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de linguagem, com a correcção da phrase do regulamento do marquez de Áudiífret, mas segundo a moda financeira d'aquelle tempo.

No capitulo 209.° diz o seguinte: «Que passados cinco annos, as partes que n'elles não requererem as dividas que El Rei dever, percam seu direito...

«Outrosim pelo dito modo mandámos que a dita maneira (trata-se da prescripção de cinco annos) se tenha era todas as dividas que nós devamos, a que sejamos obrigados de nossa fazenda; assim por nossas cartas, alvarás, desembargos, certidões, e a lembranças, e dos vereadores de nossa fazenda, e contadores que para isso nosso poder tiverem; como quaesquer outras obrigações que de direito sejamos obrigados da maneira que dentro nos ditos cinco annos hajam d'isso despacho, etc..»

Eis-aqui o texto. Falla-se aqui da prescripção de cinco annos, não ha duvida. Mas, suppondo por um momento que esta determinação é obsoleta, como é na minha opinião, pergunto ao nobre ministro onde encontra n'esta ou em outra lei a prescripção de seis annos para os que estão fóra da Europa? Está na ordenação de El Rei D. Manuel? Não. Está no regulamento geral francez, porque estava na lei franceza (apoiados).

Dizem-nos, que este trabalho é bom e util, é opportuno, porque é a codificação das disposições sobre a contabilidade.

Muito bem. Se é codificação, é preciso que comprehenda todas, e não lance os executores em grandes duvidas (apoiados).

Ó nobre ministro lembrou se, não sei se antes ou depois, de fazer o regulamento da ordenação de fazenda d'El-Rei D. Manuel; mas do que se não lembrou foi da lei de 12 de agosto de 1853, que é de uma epocha muito mais recente Esta lei estabelece no artigo 1.° o seguinte:

«São considerados extinctos os vencimentos das classes inactivas, qualquer que seja a sua proveniencia, de que se não tiverem notado recibos durante tres annos, contados depois do mez a que pertencer a ultima nota.»

E tambem uma lei de prescripção, uma lei especial para certas e determinadas especies; e não se applica a todos, mas a certos credores do estado.

Ora, é notavel como lembrou a disposição da ordenação d’El-Rei D. Manuel e como esqueceu a lei de 12 de agosto de 1853 (apoiados), lei recente e em pleno vigor!... Porventura considera-se revogada esta disposição? Não sei. Subsiste? Porque se omitte na codificação? E quando se allega isto, responde o nobre ministro: «As leis lá estão, subsistem e o regulamento não pôde revogar leis». De accordo; mas por isso mesmo que as leis subsistem, o regulamento omittindo as deixa de ser codificação (apoiados); e como se quer que tenha esse caracter, é bom e conveniente que se não omittam as disposições legislativas que estão em vigor, ao passo que se inserem outras que caíram em desuso (apoiados).

Tambem o regulamento faz distincção dos creditos provenientes de contratos onerosos ou creditos de outra natureza. A junta, em uma consulta appensa ao relatorio, declara que não é possivel que os creditos por contratos onerosos fiquem sujeitos á prescripção de cinco annos. N'esta parte tem rasão a junta. A lei e a conveniencia são contra o regulamento.

Já demonstrei, e a meu ver de uma maneira irrecusavel, que a ordenação de 1516 não é a fonte do regulamento, porque bastava a simples rasão de não estar na ordenação a prescripção de seis annos; desafio, empraso o nobre deputado, que creio se dispõe a fallar n'esta questão; emprazo, digo, o meu nobre amigo, que é um jurisconsulto distincto, a que me diga em que lei portugueza encontra esta disposição?

A verdade é, que o capitulo 209.° da ordenação de fazenda de El-Rei D. Manuel é obsoleto, completamente obsoleto; não tem tido applicação nos tribunaes. Esta especie de prescripção é considerada obsoleta por todos os jurisconsultos, e eu convido o sr. relator dá commissão de fazenda a que me cite os jurisconsultos que o consideram de outra maneira. Pela minha parte referirei o sr. Correia Telles e o sr. Coelho da Rocha, que escrevendo sobre as diversas prescripções excepcionaes não apresentam esta, citando aliás como em vigor a disposição do capitulo 210.°, que estabelece para os direitos activos da fazenda a prescripção de quarenta annos. Nem se admire o nobre ministro, porque apesar da sua intelligencia não é sua especialidade a jurisprudencia. Não imagine que por estar em vigor uma disposição de uma lei, se siga que todas o estão. Ha leis revogadas em parte; ha leis obsoletas em parte. Nenhum jurisconsulto o duvida.

O capitulo 209.° da ordenação de El-Rei D. Manuel é effectivamente obsoleto, não se encontra mencionado por nenhum auctor de jurisprudencia, não se encontra praticado no fôro ha seculos.

E demais, se procurarmos a rasão historica d'aquella disposição podemos encontra-la com facilidade.

O capitulo 209.° da ordenação estabeleceu para os creditos sobre a fazenda a prescripção de cinco annos.

Note-se porém que na legislação d'aquella epocha existiam em regra prescripções curtas; e esta mesma prescripção de cinco annos se dava entre particulares, e era direito commum para os individuos residentes no mesmo logar, como se vê na ordenação Manuelina. Este direito foi modificado no tempo de El Rei D. João III, em que se estabeleceram como direito commum prescripções mais largas; e a lei de D. João III foi fonte da ordenação Filippina que ainda hoje vigora.

Aqui se vê como a disposição do capitulo 209.° da ordenação de fazenda de 1516 estava em harmonia com as disposições do direito commum d'aquella epocha, consignadas na ordenação Manuelina, e como deixa de o estar com o direito commum actual.

Creio que tenho demonstrado que a disposição do regulamento não está em harmonia com a nossa legislação.

Não se trata de saber se ha de ou não haver prescripção, como disse o sr. ministro da fazenda. Não se trata de saber se ha de ou não haver reciprocidade entre os creditos contra o estado e os creditos do estado contra particular. Nunca tal reciprocidade existiu. O estado sempre teve privilegio; os seus creditos contra particular não prescrevem nem por cinco annos nem por trinta, mas por quarenta.

O que se trata de saber é se os creditos contra o estado estão sujeitos ás regras de direito commum em tudo aquillo em que não haja lei especial. Acho dura uma prescripção tão curta. Não me parece bastante largo o praso d'ella.

E verdade que existe em França, mas por uma lei. E note o sr. ministro que isto tem dado logar a grandes questões, a interpretações dos jurisconsultos, e que os tribunaes nas suas decisões não se têem sujeitado sempre á prescripção dos cinco annos.

Para apresentar um exemplo. Vaga uma herança a favor do estado, porque não apparece herdeiro, e o estado toma conta d'ella; pôde o herdeiro apresentar-se a reclama-la não só dentro dos cinco annos, mas passados elles. É esta a jurisprudencia dos tribunaes francezes, porque restringem a prescripção de cinco annos á extinctiva, e não a estendem á acquisitiva.

Essa porém seria a questão de jure constituendo, de que não tratámos agora. Do que estamos tratando é de examinar se a disposição do regulamento é ou não conforme a lei; e que o não é parece-me incontestavelmente demonstrado.

Tocarei ainda alguns pontos exemplificativamente, porque se quizesse citar, e acompanhar das demonstrações respectivas, todos os artigos do regulamento que estão em discordancia com as leia, seria um não acabar. Não fique pois a camara entendendo que são os unicos aquelles que refiro, e que, na minha opinião, nada mais ha que seja contrario á lei. Apresento apenas os que me parecem mais frisantes.

Passo a tratar do que diz respeito a obras e fornecimentos.

Seja-me permittido observar, de passagem, uma cousa. Sei muito bem que esta materia, que respeita a obras publicas, a fornecimentos, e ao modo por que hão de ser contratados, em concurso ou fóra d'elle, se encontra compilada no regulamento geral de contabilidade francez. Mas nesta parte permitta-se-me que seja opinião rainha, que se encontra mal n'aquelle regulamento, e que melhor seria que não se trasladasse para aqui, porque isto não faz objecto de contabilidade; são regras de administração; não fixa o modo de organisar contas nem de as tomar; mas modo de administrar. „

Emquanto a mim bem omittidas seriam estas disposições no regulamento geral de contabilidade publica. Entretanto, uma vez que n'elle se encontram, tenho que as apreciar.

Ao mesmo tempo tenho de perguntar ao sr. ministro se elle considera que isto não é só um regulamento de contabilidade, mas um regulamento geral de administração publica, como parece por estas disposições; e, se o é, se sobre elle foi, como a lei manda, ouvido o conselho d'estado (apoiados).

Sobre este ponto a lei de 15 de julho de 1857, que foi citada pelo sr. ministro da fazenda, e que effectivamente é o assento da materia, estabelece as regras que se encontram no artigo 67.° do regulamento, apesar de uma certa divergencia de palavras, que eu desejaria que não se encontrasse; porque, a querer-se dizer no regulamento a mesma cousa que está n'aquella lei, era melhor repeti-la pelos mesmos termos, para não se levantarem duvidas.

O regulamento diz no artigo 67.° o seguinte:

«Era regra, todas as obras de novas construcções, seja de que natureza forem, devem ser feitas por meio de concurso publico.»

A regra geral portanto é o concurso. E quando a natureza das obras seja tal que o concurso não se possa estabelecer na maior largueza, ou se o preço offerecido não for vantajoso, pôde se fazer a obra por conta do estado.

É esta a disposição capital do artigo 68.* do regulamento.

O artigo 68.° estabelece as excepções, e as excepções são as seguintes:

«A regra estabelecida no artigo antecedente soffre as seguintes excepções:

«1.ª Construcções navaes;

«2.* As obras que, por sua natureza e importancia, não podendo estar sujeitas, sem inconveniente, a uma concorrencia illimitada, convindo por isso submette-las a restricções que não admittam ao concurso senão pessoas previamente reconhecidas pelo governo com os requisitos necessarios para as executarem, não offereçam em resultado das propostas dos concorrentes em praça preços rasoaveis ou garantias seguras.»

Emquanto a este paragrapho, digo que apesar de divergir da redacção da lei que lhe serviu de base, parece-me ser identico no pensamento.

«§ 3.° As obras cujo custo não exceder a quantia de 1:5001000 réis.»

Quanto ao custo das obras disse o sr. ministro que =era necessario fixar o minimo =. Não tenho duvida em votar por uma lei este minimo; porém não está votado em lei nenhuma; e é preciso marcar que de uma certa quantia para baixo não ha concurso. Na lei franceza está estabelecido o minimo de 10:000 francos. Entre nós não.

Agora quanto aos fornecimentos, diz o artigo 70.° o seguinte:

«Artigo 70.° É perfeitamente applicavel aos fornecimentos para o serviço do exercito e da marinha, ou para qualquer outro serviço publico, a regra estabelecida no artigo 67.° d'este regulamento.

Ǥ unico. Exceptuam se:

«1.° As compras de objectos para o expediente do serviço das repartições do estado, que são pagas pelas sommas destinadas ás despezas miudas das mesmas repartições, e em geral os fornecimentos cuja despeza não exceder á quantia de 1:500$000 réis;

«2.° Os fornecimentos que, em casos de reconhecida urgencia determinada por circumstancias imprevistas, não possam soffrer a demora da adjudicação em praça, ou que por motivo de interesse do estado não convenha fazer em hasta publica.»

Ora esta excepção final é tão larga que mata completamente a regra. Não se trata dos casos de reconhecida urgencia e de circumstancias especiaes; trata-se d'aquellas em que, por motivos de interesse do estado, não convenha fazer hasta publica. Eu entendo que sempre tudo quanto faz o governo é no interesse do estado, ao menos segundo elle o entende; mas o governo d'este modo faz-se juiz, e juiz arbitrario. Disse se que os fornecimentos se farão por concurso ou sem concurso, á vontade do ministro, determinada pelas suas convicções. É o arbitrio nem mais nem menos.

Mas póde-se deixar este arbitrio á administração? Em que lei está isto estabelecido? Onde se encontra o sr. ministro? Não se pôde consentir que se diga tal. Fornecimentos em que poderá haver ou deixará de haver concurso, conforme o sr. ministro entender! E melhor dizer não haverá nunca concurso. Seria mais regular isto?

N'esta parte declaro a v. ex.ª que o regulamento não foi copiado do regulamento francez, porque isto é que lá não está; isto é que não está no regulamento de 31 de maio de 1838, do tempo da monarchia representativa.

Isto não se pôde encontrar nas leia de nenhum paiz onde se segue os verdadeiros principios da administração, e as formas constantes.

Não nos diga o sr. ministro que esta disposição está aqui para o caso de guerra, como s. ex.ª disse. Os casos de guerra regem se por estes principios. Solent leges inter arma. Nos casos de guerra as circumstancias são superiores ás leis. Não é para os casos de guerra que está estabelecido aqui o artigo; não é para os casos unicamente imprevistos e urgentíssimos; é para todos os outros. Isto não está na nossa legislação, nossa legislação franceza, nem na legislação de nenhum paiz que queira estabelecer boas regras de administração, porque d'esta maneira a unica cousa que se estabelece é o arbitrio do ministro (apoiados).

Passo a outro ponto. É o que diz respeito á accumulação de vencimentos. O assento d'esta materia é o decreto de 30 de junho de 1844, e este decreto diz o seguinte:

«Artigo 1.° é prohibida a accumulação de dois ou mais vencimentos, sejam de que natureza forem, pagos pelos cofres do estado; exceptuam-se:

«1.° As pensões concedidas em remuneração de serviços relevantes, assentadas com esta declaração.

«2.° As gratificações por commandos militares e outras similhantes, estabelecidas por lei.»

Vejamos o artigo correspondente do regulamento. É o artigo 17.°, que diz o seguinte:

«Art. 17.° E prohibida a accumulação, no mesmo individuo, de soldos ou ordenados, embora se ache desempenhando diversas funcções do serviço publico. § unico. Exceptuam-se d'esta regra: 1.° As gratificações concedidas aos que accumulam diversos serviços.

«2.° As accumulações auctorisadas por leis especiaes.» Sr. presidente, as palavras do regulamento são mais amplas do que as palavras da lei. A lei falla de vencimentos e o regulamento falla de soldos e ordenados. A lei diz que te exceptuam as gratificações por commandos militares e outros similhantes, e é claro que, se a intenção do legislador fosse exceptuar toda e qualquer gratificação, não usava d'estas palavras.

O regulamento diz gratificações por diversos serviços. Os vencimentos das classes inactivas não se acham comprehendidos na disposição do regulamento. Estes não se denominam soldos ou ordenados; são pensões, subsidios, ou tem outras designações, que todas ellas se comprehendem debaixo da designação generica de vencimento. Por isso querendo-se estabelecer a regra geral, bem andou o legislador quando no decreto de 1844 disse todos os vencimentos. E dizendo-se no regulamento soldos e ordenados, pergunto se pela disposição do regulamento se pôde accumular com outro vencimento uma pensão sem especialidade de serviço relevante? Parece que sim. Mas a lei é contraria, completamente contraria.

Vou terminar, porque o assumpto é fastidioso e não desejo occupar por muito tempo a attenção da camara. Termino referindo-me á materia dos artigos 41.° e 42.° do regulamento.

Dizem esses artigos o seguinte:

«Artigo 41.º A lei annual das receitas deverá conter a auctorisação para o governo poder representar, dentro do respectivo anno economico, uma parte dos rendimentos por ella votadas, e realisar sobre a sua importancia as sommas em dinheiro de que carecer para fazer face aos encargos do serviço publico.

«Artigo 42.° Quando se der o caso da existencia de um deficit no orçamento geral do estado, a lei actual das receitas auctorisará o governo a supprir, pelos meios extraordinarios que a mesma lei indicar, a differença entre a receita e a despeza do respectivo anno economico.»