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SESSÃO DE 9 DE MARÇO DE 1878

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Depois da leitura do expediente varios srs. deputados pedem informações ás commissões da camara sobre negocios que estão dependentes do seu exame, e respondem por parte das mesmas commissões os respectivos secretarios. — O sr. Barros e Cunha manda para a mesa uma nota de interpellação, e declara que deseja saber qual a opinião do governo ácerca das accusações que lhe foram dirigidas quando geria a pasta do ministerio das obras publicas. — Na ordem do dia entrou em discussão o orçamento do ministerio da guerra, o qual foi approvado depois de discutidos alguns dos seus capitulos, tomando parte na discussão os srs. Pinheiro Chagas, Camara Leme, Osorio de Vasconcellos e presidente do conselho.

Presentes á chamada 36 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Braamcamp, Cardoso Avelino, A. J. d'Avila, Cunha Belem, Carrilho, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Vieira da Mota, Conde de Bertiandos, Conde da Foz, Forjaz de Sampaio, Eduardo Tavares, Cardoso de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Illidio do Valle, Barros e Cunha, J. M. de Magalhães, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Matos Correia, Correia de Oliveira, Pereira da Costa, Moraes Rego, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Bivar, Faria e Mello, Pires de Lima, Pinheiro Chagas, Pedro Correia, Pedro Franco, Pedro Jacome, Placido de Abreu, Visconde de Sieuve de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto (Alfredo), Teixeira de Vasconcellos, Antunes Guerreiro, Arrobas, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Correia Godinho, Mello Gouveia, Barão de Ferreira dos Santos, Custodio José Vieira Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, J. Perdigão, Jayme Moniz, Ferreira Braga, Vasco Leão, Dias Ferreira, Figueiredo de Faria, Namorado, José Luciano, Ferreira Freire, José de Mello Gouveia, Mexia Salema, Julio de Vilhena, Sampaio e Mello, Luiz de Campos, Freitas Branco, Cunha Monteiro, Pedro Roberto, Visconde de Carregoso, Visconde de Moreira de Rey.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Adriano de Sampaio, Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Pereira de Miranda, A. J. Boavida, A.J. de Seixas, A. J. Teixeira, Sousa Lobo, Carlos Testa, Conde da Graciosa, Francisco Mendes, Pinto Bessa, Van-Zeller, Palma, Jeronymo Pimentel, Ribeiro dos Santos, Cardoso Klerck, Guilherme Pacheco, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, Nogueira, Pinto Basto, Manuel d'Assumpção, Rocha Peixoto (Manuel), Alves Passos, Mello e Simas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Miguel Coutinho (D.), Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Abertura — ás duas horas e meia da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Requerimento

Requeiro pela secretaria de fazenda com muita urgencia os seguintes documentos:

1.º Copia do officio expedido pela direcção geral das alfandegas ao director da alfandega de Idanha a Nova, relativo á transferencia, que n'elle se ordena, de sessenta guardas da alfandega de Idanha para Portalegre.

2.° Copia da syndicancia feita ao fiscal F. Garrido, e em virtude da qual o ministro dos negocios da fazenda o transferiu de Idanha para Aldeia da Ponte. Este funccionario é o que foi ultimamente encarregado de dirigir a alfandega de Idanha, por occasião da transferencia do director d'esta alfandega.

Peço as copias requeridas com a maior brevidade, para servirem de base a perguntas que desejo fazer ao ex.mo ministro da fazenda, por occasião da interpellação que annunciei n'esta casa sobre os acontecimentos no districto de Castello Branco. = O deputado por Fundão, Augusto Maria de Sousa Lobo.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal da Vidigueira a levantar do cofre da viação municipal a quantia de 1:000$000 réis, applicando-o aos melhoramentos mais urgentes do concelho.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 7 de marco de 1878. = O deputado pelo circulo de Moura, Conde da Foz.

Enviado á commissão de administração publica, ouvida a de obras publicas.

O sr. Matos Correia: — Mando para mesa um parecer da commissão de marinha sobre a proposta do governo que tem por objecto fazer algumas alterações na carreira dos vapores dos Açores e Madeira.

O sr. Barros e Cunha: — Peço a v. ex.ª que mande expedir com a brevidade possivel uma nota de interpellação que mando para a mesa, e novamente repito que, sem desejo algum de renovar questões politicas, que considero acabadas, ha comtudo uma questão de dignidade do governo de que fiz parte, e minha no exercicio das funcções officiaes de ministro de uma das repartições do estado, sobre a qual preciso que a opinião do paiz fique completamente esclarecida.

Asseverou-se aqui que as medidas que eu tinha tomado ácerca do contrato celebrado para fornecimentos da penitenciaria central e as suas consequencias, implicavam uma expoliação feita aos individuos que tinham celebrado esses contratos e que n'elles eram partes.

Eu desejo portanto saber que providencias tomou o governo actual para reparar os aggravos praticados por mim, como membro do poder executivo, com relação a esses individuos.

Estavam presentes alguns membros do governo, e não tomaram a palavra, nem eu os accuso por isso; mas preciso pôr a questão como ella é e como deve ser.

Não posso comprehender que o logar de ministro seja, por assim dizer, um posto ao qual se ligue por ruindade de paixões politicas o credito de um homem qualquer para o inhabilitar de poder comparecer diante dos seus concidadãos, e de ter direito á estima que gosava antes de ter entrado nos conselhos da corôa.

Se por acaso é verdade que eu abusei do poder que me foi confiado, para expoliar cidadãos, para os deprimir, para os perseguir, entendo que a severidade da opinião publica me deve banir para sempre, e pôr-me na fronte o ferrete com que ella tem direito de marcar os individuos que d'esta maneira faltam ao cumprimento dos seus deveres.

Não comprehendo que pelo facto de eu ter saído do logar que occupava no ministerio, possa ter ficado absolvido da responsabilidade moral que me é imposta.

Portanto mando para a mesa a seguinte nota de interpellação.

(Leu.)

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Entre as portarias de 7 de dezembro ha uma que não foi publicada e que passo a ler.

A camara já tem conhecimento de que o procurador regio me fez saber, sem eu lhe perguntar, que nos adiantamentos feitos pela administração da penitenciaria central, ao engenheiro que tinha contratado o fornecimento das obras metallicas, havia crime punido pelo codigo penal.

V. ex.ª sabe que o funccionario publico, o ministro ou qualquer homem que exerça funcções publicas, ao conhecimento do qual chegar qualquer crime ou delicto praticado contra os interesses do estado, e que não mandar proceder contra quem o praticar, como lhe cumpre, se torna responsavel na sua pessoa e bens pela falta de providencias que tiver dado.

Em consequencia d'isso, eu expedi no mesmo dia 7 de dezembro, quando mandei cobrar o saldo de que se mostrára devedor á fazenda nacional o engenheiro João Bournay, expedi uma portaria ao sr. procurador regio, mandando-lhe as contas da liquidação, para que elle procedesse na conformidade da lei.

Posso dar conta ao paiz d'estes documentos, que vou mandar para as notas tachygraphicas, a fim de que o governo informe da mesma maneira o paiz se se deram algumas providencias para evitar que se proseguisse nas medidas que mandei ao procurador regio que adoptasse por meio do poder judicial.

A portaria é a seguinte:

«Sendo presente a Sua Magestade El-Rei o officio n.º 73 de 13 de novembro proximo passado, em que o conselheiro procurador regio junto da relação de Lisboa devolveu as contas concernentes a varios adiantamentos feitos a João Bournay em differentes mezes dos annos de 1875 e 1876 pela direcção da penitenciaria central, e que com officio de 7 de novembro de 1877 lhe tinham sido remettidos pela repartição de contabilidade do ministerio das obras publicas, commercio e industria. E considerando o mesmo magistrado, em contraposição ao parecer do seu delegado na 4.ª vara d'esta cidade, que, em face da disposição do artigo 313.° § 3.° do codigo penal, póde existir motivo para procedimento criminal: ordena o mesmo augusto senhor que o referido conselheiro, em vista da liquidação a que se procedeu, e que n'esta data lhe foi remettida, mande, em observancia dos artigos 855.° e 856.° da novissima reforma judiciaria, promover como é de direito pelo agente do ministerio publico respectivo, em vista d'aquelle artigo 313.° n.ºs 1.° a 4.° (o § 3.°) a 324.°, 327.° e 451.° do codigo penal. Quer Sua Magestade outrosim que o mesmo magistrado, considerando este serviço como muito recommendado, dê prompta execução a esta portaria, reclamando das direcções do ministerio respectivo os documentos e informações de que carecer, e dando successiva conta do seguimento que forem tendo os processos.

«Paço, 7 de dezembro de 1877. = João Gualberto de Barros e Cunha.

«Para o conselheiro procurador regio junto da relação de Lisboa».

«Confidencial reservado. — Ill.mo e ex.mo sr. — N'esta data são remettidos a v. ex.ª os papeis relativos á liquidação feita entre a direcção da penitenciaria central e João Bournay. D'elles consta a importancia dos adiantamentos a que se refere o officio de v. ex.ª n.º 73 de 13 de novembro proximo passado.

«Serão igualmente enviadas a v. ex.ª as portarias que n'esta data mando expedir, a fim de que v. ex.ª proceda na conformidade da lei, e junto com este officio achará v. ex.ª copia da resposta que dei ao recurso interposto por aquelle João Bournay ao supremo tribunal administrativo do despacho que lhe indeferiu a reclamação por elle feita para que se lhe mantivesse o contrato do fornecimento de obras metallicas para a penitenciaria, a fim de que v. ex.ª possa por ella esclarecer o assumpto nos pontos em que carecer de informação; devolvendo-mo logo que o tenha lido. Mando tirar copia dos recibos e de todos os papeis que dizem respeito a taes adiantamentos, para serem igualmente enviados a v. ex.ª sem demora.

«Quaesquer outros documentos de que v. ex.ª carecer para justificar o direito da fazenda nacional, v. ex.ª m'os requisitará directamente, a fim de lhe serem logo expedidos. V. ex.ª comprehende que, sendo este serviço de grande conveniencia publica e do maximo alcance moral, especialmente se recommenda á esclarecida attenção de v. ex.ª

«Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 7 de dezembro de 1877. = João Gualberto de Barros e Cunha. — Ill.mo e ex.mo sr. procurador regio junto da relação de Lisboa.»

Ora, v. ex.ª e a camara vêem que eu nunca tive outro intuito que não fosse o de não ligar a minha responsabilidade a nenhum acto pelo qual eu não podesse responder, como entendo que todo o funccionario publico deve responder na administração dos dinheiros e dos negocios que lhe forem confiados.

Portanto a opinião publica precisa ser esclarecida, e eu tenho irrecusavel direito para que a opinião do governo se manifeste ácerca d'este assumpto.

Ou o governo sustenta os actos que pratiquei, e n'este caso nada tenho a dizer, ou não os sustenta, e n'esse caso deve dar conta ao paiz das providencias que adoptou em contraposição das disposições que eu tinha mandado executar.

Em todo o caso junto mais documentos para se provar a minha criminalidade.

O sr. A. J. d'Avila: — Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra, sobre os requerimentos de Antonio Leitão de Carvalho, tenente de infanteria n.º 15., Carlos Nicolau Jaquier e de Serafim dos Anjos Alves.

O sr. J. J. Alves: — Pedi a palavra para instar com a illustre commissão de fazenda que dê o seu parecer sobre uma representação que os escripturarios das repartições de fazenda dos bairros de Lisboa enviaram a esta camara, creio que na sessão passada.

Pedia pois á illustre commissão que attendesse á petição d'aquelles funccionarios, porque me parece de toda a justiça.

O sr. Presidente: — Não sei se algum dos membros da commissão ouviu o sr. deputado para lhe responder.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Já no anno passado apresentei n'esta camara um projecto de lei que tinha por fim providenciar sobre a magistratura que tem de ir para os Açores e Madeira.

Este projecto foi remettido á commissão de administração civil, de que é relator o meu illustrado amigo o sr. Lancastre, e tinha por fim alterar a actual legislação que regula a promoção dos juizes que são despachados para as comarcas dos Açores e Madeira.

Desde longos annos que ha muita repugnancia nos magistrados que são despachados para as ilhas em irem para lá, não só pela distancia a que ficam da capital, mas porque estão longe da familia, e consideram as ilhas, para assim dizer, como um degredo.

O sr. Gaspar Pereira da Silva, que foi illustrado ministro da justiça em 1863, apresentou tambem uma proposta de lei que tinha por fim alterar e regular a legislação que dizia respeito aos juizes, abrindo concursos e estabelecendo ajudas de custo a todos os magistrados que, estando no continente, fossem despachados para aquellas comarcas. Tinha vantagens aquella proposta de lei, porque aberto o concurso os que tivessem maiores serviços e mais decidida vontade em irem, passavam a nova classe, e findo o praso da sua judicatura, vinham gosar no continente vantagens que de certo não obtinham cá, e as comarcas estavam sempre com juizes.

No emtanto aquella proposta não foi convertida em lei, e o meu projecto apresentado na sessão passada, existe tambem nos archivos da commissão, sem ter parecer ainda.

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Eu tenho todo o respeito e consideração pela illustre commissão de legislação civil, tenho toda a consideração e respeito por todos os seus membros em geral, e especialmente pelo sr. Lancastre, a quem o meu infeliz projecto foi distribuido. Entretanto não posso deixar de lastimar que aquella commissão ainda não apresentasse um parecer sobre este projecto, e peço-lhe que o traga com brevidade, ou no sentido que eu propuz, ou no sentido que foi proposto pelo illustre ministro Gaspar Pereira da Silva, afim de que se possa saír dos grandes embaraços que se dão sempre com respeito á nomeação dos magistrados para as ilhas dos Açores.

Todos os cavalheiros que gerem a pasta dos negocios da justiça encontram sempre difficuldade grande em acharem magistrados que vão de prompto para as comarcas das ilhas.

As consequencias d'isto são sempre tristes, ou as comarcas estão sem juizes por muito tempo, e a administração da justiça é confiada a juizes substitutos, filhos das proprias localidades, onde portanto a justiça não é ministrada como devia ser, e como seria certamente se lá houvesse magistrados de fóra, porque estes magistrados estão completamente desprendidos de todas as ligações locaes, e mais facilmente podem administrar justiça recta e imparcial ás partes, ou, se vão juizes para aquellas comarcas, estão sempre com a esperança de voltar para o continente, os seus trabalhos são insignificantes, e as partes soffrem igualmente.

Peço portanto á illustre commissão de legislação civil, já pela terceira ou quarta vez, que dê o seu parecer sobre o meu projecto, que é de interesse para todos, mesmo porque, permitta-me a illustre commissão que lhe diga, sem a menor idéa de fazer censura aos cavalheiros que a compõem, não está nas suas attribuições sustar os projectos apresentados pelos differentes deputados.

Tragam por consequencia este parecer á camara, tenham a coragem de o trazer aqui, como eu espero que terão, e d'esta maneira farão um serviço relevantissimo ao paiz e ás nossas ilhas.

O sr. Luiz de Lencastre: — Como explicação ao meu illustre amigo o sr. visconde de Sieuve de Menezes ácerca do projecto por s. ex.ª apresentado n'esta camara, tenho a dar a s. ex.ª a resposta que já lhe dei outro dia.

O projecto, que s. ex.ª apresentou na sessão passada, é relativo á magistratura, e basta isso para eu lhe ligar toda a importancia, porque tenho a honra de pertencer á magistratura. Esse projecto é tendente a melhorar a administração da justiça nas ilhas dos Açores e da Madeira.

É conhecida a grande repugnancia da parte dos magistrados em irem fazer serviço nas ilhas, e na occasião a que me referi, disse eu em resposta a s. ex.ª, que os juizes se fazem para as comarcas e não as comarcas para os juizes, mas n'essa mesma occasião disse tombem o que repito hoje do alto d’esta tribuna perante a camara e perante o paiz, e é que, assim como os juizes se fazem para as comarcas e não as comarcas para os juizes, assim tambem os juizes devem ser remunerados de uma maneira condigna e não tão pessimamente como são hoje.(Apoiados.)

É isto o que digo agora tambem.

Mas s. ex.ª apresentou aqui o seu projecto, e eu direi francamente n'este logar, porque é bom que o paiz saiba como os negocios correm na camara, o destino que esse projecto teve.

Esse projecto foi á commissão de legislação civil; na commissão de legislação civil foi distribuido a um relator, que sou eu.

Era preciso ouvir a opinião do governo, e s. ex.ª sabe perfeitamente que é ao governo que está confiada directamente a administração da justiça, e não podia deixar por consequencia de ser ouvida a sua opinião sobre um projecto que affecta de tal modo os interesses da administração do estado.

O cavalheiro que dirigia então a pasta da justiça, magistrado respeitavel, e a respeito do qual tudo quanto eu disser póde ser suspeito, attentos os laços de parentesco e de amisade que me ligam ao sr. Mexia Salema, s. ex.ª, digo, não concordava em todos os pontos com o projecto do illustre deputado; mas, entretanto, o projecto havia de ser discutido. Não o póde ser, porque foi apresentado poucos dias antes do ser encerrada a sessão legislativa no anno passado.

Estamos hoje no terceiro mez de sessão; o illustre deputado tem rasão effectivamente em se queixar de que não tenha tido parecer o seu projecto, não só pela consideração que merece o seu auctor, como pelo assumpto a que diz respeito o mesmo projecto; mas a commissão de legislação civil tem tido trabalhos importantes de que se occupar, e ainda não pôde prestar áquelle projecto a attenção que elle merece.

Hoje mesmo, porém, reune a commissão, e eu hei de apresentar-lhe o meu parecer sobre o projecto do illustre deputado, parecer que será depois apresentado á camara, se a commissão o approvar.

Eu, como disse, ligo toda a importancia a todos os projectos apresentados n'esta casa pelos illustres deputados, mas principalmente áquelles que dizem respeito á classe da magistratura, a que tenho a honra de pertencer, e que tão mal considerada é pelos poderes publicos d'este paiz. (Apoiados.)

O sr. Carrilho — Respondendo á pergunta feita pelo illustre deputado o sr. Alves, relativamente á representação dos escripturarios das repartições de fazenda dos bairros de Lisboa, tenho a declarar a s. ex.ª que a commissão de fazenda tem por esse negocio toda a consideração, e que brevemente apresentará á camara um projecto de lei sobre a materia da representação não só d'esses escripturarios, mas de todos os outros que têem requerido á camara.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Agradeço ao illustre relator da commissão de legislação civil a resposta que deu ás considerações que eu fiz, e confio em que a illustre commissão brevemente trará á camara o seu parecer sobre o projecto que eu tive a honra de apresentar.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do orçamento da despeza

Ministerio da guerra

Capitulo 1.°

Secretaria d'estado................... 45:879$435

Approvado sem discussão.

Capitulo 2.°

Estado maior do exercito e commandos militares............................ 100:307$340

Approvado sem discussão.

Capitulo 3.°

Corpos das diversas armas............. 2.702:586$145

O sr. Pinheiro Chagas: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a força do exercito seja reduzida a 18:000 homens. — Pinheiro Chagas.

Foi admittida e enviada á commissão.

O sr. Camara Leme: — Ouvi attentamente e com toda a admiração que costumo prestar ao illustre deputado, quando levanta a sua voz eloquente no parlamento.

S. ex.ª veiu tratar da questão militar a largos traços; permitta-me v. ex.ª e a camara que eu siga tambem o mesmo caminho.

Parece-me que s. ex.ª quiz lançar a responsabilidade do

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estado em que está o nosso exercito, que realmente não é o mais lisonjeiro, ao actual ministro da guerra.

S. ex.ª, tão lido na historia militar contemporanea do paiz, não prestou toda a sua attenção para o que o sr. Fontes tem feito como ministro da guerra.

Devo dizer francamente a v. ex.ª e á camara que, depois de 1834 a não ser Agostinho José Freire e barão da Ribeira de Sabrosa, não conheço realmente ministro algum que tivesse mostrado mais solicitude nem mais zêlo pelas cousas militares que o sr. Fontes. (Apoiados.)

V. ex.ª e a camara, me relevarão, se eu tambem a largos traços expozer o que o sr. Fontes fez, e o que encontrou pela primeira vez que foi ministro da guerra no nosso paiz, quando tive a honra de ser seu cheio de gabinete.

A primeira vez que s. ex.ª geriu a pasta da guerra, o que encontrou?

Depois de um grande esforço do sr. visconde da Luz, por exemplo, a arma de artilheria, que é hoje, considerada como uma das primeiras do exercito, e que seria a unica se podesse ser transportada a todos os terrenos, apenas possuia quatro ou seis baterias de artilheria do systema francez.

Peço ao illustre deputado que se informe do que existe hoje na arma de artilheria.

Temos actualmente mais de cem bôcas de fogo de campanha. (Apoiados.)

S. ex.ª achou tudo por fazer. É preciso dizer a verdade. O nobre ministro não podia de repente e em pouco tempo pôr o exercito no estado de esplendor que todos nós desejâmos.

Estou certo que s. ex.ª, permanecendo mais tempo no ministerio, havia de emprehender outras reformas importantes.

Na occasião da guerra que houve entre a Dinamarca e a Prussia, o nosso exercito ainda se achava armado com as antigas armas de carregar pela bôca, e foi por iniciativa do nobre ministro que o nosso exercito deveu o possuir as armas do systema moderno.

S. ex.ª, apesar de encontrar resistencias nas commissões encarregadas de dar o seu parecer sobre assumpto de tanta importancia, passou por cima d'essas difficuldades e dotou o exercito com armamento de carregar pela culatra; estabeleceu os campos de instrucção e manobra, instituição importante, e v. ex.ª, sr. presidente, lembra-se de certo quanto o nobre ministro foi combatido, por ter querido derramar no exercito a instrucção pratica de que tanto carece.

V. ex.ª sabe que o campo de Tancos custou bastantes contos de réis, e que tem sido quasi inutil; apenas o sr. ministro da guerra transacto mandou para ali uma brigada. Eu não conheço, em tempo de paz, outro modo de instruir os exrecitos senão por este meio, o que mereceu o elogio de um illustre general, já fallecido, que todo o paiz respeitava pelos seus altos serviços e nobre caracter: refiro-me ao sr. marquez de Sá da Bandeira.

Mas o sr. Fontes não se limitou só a estes melhoramentos para o exercito. Logo que entrou para o ministerio da guerra, s. ex.ª tratou immediatamente de nomear uma commissão de distinctos militares, com exclusão da minha pessoa, para tratar da organisação do exercito e de algumas leis organicas, taes como a lei de promoções, que eu reputo essencial. O codigo militar, que é hoje lei do paiz, foi da iniciativa do sr. Fontes, bem como o regulamento interno dos corpos, e outros melhoramentos indispensaveis para a disciplina e instrucção do exercito.

Agora, se o illustre deputado me pergunta se o exercito está nas condições de que carece, e em que era necessario que estivesse, eu concordo que não.

Realmente nós despendemos com este primeiro elemento da força publica, segundo o orçamento que está affecto á camara, para cima de 4:000 contos de réis.

A força publica em Portugal, da maneira por que é constituida, está longe de attingir uma boa, racional e economica organisação. O seu principal elemento — o exercito activo — não está convenientemente organisado para a guerra, consumindo tão importante verba na receita publica, sem que comtudo a independencia nacional esteja assegurada por um completo systema de defeza.

É notorio o que no principio d’este seculo succedeu a Portugal, que, por haver deixado caír em desamparo as suas, aliás excellentes, instituições militares, recebeu a affronta de ver entrar sem resistencia as altivas aguias francezas no territorio nacional, affronta que depois vingámos á custa de grandes sacrificios, afugentando-as de pincaro ora pincaro para alem dos Pyrinéus.

O levantamento em massa, sem exercito permanente que o auxilie, expediente para que muitos appellam, seria o mais deploravel de todos os systemas, como muito bem disse o marechal Niel no parlamento francez, opinião já escripta nos excellentes livros do illustre marechal Gouvion de Saint-Cyr.

No começo d'este seculo, como muito bem disse o illustre deputado o sr. Pinheiro Chagas, teve Portugal um systema militar tão perfeito, como aquelle que pouco tempo dopois foi adoptado pela Prussia. Essa organisação, que tanto tem sido admirada, teve origem em Portugal.

Confesso, sr. presidente, que não acredito nas allianças nem nos auxilios das nações poderosas. O exemplo da Dinamarca, que foi esmagada, apesar do seu heroismo, por duas nações poderosas, foi bem caracteristico. O meu particular amigo o sr. conde do Casal Ribeiro disse-o ha poucos dias n'um breve e eloquente discurso na camara dos dignos pares, e eu concordo plenamente com a opinião de s. ex.ª

O exercito, como está organisado, não póde passar rapidamente do estado de paz ao de guerra, principio fundamental a que deve satisfazer toda a boa e racional organisação militar, e para o qual eu chamo a attenção dos poderes publicos.

A reserva é diminuta e não tem a conveniente organisação.

Não é só urgente e necessario organisar o exercito nas condições expostas, é indispensavel ainda infundir-lhe o espirito militar que tem perdido e que constitue a sua principal força.

O systema militar que elevasse rapidamente o exercito ao pé de guerra, sobretudo em relação á arma de infanteria, que attendesse á instrucção pratica e theorica do todas as armas, onde, por successivas graduações se passasse desde o ensino individual até ao collectivo, seria aquelle que mais conviria adoptar.

Sem isto, qualquer despeza que façamos com esta tão util instituição é improficua. (Apoiados.)

Mas, se ainda não chegámos a esse estado de perfeição, a responsabilidade não cabe ao sr. Fontes, porque s. ex.ª tem tratado constantemente de elevar o exercito a esse grau de aperfeiçoamento a que é instante eleval-o.

O illustre deputado que me precedeu, lembrou muito bem as nossas instituições antigas; e realmente pena foi que essas instituições militares deixassem de existir, porque na organisação de 1806 feita pelo conde de Lippe lá estava implantado o serviço obrigatorio.

Essas nossas instituições militares, tirando-lhe o caracter feudal, seriam as mais proficuas.

Mas o espirito do povo não está ainda bem compenetrado d'essa utilidade; e provavelmente é o que assusta os governos; porque v. ex.ª sabe perfeitamente que a estes melhoramentos se oppõem idéas que estão inveteradas no espirito publico, e que só o tempo e a discussão podem apagar.

Eu sou muito apologista do serviço obrigatorio. Em 1862 apresentei aqui um projecto onde vinha consignado esse principio equitativo, justo e que imprime nos exercitos o caracter nacional. Projecto que não foi attendido, porquanto a iniciativa do deputado é quasi sempre nulla.

Hoje o serviço obrigatorio não póde ser contestado. Está

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estabelecido em quasi todas as nações da Europa, e se elle é necessario para os paizes grandes, eu reputo-o indispensavel para os paizes pequenos como Portugal.

E quer v. ex.ª saber a opinião de um illustre militar, a quem ainda agora se referiu o sr. Pinheiro Chagas, o barão Stoffel, antigo addido militar na Prussia, a respeito do serviço obrigatorio, quando trata de expor o estado da organisação militar franceza e o da organisação prussiana, indicando os defeitos que encontrava na organisação do paiz que representava?

Eis aqui o que elle diz:

«A Prussia apresenta o mais bello exemplo de justiça pela applicação do principio do serviço obrigatorio para todos os cidadãos, principio sobre o qual se firmam as suas instituições militares. Como se póde querer comparar a organisação militar prussiana, fundada em um principio tão justo e tão fecundo nas suas consequencias, com a organisação franceza, que tem a nodoa odiosa da substituição por dinheiro, causa de desmoralisação para o exercito e para a nação?... São graves os perigos d'este funesto systema.»

Dizia isto aquelle illustre militar, e pouco mais ou menos por essa occasião expunha o marechal Lamorcière no parlamento francez, que a substituição por dinheiro não era mais que comprar um diploma de cobardia.

Já v. ex.ª vê, sr. presidente, que a minha opinião e as minhas aspirações são tambem pelo serviço obrigatorio, que alem das vantagens que apresenta, quebra na mão dos governos a arma eleitoral, que tanto prejudica o recrutamento e as suas regulares operações.

O recrutamento, como muito bem diz um moderno esoriptor militar, é para o exercito o mesmo que a nutrição é para o corpo humano. Quando a nutrição não é sã e abundante o corpo definha e morre.

Depois de 1834 temos tido varias organisações.

Tivemos uma organisação em 1834, outra em 1837, outra em 1842, outra em 1849, outra em 1863, outra em 1864 e outra em 1865. Algumas d'estas organisações foram até feitas em virtude de auctorisações concedidas a alguns governos do partido historico, e v. ex.ª e a camara sabem perfeitamente quaes os seus resultados.

As organisações depois de 1834 têem sido só feitas conforme as sympathias que uma ou outra côr politica tem por esta ou por aquella arma.

Póde portanto dizer-se que não temos hoje organisação militar, nos limites em que esta se deve forçosamente entender; pois nenhum paiz póde aspirar á honra de dizer que possue tal organisação, se não estiver habilitado para manter no interior a sua segurança e para se valer de todas as forças vivas de que podér dispor.

É exactamente no tempo de paz que nós podemos cuidar das cousas militares, seguindo o aphorismo muito sabido do illustre marechal Jomini, que diz «que os exercitos preparam-se na paz para servirem na guerra».

Eu entendo que se podia talvez começar por implantar entre nós o principio do serviço obrigatorio, elevando um pouco mais o contingente do exercito, e que os soldados que não fossem precisos para preencher as vacaturas do exercito fossem licenciados para a reserva, depois de adquirirem a conveniente instrucção nos corpos de infanteria.

Eu desejaria que á imitação do que fez a Prussia, das infelizes campanhas de 1806 e 1807, perdendo a Grande Polonia e tudo quanto possuia na Westphalia e na Franconia, e ficando reduzida á metade do seu territorio, vexada pelas duras condições que lhe impozera o vencedor de Iena e de Eylau, ameaçada de uma aniquilação completa, organisou um exercito forte com os restos do que tinha sido derrotado.

Frederico Guilherme III incumbiu este trabalho ao general von Schanrhorst.

Para illudir o tratado de Tilsitt, recentemente celebrado e a fim de preparar para a guerra um grande numero de cidadãos, sem despertar as suspeitas da Franca, adoptou o systema de recrutamento proposto por Krumper, o qual consistia em fazer succeder sem interrupção os contingentes uns aos outros e em licenciar as recrutas apenas terminavam a sua instrucção militar, o que permittiu completar, em principios de 1813, os quadros dos corpos.

Depois de pouco mais de meio seculo, veiu a Prussia vingar nos campos de batalha de Sédan e Metz as humilhações por que tinha passado nos campos de batalha de Iena e de Eylau, com usura nunca vista nos annaes da historia militar de todas as epochas.

Eu tomarei a liberdade de chamar a attenção do nobre ministro da guerra para o que acontece em outros paizes pouco mais ou menos como o nosso.

A nota que vou ler é tirada de um auctor muito illustrado e que tem grande reputação na Europa; traz a relação das populações com os exercitos permanentes, e por onde se vê que paizes que têem populações inferiores á nossa, sem maiores recursos, conservam comtudo exercitos muito superiores e com bellissimas organisações.

A Belgica para uma população de 4.000:000 de habitantes tem um exercito de 40:000 homens em tempo de paz e 85:000 em tempo de guerra.

A Dinamarca para uma população de 1.700:000 habitantes tem um exercito de 38:000 homens em tempo de paz e 60:000 em tempo de guerra.

A Hollanda para uma população de 3.500:000 habitantes tem um exercito de 62:000 homens em tempo de paz e 90:000 em tempo de guerra.

A Suissa para uma população de 2.500:000 habitantes tem um exercito activo de 85:000, uma reserva, sem ser no papel, de 45:000 homens. Com a landwehr perfaz 160:000 homens.

Na Prussia em 1688, epocha da morte do grande eleitor, a força do exercito era de 29:000 homens, sobre uma população de 1.500:000 habitantes. Em 1786 a 1808 tinha esta nação um exercito de mais de 200:000 homens para uma população de 8.500:000 habitantes.

O exercito em Portugal é muito inferior em comparação com estes dados estatisticos!

Não é só em relação á organisação militar, pelo que respeita á organisação da reserva, que ha a tratar; o nosso exercito reclama tambem as attenções do sr. presidente do conselho de ministros para outros pontos, a alguns dos quaes s. ex.ª já tem dispensado a sua reconhecida iniciativa.

Vou fallar, por exemplo, a respeito da instrucção do exercito, e como sempre é bom que se saiba como as cousas passam no nosso paiz, direi que a respeito da instrucção do exercito, o sr. ministro da guerra encarregou uma commissão composta de officiaes muito distinctos, a que pertenceu o sr. Latino Coelho, e a que pertenceram outros distinctissimos militares, sem me incluir eu n'este numero, para elaborar um trabalho n'este sentido, e a mesma commissão desempenhou-se muito bem d'esta difficil tarefa.

Este projecto foi estudado debaixo de todos os pontos de vista, respeitando-se o principio da antiguidade.

Era um projecto realmente muito bem elaborado; o seu relatorio foi redigido por um dos primeiros talentos do paiz, o meu particular amigo, o sr. Latino Coelho, e é um primor de linguagem.

O sr. Fontes, depois da commissão lhe apresentar o seu parecer, deixou os conselhos da corôa. Succedeu a s. ex.ª o sr. marquez de Sá, que tinha tambem a peito a defeza do paiz, cabendo ao sr. Fontes inaugurar tão importantes trabalhos.

Este projecto foi convertido em lei a 10 de dezembro de 1868, e pouco depois, não sei porque conveniencias politicas, foi suspensa, por um simples aviso na ordem do exercito; essa lei, que estabeleceu certos principios, taes como tempo de serviço, moralidade, idade, aptidão physica e aptidão militar, ficou em esquecimento.

Sinto não ver presente o illustre deputado o sr. Luciano

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de Castro, que no outro dia fallou aqui sobre a grande verba em que importam os reformados — e que realmente é elevada — para dizer a s. ex.ª que do abandono d'aquelle projecto o do mau systema de despachar alferes com mais de trinta annos de idade, é que a despeza d'aquella classe se torna excessiva em relação com a força do exercito. As inspecções de saude no acto da promoção, estabelecidas n'aquella lei, ficaram letra morta. Mas esta iniciativa pertence ao sr. Fontes.

Eu ligo grande importancia á illustração do exercito, que pelas condições da sua pequenez, para supprir a falta de numero, mais necessidade tem de ser, quanto possivel, instruido e disciplinado.

O principio estabelecido, de que a cada funcção do serviço publico deve corresponder uma certa habilitação, não póde ser dispensado na nobre carreira das armas porque seria retrogradar aos tempos primitivos, em que a pratica menos esclarecida dispensava todo o auxilio da luz intellectual.

Os exercitos mais exemplares na disciplina e na instrucção são exactamente aquelles em que a sciencia preside a todas as operações militares, desde o fabrico do seu material de guerra até ás mais altas concepções estrategicas e tacticas.

N'aquelles exercitos os louros da victoria abraçam-se com as palmas da intelligencia, o vigor do entendimento convive com os brios do coração.

Em Portugal, as difficuldades dos tempos têem obstado á organisação moral de muitos serviços publicos, consentindo apenas que alguns fundamentos, ainda desconnexos, se lançassem, para sobre elles se estabelecer a illustração do exercito. As suas antigas, mas providentes leis de accesso, foram esquecidas, prevalecendo ainda o receio do patronato aos justos preceitos que regulavam tão importante objecto.

Da illustração e da pericia de um general, depende muitas vezes a sorte de uma nação, como a historia antiga e moderna nos apresenta tantos exemplos.

Não quero alongar mais este debate; mas permitta-me a camara que eu ainda me occupe em fazer breves considerações, porque reputo este assumpto da maior importancia, e peço á camara que dispense toda a sua attenção, não para mim que sou o mais humilde dos seus membros, mas para o assumpto em si, que é grave e importante.

O sr. Ministro da Guerra: — Apoiado.

O Orador: — Repito, permitta a camara que em breves palavras faça varias considerações ainda a respeito de differentes elementos constitutivos do exercito, e começarei, por exemplo, pelo corpo de estado maior, cuja situação é realmente muito precaria, em relação ao accesso relativamente ás outras armas; assumpto para o qual chamo a attenção do meu illustre amigo o sr. Fontes.

O corpo de estado maior é em todos os paizes do mundo considerado como um dos primeiros elementos do exercito. V. ex.ª sabe que as grandes victorias alcançadas pela Prussia, na ultima guerra que houve entre esta nação e a França, foram devidas á pericia do seu corpo de estado maior, considerado por Jomini como a salvaguarda de um exercito; sendo para elle o que um ministro habil é para um estado; a quem um moderno escriptor chama as rodas da machina destinada ás operações militares, e que outros consideram como os olhos e as pernas dos generaes.

Os menos lidos nas cousas militares suppõem que esta instituição, que já mereceu grandes cuidados da parte de Napoleão I, só começou a existir depois da iniciativa do illustre general de Lescy, e que foi creado em França em 1766, dando-se-lhe melhor organisação em 1790 e em 1818.

Mas nós devemos ter a grande gloria de que já em Portugal, no tempo de D. João IV, existia em embrião um corpo de estado maior, denominado a primeira plana da côrte, que não vinha a ser outra cousa senão a escolha dos officiaes mais distinctos e mais capazes de se poderem occupar d'este importante serviço militar.

E tão importante é elle, que foi exactamente por causa das faltas do corpo de estado maior francez que nós alcançámos a memoravel victoria do Bussaco.

O estado maior francez não avaliou devidamente a importancia dos pontos occupados pela nossa linha; lord Wellington tirou todo o partido d'este facto, e nós alcançámos aquella brilhante victoria.

E quantos outros exemplos não podia eu mostrar á camara de batalhas perdidas pela incapacidade d'esta tão util instituição!

É o estado maior hoje em todos os paizes bem organisados exactamente o corpo que tem mais accesso. É o que acontece actualmente no imperio allemão, em que um grande numero de generaes pertencem ao corpo de estado maior.

S. ex.ª sabe perfeitamente que hoje na Prussia o corpo de estado maior tem uma organisação especial, e que ella é talvez a melhor organisação d'este elemento que se encontra em toda a Europa.

S. ex.ª sabe perfeitamente que em toda a parte se trata com o maior cuidado d'este assumpto; e actualmente em França o illustre general Canrobert preside a uma commissão encarregada de apresentar uma reforma d'este importante elemento dos exercitos.

Eu já não queria que o nosso corpo de estado maior tivesse um accesso superior a qualquer das outras armas especiaes, como acontece em muitos outros paizes; o que desejava era que pelo menos esse accesso se approximasse quanto possivel do accesso que ha nas armas scientificas.

É para isto que eu chamava a attenção do meu illustre amigo o sr. Fontes Pereira de Mello.

Comparando a proporção dos officiaes superiores das differentes armas especiaes do exercito, isto é, a de engenheiria a de estado maior, e a de artilheria, o que concluimos nós? É que para o corpo de estado maior é de 0,55; para a engenheria é de 0,67, e para a artilheria é de 0,63.

Sabe v. ex.ª o que resulta d'aqui? Resulta que ha capitães hoje no corpo de estado maior que são alferes mais antigos do que outros que estão já coroneis na arma de engenheria e na arma de artilheria.

(Áparte do sr. ministro da guerra.)

Bem sei que isto não é a reforma do exercito. É unicamente mostrar que existem estas grandes desigualdades, para as quaes ue tomo a liberdade de chamar a attenção de s. ex.ª

O sr. ministro da guerra sabe perfeitamente quanto é desagradavel para um militar ver que camaradas seus mais modernos estão coroneis, emquanto elle permanece no posto de capitão.

Eu creio que o sr. ministro da guerra tem a intenção de melhorar a situação precaria em que está o corpo de estado maior, como parece de inteira justiça e equidade.

Em conformidade com estas idéas, eu tive a honra de apresentar na sessão passada n'esta casa do parlamento um projecto ácerca do corpo de estado maior, pugnando mais pelos principios, porque o que estabelece os quadros dos corpos não é o accesso, são as necessidades do serviço calculadas para tempo de guerra; e se para a racional defeza do paiz, como propoz Gomes Freire, são indispensaveis tres corpos de exercito, está claro que cada corpo de exercito não póde ter menos de duas divisões; cada uma das quaes necessita dois officiaes superiores, como chefes e sub-chefes de estado maior, alem dos que pertencem áquella grande unidade tactica, o que produz o numero de dezoito officiaes superiores; quadro inferior á organisação de 1864, a qual em virtude da febre das economias do sr. bispo de Vizeu foi annullada.

O meu projecto já teve parecer favoravel da commissão de guerra, está affecto á illustre commissão de fazenda, que até agora não tem dado parecer a seu respeito assim como de outros sujeitos á sua apreciação, e um d'elles é relativo

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á reforma dos generaes de brigada, excluidos da lei geral.

Hoje um general de brigada não se póde reformar com menos de quatro annos de serviço n'esse posto. É principio que podia ser justificado na transição da lei que estabeleceu o generalato por armas, mas agora não tem rasão de ser.

A illustre commissão de fazenda não tem direito a pôr veto nos projectos que são submettidos á sua apreciação, como acontece a quasi todos os pareceres da commissão de guerra a que tenho a honra de pertencer.

A camara é que tem esse direito, competindo-lhe rejeital-os ou approval-os.

Na ordem dos elementos do exercito, chego á artilheria, mas a artilheria é uma das armas para que o sr. ministro da guerra tem dirigido as suas attenções e que realmente tem já melhorado bastante.

Depois segue-se a arma de cavallaria; e ácerca d'esta arma devo dizer que todas as organisações desde 1834 a têem deixado em mau estado.

Se a cavallaria hoje não é já essa arma terrivel com que Epaminondas derrotou os espartanos e Murat derrotou os fortes quadros russos, austriacos e prussianos, tem comtudo que desempenhar um papel importantissimo na guerra.

Lembrarei ao sr. ministro da guerra a conveniencia de crear uma escola para esta arma, que sem ser o antigo deposito de cavallaria, lhe imprima a instrucção uniforme de que tanto carece.

Segue-se a arma de infanteria.

De todos os elementos que constituem os exercitos e de certo a infanteria o que fórma a sua principal base.

As victorias alcançadas nas memoraveis campanhas do Turenne, Frederico e Napoleão, foram attribuidas em grande parte á excellencia da sua infanteria, e a Historia militar nacional não é esteril sobre o assumpto.

Já n'este seculo, a intrepida infanteria portugueza, ao lado dos inabalaveis batalhões inglezes, na Peninsula, contribuiu assignaladamente para gloriosas victorias.

Se algumas nações adquiriram celebridade na guerra, attribuida á infanteria dos seus exercitos, outras houve que deveram a sua ruina á total decadencia d'esta arma.

Ha pouco tempo no parlamento francez, dizia o general Lewal, uma das primeiras illustrações militares do seu paiz, fallando a respeito d'esta arma, que «uma das causas da decadencia do exercito francez era devida a pouca consideração dispensada á infanteria; que nunca se procurou elevar esta arma, a mais numerosa, a mais util, a unica que póde dispensar as outras, e que este injusto procedimento é um grande erro que deve ser emendado».

Eu peço ao illustre ministro que o emende com a sua rasgada iniciativa e reconhecida intelligencia, quer na sua constituição, quer na sua instrucção e accesso.

O illustre ministro sabe perfeitamente que emquanto os nossos batalhões de caçadores têem oito companhias, na infanteria os batalhões têem quatro companhias!

Hoje o principio adoptado em todos os paizes é para organisar batalhões de quatro companhias e considerar mesmo a companhia como unidade tactica, organisação adoptada na Allemanha, onde uma companhia tem perto de duzentas praças em tempo de guerra.

Consta-me que o sr. ministro da guerra transacto nomeou uma commissão para tratar d'este assumpto, e creio que a commissão apresentou áquelle illustre ministro um trabalho muito acceitavel fundado, n'outro da commissão nomeada pelo sr. Fontes.

Muitas outras considerações podia eu fazer sobre o assumpto, se não receiasse abusar da benevolencia da camara; mas não posso deixar ainda de chamar a attenção de s. ex.ª o ministro da guerra para o armamento e equipamento, da nossa infanteria, e principalmente para o armamento que eu reputo inferior ao que adoptou a infanteria hespanhola; basta para isso considerar que a espingarda Remington tem 11 millimetros de adarme, emquanto a nossa tem 14 millimetros. Aquella tem mais alcance do que esta, sem ponderar outras particularidades technicas que seria fastidioso expôr a camara. Eu tomaria a liberdade de lembrar a s. ex.ª a conveniencia de estudar uma nova arma inventada na America do norte, do systema Winchester, muito apreciada no jornal das sciencias militares de França, bem como aquella que foi adoptada para o exercito inglez.

Ainda duas palavras ao sr. Pinheiro Chagas a respeito da proposta que mandou para a mesa, e que parece estar em desaccordo com as idéas que brilhantemente expendeu. Quanto menos força tiver o exercito, mais difficuldade haverá para a sua intrucção. S. ex.ª sabe perfeitamente que uma grande parte do exercito é destinada á policia do paiz, e que os corpos reduzidos a esqueleto não se podem instruir convenientemente. Se tivessemos uma guarda civil, como já o partido a que tenho a honra de pertencer propoz no parlamento em 1867, então a proposta do illustre deputado podia ser attendida.

Não quero fatigar a attenção da camara, alongando-me em mais considerações, e por isso vou concluir, fazendo votos pela prosperidade do exercito, e para que elle chegue a um grau de prosperidade tal que venha a ser podoroso elemento de civilisação na paz, e efficaz auxiliar na guerra, confiando para isso plenamente no zêlo e na illustração do nobre ministro da guerra, que tão solicito se tem mostrado sempre nos assumptos militares a seu digno cargo. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Ministro da guerra (Fontes Pereira de Mello): — Peço licença a v. ex.ª, sr. presidente, e á camara para dizer algumas palavras sobre o orçamento em discussão, porque não me é licito ficar silencioso quando se faz referencia a negocios que estão directamente a meu cargo.

Um dos illustres deputados, o sr. Pinheiro Chagas, apresentou á camara varias observações que merecem certamente uma resposta immediata da minha parte, mas antes julgo do meu dever agradecer a s. ex.ª e ao sr. D. Luiz da Camara Leme, as phrases benevolas que se dignou proferir a meu respeito.

Direi comtudo a v. ex.ª e á camara, que a minha modestia não vae tão longe, que não deva esperar dos meus compatriotas a justiça de me considerarem como um d'aquelles que com verdadeira dedicação estudam o serviço publico, applicando todas as suas faculdades a desinvolver e melhorar as instituições que estão confiadas á sua direcção. (Apoiados.)

Se as minhas faculdades são limitadas e exiguas, ninguem póde duvidar da minha boa vontade. (Apoiados.) Se porém alguem na minha presença mostrar duvidas a esse respeito, a minha modestia não irá até ao ponto de me confessar muito obrigado.

Folguei de ouvir ao illustre deputado meu antagonista, e talento privilegiado, pugnar em frente dos representantes do paiz pela elevação, melhoramento e desenvolvimento de uma grande instituição, como é a do exercito, e pela qual hoje em quasi toda a parte se afere a grandeza das nações, e o estado da sua civilisação. E não é só pela força numerica dos exercitos, nem pelo numero dos seus canhões, mas, como disse o illustre deputado, pela organisação da força publica, sua instrucção e disciplina. Pela altura a que tiver chegado, se prova evidentemente o grau de civilisação que tem attingido o paiz a que elle pertence. (Apoiados.)

Folgo portanto todas as vezes que ouço preconisar, aconselhar e apostolar os grandes principios por homens tão distinctos e talentosos como o illustre deputado.

Insistiu s. ex.ª mais uma vez sobre a necessidade de se adoptar o serviço militar obrigatorio.

Nunca contestei a conveniencia, nem a perfectibilidade relativa do serviço militar obrigatorio, sobre todos os systemas que se podem seguir.

Parecia-mo porém, que o nosso paiz não estava preparado

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para o receber; e quando dizia isto, não queria afastar difficuldades, nem destruir atrictos, mas queria governar como governam todos os homens publicos, com o paiz, com a opinião publica e com a verdade,e não ir bater contra uma muralha, que eu sabia que me havia de derrubar sem que conseguisse resultado algum util para a minha patria. (Apoiados.)

Applaudo-me, pois, quando vejo os homens talentosos, os que estão destinados a dirigir as multidões com a sua palavra eloquente e apaixonada, apostolar e fazer propaganda de uma idéa que acho justa, porque podem concorrer para a fazer implantar no nosso paiz.

Creio mesmo que a corrente da opinião vae tomando outra direcção, e que as idéas estão profundamente modificadas a esse respeito. Tanto se tem fallado e escripto sobre a conveniencia de se estabelecer o serviço militar obrigatorio, que a opinião se vae dirigindo no sentido de o poder receber sem repugnancia. (Apoiados.) Noto porém aos illustres deputados que o serviço militar obrigatorio tem duas partes, ou póde considerar-se debaixo de dois aspectos.

Em primeiro logar o serviço militar obrigatorio é uma instituição democratica, e em segundo logar é uma instituição que póde desenvolver enormemente, relativamente fallando, as forças de qualquer paiz.

Póde por consequencia considerar-se debaixo do ponto de vista politico e debaixo do ponto de vista militar.

Eu acceito-o em ambos os campos, mas receio, peço ao illustre deputado que tome nota do que vou dizer, que quando o serviço militar obrigatorio for uma verdade e não uma palavra sonora que se pronuncia, ou se escreva sobre o papel, receio digo, que muitos d'aquelles que pedem incessantemente o serviço obrigatorio, venham depois pronunciar-se contra elle. (Apoiados.)

Declaro a v. ex.ª que se me resolver um dia a apresentar este systema, elle ha de ser posto em pratica de modo, que dê o verdadeiro resultado, como dá em outros paizes, de collocar o nosso em circumstancias de se poder defender.

Este é que é o serviço militar obrigatorio, e desde já peço ao illustre deputado o auxilio da sua palavra eloquente, para quando combaterem este systema de serviço, porque estou quasi certo que o hão de combater n'esta casa.

A maior parte dos que estudam estes negocios não vêem no serviço militar obrigatorio senão o desapparecimento dos favores ou dos privilegios que são inherentes aos homens mais favorecidos da fortuna.

Estou perfeitamente de accordo; entendo que todo o cidadão deve ser obrigado a pegar em armas para defender a sua patria; porque é o primeiro de todos os deveres sociaes, depois de defender a sua familia, o seu nome e o seu pae.

Não posso portanto ter duvidas a este respeito.

Mas é necessario que a organisação se estabeleça de modo que os serviços publicos, as artes, as industrias, a agricultura e toda a actividade humana que se reclama n'um paiz civilisado, não fique esterilisada por causa do serviço obrigatorio. Este é o ponto a que é necessario attender.

Nós não estamos no tempo em que as nações viviam só da guerra e para a guerra. Hoje vive-se da paz e para a paz. A guerra é a excepção, não póde ser o estado normal de um paiz.

Ouvi com grande satisfação o illustre deputado referir-se eloquentemente, como sempre, á nossa organisação antiga, áquella que nos fez grandes nos campos de Aljubarrota, Montes Claros, e tantas victorias com que ella honrou a nossa historia patria; mas não nos illudamos, é preciso descer ao campo pratico, e não fazer eloquencia.

O illustre deputado disse, e disse muito bem, que a idéa nova mata a idéa antiga; mas essa idéa nova exige por tal modo uma organisação tão adstricta aos principios de subordinação, de disciplina e de serviço militar dos exercitos

permanentes, que não nos podemos lisonjear de que qualquer instituição que de longe se pareça com as instituições antigas póde satisfazer ás necessidades modernas. (Apoiados.)

Hoje não é com milicias organisadas á ultima hora, ou mesmo largamente organisadas, não é com as nossas antigas ordenanças que nos podemos defender.

Hoje a espingarda de agulha, que dá seis, sete e oito tiros por minuto, e o canhão de carregar pela culatra, que tem uma certeza e um alcance de que não se fazia idéa, vieram modificar completamente as idéas da antiga tactica e os meios de defeza que noutro tempo existiam. (Apoiados.)

Para fazer a guerra não ha, pois, senão os exercitos permanentes com reservas organisadas (Apoiados.), que possam entrar rapidamente nos quadros quando se faça a transformação do pé de paz para o pé de guerra (Apoiados.); mas todos sujeitos ao serviço militar de uma só especie. (Apoiados.)

Eu sei perfeitamente que o illustre deputado conhece estas questões com muita proficiencia, mas por dever de posição devo dar estes esclarecimentos á camara e ao paiz, para que se saiba conhecer bem o systema de que se trata.

Isto é assim; assim é que é efficaz, assim é que eu o quizera, mas querel-o-ha a camara, querel-o-ha o paiz? Não sei.

O illustre deputado disse que não é na occasião do perigo que um paiz se prepara para a guerra.

É assim. Hoje ninguem se prepara para a guerra na occasião do perigo, porque a organisação do exercito depende essencialmente de intituições que carecem de tempo para serem estabelecidas e organisadas convenientemente, e que se não póde fazer rapidamente.

O tempo é que completa essa organisação.

Assim o fez a Prussia, assim o está fazendo a França, a Austria e a Russia, emfim todas as nações que adoptaram este systema.

Ha comtudo algumas nações da Europa, que julgaram e entenderam que não deviam adoptar o serviço obrigatorio.

A Hespanha não seguiu este systema, apesar de o ter decretado, e a Belgica não quiz acceitar o serviço obrigatorio, e tanto que houve n'esse paiz uma crise politica por esse motivo, e temos a Inglaterra que segue uma organisação especial e o systema antigo.

Entretanto eu reconheço que não ha defeza efficaz e effectiva para um paiz senão com uma organisação fundada n'este systema.

É necessario que todos os homens passem pelas fileiras; mas, apesar da boa vontade com que os politicos das nações mais adiantadas, que estabeleceram primeiro esse systema, têem querido tornal-o democratico, lá vae a idéa inevitavel de introduzir os voluntarios de um anno, que representa os privilegios. (Apoiados.)

E esses privilegios são inevitaveis, porque a industria, a agricultura, as artes, emfim os serviços publicos, exigem que haja um certo numero de homens disponiveis, e se fossemos sujeitar todos a um serviço de tres annos nas fileiras, era impossivel satisfazer a essas exigencias. Não se illuda ninguem a esse respeito.

O illustre deputado, no seu desejo sincero de reduzir as despezas publicas, desejo em que, permitta-me s. ex.ª que lh'o diga, não vae mais longe do que eu, quer que se reduzam a 18:000 homens os 23:000 de que trata o orçamento, e quer ao mesmo tempo que se estabeleça o serviço obrigatorio.

Mas o serviço militar obrigatorio ha de exigir uma despeza muito superior á que se faz agora, (Apoiados.) áquella mesma que se faz com os taes 23:000 homens, despeza que aliás julgo que é necessario fazer-se dentro dos limites da Instrucção e disciplina que são estabelecidas aos corpos mi-

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litares, que hão de formar-se para o serviço militar obrigatorio.

Mas se o illustre deputado pretende que se reduza a verba orçamental, que em logar da que vem marcada para 23:000 homens, se fixe sómente para 18:000 homens, pela minha parte não me opponho, mas a camara não sei se quererá fazel-o.

Fique tudo como estava, mas o governo gasta a mesma somma.

Póde reduzir-se a verba no orçamento de modo que represente a que vinha mencionada no orçamento apresentado ha trinta annos n´esta casa, e d'este modo repete-se o que se fez ha trinta annos, mas nós o que queremos é descrever no orçamento a despeza que se faz.

Mas como ha uma lei annual que fixa a força do exercito em 30:000 homens, e dá auctorisação ao governo de licenciar a que julgar conveniente, sem prejuizo do serviço publico, e como o governo é o unico juiz d'esta conveniencia, está claro que o governo está no seu direito de chamar ao serviço as praças que entender que são necessarias para as necessidades do mesmo serviço; portanto está tambem claro que ha creditos extraordinarios em virtude d'essa disposição da lei.

O illustre deputado é bastante illustrado para saber que o governo póde chamar até 30:000 homens o numero que quizer, ou que julgar necessario para o serviço publico: elle é o unico juiz d'essa necessidade, e, chamado o numero de praças que quizer, tem de pagar a essas praças. Mas por outra parte diz o orçamento que se não póde passar de 18:000 homens, e a experiencia tem mostrado que esse numero não é sufficiente, porque todos os governos têem sido forçados a excedel-o.

E o que se faz? Pede-se ao conselho d'estado e este vota-lhe um credito extraordinario para pagar ás praças do exercito excedentes a 18:000. Pois não será melhor, e note-se que esta iniciativa não é minha, estimaria que o fosse, tenho pena que o não seja: é uma idéa de contabilidade que aperfeiçoa o orçamento, documento que deve saír das côrtes com caracter verdadeiramente serio e que se não preste a interpretações duvidosas, esta iniciativa repito é do meu illustre antecessor o sr. general Sousa Pinto, e note tambem a camara que eu estou discutindo e sustentando um orçamento que não fiz, que não apresentei, mas que acceitei; pois não será melhor, como ía referindo, descrever, como descreveu o meu illustre antecessor, no orçamento a verba que se approxima mais da verdade, e que é necessaria para manter os 28:000 do que só para 18:000 homens, como quer o illustre deputado? Creio que sim. (Apoiados.)

No momento em que gosâmos de paz interna e externa é que devemos melhorar a nossa defesa.

Não offendemos ninguem, respeitâmos todas as nacionalidades, como respeitam a nossa, e tratâmos, como tratam todos, dentro dos limites dos nossos direitos, de melhorar a nossa defeza, e todas as instituições que lhe dizem respeito, que são variadas e complicadas.

É bom que se saiba que nos falta muita cousa, mas desejo que nos colloquemos quanto possivel nos limites da verdade.

Acho tão prejudicial exagerar para mais as vantagens que temos, fazendo nascer uma confiança errada e absurda, como acho prejudicial amesquinhar os nossos meios e melhoramentos, em relação ao que se tem feito ao exercito, porque faz renascer um certo terror, que nenhuma rasão justifica.

Se depois de se ter gasto tanto dinheiro, depois de tantos homens distinctos terem estudado, já no ministerio, já na camara, já em commissões especiaes nomeadas para esse effeito, occupando-se de melhorar as condições do exercito, se depois d'isto nada se tem feito e estamos em um estado de miseria como se quer fazer acreditar, começam todos a desconfiar que não ha recursos para nos levantarmos á altura necessaria, e d'aqui ao desalento vae um passo.

Nem uma, nem outra cousa são verdadeiras.

Não estamos preparados, nem temos tudo de que necessitâmos, mas não estamos tão desprotegidos de Deus e dos homens, como se costuma dizer, e dos recursos da arte, das sciencias e das instituições, que nos possamos dizer completamente desarmados.

Eu não gosto de fallar de mim, mas fallarei da entidade do governo, embora tenha feito parte d'elle. Para responder ao illustre deputado, para captar a sua benevolencia, porque não quero outra cousa, quero conquistar a sua palavra eloquente em favor da instituição militar, apesar de reconhecer que isso é difficil, porque ha fortalezas inexpugnaveis, para responder ao illustre deputado, repito, direi a v. ex.ª que é preciso que se convença de que me occupo seriamente do assumpto, e posso affirmar que não ha em Portugal uma espingarda capaz de fazer fogo, que não seja comprada por mim, e com isto não quero censurar ninguem, nem os meus adversarios que já lá vão ha muitos annos e dormem o somno dos justos, mas a verdade é esta.

Não ha uma espingarda em Portugal, distribuida aos corpos, nem arrecadada nos arsenaes, capaz de fazer fogo que não seja comprada por mim; não ha nenhum canhão moderno, quer seja de campanha, quer seja de costa ou de posição, capaz de se bater com os canhões da Europa, senão comprado por mim; não ha uma ambulancia para transporte de feridos, que não seja comprada, aperfeiçoada e dirigida pelo ministerio de que tenho feito parte; não ha um muro de fortificação em roda de Lisboa que não tenha sido levantado no tempo em que tenho estado no ministerio.

E por esta occasião quero prestar homenagem a um grande cidadão que já não existe, e por isso é sincera e despretenciosa, porque não se lisonjeiam os mortos.

Refiro-me a um homem notavel e eminente, o honrado marquez de Sá da Bandeira, (Apoiados.) que fez a propaganda e o apostolado de uma idéa que quasi todos repelliam, que era a necessidade de fortificar Lisboa e seu porto.

Aquelle grande vulto politico, de quem me honrei de ter sido amigo, apostolou de tal fórma aquella idéa, escreveu, fallou e promoveu por tantos modos a sua realisação, que no fim de tudo a idéa vingou e convenceu a todos.

Hoje está-se trabalhando activamente nas fortificações de Lisboa e seu porto.

Mas o levantamento de um muro, de uma muralha para essas fortificações só se fez durante o ministerio de que tenho feito parte. (Apoiados.)

Se temos torpedos para defender o porto de Lisboa, uma das defezas mais efficazes que se conhece, mandei eu comprar. (Apoiados.)

A fallar a verdade creio que alguma cousa tenho feito a favor do exercito.

É preciso explicar bem e convencer a todos da necessidade de levantar o exercito á altura da sua missão.

O que tenho feito não é só para paradas, e se as tem havido foi bom, para que o povo visse em que se gastou o dinheiro, para que conheça que os melhoramentos do exercito não são uma invenção minha, nem de ninguem, mas uma realidade e um facto. (Apoiados.)

Attribuem-se-me todas as paradas, e diz-se que quando não estou no ministerio não ha paradas.

No anno passado, quando estava em Paris, li n'um jornal que tinha havido em Lisboa uma grande parada feita pelo ministerio que o illustre deputado apoiava, em commemoração do dia 24 de julho.

Não fiz paradas por ostentação. Paradas sempre as houve. Houve antes e houve depois.

Agora o que é verdade é que se fez uma parada, e eu não estava cá, que devia ser excellente em relação ao armamento, ao conjuncto das tropas e ao seu asseio.

Antigamente não se podiam fazer paradas por uma ra-

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são muito simples, porque não havia com quem as realisar. (Apoiados.)

E então era melhor não as fazerem para que o estrangeiro não visse o estado abatido do nosso exercito, do seu armamento, e o estado atrazadissimo da nossa artilheria. E paradas fazem-se em toda a parte; fazem-se na Prussia e na Belgica, em França, na Italia e na Hespanha.

Em toda a parte se dá instrucção ao exercito em campos de manobras ou acampamentos.

Quiz fazer uma escola de generaes e officiaes superiores, e sobretudo escola de officiaes de estado maior. Fil-a em Tancos.

Encarreguei militares competentes, illustrados e activos, para preparar o terreno e tudo quanto dizia respeito á escola de Tancos, de modo que podesse ser util ao exercito. Tive a satisfação de ver que o sr. marquez de Sá fez a essa escola um grande elogio no seu relatorio. (Apoiados.) Elle era competente, porque sabia; e tanto mais competente, quanto que elle militava no partido politico opposto áquelle a que eu pertencia, n'aquelle partido que se tinha pronunciado abertamente contra a creação d'aquella escola.

Mas o sr. marquez de Sá, não obstante ser de politica opposta, declarou n'um relatorio, que corre impresso, que era de necessidade crear aquella escola, embora ella trouxesse augmento de despeza.

Assim como temos escolas de instrucção primaria, de instrucção secundaria e escolas regimentaes para o exercito, deviamos ter escola para instruir os officiaes do estado maior e officiaes superiores. É exactamente o que é o acampamento. Se não ha acampamentos em toda a parte, é por outras circumstancias. Pela minha parte não tenho julgado opportuno apresentar modificações taes na nossa legislação, que possam, em todo o tempo e logar, verificar-se os acampamentos militares.

Temos feito alguns exercicios nas proximidades de Lisboa, n'uma certa epocha do anno, quando as colheitas estão recolhidas, e quando se póde entrar sem prejuizo, sem resistencia, nem violencia, nas propriedades abertas, mas esses exercicios em ponto pequeno, porque aqui tudo é em ponto pequeno, menos o patriotismo. (Apoiados.)

Mas na Belgica não se faz assim; ha um acampamento onde as tropas se vão adestrar, e sobretudo os officiaes. Em Inglaterra ha um acampamento onde as tropas se vão igualmente adestrar.

Perguntar-me-hão — mas porque é que a Inglaterra o a Belgica não seguem o exemplo da Prussia, onde as tropas fazem exercicio n'um acampamento ao acaso? Mas é que n'esse paiz existe por lei a obrigação dos particulares abrirem os campos para entrarem as tropas, e porque as tropas muitas vezes destroem as propriedades em que entram, está regulada a indemnisação correspondente. Mas ha outros paizes que não querem fazer isso.

Eu contentava-me que existisse o campo de Tancos, terreno aberto, onde se podessem fazer manobras de certas armas combinadas. E não estamos tão adiantados em sciencia militar, que precisemos logo chegar aos ultimos termos da escola pratica. Com o acampamento de Tancos tinhamos já feito um grande serviço. (Apoiados.)

Pois levantaram-se contra mim, e eu tive, na segunda vez que entrei no ministerio, que transigir um pouco com a opinião publica, porque entendo que não se póde governar contra a opinião, embora seja errada. Tive, pois, que transigir, e não pude mandar para Tancos senão algumas pequenas forças.

Depois que saí do ministerio, vi que tinha ido para ali uma brigada; era pouco, mas tinha sido alguma cousa, e vi isso com satisfação. Não fui eu, mas estimo que se fizesse.

Eu poderia alongar muito as minhas considerações a este respeito, porém creio que não vale a pena, não porque o assumpto não seja da maior importancia, mas porque não estamos tratando agora da organisação do exercito.

Quiz seguir até onde pude a argumentação do illustre deputado que precedeu o illustre militar que fallou antes de mim, e que combateu em parte o projecto, e por outra parte fez observações que não eram para combater ninguem, mas que exigiam da minha parte explicações por dever de cortezia para com o illustre deputado, e por dever de meu cargo.

Estas explicações estão dadas.

Não desisto de trabalhar constantemente para levantar o exercito á altura a que elle deve ser elevado para preencher o seu fim. (Apoiados.)

Hei de apresentar ainda este anno algumas propostas para modificar algumas das que o meu antecessor tinha apresentado, e hei de pedir auctorisações para comprar mais armas, canhões e torpedos, para continuar as fortificações de Lisboa e seu porto, para organisar um deposito de instrucção de cavallaria, para fazer algum alargamento na arma de artilheria, e para a organisação da escola do exercito.

Com estas propostas e com as que o meu antecessor apresentou, creio que temos meios suficientes para entreter a vossa actividade durante o anno que decorre até ao principio de junho de 1879.

Emquanto á reforma do exercito propriamente dita, essa reforma não se póde fazer de uma maneira efficaz e conveniente, senão de accordo com a reforma da lei do recrutamento; porque a reforma da lei do recrutamento é a base da reforma do exercito. E eu não podia, sem incorrer n'uma gravissima falta, sem me arriscar a fazer um trabalho leviano, sobre o joelho, como se costuma dizer, apresentar ás côrtes uma reforma d'esta natureza deixando de a levar até aos seus fundamentos; porque isso seria comprometter provavelmente um pensamento elevado, e tornar cada vez mais difficil a nossa organisação militar.

Estou por consequencia resolvido a apresentar na proxima sessão ás camaras as propostas necessarias para organisar o exercito, debaixo de um ponto de vista mais amplo, considerando todos os elementos de vida que se devem considerar para que o exercito não seja um obstaculo em logar de uma vantagem. Hei de apresentar ás camaras, e ellas em sua sabedoria resolverão o que entenderem.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos): — A commissão de redacção não fez alteração alguma aos projectos n.ºs 10 e 11.

O sr. Presidente: — Vão ser expedidos para a outra casa do parlamento.

O sr. Osorio de Vasconcellos: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Luiz de Lencastre: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer prorogar a sessão até se votar o orçamento do ministerio da guerra.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Pinheiro Chagas: — (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Foi approvado o capitulo 3.º

Foram approvados sem discussão os capitulos 4.° a 9.º

São os seguintes:

4.º Praças de guerra e pontos fortificados. 25:205$082

5.° Diversos estabelecimentos e justiça militar.......................370:856$998

6.° Officiaes em diversas commissões..... 31:229$358

7.° Officiaes em disponibilidade e inactividade temporaria.................. 23:544$000

8.° Officiaes sem accesso e reformados... 641:711$148

9.º Veteranos e invalidos.............. 14:589$345

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Entrou em discussão o Capitulo 10.°

Diversas despezas.................... 181:140$390

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Mando para a mesa uma proposta relativamente a este capitulo, para que v. ex.ª tenha a bondade de a mandar á respectiva commissão; é a seguinte:

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Capitulo 10.°, artigo 21.°, secção 5.ª — Proponho que da verba d'este artigo, que é de 42:000$000 réis para obras nos edificios militares, se applique a quantia de 5:000$000 réis para os concertos indispensaveis no hospital militar de Angra do Heroismo, em ordem a que elle possa prestar ás praças doentes aquelles commodos que hoje não tem pela antiga e acanhada construcção com que foi feito. = Visconde de Sieuve de Menezes.

Foi admittida e enviada á commissão.

Em seguida foi approvado o capitulo 10.º e igualmente o 11° sem discussão.

É o seguinte:

Despezas de exercicios findos............ 2:700$000

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira é a continuição da que estava dada e mais o projecto de lei n.º 13.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e meia da tarde.

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