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DIARIO DA CAMÂRA DOS SENHORES DEPUTADOS
sobre essa declaração seja apresentada uma proposta de lei para encerrar definitivamente as contas do exercicio findo. E o julgamento final das contas dos ministerios. Pois nunca o tribunal de coutas cumpriu este dever; nunca ás côrtes foi apresentada proposta de lei alguma para o encerramento das contas dos exercicios findos!! E esta é a nossa situação! (Apoiados.)
Fazem-se orçamentos, mas dão-se as contas que se querem dar, porque não ha sobre essas contas fiscalisação alguma! Ha fiscalisação effectiva e real para as contas de irmandades e de confrarias, mas não ha nenhuma para as contas dos ministerios. (Apoiados.)
Tenho dito aqui, uma e muitas vezes, que, ou este estado de cousas ha do acabar, ou a situação do thesouro ha de peiorar cada vez mais.
Eu sei como se despendem os dinheiros publicos nos differentes ministerios. A fazenda publica está perfeitamente á mercê da boa ou má vontade, da Índole mais ou menos perdulária de cada ministro. (Apoiados.)
Persuadem-se os illustres deputados que quando discutem o orçamento fazem aqui alguma cousa util, e que satisfazem plenamente aos deveres do seu mandato?!
Illudem-se completamente. O tempo que gastam discutindo o orçamento, podiam applical-o a outro qualquer trabalho, que talvez fosse mais util do que esse.
Que importa discutir o orçamento, que importa que se vote uma relação de verbas de receita e despeza, que outra cousa não é o orçamento, se depois se não verifica se essas verbas foram ou não excedidas?! Pois imaginam que fazem algum serviço serio e util, discutindo o orçamento do estado?! Illudem-se, repito. (Apoiados.)
E por isso que tenho dito aqui uma e muitas vezes, e folgo de ver que o sr. visconde de Moreira de Rey tenha associado a auctoridade da sua palavra e da sua opinião ás minhas reiteradas instancias, que antes do votarmos novas despezas devemos tratar de reorganisar a nossa administração financeira, por modo que tenhamos a certeza de que as verbas de despeza aqui votadas são applicadas pela fórma e com os intuitos com que as votamos. (Apoiados.)
Em França, onde o tribunal de 'contas julga as contas dos ministerios, mas onde não ha fiscalisação prévia como na Belgica e na Italia, para as despezas que são feitas pelos differentes ministerios, sabe v. ex.ª o que fazem as camaras?! Ainda ha pouco tempo a camara dos deputados nomeava uma commissão de membros seus, para ir ao arsenal do exercito e de marinha, verificar se as compras de material de guerra que os ministros tinham feito, em virtude da auctorisação das camaras, tinham sido bem e convenientemente effectuadas.
Se alguem se lembrasse de propor a nomeação de uma commissão de membros d'esta casa, para ir ao ministerio da guerra, ao arsenal do exercito, ao arsenal da marinha' verificar como tinham sido realisadas as compras do armamento e de material de guerra, levantava-se logo o sr. ministro da guerra ou qualquer dos srs. ministros o dizia: «Pois que! vós disconfiaes do governo?! suppondes que o governo era capaz de mal gerir os dinheiros publicos?!... Quem tem confiança vota, quem não tem confiança não vota». (Apoiados. — Vozes: — Muito bem).
Estamos acostumados a isto. Esta é que é a verdade. (Apoiados.)
Desde que se levanta aqui qualquer deputado a lazer uma proposta de inquerito, vem logo a questão de confiança politica, e, como v. ex.ª sabe, nem á discussão são admittidas essas propostas. (Apoiados.)
Eu declaro a v. ex.ª, para hoje e para sempre, que, se algum dia me achasse sentado n’aquelles bancos (os do governo), e se alguem se levantasse, da maioria ou da opposiçâo, e propozesse uma commissão de inquerito a qualquer dos ramos do serviço publico, eu, custassa-me o que me custasse, levantar-me-ía por parte do governo e diria:
«acceito (Apoiados.), não só acceito, mas peço que vão ás secretarias para examinarem o que por lá vae». (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)
Sabe v. ex.ª o que eu fiz a este respeito?
E peço a v. ex.ª licença para citar um facto pessoal.
Sabe v. ex.ª o que eu fiz n'um ponto mais limitado e mais pequeno?
Ha pouco tempo, quando na imprensa de Lisboa um desgraçado, um miseravel se lembrou de dizer que na direcção dos proprios nacionaes, a meu cargo, se sonegavam processos de denuncia e se praticavam outras malversações d'este genero, eu pedi ao sr. ministro da fazenda que me desse licença para fazer um/i publicação nos jornaes, convidando todos os meus detractores a que fossem aquella secretaria, que eu lá estaria a qualquer hora do dia para lhes dar todas as explicações. (Vozes: — Muito bem.)
A syndicancia queria eu que fosse feita pelos meus accusadores e não por outras pessoas. (Vozes: — Muito bem.)
O silencio mais completo respondeu á minha provocação.
Como homem posso deixar de dar explicações aos meus accusadores. Uso do meu direito. Como funccionario, não. (Vozes: — Muito bem.)
As funcções, que exerço, não são minhas, pertencem á nação. Sou apenas depositario dellas. E desde que um cidadão, por mais humilde que seja, se levanta no grande fórum da publicidade, e diz: «dae-me conta das funcções que exerceis, accuso-vos d'este ou d'aquelle abuso», eu entendo que é minha obrigação dar-lhe essas contas. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)
Pois em relação aos srs. ministros actuaes não tem sido um simples cidadão que se tem levantado; tem sido um deputado, ou, mais que um deputado, um partido inteiro, que tem vindo, não em nome das suas suspeitas, mas em nome dos interesses publicos, pedir que se abram as portas das secretarias, não para dar satisfação a um capricho qualquer, mas para se ver como lêem sido geridos os dinheiros publicos (Apoiados.); porém os srs. ministros levantaram sempre n'estas occasiões a questão politica e nem sequer se admittiram á discussão essas propostas. (Apoiados.)
Eis aqui os factos.
Ora, sr. presidente, é preciso mudar de vida; e, para mudar de vida, é preciso reformar o tribunal de contas, não só no sentido de que elle julgue as contas dos ministerios, mas tambem acrescentando-se ás suas attribuições outras muito importantes, quaes são as de fiscalisarem o pagamento das despezas publicas (Apoiados.), não consentindo que nenhuma despeza seja feita pelos ministerios sem que previamente tenha sido auctorisada por aquelle tribunal. (Apoiados.)
Assim é que se procede em duas grandes nações da Europa — a Italia e a Belgica.
Se o sr. ministro da fazenda, ou algum dos seis collegas, precisar d'isso, eu posso fornecer-lhe, não só as leis, mas tambem os regulamentos e disposições que se praticam, na Belgica e na Italia, por onde se prova que é possivel levar á pratica este systema.
Sabe v. ex.ª o que se faz n'estes dois paizes?
Quando um ministro nomeia um empregado, o decreto da nomeação vae ao tribunal de contas para registar. Este verifica e regista a nomeação, quando esta é legal; e quando não é legal, nega esse registo, e o chefe da contabilidade incorre na responsabilidade correspondente se pagar ao funccionario nomeado.
Eis-aqui o que se consegue com a reforma do tribunal de contas, dando-lhe estas attribuições. Consegue se que os srs. ministros tendo uma corporação independente, que póde pôr o seu veio ás despezas legaes, se abstenham de as ordenar.
E se assim se fizesse entro nós, posso afiançar a v. ex.ª que a situação do thesouro melhoraria de dia para dia. E
Sessão de 27 de fevereiro de 1879