do fundo especial de amortisação para a junta do credito publico, sendo alli considerados em deposito todos os rendimentos que constituiam a sua dotação, disse:

«Salus populi suprema lex est. — Para salvar a patria, as instituições, vê-se alguma vez o homem de estado na dura necessidade de assumir a dictadura, de se tornar superior á lei. Deu-se acaso entre nós algum desses casos? Qual foi o abalo que recebeu o throno, que perigo correram as instituições, que riscos ameaçaram nossa independencia? Nenhuma ameaça, nem perigo se observa a não ser a presença de s. ex.ªs, na administração, e sem embargo (note-se bem) o ministerio assumiu a dictadura, calcou aos pés a lei fundamental; rasgou a lei commum, despedaçou os contractos, poz em risco a existencia de milhares de familias — e para que, sr. presidente? Para que?, Para meter na algibeira dos seus amigos alguns centenares de contos de réis da fazenda nacional!!!!»

Nestas palavras transluz a pintura, o retrato profetico do actual gabinete, feito pelo sr. presidente do conselho, então pertencente á opposição.

Applicadas então com injustiça ao ministerio de 18 de Junho, são exactissimas applicadas agora aos collegas do nobre duque no ministerio.

Da comparação dessas palavras, com as minhas, dos factos daquella época com os factos desta, dos

Página 21

— 21 —

actos do ministerio de entoa com os do ministerio actual deduzam os imparciaes de que lado está a severidade, e o apaixonado dos juizos, ou das expressões.

Por certo, sr. presidente, as ultimas palavras do discurso do nobre duque, a que alludi, são exactamente applicaveis ao ministerio actual em quanto adopta providencias summamente ruinosas ao credito publico, destruidoras da fé dos contractos, e offensivas do direito de propriedade, tudo na minha opinião para fazer face ás despezas correntes, para occorrer á excessiva despeza proveniente da promoção monstruosa no exercito, e a outros creações dispendiosas da actual dictadura, ao mesmo passo que na arguição que continham ao ministerio de 18 de junho, alludindo-se conforme supponho á liquidação feita á companhia das obras publicas, eu tenho além de outras razões sobejo fundamento para as reputar injustas no procedimento do sr. presidente do conselho, e do gabinete por elle formado, visto que estando s. ex. no poder ha quasi dois annos, dos quaes treze mezes pouco mais ou menos em dictadura, não consta que até agora tenha revogado aquella liquidação.

Posto de parte este incidente, e progredindo na minha argumentação, perguntarei se alguem de boa fé póde acreditar, que sem a creação do ministerio das obras publicas — acto da presente dictadura, que custa ao orçamento mais quarenta contos, pouco mais ou menos de despeza annual, seriam impossiveis os melhoramentos materiaes de que o paiz carece?

Sr. presidente, o ministerio de 18 de junho, se bem lembrado estou, havia applicado sommas consideraveis ao melhoramento, ou reconstrucção de estradas, ainda antes de receber o augmento de receita, proveniente do imposto especial para estradas, decretado em 1850; e não sei se este gabinete, apezar de perceber aquelle imposto, e de ter creado o ministerio especial das obras publicas, tem effectivamente applicado a importancia daquelle imposto para obras similhantes: antes me consta que ou por negligencia, ou por outra qualquer causa, tem deixado arruinar parte das estiadas feitas, ou consideravelmente melhoradas durante, a administração a que me refiro.

Entre os actos da dictadura conta-se o decreto que estabelece, para daqui a dez annos, um novo systema de pesos e medidas. Considere a camara se póde dar-se razão attendivel, que justifique á usurpação do poder legislativo, a fim de se decretar uma providencia, que só daqui a dez annos será executada. E a parte difficil desta importante providencia, as tabellas das reducções, essas não appareceram ainda; essas podem odiar-se, não assim pelo que se viu na adopção do principio; este era indispensavel, na opinião do governo, que fosse decretado por elle, e não pelo poder legislativo.

Não deixarei de fazer menção especial do decreto da dictadura de 28 de dezembro ultimo, pelo qual os srs. ministros conferiram auctorisação a si proprio para reformar quando quizessem, e como quizessem as secretarias de estado! Por este principio se approvado fosse, podia eliminar-se de uma vez o poder legislativo, autorizando se o governo por uma só vez a legislar, e reformai tudo o que lhe parece-se conveniente.

E por todas, estas considerações, sr. presidente, é indubitavel que não foi a necessidade, que não foi a grande razão da salvação publica a causa poderosa que impelliu o governo a constituir-se em dictadura; mas resta a examinar outro ponto, e é se no exercicio do poder legislativo usurpado, o governo se houve de modo que respeitasse os direitos, e garantias dos cidadãos, os artigos constitucionaes da carta, que attendesse as verdadeiras conveniencias publicas, que emfim se conformasse com os principios da justiça, e da economia politica, e guardas se as raias, os limites que o proprio poder legislativo não póde ultrapassar. — Se podesse provar-se que o governo havia procedido em conformidade com estas regras immutaveis, talvez eu posto que deteste a polilica do gabinete, posto que censure severamente o excesso do poder que commetteu, fosse levado pela utilidade provada (se provada fosse) dos actos que decretou, a conceder-lhe o bill de indemnidade.

Considere porém detidamente a maioria da camara a gravissima responsabilidade que sobre ella pesa quanto ao exame do procedimento do governo, e dos actos da dictadura por elle exercida. Apesar das respostas do sr. ministro do reino e de outros oradores que defenderam a legalidade e verdade das passadas eleições, não têem sido séria e concludentemente refutadas as razões que eu e outros collegas e amigos meus haviamos produzido para demonstrar que o governo exercera na eleição por si e pelos seus delegados a maior coacção moral de que havia exemplo neste paiz. Existe no paiz esta opinião geralmente radicada; e em vista della se a maioria não fôr muito imparcial, muito escrupulosa no exame e apreciação de muitos dos actos do governo, que têem excitado grande clamor e descontentamento, esteja certa de que incorrerá perante a opinião na censura de ler absolvido o governo das muito graves infracções, que commetteu, da carta e da lei commum, por contemplações pessoaes, e não por considerações e razões de verdadeiro interesse publico.

Não será difficil a demonstração de que o governo, no uso dos poderes que usurpara, violou artigos constitucionaes, os direitos e garantias dos cidadãos, e quebrantou a fé publica; e observarei que uma garantia que póde annullar-se, ou se annulla, não é garantia; a formula protectora do direito, uma vez preterida, arriscado fica o direito.

Se a camara permittir que o governo levado de bons ou mãos desejos, de um systema mais ou menos visionario, offenda os direitos dos cidadãos, e ultrapasse uma vez os limites postos á sua acção pela lei fundamental do estudo, que a propria camara é precisamente incumbida de manter illesa, e de acatar e observar no uso do poder que a carta lhe confere, feito isto uma vez, desde esse instante a camara rasgará o seu proprio titulo, esquecerá as obrigações do seu mandato, e deixará a constituição, e os direitos mais importantes dos cidadãos á mercê do acaso, ou da força.

E o governo constitucional perece, rasgado o titulo do seu direito, a carta, pela qual e da qual provém.

Rasgado elle o governo subsistirá pela força, mas não pela constituição. — De uma constituição violada, segundo um acreditado publicista, nada resta — porque com a parte violada, infringida e desprezada acabará a garantia das outras disposições.

VOL. III — MARÇO — 1853.

6

Página 22

— 22 —

Sr. presidente, para bem ser avaliada a confusão e perturbação que lança nesta fórma de governo a usurpação de attribuições feita pelo poder executivo, basta considerar o que aconteceria se uma camara, ramo do poder legislativo, se arrogasse um dia a faculdade de estorvar a execução das leis, confiada pela constituição ao poder executivo, ou a de julgar os processos invadindo as raias do poder judicial! Em qualquer destes dois casos, ou suppondo que fosse o poder judicial que se arrogasse um excesso de poder, o perigo para a causa publica e grave, o transtorno da ordem publica, e a destruição da fórma do governo imminente, se outro poder constitucional collocado n'uma esfera muito superior, não empregar os meios providentes de que póde dispôr, para o restabelecimento da harmonia; mas a constituição, e a segurança do estado, correm riscos muito maiores, sendo a usurpação de poder proveniente do poder executivo, por isso que este tem a sua disposição uma força que podia supplantar todos os outros poderes do estado.

Chamo toda a attenção da camara para estas aberrações do governo. Não esqueça ella a muito melindrosa crise porque está passando nesta época o systema constitucional: guarde, e tutele com toda a energia da sua vontade, e não dê occasião a que se impute á sua negligencia, ou errada condescendencia, a perda da liberdade nesta terra portugueza.

Como deu a hora, e ainda me restam algumas observações a fazer, peço a v. ex. que me reserve a palavra para ámanhã-

O sr. Presidente: — Fica-lhe reservada. A ordem do dia para ámanhã é continuação da de hoje. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O 1.º REDACTOR

J.B. Gastão.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×