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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Sessão de 25 de maio de 1868
PRESIDENCIA DO SR. JOSÉ MARIA DA COSTA E SILVA
Secretários -os srs.
José Tiberio de Roboredo Sampaio.
José Faria Pinho de Vasconcellos Soares de Albergaria.
Chamada — 67 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão — os srs.: Rodrigues de Azevedo, Fevereiro, Ornellas, Alvaro de Seabra, Annibal, Braamcamp, Costa Simões, Antonio de Azevedo, Falcão de Mendonça, Gomes Brandão, Silva e Cunha, Antas Guerreiro, Pinto de Magalhães, Costa e Almeida, Araujo Queiroz, Augusto de Faria, Montenegro, Cunha Vianna, B. F. Abranches, Carlos Bento, Carlos Testa, Vieira da Motta, Conde de Thomar (Antonio), Custodio Joaquim Freire, Pereira Brandão, Silva Mendes, Coelho do Amaral, F. L. Gomes, Silveira Vianna, Moraes Pinto, Gaspar Pereira, G. de Barros, Meirelles Guerra, Almeida Araujo, Judice, Santos e Silva, João de Deus, Gaivão, Cortez, J. M. da Cunha, João Maria de Magalhães, Pinto de Vasconcellos, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Fradesso da Silveira, Bandeira de Mello, Costa Lemos, Correia de Oliveira, Pinho, Sousa Monteiro, Carvalho Falcão, Costa e Silva, Frazão, José Maria Lobo d'Avila, Rosa, José de Moraes, Coelho do Amaral, José Tiberio de Roboredo, Balthazar Leite, Motta Veiga, J. J. Guerra, Aralla e Costa, Pereira Dias, Lavado de Brito, P. M. Gonçalves de Freitas, Raymundo Galrão, Thomás Lobo d'Avila.
Entraram durante a sessão — os srs.: Rocha París, Villaça, Bernardino de Menezes, Sá Nogueira, Correia Caldeira, Ferreira Pontes, Barros e Sá, Azevedo Lima, A. J. da Rocha, A. J. Teixeira, Seabra Junior, Falcão e Povoas, Magalhães Aguiar, Torres e Silva, Falcão da Fonseca, Barão da Trovisqueira, Belchior Garcez, Esmeraldo de Castello Branco, E. Cabral, E. Tavares, Fernando de Mello,
F. F. de Mello, Dias Lima, Gavicho, F. M. da Rocha Peixoto, Bessa, Van-Zeller, Rolla, Noronha e Menezes, Faria Blanc, Innocencio José de Sousa, Freitas e Oliveira, Baima de Bastos, José Antonio Vianna, Ferrão, Matos e Camara, Assis Pereira de Mello, Aragão Mascarenhas, Ribeiro da Silva, Joaquim Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Gusmão, Galvão, Klerk, Mardel, Sette, Dias Ferreira, Teixeira Marques, Pereira de Carvalho, Achioli de Barros, Rodrigues de Carvalho, Menezes Toste, Sá Carneiro, Batalhoz, Pinto Basto, Lourenço de Carvalho, Camara Leme, Alves Ferreira, M. B. da Rocha Peixoto, Penha Fortuna, Quaresma, Botelho e Sousa, Ricardo de Mello, Sebastião do Canto, Bruges, Deslandes, Visconde dos Olivaes.
Não compareceram — os srs.: Alves Carneiro, Ferreira de Mello, A. J. de Seixas, Arrobas, Antonio Pequito, Faria Barbosa, Lopes Branco, Saraiva de Carvalho, F. da Gama, Albuquerque Couto, Silveira da Motta, Ayres de Campos, Pinto da Silva, José Antonio Maia, José de Lemos Napoles, Ferraz de Albergaria, José Maria de Magalhães, Silveira e Sousa, Levy, Mathias de Carvalho, Pedro Augusto Franco, Scarnichia.
Abertura — Ao meio dia e meia hora.
Acta — Approvada.
EXPEDIENTE
A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA
Officios
1.° Do ministerio do reino, remettendo as actas da eleição effectuada na assembléa de Campanario, pertencente ao circulo n.° 156 (Ponta do Sol).
A commissão de verificação de poderes.
2.° Do ministerio dos negocios da justiça, pedindo que ao sr. deputado Eduardo Tavares se conceda licença para depor em um processo crime.
Foi concedida.
3.° Da camara dos dignos pares, declarando que fôra approvada por aquella camara o bill de indemnidade.
A secretaria.
Representação
De cinco membros da junta geral do districto de Coimbra, pedindo providencias contra alguns actos da auctoridade administrativa do mesmo districto.
A commissão de administração publica.
Requerimentos 1.° Requeiro que por todos os ministerios seja remettida a esta camara, uma relação nominal de todos os empregados de quaesquer repartições que ainda não tenham pago os direitos de mercê e sêllo. = José de Moraes Pinto de Almeida, deputado pelo 1.° circulo da Figueira.
2.° Requeiro que seja remettida a esta camara, com urgencia, uma copia authentica de todas as actas das sessões da junta geral do districto de Coimbra, que tiveram logar no corrente mez de maio, inclusivè a copia da acta da sessão de encerramento, ou o que officialmente constar com relação a esta ultima sessão, na qual se deram por findos os trabalhos da junta geral.
Requeiro, outrosim, que seja igualmente remettida uma copia do officio do ex.mo secretario geral, servindo de governador civil, participando aos diversos procuradores á junta geral, que se achava encerrada a sessão. = José Galvão, deputado por Montemór o Velho.
Foram remettidos ao governo.
SEGUNDAS LEITURAS
Projecto de lei
Senhores. — A instituição do registo de hypothecas, direitos e encargos prediaes, estabelecida em todo o reino pela lei de 1 de julho de 1863, e regulada pelo decreto de 4 de agosto de 4864, foi sempre considerada inexequivel em muitas das suas disposições, principalmente na parte relativa ao artigo 197.° da citada lei, em que se estabelece o preceito de que os onus reaes não registados ao tempo da sua publicação, só poderiam ser oppostos a terceiros durante o praso de um anno, a contar desde a publicação do regulamento geral que se fizesse para a sua execução.
A experiencia mostrou, logo que a citada lei e regulamento tiveram principio de execução, que era naturalmente impossivel registar dentro do praso de um anno milhares de onus reaes, que ficaram sobre a propriedade de todo o paiz, e n'este sentido muitas reclamações particulares e de diversas corporações e estabelecimentos de beneficencia foram dirigidas aos poderes publicos, pedindo prorogação d'aquelle praso de tempo.
Essas reclamações porém nunca tiveram logar para ser attendidas.
Veiu depois o codigo civil, que principiando a ter força de execução em 22 de março do corrente anno, acabou com o praso daquella lei, mas não removeu ainda a difficuldade, ou antes impossibilidade de effectuar o mesmo registo dentro do novo praso marcado pelo mesmo codigo no artigo 1:023.°, § unico, onde se determina que os onus reaes, com registo posterior ao da hypotheca ou transmissão, não acompanham o predio, excepto os constituidos antes da promulgação do codigo, que forem registados dentro do praso de um anno, contado desde a mesma promulgação.
Esta disposição não faz mais do que prorogar o praso por outro anno, tempo este ainda insufficientissimo para poder levar-se a effeito o registo de milhares e milhares de onus reaes, principalmente de emphyteuse e servidão, que affectam a propriedade, e com mais força na bella provincia do Minho, onde será difficil encontrar um predio que não esteja sujeito a um onus d'aquella natureza.
Elevar pois aquelle praso ao de cinco annos pelo menos é uma necessidade palpitante e reconhecida por todos, a fim de que se torne exequivel o preceito da lei e salutares os seus effeitos, e é essa providencia que tenho a honra de propor-vos, convencido de que será ella de uma manifesta utilidade publica.
Mas alem d'isto a lei de 1 de julho de 1863 e seu regulamento de 4 de agosto de 1864, tornou o registo excessivamente vexatorio, porque estabeleceu um pesado tributo lançado sobre todo o paiz.
Este grande mal que tem impossibilitado o registo e concorrido poderosamente para uni geral desgosto, foi em parte attenuado pelo regulamento de 14 do corrente mez e anno, mas não alliviou o registante do pesadissimo tributo do sêllo a que esta obrigado pelos tributos admittidos a registo provisorio e definitivo; e nem o podia fazer, porque um regulamento não póde alterar uma disposição legislativa qual é, na questão sujeita, a lei do sêllo de 1 de julho de 1867.
No regulamento de 4 de setembro do mesmo anno, tabella n.° 1, classe 9.ª, n.° 8, auctorisado por aquella lei, determina-se que todos os documentos que não tenham sido sellados, ou que não forem escriptos, impressos, lithographados ou estampados em papel sellado, e que tenham de se juntar a requerimentos que se dirijam a tribunaes ou repartições publicas de qualquer ordem que sejam, pagarão de sêllo em cada meia folha 60 réis, e quando tenham sêllo inferior pagarão a differença.
Esta disposição obriga portanto a sellar todos os titulos que podem ser admittidos ao registo provisorio ou definitivo, e que tenham sido celebrados em papel sem sêllo ou sêllo inferior anteriormente áquella lei. Estes titulos designados pelos artigos 967.° e 978.° do codigo civil, taes como cartas de sentenças, autos de conciliação, certidões de deliberações do conselho de familia, escripturas, testamentos, titulos de estabelecimento de credito predial, etc.. são por sua natureza volumosos, e alguns d'elles, como escripturas de emprazamentos, volumosíssimos. Obrigar pois a sellar cada meia folha de papel d'estes documentos com o sêllo de 60 réis, é lançar em todo o paiz um pesado tributo, e difficultar senão impossibilitar para muitos a execução da lei do registo.
Para obviar pois a estes inconvenientes, tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Fica elevado a cinco annos o praso marcado no § unico do artigo 1:023.° do codigo civil, para os effeitos consignados no mesmo §.
Art. 2.° Ficam isentos do pagamento do sêllo estabelecido na tabella n.° 1, classe 9.ª, n.° 8.°, do regulamento da lei de 1 de julho de 1867 todos os titulos que podem ser admittidos ao registo provisorio e definitivo, na fórma dos artigos 967.° e 978.° do mesmo codigo, e que tenham sido escriptos ou celebrados em papel sem sêllo ou sêllo inferior, anteriormente áquella lei.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara, 22 de maio de 1868. = O deputado pelo 2.° circulo de Guimarães, Antonio Alves Carneiro.
Foi admittido e enviado á respectiva commissão.
Projecto de lei
Senhores. — N'esta epocha de reconstrucção social, firmada na consciencia dos direitos individuaes e no cumprimento austero dos deveres que incumbem a cada cidadão, ha sido a instrucção popular a preoccupação constante dos homens pensadores sinceramente devotados ao seu paiz. E todavia as nações mais adiantadas em civilisação material e moral estão ainda longe da solução completa d'esse problema interessante de que depende a regeneração do porvir.
Submettendo ao vosso exame e approvação um projecto de lei, que tenha por fim reformar, desenvolver e ampliar as escolas regimentaes, creio concorrer efficazmente para a regeneração do exercito.
Considerando o uma instituição publica, e não como uma classe parasita e sujeita á servidão forçada, deveis lembrar-vos de que esses filhos do povo, que nos campos de batalha e nos proprios aquartelamentos, apuram o crisol das abnegações e dos sacrificios, voltam depois ao lar modesto, que lhes cumpre amparar, mostrando-se cidadãos uteis a si e á patria.
As escolas regimentaes, ao passo que offerecem a necessaria e adequada instrucção, dentro da respectiva orbita, ás praças que aspiram a ser officiaes inferiores e officiaes, dão a sua parto de instrucção, embora rudimental, e forçosamente limitada a todas as praças, que, tendo sómente por alvo o cumprimento de um dever e a satisfação de um tributo, declaram querer a escusa do serviço, findo o praso do seu alistamento.
D'esta arte as escolas regimentaes habilitarão para o exercito sargentos dignos de tal nome, tornando o accesso ao posto de alferes dependente de estudos, cuja negação, alem da desvantagem militar e publica, é uma inconveniencia e desaire para o proprio individuo.
Releva advertir, senhores, que a nova lei deve simplificar os estudos e diminuir as disciplinas, quanto possivel, em comparação das que se leccionam nas escolas regimentaes das outras nações, ministrando á instrucção apenas o indispensavel do conveniente, e evitando d'esse modo as remoras que mormente entre nós vem sempre de encontro a qualquer instituição recente, muito mais quando as suas disposições obrigam.
O problema do estudo obrigatorio que, nos paizes onde a educação publica tem impressionado mais vivamente os espiritos, ainda não alcançou, applicado com generalidade, uma resolução como era para desejar entre nós, e só applicado ao exercito, não tem passado de um anhelo generoso, e encontra a todo o passo obstaculos provenientes de muito diversas causas.
Nas escolas regimentaes, reorganisadas pelo decreto com força de lei de 4 de dezembro de 1837, e cujo primeiro ensaio durara com pouco exito desde 1815 a 1823, em que foram abolidas, prescrevera-se o estudo obrigatorio.»
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Um illustre ministro, cujo nome esta gloriosamente vinculado á maior parte das reformas dos estudos militares, previu que o estudo obrigatorio seria o meio de generalisar a instrucção elementar em certas classes, não só desajudadas da fortuna, mas da intelligencia, e a quem faltam por isso os incentivos ao estudo espontaneo. A experiencia reflectida ha demonstrado aos philanthropos com a eloquencia dos factos, que o povo precisa mais de uma vez ser coagido á sua propria felicidade.
O estudo obrigatorio, que foi sem duvida uma prescripção salutar do decreto de 1837 não produziu comtudo os fructos, que eram para desejar e esperar d'elle.
Differentes têem sido as causas da enfermidade, que ha soffrido o ensino regimental.
Foram ellas largamente diagnosticadas nos relatorios das inspecções feitas ás escolas da 1.ª e 3.ª divisão militar em 1862 e 1863, por um illustrado official superior do corpo d'estado maior; e soube-se então, que a quasi atrophia das escolas regimentaes era proveniente em grande parte do muito serviço da guarnição comparado com a parte effectiva d'ella, serviço extremamente pesado, o sendo por isso mesmo um motivo, quando não pretexto, para que a frequencia escolar fosse muitas vezes interrompida, e o numero de alumnos limitadissimo. Os destacamentos e exigencias de policia e segurança aggravavam a molestia; e por ultimo allegava-se a indispensavel instrucção, puramente militar, e o serviço impreterivel de quartel para explicar a falta de adiantamento dos alumnos, e o estado pouco lisonjeiro em que se achavam as escolas regimentaes.
Depois d'isto, e como corollario d'estes factos, provou-se que a frequencia das escolas regimentaes, comquanto nominal quasi, fôra apenas de 257 praças entre 4:725 que compunham a guarnição de Lisboa; e que no Porto o numero de praças matriculadas estava para a força da guarnição na rasão de 1:10.
O estudo obrigatorio era pois um desideratum, e nada mais; mau grado aos vehementes esforços do illustre ministro, a quem já me referi.
As oscillações por que passou tanto tempo o ministerio da guerra, sobre o qual pairou a morte ceifante duas vidas preciosas, não consentiram prover de remedio um tão interessante objecto. Cabe-vos esse encargo, e á vossa sabedoria aprecia-lo.
Para tornar realisavel o estudo obrigatorio, desobstruindo-o dos obstaculos a que me referi, divide-se o curso das escolas regimentaes em tres graus; devem-se estabelecer as aulas nocturnas, e augmentar não só os incentivos e acrescentar os premios, mas prescrever a penalidade que não podér deixar de applicar-se.
As escolas regimentaes, comprehendendo tres graus de instrucção, alem dos fins a que principalmente miram na habilitação conveniente dos officiaes inferiores e officiaes, têem a vantagem de simplificar extremamente o estudo e ensino do maior numero e daquelles para quem com especialidade foi decretado o estudo obrigatorio.
A aula, passando a ser nocturna, facilitará necessariamente a comparencia de muitas praças occupadas em forçosos misteres quando a aula é diurna, removendo tambem muitos pretextos para repetidas faltas e interrupções de frequencia da escola regimental.
Restava ainda, para facilitar o estudo obrigatorio, mais um alvitre: o premio e o castigo. Para a solicitude, assiduidade e aproveitamento o primeiro; inflingindo-se o segundo aos remissos e contumazes. O regulamento de 19 de fevereiro de 1862 não se esquecera de crear incentivos ao estudo por meio de recompensas, mas notou-se-lhe ainda, e desde logo, a falta de sancção penal, e pelas inspecções das escolas se conheceu com bastante evidencia, e sob fé de varios commandantes de corpos, quanto aquella era necessaria, e quão nociva se tornava similhante omissão.
Eis-aqui, senhores, os principaes lineamentos d'esse edificio chamado escólas regimentaes, fabrica modestissima, e cujos productos podem ser todavia de alto proveito e alcance para o exercito e para a civilisação d'este paiz. Ao que se dedica ás nobres resignações da vida militar e aos generosos devaneios do campo de batalha, a instrucção que eleva o espirito, que dirige as inspirações ousadas, e guia o homem nos lances arriscados; ao que saudoso do campo paterno e limitado nas esperanças deixou a farda, que só retomaria quando a patria corresse perigo, a instrucção sufficiente a quem deve ser cidadão depois de soldado.
Isto posto, fôra aggravar-vos encarecer em mais subido grau a importancia das escolas regimentaes; rogo-vos porém, senhores, que vos compenetreis d'ella, para não julgar excessiva antes bem minguada a verba de 10:000$000 réis, que se vos pede para a realisação de tantas vantagens. Essa verba tem de ser applicada especialmente ao melhoramento indispensavel das casas em que deve funccionar a escola. Com raras excepções são ellas acanhadas e defeituosas sob muitos aspectos, faltando-lhes quasi todas as condições attinentes ao fim a que se destinam; quasi todas são por tal modo apertadas, que com o ensino obrigatorio nenhuma dellas poderia conter o numero de alumnos provavel.
Por outro lado, como nenhum auxilio pecuniario se tem dado para a manutenção das escolas regimentaes, nem os commandantes dos corpos estão auctorisados a despender com ellas, acontece que, mesmo na esphera limitada em que têem girado, havia carencia dos utensilios que lhes eram indispensaveis, e falta quasi absoluta de compendios. Além de que no caso afirmativo não eram elles os mais apropriados, e seria muito conveniente a elaboração de um livro destinado ao 2.° e 3.° grau, e que comprehendendo as disciplinas que lhe são adstrictas as apresentasse no quadro mais resumido, e n'um systema de maxima concisão, graduando esta todavia pela importancia das doutrinas a leccionar, attenta a indole da escola e o destino especial do alumno. Um livro redigido n'esta conformidade será elaborado por teor, que a feição militar lhe ressumbre do todo, e que por exemplo na historia portugueza não prefira datas e genealogias a factos de heroismo, e lances de valor.
Para o que fica expendido esta longe de ser excessiva a verba cuja auctorisação se pede, e comquanto se comprehenda a necessidade instante de fiscalisar os dinheiros publicos reconhece elle, como vós de certo, que ha despezas productivas, e d'estas nenhumas como as da instrucção popular, que é uma necessidade imperiosa, e um fundamento seguro das sociedades modernas.
Ás escólas regimentaes é concedido o condão especial de abraçar a instrucção do exercito com a instrucção popular, que para nós, e para todos é o indicador fiel das forças vivazes, que uma nação atrazada ou remissa vae adquirindo contra os attritos da rotina, do preconceito e da incuria.
Tenho pois a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É o governo auctorisado, consultando o conselho geral de instrucção militar, a reformar, desenvolver e ampliar as escolas regimentaes, creadas por portaria de 10 de outubro de 1815, instituidas por decreto com força de lei de 4 de janeiro de 1837 e organisadas por portaria de 19 de janeiro de 1862.
Art. 2.° As escolas regimentaes reorganisadas em virtude d'esta lei, terão por fim ministrar ás praças de pret do exercito a instrucção correspondente ao que haja de se lhe exigir em proveito proximo, interesse do exercito e utilidade geral do paiz.
Art. 3.° As escolas regimentaes constarão de tres graus.
O 1.° grau, comprehendendo unicamente ler, escrever, contar e o conhecimento de pesos e medidas, será destinado a todas as praças de pret do exercito, exceptuando-se as que já possuirem esta instrucção; o 2.º grau será destinado á conveniente habilitação para os officiaes inferiores; o 3.º grau será destinado aos officiaes inferiores que, não tendo o curso da escola do exercito para as armas de infanteria ou cavallaria, pretenderem ascender ao posto de alferes.
Art. 4.° Quatro annos depois de promulgada a nova lei ácerca das escolas regimentaes, nenhum sargento ajudante ou 1.° sargento poderá ser despachado ao posto de alferes, em virtude de artigo 3.° da carta de lei de 1 de julho de 1862 para as armas de infanteria ou cavallaria, sem estar habilitado com o curso do 3.° grau das escolas regimentaes.
Art. 5.° Os sargentos ajudantes e primeiros sargentos que não poderem ser despachados ao posto de alferes por não estarem habilitados com o 3.° grau das escolas regimentaes, serão promovidos ao posto de alferes para as praças sem accesso, ou reformados n'este posto pela tarifa de 1790, quando provem ter servido vinte e cinco annos effectivos no exercito com bom comportamento.
Art. 6.° A despeza das escolas regimentaes reorganisadas em virtude d'esta lei, não poderá exceder a 10:000$000 réis.
Art. 7.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala da camara, em 25 de maio de 1868. =D. Luiz da Camara Leme.
Foi admittido e enviado á respectiva commissão.
O sr. Secretario (José Tiberio): — Foi dirigida a esta camara por um cidadão hespanhol uma carta confidencial cujo extracto vou ler.
Creio que a camara me dispensará da leitura de toda a carta, porque é algum tanto extensa, mas o extracto julgo deverá merecer a especial attenção dos srs. deputados, porque se é verdade o que diz a carta, temos a prosperidade do paiz dependente daquelle cidadão (leu).
O sr. Araujo Queiroz: — Tenho a honra de apresentar á camara o seguinte projecto de lei (leu).
O sr. J. M. Lobo d'Avila: — Mando para a mesa alguns requerimentos, pedindo ao governo diversos esclarecimentos de que preciso para quando se tratar da questão de fazenda.
Em 11 d'este mez, se bem me lembro, solicitei pelo ministerio das obras publicas uns esclarecimentos com relação ás gratificações accumuladas pelos serviços que ali se fazem, e não me consta que se tivesse feito ainda a remessa; como porém é passado um mez, e não se possa prescindir daquelles esclarecimentos para com conhecimento de causa se estudar a questão mais importante que brevemente se vae agitar, pedia por isso a v. ex.ª que tivesse a bondade de mandar renovar o meu pedido.
No Diario de Lisboa de 15 d'este mez vem uma portaria do ministerio da justiça referindo-se á approvação do contas da junta da bulla da santa cruzada, e pareceu-me que as contas vem feitas regularmente, e calculada até excessivamente a despeza que se faz com os estudantes e servos de todos os seminarios; mas não é sobre este ponto que pretendo occupar agora a attenção da camara, é mais especialmente com a questão dos subsidios que se diz dados para os estudantes que se dedicam á vida de missionarios para as nossas possessões ultramarinas. Creio que houve um erro ou equivoco quando se descreveu aquella despeza, porque o que me consta é que os estudantes que estão no seminario de Sernache de Bom Jardim das missões ultramarinas e os do seminario de Santarem e outros, recebem directamente do ministerio da marinha pensões pessoaes para continuarem a estudar.
Parece-me que é mal cabido n'aquella conta a despeza com o seminario do Bom Jardim, que não póde por maneira alguma ser considerado como dependente da direcção da junta da bulla da santa cruzada, porque esta puramente dependente e debaixo da direcção e auxilio do ministerio do ultramar. Além d'isto, tendo a junta da bulla da santa cruzada uma administração especial que despendeu no periodo que decorreu desde 1852 a 1867 408:296$808 réis em subsidios dados aos differentes seminarios, vejo uma grande desproporção na applicação d'aquella receita especial, porque o seminario de Sernache de Bom Jardim que é o que tem mais rigorosa obrigação de habilitar um maior numero de estudantes para as missões recebeu apenas réis 6:536$060 de pensão, muito menor do que a dada aos seminarios das dezenove dioceses do reino e ilhas.
Se compararmos o numero de estudantes dos seminarios do continente, nota-se uma grande desigualdade e desproporção nas despezas relativas; assim é que o seminario de Santarem que apenas tem 98 estudantes, gastou mais que o de Coimbra que tem 174, e mesmo mais que o de Braga que tem 470!!
Vê-se sobretudo que o seminario de Santarem faz despezas tão extraordinarias, que alem dos seus rendimentos que avultam a 16:000$000 réis provenientes não só de collegiadas supprimidas, igrejas que se extinguiram, rendimento de titulos de divida publica e outros, recebe ainda um subsidio do cofre da junta da bulla da santa cruzada de tres contos e tantos mil réis.
Dos 408:296$808 réis que foram distribuidos por todos os seminarios do continente e ilhas, que são dezenove, vejo que pertenceu a cada um d'estes seminarios 17:392$913 réis; ao passo que aos seminarios do ultramar, que são tres, o de Cabo Verde, S. Thomé e Angola, distribuiram-se apenas 6:666$000 réis.
Não ha duvida que os seminarios do ultramar são aquelles que são mais importantes debaixo do ponto de vista das nossas missões. A existencia de seminarios ali é de reconhecida utilidade, porque habilita [os naturaes a exercerem estas missões com mais facilidade que os individuos que vão da Europa.
Chamo sobre este ponto a attenção do nobre ministro da marinha para que veja o que se póde fazer com relação a obter da junta da bulla da santa cruzada um subsidio mais avultado para os seminarios do ultramar, visto que para O collegio das missões de Sernache do Bom Jardim apenas se deram 6:536$060 réis.
A verdade, seja dito de passagem, é que parece que um mau fado persegue a contabilidade do ultramar. Tenho sido impertinente em pedir ás juntas da fazenda do ultramar as contas da sua gerencia; agora tambem diz a junta da bulla que lhe faltam as contas e documentos dos seminarios do ultramar, e que por este motivo não póde completar as contas d'estes...
Mando por consequencia -para a mesa os seguintes requerimentos (leu).
Já se vê que eu pedindo estes esclarecimentos pretendo ver qual é o augmento progressivo que a fazenda publica tem com relação ás classes inactivas, e se na realidade ha a vantagem que se pretende tirar das reformas e aposentações, como muita gente pensa e eu estou persuadido. Em occasião opportuna voltarei á questão dos seminarios, tanto do continente como do ultramar, e mais especialmente ao collegio de missões ultramarinas, que muito tempo esteve abandonado, sendo certo que tem agora entrado em melhor caminho.
Termino por hoje as minhas reflexões para não tomar mais tempo á camara.
O sr. Bessa: — Como membro da commissão de commercio e artes, preciso que me sejam ministrados certos esclarecimentos pelo respectivo ministerio, e por isso mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).
O sr. Camara Leme: — O meu amigo e collega o sr. Caros Bento fez ha dias uma pergunta em relação a uma questão que reputo de grande utilidade para o exercito. S. ex.ª referiu-se ás escolas regimentaes, das quaes a meu ver depende a completa regeneração do exercito. Como eu já tinha principiado a formular um projecto de lei sobre essa materia, mando-o agora para a mesa, esperando que v. ex.ª lhe dará o destino conveniente. N'elle se auctorisa o governo a tratar daquelle importante ramo de instrucção.
Consta-me que o conselho geral de instrucção militar já se occupou do mesmo objecto, e tem estudos importantes já feitos. Sinto não ver presente um illustre deputado, dignissimo membro d'aquelle conselho, porque appellaria para o seu testemunho.
Remetto o projecto para a mesa, esperando que v. ex.ª lhe dará o conveniente destino e o mandará publicar no Diario de Lisboa.
Por agora não faço mais reflexões, guardando-me para quando se tratar da questão.
O projecto vae precedido de um relatorio extenso, que não leio por não tomar tempo á camara.
O sr. Rodrigues de Azevedo: — V. ex.ª e a camara sabem que na cidade de Ponta Delgada se esta construindo um porto artificial, obra monumental para o nosso paiz, a primeira no seu genero. Para o regular andamento d'esta obra e para que das que já se acham feitas o commercio possa immediatamente tirar proveito, tornando-se facil o embarque dos differentes generos que têem de ser exportados pelo porto daquella cidade, é muito conveniente que o castello de S. Braz seja concedido á junta da doka.
Consta-me que já na sessão passada o illustre deputado por aquella localidade, o sr. Filippe do Quental, apresentou um projecto de lei a este respeito. Sei tambem que tem havido correspondencia entre as differentes auctoridades e o ministerio da guerra sobre este mesmo objecto. Desejo que essa correspondencia e bem assim as informações venham ao conhecimento d'esta camara, para, depois de as ter examinado, ou renovar a iniciativa do projecto apresentado pelo sr. Filippe do Quental, ou apresentar outro eu no mesmo sentido; e para isso mando para a mesa o seguinte requerimento, e peço a v. ex.ª que lhe dê o destino conveniente com brevidade, a fim de virem estes esclarecimentos, e logo que cheguem formularei o meu projecto de lei (leu).
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O sr. Falcão da Fonseca: — Desejo fazer uma rectificação ao que disse no seu lindo discurso o sr. Pequito, quando se tratou da discussão da eleição de Vinhaes, referindo-se ao que eu disse, de que a auctoridade tinha pouco prestigio, e que não tinha força necessaria para manter a ordem publica.
Parece-me que fallei muito claro, porém tive a infelicidade de não ser bem ouvido. Eu disse que a auctoridade não tinha prestigio, nem força para fazer manter a ordem publica, mas no sentido generico, não mencionei auctoridade alguma; porém no discurso do meu nobre amigo vejo que s. ex.ª affirma que eu vim á camara dizer que a auctoridade em Vinhaes não tinha prestigio, nem força.
Era esta rectificação que desejava fazer, porque, repito, não especifiquei auctoridade alguma, fallei em geral.
Aproveito a occasião para mandar para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos que dizem respeito a um malfadado negocio d'este paiz, e que é de gravidade o importancia. Trata-se da companhia dos caminhos de ferro de sul e sueste. Espero que este negocio seja aqui apresentado e com brevidade, mas para poder entrar na sua discussão, julgo necessario pedir os esclarecimentos que constam do meu requerimento.
Abstenho-me de fazer mais considerações a este respeito e aguardo a occasião em que se discutir a questão para fazer as ponderações que julgar convenientes.
O meu requerimento é o seguinte (leu).
O sr. Galrão: — Participo a v. ex.a que não pude comparecer ás duas ultimas sessões por incommodo de saude.
O sr. Silva Mendes: — Vou ter a honra de apresentar á camara algumas considerações sobre uma materia da mais alta importancia para o circulo que me distinguiu com a procuração para aqui defender seus interesses, e que considero igualmente importante para todo o districto de Vizeu, bem como para o paiz, pois trata-se de uma questão de justiça.
Pretendo hoje consignar um pedido, uma solicitação, uma reclamação mesmo, porque é ella de justiça, e os meus illustres collegas da Beira Alta não deixarão por certo de reforçar a minha tão pouco auctorisada voz.
E com o mais justo fundamento que se lamenta que as circumstancias do thesouro não permittam ou não tenham permittido levar o mais importante ramo de serviço publico, qual é a instrucção publica, ao grau de perfectibilidade que era para desejar, e que o paiz instantemente reclama.
Não desconheço os serviços feitos pelos poderes publicos, e esforços empregados para diffundir a instrucção; entretanto é força confessar que era este o assumpto principal para o qual deveriam os governos voltar toda a sua solicitude, sentindo e deplorando que entre o complexo das propostas apresentadas a esta camara não viesse uma só com referencia a tão momentoso objecto, como eu esperava (apoiados).
Não sei se na classificação dos lyceus se observaram os rigorosos principios da justiça, e se se attenderam ás conveniencias dos povos; não quero entrar em comparações, sempre odiosas e sempre attribuidas a sentimentos que me não demovem, assevero-o a v. ex.ª e á camara; mas parecia rasoavel, equitativo e mesmo de justiça que o lyceu de Vizeu fosse elevado á categoria do 1.ª classe (apoiados). O districto de Vizeu é extensíssimo, como todos sabem, e possue 400:000 habitantes, sendo o quinto na ordem dos mais collectados em contribuição predial o seu lyceu é dos mais frequentados, pois que, segundo informações authenticas, nos ultimos tres annos lectivos (1864-1867) concorreram á matricula individual 230 alumnos ou 706 por cadeiras, ou disciplinas. Nos mesmos annos lectivos rendeu para o thesouro, termo medio, em cada anno, a somma de 1:012$649 réis.
Já se vê pois em presença d'estes dados estatisticos quão importante é o movimento annual daquelle lyceu, que se elevaria consideravelmente logo que fosse considerado como de 1.ª classe, não só em relação ao numero de alumnos, mas ainda ao rendimento.
Poder-se-ha talvez objectar que essa medida importaria desde logo em augmento de despeza, e, comquanto eu considere que esse augmento ficaria compensado com o rendimento a maior das matriculas, aceito por agora a reflexão para que se não acredite que nego o meu programma de economias em proveito da minha terra, que sou emfim campanarista (permitta-se a phrase).
Mas o que não trazia augmento de despeza, mas sim de receita, era a providencia altamente reclamada de serem para todos os effeitos considerados os exames d'aquelle lyceu como os de 1.ª classe, pelo que diz respeito ás materias ali professadas, era acabar-se o privilegio odioso de classificação em categorias dos differentes lyceus, e para a qual não acho rasão justificativa, por mais que torture o espirito (apoiados). Se aos professores se exigem iguaes habilitações, se empregam no ensino o mesmo numero de luzes e o mesmo rigor; se até se adoptou o systema de serem feitos os exames perantes professores estranhos ao estabelecimento, não sei porque esses exames não hão de ter o mesmo merecimento, e habilitem os alumnos como os do lyceu de 1.ª classe para as carreiras superiores (apoiados).
Embora se queira considerar o lyceu de Vizeu como de 2.ª classe para os effeitos orçamentaes, emquanto uma lei geral não trouxer uma reforma de instrucção publica sobre este ponto, espero que acabe e não continue a manter-se essa distincção de exames que é tão odiosa e sem justificação possivel.
Os lyceus de 1.ª classe do Porto, Braga e Coimbra estão sem duvida bastante proximos do districto de Vizeu, mas não nos Mudamos a ponto de suppor que essa distancia não causa embaraço gravissimo aos paes, que têem de acompanhar seus filhos a qualquer d'essas cidades por numero de vezes igual ao dos exames que porventura se exigem para os cursos superiores de letras (apoiados).
Este grande inconveniente desalenta muitas familias, e não é raro ficarem mancebos talentosos com a sua carreira cortada, com prejuizo seu e do paiz (apoiados). Creio que a camara de certo avaliará esta questão, como eu a avalio, e da sua illustração espero tudo, para que sejam attendidas as breves considerações aqui apresentadas, e para as quaes peço a attenção do nobre ministro do reino, que as verá no Diario de Lisboa. Invoco o auxilio dos illustrados representantes do districto de Vizeu, e a pratica de negocios de s. ex.ª, para que esta justissima reclamação possa mais facilmente ser attendida.
Termino mandando para a mesa uma proposta, que espero V. ex.ª se dignará enviar á illustre commissão de instrucção publica, e desde já protesto instar por tão justo empenho.
O sr. Custodio Freire: — Pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte requerimento (leu). Vae tambem assignado pelo meu collega o sr. Firmo Monteiro.
Como o governo propoz a extincção do conselho ultramarino, ficando addidos os seus vogaes ao tribunal de contas, preciso apreciar bem a justiça e mesmo o espirito de economia que presidira a esta providencia; tenho por consequencia necessidade d'estes esclarecimentos, o peço a v. ex.ª que os solicite com brevidade.
O sr. Fernando de Mello: — Mando para a mesa uma representação assignada por cinco cavalheiros, procuradores á junta geral do districto de Coimbra, em que se queixam a esta camara, e pedem remedio contra os actos menos regulares, praticados pela auctoridade civil d'aquelle districto, durante a sessão ordinaria da junta geral, que ha pouco tempo ali teve logar.
A maneira como correram os trabalhos da junta, e a maneira especial e unica por que ella foi encerrada já v. ex.ª e a camara o sabem talvez, porque consta de um manifesto que os mesmos signatarios d'esta representação dirigiram ao publico quando lhes foi intimado o encerramento da junta por uma nova fórma que aquella auctoridade entremetteu n'estes negocios de administração.
A junta reuniu-se no dia competente; suscitou-se durante a sua constituição a questão da legalidade com que tomava assento naquella casa um dos procuradores eleitos, que tinha sido proclamado deputado da nação e se devia suppor a funccionar n'esta camara, onde já tinha dado entrada e onde tinha declarado que optava pelo subsidio proprio de deputado em troca do ordenado, que lhe pertencia como lente da universidade.
A minoria da junta julgou menos regular a assistencia d'este membro nas suas sessões, em vista do que dispõem os artigos 115.° e 214.° do codigo administrativo, mas não póde fazer mais do que protestar contra esta irregularidade, visto que a maioria seguiu opinião diversa. Se porém este objecto póde ser posto em duvida emquanto aquelle procurador esteve na junta, a cadeira do representante do concelho de Arganil ficou evidentemente vaga apenas aquelle que tinha apresentado a procuração se ausentou, e apparecia funccionando n'esta camara. Não havia então já sophismas possiveis.
Pediu a junta á auctoridade superior do districto, que mandasse convocarão substituto. Isto era justissimo, e alem d'isso de summa conveniencia para o bom andamento dos negocios sobre que a junta tinha a resolver, pois queria e devia ouvir os esclarecimentos que poderiam ser trazidos, e de certo o eram, pelo procurador correspondente áquelle concelho.
O secretario geral, servindo de governador civil, oppoz-se a dar execução a este pedido, aliás tão justo. Em pedidos se gastaram umas poucas de sessões, e a final, um dia em que aprouve áquella auctoridade, fechou a junta por meio de um alvará, que leu ás cadeiras em que se deviam sentar os procuradores, tendo apenas ao seu lado o presidente. Tomou d'isto duas testemunhas, e como sabia que os procuradores não tinham conhecimento d'este acto menos legal, dirigiu-lhes um officio em que annunciava o encerramento da sessão. Facto unico, pela fórma, nos annaes da governação administrativa. Mas não só pela fórma.
Não ha contagem alguma, por qualquer maneira que seja feita, que dê quinze dias uteis para funccionar aquella junta, desde o dia da sua abertura até áquelle em que foi encerrada.
Quer se contem só as sessões de que se lançou acta no livro competente; quer se contem todos os dias em que podia haver sessão, é impossivel encontrar quinze dias uteis entre o da abertura e o do encerramento. E V. ex.ª sabe que a lei é terminante n'este ponto; não podia de fórma alguma a auctoridade superior do districto encerrar os trabalhos da junta, ainda por concluir, sem ella ter gasto pelo menos os dias que a lei lhe concede.
Eu podia ir mais alem, porque mesmo depois dos quinze dias uteis, entendo que o governador civil se não deve nunca recusar a prorogar este praso, quando os objectos proprios das attribuições da junta não forem resolvidos nos primeiros quinze dias; mas para o que não tinha direito algum, e contra o que protestaram os signatarios d'esta representação, contra o que já protestaram em outra representação que mandaram ao sr. ministro do reino, contra o que protesta a opinião publica, é que a auctoridade superior de um districto intime o encerramento das sessões da junta geral antes de terminados os seus trabalhos no praso legal que a lei lhe concede.
Cinco dos procuradores da junta geral do districto de Coimbra vem queixar-se d'este arbitrio praticado pela primeira auctoridade civil do districto, e a camara dará de certo attenção a este pedido, porque envolve a manutenção dos direitos da primeira corporação de um districto.
Se todos clamamos contra a centralisação, se todos pretendemos que aos corpos legitimamente eleitos se dêem todas as attribuições que elles possam conter e que as leis lhes concedem, não consintamos n'esta usurpação feita pelo poder executivo! A camara por certo não deixará ficar esquecido o que consta d'esta representação a que eu terei de me referir quando realisar a interpellação que annunciei já ha dias ao sr. ministro do reino, e pela qual espero. Mostrarei então mais desenvolvidamente a maneira pouco regular por que andou o secretario geral servindo de governador civil em Coimbra; e desejára que se não dissesse que s. ex.ª andou d'este modo pelo receio que tinha de não ver approvadas todas as verbas do seu orçamento.
A approvação do orçamento districtal pertence á junta; ella é que tem de o avaliar e de apreciar as verbas que ali são mencionadas, assim como de determinar as quotas que competem a cada um dos concelhos do districto. Usurparem-se-lhe estas attribuições é um manifesto desprezo pela lei, e é melhor então acabar com as corporações d'esta ordem, se ellas não têem o direito de cumprir com as suas obrigações, ou de exercer as funcções que a lei lhes concede.
Mando para a mesa a representação e peço a v. ex.ª que lhe dê o destino conveniente.
O sr. Limpo de Lacerda: — Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo "sobre a avaliação do material do caminho de ferro de sueste.
O sr. R. V. Rodrigues: — Pedi a palavra para declarar que desejo tomar parte na interpellação que annunciou o sr. Fernando de Mello sobre a maneira como têem corrido os negocios da junta geral do districto do Coimbra. A interpellação acha-se já annunciada ha tres ou quatro sessões; persuado-me por isso que o sr. ministro do reino se apressará a vir responder, sentindo que o sr. Fernando de Mello viesse dizer aqui os motivos da sua interpellação na ausencia do sr. ministro.
Penso que a interpellação ha de ter logar, e eu peço para n'essa occasião tomar parte n'ella.
O sr. Presidente: — O sr. Fernando de Mello annunciou alguma interpellação?
O sr. José de Moraes: — Esta annunciada ha uns poucos de dias.
O sr. Fernando de Mello: — Annunciei uma interpellação ha tempos, e agora só tratei de encarecer á camara a representação que tive a honra de mandar para a mesa, ficando de pé a interpellação pela qual insto.
O sr. Gavicho: — • Mando para a mesa o diploma do sr. Fausto Guedes; peço a v. ex.ª que lhe dê o destino competente.
O sr. Presidente: — Vae ter logar a interpellação annunciada pelo sr. Fradesso ao sr. ministro da marinha.
O sr. Fradesso da Silveira: — Tendo annunciado uma interpellação ao governo a respeito de construcções navaes, suspeitará talvez a camara que eu pretenda aproveitar o ensejo para tratar a questão do trabalho e a das officinas do estado; mas devo desde já declarar que não é essa a minha intenção. Annunciei a interpellação como é meu costume, e simplesmente para dirigir algumas perguntas ao sr. ministro da marinha, a fim de lhe pedir que tenha a bondade de me dar alguns esclarecimentos que me parecem importantes.
Consta que o sr. ministro da marinha mandou comprar em paiz estrangeiro um navio; diz-se que o governo tem estabelecido negociações em paiz estrangeiro, para a compra de material para o fornecimento da armada; diz-se finalmente que as tendencias do actual sr. ministro da marinha são todas para adquirir fóra do paiz o que talvez cá dentro podesse adquirir. Por consequencia, limito-me a fazer a s. ex.ª as seguintes perguntas, pedindo-lhe a bondade de me responder:
E exacta a noticia da compra de um navio para a nossa esquadra?
E exacto que s. ex.ª esta em negociações em paiz estrangeiro para o fornecimento de material, que póde ser fabricado no arsenal do estado?
Peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para fazer as considerações que entender serem necessarias, depois do sr. ministro da marinha ter tido a condescendencia de me responder.
O sr. Ministro da Marinha (Rodrigues do Amaral): — Parece-me que são unicamente dois os pontos sobre que fui interrogado pelo illustre deputado: primeiro, se é verdade ter o governo entrado em ajustes, fóra do paiz, para o fornecimento do material que possa ser preciso no arsenal da marinha; segundo, se é certo ter-se recentemente comprado um navio para o serviço do estado.
Respondendo á primeira pergunta, direi que o governo não fez nenhum contrato, com nenhuma officina situada em paiz estrangeiro, para fornecimento de materiaes. Tem succedido muitas vezes, e até já depois que eu entrei para o ministerio, mandar vir de Inglaterra varios objectos, que cá se não poderiam obter de modo facil, em tempo opportuno, e por preços igualmente commodos; mas idéa, proposito de ir buscar fóra o que no paiz se póde encontrar, em condições vantajosas, repito que nunca houve, que não ha agora, e creio que não haverá nunca.
Não sei se o illustre deputado quiz comprehender na sua pergunta as machinas a vapor e as correspondentes caldeiras para uso dos navios do estado. Se quiz, devo então dizer-lhe que esses objectos têem effectivamente sido feitos em Inglaterra, com uma unica excepção. Digo isto com bastante desafogo, porque eu proprio ainda não mandei fazer senão uma de taes encommendas; todas as outras foram anteriores á minha entrada para o ministerio. Não me pesaria, porém, a responsabilidade de todos esses actos, quer-me parecer, porque elles se justificam perfeitamente.
Devemos, n'este assumpto, distinguir dois casos: um,
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quando se trata de obter machina e caldeiras para um navio novo; outro, quando é mister substituir as caldeiras já usadas, ou fazer algum reparo nas machinas.
N'este ultimo caso não é absolutamente impossivel que a obra se faça no paiz. Ainda assim, será indispensavel modela-la pela antiga, sem nenhuma modificação, sem nenhum melhoramento; porque a nossa industria, no ramo de que se trata, esta em grande atrazo.
Direi o que se passou em um ensaio d'este genero, e ahi acharemos outro motivo de se não recorrer ás officinas nacionaes para taes obras.
Mandou-se pôr a concurso a construcção de uma caldeira para a corveta Sagres, e preferiu-se uma proposta feita por uma casa estabelecida em Lisboa ou no Porto, apesar de saír mais cara do que sairia se fosse feita em Inglaterra.
Tenho aqui os preços e todos os detalhes que se quizerem sobre este assumpto.
Mas, como ía dizendo, mandou-se fazer a caldeira, apesar do seu custo ser muito maior. Porém o grande inconveniente não foi este. Resultou d'aqui que, tendo-se promettido a caldeira n'um certo praso, este praso foi excedido mais de quatro mezes, tendo o navio de estar á espera, havendo grande necessidade de o fazer entrar em commissão, e não se applicou a respectiva multa, por contemplação á casa ser estabelecida no paiz.
Antes d'isso já se tinha feito uma machina e respectiva caldeira para a escuna Barão de Lazarim, porque sendo exiguas as suas dimensões, julgou-se que este ensaio se podia fazer no paiz.
Resultou d'aqui que o navio teve de ir á véla até ao Rio de Janeiro, onde foi fazer uma grande despeza para a machina poder funccionar.
Lá se arranjou e foi para Moçambique, onde tem estado, e alguem dirá que tem feito um serviço tal ou qual; mas nunca ficou um navio capaz.
Por consequencia se se trata de fornecimento de machinas a vapor e caldeiras, parece que ninguem póde querer que ellas se façam no paiz (apoiados), porque effectivamente, já não digo o. arsenal, que não esta montado para estes grandes artefactos, mas mesmo as officinas não estão no estado de adiantamento e não têem os meios necessarios para poderem dar um bom desempenho a estas commissões.
Todos nós sabemos que todos os dias se estão fazendo melhoramentos n'este ramo, o que as nossas officinas não estão ao facto d'elles, e por consequencia não podem immediatamente fazer melhoramentos n'uma machina, que o estado precise para um dos seus navios.
Apesar de não ser no meu tempo, sempre direi, que as caldeiras para as duas grandes corvetas, Estephania e Bartholomeu Dias, em primeiro logar são obras de grande vulto, e mesmo pelas suas dimensões, eu duvido que ficassem capazes.
Ha pouco chegou uma machina para a corveta Maria Anna, obra primorosa, e os mestres de officinas, que a têem ido ver, não podem deixar de dar este testemunho de justiça, e mesmo tendo aquella, que foi encommendada para a Sagres, excedido quatro mezes do praso promettido, não se póde comparar com a que acaba de chegar. Todavia, á condição essencial de resistencia satisfez completamente, porque supportou a pressão a que foi sujeita e saíu bem de todas as experiencias.
Emquanto ás duas de que eu estava tratando, a Bartholomeu' Dias e Estephania, não só pela grande importancia d'essas caldeiras e pela sua grande capacidade, mas tambem porque era preciso introduzir n'ellas alguns melhoramentos mais recentes do que aquelles que se conheciam quando ellas vieram com os respectivos navios, estes não se podiam pois fazer cá, e portanto mandaram-se a Inglaterra.
Mas ha ainda a questão do tempo, que é muito importante. Se com relação ás caldeiras da escuna Maria Anna houve esta demora, o que aconteceria com estas duas? E eu escuso de insistir muito n'este ponto, porque todos sabem as condições em que estão os nossos dois principaes navios. A Estephania esteve muito tempo aqui no porto, foi para Inglaterra a metter caldeiras; e a Bartholomeu Dias esperava que ella voltasse para tambem ir metter caldeiras; porém n'uma recente occasião, e bem importante, fez-se saír a Bartholomeu Dias sem que nos ficasse a consciencia segura de que aquelle navio ía com segurança; quando chegou já não estava no caso senão de ir a Inglaterra metter caldeiras.
Ora, tendo nós tão poucos navios, e havendo a necessidade de os mandar saír muitas vezes para commissões importantes, que não se podem protrahir, entendo que não podemos mandar fazer as caldeiras no paiz, porque alem de não ficarem bem feitas e nem se lhes poder introduzir os melhoramentos recentes, ainda corríamos o risco de nos succeder o que aconteceu com as caldeiras da escuna Maria Anna, que vieram alguns mezes depois do praso em que o fabricante se tinha obrigado a dá-las.
Emquanto ao mais, eu desejo tanto como o illustre deputado, não só que as officinas de ferraria e fundição de ferro, e de machinas do arsenal da marinha tenham o maior desenvolvimento possivel, mas até que por todos os meios se favoreça' o desenvolvimento das officinas particulares; mas não entendo que isto se deva fazer á custa da bondade e solidez das obras, e sobretudo por um preço maior (apoiados). Isto é o systema da protecção, de que eu declaro á camara que não sou partidario em nenhuma das manifestações por que elle se possa realisar (apoiados).
Entretanto podem ser diversas as opiniões a este respeito; cada um tem a sua, mas é preciso considerar o negocio debaixo d'este aspecto.
Emquanto a ser conveniente estabelecer no arsenal uma officina de machinas a vapor, d'isso não tenho eu esperança alguma, nem ninguem a póde ter. Para alguns concertos, e mesmo, se for necessario, para fazer uma ou outra caldeira, para isso trabalha-se no arsenal. Estão-se fazendo officinas de fundição e ferraria, mas mais vastas do que as que havia até agora. Isto vae de vagar, porque os meios são fracos. Quando isto tenha acontecido, e quando seja possivel passar para a officina de fundição e ferraria a officina de latoeiros, ficará o espaço indispensavel para armar um telheiro, debaixo do qual se possa fazer uma caldeira, não de grande dimensões, porque no arsenal até falta o espaço para armar uma grande caldeira.
A este respeito direi pois que effectivamente se têem encommendado lá fóra machinas e caldeiras, sempre que se têem construido navios a vapor nos nossos estaleiros, e isto porque todos estão convencidos de que não é possivel fazer-se aqui uma machina de vapor.
Póde talvez dizer-se, e assim prevenirei eu uma objecção de alguns srs. deputados, que se podem mandar fazer as machinas e fazer cá as caldeiras. Mas comprehende-se bem que estes dois corpos são inteiramente solidarios e que ha toda a conveniencia e toda a vantagem em que o fabricante que faz a machina faça tambem a caldeira.
Isto comprehende-se bem, mas ha ainda uma outra rasão, e vem a ser que, se se fizesse lá fóra a machina e aqui a caldeira, de duas uma: ou a caldeira havia de ir fóra para ser combinada com a machina, ou a machina havia de vir aqui para ser combinada com a caldeira, e, indo a caldeira sem que combinasse com a machina, dizia-se lá que era defeito da caldeira, ao passo que, se viesse a machina e não combinasse com a caldeira, dizia-se então cá: é defeito da machina.
Por consequencia o que acho melhor, sempre que se façam negocios d'estes lá fóra, é isto: ou o navio de que se trata vae receber a machina e a respectiva caldeira ao ponto onde se executam aquelles trabalhos, ou a caldeira e a machina vem a Lisboa, acompanhadas de um homem que vem fazer o assentamento, responsabilisando-se pelos trabalhos até que se façam as experiencias, e que o governo se dê por completamente satisfeito das condições em que se apresenta a obra.
Do meu tempo não tenho senão a encommenda que se fez ha muito pouco tempo da machina e caldeira para o navio que achei no estaleiro a construir, de cuja acabamento me occupo, e que deve em breves mezes lançar-se ao mar.
E fiz esta encommenda, pela rasão que acabei de dizer, porque não acredito que uma machina possa ser aqui feita, já não digo no arsenal, mas mesmo nas mais bem montadas officinas particulares que temos, com as condições necessarias na actualidade.
Ainda que a machina se fizesse aqui, em todo o caso ella não podia ser feita com os aperfeiçoamentos e melhoramentos que ultimamente se têem introduzido n'este genero de construcções. As machinas n'estas condições só se fazem lá fóra, como na Inglaterra e na França, paizes industriaes e onde a sciencia e as artes estão sempre á ordem do dia, sendo por consequencia de esperar que ali sejam empregados todos os aperfeiçoamentos e melhoramentos ultimamente descobertos.
Isto não é só em relação ás officinas do estado, é tambem em relação ás officinas particulares, porque lá fóra a maior parte dos navios e machinas é tudo obra das officinas e estaleiros particulares.
O almirantado inglez, por exemplo, manda construir as machinas nas grandes officinas de Inglaterra, e nos estaleiros particulares, manda construir navios couraçados. Não admiraria que nós fizessemos o mesmo; mas ha uma differença, e é que estas obras são assim feitas n'aquelle paiz, porque ali ha os elementos necessarios para isso, e nós não o podemos fazer, porque não creio que os haja aqui. Se os houvesse, estou convencido de que ninguem teria gosto em que deixassem de se fazer essas obras no paiz.
Agora, emquanto á pergunta sobre se fiz a acquisição de um navio ha pouco tempo, devo responder que effectivamente fiz essa acquisição.
Offereceu-se-me um navio do porte de mil e tantas toneladas, da mais moderna construcção, com todas as qualidades necessarias para um navio de guerra armado com quatro peças de 110, creio eu, e com quatro peças de 40, com as munições respectivas, prompto de todos os seus aprestes a fazer viagem, e isto pela quantia de 180:000$000 réis.
Desde logo me pareceu muito vantajosa a offerta, por uma rasão que me parece obvia: é que nós temos absoluta necessidade de navios, e isto não precisa longamente demonstrado, mas é preciso notar sempre o estado da nossa marinha.
A corveta Estephania esta em Inglaterra, mettendo as suas caldeiras; a Bartholomeu Dias só se espera que ella venha para ter o mesmo destino; a Sagres esta n'uma doca, que nem isso nós temos, sendo necessario metter este navio n'uma doca particular onde esta fazendo o fundo e a popa; a Maria Anna, que não espera senão que aquelle saia para entrar; a Duque de Palmella, que estava de estação em Africa, e que passou ao Rio de Janeiro "com destino a Montevideu, tive de a mandar regressar quanto antes a Lisboa, sob pena de ser indispensavel fazer no Brazil grande despeza.
Emfim todos os nossos navios estão n'este gosto; e como póde apparecer de um momento para o outro uma, necessidade instante de mandar ás nossas provincias ultramarinas algum navio por qualquer acontecimento que ali se dê, e não querendo ser arguido de não tomar providencias a tempo, quero estar prevenido para poder, dado o caso de necessidade, mandar para ali força maritima ou terrestre, e não posso fazer isto se não tiver navios (apoiados).
Por consequencia entendi que era indispensavel ter alguns navios, e não ha senão dois meios de os obter, ou fazendo-os aqui, ou mandando-os vir feitos de fóra. Se se fizerem aqui é indispensavel certo tempo, dois ou tres annos, porque nós não temos senão 120:000$000 réis para construcções; com esta verba não se faz um navio, e por consequencia são precisos alguns annos, e no estado em que estão os nossos navios não é possivel esperar, para augmentar o seu numero, pelas construcções feitas assim.
Além d'isto é preciso que a camara note que as construcções no arsenal não deixam de continuar; as carreiras não estão desoccupadas; em uma está-se fazendo um navio, que dentro de tres ou quatro mezes deve ser lançado ao mar; na outra esta uma fragata ha muitos annos, que hoje se esta desmanchando; julgou-se que a conclusão da fragata não era conveniente, e eu assim o entendi tambem; e logo que a carreira esteja desoccupada ha de collocar-se ali outra quilha. Por consequencia não se póde dizer que se não construem navios no arsenal, mas essas construcções não se podem fazer com a celeridade que é preciso.
Offereceram-me pois um navio nas condições que acabo de dizer, de mil e tantas toneladas, armamento o mais moderno, de grande força, e prompto a navegar e a entrar em combate se for preciso; offereceram-m'o pelo preço de réis 180:000$000; e eu vendo a historia dos nossos navios encontro o seguinte (leu), quer dizer, um só de mil toneladas, os outros todos inferiores, custavam todos muito mais de 180:000$000 réis. Por consequencia sob o ponto de vista da força convinha,.convinha pela precisão que temos, convinha pelo preço. Restava examinar se o navio seria bom, se teria todas as condições necessarias a um navio de guerra. „
Além da confiança que me inspirou a respeitabilidade da casa que fez a offerta, que é uma das primeiras de Inglaterra, mandei lá um official dos mais distinctos da armada e folgo de dar aqui este testemunho de consideração ao digno official de marinha José Baptista de Andrade que foi, não especialmente para isto, mas que ía commandando a corveta que ía metter machina, a Estephania, e que foi depois encarregado de examinar bem a corveta que se nos pretendia vender. Depois recebi informações d'este official, declarando que era uma óptima acquisição, porque o navio era muito bem construido, e n'uma palavra convinha a todos os respeitos.
Depois começaram a circular uns rumores, que não sei d'onde chegaram, nem como vieram, de que o navio era pequeno. Effectivamente podia ser maior, mas em logar de custar 180:000$000 réis, podia custar 280:000$000 réis (apoiados). Em fim era um navio accommodado aos nossos meios, ás nossas circumstancias, e proprio mesmo para as commissões que nós possamos ter de mais necessidade para a costa á Africa; com todos os melhoramentos na sua mastreação para mais facilmente manobrar, podendo tripular-se com pouca gente, etc... t
Vieram aquellas noticias que fizeram por ahi uma certa impressão; e eu, que não tinha necessidade alguma de fazer essa compra, disse desde logo vamos a ver isso com mais vagar.
O governo dirigiu-se ao nosso ministro em Londres para que os peritos do almirantado examinassem o navio. Fez-se essa vistoria, e os homens disseram que era excellente. Á vista d'isto não devia hesitar na compra do navio.
Ha outra circumstancia. Quanto ao modo de pagamento obtiveram-se tambem as condições mais vantajosas, de fórma que o havemos de pagar em tres annos. É o que tenho a dizer. Houve a rasão da necessidade, houve a rasão da barateza (Vozes: — Muito bem).
Por todos estes motivos comprei aquelle navio. Com isto não fiz prejuizo algum ao trabalho do arsenal. Uma carreira esta occupada, e a outra ha de occupar-se logo que sáia a fragata. Da minha parte, pelo pouco tempo que hei de cuidar d'estes negocios, nunca deixarei de fazer trabalhar o arsenal (apoiados). Dou a este respeito ao illustre deputado e á camara todas as seguranças de que farei trabalhar o arsenal, porque não tenho disposição alguma para o contrario, nem sei porque (apoiados).
Creio ter assim respondido ás perguntas do illustre deputado.
A primeira pergunta respondi; quanto ao material, não se tem feito nenhum ajuste, nenhum convenio com nenhuma casa constructora, nem em Inglaterra nem em França. Os consules, principalmente o de Nantes, escreveu dizendo que se o estado viesse a precisar de algum navio, de algum objecto de armamento naval, que se podia ali obter com muita vantagem. Fiz o que devia fazer; disse logo, faça favor de mandar para cá a tabella dos preços e detalhes; porque é bom sempre conhecer as cousas (apoiados). Não era com a intenção de mandar fazer qualquer compra; mas em vendo uma grande conveniencia economica do mandar fazer alguma cousa (apoiados), hei de fazer (apoiados). Mas não tenho mandado fazer, nem desejo. Desejo que as circumstancias do paiz sejam taes que dêem logar a fazerem-se cá esses trabalhos. Desejo do coração, como qualquer outro sr. deputado, dar trabalho aos operarios, e dar protecção e desenvolvimento ás industrias que aqui possam ter logar a desenvolver-se e a prosperar (Vozes: — Muito bem).
O sr. Fradesso da Silveira: — A interpellação é muitas vezes manifestação aggressiva e outras vezes, da minha parte quasi sempre, é simples pergunta. Repito agora o que disse quando ha pouco fallei. Ha circumstancias em que os governos devem manifestar claramente as suas idéas. Quando certas noticias se propalam, quando certas apprehensões imperam no espirito publico, é preciso que o governo seja convidado a fazer declarações, que depois o paiz julgará.
Agradeço ao sr. ministro da marinha a franqueza das suas declarações, mas ainda mais agradeço que não tivesse levado tão longe a sua franqueza. No momento em que eu
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annunciava a minha interpellação disse que não vinha aqui aproveitar o ensejo para levantar as questões do trabalho nacional e official. Quero manter-me na situação em que me colloquei. Não aproveitarei o ensejo, porque entendo que tem cada cousa o seu logar e a sua hora, e que a hora e o logar hoje não são proprios para tratar essas questões. Noto porém que o illustre ministro, por uma talvez louvavel sinceridade, foi muito longe declarando quaes são as suas doutrinas economicas, que naturalmente devem ser as doutrinas do governo.
S. ex.ª sustenta umas certas doutrinas a respeito das questões economicas, e sabem todos que eu sustento as doutrinas contrarias.
Para mim o desenvolvimento da industria carece de umas certas condições; para s. ex.ª carece de outras. Estamos portanto n'este ponto em perfeita discordancia, o que não obsta a que estejamos de accordo em outros.
Como eu disse, não quiz levantar agora a questão do trabalho; mas lamento que s. ex.ª tendo declarado os preços por que sáem no paiz as construcções navaes, não explicasse quaes as causas por que os preços são altos, e quaes as causas por que as construcções são más; pois não basta dizer que o trabalho official produz mal e é caro. Convem declarar as causas que para tal effeito concorrem.
Não adoro o trabalho official. Talvez por que não tenho sempre o cuidado de responder a tudo quanto de mim se diz, sejam as minhas opiniões injustamente apreciadas. Talvez alguem imagine que sou favoravel ao trabalho official, talvez alguem acredite que eu quero a intervenção do estado em todas as grandes construcções e eu quero só o que rasoavelmente se deve desejar e promover. O trabalho official apresenta-se na nossa terra por diversas maneiras, e algumas das suas manifestações, sendo em minha opinião extremamente repugnantes, observo com assombro que os homens que sustentam as doutrinas contrarias ás minhas, aceitam essas manifestações, applaudem-as e nunca se revoltaram Contra ellas. Eu vejo que a industria official se apresenta a concorrer no mercado com a particular, faz annuncios pomposos e declara triumphantemente que esmagou a industria particular, e noto que os homens que sustentam as doutrinas da liberdade ampla da industria e do commercio nunca se ergueram a clamar contra esta tyrannia official.
Não se inquiete o illustre ministro da marinha, que não levarei muito longe estas considerações. A questão é antiga e ha de voltar; mas agora não convem que nos demoremos com ella. A questão industrial é antiga, mas grave; veja s. ex.ª o que se tem dito nas ultimas sessões do parlamento francez, nos discursos brilhantes do sr. Forcade, ministro do commercio, do sr. Thiers e de outros, proclamando uns as doutrinas que eu sustento, e defendendo outros a opinião que o nobre ministro adoptou.
Não tome o illustre ministro como aggressão á sua pessoa nem ao governo, o que se diz hoje aqui ligeiramente, e mais tarde se desenvolverá quanto for necessario.
Faço uma referencia simples a um facto conhecido. Não discuto agora a questão industrial, e menos ainda a questão da industria official. Deixo porém apontado um facto, porque terei algum dia de me referir a elle para pedir providencias aos membros do governo. Por agora convem guardar esta reserva e ninguem por isso me ha de querer mal. Os partidarios de uma doutrina que se diz absolutamente contraria á minha, assistem impassíveis ás manifestações mais completas da protecção, manifestações pelas quaes a industria official esmaga e destroe a industria particular. Essas manifestações apparecem todos os dias nos jornaes em annuncios pomposos, e os adversarios da iniciativa official, que tudo querem dever á iniciativa particular, deixam passar essas manifestações e calam-so! Eu tambem me tenho calado, porque entendo que não é chegada a hora de fallar. Tarde ou cedo ha de soar essa hora.
Declarou o sr. ministro que são exactas as noticias relativas á compra de um navio para a nossa esquadra por 180:000$000 réis. Apreciou s. ex.ª de certo, antes de se resolver, as condições do navio, as circumstancias do thesouro o as conveniencias industriaes. Não faço observações sobre este ponto, que pessoas mais competentes farão. Louvo a franqueza do illustre ministro, porque póde agora ser o seu procedimento apreciado, e acredito que essa apreciação ha de ser imparcial e segura.
Estimo tambem que fizesse mais outra declaração de que -não tenciona suspender o serviço do arsenal da marinha; ao contrario, tenciona continuar as construcções e até activa-las quanto seja possivel pelos meios que tem á sua disposição. Estimo esta declaração, e estimo-a tanto mais quando ella é a resposta ao que se tem dito em contrario. Convem que o governo responda em taes termos e n'este logar, para que lá fóra se conheça a opinião do ministro, da qual elle toma toda a responsabilidade perante o paiz.
Mas se o trabalho no arsenal ha de continuar, queremos nós que elle continue nas circumstancias desfavoraveis em que o apresentou o sr. ministro, dizendo que é mau e caro? Quererá o paiz, quererá a camara que o trabalho seja mau e caro? Se o trabalho é mau e caro, o meio de acudir ao mal seria reformar as condições do serviço, ou fechar o arsenal.
O sr. Ministro da Marinha: — Eu não disse que o trabalho era mau e caro, absolutamente fallando. Eu disse que ali não tinhamos meios para certa ordem de trabalhos. No mais fazem-se tão bem como n'outra qualquer parte. A questão é de machinas a vapor.
O Orador: — O sr. ministro disse, e naturalmente disse a verdade, que as nossas construcções saíram más e caras; disse que os navios construidos no arsenal portuguez exigem frequentes reparos, que têem sido feitos em arsenaes estrangeiros; disse que as nossas officinas têem produzido obra má e cara, fallando de madeiras podres, e de trabalhos incorrectos, e para corroborar o que dissera apresentou documentos em que fundou a comparação entre o custo e a qualidade dos navios construidos no arsenal de marinha e nos estaleiros inglezes. Da comparação concluiu s. ex.ª que no arsenal o custo é mais elevado e a obra menos perfeita.
Peço que se ouça bem o que eu digo para que não se interprete depois de modo inteiramente diverso.
O sr. ministro declarou que as construcções navaes, que nós fazemos, são caras e más. Declarou que lá fóra o trabalho é mais barato e melhor, e para a demonstração apresentou algarismos.
Se é verdade, como creio, tudo quanto se affirma, parece-me evidente que a s. ex.ª compete indagar as causas que elevam os preços, averiguar a origem do mal, e tomar providencias para que as construcções sejam boas e baratas.
As officinas do estado devem servir de exemplo ás officinas particulares, devem ser officinas modelos em que todos aprendam, devem acompanhar o progresso da arte no seu desenvolvimento. Explica se assim a sua instituição, e justifica se a sua conservação.
Se as officinas do estado, consideradas assim, devem servir para lição e ensino á industria particular, pessima será essa lição, se ellas existirem com defeitos graves e nas condições em que esta o arsenal, segundo diz o illustre ministro.
Peço portanto ao sr. ministro da marinha que cuide de propor á camara as medidas necessarias para que no arsenal da marinha se consiga o resultado que todos nós desejâmos, para que se consiga que as construcções sáiam boas e baratas, e não caras e más como aquellas de que nos fallou.
S. ex.ª diz tambem que não podemos construir machinas de vapor e caldeiras É, até certo ponto, verdade, não temos os elementos precisos para fazer certas obras, não estão organisadas as officinas com esse intuito. Mas s. ex.ª entende que devemos. abster-nos de fabricar as machinas e as caldeiras, e eu entendo que devemos habilitar-nos para as produzir. É esta a minha idéa, e a de s. ex.ª é contraria.
O sr. Ministro da Marinha: — E qual o meio?
O Orador: — O que tem sido empregado por muitas nações que estavam no mesmo caso da nossa. Nações que não tinham industria, dizendo-se a respeito dellas que eram puramente Agricolas e por isso não podiam ser industriaes, transformaram-se completamente, tornaram-se industriaes.
Olhem para a Europa central. Era agricola, e hoje é industrial; transformou-se completamente...
O sr. Ministro da Marinha: — Por que meios?
O Orador: — Pelos meios que eu julgo convenientes, e que o sr. ministro reprova. As nossas doutrinas estão em frente uma da outra.
Mas para se conseguirem construcções boas e baratas é necessario que se tomem providencias. Estarão organisadas as officinas do arsenal como deveriam estar para uma regular producção? Têem ellas o pessoal technico convenientemente habilitado? Tem-se organisado o serviço de modo que possa realisar-se o necessario aperfeiçoamento nas construcções? Aproveita-se devidamente o trabalho dos artífices, aproveitam-se as aptidões, regula-se devidamente a aprendizagem como em estabelecimentos do estado se deve regular?
São estes os problemas que é preciso resolver, e a que s. ex.ª de certo attenderá, não se contentando com declarar á camara que o paiz não tem agora elementos para fazer construcções navaes boas o baratas!
Por esta occasião chamo a attenção de s. ex.ª para a cordoaria nacional, que é um estabelecimento a transformar, e perfeitamente absurdo, no estado actual da industria.
Já ninguem hoje admitte nas grandes officinas o trabalho manual para fazer cabos de diversas grossuras. Em officina do estado, que deve ser exemplar, não podemos consentir que o trabalho continue em taes condições.
Querem que o estado deixe de produzir o que se produz ali? Não terei duvida em votar a suppressão da verba destinada para a cordoaria.
Mas, se querem votar uma verba para a cordoaria, é preciso que essa verba seja applicada em transformar aquella officina, em lhe dar a fórma que deve ter na epocha actual. Nem eu sei que de outro modo se deva manter uma fabrica do estado.
O sr. Ministro da Marinha: — Onde esta a differença?
O Orador: — A differença esta em que o trabalho manual foi completamente abandonado, e substituido pelo trabalho de machinas, ali perfeitamente impossivel. O edificio é enorme, porque, pelo systema antigo, eram necessarios grandes salões, de grandissimo comprimento, e no systema de construcção moderna, como a machina se accommoda em pequeno espaço, não é preciso tamanho edificio. Modificadas as condições d'esta industria, uma parte do edificio serviria para outras officinas.
Não é esta a occasião propria para desenvolver mais este assumpto. Nem eu quero desviar a camara dos outros assumptos importantes de que deve hoje occupar-se.
Por isso, limito-me a agradecer ao sr. ministro as explicações que me deu, e a declarar que tenho muito sentimento de que s. ex.ª fosse tão sincero, revelando fóra de tempo as suas tendencias anti-proteccionistas, quando eu tinha arredado a questão da protecção para apenas fazer umas singelas perguntas.
Respeitando muito a sua opinião, não me conformo com ella; e se essa opinião é, como penso, a do governo, declaro que farei a maior opposição possivel ao governo, sempre que sobre taes assumptos houver discussão.
O sr. Ministro da Marinha: — O illustre deputado tratou agora de um objecto de que me não tinha prevenido, qual é o do nosso estabelecimento da cordoaria.
Como digo, não venho munido dos documentos com que me parece poderei provar que a cordoaria é talvez um estabelecimento, não digo montado como todas as melhores cordoarias de outras nações da Europa, mas onde os trabalhos que ali se fazem sáem bons e de muito boa qualidade e mais baratos do que no estrangeiro.
Apenas entrei para o gabinete fui visitar aquelle estabelecimento e suas officinas; assisti aos trabalhos, e procurei pôr-me ao facto do proveito que resultava de tal estabelecimento. Vi que os cabos e lonas, fabricados na cordoaria, são de muito boa qualidade, e que supportam a comparação com os artefactos analogos feitos no estrangeiro, e que sáem mais baratos.
Effectivamente ha ali uma grande parte dos trabalhos manuaes, mas ha muito tempo que se trata de mudar esse trabalho, e ha mesmo encommendas de machinas de vapor para substituir este trabalho manual, e de uma calandra que ha de ser tambem movida pela mesma machina que seja de construcção mais moderna.
Mas no estado em que se acha o estabelecimento hoje, os resultados são estes a que me refiro. Os nossos productos ali são de muito boa qualidade e mais baratos do que se podem comprar no mercado.
Agora, quanto á extincção d'aquelle estabelecimento, não me parece que ella seja util. Não sei se effectivamente se têem inventado machinas e apparelhos, por meio dos quaes é possivel fazer grandes cabos e amarras; mas estou persuadido de que em nenhum paiz estrangeiro se trataria de desmanchar uma edificação tão magnifica como esta é (apoiados).
Não digo mais nada a este respeito. Quiz apenas tocar n'um ponto a que o illustre deputado se referiu, e dizer que a cordoaria dá productos muito bons e que sáem mais em conta do que se "fossemos compra-los aos mercados estrangeiros.
O illustre deputado parece que tentou fazer-me uma censura por eu ter respondido muito francamente; mas se teve tal idéa, parece-me que terá de fazer essa censura mais vezes, porque todas as vezes que fallar hei de faze-lo do mesmo modo. (Vozes: — Muito bem.)
Eu não disse as causas por que esses navios saíram mais caros, e peço que me não obrigue a dize-las pelo mesmo defeito que tenho de ser franco. Hoje porém estão arredadas as causas que para isso se deram, e os navios não sáem por tal preço, e não é necessario ir construir a Inglaterra; tudo depende do modo de construcção.
Não digo mais nada.
O sr. Presidente: — Alguns srs. deputados pediram a palavra para tomar parte n'esta interpellação. Vou consultar a camara sobre se quer que lhes dê a palavra (apoiados).
Foi approvado.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Canto e Castro): — Pedi a palavra pai-a mandar para a mesa duas propostas de lei que passo a ler (leu).
Aproveito a palavra para declarar que estou prompto a responder á interpellação annunciada pelos srs. deputados Faria Guimarães e José de Moraes, ácerca da não construcção da ponte sobre o Douro, e da construcção da estação da Granja. Quando V. ex.ª fixar dia e hora, estou prompto a responder.
O sr. Presidente: — Então terá logar esta interpellação na primeira parte da ordem do dia de ámanhã.
Agora tem a palavra sobre o incidente o sr. Testa.
O sr. Testa: — Sr. presidente, no assumpto que ha pouco so tratou n'esta casa, qual foi uma interpellação dirigida ao sr. ministro da marinha e ultramar pelo sr. Fradesso da Silveira, tenho eu a considerar dois objectos; uma questão industrial, e uma questão technica de marinha. Tal é a que diz respeito á compra de um navio para a marinha de guerra.
Eu não estava até certo ponto prevenido para entrar n'esta interpellação, pois ignorava que ella tivesse logar, mas devo sempre estar preparado para entrar na questão technica, pela minha profissão de official de marinha. Portanto n'esta qualidade, e porque sendo membro da commissão consultiva de marinha, tinha não uma, mas duas vezes dado o meu voto contra a compra do navio de que se trata; pareceu-me que estes dois predicados me collocavam em obrigação de explicar os motivos que me haviam levado á persuasão de que a acquisição d'este navio não era conveniente para a marinha portugueza, a qual segundo a confissão do sr. ministro já abunda em pessimos navios.
Parecia-me que devia haver toda a cautela e todo o empenho, sempre que se pensasse em adquirir alguns novos vasos, que estes fossem de natureza tal, que podessem dar á nossa força naval, senão a importancia, pelo menos um certo typo de consideração que têem todas as marinhas das outras nações; porque infelizmente a nossa marinha de guerra tem-se conservado, não digo estacionaria, mas quasi que tem caminhado em retrocesso; e muitas vezes se não fosse a honra que resulta de pertencer a uma marinha que hasteia nos seus topes a bandeira portugueza, deviamos cobrir as faces de vergonha, por não sabermos como responder ás perguntas que se nos fazem sobre as cousas da marinha de guerra, no que diz respeito a acompanharmos seus progressos. Este estado de cousas vem talvez de faltas accumuladas que tenham produzido os resultados que hoje lamentámos.
Quanto á interpellação que teve logar, confesso que não sabia que ella havia de effectuar-se, pois já hoje declarei que, por motivo de doença, estive impossibilitado de vir á camara ha duas ou tres sessões; todavia tendo lido nos jornaes que o sr. ministro da marinha estava disposto a comprar, ou que tinha passado ordem para se comprar uma corveta, tive logo desejo de vir á camara annunciar uma interpellação a s. ex.ª, a fim de lhe perguntar se era ou
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não verdade que se havia feito esta compra, e se tal facto se não tinha dado, pedir-lhe que attendesse a algumas rasões, pelas quaes eu tinha a firme crença de que esta acquisição não era vantajosa. Desde porém que sube que a compra era um facto consummado, tinha resolvido desistir. Entro portanto no assumpto, porque outras circumstancias o trouxeram a terreno.
Sr. presidente, é necessario partir do principio de que, se ha arma onde se tenham operado transformações importantes, é esta arma de marinha, e ainda nos ultimos annos se tem operado uma transformação importantissima, que tem feito mudar inteiramente de figura o modo de combate e a composição e systema das forças navaes.
Ora, dando-se estas circumstancias, é certo que tambem os navios de guerra haviam de mudar inteiramente de condições e qualidade. Mas deve observar-se que a transformação que ultimamente se tem operado na marinha de guerra é tão importante, como foi a transformação que ha annos se operou com a applicação das machinas de vapor, e como a que ha mais tempo se estabeleceu quando se introduziu a artilheria nos navios de guerra.
Remonta isto a longas datas, e eu não occuparei a attenção da camara com uma prelecção sobre archeologia naval; mas se a camara não receia fatigar-se com estas discussões de cousas da marinha, eu direi em poucas palavras o que sinto a este respeito, para com isto reforçar a opinião que me levou a votar contra a acquisição do navio de que se trata.
Antigamente o systema de combate naval era o das galeras de remos, em que havia o motor independentemente das velas; conservou-se este systema na antiguidade e na idade media, e ainda na batalha de Lepanto figurava a galera de remos como typo do navio de combate do seculo XVI.
Fomos nós os portuguezes que, com as nossas longinquas navegações, começámos a substituir as naus de gávea ás galeras de remos; e talvez que fosse nos mares da India, que primeiramente se inaugurasse o systema de combate naval em que a tactica foi subordinada a novos elementos. Mas porque é que deixou de existir o systema de combate por meio de galeras de remos? Porque desde que a artilheria se podia collocar a bordo dos navios, já havia toda a desvantagem em aggredir de proa, porque a artilheria varria de enfiada, e derrubava os remadores e combatentes, ficando a galera sem movimento. D'aqui veiu a necessidade de collocar a artilheria em nova posição e de reforçar os navios com maior numero de bôcas de fogo, e estabelecer por consequencia a maior vantagem relativa não só na quantidade de navios e de bôcas de fogo, mas na sua disposição lateral de um e outro bordo.
Quando se applicou a moção por vapor nos navios de guerra, mudou outra vez a questão de face. Uns diziam: «o vapor ha de ser utilissimo na marinha de guerra, pela facilidade de movimentos, que tão precisa é na occasião de combate»; mas outros diziam que em todo o caso, as naus de linha é que haviam de formar os batalhões de mar, a massa solida e compacta de forças. Portanto n'estas duas opiniões havia uma divergencia completa, divergencia que para ser resolvida, era preciso reunir n'um mesmo navio a véla o vapor, problema que só mais tarde se resolveu. Foi o que nós presenceámos ainda ha poucos annos, quando vimos esses magestosos vasos de linha de systema de hélice constituindo perfeitos typos de navios para a manobra e para o vapor, realisando-se assim o problema que durante alguns annos esteve sem ser resolvido.
N'essas bellas esquadras que nós vimos começar ainda ha apenas uns doze annos, tudo era novo e admiravel, como arte e como genio. A Inglaterra, a França, a Russia, tinham preparado esquadras formidaveis, que faziam vaticinar importantes novidades na tactica naval. Mas nada d'isso aconteceu. E porque? Porque na guerra do Oriente, que então teve logar todas essas grandes esquadras, das quaes tanto havia a esperar, tiveram que estacar em frente das muralhas de granito, que a Russia lhe apresentava como ante mural que defendia as suas esquadras e os seus postos. O que se seguiu depois?! Vieram as baterias fluctuantes com muralhas de ferro para combater as fortalezas de granito. Ora o que eram essas baterias fluctuantes? Eram uns reductos destinados para uma certa resistencia occasional. Veiu depois a realisar-se o mesmo que tinha acontecido quando se estabeleceu a rivalidade entre o vapor e a véla, conseguindo-se tal resultado mediante a combinação dos dois systemas. É o que aconteceu relativamente ás couraças, pois se em sua origem eram applicadas meramente ás baterias fluctuantes, quasi sem condições de navigabilidade, a sciencia e a arte fizeram com que se combinassem as cousas de modo que a couraça de ferro podesse ser applicada ao navio dotado de todas as condições de navigabilidade.
Por consequencia, hoje póde dizer-se, que um navio que não for couraçado, não é navio de guerra, propriamente dito, para entrar em linha de batalha, porque aquelle que não tiver essa condição de resistencia não póde competir com aquelle que a tiver, e é apenas um compromettimento para um commandante, e para uma tripulação, que se sacrificaria debalde pela honra do seu paiz e da sua bandeira.
Dir-se-ha que quero d'aqui concluir que este navio, cuja acquisição se fez ultimamente, não é proprio para combater. Não é essa a conclusão que quero agora tirar, é outra; quero tirar em conclusão que d'estas grandes transformações que se operaram resultou, que os barcos de systema antigo caducaram completamente; já não são navios de guerra, porque só podem ser assim considerados os couraçados e destinados a formar a linha de batalha, ou aliás os navios de madeira, mas que por sua grande velocidade e poderosa artilheria, possam fazer uma guerra em detalhe, combatendo sem entrar em linha, e cuja tactica seja perseguir o inimigo, podendo fugir ás forças superiores. Para as estações navaes e serviços de cruzeiros, dispensam-se estes navios pois para tal genero de serviço não se exigem as mesmas condições, e por isso são preferíveis as canhoneiras, isto é, navios de menor porte, mas mais adequados a esses empregos.
Ha outra especie de navios que se usam em todas as marinhas militares; refiro-me aos transportes; e usam d'elles principalmente as nações que possuem colonias. Mas estará n'algum d'estes casos o navio comprado? É difficil que esteja, porquanto não póde ter excellentes condições de velocidade, um navio de 1:000 toneladas e 200 cavallos de força, uma vez que haja de supportar pesada artilheria; e para ser considerado um bom transporte, haveria a attender a outras condições especiaes que para isso se exigem, e que deveriam diminuir muito o seu preço. Pela tonelagem e força de machina, é um navio proximamente da grandeza da nossa corveta Sá da Bandeira; por consequencia não póde ter andamento muito superior a esta, cuja maxima velocidade não passa de 10 milhas.
Tive a honra de ser encarregado, pelo governo de Sua Magestade, de assistir em Inglaterra á collocação das machinas n'aquelle navio; já fui commandante d'elle e por conseguinte parece-me que devo ter algum conhecimento daquella corveta, que se acha agora desempenhando um serviço importante nos mares da China, e até me parece que talvez fosse o melhor dos navios que se fizeram no arsenal, por isso que não foi construido por empreitada.
Com relação ao objecto em questão, direi que é este um assumpto tão complexo, que até declaro a v. ex.ª que entro n'elle com bastante contrariedade, quando o considero em todos os seus pontos.
Ha um anno vendeu o governo inglez dez navios de guerra, não por serem velhos; um d'elles havia bem pouco tempo que tinha desempenhado a commissão importante de viajar com um principe filho da rainha Victoria; outros tinham estado recentemente no Tejo, e alguns d'elles tinham prestado serviços importantes por occasião da guerra da Criméa, outros foram construidos mais modernamente, até nos annos de 1857 e 1858.
Pois o governo inglez vendeu estes 10 navios; a saber: 4 naus, sendo 2 de hélice; e 6 fragatas, sendo 5 de hélice, tudo pela somma de 68:000 libras; isto é, um por outro á rasão de 6:800 libras ou 30:000$000 réis!
E sabe v. ex.ª porque o governo inglez se resolveu a dispor d'estes navios? Foi porque o conselho do almirantado reconheceu que aquelles navios não podiam servir para a guerra, mas só eram causa de se fazer despeza dentro dos arsenaes, e por consequencia vendeu-os por todo o preço. A venda foi feita a uma firma particular, mas não se segue que o governo britannico pozesse duvida em cede-los a qualquer nação amiga, pois ha annos a Prussia comprou alguns navios ao governo inglez, quando se occupava em transformar os de véla em navios de hélice.
Por conseguinte parecia-me que quando quizessemos fazer acquisição de um grande navio, seria preferivel aproveitar d'estas occasiões mais favoraveis em logar de ir comprar por 40:000 libras um navio de madeira que não póde ter a classificação de vaso do guerra!
Permitta-me v. ex.ª que eu chame a attenção do sr. ministro da marinha sobre este assumpto.
E certo que nós não podemos ter grandes navios couraçados, e digo isto a v. ex.ª porque em 1862 e 1863, justamente na epocha em que se operava a transformação dos grandes navios de guerra, estava eu em Inglaterra desempenhando uma commissão de serviço, como já indiquei, o tive occasião de ver essas famosas construcções que então se emprehendiam, não só para o governo britannico mas tambem para outras nações.
Em vista daquellas immensas molles de ferro, eu reconheci que o seu preço e custeio inherente devia ser, e era effectivamente, tal que uma nação pequena não poderia aspirar nunca a emprehender construcções daquelle genero, porque uma unica fragata couraçada absorvia a receita do orçamento da marinha, pois é impossivel para um paiz, escasso de recursos, adquirir navios que custam a 50:000 libras por tonelada de construcção, alem de 50 ou 60 por cavallo de força, custando ao todo 200:000 ou 300:000 libras.
Já se vê pois que uma nação pequena não póde ter navios d'esta ordem. Mas isto será rasão sufficiente para que uma nação pequena se deixe ficar com o simulacro de marinha de guerra, sem alterar o typo dos seus navios a adoptar, depois de taes revoluções na arte da guerra, e sem navios para defeza dos seus portos? Creio que não.
Lamentava eu então instinctivamente a exiguidade do nosso orçamento, e o não sermos uma nação de tantos recursos que podessemos acompanhar aquellas. Como era natural eu desejava, e diligenciei obter relações com os fabricantes e donos daquelles importantes estabelecimentos de construcção, e conseguido isto tive occasião de discorrer sobre este interessante assumpto, e devo a essa circumstancia o ter obtido desde logo explicações relativas a navios de uma ordem inferior em grandeza, mas de igual systema, construidos naquelles estabelecimentos.
Note-se porém que eu fazia isto por mera curiosidade, não estava encarregado de estudar construcções; mas sendo official de marinha, e estando n'aquella localidade e posição official, entendi que era até certo ponto um dever moral (apoiados) estudar aquella questão e interessar-me por ella, porque me parecia que quando regressasse ao meu paiz, seria cousa natural o eu ser interrogado ácerca d'esses assumptos do dia, e julgava eu conveniente empregar da minha parte as diligencias para poder dar essas informações (apoiados). Era esta unicamente a minha intenção.
Tenho aqui um officio que me foi dirigido particularmente por um proprietario de um dos maiores estabelecimentos, onde foi construido o Warrior, Minotauro, e outros, em que diz que se podem construir navios n'estas circumstancias (leu).
Por aqui se observa que uma pequena canhoneira de 700 tonelladas e 100 cavallos de força, couraçada, montando duas peças de 68, prompta a navegar, custaria proximamente 34:000 libras esterlinas.
Tambem se menciona que se o governo portuguez quizesse um navio couraçado, com duas torres, quatro peças de calibre 68, 200 cavallos de força, e 1:166 toneladas de navio de ordem corveta, custar-lhe-ia 57:000 libras.
Ora, veja-se a differença entre o preço do navio que se comprou agora, e o preço daquelles couraçados? E isto era ha quatro annos; ora, ninguem duvidará que com aquelles navios poderiamos combater contra uns poucos de madeira.
Mas não é tanto a acquisição que se fez, o que mais lamento, é que por este modo não haja occasião de sairmos d'este marasmo, porque realmente necessitamos a todo o custo de alguns navios d'aquelle genero.
Isto é o que eu lamento e que o paiz deve lamentar.
O Brazil, um imperio que foi nossa colonia, tem já feito muitos navios couraçados e nós nada fazemos.
Não podemos combater com os navios das nações do Pacifico, Chili, Perú, nem do Japão, que já têem navios couraçados, e se algum dia um navio japonez entrar no Tejo e quizer escangalhar a nossa esquadra, fa-lo-ha sem difficuldade, porque não temos navios em condições de lhe resistir.
Quando regressei de Inglaterra eu fiz parte da commissão consultiva, e tive occasião de assignar uma consulta respondendo ao quesito «de que navios se devia compor a marinha portugueza». A consulta da commissão é de novembro de 1863, e esta assignada por todos os cavalheiros que a compunham.
E o que se dizia n'essa consulta? Já ali se opinava pela construcção de dois navios couraçados d'esta ordem, porque uma vez que se gastavam 300:000$000 réis para a defeza de Lisboa, e se não se defendia ao mesmo tempo a barra, era o mesmo que fechar a janella e deixar aberta a porta.
Uma das grandes vantagens que têem hoje as nações pequenas é poderam fazer construcções de tal solidez que sirvam perfeitamente para a defeza dos portos, por isso que podem lutar com vantagem com os maiores navios couraçados, que têem muitas vezes de emprehender grandes navegações.
Mas diz-se que estamos em paz com todo o mundo; isto não é rasão. Si vis pacem parat bella. Se estamos em paz sempre com todo o mundo então façam dos navios de guerra navios de transporte ou navios mercantes, e vendamos a particulares. E o direito dos neutros? Nós vimos ainda ha pouco tempo no Tejo um facto que ahi se chegou quasi a consummar entre dois vasos de guerra, um federal e outro confederado, durante a grande luta americana; e se quizessem violar o direito do territorio neutral, o que lhe haviamos nós fazer? Haviamos presencear o desacato do offensor, sem podermos acudir ao aggredido. E V. ex.ª sabe quantas consequencias podem resultar para os neutraes da falta de cumprimento do direito de asylo? Já no seculo passado, no tempo da guerra dos sete annos, em 1756, uma esquadra ingleza perseguiu nas nossas aguas uma esquadra franceza, e nós tivemos de exigir da Inglaterra uma satisfação á França, porque desde que a neutralidade estabelece o direito de asylo, a obrigação dos neutraes é fazer respeitar esse direito, sob pena de soffrerem a guerra do que não foi devidamente defendido.
Por consequencia se estamos agora em paz com todo o mundo, o que não possuimos e um meio de fazermos com que todas as nações estejam em paz entre sr. Podem entrar no Tejo dois navios pertencentes a nações belligerantes; não podemos impedir que um insulte o outro, e temos de correr o risco de uma luta com a nação que for insultada.
No tempo da luta fratricida da America do norte sabemos o que aconteceu no porto da Bahia, onde um navio de guerra dos federaes do norte atacou o navio Florida, violando o direito de asylo, dando logar a que houvesse reclamações serias por parte do Brazil. Emfim o que é necessario e ter força sufficiente para assegurar n'um porto, como o do Lisboa, a neutralidade das nossas aguas, que nos compete manter e fazer manter a quaesquer nações belligerantes, sob pena de soffrermos contrariedades.
Haverá um ou dois annos, em julho de 1866, a commissão nomeada no tempo de s. ex.ª o sr. marquez de Sá da Bandeira para estudar e preparar os trabalhos de defeza do porto de Lisboa, foi tambem encarregada pelo sr. ministro da guerra, o ex.mo sr. Fontes, de apresentar com a possivel brevidade qualquer opinião que houvesse de emittir ácerca dos navios necessarios para a defeza do Tejo. A commissão redobrou de actividade, e não abandonou o seu empenho para dar um voto fundamentado e bem pensado, e em resultado foi de opinião ao elaborar o seu parecer que os navios aríetes couraçados ou Steam-rams, destinados a poder atacar por meio do choque, dispondo de uma facilidade nos movimentos rotatórios pelo uso do duplo hélice, dotados de velocidade, solidez e fórma adequada de talhamar, tudo no limite traçado pelas indicações da commissão, eram um meio importante e de effeito efficacissimo para a defeza dos portos.
E qual foi o resultado de todo esse trabalho consciencioso? Até agora nada temos d'aquelle genero; mas devo dizer, que segundo as condições propostas pela commissão obtiveram-se de Inglaterra por parte de alguns constructores, planos de navios d'aquelle genero. E direi a v. ex.ª que entre estes planos se encontrava um proposto pelo mesmo fabricante, que, como disse o sr. ministro, e eu acre
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dito, merece toda a respeitabilidade. Pois a tal respeito dizia elle, poder assegurar que um navio ariete, construido segundo taes indicações, merecia ser considerado por todas as nações como um perfeito instrumento de defensa e o mais formidavel até hoje construido, e que sem exagerar podia asseverar que dois ou tres navios d'aquella ordem podiam obstar a que no Tejo entrasse qualquer esquadra (leu). E quanto custava este navio? Approximadamente 90:000 libras esterlinas, preço superior ao do navio agora comprado, é verdade; mas emquanto fizermos d'estas compras nunca poderemos ter reservas para dar aquella melhor applicação, tantas vezes indicada como necessaria.
Ainda mais. O acreditado constructor mr. Laird, que tem feito navios para quasi todas as marinhas de guerra, tambem por essa occasião apresentou um plano quasi analogo, e o custo que n'elle se indicava orçava por 80:000 libras.
Por consequencia parecia-me muito mais vantajoso que, visto não podermos sempre despender quantias como esta que foi agora despendida, as aproveitássemos para comprarmos um ou dois transportes, pelo menos, a fim de estabelecermos um serviço regular para as provincias ultramarinas, fazendo-se d'este modo a conducção dos soldados e mais pessoal e material, com as condições de rapidez, com as condições hygienicas de ar e luz, e com as condições de economia, pois que d'este conjuncto de circumstancias resulta economia debaixo de muitos pontos de vista.
Todos os actuaes systemas de marinha têem um serviço de transportes.
A Inglaterra mandou construir ultimamente um numero consideravel d'elles com destino á conducção de tropas para a India e China; e ainda ha pouco vieram da China noticias da corveta Sá da Bandeira estar fundeada em Hong-Kong, pelas quaes se vê que ali passou um transporte inglez do estado com mil e tantos soldados.
Até a Italia, que imitamos em tantas cousas, já tem os seus transportes para a conducção de tropas. Esta necessidade é tanto maior nas nações que têem longiquas possessões, e isto é obvio.
Todas as nações maritimas têem este genero de vasos, e nós o que fazemos? Comprámos navios com peças que não servem para linha de combate, que não servem para a moderna guerra maritima, e não compramos navios para a conducção do pessoal e material para o ultramar.
Por consequencia, em vista dos dados que tenho, parece-me que era muito possivel para nós o fazermos a acquisição de um ou dois navios couraçados, pelo menos, nas condições que já indiquei; e acho até isso necessario para que se não diga que somos a unica nação maritima (e somos effectivamente nação maritima por excellencia) que esta privada d'este genero do navios.
Direi francamente a v. ex.ª que, andando por paizes estrangeiros nas conversações com os homens da profissão, apparece sempre como cousa natural a pergunta: «Quantos navios couraçados tem já o seu paiz?» E eu respondo sempre: uns poucos que mandámos construir ou que estão em construcção. E mudo logo do conversa! Minto sempre d'esta fórma para que me não corem as faces de vergonha, sem poder ou querer dar a rasão do facto.
É preciso que nos preparemos para a guerra na paz, e se não podemos construir navios de combate como aquelles de que fallei, façamos então outra cousa; é melhor deixarmo-nos de marinha.
Temos ahi um navio, e creio que o sr. ministro da marinha não mencionou que foi construido em Inglaterra. É a corveta Sagres, navio de 300 cavallos de força e não de 200, mil e tantas toneladas do porte, de primeira marcha, que póde jogar artilheria de grosso calibre, que custou 187:000$000 réis, e que emfim é um perfeito navio para o genero de guerra que fazia o Alabama, esse famoso navio confederado que, pela sua construcção e velocidade, podia combater navios de que era possivel tirar vantagem e fugir dos que lhe podiam fazer mal.
Esta é a guerra que mais facilmente póde fazer uma nação pequena; é uma guerra especial, contra o commercio, e com o fim de perseguir o inimigo em detalhe; mas desde que se compra um navio que não póde ter uma grande velocidade, podemos dizer que temos um navio fugitivo sim, mas coxo, que nem fugir póde.
Vou terminar, porque vejo que a camara não se interessa muito com estas questões de marinha, e dar-lhe-hei rasão pelo facto de serem tratadas por mim.
Vozes: — Ao contrario, muito bem. Entretanto eu não quero nem o mais levemente offender o melindre do sr. ministro da marinha com estas considerações que tenho feito, e esta manifestação do meu voto contra a acquisição feita por s. ex.ª, estou convencido de que s. ex.ª procedeu assim em vista das lisonjeiras informações que recebeu, mas o que sinto é que esta somma não fosse antes applicada á compra de navios em outras condições como indiquei.
Sou da mesma opinião do nobre ministro emquanto á conveniencia de comprar fóra algumas cousas que se não podem obter no paiz, nem tão boas nem tão baratas; entendo que o nosso primeiro dever n'este assumpto é procurar onde se possa obter melhor e mais barato. E por isto que eu não tenho o menor escrupulo em declarar que não me importa o ficar sempre em minoria, isto é, tenho-me pronunciado sempre contra algumas d'essas construcções que se têem feito no arsenal, contra esse systema de navios que não são nem bons navios de guerra nem transportes, e têem até certo ponto contribuido para consumir essa exigua verba destinada no orçamento para construcções.
Por suppor que a acquisição d'este navio traz o mesmo resultado, por isso a combato. Tenho concluido.
Vozes: — Muito bem.
O sr. Ministro da Marinha: — Só duas palavras para que se não julgue que eu tomo em menos consideração o que acaba de dizer o illustre deputado. Vejo que s. ex.ª não combate a acquisição do navio que ajustei senão porque na sua opinião deviamos ter antes um navio couraçado....
O sr. Testa: — Ou transportes.
O Orador: — Mas vamos aos primeiros. O illustre deputado sabe que para termos um navio, das dimensões daquelle couraçado são precisas 90:000 libras.
O sr. Testa: — Perdoe-me V. ex.ª, póde obter-se por 34:000 e 57:000 libras.
O Orador: —Realmente custa-me dizer isto, mas não me posso convencer que seja possivel obter um navio couraçado por 34:000 ou mesmo 57:000 libras.
O sr. Testa: — Isso equivale a desmentir-me.
O Orador: — Peço perdão, póde haver engano, o illustre deputado póde estar enganado; como é possivel que o preço de um navio de ferro...
O sr. Testa: — Se me dá licença aqui esta um documento para attestar a verdade do que expuz. É da mesma casa onde se construiu o Warrior e o Minotauro, e outros grandes navios couraçados inglezes. Creio que v. ex.ª não porá em duvida a respeitabilidade d'esta casa.
O Orador: — Permitta-me o illustre deputado que eu leve este documento.
(Interrupção do sr. Testa).
Não é propriamente para a camara, mas desejo-o para depois fallarmos particularmente a este respeito. Por maior ou menor preço podia obter-se um navio couraçado. O illustre deputado ha de concordar que um navio não couraçado póde effectivamente prestar muito bom serviço em -certas condições em que elles são precisos nas nossas colonias. Não é propriamente para combater com outros navios; mas para dar protecção a essas colonias, para transportar pequenas forças de um ponto da nossa colonia para outro, e esses navios servem perfeitamente para isso, não são navios de combate. Não tendo nós o numero preciso de navios, a acquisição d'aquelle que se trata foi conveniente. Diz-se que as nações vendem navios d'esta ordem. Não desminto o facto, porque elle é verdadeiro Mas essas nações vendem porque têem um extraordinario numero de navios de tal ordem. Mas não deixam de conserva-los ainda em toda a parte. Quando estive no ultramar vi que os Estados Unidos, a Inglaterra e a Franca tinham ali navios d'esta ordem. Eu fiz a acquisição de um navio de madeira não couraçado de pequena força; navio com mais força do que aquelles que temos; porque nós não temos nenhum navio couraçado. O illustre deputado devia ter prestado attenção a uma declaração que fiz, que para adquirir este navio foi preciso obter tres annos de pagamento.
Nós temos 120:000$000 réis; d'estes quando se tira a terça parte, pelo menos, para reparações e pequenas construcções do arsenal, fica para pagar um navio de 50:000 ou (30:000 libras? Não digo que não tenhamos navios couraçados. Nao quero de fórma alguma contrariar o que disse o illustre deputado tão proficientemente. Estou de accordo, abundo mesmo nas suas idéas; mas para isso seria preciso fazer como aqui se fez em tempo; isto é, pedir ao parlamento, se estiver muito disposto para isso, mas a opportunidade não me parece a melhor, que vote para o ministerio da marinha uma somma avultada e prompta para poder adquirir dois ou mais navios couraçados.
Quanto a transportes queria dizer a este respeito alguma cousa— que não me admiro que os inglezes, francezes e americanos tenham esses grandes transportes, que são grandes naus com todas as condições hygienicas, porque essas potencias têem de fazer transportes, como acaba de dizer o illustre deputado de 1:200 pessoas. Nós que não transportamos senão 200 ou 300 pessoas, evidentemente se vê que não precisâmos de grandes navios transportes.
(Interrupção.)
Seria bom que essas pessoas fossem um pouco mais commodamente; mas não creio que ellas vão mettidas no porão. Vão em navios que emfim não são tão commodos para transporte de gente, mas vão com commodidade sufficiente, não digo já d'essas dimensões que podem comportar o transporte de 1:200, 1:300 ou 1:400 pessoas, mas que possam transportar 200 ou 300; as poucas occasiões em que feriamos de empregar um navio de grandes dimensões, a grande guarnição que elle precisaria e outras circumstancias fazem-me preferir navios mais pequenos.
Eu desde que ólho para estas cousas, e tenho andado em negocios de administração do ultramar, ainda não conheci occasião em que se mandasse um golpe de gente mais avultado senão quando foi para Angola uma expedição (e ainda mal que foi!) de 600 ou 700 praças; ordinariamente o mais que se faz é render os contingentes que temos nas provincias ultramarinas de dois em dois annos, é mandar para lá ás 100 ou 120 praças, e para isto contratámos com os navios mercantes quasi sempre, o que acho muito mais vantajoso...
Uma voz: — É pessimo.
Nós estamos sempre na aspiração do melhor possivel. De certo que era melhor que elles fossem muito bem acondicionados, em grandes cobertas e com todos os commodos, mas isso havia de trazer necessariamente muita despeza.
Uma voz: — Um couraçado.
Um navio couraçado é para se bater com outro navio couraçado, não é para isto.
Portanto, o que importa registar bem é que o illustre deputado não combateu a acquisição do navio senão porque em logar d'elle queria ver comprar um couraçado, e eu digo que não deixei de ter isto em vista, mas que preferi comprar este navio a comprar um couraçado, em primeiro logar, porque não tinha os meios para comprar o couraçado, e em segundo logar porque entendo, e parece-me que isto mesmo o illustre deputado não póde negar, que este navio presta excellente serviço em as nossas colonias em muitas circumstancias.
O sr. ministro da fazenda leu e mandou para o mesa o seguinte
Projecto de lei
Artigo 1.° E o governo auctorisado a fazer crear e emittir pela junta do credito publico, até ao fim de dezembro proximo futuro, a somma em inscripções de juro de 3 por cento que for indispensavel para servir como garantia supplementar aos emprestimos e supprimentos contrahidos sobre titulos de igual natureza, ou para garantir, se for necessario, os que não tenham tido penhor até agora.
Art. 2.° Logo que seja emittida qualquer somma em inscripções por conta da amortisação concedida pelo artigo precedente, serão estes titulos immediatamente depositados no banco de Portugal, onde serão cancellados, logo que o governo reconheça ter cessado a necessidade de conceder aos prestamistas a garantia nova ou supplementar, e não podendo em caso algum ser applicada a outro qualquer fim alem d'aquelle que fica definido por esta lei.
Art. 3.° A proporção que forem emittidos os titulos a que se referem os artigos antecedentes, o governo dotará a junta do credito publico com as consignações correspondentes com seus juros.
Art. 4.° O governo dará conta ás côrtes, na proxima sessão legislativa, do uso que tiver feito das auctorisações concedidas na presente lei.
Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio dos negocios da fazenda, em 25 de maio de 1868. = José Dias Ferreira.
O sr. J. T. Lobo d'Avila: — Mando para a mesa o seguinte requerimento, pedindo esclarecimentos (leu).
E por esta occasião pedia a v. ex.ª que tivesse a bondade de» mandar recommendar á imprensa nacional que se apressasse a impressão e publicação dos documentos annexos ao relatorio apresentado pelo sr. ministro da fazenda, relatorio annual que se costuma apresentar á camara, porque são indispensaveis para podermos discutir com conhecimento de causa a questão de fazenda; são urgentes.
O sr. Ministro da Fazenda (Dias Ferreira): — Os esclarecimentos que pede o illustre deputado hão de vir com a possivel brevidade, e entre elles o relatorio que enviou ao governo a illustre commissão que tinha sido nomeada por decreto de 8 de agosto de 1866, para propor os alvitres e as reformas que julgasse indispensaveis á salvação da nossa situação financeira.
Mas para não parecer que foi necessaria a iniciativa da camara, que aliás respeito, para que viesse esse relatorio, devo declarar que expedi ordens precisas no sentido de que, publicado o decreto da dissolução d'aquella commissão, se publicasse o relatorio d'ella no Diario de Lisboa. Quanto ás actas hão de vir, se não houver inconveniente; não digo que o não haja, porque ainda não as pude ler.
O sr. Mardel: — Mando para a mesa o parecer sobre as eleições dos circulos n.ºs 153 e 155, e como n'estas eleições não houve difficuldade nem irregularidade nenhuma, pedia a v. ex.ª a dispensa do regimento para entrar já em discussão.
Consultada a camara, decidiu que se dispensasse o regimento, e posto o parecer á discussão foi logo approvado. É o seguinte:
CIRCULO N.° 153 (FUNCHAL)
Senhores. — Foi presente á 1.ª commissão de verificação de poderes"o processo eleitoral do circulo n.° 153 (Funchal).
Compõe-se este circulo de quatro assembléas, cujas actas estão conforme dispõe a lei, e attestam a legalidade d'este processo, contra o qual não ha reclamação nem protesto.
O numero real dos votos foi 1:169; maioria absoluta 585.
Obteve o cidadão Caetano Velloso Carvalhal Esmeraldo Castello Branco....................... 1:055
Recaindo os restantes votos em diversas pessoas.
Tendo pois o deputado eleito obtido sem contestação alguma a maioria absoluta, e estando em fórma legal o seu diploma, é a vossa commissão de parecer que approvada esta eleição, seja proclamado deputado o cidadão Caetano Velloso Carvalhal Esmeraldo Castello Branco.
CIRCULO N.° 155 (CALHETA)
Compõe-se este circulo de cinco assembléas eleitoraes: Porto Moniz, Prazeres, Calheta, Camara de Lobos e Canhos. N'esta ultima assembléa não houve eleição. Nas quatro o processo eleitoral correu legalmente.
Entraram nas urnas 2:046 votos, havendo uma só lista inutilisada.
A maioria absoluta era de 1:023 votos, dos quaes o cidadão João de Barbosa Matos Camara obteve 2:043 votos.
E pois a vossa commissão de parecer que esta eleição seja approvada, porque o numero diminuto de votos que poderiam entrar na assembléa de Canhos, onde não houve eleição, nada influe no resultado quasi unanime das quatro assembléas restantes; e tendo o cidadão João Barbosa de Matos Camara obtido a maioria absoluta, e estando legal o seu diploma, deve ser proclamado deputado.
Sala das sessões, 25 de maio de 1868. = José Carlos Mardel Ferreira = Alves Carneiro = Silveira da Motta.
Foram proclamados deputados os srs. Caetano Velloso Carvalhal Esmeraldo Castello Branco e José Barbosa de Matos Camara. Seguidamente, senão introduzidos na sala, prestaram juramento.
O sr. Calça e Pina: — Mando para a mesa o parecer sobre o diploma do sr. Fausto de Queiroz Guedes, eleito pelo circulo n.° 75.
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Foi approvado e proclamado deputado o sr. Fausto de Queiroz Guedes.
O sr. Carlos Bento: — Não quero demorar a resolução de negocios importantes, mas entendi que devia dizer algumas palavras sobre a questão que tem estado sujeita á apreciação da camara, e começo por declarar que para mim esta questão é uma questão de fazenda. Talvez isto seja uma illusão minha, mas parece-me que não, e creio até que a camara devia occupar-se d'ella n'este sentido; parlamentos de paizes muito mais ricos e adiantados do que nós se occupam d'ella debaixo d'este ponto de vista, ainda que rapidamente. Entre nós não é assim. Entre nós cada ministro da marinha segue as suas idéas a respeito do systema de construcções navaes. As intenções dos ministros são sempre muito legitimas, mas o certo é que por não termos tratado nem discutido o systema das nossas construcções navaes, estas muitas vezes custam muito caro e não são as melhores.
A camara preoccupa-se pouco com isso, não quer saber mesmo se com a compra de madeiras para as nossas construcções navaes se faz uma grande despeza, e se esta ás vezes é inutilisada.
Nós aqui no parlamento, repito, não discutimos nunca o systema das nossas construcções navaes; entretanto as nações que têem mais meios do que nós, discutem o systema das construcções navaes, discutem os armamentos militares, discutem a organisação dos seus arsenaes, e discutem o modo como elles estão dirigidos. Aqui não. Aqui somos bastante cavalheiros e bastante fidalgos para tratarmos destes objectos (riso).
O meu illustre amigo, o sr. Amaral, ministro da marinha, pessoa que muito respeito, prezo, e... eu não lhe faço mais declarações de louvor, porque estão muito vulgares os elogios, e eu quero fazer-lhe uma excepção para lhe fazer justiça (riso). Digo, o sr. ministro da marinha comprou uma embarcação. Não contesto a utilidade de adquirir uma embarcação. ía. ex.ª por motivos de força maior, vendo que tinha tres ou quatro navios de que não podia dispor de prompto, e que as circumstancias demandavam que tivesse ás suas ordens uma outra embarcação, tratou de a adquirir.
Não contesto essa necessidade e utilidade, não quero mesmo demorar-me n'este ponto, que é um facto consummado; mas o que quero é chamar a attenção da camara para o facto da declaração do nobre ministro quando disse: «As construcções navaes no arsenal hão de continuar e continuar com toda a actividade». Continuar como? Fazendo embarcações.
O sr. ministro da marinha disse isto, mas deve lembrar-se de que as experiencias que se fizeram no arsenal da marinha, nos não ficaram muito baratas. S. ex.ª esteve-o defendendo, e eu ataco-o por outro lado.
Peço a s. ex.ª que tenha a bondade de apresentar o relatorio ácerca das construcções, declarando qual o systema que pretende adoptar, de empreitada ou não empreitada, e quaes os meios de que dispõe.
E observo que não comprehendo como de repente, só pela vontade de um ministro, se podem resolver as difficuldades que se apresentavam e dependiam de certos elementos.
Não estavamos habilitados para fazer construcções navaes de certa ordem, e não o estamos ainda. Não é vergonha, porque a França, por exemplo, compra navios de guerra aos Estados Unidos, e porque outras nações mais adiantadas do que nós, compramos á Inglaterra e á America.
E preciso tomar uma resolução sobre este ramo importante de serviço publico, e eu espero que o sr. ministro traga á camara o relatorio a que me referi, expondo quaes são as suas idéas a este respeito.
Estou completamente de accordo com o sr. Carlos Testa, a quem tambem não faço elogios, porque os merece (riso). Os argumentos de s. ex.ª são importantes. Hoje não basta dizer que fazemos um navio de guerra barato; póde não ser um navio de guerra, e ser muito caro. Gastando réis 100:000$000 ou 200:000$000 em construcções navaes, que não satisfaçam ao fim para que forem destinadas, creio que gastamos muito.
A respeito da questão dos transportes tambem estou de accordo com o sr. Carlos Testa.
Antes de o sr. ministro da marinha entrar para o gabinete já eu entendia que não se tirava resultado para as construcções, nem interesse para o estado, da subvenção importante que concedemos a uma companhia ingleza para estas construcções; e a minha opinião era que deviamos commetter essa subvenção n'um fundo sufficiente, para dar margem sufficiente para pagar as despezas das construcções navaes e a amortisação do capital.
Não posso renegar esta idéa, que era anterior á entrada do sr. ministro, e que esta enunciada.
Esta questão é seria e importante, é questão de fazenda, como todas as outras que hão de ser submettidas á apreciação da camara.
Não tenho informações nenhumas a respeito do navio comprado, mas faço plena justiça á resolução do nobre ministro, relativamente a essa compra.
Declaro entretanto que não se póde dar um voto de confiança ao governo para as novas construcções navaes fóra do paiz, sem se saber quaes as bases sobre que assentam, e os meios que o governo tem á sua disposição para as levar a effeito.
Sem isso não posso dar o meu voto; e, para fallar com franqueza, entendo que a camara fará mal se der o seu voto.
O sr. Mesquita da Rosa: — Sr. presidente, é muito a custo que uso da palavra, não só porque muito pouco confio em mim, como pelo natural respeito que esta camara me impõe, mas como breves momentos terei de a occupar, espero que assim melhor me relevarão a fórma da minha exposição, e porventura algum erro de doutrina.
Entendo, e assim todos os livres cambistas, como principio incontroverso, que o consumidor deve ter a liberdade de buscar o mercado onde mais barato lhe venderem, assim como o vendedor aquelle onde melhor possa fazer produzir os seus generos. Se isto deve ser para o particular faculdade e direito, é para o governo, a meu ver, obrigação e dever impreterivel.
' N'esta occasião em que tanto se falla em economias, parece-me haver ainda menos rasão para que alguem se persuada que o governo não deve comprar em mercado estrangeiro o que por igual preço se não fabrique no nosso, visto que a differença não póde deixar de ser á custa do paiz, á custa do contribuinte.
O meu amigo, o sr. Fradesso da Silveira, entende, como proteccionista que é, que os governos têem obrigação de, por meio de compras em peiores condições, animar as industrias. A minha opinião é que não é esta a missão dos governos, assim como tambem é opinião minha que qualquer industria que não póde viver sem protecção é, em logar de elemento de riqueza, uma calamidade publica.
Disse s. ex.ª que na Europa central a industria progredira pela protecção. Eu podia adduzir um grande numero de exemplos para provar exuberantemente que lá fóra, assim como por cá, a protecção tem dado exactamente resultados contrarios (apoiados). A respeito das industrias que mais conheço, posso provar a s. ex.ª que a protecção não tem tido os resultados que os proteccionistas esperaram, e que têem sido um grande onus para o consumidor (apoiados).
Disse s. ex.ª que nunca os livres-cambistas se queixaram por o governo ser productor em algumas industrias, e atacar assim o trabalho nacional. Devo dizer a s. ex.ª que tambem não desejo ver o governo productor, e que não aceito que elle faça produzir caro por meios artificiaes, assim como tambem não desejo que elle queira produzir "barato por iguaes meios (apoiados).
Digo como o sr. Fradesso da Silveira, que não quero industria official. Diz s. ex.ª não ter rasão de ser uma cordoaria administrada pelo estado. O mesmo digo eu, e ainda mais, não desejo que o governo tenha imprensa nacional, que mande ensinar a cantar, que dê subsidios a theatros, que mantenha quintas regionaes, e escolas profissionaes. Não é esta a sua missão. Quero que o governo reconheça o direito que todos os cidadãos devem ter de produzir e vender pelo mais que poderem, e de comprarem o mais barato que lhes for possivel. Tudo quanto não for isto é injusto. Se um consumidor precisa de um certo artigo, e é obrigado para obte-lo a empregar quatro dias do seu esforço em logar de tres, pelo quaes lhe dariam o de procedencia estrangeira, ha aqui, segundo creio, um ataque á propriedade do consumidor.
Disse s. ex.ª querer chegar pela protecção á liberdade; e eu direi que é muito mau o caminho, e para nós que temos trinta e um annos de onerosas protecções, é reconhecidamente mau. -
O que vou dizer é talvez fóra de occasião. S. ex.ª como sei por uma proposta de um projecto de lei, de que já este anno renovou a iniciativa, diz que não póde fazer-se qualquer reducção nas pautas, sem longos inqueritos á industria do paiz. E que a escola proteccionista, conhecendo que não é recebida, e não podendo vencer a torrente da opinião, quer desvia-la ganhando tempo. Devo dizer que como vejo as cousas do lado do consumidor, e s. ex.ª sempre do lado do productor, eu entendo que só poderia ser util o inquerito que consultasse tanto este como aquelle. Como isto é impossivel, votarei contra todos os inqueritos á industria por serem falsos e despendiosos.
S. ex.ª foi presidente de uma commissão encarregada de inquirir do estado das industrias do paiz. É dever impreterivel declarar que dizendo serem falsos os inqueritos, não tive idéa alguma de offender s. ex.ª a quem tanto respeito pelo seu talento e qualidades. É evidente que só podia servir-se para o seu trabalho das informações recebidas.
Vou citar um artigo. Diz-se no inquerito a que me refiro que a industria de pannos tem só a protecção de 30 por cento. Posso afiançar a v. ex.ª e á camara, não ser verdade. Tomaram como typo e base para o calculo os artigos caros, que não produzem agora, que nunca produziram, e que supponho, a continuarem as protecções, que não produzirão n'estes trinta annos. Repito, não desejo inqueritos, porque, alem de outras rasões são feitos á custa do thesouro, que não so alimenta milagrosamente, e só tem vida pelo imposto. Ora, para quem deseja economias, a despeza é circumstancia attendivel. Além d'isto vejo no seu pedido o desejo de collocar um certo grupo de individuos em circumstancias privilegiadas, e eu rejeito sempre o privilegio. O sr. Fradesso defende os interesses dos productores; eu hei de defender sempre os do consumidor, que formam o maior numero. São estes os deveres da justiça, e o que ensina a boa rasão.
Não quero tomar mais tempo á camara. Se usei da palavra foi por que, tendo crenças velhas, manifestadas pela imprensa, e muito arraigadas, de que a liberdade é tudo, e que todos os problemas de economia social, que porventura se não possam resolver por ella, não têem solução possivel, entendi ser dever imprescriptivel protestar contra quaesquer insinuações ou objecções, que importassem censura a um ministro, que tivera a idéa de comprar em mercado estrangeiro, o que se não podia produzir no paiz nem tão bom, nem tão barato.'
Vozes: — Muito bem.
O sr. Fradesso da Silveira: — Estimo ter provocado esta questão por dois motivos principaes: um d'elles foi o ter dado logar a que o illustre deputado, meu antigo camarada e amigo, o sr. Testa, apresentasse á camara esclarecimentos importantissimos que a devem habilitar para apreciar o modo por que o governo se houve em relação ao assumpto de que se tratava; o outro motivo foi o ter proporcionado ensejo á estreia do meu collega e amigo o sr. Mesquita da Rosa, estreia pela qual eu lhe faço os meus sinceros comprimentos.
Não vinham talvez muito para o caso algumas das considerações que s. ex.ª apresentou, pois que eu, logo que annunciei a minha interpellação com a maior moderação possivel, tive a cautela de dizer que não aproveitava a occasião para vir tratar umas certas questões que mais tarde ou mais cedo hão de ser debatidas n'esta casa.
Muito de leve, e apenas provocado pelo illustre ministro da marinha, tive de dizer alguma cousa que deu origem ás observações do sr. Mesquita da Rosa. Não sei a proposito de que, mas creio que a proposito das doutrinas apresentadas pelo sr. ministro da marinha, declarou-se o proprio sr. ministro anti-proteccionista radical, manifestando assim a opinião do governo, com a qual eu não concordo..
Em presença d'isto, e respondendo a uma parte do sr. ministro, fallei eu da Europa central, e disse que estava ali o exemplo de uma grande transformação, porque um paiz essencialmente agricola se transformara pela protecção em paiz manufactor, apto para concorrer em todos os mercados com os paizes que se diziam essencialmente e naturalmente industriaes.
Diz o sr. Mesquita da Rosa que eu estou em erro, e ainda creio que não. Dizem os livres-cambistas, como s. ex.ª que a transformação ali feita, foi devida inteiramente á liberdade, e eu ainda entendo o contrario. A explicação é facil.
A transformação que elevou aquelle paiz de ser essencialmente agricola a ser industrial e ao mesmo tempo agricola, foi um effeito natural e logico do systema protector. Como se constituiu o Zollverein? Como appareceu aquella grande confederação? Como se abateram as barreiras que separavam os diversos estados, e como se explica a sua prosperidade fabril? Os partidarios da liberdade de commercio, ampla e precipitada, dizem que a explicação é facil; porque se estabeleceu a liberdade de commercio entre todos aquelles estados; e eu digo que ella é facil, porque em torno d'estes estados se levantou a barreira, que os separou de todos os outros, emquanto de tal barreira careceram.
Aquelles estados, quando tiveram de tomar uma resolução, aceitaram de entre todas as pautas, a pauta da Prussia, que era a mais alta, e augmentaram ainda os direitos. É porque a industria de então, ainda fraca, sentiu a necessidade de se reforçar por este modo. É preciso ver como aquella industria nasceu ali; é preciso notar que lhe deu vida o bloqueio continental, arma de guerra politica, que sendo perniciosa para muitos interesses, deu origem a muitas industrias, creando fabricas, no continente, que sem elle nunca teriam existido.
Em 1815 a invasão dos productos inglezes ía derribar essa industria nascente. Tres annos durou a luta; mas no fim d'elles a Prussia, apesar das reclamações da Gran Bretanha, elevava os direitos da pauta, e a industria resurgia animada pela protecção.
Veja-se a historia de Zollverein desde que se fundou a sociedade allemã até hoje, e ahi acharão todos o fundamento que eu tenho para pedir que façam o que elles fizeram, se querem conseguir o que elles conseguiram.
É por isso que eu digo que a Europa central é um exemplo, que se póde perfeitamente citar. Exportava lãs, cereaes, madeiras, o outros productos do solo; importava os productos fabricados em França, na Belgica, na Hollanda, na Inglaterra, na Suissa. E agora concorre com as primeiras nações industriaes!... Deve isto á protecção.
Peço desculpa á camara de lhe ter roubado ainda por tanto tempo a sua attenção; não devo cansa-la mais hoje, porque tem cada cousa o seu logar proprio. Gosto pouco de insistir nas questões que não levam a uma resolução, podemos ter uma discussão academica, mas o parlamento não é academia. Para outro fim nos mandaram aqui.
Tenho comtudo obtido durante esta questão diversos esclarecimentos que me são uteis, e que eu não quero deixar de os mencionar. Estava convencido até agora de que isto de estudar, indagar, inquirir era uma cousa util; estava convencido de que assim os homens d'estado se habilitavam para reger os destinos do povo; agora vou estar convencido do contrario. Os inqueritos não prestam. A Inglaterra, que nós citamos tantas vezes, e com tanta rasão, funda todas as suas resoluções importantes no estudo, e talvez seja uma tonta! Diz-se que não é possivel fazer inqueritos verdadeiros! E comtudo faz a Inglaterra inqueritos valiosos; faz a França importantes averiguações sobre todos os assumptos da governação. Nós não devemos faze-los. Para cá não prestam.
Pois esta questão que se trata aqui hoje não foi já tratada em França, em um inquerito que lá se fez? Pois não ha ali um inquerito sobre a marinha, do qual se obtiveram esclarecimentos muito uteis?
Estava eu muito enganado. Agora já estou convencido do contrario. Parece-me que bastará simplesmente aceitar uma theoria extremamente commoda e dispensa-se o estudo. Compremos os artefactos onde forem mais baratos, e dito isto esta dito tudo; não ha nada mais facil para regular os destinos de uma nação. Estabelece-se a regra, que extingue a producção. Se ha um paiz que offerece qual-qtter artefacto por preço inferior ao da nossa producção, suspende-se aqui a fabricação, e assim a pouco e pouco cessaremos o fabrico, porque difficilmente haverá producto que algum outro paiz não faça por preço menor.
Eu disse que não morria de amores pela industria official
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não gosto d'ella mas quando ella exista, quero que seja boa.
O sr. ministro declarou que as suas officinas produzem mal e caro, e eu quero que as suas officinas produzam bem e por bom preço, a fim de que possam servir de exemplo á industria particular; quero que exista n'outras condições que não sejam prejudiciaes para o paiz.
Mas eu fallava da industria official e de outras industrias. Os livres-cambistas veem passar diante de si os annuncios da industria official e não dizem nada, e n'isto não me refiro ao illustre deputado que fallou ha pouco n'esta casa, refiro-me a todos os illustres deputados que têem as doutrinas livres-cambistas, e que vendo apparecer certas industrias officiaes, aceitam o facto e ficam em silencio. Estas industrias procuram desviar a iniciativa particular, e quando chega o dia em que a têem posto por terra, vem muito contentes dizer «já não ha concorrencia». O que ha effectivamente hoje é industrias em que o estado entra, derrotando as officinas particulares, das quaes apenas ficam as minas.
Deixemos porém esta questão, e permitta a camara que eu faça algumas considerações ácerca das causas a que se deve o mau estado da nossa industria official. O sr. ministro diz que removeu as causas de atraso, etc...; mas s. ex.ª não quiz ir mais adiante, e talvez seja conveniente que não faça outras declarações. O que devo assegurar á camara é que ficarei muito satisfeito se s. ex.ª conseguir a destruição d'essas causas, porque terá por esse modo poupado ao paiz grandes sacrificios, promovendo ao mesmo tempo a prosperidade dos operarios.
Não quero cansar a attenção da camara, mas como um illustre deputado pediu a palavra quando comecei a fallar, direi mais alguma cousa a fim de que nos entendamos, e para que lá fóra se não exagerem as minhas idéas e não se me imputem opiniões que realmente não tenho.
Ha duas seitas ferozes que se combatem constantemente e que são pouco amaveis na manifestação de suas contrarias opiniões.
D'estas duas seitas uma quer a liberdade ampla e absoluta, sem nenhuma especie de restricções, sem nenhuma especie de peias; a outra quer protecção sempre de maneira que não haja concorrencia possivel. Entre estas duas seitas ha uma porção de homens que me parecem rasoaveis, que pretendem alcançar a liberdade, mas querem lá chegar como chegaram os homens praticos dos paizes mais civilisados, como vão chegando á liberdade a Inglaterra, a França, a Prussia e outras.
Quando a industria nasce, amparam-na para que ella se desenvolva, concedem-lhe protecção, e a pouco e pouco lh'a retiram agora, porque a sentem apta para lutar. Pondo-me por consequencia a par d'esta classe de homens que não é exaltada como proteccionista nem como livre-cambista, que deseja ver a pouco e pouco realisado o que outros pretendem que se faça já, não aceito responsabilidades que não me competem, apesar de tudo quanto ás minhas doutrinas imputam.
Sr. presidente, e muito commodo inventar um proteccionista, combate-lo, derriba-lo, esmaga-lo, e declarar depois que fui eu combatido, derribado, esmagado, extincto! O que eu penso esta escripto, a doutrina que sustento esta publicada. Combatam essa, não se affastem, não a evitem, não se desviem, porque respondo por ella.
Tenho por differentes occasiões visto invertido o sentido das minhas palavras e das minhas idéas, não só com relação ao ponto que acabei de indicar, mas tambem relativamente a outras opiniões economicas que tenho sustentado. Ao principio vi isso com espanto, depois cessou a surpresa; hoje estou habituado e já me não entristece a injustiça.
Ao meu illustre amigo e adversario que ha pouco fallou, peço que me combata a mim, que refute as minhas doutrinas, mas pelo amor de Deus lhe supplico, que não combata as doutrinas, que dizem minhas, porque perde o seu tempo. Não me transforme em proteccionista feroz. Seria de mau gosto imitar os que se deleitam em torcer o sentido e o fim das minhas palavras e das minhas acções.
O sr. Mesquita da Rosa: — Preciso ainda dar algumas breves explicações. Quando emitti a minha opinião sobre a liberdade do commercio, quiz demonstrar, como soube, o que era a protecção, e qual o caminho a seguir.
E opinião minha que não é possivel subitamente reduzir muito os direitos actuaes, porque muitas industrias se crearam em virtude d'elles. O que entendo é ser indispensavel que em escala descendente todos os direitos proteccionistas se vão reduzindo até se tornarem puramente fiscaes. E é preciso se faça, porque a protecção não é só má por d'ahi provir a carestia; mas tambem por incitar á creação de industrias, que não podem ser do paiz, e afastam os capitaes da propria collocação; isto é onde tivessem por si maior copia de agentes naturaes, e de dons gratuitos.
Disse ha pouco s. ex.ª que na Europa central quando viram ser opportuno acabar com a protecção foi quando as industrias estavam para isso preparadas. É preciso que s. ex.ª com quem em cousas economicas hei de estar sempre em discordancia, por infelicidade minha, note que todos os da escola do illustre deputado, em os diversos estados da Allemanha, que primeiro formaram o Zollverein, ou liga de alfandegas como o indica o seu nome, diziam, como s. ex.ª diz, agora, que ainda não estavam preparados.
E preciso tambem notar que os direitos do Zollverein, foram calculados, se me não falha a memoria, entre 12 a 14 por cento.
Disse s. ex.ª que em virtude do systema continental se tinham levantado as industrias. Peço licença para dizer, não ser exacto. A verdade é que o systema continental, creado pelo imperador, abrangia um espaço muito vasto, e assim dava occasião a uma concorrencia interna, que não póde ter um paiz de 4.000:000 habitantes.
Diz s. ex.ª que lhe attribuem opiniões que não tem, mas ao mesmo tempo diz: «querem comprar tudo fóra, mas depois não têem com que paguem». Já vê que, se por isto lhe attribuirem a defeza das mortas doutrinas da balança do commercio, não ha injustiça, porque das suas palavras deprehende-se isto explicitamente.
Deve saber o illustre deputado, porque é principio recebido hoje por todos os economistas, que a moeda é genero como outro qualquer, que obedece ás leis da offerta e do pedido, tendo só por excepção uma missão especial, por conveniencia de todos, e que finalmente os productos só podem trocar-se pelos productos.
Não sou da seita dos que querem que a pauta tenha direitos protectores, mas acho justo que os vamos limitando com reducções successiva s até chegarmos á liberdade, que é cumulativamente a justiça.
Dadas estas explicações não tomo mais tempo á camara, e peço-lhe me desculpe de ter occupado por alguns momentos a sua attenção.
ORDEM DO DIA
CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO PARECER SOBRE A ELEIÇÃO DO CIRCULO N.° 93 (CELORICO DA BEIRA)
Tomou a presidencia o sr. Costa Simões, 1° supplente.
O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Coelho do Amaral para continuar o seu discurso começado na sessão passada.
O sr. Coelho do Amaral: — Bem aziaga corre esta discussão. Dada para a primeira parte da ordem do dia, surgiram incidentes que consumiram o tempo da sessão, deixando-me apenas dez minutos. Declaro que não posso concluir dentro d'elles as observações que ainda me restam a fazer. Terei por consequencia de levar ainda a palavra para casa, e tres dias me occuparei com esta discussão.
Examinando este parecer que se discute, creio ter demonstrado pelo processo e documentos a elle juntos, que na assembléa de Santa Maria de Celorico estão descarregados nos cadernos do recenseamento 91 eleitores, a respeito dos quaes se prova não terem concorrido á eleição, uns por mortos, outros por doentes, ausentes, etc...; reunindo a estes 20, que não têem descargas nos cadernos, e deduzidos todos do numero de 746 eleitores, de que rezam os mesmos cadernos, deixam o numero real de votantes n'esta assembléa reduzidos a 635, os quaes sommados com 686, que votaram na assembléa de Fornos de Algodres, e 350, que votaram na de Cortiço da Serra, produzem a somma total de 1:671 votos, cuja maioria absoluta é 836.
Esta operação é feita por um dos cadernos que serviram da eleição de Santa Maria de Celorico. Pelo outro caderno ha uma differença de 2 votos a mais, para fazer maioria absoluta.
Para mim é-me indifferente que se faça obra por um ou por outro caderno. Mostram as actas das duas assembléas de Cortiço e Fornos de Algodres, que n'essas assembléas obteve o cidadão José de Oliveira Baptista 859 votos; e devendo ser, como já disse, o numero real dos votantes 1:671, o referido cidadão obteve 20 ou 23 de maioria absoluta, conforme for contada por um ou por outro caderno.
(Interrupção do sr. Calça e Pina que não se ouviu.)
Eu conto simplesmente os votos das duas assembléas de Cortiço da Serra e de Fornos de Algodres, os quaes me dão a maioria de 20 ou 23. Provei com a leitura do artigo 33.° da lei de 23 de novembro de 1859, que só deve ser considerado como deputado eleito aquelle que obteve a maioria absoluta do numero real dos votos em todo o circulo, e provei tambem com o artigo 103.° do decreto de 30 de setembro de 1852 que a esta camara pertence exclusivamente a decisão definitiva do quaesquer duvidas ou reclamações que se possam suscitar nas assembléas primarias ou de apuramento.
Conclui que restabelecida a verdade das eleições, e á vista das expressas e terminantes disposições da lei, e tendo o cidadão José de Oliveira Baptista obtido a maioria absoluta do numero real dos votos de todo o circulo, e sendo a camara a competente para resolver as duvidas suscitadas nas assembléas primarias e de apuramento, este cidadão tem direito a ser considerado como deputado eleito, e o deve ser, e como tal proclamado.
Combatendo a doutrina de que a camara não dá nem transfere diplomas, mostrei á face das disposições da legislação que rege esta materia, que essa doutrina era erronea, e que não podia sustentar-se em vista dos bons principios e dos precedentes d'esta camara, que se levantam contra essa mesma doutrina precedentes, uns antigos, outros de bem recente data, sendo o ultimo o que nos offereceu a eleição de Miranda do Corvo, de cujo parecer são signatarios os mesmos cavalheiros que firmam com a sua assignatura o parecer de que me estou occupando.
E para que fiquem bem assentes em bases solidas e indestructiveis os direitos que assistem ao candidato realmente eleito de ser proclamado deputado, para excluir toda a duvida, resta-me responder aos reparos da illustre commissão sobre a validade ou ingenuidade da eleição da assembléa de Cortiço da Serra, que a illustre commissão põe em duvida.
E não me faço cargo, em abono e sustentação do direito com que entendo deve ser considerado deputado e como tal proclamado o cidadão José de Oliveira Baptista, de alguns outros documentos que acompanham o processo; como são o protesto de um certo numero elevado de eleitores da freguezia da Rapa, que ali declaram ter votado no cidadão José de Oliveira Baptista, e similhantemente de alguns eleitores, da freguezia da Lagiosa, fazendo a mesma declaração, repito, não argumento com estes dados, não me aproveito d'estas circumstancias em favor da minha opinião, porque não me parecem de todo o ponto aceitaveis, porque importam a revelação do segredo do escrutinio, pelo qual eu me empenho tanto como por todos e quaesquer actos que possam tornar bem livre, bem sincera e bem verdadeira a expressão da uma.
A hora é dada; fiz apenas uma recapitulação do que tinha dito na sessão antecedente; não posso entrar na materia que me resta a percorrer; peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para ámanhã, em que terei de fazer nova recapitulação, ficando talvez ainda com a palavra para novissima recapitulação no dia immediato, se ámanhã me derem tambem só dez minutos para' discutir.
Permitta-me v. ex.ª declarar-lhe que na minha humilde opinião é um assumpto muito grave e muito importante a decisão das eleições, cujos pareceres se acham pendentes (apoiados); porque, se porventura os deputados eleitos ou os cidadãos interessados na decisão d'esses pareceres poderem alcançar da votação d'esta camara a validade das eleições, pelas quaes elles se julgam com direito a entrarem aqui, não deveremos demorar esse ingresso, porque elles têem tanto direito como nós de tomar parte nas deliberações d'esta camara, e os povos que elles podem representar têem o mesmo e igual direito áquelles que nós representâmos para terem aqui voz.
Acham-se ahi alguns cavalheiros esperando a decisão dos processos em que são interessados; e eu entendo que é não só um dever rigoroso d'esta camara, mas até um acto de cortezia, decidir quanto antes estas questões (apoiados), para que elles tomem assento ou se retirem (apoiados). E quando a camara não tem diante de si muitos trabalhos, quando não ha negocios de um interesse immediato e urgente, deverão preferir a quaesquer outros os trabalhos das commissões sobre as eleições pendentes (apoiados). Esta é a minha opinião, e entendo que será tambem a da camara.
O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que vinha para. hoje.
Está levantada a sessão.
Eram mais de quatro horas.