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não verdade que se havia feito esta compra, e se tal facto se não tinha dado, pedir-lhe que attendesse a algumas rasões, pelas quaes eu tinha a firme crença de que esta acquisição não era vantajosa. Desde porém que sube que a compra era um facto consummado, tinha resolvido desistir. Entro portanto no assumpto, porque outras circumstancias o trouxeram a terreno.

Sr. presidente, é necessario partir do principio de que, se ha arma onde se tenham operado transformações importantes, é esta arma de marinha, e ainda nos ultimos annos se tem operado uma transformação importantissima, que tem feito mudar inteiramente de figura o modo de combate e a composição e systema das forças navaes.

Ora, dando-se estas circumstancias, é certo que tambem os navios de guerra haviam de mudar inteiramente de condições e qualidade. Mas deve observar-se que a transformação que ultimamente se tem operado na marinha de guerra é tão importante, como foi a transformação que ha annos se operou com a applicação das machinas de vapor, e como a que ha mais tempo se estabeleceu quando se introduziu a artilheria nos navios de guerra.

Remonta isto a longas datas, e eu não occuparei a attenção da camara com uma prelecção sobre archeologia naval; mas se a camara não receia fatigar-se com estas discussões de cousas da marinha, eu direi em poucas palavras o que sinto a este respeito, para com isto reforçar a opinião que me levou a votar contra a acquisição do navio de que se trata.

Antigamente o systema de combate naval era o das galeras de remos, em que havia o motor independentemente das velas; conservou-se este systema na antiguidade e na idade media, e ainda na batalha de Lepanto figurava a galera de remos como typo do navio de combate do seculo XVI.

Fomos nós os portuguezes que, com as nossas longinquas navegações, começámos a substituir as naus de gávea ás galeras de remos; e talvez que fosse nos mares da India, que primeiramente se inaugurasse o systema de combate naval em que a tactica foi subordinada a novos elementos. Mas porque é que deixou de existir o systema de combate por meio de galeras de remos? Porque desde que a artilheria se podia collocar a bordo dos navios, já havia toda a desvantagem em aggredir de proa, porque a artilheria varria de enfiada, e derrubava os remadores e combatentes, ficando a galera sem movimento. D'aqui veiu a necessidade de collocar a artilheria em nova posição e de reforçar os navios com maior numero de bôcas de fogo, e estabelecer por consequencia a maior vantagem relativa não só na quantidade de navios e de bôcas de fogo, mas na sua disposição lateral de um e outro bordo.

Quando se applicou a moção por vapor nos navios de guerra, mudou outra vez a questão de face. Uns diziam: «o vapor ha de ser utilissimo na marinha de guerra, pela facilidade de movimentos, que tão precisa é na occasião de combate»; mas outros diziam que em todo o caso, as naus de linha é que haviam de formar os batalhões de mar, a massa solida e compacta de forças. Portanto n'estas duas opiniões havia uma divergencia completa, divergencia que para ser resolvida, era preciso reunir n'um mesmo navio a véla o vapor, problema que só mais tarde se resolveu. Foi o que nós presenceámos ainda ha poucos annos, quando vimos esses magestosos vasos de linha de systema de hélice constituindo perfeitos typos de navios para a manobra e para o vapor, realisando-se assim o problema que durante alguns annos esteve sem ser resolvido.

N'essas bellas esquadras que nós vimos começar ainda ha apenas uns doze annos, tudo era novo e admiravel, como arte e como genio. A Inglaterra, a França, a Russia, tinham preparado esquadras formidaveis, que faziam vaticinar importantes novidades na tactica naval. Mas nada d'isso aconteceu. E porque? Porque na guerra do Oriente, que então teve logar todas essas grandes esquadras, das quaes tanto havia a esperar, tiveram que estacar em frente das muralhas de granito, que a Russia lhe apresentava como ante mural que defendia as suas esquadras e os seus postos. O que se seguiu depois?! Vieram as baterias fluctuantes com muralhas de ferro para combater as fortalezas de granito. Ora o que eram essas baterias fluctuantes? Eram uns reductos destinados para uma certa resistencia occasional. Veiu depois a realisar-se o mesmo que tinha acontecido quando se estabeleceu a rivalidade entre o vapor e a véla, conseguindo-se tal resultado mediante a combinação dos dois systemas. É o que aconteceu relativamente ás couraças, pois se em sua origem eram applicadas meramente ás baterias fluctuantes, quasi sem condições de navigabilidade, a sciencia e a arte fizeram com que se combinassem as cousas de modo que a couraça de ferro podesse ser applicada ao navio dotado de todas as condições de navigabilidade.

Por consequencia, hoje póde dizer-se, que um navio que não for couraçado, não é navio de guerra, propriamente dito, para entrar em linha de batalha, porque aquelle que não tiver essa condição de resistencia não póde competir com aquelle que a tiver, e é apenas um compromettimento para um commandante, e para uma tripulação, que se sacrificaria debalde pela honra do seu paiz e da sua bandeira.

Dir-se-ha que quero d'aqui concluir que este navio, cuja acquisição se fez ultimamente, não é proprio para combater. Não é essa a conclusão que quero agora tirar, é outra; quero tirar em conclusão que d'estas grandes transformações que se operaram resultou, que os barcos de systema antigo caducaram completamente; já não são navios de guerra, porque só podem ser assim considerados os couraçados e destinados a formar a linha de batalha, ou aliás os navios de madeira, mas que por sua grande velocidade e poderosa artilheria, possam fazer uma guerra em detalhe, combatendo sem entrar em linha, e cuja tactica seja perseguir o inimigo, podendo fugir ás forças superiores. Para as estações navaes e serviços de cruzeiros, dispensam-se estes navios pois para tal genero de serviço não se exigem as mesmas condições, e por isso são preferíveis as canhoneiras, isto é, navios de menor porte, mas mais adequados a esses empregos.

Ha outra especie de navios que se usam em todas as marinhas militares; refiro-me aos transportes; e usam d'elles principalmente as nações que possuem colonias. Mas estará n'algum d'estes casos o navio comprado? É difficil que esteja, porquanto não póde ter excellentes condições de velocidade, um navio de 1:000 toneladas e 200 cavallos de força, uma vez que haja de supportar pesada artilheria; e para ser considerado um bom transporte, haveria a attender a outras condições especiaes que para isso se exigem, e que deveriam diminuir muito o seu preço. Pela tonelagem e força de machina, é um navio proximamente da grandeza da nossa corveta Sá da Bandeira; por consequencia não póde ter andamento muito superior a esta, cuja maxima velocidade não passa de 10 milhas.

Tive a honra de ser encarregado, pelo governo de Sua Magestade, de assistir em Inglaterra á collocação das machinas n'aquelle navio; já fui commandante d'elle e por conseguinte parece-me que devo ter algum conhecimento daquella corveta, que se acha agora desempenhando um serviço importante nos mares da China, e até me parece que talvez fosse o melhor dos navios que se fizeram no arsenal, por isso que não foi construido por empreitada.

Com relação ao objecto em questão, direi que é este um assumpto tão complexo, que até declaro a v. ex.ª que entro n'elle com bastante contrariedade, quando o considero em todos os seus pontos.

Ha um anno vendeu o governo inglez dez navios de guerra, não por serem velhos; um d'elles havia bem pouco tempo que tinha desempenhado a commissão importante de viajar com um principe filho da rainha Victoria; outros tinham estado recentemente no Tejo, e alguns d'elles tinham prestado serviços importantes por occasião da guerra da Criméa, outros foram construidos mais modernamente, até nos annos de 1857 e 1858.

Pois o governo inglez vendeu estes 10 navios; a saber: 4 naus, sendo 2 de hélice; e 6 fragatas, sendo 5 de hélice, tudo pela somma de 68:000 libras; isto é, um por outro á rasão de 6:800 libras ou 30:000$000 réis!

E sabe v. ex.ª porque o governo inglez se resolveu a dispor d'estes navios? Foi porque o conselho do almirantado reconheceu que aquelles navios não podiam servir para a guerra, mas só eram causa de se fazer despeza dentro dos arsenaes, e por consequencia vendeu-os por todo o preço. A venda foi feita a uma firma particular, mas não se segue que o governo britannico pozesse duvida em cede-los a qualquer nação amiga, pois ha annos a Prussia comprou alguns navios ao governo inglez, quando se occupava em transformar os de véla em navios de hélice.

Por conseguinte parecia-me que quando quizessemos fazer acquisição de um grande navio, seria preferivel aproveitar d'estas occasiões mais favoraveis em logar de ir comprar por 40:000 libras um navio de madeira que não póde ter a classificação de vaso do guerra!

Permitta-me v. ex.ª que eu chame a attenção do sr. ministro da marinha sobre este assumpto.

E certo que nós não podemos ter grandes navios couraçados, e digo isto a v. ex.ª porque em 1862 e 1863, justamente na epocha em que se operava a transformação dos grandes navios de guerra, estava eu em Inglaterra desempenhando uma commissão de serviço, como já indiquei, o tive occasião de ver essas famosas construcções que então se emprehendiam, não só para o governo britannico mas tambem para outras nações.

Em vista daquellas immensas molles de ferro, eu reconheci que o seu preço e custeio inherente devia ser, e era effectivamente, tal que uma nação pequena não poderia aspirar nunca a emprehender construcções daquelle genero, porque uma unica fragata couraçada absorvia a receita do orçamento da marinha, pois é impossivel para um paiz, escasso de recursos, adquirir navios que custam a 50:000 libras por tonelada de construcção, alem de 50 ou 60 por cavallo de força, custando ao todo 200:000 ou 300:000 libras.

Já se vê pois que uma nação pequena não póde ter navios d'esta ordem. Mas isto será rasão sufficiente para que uma nação pequena se deixe ficar com o simulacro de marinha de guerra, sem alterar o typo dos seus navios a adoptar, depois de taes revoluções na arte da guerra, e sem navios para defeza dos seus portos? Creio que não.

Lamentava eu então instinctivamente a exiguidade do nosso orçamento, e o não sermos uma nação de tantos recursos que podessemos acompanhar aquellas. Como era natural eu desejava, e diligenciei obter relações com os fabricantes e donos daquelles importantes estabelecimentos de construcção, e conseguido isto tive occasião de discorrer sobre este interessante assumpto, e devo a essa circumstancia o ter obtido desde logo explicações relativas a navios de uma ordem inferior em grandeza, mas de igual systema, construidos naquelles estabelecimentos.

Note-se porém que eu fazia isto por mera curiosidade, não estava encarregado de estudar construcções; mas sendo official de marinha, e estando n'aquella localidade e posição official, entendi que era até certo ponto um dever moral (apoiados) estudar aquella questão e interessar-me por ella, porque me parecia que quando regressasse ao meu paiz, seria cousa natural o eu ser interrogado ácerca d'esses assumptos do dia, e julgava eu conveniente empregar da minha parte as diligencias para poder dar essas informações (apoiados). Era esta unicamente a minha intenção.

Tenho aqui um officio que me foi dirigido particularmente por um proprietario de um dos maiores estabelecimentos, onde foi construido o Warrior, Minotauro, e outros, em que diz que se podem construir navios n'estas circumstancias (leu).

Por aqui se observa que uma pequena canhoneira de 700 tonelladas e 100 cavallos de força, couraçada, montando duas peças de 68, prompta a navegar, custaria proximamente 34:000 libras esterlinas.

Tambem se menciona que se o governo portuguez quizesse um navio couraçado, com duas torres, quatro peças de calibre 68, 200 cavallos de força, e 1:166 toneladas de navio de ordem corveta, custar-lhe-ia 57:000 libras.

Ora, veja-se a differença entre o preço do navio que se comprou agora, e o preço daquelles couraçados? E isto era ha quatro annos; ora, ninguem duvidará que com aquelles navios poderiamos combater contra uns poucos de madeira.

Mas não é tanto a acquisição que se fez, o que mais lamento, é que por este modo não haja occasião de sairmos d'este marasmo, porque realmente necessitamos a todo o custo de alguns navios d'aquelle genero.

Isto é o que eu lamento e que o paiz deve lamentar.

O Brazil, um imperio que foi nossa colonia, tem já feito muitos navios couraçados e nós nada fazemos.

Não podemos combater com os navios das nações do Pacifico, Chili, Perú, nem do Japão, que já têem navios couraçados, e se algum dia um navio japonez entrar no Tejo e quizer escangalhar a nossa esquadra, fa-lo-ha sem difficuldade, porque não temos navios em condições de lhe resistir.

Quando regressei de Inglaterra eu fiz parte da commissão consultiva, e tive occasião de assignar uma consulta respondendo ao quesito «de que navios se devia compor a marinha portugueza». A consulta da commissão é de novembro de 1863, e esta assignada por todos os cavalheiros que a compunham.

E o que se dizia n'essa consulta? Já ali se opinava pela construcção de dois navios couraçados d'esta ordem, porque uma vez que se gastavam 300:000$000 réis para a defeza de Lisboa, e se não se defendia ao mesmo tempo a barra, era o mesmo que fechar a janella e deixar aberta a porta.

Uma das grandes vantagens que têem hoje as nações pequenas é poderam fazer construcções de tal solidez que sirvam perfeitamente para a defeza dos portos, por isso que podem lutar com vantagem com os maiores navios couraçados, que têem muitas vezes de emprehender grandes navegações.

Mas diz-se que estamos em paz com todo o mundo; isto não é rasão. Si vis pacem parat bella. Se estamos em paz sempre com todo o mundo então façam dos navios de guerra navios de transporte ou navios mercantes, e vendamos a particulares. E o direito dos neutros? Nós vimos ainda ha pouco tempo no Tejo um facto que ahi se chegou quasi a consummar entre dois vasos de guerra, um federal e outro confederado, durante a grande luta americana; e se quizessem violar o direito do territorio neutral, o que lhe haviamos nós fazer? Haviamos presencear o desacato do offensor, sem podermos acudir ao aggredido. E V. ex.ª sabe quantas consequencias podem resultar para os neutraes da falta de cumprimento do direito de asylo? Já no seculo passado, no tempo da guerra dos sete annos, em 1756, uma esquadra ingleza perseguiu nas nossas aguas uma esquadra franceza, e nós tivemos de exigir da Inglaterra uma satisfação á França, porque desde que a neutralidade estabelece o direito de asylo, a obrigação dos neutraes é fazer respeitar esse direito, sob pena de soffrerem a guerra do que não foi devidamente defendido.

Por consequencia se estamos agora em paz com todo o mundo, o que não possuimos e um meio de fazermos com que todas as nações estejam em paz entre sr. Podem entrar no Tejo dois navios pertencentes a nações belligerantes; não podemos impedir que um insulte o outro, e temos de correr o risco de uma luta com a nação que for insultada.

No tempo da luta fratricida da America do norte sabemos o que aconteceu no porto da Bahia, onde um navio de guerra dos federaes do norte atacou o navio Florida, violando o direito de asylo, dando logar a que houvesse reclamações serias por parte do Brazil. Emfim o que é necessario e ter força sufficiente para assegurar n'um porto, como o do Lisboa, a neutralidade das nossas aguas, que nos compete manter e fazer manter a quaesquer nações belligerantes, sob pena de soffrermos contrariedades.

Haverá um ou dois annos, em julho de 1866, a commissão nomeada no tempo de s. ex.ª o sr. marquez de Sá da Bandeira para estudar e preparar os trabalhos de defeza do porto de Lisboa, foi tambem encarregada pelo sr. ministro da guerra, o ex.mo sr. Fontes, de apresentar com a possivel brevidade qualquer opinião que houvesse de emittir ácerca dos navios necessarios para a defeza do Tejo. A commissão redobrou de actividade, e não abandonou o seu empenho para dar um voto fundamentado e bem pensado, e em resultado foi de opinião ao elaborar o seu parecer que os navios aríetes couraçados ou Steam-rams, destinados a poder atacar por meio do choque, dispondo de uma facilidade nos movimentos rotatórios pelo uso do duplo hélice, dotados de velocidade, solidez e fórma adequada de talhamar, tudo no limite traçado pelas indicações da commissão, eram um meio importante e de effeito efficacissimo para a defeza dos portos.

E qual foi o resultado de todo esse trabalho consciencioso? Até agora nada temos d'aquelle genero; mas devo dizer, que segundo as condições propostas pela commissão obtiveram-se de Inglaterra por parte de alguns constructores, planos de navios d'aquelle genero. E direi a v. ex.ª que entre estes planos se encontrava um proposto pelo mesmo fabricante, que, como disse o sr. ministro, e eu acre